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Full text of "Brás Garcia Mascarenhas; estudo de investigação histórica"

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lí]5tituto  de  K^tuào<^ 


Dr.  ANTÓNIO  DE  VASCONCELOS 

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BRÁS  GARCIA 
MASCARENHAS 


ESTUDO   DE  INVESTIGAÇÃO 
HISTÓRICA 


f^ 


COIMBRA 

IMPRENSA   DA   UNIVERSIDADE 

M-DCCCC-XXII 


o  presente  estudo  de  investigação  histórica  faz  parte  da  série  de  trabuliios  do 
Instituto  de  Estudos  Históricos  e  Filosóficos  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra. 
Saiu  em  edição  provisória,  fraccionado  em  artigos,  na  Revista  da  rnivcrsidade 
de  Coimbra,  volumes  I,  II  e  VIII. 


PRIMEIRA    PARTE 

Estudo  de  investigação  histórica 

PELO 

Prof.  Dr.  António  de  Vasconcelos 


Sofrco  emulações,  calamidades, 
Exprimentou  trabalhos,  tSc  perigos, 
Que  quem  não  exprimenta  adversidades. 
Não  sabe  pelejar  contra  inimigos: 
Tolerando,  &  compondo  inimizades, 
Sempre  servindo,  &  adquirindo  amigos. 
Fabricou  sua  fortuna  altiva,  &  rica. 
Que  também  a  fortuna  se  fabrica. 

Bkás  Garcia  de  Mascarenhas,  Viriato 
Trágico,  VIII,  5. 


ADVERTÊNCIA 

Por  brevidade,  usar-se  há  nas  notas  a  seguinte  maneira  de  citar ; 

A.  U.  —  Arquivo  da  Universidade. 

C.  C.  —  Cartório  do  Cabido  de  Coimbra. 

C.  E.  —  Câmara  Eclesiástica  de  Coimbra. 

C.  S.  —  Cartório  do  Setiiinário  de  Coimbra. 

T.  T. —  Torre  do  Tombo  (Arquivo  Nacional  da). 

V.  T.  —  Viriato  Trágico,  poema  de  Brás  Garcia 


Família  de  Marcos  Garcia,  de  Avô 

A  nobre  e  antiga  vila  de  Avô  era  no  século  xvi  uma  bela  povoação 
minúscula,  amorosamente  recostada  entre  os  rios  Alva  e  Moura,  que 
dos  dois  lados  formavam  em  volta  dela  uma  linha  de  respeito,  e 
vinham  juntar-se  a  seus  pés,  onde  depunham,  como  que  em  home- 
nagem a.  sua  suserana,  o  precioso  tributo  das  cristalinas  águas  no 
formosíssimo  lago  denominado  o  Pego. 

O  corpo  donairoso  da  gentil  princesa  serrana  reclinava-se  graciosa- 
mente pela  encosta  da  Coitrijca,  e  a  cabeça,  apoiada  com  elegância  se- 
nhoril na  colina  do  Outeiro,  era  coroada  pelo  diadema  três  vezes  secular 
do  forte  castelo,  recortado  de  ameias,  edificação  do  rei  lavrador. 

Da  outra  banda  do  rio  Alva,  na  encosta  ligada  à  vila  por  antiga  ponte, 
surgia  majestosa,  na  sua  esbelta  linha  gótica,  a  paroquial  igreja  de  Nossa 
Senhora  da  Assunção,  dominando  as  poucas  e  modestas  habitações, 
que  abaixo  do  adro  se  iam  construindo  a  descer  para  a  ponte. 

Para  lá  do  Moura,  mais  conhecido  hoje  pela  denominação  de 
ribeira  de  Pomares,  não  havia  sequer  vestígio  de  casas ;  nem  ainda 
se  tinha  lançado  a  ponte,  que  no  século  imediato  veiu  ligar  esta 
margem  com  a  povoação. 


Quem/  nos  fins  do  referido  século  xvi,  vindo  de  Vila-Cova  para 
Avô,  chegasse  à  margem  esquerda  do  rio  Moura,  no  sítio  onde  ele 
vasa  as  suas  águas  no  Pego,  misturando-as  com  as  do  Alva,  e  olhasse 
em  frente,  via  na  outra  margem  do  rio  uma  casa  de  modestas 
dimensões,  mas  de  aspecto  afidalgado.     Era  uma  bela  habitação,  com 


70  'Brás  Garcia  de  (^Mascarenhas 

as  suas  portas  e  janelas  manuelinas,  que  parecia  ter  sido  construída 
ali,  à  entrada  da  vila,  para  a  proteger  contra  qualquer  incursão  que 
o  inimigo,  vadeando  a  ribeira,  tentasse  fazer  por  esta  banda;  ou, 
melhor,  dava  ares  de  um  vasto  mirante  senhoril,  erguido  naquele  sitio 
para  sentimental  castelã  ver  deslisar,  por  entre  a  verdura  das  árvores, 
as  mansas  águas  dcs  dois  rios,  que  a  seus  pés  se  juntavam  e  con- 
fundiam no  poético  e  formoso  lago  *. 

Esta  casa  era  residência  dum  ramo  da  família  dos  Garcias  de 
Mascarenhas,  descendentes,  ao  que  se  diz,  dum  fidalgo  espanhol, 
Marcos  Garcia  de  Mascarenhas,  filho  do  duque  de  Burgos,  que  no 
século  XV  emigrara  para  Portugal,  casando  em  V^alezim  com  a  filha 
de  Martim  Anes,  pessoa  principal  da  terra.  E  o  que  afirmam  os 
genealogistas,  sempre  atreitos  a  adoptar  e  concertar  lendas,  e  a  fan- 
tasiar origens  heróicas  às  famílias  cujas  ascendências  traçam,  por 
vezes  bem  caprichosamente.  E  aqui  temos  um  dos  casos  em  que  a 
fantasia  devaneou  em  liberdade  pelo  mundo  das  quimeras. 

Nunca  em  Espanha  houve  o  título  de  duque  de  Burgos  - ;  e  sempre 
em  Portugal  houve  Garcias  desde  tempos  anteriores  à  fundação  da 
nossa  nacionalidade,  não  sendo  menos  certo  que  os  Mascarenhas 
também  vivem  entre  nós  desde  longa  data.  Documentos  medievais 
dão-nos  conta  de  que,  na  própria  região  onde  no  século  xv  residiam 
os  Garcias  de  Mascarenhas,  havia  já,  antes  do  meado  do  século  xiii, 
pessoas,  umas  de  nome  outras  de  apelido  Garcia;  e  sabemos  que  o 
que  principiou  por  ser  nome  próprio  passou  a  patronímico,  e  por  fim 
a  simples  apelido  de  família  ^.     i  Quem  nos  diz  que  não  possa  alguma 


'  Encontra-se  referência  a  esta  casa  no  Viriato  Trágico,  cant.  xv,  est.  29,  e 
acha-se  descrita  com  os  outros  bens  da  família  do  poeta  na  escritura  de  instituição 
de  vínculo  feita  pelas  suas  duas  únicas  irmãs,  que  restavam,  a  27  jan.  iõ8i  (Doe.  CVII). 
Ainda  hoje  existe,  em  posse  de  descendentes  directos  de  Brás  Garcia;  mas  só  uma 
parte  da  casa  actual  remonta  aos  princípios  do  século  xvi,  achando-se  o  resto  do 
edifício  alterado  por  modificações,  reedificações  e  acrescentamentos  feitos  nos 
séculos  seguintes. 

^  Foi  este  ponto  bem  liquidado  pelo  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias,  como 
êle  nos  expõe  no  seu  interessante  livro  —  O  Poeta  Garcia,  pag.  16  e  ss. 

'  Quando  em  i258,  por  ordem  de  D.  Atfonso  III,  se  realizaram  nas  terras  de 
Seia  as  Inquirições  gerais,  cujos  registos  estão  archivados  na  Torre  do  Tombo, 
residia  em  Lagares  um  D.  Garcia,  oriundo  de  Folhadosa,  onde  tinha  família,  repre- 
sentada por  seu  irmão  D.  Mendo.  Coevos  deste  havia  em  Lagos  um  Pedro  Garcia, 
em  Vila-Pouca  D.  Garcia,  e  em  .Avô  Garcia  Peres,  que  figuram  como  testemunhas 
nestas  Inquirições.     Também  nos  aparece  mencionado  como  senhor  de  Várzea  de 


Ciip   I — Família  de  oMarcos  Garcia,  de  oAvô  1 1 


BRAZ'AO     DARMAS     DA    FAMÍLIA 

DOS    GARÇAS    D     AiAS(£RENHAS 

D     FOLHADOSA 


/o  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

dessas  pessoas  ser  ascendente  dos  que  mais  tarde  foram  conhecidos 
pelos  Garcias  de  Mascarenhas? 

Um  íilho  do  mencionado  Marcos  Garcia,  de  nome  idêntico  ao  do 
pai,  casou  em  Folhadosa  com  Brites  ou  Briatiz  Marques,  senhora  de 
grossa  fortuna,  de  quem  teve  bastantes  filhos,  que,  espalhando-se  por 
várias  terras  da  Beira,  aí  se  matrimoniaram  e  prolificaram  largamente. 

Ana  Marques,  um  dos  rebentos  deste  casal,  contraiu  matrimónio 
na  Bobadela  com  António  Alves  de  Abranches,  havendo  numerosa 
descendência,  principalmente  feminina,  que  muito  concorreu,  por  seus 


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Assento  do  baptismo  de  Marcos  Garcia,  pai  de  Brás. 

casamentos  em  diversas  terras,  para  a  larga  difusão  em  multíplices 
ramos  da  árvore  genealógica  dos  Garcias  de  Mascarenhas'. 


Candosa,  em  época  mais  remota,  um  Garcia  Mendes,  que  doou  esta  herdade,  perten- 
cente à  paróquia  de  Covas,  a  alguns  parentes  pobres,  que  tinha,  os  quais  depois  a 
venderam  ao  bispo  de  Coimbra,  que  a  anexou  à  sua  vila  de  Candosa.  tudo  isto  em 
tempo  anterior  às  referidas  Inquirições  do  meado  do  século  xiii,  as  quais  nos  dão 
conta  desses  contratos.  Pertencia  nessa  época  o  senhorio  do  lugar  de  Santa- 
Comba-a-par-de-Seia  a  duas  irmãs,  Elvira  Garcia  e  Sancha  Garcia,  que  o  haviam 
herdado  de  seus  ascendentes  paternos. 

'  Vid.  Notas  genealógicas,  em  .4pênd.  ao  presente  volume,  notas  I,  II  e  III. 


Cap.  I —  Família  de  oMarcos  Garcia,  de  oAvó  i3 

EIntre  os  filhos  de  Ana  Marques  figura  um,  em  quem  reviveu  o 
nome  de  Marcos,  que  já  pertencera  a  seu  avô  e  bisavô. 

Nascido  em  meado  de  novembro  de  i564*,  este  Marcos  Garcia 
saiu  da  casa  paterna  antes  de  perfazer  os  27  anos  de  idade,  para 
casar  na  vila  de  Avô  com  Helena  Madeira,  senhora  que  então  contava 
23  anos  incompletos,  pois  nascera  em  setembro  de  i568^.  Realizou-se 
o  casamento  na  igreja  paroquial  de  Avô  numa  segunda  feira,  19  de 
agosto  de  iSgi  3. 


^De  que  estirpe  descenderia  esta  dama  avoense,  na  qual  veiu  enxer- 
tar-se  uma  vergôntea  da  nobre  família  dos  Garcias  de  Mascarenhas  ? 

O  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias,  que  muito  se  esforçou  por 
tecer  a  genealogia  desta  gente,  e  que  tem  o  mérito  de  haver  sido  o 
primeiro  a  levantar  o  veo  que  encobria  a  história  desta  família,  apenas 
refere  que  era  filha  de  Francisco  Annes  e  de  sua  mulher  Maria 
Madeira^;  mas  nisto  foi  menos  bem  informado.  Existe  o  assento 
de  baptismo  desta  senhora  no  registo  paroquial  de  Avô  relativo  ao 
ano  de  i568,  onde  se  diz  ter  sido  baptizada  a  26  de  setembro  tlena 
f."  de  Simão  gracia  ^.     ^  Será  porém  demonstrável  a  identidade  desta 


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Assento  do  baptismo  de  Helena  Madeira,  miíí  do  poeta. 


Helena  com  a  que  foi  mulher  de  Marcos  Garcia  ?  i  Quem  nos  diz  que 
Helena  filha  de  Simão  Garcia  e  Helena  mulher  de  Marcos  Garcia  sejam 
uma  e  a  mesma  pessoa,  e  não  duas  distintas,  embora  conterrâneas, 
coevas  e  homónimas  ? 

Haveria  um  meio  de  tirar  isto  a  limpo :  recorrer  ao  registo  do  ca- 
samento de  Marcos  e  Helena,  pois  nos  assentos  matrimoniais  costuma- 
vam descrever-se  as  filiações  dos  cônjuges  ;  é  certo  porem  que  a  folha 


'  Vid.  Documentos,  em  Apênd.  ao  presente  volume,  doe.  II. 
»  Doe.  IV.  —3  Doe.  VII.  —4  Op.  eit.  pag.  23.  —  5  Doe.  IV. 


14  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

do  livro  de  registo,  onde  se  encontra  exarado  este  assento,  foi  dilacerada 
exactamente  no  ponto  em  que  principiava  a  ser  descrita  a  filiação  de 
Helena  Madeira,  e  o  resto  do  assento  passava  para  a  folha  imediata, 
que  lá  se  não  encontra!  Mas  nem  por  isso  ficamos  privados  de 
apurar  a  verdade. 

Encontrei  na  Câmara  Eclesiástica  de  Coimbra  um  requerimento, 
feito  em  novembro  de  1621,  em  que  Manuel  Garcia,  filho  dos  men- 
cionados cônjuges,  requere  admissão  aos  três  últimos  graus  de  ordens 
menores  e  à  sagrada  ordem  do  subdiaconado,  e  no  qual  declara  q  os 
anos  da  parte  de  seu  pai  forão  Ant."  al-^-  e  aua  marqi  m.°"  na  uilla 
de  bobadella  e  da  mai  Simão  guarda  e  varonica  mines  m.°"  em 
Auo '.  Foi  este  documento  que  me  forneceu  o  fio  de  Ariadne,  para 
descobrir  a  saída  do  misterioso  labirinto  genealógico.  Depois  fui 
encontrando  sucessivamente  novos  documentos  confirmatórios:  um 
alvará  régio,  datado  de  4  de  setembro  de  lôgS,  cujo  registo  existe  na 
Torre  do  Tombo,  em  que  se  refere  expressamente  que  Simão  Garcia 
era  sogro  de  Marcos  Garcia-;  e  vários  depoimentos  de  testemunhas 
em  processos  de  inquirição  de  geuere,  arquivados  na  Câmara  Ecle- 
siástica de  Coimbra  ^. 

í         J^"     ri ryrfO  J«^^  /    <•    a  /  . 


»Doc.  XXIV.  — 2Doc.  X. 

'  No  processo  de  inquirição  de  genere,  uita  et  moribus,  que  se  fez  em  Avô  no 
ano  de  1621  para  a  ordenação  de  menores  do  mencionado  Manuel  Garcia,  a  teste- 
munha Gaspar  de  Paiva  depôs  q  mui  bem  conhecera  a  Simão  graçia  e  a  Varonica 
nui-f  anos  do  dito  ordenante  (se.  ordinando)  por  parte  de  sua  mai  naturais  e  mora- 
dores q  farão  nesta  dita  villa  de  auo.  O  mesmo  disseram  as  testemunhas  Gaspar 
Dias  e  Diogo  Alves.  Simão  de  Freitas  declarou  ^  bem  conhecera  a  Simão  gracia 
auo  q  foi  do  dito  ordenante  por  parte  de  sua  mai  mas  q  a  varonica  nííis  também 
sua  auo  pella  mesma  parte  elte  a  não  conhecera  de  vista,  mas  ^  sempre  ouuira  q  os 
sobreditos  forão  auos  do  dito  ordenante  hj.'"'  gracia. —  Semelhantes  depoimentos  se 
encontram  nos  processos  de  inquirição  que  correram  em  Avô  em  1622  e  1626,  para 
Manuel  Garcia  ser  admitido  às  ordens  de  subdiácono  e  de  presbítero,  e  bem  assim 


Cap.  I —  Família  de  <£Marcos  Garcia,  de  oAvó  i5 

Assento  do  casamento  de  Marcos  Garcia  com  Helena  Madeira. 


Por  fim,  e  depois  de  escrito  este  capitulo,  deparou-se-me  casual- 
mente no  Cartório  do  Seminário  desta  cidade  o  final  do  assento  de 
casamento  de  Helena  Madeira,  onde  ainda  se  lê  o  nome  de  sua 
mãe  Varoniqua  iiune^^K  Foi  esta  a  prova  real;  entretanto,  se  não 
estivesse  já  descoberto  que  Verónica  Nunes  fora  a  molher  de  Simão 
Garcia,  não  poderia  saber-se  que  este  retalho  isolado,  escrito  numa 
folha  deslocada,  pertencia  ao  assento  do  casamento  de  Helena 
Madeira. 

Não  resta  pois  dúvida.  As  informações,  a  que  o  sr.  Visconde  de 
Sanches  de  Frias  se  encostou,  eram  inexactas.  Helena  Madeira,  com 
quem  Marcos  Garcia  se  recebeu,  era  da  família  dos  Garcias  de  Avô. 
Ignoro  se  esta  gente  era  aparentada  com  os  Garcias  de  Mascarenhas. 
Tudo  me  leva  a  supor  bastante  provável  que  sim. 

Simão  Garcia  era  pessoa  muito  considerada  na  vila  e  seu  termo, 
onde  desempenhava,  desde  iSôy,  as  funções  de  escrivão  das  cisas 
gerais  e  dos  panos  ^,  exercendo  cumulativamente,  com  expressa  auto- 


no  que  foi  organizado  em  1627  para  a  admissão  à  ordem  de  subdiácono  de  Pan- 
taleão  Garcia,  irmão  daquele,  e  no  de  i635  para  Francisco  Garcia,  irmão  mais  novo 
dos  supraditos,  receber  prima  tonsura  e  ordens  menores.  —  Também  se  lê  em  um 
atestado,  passado  a  i5  de  setembro  de  1625  pelo  P.'  Inácio  Rodrigues,  cura  da 
igreja  de  Avô,  a  favor  do  referido  Pantaleão  Garcia,  a  declaração  de  que  lié  filho 
legitimo  de  marcos  gr.a  &  de  sua  molher  Ilena  madr."  m'»'^  nesta  dita  villa  &  o 
Auo . . .  pai  de  seu  pai  se  chamaua  Ant.o  Alií,  e  sua  Avó  molher  de  Ant.o  Atffj  se 
chamaua  Ana  marques  naturais  da  villa  da  Bobadella :  da  parte  de  sua  mai  forão 
seus  Auos  Simão  gr"  e  sua  molher  Varonica  nunes  mors  nesta  Villa  de  Auo:  & 
digo  &  dou  minha  fé  que  assi  hiís  como  os  outros  sempre  forão  e  são  Christãos  ve- 
lhos dos  melhores  da  terra,  e  núqua  ouue  nelles  raça  algiía  de  algiia  Infecta  nação. 

i  Doe.  VII. 

2  O  ofício  de  escrivão  das  cisas  gerais  do  couto  de  Avô  era  excercido  em  1492 
por  João  Rodiigues,  que  neste  ano  o  renunciou,  sendo  nele  provido  Francisco 
Anes,  escudeiro  do  Conde  de  Penela,  por  C.  R.  de  9  jul.  1492  (T.  T.  —  Chan- 
celaria de  D.  João  II,  1.  vii,  fl.  i  v.").    A  C.  R.  de  3o  out.  i522  confirmou  aquela 


i6  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

rização  régia,  a  indústria  de  fabricação  de  tecidos  •.  Mais  tarde,  em 
i5g5,  resignou  o  ofício  de  escrivão,  em  que  foi  provido  seu  genro 
Marcos  Garcia  ^,  reservando  para  si  o  de  tabelião  do  público  e 
judicial,  que  já  vinha  exercendo  ultimamente  ^. 

Sua  mulher  Verónica  Nunes  era  natural  de  Avô,  da  família  mais 
distinta  da  terra,  a  dos  Madeiras  Arrais,  descendentes  de  Henrique 
Madeira  Arrais,  fidalgo-cavaleiro  da  casa  del-rei  D.  João  II  e  escu- 
deiro da  rainha  D.  Leonor,  pela  prole  havida  de  sua  primeira  mulher 
Leonor  Fernandes,  que  os  genealogistas  dizem  ser  afilhada  e  dama 
da  dita  rainha  ^  O  apelido  Nunes  da  mulher  de  Simão  Garcia,  que 
se  repete   em  alguns  descendentes,   e   o  apelido  Monteiro,   que  nos 


nomeação  (Ibid.  —  Chancet.  de  D.  João  III,  1.  xlvi,  fl.  211);  e  por  C.  R.  de  2  nov. 
1529  foi  o  mesmo  Francisco  Anes,  que  então  já  tinha  o  foro  de  escudeiro  da  casa 
real,  confirmado  escriuão  das  sisas  de  Avô  e  S.  Sebastião,  e  nomeado  escrivão  dos 
pannos  (\b'iá.  — Chancel.  de  D.  João  III,  1.  xui,  fl.  18).  Por  C.  R.  de  3  jul.  iSSg  foi 
provido  nestes  ofícios  Fernão  Gonçalves,  morador  em  Oliveira  do  Hospital,  pela 
renúncia  de  Francisco  Anes,  seu  sogro,  apresentada  por  seu  procurador  Fr.  Ber- 
naldim  Machado  (Ibid. —  Oiancel.  de  D.  João  III,  1.  xxvi,  fl.  154).  Vindo  mais  tarde 
o  Fernão  Gonçalves  a  renunciar  também,  foi  então  nomeado  Simão  Garcia  por  C.  R. 
de  D.  João  III,  datada  de  7  jan.  i55j  (Doe.  I). 

'  Doe.  V.  — 2Doc.  X. 

'  Consta  de  vários  assentos  de  baptismos,  em  que  figura  como  padrinho,  e  de 
casamentos,  em  que  serviu  de  testemunha;  o  primeiro,  em  que  aparece  designado 
como  tabelião,  é  o  de  um  casamento  realizado  a  5  set.  i5g3;  e  o  mesmo  se  repete 
nos  assentos  de  casamentos  que  se  fizeram  a  7  out.  e  16  nov.  i6o3,  etc.  Sua  mulher 
também  é  apontada  como  madrinha  em  muitos  baptismos,  indicando-se  apenas  que 
foi  madrinha  a  molher  de  Simão  graçia,  sem  contudo  se  exprimir  o  nome. 

<  Notas  genealógicas,  II,  i,  iic,  tiic;  —  Esquemas  genealógicos,  em  Apênd.  a  este 
volume,  esq.  II.  —  A  aludida  asserção  dos  genealogistas  é  inteiramente  inexacta. 
Leonor  Fernandes  não  foi  o  que  eles  fantasiaram;  provinha  de  origem  humilde,  e 
até  houve  rumor  de  trazer  nas  veias  sangue  mourisco,  ou  de  infecta  nação,  o  que 
naqueles  tempos  era  defeito  grave,  e  cheio  de  perigos.  Provou-se  judicialmente  que 
era  infundada  tal  fama;  a  humildade  porém  de  origem  é  que  ficou  bem  evidente. 
Consta  do  processo  de  habilitação  para  familiar  do  Santo  Ofício  de  António  Ma- 
deira, neto  dos  referidos  Henrique  Madeira  .Arrais  e  Leonor  Fernandes  (processo 
que  andou  correndo  em  092,  e  se  acha  arquivado  na  Torre  do  Tombo),  que  a 
Leonor  Fernandes  era  simplesmente  criada  duma  colaça  de  D.  João  II,  tendo  a 
desdita  de  ser  acompanhada  da  fama  referida.  Apesar  da  sua  ligação  matrimonial 
com  Henrique  Madeira  Arrais,  pessoa  de  qualidade  e  de  grande  representação  e 
prestígio,  fidalgo  muito  considerado  e  respeitado,  o  vulgo  não  deixava  de  à  bôca- 
pequena  tesourar  a  reputação  de  Leonor,  que  era,  segundo  se  dizia,  oriunda  das 
bandas  de  Tomar,  e  a  quem  davam  a  alcunha  pouco  amável  de  Regateira  (Vid. 
doe.  XCVl). 


Cíip.  I —  Família  de  éMarcos  Garcia,  de  cAi'ô. 


n 


aparece  usado  por  alguns  seus  sobrinhos  e  netos,  pertenciam  ao  ramo 
da  família  Madeira  Arrais  que  provinha  de  Jácome  Madeira  e  de  sua 
mulher  Maria  Gomes,  no  qual  se  nos  deparam  com  frequência  tais 
apelidos  *. 


Vários  filhos  tivera  Simão  Garcia:— a)  Ana  Nunes,  que  suponho 
ser  a  primogénita,  casada  a  28  de  julho  de  1677  com  Pedro  Fer- 
nandes, de  Anceriz,  e  —  V)  Isa- 
bel Madeira,  que  deve  ter  sido 
a  imediata,  as  quais  nasceram 
e  foram  baptizadas  quando 
ainda  não  se  fazia  o  registo 
paroquial  em  Avô;  scguiu-se 
—  c)  uma  menina,  a  quem  no 
dia  26  sct.  1 5()S  foi  no  bá- 
tismo  dado  o  nome  de  He- 
lena, e  que  veiu  a  casar  com 
Marcos  Garcia,  de  quem  nos 
temos  ocupado;  depois  nasceu 
— d)  Filipe  Madeira,  baptizado 
a  16  jan.  1571,  que  sucedeu  a 
seu  pai  no  tabelionato^;  — 
é)  António  Garcia,  baptizado 
a  25  out.  1572;  e — f)  Maria 

Nunes  a  2  dez.  1574^.  Encontramos  ainda  referências  a  —  g)  um 
outro  filho  de  Simão  Garcia,  de  nome  Gaspar  Garcia,  cujo  baptismo 
se  fez  a  6  nov.  1578*;  mas,  embora  no  respectivo  assento  se  não 
diga  o  nome  da  mãe  do  neófito,  consta-nos  do  assento  do  casamento, 
que  veiu  a  contrair  a  3o  de  dezembro  de  1597,  sendo  ratificado 
e  abençoado  a  7  de  janeiro  de  iSgS,  que  sua  mãe  se  chamava 
Joana  Pegada ''.  Verónica  Nunes  havia  falecido,  e  o  viúvo  passara 
a  segundas  núpcias  com  esta  senhora,  que  veiu  a  falecer  em   1 596 


armas  dos  Madeiras  An 


'  Vid.  Esquemas  genealóg.  I  e  II. 

2  A  êle  se  fazem  referências  nos  doce.  XII,  XVII,  XIX,  XXII,  e  em  vários  outros 
assentos  do  registo  paroquial  de  Avô. 

'  C.  S.  —  Registo paroq.  de  Avô,  1.  i,  cad.  2.",  111.  10  v.",  i3,  li  v.°,  e  24. 
*  Ibid.  cad.  3.",  fl.  21  v.».  — ^  Doe.  XIII. 


i8  ^rás  Garcia  de  õMascaren/iaS 

ou    1597',    sobrevivendo-lhe   alguns   anos  seu   marido,   segunda  vez 
viúvo. 

Do  conceito  e  estimação  que  publicamente  se  fazia  das  duas  famí- 
lias, agora  enlaçadas  pelo  casamento  de  Marcos  e  Helena,  são  eco 
os  depoimentos  das  testemunhas  que  foram  inquiridas  nos  processos 
de  genere,  uita  et  moribiís  que  se  organizaram  para  as  ordenações 
dos  filhos  de  Marcos  Garcia.  Para  não  estar  a  transcrever  tudo.  o 
que  muito  alongaria  sem  grande  vantagem  este  estudo,  limitar-me  hei 
a  referir  que,  falando  dos  pais  e  dos  avós  paternos  e  maternos  dos 
ordinandos,  declararam  as  ditas  testemunhas  que  eles  foram  e  eram 
minto  principais  assi  na  villa  da  Bobadella  como  nesta  villa  de  Avô, 
donde  eram  naturais  híis  e  outros,  e  como  tais  sempre  forão  tidos  e 
ávidos  -,  governando  a  terra  e  servindo  os  ojficios  mais  honrados  delia  ^. 


Como  deixámos  dito,  Marcos  Garcia  habitava  nos  fins  do  sé- 
culo XVI  a  casa  de  ares  afidalgados  sita  junto  do  Pego,  cuja  constru- 
ção remontava  aos  primeiros  anos  deste  século. 

A  bênção  nupcial,  que  a  êle  e  a  sua  mulher  fora  lançada  pelo 
bom  do  vigário,  o  licenciado  António  Dias,  recebeu  a  ratificação 
divina,  pois  o  Crescite  et  multiplicamini  genesiaco  houve  larga 
repercussão  neste  enlace.  Ainda  não  eram  completados  dez  meses 
depois  do  casamento,  e  já  abria  os  olhos  à  luz  do  sol  uma  sadia 
menina. 

Depois,  com  intervalos  de  dois  anos  quási  sempre  incompletos, 
foram  nascendo  novos  filhos,  até  ao  décimo.  Houve  então  uma 
pausa  ou  repouso  de  três  anos  e  meio,  e  por  fim  nasce  o  último  dos 
rebentos  deste  casal,  perfazendo  o  número  de  onze  filhos,  que  nos 
diversos  ramos  da  família  dos  Garcias  de  Mascarenhas,  e  através  das 
gerações  até  à  actualidade,  se  repete  com  frequência  e  persistência 
que  causara  admiração,  constituindo  uma  notável  característica  desta 
família. 


•  A  10  fev.  1596  ainda  era  madrinha  no  baptismo  de  Brás,  neto  de  seu  marido 
(doe.  XI);  no  assento  do  casamento  de  seu  filho  Gaspar  Garcia,  a  7  jan.  iSgS,  é  de- 
clarada ia  defunta  (doe.  XIII). 

*  Depoimento  para  a  ordenação  de  menores,  feito  pela  testemunha  Gaspar  Dias 
da  Costa,  padrinho  do  poeta. 

3  Depoimento  de  Diogo  Alves  no  mesmo  processo. 


PRÓLOGO 


l  Quem  haverá  por  aí  que  não  tenha  lido  nos  compêndios  de  litera- 
tura portuguesa,  para  uso  das  escolas  secundárias,  o  nome  do  poeta 
Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  e  a  indicação  do  seu  poema  heróico 
Viriato  Trágico  ?  Mas  a  obra  é  de  poucos  conhecida,  e  o  autor  só 
através  da  lenda,  que  bem  cedo  o  envolveu,  d  que  tem  sido  escassa- 
mente visto.  Entretanto  bem  dignos  são  de  um  estudo  sério,  tanto  o 
poema  como  o  poeta. 

Noticias  biográjicas  autênticas  de  Brás  Garcia  poucas  possuíamos, 
e  limitavam-se,  quási  exclusivamente,  às  contidas  nas  sete  páginas 
incompletas,  que  a  ele  consagrou  o  seu  afim  Bento  Madeira  de  Castro, 
as  quais  saíram  estampadas  à  frente  da  primeira  edição  do  Viriato 
Trágico.  O  que  se  lhe  tem  acrescentado  até  á  actualidade,  é  pouco 
mais  de  nada;  devaneios  de  fantasia,  em  que  não  entra  a  mínima 
parcela  de  investigação  original.  Pede  a  justiça  que  se  aponte  uma 
excepção  honrosa:  o  sr.  ]'isconde  de  Sa)iches  de  Frias  trabalhou  com 
dedicação  e  boa  vontade,  que  merecem  louvor,  na  investigação  espe- 
cialmente de  dados  genealógicos,  para  ilustrar,  num  Estudo  prévio, 
o  seu  drama  O  poeta  Garcia.  Teremos  ocasião,  no  decorrer  do  nosso 
trabalho,  de  fa\er  referências  críticas  ao  estudo  do  ilustre  titular,  que 
tem  o  mérito  de  nele  se  encontrarem  as  primeiras  notícias  impressas 
sobre  a  ascendência  e  descendência  do  poeta  de  Avô,  pois  nada  a  tal 
respeito  era  sabido  senão  que  seu  Pay  se  chamava  Marcos  Garcia, 
&  sua  Mãy  Ilena  Madeyra,  gente  nobre,  &  da  principal  da  terra; 
indicação  dada  pelo  prefaciador  e  primeiro  editor  do  Viriato  Trágico. 


6  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Apresentamos  hoje  ao  público  ilustrado  um  modesto  estudo  original, 
biografando  Brás  Garcia  de  Mascarenhas.  E  todo  elaborado  sobre 
fontes  seguras  e  autenticas,  que  escrupulosamente  citamos,  ou  que  re- 
produzimos em  apêndice,  de  forma  que  qualquer  leitor  possa  facilmente 
i>erijicar  a  exactidão,  e  aquilatar  a  legitimidade  das  tiossas  afirmações 
e  conclusões.  Seguem-se  umas  Notas  e  uns  Esquemas,  em  que  se 
esboçam  as  árvores  genealógicas  dos  Garcias  de  Mascarenhas  e  dos 
Madeiras  Arrais,  ascendentes  paternos  e  maternos  do  nosso  biografado, 
assim  como  a  de  sua  mídher,  e  ainda  a  de  toda  a  sua  descendência 
directa  até  ao  presente. 

Não  temos  a  presunção  estulta  de  di^er  a  última  palavra  sobre  o 
assunto ;  temos  sÍ7n  o  desejo  de  produzir  um  trabalho  serio  e  honesto, 
que  algumas  canseiras  nos  tem  custado. 

Tributamos  o  nosso  reconhecimento  a  todas  as  pessoas  que  7ios 
auxiliaram,  fácil itando-nos  a  busca  e  estudo  das  fontes  nos  arquivos 
e  bibliotecas  por  onde  andámos  em  pesquisas  longas  e  minuciosas.  Em 
especial  nos  cativaram  com  seus  obséquios,  na  Torre  do  Tombo,  o 
sr.  Pedro  Augusto  de  S.  Bartolomeu  de  Azevedo,  procurando  e  in- 
vestigando diplomas  para  enriquecer  este  nosso  estudo,  e  o  sr.  General 
Jacinto  Inácio  de  Brito  Rebelo,  que  levou  a  sua  amabilidade  ao  ponto 
de  espontaneamente  nos  ceder  apontamentos  e  cópias  de  documentos 
de  valor,  que  naquele  arquivo  colhera  para  uma  publicação  que  pro- 
jectava, e  da  qual  desistiu  em  proveito  desta. 

O  sr.  Dr.  Carlos  de  Mesquita,  nosso  distinto  colega  no  professo- 
rado da  Faculdade  de  Letras  desta  Universidade,  incumbiu-se  de 
elaborar  um  estudo  critico-literário  sobre  o  único  poema  que  nos 
resta  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas ;  essa  parte  segunda  do  pre- 
sente volume  acrescentará  muito  o  interesse  da  primeira,  e  dará 
particular  brilho  ao  nosso  modesto  esboço  biográfico. 

Coimbra,  3  Je  fevereiro  de  iqi2. 

A.  DE  Vasconxelos. 


Cap.  I —  Família  de  dMarcos  Garcia,  de  oAvô  ig 

Façamos  a  relação  dos  onze  filhos  de  Marcos  Garcia,  indicando  a 
data  do  baptismo  de  cada  um. 

I ." — -Feliciana  Monteira,  ii  junho  1692  '; 
2."  —  Manuel  Garcia,  10  fevereiro  1594'^; 
3."  —  Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  10  fevereiro  159(1^; 
4."  —  Verónica  Nunes,  6  dezembro  iSgy^; 
5."  —  Maria  Garcia,  21  dezembro  i5gg^; 
6."  —  Pantaleão  Garcia,  5  agosto  1601  ^; 
7."  —  Ana  Monteira,  i5  setembro  i6o3'; 
8."  —  Isabel  Garcia,  6  março  i6o5*; 
9.°  —  Matias  Garcia,  3  março  1607'; 
10.°  —  Antónia  Garcia,  2  novembro  1608*"; 
ii.°  —  Francisco  Garcia,  9  março  1612  ". 

E  aqui  findou  a  série  '-.  Helena  Madeira  ia  fazer  45  anos,  quando 
a  fecundidade,  que  tão  generosa  havia  sido  até  ali,  dela  se  despediu 
com  este  último  filho. 


»  Doe.  VIII.  — 2  Doe.  IX.— 3  Doe.  XI.  — ^  Doe.  XII.  — *  Doe.  XIV.  — «  Doe.  XV. 

'  Doe.  XVI.  —  8  Doe.  XVII.  —  «  Doe.  XVIII.  —  '«  Doe.  XIX.  —  ■»  Doe.  XX. 

'^  Em  faee  desta  relação,  organizada  sobre  os  documentos  alegados,  deve  ser 
corrigida  a  que  se  encontra  nas  páginas  23  e  24  da  cit.  obra  do  sr.  Visconde  de 
Sanches  de  Frias.  No  8.°  lugar  da  série  dos  filhos  de  Marcos  Garcia  tem  de  ser 
substituído  o  nome  de  Marcos  pelo  de  Isabel;  e  no  1 1.°  lugar,  onde  está  Isabel,  deve 
inscrever-se  Francisco.  —  Marcos  Garcia,  de  Avô,  a  nenhum  dos  filhos  deu  o  seu 
próprio  nome.  O  engano  dos  genealogistas  proveiu  naturalmente  de  confusão  com 
um  qualquer  dos  vários  Marcos  Garcias  que  nesta  época  havia  disseminados  por 
diversas  terras  da  região,  todos  descendentes  do  Marcos  Garcia  de  Mascarenhas,  de 
Folhadosa;  talvez  com  um  Marcos  Garcia,  filho  de  outro  do  mesmo  nome,  o  qual 
residia  em  Torrosêlo,  e  veiu  à  Universidade  de  Coimbra  frequentar  a  faculdade  de 
Cânones.  Realizou  a  sua  primeira  matrícula  a  1  out.  1642  (A.  U.  —  Matriculas, 
vol.  9,  1.  2.°,  fl.  48),  fez  exame  de  bacharel  a  22  jul.  1647  (Ibid.  —  Autos  e  graus, 
vol.  33,  1.  3.",  fl.  57  v.°),  e  formatura,  sendo  já  padre,  a  29  jul.  1649  (Ibid.  —  Autos  e 
graus,  vol.  ?4, 1.  2.°,  fl.  5o  v.°).    Do  Francisco  nenhuma  notícia  teve  o  ilustrado  autor. 


II 


Nascimento,  infância 
e  juventude  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas 

Estamos  no  princípio  do  ano  de  iSgô. 

A  morada  de  Marcos  Garcia,  a  que  já  nos  referimos, 

Aquella  casa  que,  por  mais  vizinha, 

Fortaleza  parece  desta  ponte  •, 

Ou  dos  rios  que  os  pés  beijam  rainha  2, 

ia  vendo  aumentar  o  numero  dos  seus  habitantes. 

Já  eram  nascidas  duas  crianças  de  sexos  diferentes,  Feliciana  que 
então  contava  três  anos  e  meio,  e  Manuel  que  ia  fazer  dois ;  e  espe- 
rava-se  a  todos  os  instantes  o  nascimento  duma  terceira. 

Havia  estado  de  luto  a  família  no  ano  anterior  pelo  falecimento 
do  velho  Marcos,  patriarca  dos  Garcias  de  Mascarenhas,  já  a  esse 
tempo  tão  largamente  difundidos.  Morrera  em  Folhadosa  ultra-cen- 
tenário  a  20  de  abril  de  1594;  o  seu  cadáver  lá  jazia  na  paz  do  tú- 
mulo ao  lado  do  de  sua  mulher,  a  meio  da  capela-mor  da  pequena 
igreja  da  freguesia,  onde,  apesar  da  posterior  reedificação  do  templo, 
ainda  permanecem  as  suas  sepulturas  com  as  campas  salientando-se 
acima  do  nível  do  pavimento. 

Estava  prestes  a  amanhecer  o  dia  de  sábado,  3  de  fevereiro.  Ha- 
viam dado  há  pouco  cinco  horas.  No  campanário  da  igreja  paro- 
quial de  Nossa  Senhora  da  Assunção  de  Avô  os  sinos  acabavam  de 
anunciar  com  tríplices  badaladas  o  começo  da  aurora,  convidando  os 
fiéis  a  erguerem  o  pensamento  ao  céu  antes  de  principiarem  o  labutar 


•  A  ponte  sobre  o  Moura,  que  foi  mandada  construir  pelo  poeta  depois  do 
seu  regresso  do  Brasil,  como  logo  referiremos. 
í   Viriato  Trágico,  xv,  29. 


Cap.  II — U^asciíuento,  infância  e  juventude 


quotidiano,  saudando  a  Estrela  viatutina  da  nossa  Redenção,  e  faziam 
agora  ouvir  em  ondas  sonorosas,  que  se  expandiam  pelos  vales  e  su- 
biam pelas  encostas,  um  alegre  repique  chamando  os  clérigos  da 
colegiada  e  os  numerosos  devotos  da  vila  e  das  quintas  a  acudirem 
à  recitação  das  Matinas  da  festa  do  glorioso  mártir  S.  Brás,  que 
neste  dia  se  celebrava. 
Foi  então  que 

Ali,  quando  se  vinha  no  horizonte 

Rindo  a  Aurora,  chorando  ao  mundo  vinha  ' 

um  menino,  que  era  o  terceiro  dos  filhos  de  Marcos  Garcia. 

Nascido  na  abastança  de  seus  pais,  cercado  da  consideração  e 
prestígio  de  que  sua  família  gozava,  nenhum  harúspice,  áugur  ou  ha- 
ríolo,  nenhuma  pitonissa  ou  sibila  seria  acreditada,  se  porventura 
junto  daquele  berço  vaticinasse  o  sem  número  de  trabalhos,  sofri- 
mentos e  desditas  de  toda  a  ordem,  que  o  recem-nascido  estava  des- 
tinado a  suportar  através  duma  vida  não  muito  longa,  mas  agitadís- 
sima e  toda  semeada  de  contra-tempos,  dores  e  infelicidades. 

Segundo  o  costume  da  época,  foi  o  menino  baptizado  ao  oitavo  dia, 
no  sábado  lo  de  fevereiro,  sendo-lhe  dado  o  nome  de  Brás,  não  por- 


r^2!jJ!zJL 


^  ò 


/^ 


^tz 


Assento  de  baptismo  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas. 

que  S.  Brás  fosse  invocado  como  padrinho  no  baptismo-,  mas  por 
ter  nascido  no  dia  em  que  se  festeja  aquele  santo,  havendo-se  dado 
além  disso   a   coincidência   de   dois  anos   antes,   no  mesmo  dia  e   à 


•  V.  T.  XV,  29. 

'  Como  inadvertidamente  escreveu  o  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias,  contra 
o  que  diz  o  respectivo  assento  de  baptismo  (Op.  cit.,  p.  Sy,  nota). 


22  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

mesma  hora,  ter  nascido  seu  irmão  Manuel.  Esta  circunstância,  bem 
pouco  vulgar,  foi  considerada  aviso  do  céu;  tomou-se  por  isso  o  santo 
Bispo  para  especial  patrono  da  família,  e  deu-se  ao  neófito  o  seu  nome, 
que  depois,  no  suceder  das  gerações,  repetidas  vezes  havia  de  ser  posto 
aos  descendentes  desta  criança.  É  o  próprio  poeta,  que  expressa- 
mente no-lo  diz : 

Dous  annos  antes  (o  contalo  espanta) 
Três  (lo  segundo  mes,  dia  do  Prelado 
Sancto  e  nosso  advogado  da  garganta 
(Mal  de  que  fuy  grão  tempo  atribulado), 
Nasceo  outro  Irmão  meu,  a  quem  por  sancta 
Devação  foy  na  Pia  o  nome  dado. 
Que  na  circuncisão  se  deu  primeyro 
A  quem  nos  redemio  do  cativeyro  '. 

No  mesmo  dia,  &  na  mesma  hora, 
Que  elle  nasceo,  nasci  pêra  me  darem 
Do  Sancto  o  nome,  que  ignorância  fora, 
Ao  que  elle  advertio,  não  repararem. 


Foi  padrinho  Gaspar  Dias^  uma  das  pessoas  mais  consideradas 

Assinatura  de  Gaspar  Dias  da  Costa. 


da  vila,  que  então  contava  41  anos,  ao  qual  encontro  repetidas  alu- 


'  Estes  dois  versos  representam  um  equívoco  do  poeta.  Ao  Redentor  foi  na 
circuncisão  dado  o  nome  de  Jesus,  e  não  o  de  Manuel,  como  êle  supôs.  Este  equí- 
voco resultou  certamente  de  ser  conhecido  do  poeta  o  vaticínio  de  Isaías  vii,  14: 
—  Ecce  uirgo  concipiet  et  pariet  filium,  et  uocabitur  nomen  eiiis  Emmanuel ;  o 
Emmanvel,  isto  é,  o  Deus-com-nosco,  cuja  acção  salvifica  o  mesmo  Isaías  refere  logo 
no  cap.  seguinte.  S.  Mateus,  no  seu  Evangelho  i,  21  e  28,  explica  o  nome,  que  lhe 
foi  dado,  de  Jesus,  isto  é,  Salvador,  que  bem  lhe  quadrava  pela  missão  com  que 
veiu  à  terra,  bem  como  o  de  Emmanvel,  que  lhe  atribuiu  Isaías,  reportando-se  à  sua 
dupla  natureza,  divina  e  humana.  E  porem  incontestável  que  na  circuncisão  não 
lhe  foi  imposto  o  nome  de  Manuel,  mas  de  Jesus  {Luc  11,  21). 

í  V.  T.  XV,  3o  e  3i. — '  Notas  genealóg.,  Ill,  il 


Cap.  II  -^  U^ascinwuto.  infância  c  jurcníiidc  23 

soes  até  á  idade  de  70  anos ;  com  uma  sua  neta  veiu  a  casar,  49  anos 
decorridos,  este  mesmo  Brás,  seu  afilhado.  Serviu  de  madrinha 
Joana  Pegada,  segunda  mulher  de  Simão  Garcia,  avô  materno  do 
neófito'. 


Suaves  e  bonançosos  decorreram  os  anos  da  infância  de  Brás, 
amado  e  estremecido  por  seus  pais,  querido  dos  irmãos,  estimado 
dos  patrícios;  estes  os  únicos  dias  verdadeiramente  fehzes  da  sua 
vida,  de  que  sempre  conservou,  até  à  morte,  saudosíssima  recordação. 
Ele  mesmo  no-lo  diz : 

O  (lescanço,  que  não  conheço  agora, 
f!ntão  passou  por  mim,  sem  mo  mostrarem, 
Que  nenhum  ha  no  mundo  tão  perfeito 
Como  o  gozado  no  materno  peito  *. 


A  adolescência  também  foi  passada  por  Avô  e  seus  contornos. 
Aqui  principiou  a  estudar  a  língua  latina  em  companhia  de  seu  irmão 
mais  velho,  Manuel,  juntando-se-lhes  pouco  depois  o  Pantaleão^. 

Em  Avô,  como  em  quási  todas  as  terras  de  alguma  importância, 
embora  pequena,  havia  então  pessoas  ilustradas,  que  ministravam 
o  ensino  do  latim  e  dos  princípios  de  lógica  e  de  retórica  a  quem  dese- 
java seguir  alguma  carreira  literária.  Muitos  se  aproveitavam  desta 
facilidade,  vindo  depois  a  Coimbra  ou  a  Évora  receber  os  últimos 
retoques  de  preparação  e  fazer  os  seus  exames,  com  cuja  certidão 
requeriam  a  primeira  matrícula  em  qualquer  das  faculdades  existen- 
tes em  uma  ou  outra  Universidade.  Os  que  se  destinavam  à  vida 
eclesiástica,  sem  o  apanágio  dos  graus  académicos,  também  geral- 
mente encontravam  nos  seus  próprios  arciprestados,  ou  nos  vizinhos, 
padres  sabedores,  que  os  iniciavam  nos  intrincados  meandros  da 
dogmática  e  da  casuística,  habilitando-os  para  irem  à  sede  do  seu 
bispado  completar  rapidamente  a  habilitação  e  requerer  admissão  a 
ordens,  sujeitando-se  aos  respectivos  exames,  que  eram  feitos  perante 
examinadores  episcopais. 


iDoc.  XI.  — '  V.  T.,  XV,  3i. 

'  Bento  Madeyra  de  Castro,  Breve  resumo  da  vida  de  Brás  Garcia  Masca 
renitas,  no  princípio  da  1."  ed.  do  Viriato  Trágico  (Doe.  CXil). 


24  'Brás  Garcia  de  £\lascarenhas 

Entre  as  pessoas  ilustradas,  que  nesta  época  residiam  em  Avô, 
especializemos  o  licenciado  António  Dias,  vigário  da  paróquia,  que 
abençoara  o  casamento  dos  pais  de  Brás,  e  baptizara  quási  todos 
os  irmãos  deste.  Era  um  sacerdote  ilustrado,  e  tinha  perfeito  conhe- 
cimento da  língua  latina,  que  ele  usava,  escrevendo  com  facilidade 
prosa  e  verso*.     ^  Seria  este  o  mestre  dos  filhos  de  Marcos  Garcia? 


'  É  uma  individualidade  interessante  este  padre  beirão,  digno  pastor  dum 
rebanho  distinto  e  fidalgo,  como  era  o  avoense.  —  Formara-se  em  Cânones  em 
Coimbra,  onde  a  sua  mocidade  viva  se  não  empregou  exclusivamente  no  estudo 
das  letras,  humanidades  e  sciências  jurídicas,  mas  também  se  agitou  em  aventuras 
amorosas,  de  que  lhe  proveiu  uma  filha,  que  lhe  foi  dada  por  uma  guapa  moça 
solteira,  de  nome  Silvestra  Nunes.  Quando  regressou  a  Avô  com  os  seus  pergami- 
nhos literários,  disse  adeus  às  verduras  de  rapaz,  e  deixou  em  Coimbra  a  com- 
panheira da  sua  juventude;  mas  trouxe  consigo,  como  bom  pai,  a  filha,  a  quem 
deu  o  seu  próprio  apelido,  ficando  a  chamar-se  Maria  Dias.  Foi  viver  para  a  com- 
panhia de  dois  irmãos  que  tinha,  o  P.'  João  Dias,  que  ao  tempo  era  vigário  de  Avô, 
e  Mateus  Dias,  casado  com  Isabel  Fernandes. 

De  volta  de  Coimbra,  o  licenciado  António  Dias  principiou  a  coadjuvar  o  irmão 
mais  velho  na  paroquialidade  de  Avô,  em  meado  do  ano  de  i582.  Sucedeu-lhe 
pouco  depois  no  benefício,  começando  a  figurar  como  vigário  no  princípio  de  1587,  e 
conservando-se  na  efectividade  paroquial  até  ao  outono  de  1617.  Depois  vai  pouco 
a  pouco  abandonando  o  serviço,  que  passa  a  ser  desempenhado  por  curas,  apare- 
cendo êle  apenas  uma  ou  outra  vez,  muito  raras,  a  administrar  os  sacramentos,  até 
1622;  deste  ano  em  deante  não  mais  o  encontramos  a  exercer  funções  paroquiais, 
assistindo  porem  algumas  vezes,  como  testemunha,  a  casamentos,  até  i633,  indi- 
cando-se  sempre  nos  respectivos  assentos  a  sua  categoria  de  vigário  de  Avô. 

A  cultura  clássica  do  licenciado  António  Dias,  e  ao  mesmo  tempo  o  seu  génio 
faceto,  revelam-se  no  seguinte  episódio.  No  ano  de  ligi  não  houve  em  Avô  nem 
casamento  algum,  nem  nascimento  ilegítimo;  e  dera-se  a  coincidência  de  ser  fraca 
a  vindima  de  i3c)4.  O  vigário,  querendo  dar  ao  vesitador  episcopal,  quando  viesse 
inspeccionar  a  freguesia,  explicação  do  facto  insólito  de  ninguém  se  matrimoniar 
durante  o  ano  todo,  escreveu  e  firmou  com  a  sua  assinatura  no  livro  do  registo 
dos  casamentos,  em  seguida  ao  enunciado  do  ano,  dois  belos  dísticos  elegíacos, 
assim: 

Do  anno  de  gS 
Noii  fuit  hoc  quinto  tixorem  qiti  duceret  aimo, 

Nec  qui  femineas  tangere  iiellet  apes. 
Ne  mirere  tamen  tu,  qui  uisitaueris :  alma 
Namque  deest.  Baccho  deficiente,  Vénus. 
António  Dia^. 

A  4  de  julho  de  iCo5  casou  êle  a  sua  filha  Maria  Dias  com  Manuel  Afonso,  filho 
de  Pedro  Afonso  e  Ana  Fernandes. 


Cap.  II —  T^ascimento,  infância  e  juventude  23 

Não  o  sei,  mas  o  que  posso  asseverar  como  certo  é  que  Brás 
Garcia  estudou  com  os  irmãos  na  vila  de  Avô,  e  que  nunca  veiu  para 
Coimbra  continuar  esses  estudos. 

É  um  ponto  historicamente  averiguado;  qualquer  opinião  que 
apareça  em  contrário,  tem  de  ser  posta  de  parte. 

Foi  Camilo' Castelo  Branco,  logo  no  princípio  do  seu  belo  romance 
Luta  de  gigantes,  que,  levado  pela  sua  fantasia,  e  sem  se  preocupar 
com  a  realidade  histórica,  nos  descreveu  o  poeta  a  cursar  a  Univer- 
sidade em  1619,  tendo  por  condiscípulo  e  amigo  íntimo  o  fidalgo 
lisboeta  Diogo  César  de  Meneses,  cuja  amizade,  segundo  ele  conta, 
veiu  a  ter  uma  acção  muito  importante  e  decisiva  em  toda  a  vida  do 
poeta,  desde  a  hipotética  briga,  de  que  resultou  a  prisão  e  homizio, 
até  ao  último  período  da  existência  do  nosso  herói. 

O  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias  caminha  no  encalce  do 
grande  romancista. 

Mas  a  verdade  histórica  é  muito  diversa  disso  que  foi  romanti- 
zado  por  Camilo. 

Antes  de  aparecer  a  Luta  de  gigantes,  os  biógrafos  de  Brás 
Garcia  referiam  que  o  poeta  fora  a  Coimbra  acidentalmente,  para 
assistir  a  umas  festas,  sendo  ali  preso  após  uma  aventura  amorosa. 
Nenhum  se  lembrou  de  dizer  que  ele  residisse  então  na  cidade  do 


Teve  oito  sobrinhos,  filhos  do  irmão  Mateus,  os  quais  mencionamos  por  sua 
ordem : 

i."  —  L.''»  P.'  António  Dias,  que  já  estava  ordenado  em  161 1 ; 

2."  —  Miguel  Nunes  de  Matos,  c.  a  8  fev,  1629  c.  Maria  de  Cáceres,  viuva  de 
Francisco  Cardoso,  tabelião,  morador  na  Bobadela,  a  qual  era  filha  de  Pedro  Tomás 
e  Maria  de  Cáceres,  e  houve  daquele  matrimónio  um  filho,  Pedro  Tomás,  que  re- 
cebeu ordens  menores  em  1648; 

3."  —  Pedro  de  Matos,  b.  8  ag.  i589,  c.  c.  Maria  Gomes; 

4.°  —  Maria  Fernandes,  b.  19  set.  1591 ; 

5.° — P.«  Roque  Dias  de  Matos,  b.  4  mar.  i59-t,  ordenou-se  em  iGi8-i6ig,  prin- 
cipiando no  meado  deste  ano  a  fazer  o  serviço  paroquial  de  Avô,  na  qualidade  de 
cura,  mas  desde  i636  em  deante  assinou-se  vigário; 

6.°  —  João  Dias,  b.  10  jan.  1S96,  c.  c.  Águeda  Marques,  de  quem  teve  António 
Dias,  que  em  1640  se  ordenou  de  menores,  contando  então  23  anos  de  edade; 

7.°  —  Simão  Ferrão,  b.  28  out.  1598,  c.  c.  Maria  de  Figueiredo,  filha  de  Gaspar 
Fernandes  e  Maria  de  Figueiredo,  e  teve  o  P.»  Gaspar  Dias  de  Matos,  b.  18  jan.  i63o, 
cuja  ordenação  principiou  em  1Ó48,  o  qual  assumiu  interinamente  a  paroquialidade 
de  Avô  a  5  de  agosto  de  1660,  quando  o  cura  P.=  Gaspar  Nunes  assassinou,  em 
plena  praça  da  vila,  ao  L.^o  p.e    Matias  da  Silva,  cura  de  Aldeia  das  Dez; 

S."  —  Francisco  Dias,  gémeo  com  o  antecedente.. 


20  Tiras  Garcia  de  (^Mascarenhas 

Mondego  frequentando  a  Universidade.  Apenas  Costa  e  Silva  *, 
depois  de  afirmar  que  Brás  adqttirio  na  sita  mesma  pátria  a  in- 
striicção primaria,  e  o  conhecimento  da  lingiia  Latina,  refere  quQpassoti 
depois  a  Coimbra,  onde  se  fe\  mui  notável  pelo  talento  de  improvisar, 
que  então  andara  muito  em  moda;  e  adopta  a  opinião,  que  encontrou 
consignada  em  umas  notas  manuscritas  anónimas,  de  que  Garcia 
Mascarenhas  se  matriculara  nos  estudos  preparatórios  para  o  curso 
da  Jurisprudência. 
Vamos  por  partes. 


Brás  Garcia  nunca  frequentou  a  Universidade  de  Coimbra.  Percorri 
com  minucioso  cuidado  tanto  os  livros  de  matrícula  como  os  de  provas 
de  curso  de  todas  as  faculdades  académicas,  desde  1610  em  deante,  e 
posso  assim,  com  inteiro  conhecimento  de  causa,  fazer  esta  atirmação. 

Do  mesmo  modo  afirmo  que  Diogo  César  de  Meneses  também 
jamais  frequentou  as  escolas  universitárias.  Nem  era  verosímil  que 
fosse  condiscípulo  e  confidente  de  Brás,  pois  havia  entre  eles  notável 
desproporção  de  idade;  no  ano  de  i6ig,  a  que  são  por  Camilo  repor- 
tados os  acontecimentos  por  que  abre  o  seu  romance,  Brás  contava 
23  anos,  enquanto  Diogo  tinha  apenas  14.  Dois  anos  depois,  contando 
16  de  idade,  fazia  este  a  sua  profissão  religiosa  no  convento  de 
S.  Francisco  de  Estremôs  a  i  5  de  dezembro  de  1621,  e  mais  tarde 
seguia  a  fazer  os  seus  estudos  no  convento  do  Varatojo  -.  E  por- 
tanto puro  romance  tudo  o  que  a  este  respeito  escreveu  o  grande 
literato. 


Mas  não  é  só  isto. 

A  opinião  de  Costa  e  Silva  é  também  destituída  de  fundamento. 
Brás  Garcia  nunca  andou  a  frequentar  os  estudos  preparatórios  em 
Coimbra.  Não  há  nenhuma  indicação  disso,  nem  no  poema,  onde  éle 
próprio  historia  a  sua  vida,  nem  nos  biógrafos  que  escreveram  em 
tempos  mais  próximos  do  poeta,  e  que  por  isso  melhor  poderiam 
recolher  a  tradição;  antes,  pelo  contrário,  várias  referências  achamos, 
que  desmentem  essa  opinião  infundada. 


'  José  Maria  da  Costa  e  Silva,  Ensaio  biograpliico-critico  sobre  os  mellwres 
poetas  portugueses,  t.  Vil,  1.  xv,  p.  i52. 

*  Diogo  Barbosa  Machado,  Bibliotlieca  Lusitana,  t.  I,  p.  Ó44. 


Cap.  II — C^ascinicnío,  infância  e  jiivcnitiide  -jJ 

O  poeta  diz  claramente  que  se  criou  pelos  encantadores  sítios  dos 
vales  do  Alva  e  do  Moura,  cuja  amenidade  e  beleza  canta;  que  ali, 
à  medida  que  ia  crescendo  em  idade,  mais  desprezo  ia  sentindo  pelos 
pátrios  regalos,  mais  em  desejos  de  ver  o  mundo  ardia,  e  mais  aborre- 
cidas se  lhe  tornavam  as  leiras,  a  que  quatro  irmãos  se  deram;  que, 
deixando  definitivamente  a  carreira  das  letras  pelas  armas  seguir, 
entrado  na  adolescência  aprende  o  jogo  da  espada,  a  equitação,  e 
se  entrega  inteiramente  aos  divertimentos,  à  poesia,  ao  amor;  que, 
finalmente,  indo  um  dia  a  Coimbra  a  ver  uma  festa,  lá  foi  preso,  e 
daqui  resultaram  os  grandes  trabalhos  e  desditas  da  sua  vida  '.  ;Náo 
resulta  desta  narrativa  auto-biográfica  a  quási  evidência  de  que  Brás 
Garcia  jamais  residiu  em  Coimbra  a  frequentar  os  estudos  ? 

Madeira  de  Castro  no  Breve  resumo  da  vida  de  Brás  Garcia, 
que  antecede  a  i.*  edição  do  Viriato  Trágico,  deu  a  entender  clara- 
mente o  mesmo,  quando  escreveu,  na  própria  vila  de  Avô,  alguns 
anos  decorridos  sôbrc  a  morte  do  poeta :  —  Passada  a  infância,  â 
puericia,  cm  companhia  de  outros  seus  Irmãos,  que  estudavão,  tomou 
algúas  noticias  da  liiigoa  Latina,  que  ao  depois  soube  com  perfeição 
por  sua  muj-ta,  ۥ  natural  curiosidade,  &  prompto  engenho,  que  certo 
foi  muyto  particular,  &  pêra  tudo  universal.  Vindo  a  Coimbra  assis- 
tir a  hfias  festas,  ctc*. 

Quási  meio  século  mais  tarde  Barbosa  Machado,  na  sua  Biblio- 
theca  Lusitana^,  disse  ainda  mais  terminantemente:  —  Depois  de 
estudar  nella  (na  vila  de  Avô,  sua  pátria)  a  lingua  Latina,  passou  a 
Coimbra  movido  de  ver  humas  festas  que  nesta  Cidade  se  celebra- 
vão,  etc. 


Fica  pois  assente  que  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  não  residiu 
em  Coimbra  causa  síudii  tempo  algum. 

A  adolescência  passou-a  êle  habitualmente  em  Avô,  divertindo-se 
pelos  férteis  e  amenos  vales  do  Alva  e  de  Pomares,  e  pelos  montes 
que  os  confinam,  sítios  estes  cujas  belezas  tanto  o  impressionaram, 
e  sem  dúvida  muito  concorreram  para  lhe  despertarem  o  estro  poético, 
e  para  fazerem  dele  o  grande  observador  da  natureza,  o  grande 
admirador  do  belo,  que  se  nos  revela  em  todas  as  páginas  do 
seu  poema. 


'  V.  T.  XV,  32  a  39.  —  2  Doe.  CXU.  —  '  Tom.  I,  p.  -M?. 


28  'Brás  Garcia  de  õMascarciilias 

São  várias  as  referências  que  a  Avô,  aos  seus  vales  e  aos  seus 
rios,  Brás  consagrou  no  Viriato  Trágico,  sempre  cheio  de  adnniraçáo, 
e  acusando,  ainda  na  idade  madura,  o  enthusiasmo  juvenil  despertado 
pelas  impressões  recebidas  em  tempos  havia  muito  decorridos,  quando 
por  aqui  estudava  e  se  divertia.  As  recordações  desses  dias  felizes 
surgiam-lhe  bem  mais  saudosas,  bem  mais  sentidas,  depois  que  re- 
cebeu o  desengano  cruel  de  observar  de  perto  a  vida  artificiosa  e 
fementida  da  corte,  primeiro  em  Madrid  e  mais  tarde  em  Lisboa ; 
depois  de  ter  percorrido  muitas  terras  em  peregrinações  aventureiras, 
e  de  ter  experimentado  e  sofrido  ingratidões,  perversidades,  desgostos 
e  trabalhos  sem  número. 

;  Com  que  amor  nos  fala  o  poeta  do  seu  querido  no,  e  do  sítio  em 
que  se  lhe  junta  o  Moura,  hoje  ribeira  de  Pomares,  em  cuja  con- 
fluência está  situada  a  vila  de  Avô  ! 


Da  altiva  Estrella  nasce  altivo  Infante, 
Meu  pátrio  Alva,  corno  de  Amalthéa, 
Que  em  pomos,  &  pescados  abundante 
Mais  copia  cria,  do  que  tem  de  área: 
Em  partes  mudo,  em  partes  retumbante 
De  Vila  em  Vila  plácido  passea, 
Que  todas  nelle  tem  soberbas  pontes, 
Pêra  quando  soberbo  investe  os  montes. 

Com  duas,  &  hum  Castello,  a  qual  mais  forte, 

A  cara  Pátria  minha,  aonde  abraça 

O  trutifero  Moura,  umbrosa  Corte 

De  Flora,  &  Diana,  lhe  acrescenta  a  graça. 

Serpejando  tal  vez  ao  Sul,  &  ao  Norte 

Três  legoas  ao  Poente  à  vista  passa 

De  Arganil,  celeberrimo  Condado 

Que  só  mereceo  ter  Conde  mitrado  '. 

Acrescentando  em  outra  parte  mais  este  elogio  à  sua  querida  vila 
natalícia : 

Os  bosques,  em  que  está,  vê  deleytosos 
A  Ceres  loura,  &  a  Flora  jardineyra 
Vê  nascer  entre  os  Rios  caudalosos 
Nobre  Villa  em  península  guerreyra. 


'  V.  T.  IV,  90  e  91. 


Cap.  II — T^asciínenlo,  infância  e  juventude  2g 

Que  com  três  edifícios  sumptuosos, 
Ponte,  Castello,  Igreja,  honrando  a  Beyra 
Ennobrece  Diniz,  segundo  Brigo  ', 
Novo  Restaurador  do  Reyno  antigo  ^. 

Noutra  passagem  celebra  o  formosíssimo  lago  chamado  o  Pego, 
onde  se  confundem  as  águas  do  Alva  e  do  Moura : 

Bem  donde  o  Alva  cristalino  abraça 
O  pomifero  Moura,  que  correndo 
Pobre  de  cabedal,  rico  de  graça, 
Censo  eterno  lhe  está  sempre  offrecendo ; 
De  claras  agoas  larga,  &  bella  praça 
Entre  ásperas  montanhas  se  está  vendo, 
Amphiteatro  de  plantas,  que  autorizão 
O  grã  lago,  em  que  sempre  se  narcisão  '. 

E  deixa  transparecer  toda  a  saudade  que  lhe  vai  na  alma,  quando 
escreve : 

Oieyme  nestes  vales  deleytosos, 
Refrigério  de  cálidos  Estios, 
Quente  abrigo  de  Invernos  rigorosos, 
Labyrintho  de  Flores,  &  de  Rios; 


'  Brigo,  rei  fabuloso  da  península  hispânica,  imaginado  pelos  fantasiosos  in- 
ventores de  etimologias,  para  explicarem  o  étimo  de  Briga,  que  se  encontra  muito 
frequentemente  no  onomástico  toponímico  lusitano,  e  que  não  passa  duma  pa- 
lavra celta.  Laymundo,  Vaseo,  Beroso  e  vários  outros  inventores  eméritos,  seguidos 
pelo  nosso  Fr.  Bernardo  de  Brito,  imaginaram  o  tal  rei  Brigo  (cujo  reinado  fixaram 
no  ano  400  depois  do  dilúvio,  2o5b  da  criação  do  mundo,  iqo<'>  antes  de  Christo) 
fundador  de  muitas  dessas  cidades  e  povoações,  que  no  seu  nome  conservaram  dele 
a  memória.  O  principal  intento  deste  ínclito  Rey,  diz  Brito,  foy  ampliar,  cf-  engran- 
decer seu  Reyno,  com  muitas  pouoações  <£•  cidades  que  nelle  fundou ;  condupndo  os 
homés  que  morauão  em  choças,  tC  lugares  desertos,  a  hum  modo  &  figura  de  Repu- 
blica muy  concertada,  de  tal  maneira,  que  Espanha  ficou  em  seu  tempo,  outra  muito 
differente  do  que  antes  fora.  E  tanto  a  engrandeceo  com  edifícios,  que  delle. . .  se 
chamarão  em  Espanha  as  fortalezas  <i-  cidades  Brigas. . .  principalmente  em  nossa 
Lusytania,  onde  a  memoria  deste  Rey  foy  mais  celebrada,  porque  a  todos  os  pouos 
^fundauão  nouamente,  lhe  dauão  o  nome  de  Briga  . . .  Conclue  pois  Laymundo  com 
di^er,  que  neste  Rey  &  sua  prospera  ventura,  começarão  as  gêtes  de  Lusytania  & 
das  mais  partes  de  Espanha,  a  leuantar  cabeça,  £■  deixar  o  modo  de  viuer  bárbaro, 
q  antes  tinhão,  gouernandosse  com  hS  modo  poltítico,  <!•  conuersauel,  de  tal  sorte  que 
se  pode  com  rejão  affirmar,  ser  este  hií  segundo  fundador  de  Espanha  (Monarchia 
Lusytana,  part.  1, 1.  i,  cap.  vi).  Com  esta  explicação,  é  clara  a  referência  do  poeta. 

*  V.  T.  XV,  24,  —  '  Ibid.  XIV,  104. 


3o  'Brás  Garcia  de  aMascarenhas 

De  peyxe,  caça,  &  frutos  abundosos, 
De  primor  cheos,  de  ambição  vazios. 
Que  ambições,  &  privanças,  que  namorão, 
Fogem  dos  vales,  &  nas  cortes  morão  '. 

São  estes  sítios  deliciosos,  onde  passou  os  melhores  dias  da  ju- 
ventude, que  constituem  o  seu  sonho  querido  durante  a  longa  au- 
sência forçada,  a  que  se  vê  condenado;  e,  apenas  o  ensejo  se  lhe 
oferece,  para  eles  corre, 

Porque  assim  como  a  agulha  busca  o  Norte, 
Busca  a  Pátria,  o  que  delia  vive  absente  2. 

Por  fim,  quando,  já  cansado  de  tanto  labutar,  procura  um  pouco 
de  sossego  e  quietação  para  a  ijltima  quadra  da  vida,  é  a  esta  aben- 
çoada região,  onde  brincara  na  infância,  que  vem  pedir  a  almejada 
tranquilidade,  dizendo  então,  ainda  cheio  de  recordações  saudosas  de 
época  distante : 

Retiro-me  a  estes  valles,  a  estas  fontes, 
A  estes  frescos  jardins,  &  pátrios  Rios, 


Contente  destes  ares,  &  orizontes  ^. 


Cedo  principiou  Brás  Garcia  a  manifestar  génio  aventureiro  e 
irrequieto. 

Em  breve  aborrece  as  letras,  a  que  seu  pai  o  desejava  dedicar,  e 
abandona  os  estudos,  nos  quais  seus  irmãos  Manuel  e  Pantaleão  con- 
tinuam a  fazer  progressos,  avançando  na  carreira,  que  mais  tarde  é 
também  seguida  pelos  outros  dois  irmãos,  Matias  e  Francisco. 

Entrega-se  então  à  aprendizagem  da  esgrima,  e  antes  de  pouco  o 
jogo  das  armas  não  tem  para  ele  segredos;  apaixona-se  pela  equita- 
ção, e  torna-se  um  cavaleiro  distinto  •,  a  mijsica  e  a  dansa  também 
nele  teem  um  cultor  apaixonado.  Com  todos  estes  predicados,  com 
um  génio  folgazão,  generoso,  dado  a  aventuras,  e  ao  mesmo  tempo 
altaneiro  e  brigão,  com  um  temperamento  sanguíneo,  apaixonado, 
romântico,  façase  ideia  de  qual  seria  a  vida  deste  joven  fidalgo,  cheio 
de  talento,  de  vivacidade  e  de  vigor,  percorrendo  a  Beira  em  viagens 


'  V.  T.  XV,  02.  —  '  Ibid.,  Go.  —  ^  Ibid.,  104. 


Cap.  ir — C^ascimenlo,  infância  e  juventude  3i 

constantes  à  busca  de  festas  e  divertimentos,  que  a  todos  alegrava  com 
seu  espirito  e  graça. 

Galã  atrevido  e  incorrigível,  não  perdia  ocasião  de  dirigir  os 
seus  requebros  a  qualquer  dama  formosa,  que  se  lhe  deparasse;  e 
assim  ia  entretendo  em  alegre  estúrdia  a  sua  louca  ociosidade,  como 
êle  mesmo  diz.  Madeira  de  Castro,  publicando  a  biografia  do  poeta 
43  anos  depois  de  este  haver  falecido,  afirma  que  em  Avô  ainda  não 
esquecerão  suas  juvenilidades  *. 

Esta  vida  desregrada  devia  desgostar  profundamente  Marcos 
Garcia,  homem  grave  e  sério,  que  depois  de  ter  procurado  atrair  o 
filho  desassisado,  cercando-o  de  carinhos  e  pátrios  regalos,  que  êle 
despregava,  se  viu  na  dura  necessidade  de  se  resignar  a  abandoná-lo 
à  sua  sina. 

No  meio  destes  desregramentos,  cm  que  o  poeta  dissolutamente 
se  deixou  absorver,  e  apesar  da  robustez  de  sua  compleição,  ura 
achaque  o  torturava  frequentes  vezes,  obrigando-o  a  cuidados  e  re- 
sguardos: sofria  muito  da  garganta,  o  que  o  levava  a  desconfiar  um 
pouco  da  protecção  do  Santo,  em  cujo  dia  nascera,  e  cujo  nome  lhe 
fora  dado.  Mas  com  a  idade  foi-se  atenuando  o  mal,  até  completa- 
mente desaparecer-. 


Um  dia  sucedeu  o  que  era  de  esperar.  Brás  Garcia  gostava  muito 
de  brincar  com  o  fogo ;  ;  que  admira  que  fosse  vítima  de  um  incêndio  ? 
Namorador  de  profissão,  chega  o  momento  em  que  se  sente  preso 
dos  feitiços  duma  formosa  mulher,  e  desde  essa  hora  começa  para 
êle  a  via  dolorosa  das  desditas. 

Ignora-se  quem  e  donde  seria  esta  dama,  que  assim  cativou  o 
galã  temível;  certamente  era  da  Beira,  talvez  mesmo  de  Avô  ou 
cercanias.  Não  é  lícito  conjecturar  que  fosse  D.  Maria  da  Costa, 
filha  do  capitão-mor  de  Avô,  João  Manuel  da  Fonseca,  a  qual  mais 
tarde  veiu  a  ser  sua  legitima  esposa ;  nesse  tempo  ainda  sequer  não 
tinha  nascido  ^. 

Por  uma  série  de  circunstâncias  e  coincidências,  que  bem  estra- 
nhas seriam  se  se  considerassem  meramente  casuais,  sou  tentado  a 
aventar  a  hipótese,  embora  não  possa  sustentá-la  como  facto  histórico 


'  Breve  resumo  etc,  no  princípio  da  \.'  ed.  do  V.  T.  (Vid.  doe.  CXII). 
2  V.  T.  XV,  3o.  —  '  Doe.  XXIII. 


32 


^rás  Garcia  de  é\Iascareuhas 


à  falta  de  prova  suficiente,  que  a  grande  paixão  de  Brás  teria  por 
objecto  uma  filha  do  capitão-mor  de  Avô,  Gaspar  Dias  da  Costa,  ante- 
cessor no  cargo  e  sogro  do  referido  João  Manuel  da  Fonseca. 

D.  Cecília  Madeira  da  Costa  se  chamava  essa  menina,  e  era  quatro 
anos  mais  nova  do  que  o  poeta,  pois  nascera  no  princípio  de  maio  de 
1600,  sendo  baptizada  a  1 1  do  dito  mês*. 


^-nffv    fá.  .  í   /í 


r 


Assento  de  baptismo  de  D.  Mana  da  Costa  mulher  de  bras 

Herdeira  da  rara  e  afamada  beleza  e  encantos  de  espírito  de 
Susana  Manuel,  sua  mãe,  e  de  parte  da  grossa  fortuna  de  seu  pai; 
apelidado  de  honrado  e  rico  homem  era  vários  documentos  da  época, 
descendente  de  nobilíssimas  estirpes  tanto  pela  linha  paterna  como 
pela  materna :  possuidora  dum  nome  dos  mais  ilustres  de  toda  a 
Beira,  esmaltado  por  tradições  de  família  gloriosas :  não  admira  que 
em  volta  desta  joven  se  formasse  uma  corte  de  apaixonados  e  preten- 
dentes. 

^  Seria  ela  realmente  a  amada  do  nosso  Brás  Garcia?  Suponho 
que  sim,  e  a  esta  hipótese  terei  ocasião  de  voltar  a  referir-me  várias 
vezes.  Fosse  porém  D.  Cecília,  ou  fosse  outra,  formosa  devia  ela 
de  ser,  pois  se  deduz  das  estâncias  do  J^iriato  Trágico  não  só  que 
a  paixão  do  poeta  foi  profunda  e  enorme,  senão  também  que  seme- 


'  Vid.  S'otas  genealóg.  III,  11,  D. 


Cap.  II — C\ascimeiilo,  infância  e  juventude  33 

Ihantes  paixões  despertou  a  mesma  dama  em  outros  rivais.  O  que  é 
certo  é  que  exerceu  sobre  êle  e  sobre  a  sua  vida  uma  influência  decisiva. 

Foi  então  que  principiou  a  fazer  versos,  cantando  o  objecto  dos 
seus  amores,  em  volta  do  qual  ficou  de  ora  avante  gravitando,  como 
a  fascinada  borboleta  à  roda  da  luz.  \  Que  pena  terem-se  perdido  estas 
primeiras  composições,  assim  como  todas  as  líricas  do  nosso  poeta, 
que  tam  interessantes  seriam  para  o  estudo  psicológico  de  Brás! 

Não  ha  desgosto  que  não  lhe  advenha  destes  amores :  ciúmes  de 
rivais,  desafios  e  brigas  em  que  é  ferido,  resisléiicias  e  transes  que 
nos  são  desconhecidos,  intempéries  de  vento,  chuva,  calma  e  neve;  a 
tudo  isto  o  poeta  se  sujeita,  tudo  sofre  pela  sua  paixão,  e  nada  sente. 

E  interessante  a  narração  auto-biográfica  deste  período  da  juventude, 
que  encontramos  enquadrada  no  canto  xv  do  Viriato  Trágico  •. 

Porém  como  estes  bens  não  conhecia. 
Nem  os  futuros  males  receava, 
Quanto  já  na  puerícia  mais  crescia, 
Mais  os  pátrios  regalos  desprezava. 
Em  desejos  de  ver  o  mundo  ardia, 
Estreyta  a  Pátria  o  coração  achava, 
E  as  Letras,  a  que  quatro  Irmãos  se  derão, 
Pellas  Armas  seguir,  me  aborrecerão. 

Entro  na  adolecencia,  ponho  espada, 
E  delia  aprendo  huma,  &  outra  regra. 
Ramo  não  fica,  em  que  não  vá  provada, 
Nem  cabello,  em  que  não  me  dem  com  a  negra. 
O  tanger,  &  dançar  muyto  me  agrada, 
Mais  o  cavallo  brincador  me  alegra: 
De  festa  em  festa  ao  néscio  encaretado 
Aqui  senhor  me  finjo,  ali  criado. 

Porque  a  toda  a  janela  de  cortina 
O  Picaro  2  disfarce  reconhece. 
Que  onde  brilha  a  belleza  peregrina, 
.Sobe  o  sotaque '  a  ver  se  o  favor  dece. 
Qual  cala,  qual  responde,  qual  se  inclina, 
Qual  favorece,  qual  desfavorece. 
Selada  *  feyta  de  confiança  honesta. 
Festa,  que  todos  tem  por  melhor  festa. 


'  Estt.  33-38.  —  2  Travesso,  malicioso,  astuto.  — '  Dito  picante,  espirituoso. 

''  Salada  (mod.  sal  galhada) : — mistura  de  cousas  em  confusão.  Também 
costumavam  assim  denominar-se  certas  composições  poéticas,  em  que  entravam 
versos  de  vários  géneros  e  metros. 


34  ^ràs  Garcia  de  óMascareu/ias 

Amor,  que  em  noviciado  entretivera 

Até  ali  minha  louca  ociosidade, 

Tratou  de  siso,  como  se  o  tivera, 

De  me  opprimir  de  todo  a  liberdade. 

As  Musas  que  emté  antão,  '  não  conhecera. 

Achando  em  seu  calor  facilidade, 

Cantando  espalhão  queyxas,  &  louvores, 

Que  Amor  sem  versos,  hé  jardim  sem  flores. 

O  mais  inhabil,  &  grosseyro  Amante, 
Se  não  faz  versos,  os  alheos  canta. 
Passarinho  não  há,  que  os  seus  não  cante. 
Porque  seu  metro  tem,  sua  garganta. 
Responde  a  fera  à  rude  consoante 
Da  que  bramindo  absente  a  voz  levanta; 
A  tudo  o  que  ama  infeyta  esta  harmonia. 
Porque  hé  gala  do  Amor  a  Poesia. 

Este  Tyranno  intrinseco  me  deve. 
Quantas  desditas  tenho  padecidas, 
Que  em  tantas  me  enredou  em  tempo  breve, 
Que  o  não  há,  pêra  serem  referidas. 
Ciúmes,  vento,  chuva,  calma,  neve. 
Desafios,  pay.xões,  brigas,  feridas. 
Resistências,  &  transes,  que  não  pinto. 
Tudo  por  elle  passo,  &  nada  sinto. 


'  Até  então.  Formas  antiquadas  na  linguagem  literária,  mas  que  se  conservam 
ainda  na  popular. 


III 

Prisão  e  fuga  do  poeta 

Em  1616  achava-se  completa  a  família  de  Marcos  Garcia. 

Brás  continuava  na  sua  vida  airada;  agora,  todo  absorvido  pela  sua 
grande  paixão,  raras  vezes  parava  em  casa,  e  era  o  constante  desgosto 
que  pungia  os  pais  e  irmãos,  e  os  trazia  em  contínuo  sobresalto. 

O  Manuel,  com  os  seus  22  anos  feitos,  admiravelmente  familiari- 
zado com  os  clássicos  latinos,  conhecia  todos  os  segredos  da  lógica 
desvendados  por  Aristóteles,  e  todos  os  artifícios  da  retórica  por 
Quintiliano  formulados. 

Era  um  rapaz  de  estatura  regular,  bem  feito  de  corpo,  de  rosto  claro, 
testa  ampla  e  majestosa ;  quando  se  ria  ou  falava,  apareciam  duas 
belas  fileiras  de  dentes  muito  alvos.  Não  tinha  inimigos.  De  inteli- 
gência viva  e  culta,  de  ânimo  varonil  e  generoso,  de  seriedade  e 
ponderação  muito  raras  naquela  idade,  de  comportamento  e.xempla- 
ríssimo,  este  mancebo  atraía  a  estima,  a  admiração,  o  respeito  de 
quantos  o  conheciam  '. 

Como  tencionava  dedicar-sc  ao  estado  eclesiástico,  fora  adscrito 
ao  serviço  da  igreja  parochial  de  Avô;  trajava  por  isso  clericalmente, 
embora   ainda   fosse   leigo  -.     Todos   os   dias   subia   várias   vezes  à 


'  Estes  predicados  físicos  e  morais  de  Manuel  Garcia  e  de  seu  irmão  Panta- 
leão  encontram-se  referidos  nos  processos  que  se  organizaram  para  a  sua  admissão 
aos  diversos  graus  de  ordens,  os  quais  se  encontram  arquivados  na  Câmara  Ecle- 
siástica de  Coimbra.  Destes  processos,  e  de  outros  relativos  a  descendentes  de 
Marcos  Garcia,  copiei  alguns  documentos,  que  vão  adeante  publicados.  Quanto  a 
Manuel  Garcia,  veja-se  o  doe.  XXVI. 

*  Quando  recebeu  prima  tonsura  e  o  grau  de  ostiário,  a  18  fevereiro  1617, 
declarou-se,  na  inscrição  dos  ordinandos  então  feita,  que  estava  adscripto  ao  ser- 
uiço  da  dita  igr.'^  [de  nossa  S/'  da  Concejção  da  vitla  de  auoo;  aliás  de  N.  S.'  da 
Assunção].     (C.  C,  —  L.°  para  matricula  de  ordens  em  lòiy-iCig,  d.  4  v.°  e  23). 


36  liras  Garcia  de  e^Iascarenhas 

igreja,  ao  toque  dos  sinos,  para  acolitar  os  clérigos  da  colegiada  de 
Nossa  Senhora  da  Assunção,  tanto  na  recitação  do  ofício  divino, 
como  na  celebração  das  missas  e  restantes  actos  litúrgicos  *. 

Preparava-se  para  no  próximo  outubro  vir  fazer  o  seu  exame  de 
suficiência  no  Real  Colégio  das  Artes  de  Coimbra,  que  o  habilitaria 
à  matricula  no  primeiro  ano  universitário. 

Ele  mesmo  auxiliava  nos  estudos  o  irmão  Pantaleão,  rapaz  de 
i5  anos,  alto,  de  rosto  comprido,  um  pouco  aguçado  no  queixo, 
ainda  sem  sinais  de  barba.  Não  era  tão  claro  como  o  Manuel, 
tinha  as  faces  rosadas,  olhos  garços  suaves  e  formosos,  dentes  alvos, 
mãos  compridas  de  talhe  aristocrático,  falas  brandas  e  insinuantes, 
Para  completar  o  retrato  diremos  que  era  muito  sossegado,  pacífico, 
piedoso,  assíduo  frequentador  dos  actos  religiosos;  assim  mais  parecia 
uma  donzela  recatada,  do  que  um  rapaz  da  sua  idade.  Tinha  en- 
tretanto notável  agudeza  de  inteligência,  e  era  muito  estimado  e 
querido  em  Avô-. 

Com  os  seus  nove  anos,  o  Matias  apenas  então  começaria  os 
longos  e  laboriosos  exercícios  de  soletração,  mas  já  mostrava  uma 
vivacidade  e  irrequietismo,  que  preocupava  bastante  o  pai,  fazendo-o 
recear  que  estivesse  ali  em  preparação  um  segundo  Brás  ^. 

O  Francisco  não  passava  de  uma  criancinha  de  4  anos.  o  mais 
novo  do  rancho,  muito  amimado  pela  mãe,  que  nele  se  revia,  amando-o 
extremosamente  como  liltimo  dos  seus  filhos. 

Eis  a  situação  em  que  se  achavam  neste  ano  de  1616  os  quatro 
irmãos  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas.  Camilo  Castelo  Branco 
apresenta-os  aos  seus  leitores  como  sendo,  três  anos  depois  deste  a 
que  nos  reportamos,  j  quatro  padres  valentões  e  violentos,  que  já  se 
haviam  formado  em  direito  canónico  * ! 

I Tanto  pode  a  imaginação  fecundíssima  dum  grande  romancista  !I 


Mas  entrando   em   casa   de  Marcos  Garcia,   e  travando  conheci- 
mento com  os  rapazes  da  família,  não  deixemos  de  procurar  ver  tam- 


•  Doe.  XXVI.  —  2  Doe.  XXVII  e  notas  respectivas. 

'  O  caracter  e  génio  de  Matias  Garcia  deduz-se  da  leitura  dum  processo  ar- 
quivado na  Câmara  Eclesiástica  de  Coimbra,  do  qual  extraiamos  algumas  peças, 
que  publicamos  entre  os  documentos  com  o  número  de  ordem  LXXXV.  Veja-se 
também  o  doe.  XCVIII. 

<  Luta  de  gigantes,  introdução. 


Cíjp.  III —  T^risão  e  fuíía  do  poeta  3'] 

bem  as  irmãs.  E  um  pouco  mais  difícil,  pelo  grande  recato  de  que 
na  província  se  cercavam  as  donzelas  de  fina  educação. 

A  mais  velha,  Feliciana,  era  então  uma  senhora  de  24  anos;  au- 
xiliava sua  mãe  na  direcção  dos  labores  domésticos,  e  adestrava-se 
para  ser  em  breve  uma  boa  dona  de  casa.  Fora  ha  pouco  pedida 
em  casamento  para  Sebastião  Gomes,  mancebo  considerado  da  vila 
de  Anadia,  que  herdara  de  seu  pai,  com  um  nome  honrado,  uma  boa 
fortuna  '. 

Verónica  e  Maria,  na  viçosa  idade  de  20  anos  uma,  outra  de  18, 
entreter-se  hiam,  como  abelhas  diligentes,  nas  lides  familiares,  e,  já 
bordando,  já  costurando,  preparariam  o  enxoval  de  sua  irmã,  que 
devia  de  ser  importante,  como  exigia  a  prosápia  fidalga  e  situação 
de  sua  família,  e  a  larga  abundância  e  consideração  em  que  vivia  a 
família  do  noivo.  Nas  horas  de  descanso,  encostadas  ao  peitoril  ou 
à  grade  de  uma  das  janelas,  que  ainda  hoje  existem,  sobre  o  Pego, 
vendo  correr  mansamente  a  água  por  entre  as  árvores  que  revestiam 
as  margens,  e  ouvindo  o  mavioso  canto  dos  roxinois  e  das  tutinegras, 
ou  sentadas  no  estreito  jardim,  que  mediava  entre  a  casa  e  o  poético 
lago,  recreando  a  vista  no  belo  quadro  que  as  cercava  e  aspirando  o 
inebriante  aroma  das  Hores,  ;  quantos  sonhos  de  felicidade  não  arqui- 
tectariam elas,  a  pensarem  no  próximo  casamento  da  irmã?  ;  Se  o 
mundo  é  assim,  todo  cheio  de  ilusões!... 

Bastante  mais  novas,  Ana  e  Isabel  iam  sendo  educadas  com  a 
aquisição  das  prendas  que  então  se  exigiam  na  província  em  damas 
de  igual  estirpe,  entre  as  quais  se  não  contava  a  de  saber  escrever; 
e  Antónia,  que  no  próximo  novembro  completaria  os  8  anos,  outra 
cousa  não  podia  fazer  senão  brincar  com  o  irmãozito  mais  novo,  e 
cuidar  das  suas  bonecas. 


No  meado  de  outubro  deste  ano  partiu  para  Coimbra  Manuel 
Garcia,  para  começar  o  seu  curso  universitário  em  uma  das  faculda- 
des jurídicas,  provavelmente  na  de  Cânones.  Era  comum  o  primeiro 
ano  dos  dois  cursos,  de  Cânones  e  de  Leis;  só  do  segundo  em  deante 
é  que  se  distinguiam. 

Como  não  era  bacharel  em  Artes,  nem  tinha  jamais  frequentado 
os  cursos  desta  faculdade,  fez  no  Colégio  ou  Escolas  menores,  então 


«  Doce.  XXII  e  CVII. 


38  'Brás  Garcia  de  SWascarenhas 

confiadas  aos  padres  da  Companhia,  o  exame  de  habilitação,  que 
tinha  por  fim  principalmente  averiguar  se  o  candidato  estava  corrente 
no  uso  e  inteligência  da  língua  latina,  pois  nas  aulas  universitárias 
era  exclusivamente  esta  língua  a  usada  nas  prelecções,  interrogatórios 
e  respostas,  sob  pena  de  cem  réis  de  multa,  que  qualquer  lente  trans- 
gressor teria  de  pagar'. 

Com  a  certidão,  passada  pelo  padre  principal,  de  como  foi  exami- 
nado, e  achado  sufficiente  pêra  poder  ouvir  direito  ^,  vei  u  em  pessoa, 
e  cõ  habito  de  estudante^,  apresentar-se  no  dia  21  de  outubro  ao 
secretário  da  Universidade  na  sala  do  Conselho,  para  realizar  a  sua 
matrícula  '. 

Já  era  passada  a  primeira  metade  de  outubro,  pelo  que  teve  pre- 
viamente de  declarar,  sob  juramento,  qual  o  dia  em  que  havia  chegado 
a  Coimbra;  e  como  desde  então  não  eram  ainda  decorridos  os  quinze 
dias  de  tolerância,  o  secretário,  recebido  o  juramento  dos  estatu- 
tos 5,  lavrou  o  termo   de   matrícula   no   curso  de   Instituta  (i."  ano 


'  Estatutos  da  Universidade  de  Coimbra:  Confirmados  por  el  Rei  Dom  Phe- 
lippe primeiro  deste  nome,  nosso  Senhor:  Em  o  anno  de  iSgi,  1.  III,  tit.  xi,  §§  10  e  1 1. 

2  Ibid.  tit.  1,  §  2. 

'  O  trage  académico  era  bastante  diferente  do  que  veiu  a  ser  usado  desde  o 
século  XVIII  em  deante  ;  e,  embora  houvesse  prescrições  regulamentares,  é  certo  que, 
tanto  no  corte  como  na  escolha  das  fazendas,  o  arbítrio  dos  rapazes  tinha  ensan- 
chas para  variar,  e  para  introduzir  modas.  Havia  entretanto  limites  e  restrições, 
em  virtude  das  quais  lhes  era  proibido  o  uso  de  sedas,  a  não  ser  nos  forros  dos 
chapéus  e  barretes,  coitares  dos  manteos,  e  guarnições  de  sotainas  por  dentro;  tam- 
bém não  podiam  usar  em  nenhum  vestido  externo  as  cores  amarela,  vermelha,  en- 
carnada, verde  e  alaranjada,  e  na  cabeça  não  lhes  era  lícito  trazer  barretes  que  não 
fossem  redondos  ou  de  cantos,  sendo-lhes  interdito  o  uso  de  carapuças  a  não  ser 
que  andassem  de  luto,  se  fossem  pessoas  que  por  lei  o  pudessem  usar,  e  durante  o 
tempo  estritamente  limitado ;  nem  tinham  faculdade  para  trazerem  abanos  nas  ca- 
misas, senão  coitares  chãos  sem  feitio  de  rendas,  nem  bicos,  nem  transinhas,  nem 
outras  guarnições  semelhantes.  As  capas  de  capello  cerrado  eram  proibidas,  de- 
vendo os  estudantes  trazer  manteos  de  coitar,  ou  de  capeltos  abertos;  e  interdição 
absoluta  havia  de  usar  vestes  com  golpes  ou  entretalhos  que  se  vejão,  e  botas  ou 
çapatos  com  piques,  golpes,  botões  ou  fitas.  — O  vestuário  dos  estudantes  da  Uni- 
versidade de  Coimbra  nesta  época  encontra-se  ordenado  nos  citados  Estatutos 
de  i5gi,  1.  III,  tit.  iii.  Pelos  referidos  estatutos  filipinos  fora  revogada  a  Ordenança 
para  os  estudantes  da  Universidade  de  Coimbra  de  3i  de  janeiro  de  iSSg,  que  por 
lapso,  um  pouco  indesculpável,  Camilo  Castelo  Branco  supôs  ainda  em  vigor  na 
época  de  que  nos  ocupamos.     (Vid.  Luta  de  gigantes,  introdução). 

"  Doe.  XXI. 

^  Eis  a  fórmula :  —  Eu  F.  juro  a  estes  sanctos  Euangelhos,  que  serei  obediente 
ao  Rector  desta  Vniuersidade,  c6  a  seus  sucessores,  in  licitis  &  honestis,  &  nos  ne- 


Cap.  Ill —  'Trisào  e  fu^a  do  poeta  3g 

jurídico),  e  arrecadou  os  dez  réis  que  lhe  pertenciam  de  emolu- 
mento *.  Desde  então  ficou  Manuel  Garcia  pertencendo  ao  foro 
privativo  da  Universidade,  e  frequentou  com  regularidade  as  aulas 
até  ao  fim  de  maio  de  1617^. 

No  sábado  das  têmporas  da  cinza,  a  18  de  fevereiro  deste  ano, 
fez  o  seu  ingresso  no  estado  clerical,  recebendo  prima  tonsura  e  o 
ostiariado,  primeiro  grau  das  ordens  menores,  das  mãos  do  bispo- 
conde  D.  Afonso  Furtado  de  Mendonça,  na  capela-mor  de  S.  João  de 
Almedina. 

Suponho  que  durante  este  ano  lectivo  teve  na  sua  companhia  o 
irmão  Pantaleão.  Embora  pudesse  continuar  na  Beira  os  seus  estu- 
dos para  o  estado  eclesiástico,  a  presença  cm  Coimbra  do  irmão  mais 
velho,  que  neles  o  costumava  dirigir  e  auxiliar,  deve  ter  determinado 
a  sua  vinda.  Os  processos  de  inquirição  e  as  informações  paroquiais 
de  generc,  uila  et  moribiis  para  a  recepção  sucessiva  dos  diversos  graus 
de  ordem,  dão-no  como  tendo  residido  permanentemente  em  Avô; 
somente  na  informação  escrita  pelo  padre  cura  Inácio  Rodrigues,  a  7 
de  setembro  de  1627,  quando  corria  o  processo  para  a  sua  ordenação 
de  diácono,  é  que  se  lê  uma  restrição :  —  rtão  resedio  fora  desta  rilla 
tempo  algú  senão  quãdo  estudou  nessa  Cidade  ^.  Parece  tratar-se  de 
um  facto  que,  por  ter  curta  duração  e  por  ser  passado  ha  muito  tempo, 
estava  esquecido,  e  por  isso  não  fora  consignado  nem  nos  depoimen- 
tos das  testemunhas,  nem  nas  três  informações  sucessivas,  dadas 
anteriormente  a  esta  nos  anos  de  1625  e  1626  pelo  mesmo  padre  Inácio 
Rodrigues,  aparecendo  apenas  nesta  informação  porque,  ao  fazê-la, 
o  padre  cura  se  lembrou  casualmente  daquele  facto. 

Creio  pois  que  a  residência  de  Pantaleão  Garcia  em  Coimbra 
cansa  studii  coincidiu  com  a  de  seu  irmão  Manuel,  não  excedendo  o 
tempo  de  um  ano  lectivo,  como  se  vai  ver. 


Posto  ponto  nas  aulas  no  último   de  maio  de  1617,  veio  Manuel 
Garcia  em  um  dos  primeiros  dias  de  junho  perante  o  lente  doutor 


gocios,  &  cousas  da  Vniuersidade  darei  conselho  fiel,  ajuda,  &  fauor :  &  contra  ella, 
ou  seus  estatutos  nunca  aconselharei  nem  ajudarei  pessoa  algua,  sem  primeiro  lhe 
pedir  pêra  isso  licença,  &  todas  as  ve^es  que  me  mandar  chamar  irei  em  quanto  na 
dita  Vniuersidade  estiuer.    (Estat.  cit.  1.  Ill,  tit.  11). 

'  Ibid.  tit.  1.  — 2  Doe.  XXI.  —3  Cf.  doe.  XXVII,  nota  2. 


40  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

António  Lourenço,  que  representava  o  reitor  D.  João  Coutinho,  achan- 
do-se  também  presente  o  secretário  da  Universidade,  a  fim  de  provar  o 
seu  curso  •.  Exibiu  um  certificado,  pelo  qual  mostrou  que,  alem  da 
obrigação  da  Paschoa  da  Resurreição,  se  confessara  ires  i>e:{es  no  anno, 
conuem  a  saber,  pellas  festas  de  todos  os  saiictos.  Natal,  &  Pentecoste  * ; 
com  os  depoimentos  de  dois  condiscípulos,  devidamente  ajuramen- 
tados aos  santos  Evangelhos,  provou  que  frequentara  as  aulas  durante 
8  meses  menos  20  dias  ^,  e  que  possuía  seus  próprios  todos  os  livros 
de  texto  da  sua  faculdade  ^ 

O  curso  precisava  de  ser,  pelo  menos,  de  oito  meses  completos, 
sem  o  que  não  podia  em  outubro  matricular-se  no  imediato  ^;  en- 
tretanto ao  estudante  que  provasse  ter  frequentado  mais  de  seis 
meses,  valorizava-se  essa  freqiiência,  e  permitia-se-lhe  perfazer  o 
restante  até  completar  os  oito  meses,  frequentando  no  princípio  do 
ano  seguinte  as  mesmas  cadeiras  durante  o  número  de  dias  para  isso 
necessário  '';  e  ainda  se  lhe  facilitava  mais  o  complemento  do  curso, 
levando  em  conta  para  este  efeito  a  assistência  aos  actos  públicos  dos 
bacharéis  da  mesma  faculdade,  que  se  faziam  em  junho  e  julho.  Era 
deste  último  meio  que  geralmente  se  utilizavam  os  alunos.  Em  qual- 
quer destes  casos  provavam  também  testemunhalmente  a  frequência 
suplementar,  lavrando-se  o  termo  respectivo  no  livro  de  provas  de  curso, 

Manuel  Garcia  porém  prova  a  sua  frequência  até  ao  último  de 
maio,  e,  deixando  o  seu  curso  de  Instituta  incompleto,  ou  pelo  menos 
sem  voltar  em  julho  a  provar  que  o  completara  com  a  assistência 
aos  actos  dos  bacharéis,  j  desaparece  da  Universidade,  para  não  mais 
se  lhe  tornar  a  fazer  referência  ou  alusão  alguma  nos  registos  aca- 
démicos ! 


Demorei-me  propositadamente  neste  ponto  porque,  embora  à  pri- 
meira vista  nenhuma  relação  pareça  ter  com  a  biografia  de  Brás 
Garcia,  tem-na  contudo,  e  grande.  Para  a  tão  obscura  cronologia 
da  vida  do  nosso  poeta  é  de  interesse  bem  saliente  o  facto,  que  dei- 
xamos averiguado :  seus  irmãos  Manuel  e  Pantaleão  só  residiram  em 
Coimbra  no  ano  lectivo  de  1616  a  1617. 

Realmente  a  tradição,  consignada  pelos  escritores,  envolve  os 
irmãos  como  cúmplices  na  aventura  extraordinária  e  memorável  da 


1  Estat.  cit.,  1.  III,  tit.  I,  §•§  4  e  8;  cf.  doe.  XXL  — 2  Ibid.  tit.  ra.  — '  Doe.  XXI. 
*  Estat.  I.  cit.,  tit.  xui,  §  2.  —  5  Ibid.  tit.  xlii.  — '  Ibid.  tit.  i,  §  9  e  10. 


Cap.  IH —  'Prisão  efiiga  do  poeta  41 

fuga  do  poeta,  depois  de  uma  prisão  mais  ou  menos  demorada  na 
cadeia  da  Portagem;  o  que,  pelas  circunstâncias  que  a  revestiram, 
supõe  que  eles  residiam  então  nesta  cidade.  Pequenos  incidentes 
nos  são  revelados  pelos  documentos,  que  mais  vêem  confirmar  esta 
suposição. 

Narremos  agora  os  factos,  que  assim  teem  de  ser  fixados  no  men- 
cionado ano  lectivo. 


Nas  excursões  frequentes,  em  que  o  nosso  poeta  andava,  um  dia 
aparece  em  Coimbra.  O  motivo  determinante  desta  vinda  foram 
umas  festas  extraordinárias,  que  então  aqui  se  fizeram:  talvez  as  festas, 
acompanhadas  de  grandes  manifestações  de  público  regozijo,  reali- 
zadas por  ocasião  da  entrada  solene  do  novo  bispo-conde  D.  Afonso 
Furtado  de  Mendonça,  em  novembro  de  1616. 

Era  em  Coimbra  muito  conhecido  este  prelado,  gozando  de  gran- 
des simpatias,  desde  o  tempo  em  que,  na  qualidade  de  reitor,  gover- 
nara as  escolas  universitárias  de  iSgy  a  i6o5. 

Dizem  os  biógrafos  do  poeta,  principiando  pelo  seu  parente  por 
afinidade,  e  quási  coevo,  Bento  Madeira  de  Castro,  que  essas  festas 
tiveram  a  sua  sede,  ou  o  seu  principal  núcleo,  no  terreyro  de  Sãosam, 
actual  praça  Oito  de  Maio;  e  realmente  não  admira  que  se  notabili- 
zassem em  especial  as  demonstrações  de  júbilo  realizadas  em  honra 
de  D.  Afonso  Furtado  pelos  cónegos  crúzios,  no  largo  em  frente  do 
seu  convento  e  igreja.  São  bem  conhecidas  as  relações  intimas, 
tanto  particulares  como  oficiais,  que  havia  entre  a  Universidade  e 
aquele  mosteiro,  para  não  se  poder  estranhar  que  o  prior-geral,  que 
ao  tempo  era  D.  Jerónimo  da  Cruz,  se  esmerasse  em  fazer  realçar  e 
sobresaír  o  esplendor  das  festas  consagradas  pelo  seu  convento  ao 
virtuoso  bispo,  ao  lado  do  qual  durante  anos  se  sentaram  os  prelados 
crúzios  em  todas  as  solenidades  académicas,  na  sua  categoria  de  can- 
celários  da  Universidade. 

Brás,  com  o  génio  que  a  natureza  lhe  dera,  não  podia  ser  simples 
espectador  pacato,  ver  e  admirar  boquiaberto,  como  provinciano  in- 
génuo e  pacifico,  as  festas  esplendentes.  A  breve  trecho  deu  que 
falar  de  si,  sendo  preso  e  conduzido  à  cadeia  civil  da  Portagem. 

^  Que  teria  ele  feito  para  isso?  Não  o  sei,  mas  certamente  foi 
cousa  muito  grave. 

;  Seria   que,   ao  passar  por  qualquer  das  tortuosas  ruas  da  lusa 


42  ^rás  Garcia  de  (^Mascarenhas 

Atenas,  visse  à  janela  alguma  formosa  e  recatada  filha  do  Mondego, 
c  desde  logo  pusesse  em  execução  a  sua  arriscada  teoria. 

Que  onde  brilha  a  belleza  peregrina, 
Sobe  o  sotaque  a  ver  se  o  favor  desce  ', 

mas  em  vez  de  favor  visse  descer,  em  defesa  da  bela,  um  irmão  ou 
um  marido  que,  tentando  castigar  o  atrevimento,  fosse  gravemente 
ferido,  ou  talvez  morto,  pelo  temível  espadachim? 

^  Seria  que,  levado  pelas  suas  tendências  aventureiras,  se  introme- 
tesse ousadamente,  mais  do  que  a  prudência  aconselhava,  nos  diver- 
timentos e  folgares  do  povo,  ele  que  se  gabava  de  que 

De  festa  em  festa  ao  néscio  encaretado, 
Aqui  senhor  me  finjo,  ali  criado  ', 

e  desta  forma  provocasse  alguma  desordem  grave  e  sangrenta,  sendo 
surpreendido  em  flagrante  delito? 

l  Seria  que,  juntando-se  com  alguns  estudantes  beirões,  seus  conhe- 
cidos ou  parentes,  ele,  que  era  por  índole  folgazão  incorrigível,  e 
confessava 

O  tanger  e  dançar  muyto  me  agrada  ', 

fosse  de  noite,  numa  dessas  estúrdias  coimbrãs,  em  toques  e  descan- 
tes, e  encontrando-se  com  a  ronda,  ao  ouvir  qualquer  admoestação, 
desembainhasse  a  espada,  e  desatasse  a  acutilar  os  representantes  da 
autoridade  ? 

Tudo  podia  ser,  e  não  nos  resta  meio  de  precisar  o  facto,  de  certo 
gravíssimo  {muy  grave  caso  lhe  chama  o  poeta  ^),  que  originou  a 
prisão;  sabemos  apenas  que  Brás,  ao  ser  preso,  estava  cheio  de  grande 
contentamento,  que  logo  se  dissipou  a  sopro  de  malsim. 

O  poeta  conta  esta  aventura  na  estância  seguinte  ^: 

Lá,  donde  com  mais  plácida  corrente 
O  sereno  Muliades  ^  caminha, 
Espelho  dando  à  fabrica  eminente 
Do  Arriano  Ataces,  &  Christá  Raynha  ', 


'  V.  T.  XV,  35.-2  ibid.,  34.  _  3  ibid.  _  4  ibid,,  40.  —  5  Ibid.,  39. 

•>  Mondego,  o  rio  que  banha  Coimbra. 

'  Ataces,  ariano  de  religião,  rei  dos  alanos,  casado  com  Cindasunda,  católica, 
filha  de  Hermenerico,  rei  dos  suevos,  foi,  segundo  a  lenda,  quem  fundou  a  nova 
cidade  de  Coimbra  junto  ao  Mondego,  no  local  onde  hoje  se  encontra,  dando-lhe 


Cap.  Ill —  Trisão  efuga  do  poeta  48 

Fuy  a  ver,  mais  incauto  que  prudente, 
HCa  festa,  que  foy  tragedia  minha, 
Que  a  sopro  de  malsim  preso  exprimento. 
Que  leva  um  sopro  o  mór  contentamento. 


A  prisão  foi  longa ;  dilatada  lhe  chama  o  poeta,  de  algum  meses 
acrescenta  o  seu  primeiro  biógrafo. 

Viu-se  então  abandonado  de  quási  todos,  ainda  mesmo  dos  pa- 
rentes e  amigos,  que  prudentemente  evitaram  comprometer-se  pro- 
tegendo-o.  Os  inimigos,  esses  sim,  apareceram  para  mais  agravarem 
a  melindrosa  situação  do  criminoso,  acusando-o  provavelmente  do  seu 
mau  comportamento  anterior,  das  brigas  e  rixas  sangrentas  que  pro- 
vocara, e  em  que  era  useiro  e  vezeiro. 

O  caso  pois  ia-se  tornando  cada  vez  mais  complicado.  Só  havia 
que  apelar  para  a  fuga.  Mas  ;  como  ?  A  prisão  era  forte  e  bem 
vigiada;  coadjuvação  de  fora  pouca  ou  nenhuma  podia  esperar.  Seu 
pai,  enfadado  e  aborrecido  de  tantos  desatinos,  lá  estava  em  Avô, 
aguardando  os  acontecimentos,  sem  nada  poder  fazer  em  benefício 
do  filho.  O  irmão  Manuel  alguma  cousa  desejaria  tentar,  mas  ^o 
que  ?  Naturalmente  pacífico,  sem  o  talento  inventivo  de  expedientes 
rápidos  e  decisivos,  que  abundava  no  irmão,  ia  também  esperando 
cheio  de  desalento. 

Entretanto  a  justiça,  nas  suas  morosidades  habituais,  lá  ia  arras- 
tadamente instruindo  o  processo,  com  largos  compassos  de  espera. 

Assim  se  mantiveram  as  cousas  até  ao  verão. 


Era  uma  terça  feira,  4  do  mês  de  julho;  um  desses  dias  de  sol 
ardente  ',  sem  a  mais  leve  aragem  que  mitigasse  o  calor  insuportável, 
não  raros  na  cidade  de  Coimbra,  nos  meses  de  julho  e  agosto. 

Na  cadeia  da  Portagem  reinava  sossego  completo. 

Os  homens  da  guarda,  deitados  nas  tarimas,  tomavam  a  sesta  na 


por  armas  a  figura  da  própria  esposa,  ladeada  por  um  leão  e  um  dragão,  simboli- 
zando o  marido  e  o  pai.     A  invenção  de  tal  fantasia,  a  que  alude  o  poeta  nestes 
versos,  pertence  toda  inteira  a  fr.  Bernardo  de  Brito,  que  a  vulgarizou  na  Monarch. 
Lusyt.,  parte  2.',  1.  6,  cap.  3. 
>  V.  T.  XV,  42. 


44  ^rás  Garcia  de  d/^íascaren/ias 

mais  perfeita  e  descuidada  confiança.  E,  realnnente,  ;que  podiam  eles 
recear  ?  A  cadeia  era  segura  e  bem  guardada,  com  as  suas  duplas 
grades  de  ferro  nas  janelas,  e  as  portas  fortissimaraente  chapeadas; 
o  carcereiro,  de  molho  de  chaves  pendente  ao  lado  direito  do  cinturão, 
do  lado  esquerdo  a  espada,  em  cujo  manejo  estava  bem  adestrado, 
dava  garantia  mais  que  suficiente  de  segurança  e  boa  ordem. 

Cá  fora  havia,  é  verdade,  movimento  desusado,  mas  ;  que  impor- 
tava isso .''  Celebrava-se  nesse  dia  a  festa  da  protectora  de  Coimbra, 
a  popular  Rainha  Santa,  cujo  culto  antigo  havia  tomado  grande  in- 
cremento desde  que,  cinco  anos  antes,  correra  nesta  cidade  o  processo 
para  a  sua  canonização,  no  qual  foram  chamadas  a  depor  perante  os 
juízes  apostólicos,  na  igreja  de  S.  João  de  Almedina,  testemunhas  de 
toda  a  diocese  e  ainda  de  fora,  e  se  corroboraram  judicialmente 
milagres,  que  impressionavam  a  imaginação,  e  cuja  fama  havia  muito 
que  andava  na  boca  do  povo.  Concorrera  bastante  para  esta  exal- 
tação recente  da  devoção  popular  o  facto,  que  logo  se  divulgou,  de 
se  ter  encontrado  inteire  o  corpo  da  virtuosa  esposa  de  D.  Dinis, 
quando  a  26  de  março  de  1612  os  mesmos  juízes  apostólicos  man- 
daram proceder,  na  sua  presença  e  na  de  alguns  peritos,  procuradores, 
notário  e  testemunhas,  à  abertura  do  túmulo. 

A  festa,  que  anualmente  se  fazia  com  procissão  solene,  pelo  menos 
desde  i56o,  passou  a  ser  mais  largamente  concorrida  de  devotos  das 
aldeias,  a  rústica  plebe  '  que,  cheia  de  devoção  e  curiosidade, 
aguardava  a  hora  de  sair  a  procissão,  e  estacionava  em  grupos  onde 
quer  que  houvesse  uma  sombra  "-. 

Decorriam  as  horas  de  maior  calor. 

Eis  que  aparecem  à  porta  da  cadeia  uns  criados  de  Manuel  Gar- 


t  V.  T.  XV,  42. 

-  Havia  nesta  época  em  Coimbra  grande  entusiasmo  em  realizar  com  esplendor 
as  festas  da  Rainha  Santa  Isabel.  Temos  disso  vários  vestigios,  um  dos  quais  está  na 
acta  duma  sessão  da  mesa  da  Misericórdia  desta  cidade,  realizada  a  3  de  julho  de 
1Õ14  sob  a  presidência  do  bispo-conde,  o  magnânimo  e  faustoso  D.  Afonso  de 
Castelo  Branco,  acta  esta  que  se  encontra  no  Cartório  daquela  corporação,  exarada 
no  1.  2.°  dos  Assentos  e  acordos  (1614-1629),  fl.  i.  Tinham-se  mandado  chamar  à 
presença  da  mesa,  a  fim  de  prestarem  o  costumado  juramento,  dois  irmãos  que 
ultimamente  haviam  sido  eleitos  mesários.  Um  deles,  R.°  dalbuquerque,  não  com- 
pareceu, enviando  recado  a  dizer  que  não  podia  ir,  ^'or  andar  ocupado  com  as  festas 
da  K."  Sx^. —  De  tudo  isto  se  encontram  notícias  minuciosas  e  circunstanciadas 
na  minha  obra  em  2  volumes  intitulada  —  Evolução  do  culto  de  Dona  Isabel  de 
Aragão,  esposa  do  rei  lavrador,  Dom  Dinis  de  Portugal  (a  Rainha  SantaJ.  — 
Coimbra  1894. 


Cap.  III —  'Prisão  efuga  do  poeta  45 

cia,  portadores  de  um  grande  presente  para  o  preso,  nada  estranhável 
neste  dia  de  festa.  Deviam  ser  conhecidos  do  carcereiro,  e  não  era 
certamente  a  primeira  vez  que  ali  iam,  como  portadores  de  enco- 
mendas ou  recados. 

O  carcereiro  não  os  deixaria  entrar,  sem  primeiramente  ser  veri- 
ficada a  perfeita  inofensividade  do  presente  c  dos  portadores.  Tudo 
estava  regular.  Era  autêntico  o  presente,  os  portadores  pacíficos  e 
desarmados.  O  cérbero  vigilante  puxou  do  seu  moliio  de  chaves, 
abriu  a  primeira  porta,  cometeu  a  indesculpável  imprudência  de  a 
deixar  aberta,  seguiu  o  corredor  acompanhado  dos  criados,  e  foi 
abrir  a  porta  da  enxovia  onde  Brás  se  encontrava. 

Num  relancear  de  olhos,  com  aquela  agudeza  de  vista  que  o 
distinguia,  o  preso  notou  a  imprudência,  que  depois  chamou  alheyo 
erro  ',  cometida  pelo  carcereiro.  A  rapidez  assombrosa  com  que, 
aproveitando  qualquer  circunstancia  fortuita,  traçava  um  plano,  e  a 
prontidão  com  que,  sem  se  deter  um  momento  em  leve  hesitação,  o 
executava,  eram  qualidades  admiráveis  que  possuía,  e  de  que  tantas 
vezes  deu  provas  durante  toda  a  sua  vida.  Desta  vez  manifestou  bem 
claramente  estes  dotes  extraordinários. 

Ver  a  porta  aberta,  cair  como  um  raio  sobre  o  pobre  carcereiro 
sem  lhe  dar  tempo  para  nada,  arrancar-lhe  a  espada  da  bainha,  e 
prostrá-lo  com  uma  formidável  cutilada,  foi  tudo  obra  dum  momento. 

De  espada  em  punho  corre  sobre  a  porta;  o  pessoal  da  guarda, 
surpreendido  num  primeiro  momento  de  indecisão,  pretende  embar- 
gar-lhe  o  passo.  Mas  era  tarde :  o  preso,  galgando  de  dois  pulos  o 
átrio,  transpunha  a  porta  da  rua. 


Para  compreendermos  a  narrativa  da  fuga  audaciosa  de  Brás 
Garcia,  precisamos  de  reconstituir  primeiro  a  topografia  do  largo  da 
Portagem  e  suas  vizinhanças.  Na  planta  aqui  reproduzida  encon- 
tra-se  perfeitamente  determinado  o  sítio  onde  se  erguia  a  cadeia  da 
Portagem.  Ainda  hoje  temos  um  ponto  de  referência,  que  serve  admi- 
ravelmente para,  à  face  da  planta,  se  determinar  com  precisão  esse 
local:  é  a  torre  da  antiga  cidade,  cujo  ângulo  vemos  a  salientar-se 
no  edifício  em  ruínas  do  velho  colégio  da  Estrela,  quando  o  obser- 
vamos da  Avenida  de  Emídio  Navarro,  nas  proximidades  da  ponte. 

1  V.  T.  XV,  41. 


46  'T3rás  Garcia  de  oMascarenhas 

A  cadeia  ficava  no  sitio  onde  hoje  se  encontram  as  duas  primeiras 
casas  de  habitação  do  largo,  junto  ao  princípio  da  subida  para  a 
Estrela. 

Na  vista  panorâmica  de  Coimbra,  que  também  adeante  (pág.  49) 
publicamos  pelo  seu  valor  documental,  lá  se  descobre  uma  parte  do 
edifício  da  cadeia.  Emerge  por  trás  de  um  torreão,  pertencente  às 
casas  do  lado  fronteiro  do  largo,  mostrando  no  i."  andar  quatro  das 
suas  janelas,  e  no  2.°  duas  de  frente  e  uma  de  topo.  O  largo,  de 
forma  bastante  irregular,  e  acanhado,  abria-se,  na  sua  maior  extensão, 
de  E.-N.-E.  a  O.-S.-O.  em  direcção  ao  rio,  e  media  cerca  de  SS" 
de  comprimento  por  17  de  largura. 

Ao  lado  da  cadeia  rasgava-se  um  arco,  que  dava  ingresso  à  rua  da 
Calçada,  hoje  de  Ferreira  Borges,  a  qual  portanto  se  prolongava  para 
esta  banda  bem  mais  de  que  actualmente,  indo  abrir-se  nela  a  rua 
dos  Gatos,  de  que  ao  presente  resta  apenas  uma  parte.  O  lado  do 
largo,  compreendido  entre  o  princípio  da  rua  da  Calçada  e  a  passagem 
para  a  ponte,  era  constituído  por  casas  particulares,  que  ininterruta- 
mente  se  enfileiravam,  sem  deixarem  saída  alguma,  até  irem  topar  na 
torre,  que  se  erguia  na  extremidade  da  ponte. 

Caminhando  da  cadeia  para  o  rio,  poucos  passos  andados,  encon- 
trava-se  o  começo  da  rampa  que  dava  acesso,  como  hoje,  à  rua  da 
Alegria  e  à  Estrela,  onde  então  havia  uns  arcos  romanos,  e  onde  ficava 
a  porta  de  Belcouce,  para  lá  da  qual  se  estava  dentro  da  cidade  alta, 
que  era  toda  cingida  de  muralhas ;  nestas  se  abriam,  a  dar  comuni- 
cação para  o  exterior,  alem  da  de  Belcouce,  mais  quatro  portas:  a  da 
Traição,  do  Castelo,  de  S.'°  Agostinho  ou  do  CoUégio  Novo,  e  de 
Almedina.  Continuando  a  avançar  no  largo  da  Portagem  em  direcção 
ao  rio,  logo  adeante  do  começo  da  rampa  da  Estrela,  deparavam-se-nos 
umas  casas,  e,  contornando  estas,  ficava  livre  a  margem  do  Mondego 
para  montante,  onde  se  encontrava,  um  pouco  acima,  o  lugar  ou  cais 
do  Cerieiro.     Ali  uma  larga  escada  dava  descida  para  o  rio. 

Resta  falar  do  lado  do  largo  contíguo  ao  Mondego,  que  então 
corria  bem  mais  próximo  da  cidade  do  que  hoje.  Nesse  lado  havia 
um  coberto  voltado  para  o  terreiro,  onde  se  pagavam  os  direitos  de 
portagem  e  de  passagem  pelas  fazendas  que  por  esta  banda  entravam 
na  cidade,  quer  destinadas  a  venda,  quer  em  simples  trânsito ;  foi 
esta  cobrança  que  deu  o  nome  da  Portagem  ao  lugar.  Em  frente 
desse  coberto  ou  telheiro  erguia-se  o  pelourinho,  que  em  1611  tinha 
sido  mudado  da  praça  de  S.  Bartolomeu  para  aqui;  e  mais  abaixo, 
encostada   à   torre   da  ponte,  havia   uma  capelinha  minúscula,   com 


Cap.  Ill —  Trisão  e  fuga  do  poeta 


47 


Planta  do  largo  da  Portagem  e  suas  vizinhanças,  com  indicação  da  cadeia 
e  do  camirilio  seguido  por  Brás,  quando  se  evadiu 


48 


'Brás  Garcia  de  SVÍascarenhas 


entrada  lateral,  a  que  dava  acesso  uma  escada  exterior  de  pedra,  de 
quatro  degraus,  e  cuja  frente  era  rasgada  por  amplo  arco,  que  deixava 
a  descoberto  todo  o  interior  do  edículo.  Era  aqui  que  se  celebrava 
missa  todos  os  domingos  e  dias  santificados,  para  os  presos  cumpri- 
rem o  preceito  eclesiástico,  assistindo  a  ela  através  das  grades  da 
cadeia,  situada  no  lado  oposto  do  pequeno  terreiro.  Ainda  hoje 
existe  em  Coimbra  um  edículo  do  mesmo  tipo;  está  encostado  á 
igreja  de  S.  João  de  Almedina,  e  servia  para  se  dizer  missa  aos 
presos  do  aljube,  que  ficava  fronteiro. 


KdJo  S.-O  do  largo  da  r*orIagem,  que  ficava  fronteiro  às  janelas  da  cadeia 


Para  completar  o  conhecimento  do  largo  da  Portagem,  precisamos 
ainda  de  falar  da  torre,  a  que  ficava  encostada  a  capelinha,  com  a 
qual  formava  o  ângulo  O.  do  largo.  Era  uma  construção  forte  e 
elevada,  de  forma  quadrangular,  a  mais  comum  nestes  edifícios  des- 
tinados a  defesa  das  entradas  dos  lugares  fortificados.  Constituía  a 
única  passagem  da  ponte  para  a  cidade,  e  era  conhecida  pela  deno- 
minação de  porta  da  Portagem.  Os  lados  N.-E.  e  N.-O.  não  tinham 
abertura;  mas  a  parede  S.-O.,  que  se  defrontava  com  a  ponte,  e  a  S.-E., 
que  faceava  com  o  largo,  eram  abertas  em  arco,  dando  acesso  às 
pessoas  que  da  outra  banda  do  Mondego  se  dirigiam  a  Coimbra. 

Sobre  o  fecho  do  arco  que  olhava  para  a  ponte  havia  uma  apa- 
ratosa lápide,  com  i'",84  de  alto  por  i'",65  de  largo,  ricamente  escul- 
pida em  estilo  manuelino.  Representava  Nossa  Senhora,  assentada, 
com  o  Menino  ao  colo,  e  ladeada  por  dois  escudos  com  as  armas 
portuguesas,  tendo  aos  pés  uma  inscrição  em  caracteres  góticos  come- 
morativa da  reconstrução  da  ponte  e  do  acrescentamento  da  torre, 
no  reinado  de  D.  Manuel. 

Em  1646  a  Câmara  municipal,  em  cumprimento  de  ordens  supe- 


Cap.  III —  Trisão  efiiga  do  poeta 


49 


Panorama  de  Coimbra,  desenhado  do  natural  antes  de  1837.    Nele  se  vi  a  antiga  ponte 
sobre  o  Mondego,  a  torre  com  o  arco  e  a  cadeia  da  Portagem 


5o  'Brás  Garcia  de  Mascarenhas 

riores,  colocou  outra  lápide  por  baixo  daquela,  a  comemorar  a  acla- 
mação da  Virgem  por  padroeira  do  reino,  e  o  juramento  da  sua 
Conceição  Imaculada. 

No  interior  da  torre,  na  parede  fronteira  a  este  arco,  a  altura 
conveniente  para  ser  visto  por  quem  viesse  caminhando  pela  ponte 
em  direcção  á  cidade,  havia  um  nicho,  no  qual  destacava  uma  ima- 
gem de  S.'"  Agostinho  *. 

Conhecido  o  local,  descrevamos  agora  a  fuga. 


'  Tanto  a  planta  do  largo  da  Portagem  e  suas  vizinhanças,  como  a  vista  dum 
dos  lados  do  mesmo  largo,  que  aqui  se  publicam  (pp.  47  e  48),  são  copiadas  de 
desenhos  oficiais  e  autênticos  do  século  xviii,  ainda  inéditos,  pertencentes  ao 
Sr.  Dr.  Joaquim  Martins  Teixeira  de  Carvalho,  e  actualmente  depositados  no  Museu 
do  Instituto;  advertindo  porém  que  a  grimpa  do  pelourinho  é  desenhada  do  natural, 
pois  está  guardada  no  mesmo  Museu.  A  torre  apresenta  o  arco  que  olhava  para 
o  largo,  mas  já  não  aparece  íntegra.  Tinha  sido  demolida,  provavelmente  na  pri- 
meira metade  do  século  xviii,  a  parte  superior,  e  a  família  dos  Abreus,  de  Ponte 
do  Lima,  a  quem  pertencia  a  casa  próxima,  estabeleceu  (ignoro  com  que  bulas) 
comunicação  de  sua  casa  para  a  torre,  onde  construiu  uns  alegretes,  transformando-a 
assim  em  mirante  de  recreio. 

Vista  do  lado  da  ponte,  também  se  encontra  figurada  a  torre,  mostrando  o 
outro  arco,  no  panorama  da  cidade,  que  juntamos  igualmente  (pag.  49),  e  que  foi 
desenhado  do  natural  antes  de  iSSj,  embora  só  fosse  publicado  em  agosto  de  iSSg 
no  Universo  pitoresco,  n.°  8,  ad  pag.  1 13.  Estes  três  documentos  gráficos  são  inte- 
ressantes, e  completam-se. 

Em  1873  a  Câmara  municipal  mandou  arrasar  esta  velharia,  para  dar  entrada 
franca  e  ampla  da  ponte  para  a  cidade.  Dos  quatro  muros  da  torre  apenas  ficou 
subsistindo  aquele  onde  estava  o  nicho  de  S.io  Agostinho;  mas  a  vereação  refor- 
madora, apeando  a  imagem  do  Santo  e  arrancando  o  nicho,  teve  a  feliz  ideia  de 
embeber  no  lugar  deste  o  padrão  manuelino  e  a  lápide  da  Conceição,  que  até  então 
haviam  estado  sobre  o  arco  fronteiro,  que  acabava  de  ser  demolido ;  e  desta  sorte 
se  salvaram  aqueles  monumentos.  Ali  os  conheci  eu,  em  frente  da  antiga  ponte, 
naquela  mesma  parede  da  velha  torre,  ora  mascarada  à  moderna  com  reboco,  e 
pintada  de  amarelo,  sobre  a  qual  fora  arranjado  um  novo  mirante,  donde  surgia 
solitário,  apontando  o  céu,  um  formoso  cipreste. 

Estas  notícias  relativas  à  torre  da  Portagem  são  colhidas  em  um  interessante 
artigo,  escrito  por  pessoa  que  ainda  a  conheceu  de  pé,  e  publicado  n-0  Instituto, 
vol.  I,  nn.  22  e  24  (i5  fev.  e  i5  mar.  i853),  pp.  358  e  392  da  i.«  ed.,  ou  233  e  255 
da  2.'. 

Quando  em  1873  a  Câmara  municipal  mandou  fazer  umas  demolições  para 
ampliação  do  largo  da  Portagem,  foi  o  padrão  apeado  a  14  de  outubro,  e  recolhido 
no  edifício  dos  paços  do  concelho,  donde,  a  pedido  do  Instituto  de  Coimbra,  veiu 
para  o  seu  Museu  a  24  fevereiro  1874.  Ali  se  encontra  na  4.'  sala,  junto  à  inscrição 
comemorativa  do  juramento  da  Conceição.  (Vid.  Catalogo  dos  objectos  existentes 
no  Museu  de  Archeologia  do  Instituto  de  Coimbra,  pp.  25  e  ss.  e  3o). 


Cap.  III —  Trisão  e  fuga  do  poeta  Si 


Acordados  do  assombro  causado  pela  inesperada  evasão,  os  sol- 
dados da  guarda  correm  após  o  fugitivo,  numa  gritaria  desordenada, 
ensurdecedora,  a  ver  se  interessam  a  populaça,  e  se,  com  o  auxílio 
dela,  o  conseguem  recapturar.  De  todos  os  lados  acode  gente,  os 
pacatos  e  devotos  romeiros,  a  rústica  plebe,  que  não  se  atreve  a 
embargar  o  passo  a  Brás,  porque  a  espada  do  carcereiro,  vibrada 
por  mão  de  mestre,  rodopiava  com  presteza,  e  abria  caminho  com 
impetuosidade  irresistível ;  por  isso  limitam-se  a  correr  atrás  dele  de 
mistura  com  os  soldados,  berrando  e  gritando  num  horror  confuso. 

Talvez  o  evadido  quisesse  passar  o  arco  da  Calçada,  para  depois, 
tomando  à  esquerda,  se  escapulir  pela  tortuosa  e  estreita  rua  dos 
Gatos,  desnorteando  os  perseguidores  no  labirinto  das  vielas  da  ci- 
dade baixa;  mas,  se  era  este  o  seu  plano,  como  parece  mais  natural, 
teve  de  o  abandonar,  porque  a  massa  de  populares  era  densa  na 
estreita  embocadura  da  Calçada,  tornando  impossível  por  ali  a  fuga. 
Voltando  por  isso  as  costas  ao  arco,  investe  pelo  largo  da  Portagem, 
em  direcção  á  torre. 

Se  do  largo  voltasse  a  esquerda,  nbriam-se-lhe  duas  saídas. 

Uma  era  a  da  rampa  que  subia  ã  Estrela,  podendo,  ou  descer  a 
rua  da  Alegria  e  afastar-se  de  Coimbra  pela  estrada  da  Arregaça,  ou 
chegar  à  porta  de  Belcouce  e  entrar  na  cidade  alta.  A  primeira  solução 
mal  podia  ser  adoptada,  porque  não  conhecendo  Brás  os  arrabaldes 
de  Coimbra,  talvez  nem  mesmo  soubesse  desta  saída ;  a  segunda  não 
lhe  convinha,  porque  dificilmente  evitaria  ser  outra  vez  capturado 
antes  de  poucas  horas,  a  não  ser  que  se  refugiasse  em  alguma  igreja 
ou  em  alguma  das  numerosíssimas  casas  religiosas,  que  haviam  na 
cidade  alta,  onde  ficasse  protegido  pelo  direito  inviolável  do  asilo 
eclesiástico:  o  que  não  era  uma  solução,  mas  um  simples  adiamento, 
pois  não  podia  lá  conservar-se  indefinidamente,  e  seria  sem  dúvida 
preso  quando  saísse. 

Outra  saída  havia,  e  por  ela  novo  meio  tinha  ainda  de  se  evadir: 
tomar  à  esquerda  junto  do  rio,  ao  lugar  do  Cerieiro,  donde  tinha 
acesso  imediato  às  ínsuas  marginais  do  Mondego.  Mas  subsistia  a 
razão  de  não  conhecer  o  terreno,  por  isso  nem  sequer  cogitou  de  expe- 
rimentar fortuna  por  este  lado. 

Urh  caminho  único  via  aberto  deante  de  si,  e  esse  estaria  mais 
desimpedido  a  tal  hora  de  calor,  porque  desprovido  de  sombras,  não 


S2  ^rás  Garcia  efe  <£Mascarenhas 

convidava  os  romeiros  a  estacionarem:  era  o  da  ponte,  que  nas  longas 
horas  de  nostalgia  êle  costumava  contemplar  através  das  grades  da 
prisão,  com  a  mente  povoada  de  sonhos  de  liberdade. 

A  esperança  da  evasão  por  aqui  era  bem  pequena,  mas  não  havia 

que  hesitar ; 

E  como  hò  na  occasião  mais  apertada 
A  desesperação  muy  atrevida  ', 

Brás  fecha  os  olhos  ao  perigo,  e  rompe  para  a  frente. 

l Acudam,  agarrem,  prendam!  era  o  que  se  ouvia  a  todos  os 
momentos. 

Era  correria  doida,  vertiginosa,  qual  matilha  de  cães  em  perse- 
guição da  lebre,  os  soldados  e  os  populares  vão  acossando  o  foragido 
pelo  largo  da  Portagem,  voltam  à  direita,  enfiam  pela  passagem  da 
torre,  e  enveredam  pela  ponte  fora. 

Sempre  fugindo,  com  a  cabeça  descoberta,  Brás  continua  a 
brandir  a  espada  scintilante  aos  raios  do  sol.  Mas,  por  mais  robusto 
que  fosse,  esta  caçada  extraordinária,  quási  fantástica,  não  se  podia 
prolongar.  O  cansaço  invadia-o  a  olhos  vistos.  A  corrida  come- 
çava a  afrouxar;  a  espada  ia  deixando  de  brandir,  e  abaixava-se 
pouco  a  pouco.  Sem  dúvida  alguma,  não  tarda  a  ser  agarrado  pela 
gente  que  se  acumula  acolá,  junto  do  antigo  mosteiro  de  Santa  Clara, 
donde  está  para  sair  a  procissão,  e  em  breve  a  audácia  de  tal  fuga 
será  duramente  expiada. 

Quando  porem  menos  se  esperava,  dá-se  uma  mudança  de  scena 
surpreendente.  No  sitio  conhecido  pela  denominação  de  Entre-pon- 
tes,  na  borda  duma  das  férteis  ínsuas  que  se  estendiam  na  margem 
do  rio  a  montante  e  a  juzante,  uma  égua,  pertencente  talvez  a  um 
romeiro,  entretinha-se  a  tosar  tranquilamente  alguma  erva  que  lá 
havia.  Brás  Garcia  vê-a,  sem  demora  nem  hesitação  desce  a 
rampa  que  do  O  da  ponte  dá  serventia  para  a  ínsua,  corre  para 
a  égua,  de  um  pulo  salta-lhe  para  cima,  e  martela-lhe  com  os  cal- 
canhares as  ilhargas,  ou  espicaça-a  com  a  ponta  da  espada.  O  ani- 
mal obedece  ao  incitamento,  e  aos  olhos  dos  perseguidores,  suspensos 
e  boquiabertos,  lá  abala  em  corrida  desenfreada,  desaparecendo  ra- 
pidamente, ou  para  a  banda  da  rua  das  Parreiras,  por  trás  da  capela 
de  Santa  Isabel,  resto  iJnico  do  velho  paço  da  Rainha  Santa,  meten- 
do-se  logo  pela  estrada  da  Copeira,  ou  então,  se  a  égua  andava  na 


'  V.  r.  xv,4i. 


Cap.  III —  Trisãn  e  fuga  do  poeta  53 

ínsua  a  juzante  da  ponte,  correndo  para  ocidente,  e  vindo  saltar  à 
estrada  do  Almegue,  donde  seguiria  este  caminho  à  vista  da  cidade, 
ou,  mais  provavelmente,  donde  se  desviaria  pelo  caminho  da  Póvoa 
e  da  quinta  do  Bispo,  ocultando-se  assim  dos  olhares  dos  perse- 
guidores *. 

FvSta  fuga  épica  é  em  resumo,  mas  com  clareza,  contada  pelo  poeta 
no  canto  xv  do  Viriato  Trágico,  dedicando  palavras  de  elogioso  reco- 
nhecimento ao  ágil  e  dócil  animal,  a  quem  ficou  devendo  a  liberdade, 
e,  quicas,  até  a  vida. 

Quem  por  muy  grave  caso  não  foy  preso, 
Não  diga  que  passou  tormento  grave, 
Que  com  a  liberdade  hé  todo  o  peso 
Calamitoso,  de  levar  suave; 
Logo  hum  preso  hè  tratado  com  desprezo, 
Inimigo  não  ha  que  não  o  aggrave; 
Deyxado  hè  de  Parentes,  &  de  Amigos, 
Muytos  nos  bens,  &  poucos  nos  perigos. 

Bem  tenho  à  minha  custa  exprimentado 
Verdade,  que  hé  de  tantos  tão  sabida. 
Pois  quanto  era  a  prisão  mais  dilatada, 
Achava  mais  difficil  a  sahida; 
E  como  hè  na  occasião  mais  apertada 
A  desesperação  muy  atrevida, 
Com  celebrado  ardil,  &  alheyo  erro. 
Rota  a  masmorra,  abre  caminho  o  ferro. 


'  Na  página  seguinte  vê-se  uma  planta  topográfica,  na  qual  se  acham  bem 
indicadas  a  ponte  com  o  seu  O  e  as  respectivas  rampas,  assim  como  as  ínsuas  do 
lado  de  lá  do  Mondego,  por  onde  Brás  Garcia  se  evadiu,  a  cavalo  na  égua.  Esta 
planta  foi  levantada  e  desenhada  em  1845  por  Isidoro  Emílio  Baptista,  estudante 
das  faculdades  de  Medicina  e  Filosofia.  Pertence  hoje  á  Câmara  municipal,  sendo 
de  lamentar  o  estado  de  ruína  em  que  se  encontra  este  precioso  documento. 
Quando  foi  desenhada,  já  o  rio  tinha  alargado  consideravelmente  o  leito,  apossan- 
do-se  do  terreno  em  que  existiram,  em  tempos  anteriores,  os  conventos  de 
Sant'Ana  e  S.  Francisco.  No  estado  em  que  então  se  achava,  e  em  que  eu  ainda 
conheci  este  lugar,  descia-se  do  O  da  ponte  pelas  rampas  para  o  areal ;  nos  tempos 
porém  em  que  se  deram  os  acontecimentos  que  narramos,  davam  aquelas  rampas 
serventia  para  as  ínsuas,  onde  assentavam  as  ruínas  dos  antigos  conventos  de 
Sant'Ana  a  montante  da  ponte,  de  S.  Francisco  a  juzante. 

Hoje  é  impossível  determinar  por  qual  das  duas  ínsuas  fugiu  Brás. 

4 


54 


'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


^trrtn  ^5*7 


Cap.  III —  T^isão  efuga  do  poeta  55 

Cerrallo  a  vozes  Némessis  •  procura, 

Rústica  plebe  a  seu  favor  se  emprega; 

Mas  quem  deliberado  se  aventura, 

Não  teme  a  quem  sobresaltado  chega. 

O  perigo,  em  que  a  morte  se  afigura 

A  quem  a  solicita,  espanta,  &  cega, 

E  por  horror  confuso,  &  sol  ardente, 

Bem  como  à  lebre  os  cães,  me  segue  a  gente. 

A  mais  distancia  do  que  o  caso  pede, 

Húa  filha  do  vento  '  hum  prado  tosa. 

Que,  se  hé  bruta,  piedosa  me  concede 

A  madeixa  da  Calva  melindrosa  3. 

Esta  daquella  inextricável  rede 

Me  livra  tão  leal,  quanto  animosa. 

Pois  sem  fazer  nos  mãos  encontros  falta, 

Quanto  alcança  com  os  braços'',  &  os  pés  salta  5. 


'  Némesis,  entidade  mitológica,  filha  de  Júpiter  e  da  Necessidade,  deusa  da 
vingança,  que  tinha  por  missão  castigar  os  crimes. 

2  Imaginavam  os  antigos  que  as  éguas  podiam  ser  fecundadas  pelo  vento,  c 
que  os  produtos  desta  fecundação  saíam  sempre  levíssimos  e  muito  ágeis. —  Varrão 
dá  como  cousa  frequente  esta  fecundação  aérea  das  éguas  lusitanas,  acrescentando : 
sed  ex  his  equis  qui  nati  pulli,  non  plus  triennium  uiuunt.  (De  re  rústica,  I.  II,  c.  i). 
Esta  Jilha  do  vento,  a  que  o  poeta  se  refere,  era  pois  uma  égua  muito  ágil. 

'  A  Calva  melindrosa  é  a  Ocasião,  divindade  mitológica,  que  na  cabeça  calva 
tem  uma  simples  madeixa  de  cabelos,  única  parte  por  onde  pode  ser  agarrada  ao 
passar.  Dela  se  ocupa  o  canto  i  do  Viriato  Trágico.  Foi  surpreendida  por  Viriato 
esta  deusa,  cujo  rosto  é  mais  fermoso  qué  o  Sol,  no  momento  em  que, 

como  Calvo  nobre, 

Com  artificio  seu  defeyto  incobre. 

Intonsa,  &  calva  a  instantes  parecia, 

Mas  singular  madeyxa  artificiando. 

Áureo  monho  fazia,  &  desfazia, 

Estendendo-a  tal  vez,  tal  encrespando: 

A  cornucopia  a  hum  lado  lhe  pendia, 

Péla  de  mão  em  mão  lhe  anda  saltando, 

Asa  em  cada  cothurno  está  brandindo, 

Indicio  de  que  sempre  anda  fugindo. 

( V.  T.  I,  39  e  40). 
Foi  esta  madeixa  da  Calva  melindrosa,  ou  da  Occasião,  que  a  égua  propor- 
cionou a  Brás  em  momento  tam  aflitivo,  deixando-se  montar,  e  fugindo  velozmente, 
até  pôr  a  salvo  o  seu  cavaleiro. 

*  A  1."  edição  do  V.  T.  traz  beyços;  a  2."  modificou  a  ortografia,  e  pôs  beiços. 
Mas  não  faz  sentido.    O  manuscrito  original  deveria  ter  braços. 

*  Estt.  40-43. 


56  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


O  que  deixo  dito  a  respeito  da  prisão  e  fuga  de  Brás  Garcia  é, 
como  acaba  de  se  ver,  calcado  sobre  a  narração  feita  pelo  próprio 
poeta.     Não  podia  pois  encontrar  fonte  mais  autorizada. 

Os  biógrafos  do  nosso  herói  poucas  cousas  aproveitáveis  acres- 
centam; o  que  dizem  a  mais,  tem  quási  tudo  um  pronunciado  cunho 
de  fantasia. 

Bento  Madeira  de  Castro,  o  mais  antigo  de  todos,  fornece-nos 
apenas  uma  nota  interessante,  dizendo  qual  foi  o  celebrado  ardil  de 
que  nos  fala  Brás,  e  que  lhe  forneceu  a  ocasião  para  a  fuga.  Tran- 
screvamos: —  Vindo  a  Coimbra  assistir  a  lutas  festas  celebradas  no 
terreyro  de  Sãosam,  por  correspõdencias  com  híía  Dalila  perdeo  a 
liberdade  sendo  pre:{o  na  cadea  da  Portagem,  da  qual  depois  de  algús 
me:{es  de  prisão  ao  recolher  de  hã  grande,  &  industrioso  presente  se 
escapou  entre  mu/ta  gente  deixando  mal  ferido  o  Carcereiro;  &  bem 
montado  na  Ponte,  etc. 

Julgo  verídica  esta  notícia  das  circunstâncias  da  fuga.  O  facto 
deu  muito  que  falar,  foi  muito  celebrado,  como  o  poeta  escreveu,  e 
Madeira  de  Castro  devia  ter  conhecimento  certo  dele. 

Já  o  mesmo  não  digo  da  referência  vaga  que  faz  à  causa  deter- 
minante da  prisão,  e  que  bem  pode  ser  colhida  na  lenda,  que  cedo 
envolveu  o  poeta-galã. 


No  prefácio  à  2.*  edição  do  Viriato  Trágico,  o  editor  Dr.  Albino 
de  Abranches  Freire  de  Figueiredo  acrescenta  a  notícia  de  que  o  pre- 
sente foi  enviado  pelos  irmãos,  que  éle  supunha  alunos  da  Universi- 
dade. Eis  as  suas  palavras:  —  Seus  irmãos,  que  então  frequentavam 
a  universidade,  fingiram  um  grande  presente  para  o  preso.  Ao 
abrir-se  a  porta  para  entrar  o  presente,  sahiu  o  preso,  á  força,  dei- 
xando o  carcereiro  perigosamente  ferido,  montou  em  uma  cavalga- 
dura que  estava  para  isso  preparada  na  ponte,  e  pôde  assim  evadir-se 
á  multidão  que  o  seguia  *. 

Encontram-se  aqui  duas  circunstâncias  novas: — i.^  Os  irmãos 
residentes  em  Coimbra  (já  sabemos  que  eram  dois,  mas  só  o  Manuel 


1  Ibid.  pag.  VIII.  (Vid.  doe.  CXVIII). 


Cap.  Ill —  'Prisão  efiiga  do  poeta  57 

frequentava  a  Universidade)  foram  os  autores  do  presente,  que  abriu 
a  porta  da  cadeia  a  Brás;  —  2.*  A  égua   em  que  este  montou,  para 
fugir  aos  perseguidores,  estava  para  isso  preparada  na  ponte. 
Suspendamos  a  narração  para  criticarmos  um  pouco. 


É  perfeitamente  verosímil,  provável  até,  que  achando-se  em  Coim- 
bra dois  irmãos  do  preso,  e  estando  este  gravemente  comprometido, 
c  ameaçado  de  sofrer  pena  mui  pesada,  o  que  só  pela  fuga  se  podia 
evitar,  esses  irmãos  lhe  procurassem  proporcionar  os  meios  ou  a 
ocasião  para  se  evadir.  Além  disso,  o  presente,  vindo  em  nome  da 
família,  num  dia  de  festa,  causaria  menos  estranheza  e  despertaria 
menores  suspeitas,  do  que  se  fosse  enviado  por  estranhos. 

Mas  não  temos  somente  cálculos  de  probabilidades,  hipóteses 
mais  ou  menos  plausíveis,  a  fundamentarem  a  nossa  narrativa.  Ha 
factos  ponderosos   que  nela  encontram   a  única  explicação  razoável. 

Como  vimos  ha  pouco,  Manuel  Garcia  frequentou  a  Universidade 
neste  ano  lectivo.  Nos  primeiros  dias  de  junho  provou  o  seu  curso, 
e  apurou-se  que  lhe  faltavam  apenas  vinte  dias  de  frequência  para 
ter  o  ano  vencido.  Esta  frequência  complementar  fazia-a  facilmente 
assistindo  aos  actos  dos  bacharéis  nos  meses  de  junho  e  julho,  apre- 
sentando-se  em  seguida  a  aduzir  a  sua  prova  testemunhal.  Era 
assim  que  se  costumava  fazer,  e  foi  assim  que  nesse  mesmo  ano  fez, 
entre  outros,  o  seu  condiscípulo  Sebastião  César  de  Meneses  *,  a  quem 


'  Sebastião  César  de  Ix."  — prouou  cursar  de  ires  de  noueinbro  de  6i6  até  o 
fim  de  maio  de  6ij  4  de  enstituta  t"^  miguei  pinheiro  e  Dft  nimes  Rui  dalbuquerque 
fij.  —  (aa.)  D.or  Ant.o  Lso  —  Miguel  Pnr."  d  Barros  —  Diogo  Nuíie^.  (A.  U.  — 
Provas  de  curso,  vol,  ii,  1.  i.°,  fl.  iq8). 

Sebastião  Sejar  de  Ix."  — prouou  cursar  de  três  de  Nouembro  de  616.  te  o  fim 
de  junho  de  6i~.  as  4.0  liçõis  de  Instituía  e  bb.  (bacharéis.)  /."«  Bc"  da  guerra  e 
amaro  de  meirelles.  Eu  sobre  dito  o  escreui.  —  (aa).  D.or  Lejva  —  £.<"•  Da  Guerra 
--Amaro  de  meirelles.    (Ibid.  fl.  19.S  v.°). 

Enquanto  Manuel  Garcia  cortava  e  abandonava  a  sua  carreira  académica, 
Sebastião  Casar  de  Meneses  continuava  o  seu  curso  na  faculdade  de  Cânones, 
como  porcionista  do  colégio  de  S.  Paulo,  matriculando-se  no  princípio  de  cada  ano 
e  provando  a  frequência  no  fim,  sendo  a  última  prova  feita  a  26  de  junho  de  1623 
(A.  U.,  Provas  de  curso,  vol.  1 1,  1.  2.»,  fll.  224  v."  e  226  v.";  ibid.  fl.  23 1  v.»;  vol.  12, 
1.  i.",  fl.  228;  ibid.  1.  2.°,  fll.  227  v.°  e  23o;  vol.  i3,  1.  i.",  fl.  220  v.»;  vol.  14,  1.  2.", 
fl.  i83  v.°).  —  Recebeu  o  grau  de  bacharel  a  14  junho  1623,  tendo  antes  assinado 
termo  de  desistência  de  antiguidade  ou  prioridade  no  grau  (A.  U.  —  Autos  e  graus. 


58  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Camilo  Castelo  Branco  distribue  um  papel  importante  no  seu  romance 
Luta  de  gigantes. 

Pois  Manuel  Garcia  tal  não  faz.  ;Não  vem  em  julho  provar  que 
completara  nos  exames  dos  bacharéis  os  dias  de  frequência  que  lhe 
restavam  para  vencer  o  ano,  e  desaparece  da  Universidade  para  não 
mais  figurar  em  nenhum  dos  seus  registos  I 

Encontramo-lo  mais  tarde,  é  verdade,  condecorado  com  o  título 
de  doutor  ',  que  êle  mesmo  se  atribue  '^-\  o  que  nos  mostra  que 
realmente  recebera  a  laurea  doutoral.  Mas  ;  onde  ?  Na  Universidade 
de  Coimbra  não,  pois  aqui  não  mais  voltou  a  frequentar,  nem  fez 
acto  algum.  Suponho  que,  saído  do  reino,  se  iria  habilitar  e  requerer 
os  graus  académicos  a  alguma  Universidade  estranjeira,  o  que  era 
frequente  nesse  tempo,  e  ainda  em  tempos  posteriores  '.  Não  cn- 
coijtro  outra  hipótese  verosímil,  para  explicar  o  caso. 


vol.  26, 1.  3.°,  fl.  53  e  53  v.").  —  Fez  a  sua  formatura  a  28  junho  1625  (Ibid.  vol.  27, 
1.  3.°,  fl.  6:);  o  acto  de  repetição  a  29  maio  1626  (Ibid.  vol.  28,  1.  i.°,  fl.  52  v.") ;  e 
o  exame  privado,  recebendo  em.  seguida  o  grau  de  licenciado  a  27  junho  1626  (Ibid. 
fl.  61I.  —  Finalmente  doutorou-se  a  12  junho  1628  (Ibid.  1.  3.",  fl.  60  v."). 

1  Vid.,  ex.  gr.,  os  doce.  LXII,  LXXXVI.  e  XCIV. 

^  No  assento  dum  casamento  efectuado  em  Travanca  de  Farinha  Podre  a  11 
agosto  1654,  quando  era  prior  o  padre  Pantaleão  Garcia,  que  neste  acto  foi  substi- 
tuído por  seu  irmão  Manuel,  que  já  anteriormente  ali  havia  sido  pároco,  este  es- 
creveu, de  seu  próprio  punho,  o  seguinte :  —  eu  o  Dr  Manoel  Garcia  prior  q  fui 
desta  ig.''"  —  (C.  S.  —  Registo  paroquial  de  Travanca  de  Farinha  Podre,  1.  i,  cad.  3.°, 
fl.  39  v.°).  —  O  fac-simile  de  assinatura  do  Dr.  Manuel  Garcia,  que  acima  se  reproduz, 
é  extraído  deste  assento. 

5  Entre  as  cartas  doutorais,  que  tenho  visto,  passadas  a  portugueses  por 
Universidades  estranjeiras  nos  séculos  xvii  e  xviii,  seja-me  h'cito  especializar  uma, 
muito  interessante,  que  existe  em  meu  poder,  passada  em  data  de  19  de  maio  de 
1794,  pela  Universidade  italiana  de  Macerata,  ao  presbítero  Estanislau  da  Costa 
Coelho,  de  Folques,  filho  de  meu  4.°  avô  materno,  o  Dr.  Simão  Martins  da  Costa 
Coelho,  ouvidor  em  Arganil;  nela  se  encontram  minuciosamente  descritas  as  provas 
dadas  em  exame  público,  a  cerimónia  aparatosa  e  solene  em  que  foi  ao  candidato 
conferido  o  doutorado  in  utroque  Jure,  bem  como  o  título  de  conde  palatino,  e  o 
grau  de  cavaleiro  da  Milícia  dourada,  recebendo  a  investidura  das  respectivas  in- 
sígnias:—  os  livros  simbólicos  de  um  e  outro  Direito,  o  anel,  o  colar  de  ouro,  o 
barrete  significativo  da  coroa  doutoral,  a  espada  e  o  elmo.  No  alto  da  primeira 
página  desta  carta  encontra-se  iluminado  o  brasão  de  armas  concedido  ao  novo 
doutor:  — Em  campo  azul  um  penhasco  {.'')  de  sua  côr  em  contrachefe,  com  um 


Cap.  Ill —  Prisão  c fuga  do  poeta 


59 


Além  disso,  Manuel  Garcia  recebeu,  como  fica  dito,  prima  tonsura 
e  o  primeiro  dos  graus  de  ordens  menores  a  18  de  fevereiro  deste 


IN  DEI  NOMINE 
TTIL  O  R  I  O  >S  A 

^^1  M  ACERATA,. ////?■-•/"/ 

.■r->.-í  j/}J/r-ú:;.'Jf/r/,'^     "  :/ú>. 


Primeira  pagina  de  uma  carta  doutoral  passada  por  Universidade  estraujeira 

ano ;  depois  suspende  durante  quási  cinco  anos  a  sua  ordenação,  e 
só  a  17  de  dezembro  de  1G21,  na  sexta  feira  das  têmporas  de  santa 


coelho  de  prata  arrumado  a  êle,  de  pé,  do  lado  sinistro ;  uma  costela  do  mesmo 
metal  em  abismo,  posta  em  faxa,  um  pouco  inclinada  no  sentido  da  contrabanda,  e 
duas  estrelas  de  ouro  de  seis  pontas  em  chefe.  Coroa  de  ouro  de  nobreza.  — Parte 
destas  figuras  heráldicas  foram  tomadas  do  respectivo  brasão  da  família. 


6o  IBrás  Garcia  de  dMascarenhas 

Luzia,  é  que  aparece  no  oratório  do  paço  episcopal  de  Coimbra,  a 
receber  os  três  restantes  graus  de  menores,  que  Ihie  são  conferidos 
pelo  bispo  da  China  D.  Fr.  João  da  Piedade,  governador  do  bispado 
de  Coimbra  no  impedimento  do  bispo-conde  D.  Martim  Afonso 
Mexia  *. 

Tudo  isto  conspira  para  nos  mostrar  Manuel  Garcia  implicado  no 
caso  da  fuga  de  seu  irmão,  vendo-se  obrigado  em  princípio  de  julho 
de  1617  a  abandonar  a  formatura  e  ordenação,  e  a  homiziar-se  durante 
alguns  anos. 

Foi  por  isso,  certamente,  que  não  assistiu  ao  casamento  de  sua 
irmã  Feliciana,  realizado  na  igreja  paroquial  de  Avô  a  21  de  agosto 
deste  ano ;  o  seu  nome  não  aparece  no  respectivo  assento,  onde  se 
relacionaram  os  principais  assistentes  ^. 

Podemos  pois  assentar,  como  facto  averiguado,  que  foi  no  verão 
deste  ano  de  1617  que  se  realizou  a  evasão  de  Brás  Garcia.  A  fixação 
do  dia  4  de  julho  resulta  das  circunstâncias  apontadas  pelo  poeta. 
Havia  aglomeração  de  rústica  plebe  ou  de  populares,  nas  proximi- 
dades da  cadeia,  àquela  hora  de  sol  ardente,  os  quais  puderam  rapi- 
damente acorrer  aos  gritos  da  guarda,  auxiliaram  esta  na  tentativa  de 
cercar  o  fugitivo  ou  de  cerrá-lo,  e,  não  o  conseguindo,  porque  êle  pelo 
meio  da  multidão  abriu  caminho  a  ferro,  correram  atrás  do  mesmo 
com  horror  confuso,  acossando-o  bem  como  á  lebre  os  cães.  Depois 
de  montado  na  égua,  que  tosara  um  prado  na  ponte  (como  esclarece 
Madeira  de  Castro),  isto  é,  junto  da  continuação  da  ponte,  que  além 
do  rio  se  prolongava  até  às  proximidades  do  velho  mosteiro  clarista 
por  entre  férteis  terrenos  para  os  quais  se  descia  por  duas  suaves 
rampas,  no  sítio  chamado  o  O  da  ponte,  ainda  o  foragido  venceu  uma 
dificuldade,  tendo  a  leal  e  animosa  égua  de  o  livrar  de  uma  inextricável 
rede,  que  não  podia  ser  formada  senão  por  novo  ajuntamento  de 
pessoas  que  se  encontravam  para  lá  da  ponte,  quando  era  perseguido 
pelos  que  lhe  tomavani  a  reta-guarda.  Só  na  festa  da  Rainha  Santa, 
que  se  celebrava  no  referido  dia   na  igreja  do  convento   antigo   de 


'  C.  C.  —  Ordens  geraes  que  o  llljno  S.°r  Dom  frey  João  da  Piedade  Bispo 
da  China  do  Consfi  de  sua  Mag.de  c6  Governador  deste  Bispado  de  Coimbra  celebrou 
de  Commissão  do  lU.mo  Stior  Dom  Martin  Afi  mexia  Bispo  Conde  em  as  têmporas 
de  SM  Lupa  em  esta  Cid.<^  de  Coimbra,  fll.  22  v.",  28  v.°  e  34  v.°  —  Note-se  que  no 
primeiro  destes  lugares  está  o  nome  Manoel  Garcia  bem  indicado  na  relação  dos 
que  receberam  o  grau  de  leitores;  mas  no  segundo  e  terceiro,  nas  relações  dos 
exorcistas  e  dos  acólitos,  vem  por  engano  Manoel  Garçes. 

2  Doe.  XXII. 


Cap.  III — Trisão  efiiga  do  poeta  6i 

Santa  Clara,  estendendo-se   a  procissão  até   à  cidade,  é   que  podia 

realizar-se  este  conjunto   de  circunstâncias,   indicadas  pelo  próprio 
Brás  Garcia  na  sua  narração. 


Afigura-se-me  que  o  papel  representado  por  Manuel  Garcia  na 
fuga  de  seu  irmão  não  foi  além  de  lhe  proporcionar  a  ocasião  ou 
ensejo  de  sair  da  cadeia.  Se  mais  alguma  cousa  preparara,  as  cir- 
cunstâncias de  momento  tudo  inutilizaram. 

Talvez  outros  ardis  já  tivessem  sido  empregados,  e  só  este  desse 
o  resultado  apetecido.  Agora  Brás  pôde  aproveitar  o  ensejo,  e  sair; 
mas,  uma  vez  cá  fora,  falhou  qualquer  plano,  que  porventura  estivesse 
combinado. 

Pensariam  ;  quem  sabe  ?  que  o  fugitivo  melhor  pudesse  escapar-se 
por  entre  os  ranchos  dos  populares,  e  enveredar  pelas  vielas  tortuosas 
da  cidade  baixa,  e  em  qualquer  delas  teriam  disposto  as  cousas  para 
êle  se  ocultar,  a  fim  de  mais  tarde  sair  da  cidade  despercebidamente; 
mas,  se  assim  foi,  certamente  não  pôde  escapulir-se  por  este  lado, 
em  virtude  de  lhe  ser  o  passo  embargado  pela  gente  do  povo,  a 
rústica  plebe,  que  da  rúa  da  Calçada  acorreu  logo  à  gritaria  da  guarda. 
Em  tal  hipótese  o  poeta,  vendo  que  o  plano  falhava,  e  tendo  ante  si 
iminente  o  perigo  em  que  a  morte  se  afigura,  lançou  mão  do  único 
expediente  que  se  lhe  proporcionava,  correndo  para  a  ponte,  por  onde 
lhe  pareceu  ter  a  saída  mais  livre,  segundo  a  descrição  que  deixamos 
feita. 

A  égua,  em  que  montou  para  escapar  à  perseguição,  não  estava 
propriamente  na  ponte,  mas  a  mais  distância  que  o  caso  pedia,  e  an- 
dava pastando,  ou,  como  diz  o  poeta,  tosando  um  prado.  Leia-se  a 
estância  43  do  canto  xv,  acima  transcrita,  e  concluir-se  há,  sem  a 
mais  leve  sombra  de  dúvida,  que  este  encontro  da  égua  foi  perfeita- 
mente casual.  Não  estava  &\\  preparada  para  facilitar  a  fuga,  mas 
é  certo  que  foi  a  salvação  providencial  do  fugitivo. 


Não  me  imponho  o  encargo  de  aqui  inventariar  as  diversas  narra- 
tivas fantasiosas  destes  acontecimentos,  que  se  lêem  nos  autores. 
Nenhum  proveito  daí  resultaria.  Liraitar-rae  hei  a  fazer  umas  leves 
observações  ao  que  dizem  Costa  e  Silva  no  seu  Ensaio  biograftco- 
critico,  e  Camilo  na  Luta  de  gigantes. 


02  ^tàs  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Acho  extraordinária  a  crítica  de  Costa  e  Silva,  que,  reputando 
pouco  verosímil  a  noticia,  dada  por  Madeira  de  Castro,  escritor  quási 
contemporâneo  do  poeta  e  seu  parente,  de  que  este  aproveitara  a 
ocasião  da  entrada  dum  presente  para  fugir,  acha  contudo  aceitável 
a  hipótese,  aventada  por  um  anónimo  inteiramente  desconhecido,  de 
que  o  celebrado  ardil,  referido  no  Viriato  Trágico,  consistiu  em  o 
poeta  se  evadir  minando  profundamente  a  terra,  e  passando  por  baixo 
dos  alicerces  da  cadeia  •  I 

Dispenso-me  de  quaisquer  comentários. 

O  que  se  lê  na  introdução  da  Luta  de  Gigantes  é  romance,  e  puro 
romance.  Brás  Garcia,  numa  pendência  nocturna,  fere  gravemente 
D.  António  de  Mascarenhas,  por  vingar  o  seu  amigo  Diogo  César 
de  Meneses,  ao  tempo  em  que  todos  três  eram  estudantes  da  Univer- 
sidade. Brás  é  preso  e  metido  na  cadeia  civil  da  Portagem  -.  Marcos 
Garcia,  e  quatro  Jilhos  clérigos,  que  já  se  haviam  formado  em  direito 
canónico,  acodem  a  Coimbra.  Decorridos  sete  dias  depois  da. prisão, 
à  meia  noute  em  ponto,  Diogo  César,  à  frente  de  três  criados  seus 
e  três  de  Brás,  e  auxiliado  pelos*  quatro  clérigos,  Jilhos  de  Marcos 
Garcia,  e  mais  quatro  alentados  serranos  da  Estrela,  assaltam  a 
cadeia,  desarmam  a  guarda,  forçam  o  carcereiro  a  abrir  as  portas,  e 
libertam  o  preso.  Junto  à  Quinta  do  Pombal,  hoje  chamada  Quinta 
das  Lágrimas,  estavam  dois  creados,  armados  até  aos  dentes,  com  três 
cavalos  pelas  rédeas.  Montaram  amo  e  criados,  e  partiram,  enquanto 
os  quatro  clérigos,  indo  a  um  casal  situado  no  Vale  do  Inferno,  no 
logar  chamado  ainda  hoje  Monte  da  Esperança,  montaram  sobre 
ligeiras  éguas,  e,  por  atalhos,  foram  juntar-se  ao  irmão. 


1  Op.  cit.  t.  VII,  p.  i53. 

*  Isto  não  passa  de  um  erro  histórico.  Se  Brás  fosse  estudante,  e  desse  motivo 
a  ser  preso,  não  iria  para  a  cadeia  civil  da  Portagem,  mas  para  a  privativa  da  Uni- 
versidade. Gosaria  o  privilégio,  então  procurado  com  grande  empenho,  e  altamente 
apreciado,  ào  foro  académico,  que  se  estendia  a  todas  as  pessoas  (lentes,  estudantes 
e  oficiais)  da  Universidade,  aos  seus  domésticos,  e  ainda  a  outros  privilegiados,  os 
quais  estavam  sujeitos  exclusivamente  à  jurisdição  do  Conservador,  perante  cujo 
tribunal  corriam  todos  os  processos  em  que  eles  fossem  autores  ou  réus.  Somente 
em  casos  excepcionais,  &  por  algua  justa  causa,  é  que  as  autoridades  universitárias 
podiam  mandar  prender  no  Castello,  &  mais  prisões  da  Cidade;  isto  sucedia,  por 
exemplo,  quando  prendiam  alguma  mulher,  a  qual  tinha  de  ser  logo  remetida  para 
as  cadeias  civis,  e  não  para  a  da  Universidade,  porque  o  Estatuto  prescrevia  :  —  não 
poderá  nella  ser  preja  molher  algua,  posto  que  goje  dos  privilégios  da  Vniversidade^ 
(Vid.  Estatutos  da  Univ.  cit.,  1.  II,  titt.  xxvii  e  uii). 


Cap.  Ill —  Trisão  efuga  do  poeta  63 

Tudo  isto  é  parto  fantástico  da  fecundíssima  imaginação  de  Camilo, 
que,  diga-se  de  passagem,  jamais  teve  a  pretensão  de  o  inculcar  e 
fazer  passar  por  história. 

Confira-se  o  que  se  lê  na  Luta  de  gigantes  com  o  que  narra  o 
poeta  nas  estâncias  auto-biográficas  acima  transcritas,  e  com  o  que 
revelam  os  documentos  a  que  temos  aludido,  e  verificar-se  há  sem 
dificuldade  que  a  narração,  de  que  vimos  falando,  é  inteiramente  alheia 
à  realidade  histórica. 


IV 
Homizio  e  regresso  à  pátria 

No  capítulo  precedente  deixámos  o  poeta,  com  a  cabeça  desco- 
berta, cavalgando  uma  égua,  a  fugir  aos  seus  perseguidores,  sem 
plano,  sem  destino  certo,  deparando-se-lhe  a  cada  passo  perigos  e 
obstáculos,  que  o  ágil  e  inteligente  animal  ia  vencendo. 

Todos  os  escritores,  que  até  hoje  se  teem  ocupado  da  biografia 
de  Brás,  supõem  que  este,  apenas  escapado  das  garras  da  justiça, 
tratara  de  passar  a  fronteira,  e  fora  viver  para  Madrid. 

Não  é  exacto.  Para  nos  convencermos  disto  basta  ler  as  estâncias 
44  e  45  do  canto  xv  do  Viriato  Trágico. 

Temor,  &  amor  luctando  vão  comigo 
Por  donde  quer  que  vou;  aconselhando 
O  temor,  que  me  aparte  do  perigo. 
Amor,  que  me  detenha  perigando. 
Reprovo  o  cauto  lynce,  o  cego  sigo. 
Por  elle  a  vida,  &  credito  arriscando. 
Que  quando  Amor  seus  gostos  solicita, 
Difficuldades  grandes  facilita. 

Cansado  em  fim  do  vil  encantamento, 
Que  o  corpo  debilita,  a  honra  acanha, 
Me  transfiro  apesar  do  amante  intento 
Á  Corte  do  feliz  Numa  de  Hespanha  ; 
No  tempo,  quando  em  seu  mayor  augmento 
Gozando  a  paz,  que  os  vicios  acompanha, 
Parecia  nos  faustos  &  grandezas, 
O  centro  das  delicias  e  riquezas. 

A  verdade  histórica  transparece  claramente  destes  versos.  O  poeta, 
apenas  se  encontrou  livre,  correu  logo  para  os  sítios  onde  residia  a 


\ 


Cap.  IV —  Homizio  e  regresso  à  pátria  65 

mulher  que  amava,  e  que  já  tanto  o  fizera  sofrer;  atraído  por  ela, 
como  a  borboleta  pela  luz,  não  se  afastou  dessa  região  por  largo  tempo. 

Apertava-o  a  perseguição,  os  perigos  aumentavam,  mas  ele,  cer- 
rando os  ouvidos  à  voz  da  prudência,  lá  continuava,  já  escondido, 
já  a  monte,  realizando  as  suas  entrevistas  amorosas  no  meio  de  gran- 
des riscos  e  trabalhos,  e  superando  graves  deficuldades. 

Estas  peripécias  amorosas  da  mocidade  ainda  eram  recordadas 
pelo  nosso  poeta  quando,  já  em  edade  madura,  descrevia  e  apreciava 
os  amores  dos  outros,  mostrando-se  bem  conhecedor  dessa  metafísica 
da  paixão,  das  loucuras  a  que  o  amor  obriga,  e  da  técnica  do  namoro. 
Veja-se,  v.  gr.,  a  descrição  bastante  longa  e  fastidiosa,  entretecida  de 
transcriçõis  de  outros  poetas,  que  ele  faz  no  cap.  xii,  est.  41  e  seguin- 
tes, das  tristezas,  agonias,  irresoluçõis  dos  namorados,  quando  são 
forçados  a  separar-sc. 

No  canto  xui,  est.  72,  insere  ele  um  quadrozinho  de  dois  amantes, 
que,  vendo-se  a  distância,  se  correspondem  por  meio  de  sinais : 

Posto  que  a  penha,  &  muros  mais  distantes 
Os  tem,  do  que  quiserão,  se  conhecem. 
Que  são  todos  os  olhos  dos  amantes 
Lynces  em  penetrar  o  que  appetecem. 
Feytas  lingoas  as  mãos  dos  palpitantes 
Corações,  dão  sinal  do  que  padecem, 
Pagés  suspiros  pellos  ares  danção, 
Vão  huns,  vem  outros,  de  ir,  &  vir  não  cansão. 

E  cheia  de  observação  e  de  naturalidade  a  descrição,  que  noutro 
lugar  faz,  duma  donzela  recebendo  a  carta  do  seu  namorado,  que 
lhe  é  entregue  por  um  portador;  e  eia 


Despede-o  brevemente,  porque  a  pica 
Qualquer  instante,  que  dilata  o  leia; 
Tanto  que  volve  as  costas,  &  só  fica, 
Beyja  a  carta,  &  começa  de  rompela: 
Guardando  o  sobrescrito,  a  folha  abria 
Etc '. 


Brás  Garcia  era,  sem  dúvida,  mestre  consumado  na  matéria. 


1  V.  T.  xviii,  q6. 


66  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


Não  faltavam  ao  nosso  poeta  por  toda  esta  região  casas  de  pa- 
rentes que  o  acoutassem.     Na  Bobadela  teria  êle  um  dos  pousos  favo- 

Assento  de  óbito  de  António  Alves  de  Abranclies,  Avô  paterno  de  Brás. 

ritos,  na  casa  onde  nascera  seu  pai,  e  onde  ainda  vivia  sua  avó  paterna', 
já  muito  velhinha,  em  companhia  de  uma  filha  de  nome  Isabel  An- 


Assento  de  óbito  de  Ana  Marques,  avó  paterna  do  poéw. 

tunes  e  dos  netos   filhos  desta,   com  os  quais  se  juntavam  os  de 
outra  sua  filha,  Maria  Garcia,  ali  falecida  em  lôgB.     O  avô  paterno, 


•  É  extraordinário  o  facto  de  o  vigário  de  Avô,  licenciado  António  Dias,  ao  lavrar 
em  iSgi  o  assento  do  casamento  de  Marcos  Garcia,  fazer  a  declaração  de  que  sua 
mãe  já  era  falecida,  quando  é  certo  que  ela  vivia  ainda  27  anos  depois,  deparando-se- 
nos,  em  os  livros  da  Bobadela,  o  registo  do  seu  óbito,  ocorrido  em  1619  !  Em  que 
estaria  pensando  o  bom  do  vigário,  quando  escrevia  inadvertidamente  no  referido 
assento  de  casamento: — Marcos  grada  filho  de  Ant.o  alíís  e  de  sua  niolher  Anua 
marques  iá  defunta  mfirs  na  Bobadela  f  (Vid.  doe.  VII). 


Cap.  IV —  Homi{io  e  regresso  à  pátria  67 

António  Alves  de  Abranches,  não  chegara  êle  a  conhecer,  pois  fale- 
cera na  Bobadela  a  21  de  fevereiro  de  iSgS;  a  avó  Ana  Marques, 
avançada  em  decrepitude,  infantilizara-se,  e  Brás  tinha-lhe  grande 
afeição,  brincando  com  ela,  como  se  fossem  duas  crianças. 

Foi  exactamente  quando  o  poeta  por  aqui  andava  homiziado,  que 
faleceu  a  avó  a  18  de  abril  de  1619,  o  que  lhe  causaria  grande 
desgosto. 

Calculo  que  esta  vida  de  vil  eucanfameuto,  que  o  corpo  debilita. 
a  honra  acanha,  duraria  dois  anos,  ou  pouco  mais. 


Por  fim,  no  declinar  já  do  ano  de  1619,  Brás  Garcia,  revestindo-se 
de  coragem,  corta  os  leames  amorosos  que  o  prendiam,  e  parte  para 
Madrid,  onde  reside  um  ano. 

As  impressõis  que  lhe  deixou  esta  residência  na  sede  da  corte  his- 
pânica foram  muito  desagradáveis.  Acham-se  consignadas  nas  se- 
guintes estâncias  do  mencionado  canto  xv : 

Considere)',  que  a  força  da  ventura 
Sem  forças  de  que  tal  se  imaginara. 
Aquela  Babilónia  mal  segura. 
De  universais  cabidas  levantara, 
Pêra  quotidiana  sepultura 
Das  illustres  Nações,  que  sujeytara, 
Porque  os  thronos  reays  são  fabricados 
Sobre  os  ossos  dos  mal  afortunados. 

Hé  mar  a  Corte,  &  rios  os  senhores, 
Que  entrando  nella,  como  nelle  os  rios, 
Os  que  se  tem  cá  fora  por  mavores. 
Perdem  lá  dentro  a  fúria,  nome,  &  brios : 
Sem  lhe  os  pulsos  tomar,  julguey  das  cores. 
Que  huns  padeciaõ  febres,  &  outros  frios, 
Que  esta  ânsia  de  privar  hé  divulgada 
Maleyta,  bem  prevista,  &.  mal  curada. 

Madrid,  dizem,  que  estriba  em  fogo,  &  agoa, 

Deve  ser  por  rheioricas  figuras, 

Que  geral  pranto,  &  ambiciosa  fragoa 

Formão  do  vasto  corpo  as  bases  duras. 

Hum  anno  inteyro  vi,  com  grande  magoa. 

Venturas  de  huns,  &  de  outros  desventuras, 

Estas  cahindo  nos  indignos  delias, 

E  os  delias  dignos  alcançando  aquellas. 


68  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Vi  os  aduladores,  muy  possantes, 
O  nierito  muy  fraco,  &  desvalido, 
Com  mào  partido  os  pobres  negociantes, 
E  os  ricos  todos  com  muy  bom  partido; 
E,  achando-me  formiga  entre  elefantes. 
Por  não  servir,  depois  de  ser  servido, 
Deyxada  a  Corte,  por  abismo  cego, 
Enfadado  da  terra  ao  mar  me  entrego  *. 

Deduz-se  desta  última  estância,  que  o  poeta  não  viveu  na  capital 
hispânica  em  meio  da  abundância;  antes  pelo  contrário  deixa  transpa- 
recer que  sofreu  privações,  e  que,  acossado  por  elas,  por  não  servir 
depois  de  ser  servido,  resolveu  partir  ao  fim  de  um  ano  de  residência 
em  Madrid.  Bento  Madeira  de  Castro  diz  claramente  que  ele  saiu  de 
Madrid  enfadado  já  da  estancia,  ou  a  instância  da  bolsa  ^. 

Dirige-se,  cheio  de  aborrecimento,  para  o  sul  da  península.  Che- 
gado ao  litoral  da  actual  província  de  Sevilha,  embarca  e,  diz  êle, 
enfadado  da  terra  ao  mar  me  entrego. 


Ia  já  correndo  o  ano  de  162 1,  quando  Brás  Garcia  embarcou  em 
um  patacho  espanhol. 

^Em  que  porto  e  com  que  destino? 

Quanto  ao  porto  de  embarque,  apenas  sabemos  que  foi  na  Turde- 
tânia.  O  litoral  da  região,  que  no  tempo  dos  romanos  tinha  este 
nome,  abrangia  quási  todo  o  da  actual  província  de  Sevilha,  e  uma 
parte  da  de  Granada,  desde  Huelva  até  Málaga. 

O  destino  que  levava  não  o  sei  eu,  mas  pode  conjecturar-se,  no- 
tando que  o  barco  foi  costeando  até  dobrar  o  sacro  promontório, 
hoje  cabo  de  S.  Vicente.  Deverá  pois  ter  embarcado  em  um  dos  portos 
do  golfo  de  Cádiz,  provavelmente  no  próprio  porto  deste  nome,  como 
afirma  Costa  e  Silva  ^,  ou  talvez  em  Sanlúcar,  na  embocadura  do 
Guadalquivir ;  dirigia-se  certamente  à  costa  ocidental  portuguesa,  ve- 
rosimilmente a  Lisboa,  como  assevera  Madeira  de  Castro  ^,  ou  talvez 
ao  Porto,  onde  realmente  mais  tarde  desembarcou.  Deprehende-se 
disto  que  Brás  Garcia  tentava  regressar  clandestinamente  à  sua  pátria, 
evitando  o  perigo  de  ser  descoberto  e  preso,  se  viesse  directamente 
por  terra,  e  tentasse  passar  a  fronteira. 


»  Estt.  46-49.-2  Doe.  CXII.  — 3  Loc.  cil.,  pag.  154.  —  *  Loc.  cit. 


Cap.  IV — Homilia  e  regresso  à  pátria  6g 

O  princípio  da  viagem  ia  decorrendo  sem  incidentes;  mas  ao  do- 
brar o  cabo  de  S.  Vicente  foi  o  pataclio  avistado  por  um  navio  turco 
ou  mourisco,  que  por  ali  pairava  em  exercício  de  pirataria.  Vê-lo,  e 
cair  sobre  ele,  foi  obra  rápida.  Abordado  o  patacho,  trava-se  sobre 
o  convés  luta  sangrenta  muito  desigual.  Os  cristãos  vendem  bem 
cara  a  sua  vida  batendo-se  com  desespero,  por  acharem  preferível 
morte  honrada  a  infame  cativeiro. 

j  Tudo  perdido ! 

Já  o  convés  se  achava  coberto  de  sangue  c  de  corpos  mutilados, 
quando  surge  por  barlavento  uma  poderosa  fragata.  Apenas  a  avis- 
tam, os  mouros  desaferram  rapidamente,  e  põem-se  em  fuga;  mas  o 
vaso,  cujo  aparecimento  viera  em  ocasião  tão  oportuna,  em  vez  de 
os  perseguir,  dirige-se  ao  patacho,  aborda-o  com  capa  de  amizade, 
apropria-se  da  carga  e  dos  poucos  que  ainda  restavam  vivos,  entre 
os  quais  se  contava  o  nosso  poeta  e  o  piloto,  e,  abandonado  o  barco, 
continua  a  sua  derrota,  levando  a  fazenda. 

A  fragata  era  holandesa,  e  este  fato  nos  fornece  um  elemento 
cronológico;  não  sucedia  isto  antes  da  primavera  de  1621,  porque  só 
então  terminou  a  trégua  de  doze  anos  ajustada  entre  a  Espanha  e 
os  Países-baixos,  pelo  tratado  de  Antuérpia,  assinado  a  g  de  abril  de 
1609. 

Arrecadada  a  presa,  os  prisioneiros  de  nada  serviam  aos  holan- 
deses; a  sua  conservação  a  bordo  era  um  ónus  inútil.  Retiveram  o 
piloto,  que  lhes  convinha  por  conhecer  estes  mares,  e  alijando  os  re- 
stantes, quási  nus,  para  um  batel  velho  e  roto,  abandonaram-nos  à 
sorte. 

O  nosso  poeta  com  os  seus  companheiros  de  infortúnio  desembar- 
caram em  estado  miserável  na  costa  próxima. 


l  Será  possível  determinar  qual  a  costa  onde  se  realizou  este  desem- 
barque de  Brás  Garcia  ? 

Foi  em  húa  praia  de  Itália,  diz  Madeira  de  Castro  •.  Barbosa 
Machado  reproduz,  quási  textualmente,  o  que  escreveu  o  primeiro 
dos  biógrafos  do  poeta  aventureiro  ^.  Este  episódio  biográfico  é 
omitido  inteiramente  por  Albino  de  Figueiredo ;  Costa  e  Silva  porem 
narra-o,  acabando  por  dizer  que  os  holandeses  foram  lançar  o  poeta 


*  Loc.  cit.  —  í  Bibliot,  Lusit,  t.  I.  p.  545. 


TO  'Brás  Garcia  de  oMascareuhas 

em  um  porto  cujo  nome  se  não  especifica  *.  A  seu  turno  Camilo  Cas- 
telo Branco^  dá  quinau  a  Costa  e  Silva,  replicando  lhe  :  —  Está  espe- 
cificado pelo  próprio  poeta  no  seguinte  verso: —  «Sobre  a  lúváuXa praia 
em  batel  roto». . .  —  Ao  adjectivo  túrdula  se  especifica  a  provinda  bética 
ou  andaluia.  —  Enquanto  aos  passageiros,  que  ainda  viviam,  o  corsário 
mandou-os  lançar  nas  praias  de  Sevilha. 

Critiquemos  agora  um  pouco. 

Custa  a  acreditar  que  Madeira  de  Castro  e  Barbosa  Machado 
viessem  tão  levianamente  dizer  que  o  poeta  desembarcou  em  Itália. 
quando  êle  mesmo  afirma  que  foi  alijado  sobre  a  túrdula  praia,  o 
que  localiza  este  facto,  sem  sombra  de  dúvida,  na  península  hispânica; 
mas  também  temos  de  reconhecer  que  Camilo  foi  muito  infeliz  em 
colocar  essa  praia  na  província  bética  ou  andaluza,  e  ainda  mais  em 
determinar  tis  praias  de  Sevilha. 

Os  túrdulòs  ocupavam  na  Bética  uma  região,  que  tinha  por  centro 
Córduba,  e  não  atingia  o  litoral,  pois  confinavam  a  S.  com  os  bás- 
tulos,  dos  quais  eram  separados  pelas  serras  hoje  conhecidas  pelos 
nomes  de  Nevada  e  Tejeda,  a  S.-O.  com  os  turdetanos,  a  N.  com  os 
oretanos,  e  a  E.  com  os  bastetanos.  Não  tem  pois  aplicação  a  este 
território,  isolado  do  litoral,  a  expressão  túrdula  praia. 

Havia  porem  uns  outros  túrdulòs,  os  turduli  reteres  de  Plínio ', 
assim  chamados  por  serem  a  origem  dos  túrdulòs  da  Bética,  e  que 
eram  representados  por  uma  gente  que  residia  a  sul  do  rio  Durius, 
o  actual  Douro.     A  estes  é  que  se  referia  o  poeta. 

Devemos  porem  notar,  que  na  determinação  do  território  ocupado 
pelos  túrdulòs,  como  no  mais  que  dizia  respeito  à  geografia  da  parte 
da  península,  onde  se  desenvolve  a  acção  do  Viriato  Trágico,  Brás 
Garcia  em  quási  tudo  seguia  respeitosamente  o  que  se  lê  na  Geo- 
grafia a)itiga  da  Lusitânia  composta  por  Frey  Bernardo  de  Brito. 
Era  grande  a  confiança  que  o  poeta  beirão  depositava  no  frade  cis- 
terciense,  colocando-o  ao  lado  de  fr.  António  Brandão  e  fr.  Francisco 
Brandão,  na  galeria  limitadíssima  dos  beneméritos,  que  se  ocupavam 
em  descobrir  com  honra  e  sciência  as  antiguidades  de  Portugal. 

Registemos  o  que  a  tal  respeito  pensava  Brás  Gatcia. 

Mas  investigue-as  *  sempre  o  curioso, 
Que  Portugal,  por  falta  dos  passados, 
He  todo  hum  cemitério  respeytoso 


'  Loc.  cit.  —  -  Luta  de  Gigantes,  mihi  p.  25,  nota  2  e  texto. 
3  Hist.  natural.  1.  IV,  cap.  xx.  —  *  As  tradições  antigas. 


(Jap.  IV — H()i)ii-i()  c  rcffi-csso  à  pátria  "] i 

De  valerosos  feytos  sepultados; 

De  entre  os  golfos  de  Lethes  procelloso 

Salvando  a  muytos,  vão  poucos  honrados, 

Que  a  hú  Britto,  &  dous  Brandões,  únicos  scientes, 

Devem  muyto  os  antigos,  &  os  presentes. 

Quem  lhes  põem  objeçoés  por  ver  manchadas 
Suas  obras,  muyto  mais  os  acredita; 
Tais  as  do  Britto,  quando  censuradas, 
Ficarão  com  mais  credito,  &  mais  dita; 
E  tais,  se  algum  quizer  ver  apagadas 
As  dos  claros  Brandões,  os  espevita ; 
Que  as  Cortes  de  Lamego  nos  declarão 
Quanto  importa  o  que  ambos  trabalharão  '. 

i  Santa  ingenuidade  esta,  que  equipara  cm  boa-fé  o  falsário  emé- 
rito aos  dois  tioncstos  e  conscienciosos  investigadores! 

Ora  fr.  Bernardo  de  Brito,  tilo  considerado  e  seguido  pelo  poeta, 
estendia  a  região  dos  túrdulos  para  S.  até  ao  Tejo-. 

O  próprio  Brás  Garcia  expressamente  declara  onde  é  que  supunha 
terem  habitado  os  túrdulos  antigos,  e  assim  temos  a  interpretação  au- 
têntica da  expressão  túrdula  praia.     Vejamos: 

Fora  nosso  Viriato  aqui  chamado ' 
Dos  Túrdulos  antigos,  que  habitavão 
O  que  hoje  Estremadura  he  nomeado. 
Que  em  Collinibriga  a  Cortes  se  ajuntavão. 
Se  do  século  de  ouro,  já  estragado. 


'   K  T.  V,  40  e  4 1 . 

2  «Passado  o  rio  Tejo,  começaua  a  Comarca  dos  Túrdulos  antigos,  &  se  es- 
tendia té  o  Douro,  como  aliem  de  Plínio  (Plin.  1.  4.  ca.  20),  escreue  Pomponio  Mella, 
forão  estes  Túrdulos  origem,  &  principio  de  todos  os  mais  Túrdulos,  que  viuião 
em  Andaluzia,  &  dos  Turdetanos  do  Algarue,  &  todos  os  mais,  que  tinhão  este 
nome,  por  cujo  respeyto  se  lhe  deu  nome  de  Antigos.  Era  esta  gente  muy  bern 
entendida,  &  tinha,  como  diz  Strabo  (Strab.  1.  3.),  leys,  por  onde  se  gouernaua,  es- 
crittas  em  verso  de  tempos  antiquíssimos  :  tinhão  entre  si  muy  grandes  cidades, 
quais  erão  VUisippo,  ou  Falicitas  luUia,  que  he  Lisboa,  Scalabis,  ou  lullium  Príesi- 

dium,  que  he  a  villa  de  Santarém Pello  sertão  contra  o  Leuante,  confinauão 

estes  Túrdulos,  com  os  Herminios,  habitadores  da  serra  da  Estrella  :  do  Norte,  com 
a  corrente  do  rio  Douro,  do  Meo  dia,  com  o  Tejo,  do  Poente  co  mar  Oceano». 
(Geographia  antiga  da  Lvsytania,  composta  por  Frey  Bernardo  de  Brito,  cap.  iiii, 
fl.  7  v.°). 

'  A  Collimbriga.  É  o  óppidum  romano  Conimbriga,  cujas  muralhas  e  aque- 
duto ainda  hoje  são  bem  vesíveis  junto  de  Condeixa-a-Velha,  cerca  de  lO  quilóme- 
tros a  Sul  da  actual  cidade  de  Coimbra. 


72  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

E  das  leys  de  Tubal  se  conservavão 

Inda  algumas  relíquias,  nestes  era, 

Que  em  metro  tinhaõ  leys,  que  elle  lhes  dera. 

Seus  ascendentes,  que  erão  bons  guerreyros, 
A  terra  da  Transcudana  conquistarão; 
Entre  as  serras  da  Estrella,  &  de  Besteyros, 
Também  algumas  terras  povoarão. 


Conclue-se  pois  que  a  túrdida  praia,  onde  Brás  desembarcou 
semi-nu,  miserável,  certamente  ferido,  foi  qualquer  ponto  do  litoral 
português  da  província  da  Estremadura,  hoje  impossível  de  determi- 
nar. 

Algum  tempo  descansaria  o  poeta,  a  tratar  das  feridas  resultantes 
do  combate  com  os  turcos,  e  a  reparar  as  forças;  mas,  apenas  se 
lhe  oferece  oportunidade,  embarca  novamente.  Dois  meses  decor- 
ridos depois  do  seu  primeiro  embarque  ao  Sul  de  Espanha,  entrava 
a  barra  do  Douro,  e  saltava  em  terra  na  cidade  do  Porto. 


Estas  aventuras  são  contadas  pelo  poeta  no  canto  xv,  nas  estân- 
cias seguintes : 

Da  Turdetania  apenas  me  sahia. 

Dobrando  o  sacro  Promontório,  quando 

De  meyas  L.uas  abordado  via 

O  patacho,  &  conflicto  miserando  : 

De  corpos  destroçados  se  cobria 

O  convés,  em  que  o  sangue  anda  nadando. 

Que  antes  se  escolhe  em  tranze  tão  guerreyro 

Morte  honrada,  que  infame  cativeyro. 

Eis  que  por  balravento  em  popa  assoma 
Tão  alterosa  nào,  que  em  hum  momento 
Desaferrando  as  Luas  de  Mafoma 
Partem  voando  a  seu  pátrio  assento : 
Deyxa  os  Turcos  fugir,  &  os  Christãos  toma 
O  soccorro  do  Herege  fraudulento. 
Que  abordando  com  capa  de  amizade, 
Prende  a  fazenda,  &  solta  a  liberdade. 


i  V.  T.  V,  18  e  19. 


íA 


Cap.  IV —  Hoi7U{ío  e  regresso  à  pátria  /S 

Sobre  a  Turdula  prava  em  batel  roto 
Os  poucos  vivos  quasi  nus  alija, 
E  com  o  Pirata  só  fica  o  Piloto, 
Pêra  que  a  costa  mais  perito  afflija. 
Eu  em  vez  de  fazer  solene  voto 
De  mais  não  contrastar  fera  tão  rija. 
Como  agoa  salsa,  tão  voraz,  &  tanta, 
Que  espanta  o  vela,  &  o  passala  espanta. 

Sobre  a  primeyra  queda,  torno  à  luta. 
Sem  me  turbar  de  tão  funesto  agouro. 
Porque  com  pertinácia  resoluta 
Dentro  em  dous  meses  desemboco  o  Douro. 


Narram  os  escritores  que  Brás  Garcia,  durante  este  primeiro  pe- 
ríodo do  seu  exílio,  viajou  muito  por  várias  nações  europeias,  pela 
Itália,  França,  Flandres,  e  Espanha,  adquirindo  nestas  viagens,  com 
a  sua  natural  agudeza  e  talento,  conhecimentos  muito  variados. 

Creio  haver  nisto  exagero. 

Que  viajou  pela  Espanha,,  temo-lo  nós  visto ;  mas,  que  passasse 
alem  dos  Pyreneus,  não  me  parece  crivei,  não  só  por  não  encontrar- 
mos no  seu  poema,  todo  semeado  de  dados  autobiográficos,  vestígio 
algum  de  tais  viagens,  mas  principalmente  porque,  na  sucessão  cro- 
nológica dos  acontecimentos,  não  vemos  restar  tempo  em  que  elas 
se  realizassem. 

Parece-me  pois  que  devem  relegar-se  tais  narrativas  para  o  do- 
mínio fantasioso  das  lendas. 


Desembarcado  no  Porto,  Brás  aproveitou  a  primeira  oportunidade 
para  ir  apagar  saudades  à  Beira,  onde  tinha  a  família  e  os  antigos 
amores,  dos  quais  estava  longe  de  se  ver  curado-. 

A  sua  estada  em  Portugal  era  cuidadosamente  oculta  e  clandes- 
tina, porque  sobre  êle  continuava  pesando  a  responsabilidade  do  an- 
tigo crime,  e  as  justiças,  se  soubessem  da  sua  presença,  esfoçar-se 
hiam  por  capturá-lo. 

D.  Filipe  III  de  Espanha  morrera  em  Madrid  a  3i  de  março  deste 
ano  de  1621,  sucedendo-lhe  Filipe  IV;  e  diz  Camilo  Castelo  Branco 
que  o  novo  rei  mandara  desfazer  os  processos  instaurados  em  Coimbra 


t  Estt.  5o-53.  — í  Doe.  CXII. 


7^  ^rás  Garcia  de  oMascareiíhas 

contra  o  poeta,  pelo  que  a  j>inda  deste  a  Portugal  não  era  já  temerá- 
ria nem  perigosa  *.  Ignoro  o  fundamento  que  teria  o  grande  escritor 
para  fazer  tal  afirmação.  Creio  que,  pelo  menos  em  parte,  é  mais 
um  produto  da  sua  imaginação,  pois  o  próprio  poeta  se  antecipou 
a  dar-lhe  o  desmentido,  dizendo  que  só  muito  mais  tarde,  residindo  no 
Brasil,  fora  avisado  de  estar  convalescido  enquanto  a  réo  ^. 

Naturalmente  o  processo,  que  Filipe  IV  mandou  desfazer,  foi  o 
de  cumplicidade  na  evasão  da  cadeia  da  Portagem,  em  que  se  achava 
implicado  o  irmão  Manuel  Garcia,  e  talvez  mais  alguém.  Conjecturo 
isto  por  ver  esse  ano,  no  mês  de  novembro,  o  dito  Manuel  Garcia 
requerer  para  ser  admitido  aos  três  graus  de  ordens  menores,  que 
lhe  faltavam,  correr  o  processo  sem  aparecer  impedimento  algum,  e 
ser  realmente  admitido  à  ordenação  em  dezembro,  o  que  não  podia 
suceder  se  estivesse  pronunciado.  Um  ano  depois  organizou-.se  novo 
processo  para  a  sua  ordenação  de  subdiácono,  e  a  êle  se  encontram 
juntos  os  certificados  de  folha  corrida  passados  pelos  escrivães  de 
um  e  outro  foro,  donde  consta  nada  haver  contra  o  requerente,  o 
qual  recebe  o  subdiaconado  em  dezembro  de   1622  ^. 

Por  isso  a  vesita  de  Brás  Garcia  à  Beira  não  podia  deixar  de  ser 
cercada  de  misterioso  disTarce. 

i  Que  viva  impressão  lhe  não  causaria  este  regresso  à  sua  querida 
pátria,  depois  de  tão  atribulada  ausência  !  ;  Com  que  estremecimen- 
tos de  alma  não  desceria  êle  o  velho  caminho  de  Vila-Pouca  a  Avô, 
e  com  que  alvoroço  não  saudaria  a  sua  pequenina  vila  natal,  quando, 
ao  voltar  do  atalho ',  se  lhe  desvendou  subitamente  a  gigantesca  e  for- 


1  Op.  cit.  mihi  p.  24.  — -   V.  T.  XV,  Gi. 

'  CE.  —  Processos  para  a  ordenação  de  Manuel  Garcia. 

*  A  vista  fotográfica  de  Avô  e  suas  cercanias,  que  aqui  juntamos,  é  tirada  exa- 
tamente  do  ponto,  cujo  panorama  se  descreve.  Para  elucidação  do  leitor,  indi- 
camos por  letras  e  algarismos,  na  cobertura  da  estampa,  os  logares  principais  que 
agora  vamos  apontar. 

A)  Bairro  da  Couraça.  —  B)  Bairro  do  Outeiro.  —  1)  Casa  de  Marcos  Garcia, 
onde  Brás  nasceu.  —  2)  Terreno  fronteiro  à  casa,  alem  do  lago,  onde  o  poeta  fez  o 
seu  jardim  quando  regressou  do  Brasil,  ligando-o  com  a  casa  por  uma  ponte. 
Ainda  lá  existem  dois  gigantescos  e  velhíssimos  ciprestes,  que  a  tradição  diz  plan- 
tados por  êle. —  3)  Antiga  casa  da  Câmara  municipal,  que  hoje  serve  de  escola 
primaria.  Na  estampa  vê-se  apenas  a  parte  superior,  que  emerge  detrás  de  uma 
casa  particular.  —  4)  Esplanada  onde  assentava  o  castelo.  — 5)  Igreja  matriz  de  Nossa 
Senhora  da  Assunção.  —  6)  O  Pego,  lago  actualmente  muito  assoreado.  —  7)  En- 
trada do  rio  Alva  no  Pego.  —  8)  Entrada  do  rio  Moura,  ou  Ribeira  de  Pomares. — 
9)  Estrada  distrital  n.°  106,  que  liga  Avô  com  a  estrada  nacional  n.°  46,  pela  qual 
comunica  com  Vila-Pouca  da  Beira,  Galizes,  Oliveira  do  Hospital,  etc.  — 10)  Caminho 


Cap.  IV  —  Homilia  e  regresso  à  pátria 


7S 


I 


mosíssima  concha,  cujos  contornos  e  relevos  são  formados  por  cordi- 
lheiras de  colinas  e  montanhas,  e  em  cujo  fundo  convergem  os  rios. 
Alva  e  Moura,  entre  os  quais  se  devisa,  qual  preciosa  pérola  implan- 
tada no  seio  da  concha-mãe,  a  pitoresca  e  sempre  ridente  povoação 
de  Avô ! 

Quem  seja  admirador  das  belezas  naturais,  venha  em  uma  clara 
manhã  de  primavera  a 
este  lugar  privilegiado, 
sito  a  meio  da  íngreme 
vertente  sobre  uma  prega 
de  terreno,  e  eu  lhe  ga- 
ranto que  ficará  absorto, 
horas  esquecidas,  na  con- 
templação duma  paisa- 
gem, única  no  seu  gé- 
nero, deliciosa  como  uma 
iluminura  em  Livro  de 
Horas,  mimosíssima  de 
desenho  e  de  colorido. 

Inúmeras  montanhas, 
em  disposição  capricho- 
sa, ora  se  dilatam  ar- 
queando o  seu  dorso  em 
corcovas  gigantescas  e  o 
seu  flanco  em  ondulações 
suaves,  ora  emergem  so- 
berbas os  seus  arredon- 
dados cabeços  por  trás 
das  cumeadas  das   mais  i"oria  do  c.imu - 

próximas,  tingindo-se  de  cores  diferentes,  desde  o  azul  de  anil  até  ao 
roxo  de  ametista  e  às  infinitas  tonalidades  do  verde,  segundo  a  relativa 
distância  e  as  condições  da  atmosfera,  e  segundo  a  natureza  do  manto 
vegetal  que  as  cobre,  ou  dos  penhascos  que  as  ouriçam,  e  cortadas 
em  todas  as  direcções  por  alva  rede  de  caminhos  e  atalhos,  que 
ligam  a  vila  com  as  povoações  e  lugares  da  região:  —  tudo  isto  é  de 


de  Aldeia  das  Dez,  onde  se  ergue  a  ermida  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro.  —  11)  Es- 
trada que  dá  serventia  de  Avó  para  Pomares.- — 12)  Caminho  velho  de  Pomares. — 
13)  Caminho  de  Anceriz.  — 14)  Caminho  velho  de  Viia-Cova-sob-Avò.  —  15)  Estrada 
distrital  n.°  io6,  que  põe  Avó  em  comunicaoão  com  Vila-Cova,  Côja,  Arganil,  etc. 


"jG  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

uma  variedade  de  desenho,  de  relevo  e  de  matiz  verdadeiramente  in- 
descritível e  de  encantar. 

Acolá  em  frente,  a  uma  légoa  de  distância,  projectando-se  sobre 
o  horizonte  surge  hirto,  selvático,  mostrando  a  cabeça  ciclópica  e  os 
atléticos  ombros  por  cima  das  cumeadas,  como  sendo  o  bisavô  dos 
restantes  montes  que  o  cercam,  o  gigânteo  Colcurinho,  com  os  seus 
1242  metros  de  altitude,  dominando  uma  larga  região,  que  se  dilata 
para  Ocidente  até  ao  mar.  A  piedade  cristã  foi  colocar  lá  no  cimo 
do  arredondado  cabeço  uma  capelinha,  dedicada  à  Virgem,  que  a 
poesia  popular  se  compraz  em  ver  ali,  entre  o  ceu  e  a  terra,  me- 
dianeira entre  Deus  e  os  homens,  recebendo  as  preces  e  orações  dos 
seus  numerosíssimos  devotos,  que  em  muitas  dezenas  de  légoas  de 
circunferência  avistam  e  veneram  a  minúscula  ermida. 

Na  bacia  de  Avô,  cuja  vista  geral  se  abrange  num  relancear  de 
olhos  daquele  magnífico  mirante  natural,  a  que  nos  estávamos  repor- 
tando, a  cultura  é  variada,  e  não  se  limita  aos  estreitos  vales  por 
onde  se  estendem  os  leitos  dos  rios,  mas  vai  trepando  pelas  encostas, 
era  milhares  de  pequenos  socalcos  irregulares,  adaptados  à  natural 
disposição  do  terreno,  tapizados  de  diversas  cores,  conforme  a  va- 
riedade das  culturas  e  a  policromia  das  florescências,  formando  um 
mosaico  riquíssimo  e  inigualável. 

A  beleza  deste  panorama,  que  hoje  se  admira,  ainda  era  muito 
acrescida  no  século  xvii  por  grandes  e  numerosos  soutos  e  carvalhais  *, 
que  subiam  pelas  depressões  do  terreno  até  quási  ao  dorso  dos 
montes,  vestindo  essas  pregas  da  serrania  de  betas  de  verdura  viçosa, 
que  na  primavera  davam  grande  realce  ao  manto  arroxado  da  urze 
florida,  principal  cobertura  que  envolve  a  parte  inculta  e  mais  alta 
das  encostas. 

Lá  ao  fundo  da  bacia  vê-se  alvejar  o  Pego,  lago  de  coníiguração 
esbelta  bastante  irregular,  alongando-se  na  sua  maior  extensão  de 
N.  a  S.,  alimentado  pelas  águas  do  Alva  e  do  Moura,  e  cercado  de 
exuberante  vegetação,  que  lhe  dá  um  tom  de  frescura  e  vida  impres- 
sionante. Na  parte  mais  larga  do  Pego,  entre  a  boca  de  entrada  do 
Alva  e  a  de  saída  das  águas  do  lago,  surge  a  ilhota  do  Picoto,  um 
rochedo  granítico  que  ali  aflora,  sobre  o  qual  a  poesia  cristã  erigiu 
no  século  XVII  uma  pequenina  capela  dedicada  ao  popular  taumaturgo 
português,  à  qual  davam  acesso  alguns  barquinhos,  que  frequentes 
vezes  singravam  as  aguas  do  lago,  já  em  diversões  de  regalo,   já  em 


J  Vid.  doe.  CVII. 


Cap.lV — Homizio  e  regresso  à  pátria  77 

vesitas  de  devoção.  A  imaginação  popular  consagrando  ali,  naquele 
sítio,  o  piedoso  monumento,  esperaria  em  sua  candura  poética,  a  re- 
petição do  milagre  legendário;  aguardaria  que  alguma  vez,  numa 
dessas  belas  manhãs  de  verão,  o  popular  santo,  descendo  do  seu  altar 
e  aparecendo  à  porta  da  capelinha,  com  um  gesto  chamasse  das 
profundezas  do  Pego  as  turmas  aquáticas,  e  então  pregasse  aos  peixes 
um  daqueles  encantadores  sermões,  que  era  Itália  arrastavam  após  do 
extraordinário  orador  as  multidões,  sempre  sequiosas  de  o  ouvir!  In- 
felizmente as  areias  e  cascalho  que  o  Moura  para  aqui  tem  arrastado, 
e  que  hoje  quási  que  obstruem  o  lago,  prejudicam  bastante  a  sua 
beleza  natural,  não  podendo  já  dizer-se  dele,  a  não  ser  em  época  de 
enchentes,  o  que  o  poeta  na  segunda  metade  do  século  xvii  escreveu  : 

De  claras  agoas  larga,  &  bella  praça 
Entre  ásperas  montanhas  se  está  vendo, 
Amphiteatro  de  plantas,  que  autorizão 
O  grã  lago,  em  que  sempre  se  narcizão  '. 

Dividindo  as  bacias  dos  dois  rios  estende-se  um  como  promon- 
tório de  S.-E.  a  N.-O  ,  que  vem  fenecer  junto  do  lago.  É  aqui,  no 
bico  deste  promontório,  que  assenta  a  nobre  e  antiquíssima  vila  de 
Avô,  com  a  casaria  mezquinha  e  pobre,  mas  pitoresca  no  seu  agru- 
pamento, a  trepar  pela  riba,  disposta  como  que  em  trono  de  forma 
semicircular,  até  ao  cabeço,  onde  se  erguia  arrogante  o  castelo  medi- 
eval, de  que  hoje  apenas  resta  a  porta  de  entrada,  bem  como  as 
ruínas  duma  capela  de  S.  Miguel,  que  a  êle  se  encostava*.     Ha  depois 


*  V.  T.  XIV,  104. 

*  Junta-se  aqui  uma  vista  de  Avô,  tirada  de  O.-S.-O.,  da  margem  esquerda 
da  ribeira  de  Pomares  ou  rio  Moura,  próximo  do  ponto  em  que  as  suas  águas  en- 
tram no  Pego. 

Vão  indicados  por  letras  ou  algarismos,  na  cobertura  da  estampa,  os  logares  se- 
guintes; —  A)  Bairro  da  Couraça  ;  —  B)  Bairro  do  Outeiro  ;  —  1)  Casa  de  Marcos  Gar- 
cia;— 2)  O  Pego ; — 3)  Terreiro  onde  Brás  Garcia,  na  volta  do  Brasil,  fez  o  seu  jardim, 
do  qual  restam  dois  ciprestes ;  —  4)  Ponte  recentemente  construída  sobre  o  Moura, 
dando  passagem  à  estrada  distrital  n.°  io6,  e  pondo  Avô  em  comunicação  com  Vila- 
Cova,  Côja,  Arganil,  etc. ;  — 5)  Antiga  casa  da  Câmara,  vista  de  lado  ; — 6-6)  Estrada 
de  serventia  de  Pomares;  —  7)  Casa  dos  Soares  de  Albergaria,  representantes  da 
família  dos  Madeiras  Arrais  de  Avô  ;  —  8-8-8)  Estrada  distrital  n."  io6  dando  comu- 
nicação para  a  nacional  n."  46,  que  põe  Avô  em  comunicação  com  Vila-Pouca,  Ga- 
lizes,  etc. ;  —  9)  Casa  dos  Figuiredos,  representantes  também  da  antiga  família  dos 
Madeiras  Arrais;  —  10)  Ponte  antiga  sobre  o  Alva ;  —  11)  Esplanada  onde  assentava 
O  castelo ;  — 12)  Capela  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro ;  —  13)  Igreja  matriz. 


7S 


'Tiras  Garcia  de  oMascarenhas 


uma  depressão  de  terreno  ou  garganta,  donde  recomeça  a  erguer-se  o 
monte,  povoado  por  outro  grupo  de  casas,  que  se  alteia  um  pouco 
mais.  O  primeiro  bairro,  o  da  Couraça,  representa  o  burgo  antigo, 
que  ali  se  implantara  abrigado  e  protegido  pelo  castelo  senhorial  dos 
bispos  de  Coimbra,  seus  alcaides-móres;  o  segundo,  chamado  do 
Outeiro,  foi  resultado  dum  desenvolvimento  moderno -do  primeiro 
bairro,  quando  o  aumento  da  população  obrigou  a  ampliar  o  antigo 
povoado. 


Ruínas  do  castelo  de  Avô  em  1S71 


Fronteira  ao  castelo,  no  monte  que  se  ergue  da  outra  banda 
do  Alva,  está  situada  a  igreja  matriz  de  Nossa  Senhora  da  Assunção, 
construção  do  século  xvni,  assentando  no  próprio  logar  em  que  havia 
a  antiga  igreja  colegial  e  paroquial  da  mesma  invocação,  a  qual  re- 
montava ao  século  XIV. 

A  mencionada  disposição  da  vila,  assim  apinhada  entre  dois  vales 
que  a  ladeiam,  ridentes  e  fertilíssimos,  regados  por  dois  pitorescos 
rios  marginados  de  árvores  que  os  sombreiam,  tendo  atrás  de  si  a 
montanha  agreste,  rude,  inculta,  e  na  sua  frente  o  poético  lago,  donde 
se  escoam  as  águas  por  outro  vale,  não  menos  fértil  do  que  os  dois, 
mas  de  aspecto  bastante  diverso,  é  uma  disposição  privilegiada,  for- 
mosíssima, incomparável  de  mimo. 


Cap.  IV —  Homilia  e  regresso  à  pátria  7g 

Aqui  recostado,  o  velho  mas  sempre  rejuvenescido  Avô,  no  meio 

dos 

.. .  valles  que  a  seus  pés  se  estendem, 
Veygas  abração,  &  montanhas  fendera ', 

merece  que  lhe  sejão  dirigidos  os  versos  do  Mantuano : 

Fortunate  senex  !  hic  inter  flumina  nota 
Et  fontis  s;icros  frigus  captabis  opacum  '. 

Observador  c  apreciador  da  natureza,  admirador  do  belo,  Brás 


o  que  resta  do  castelo  de  Avó  na  actualidade. 

Garcia,  ao  ver  agora  novamente  a  sua  querida  e  sempre  amada  pá- 
tria, depois  de  tão  acidentada  ausência  e  de  viagens  por  tão  variadas 
terras,  sentiria  aumentar  consideravelmente  a  antiga  admiração  pelas 
suas  excepcionais  belezas,  admiração  que  várias  vezes  expandiu  em 
versos,  alguns  dos  quais  chegaram  até  nós  no  seu  poema. 


Durante  a  sua  estada  clandestina  em  Avô,  Brás  notaria,  segundo 
creio,  que  a  abundância,  em  que  noutros  tempos  vivera  seu  pai  e  fa- 


1  V.  T.  XIV,  io3.  —  ^  Vergil.  Bucólica,  Ecl.  i,  5i-52. 


8o  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

mília,  havia  derninuído  bastante;  as  despesas  avultadas  a  que  se 
vira  forçado,  muitas  delas  motivadas  pelo  próprio  poeta  cora  as  suas 
aventuras,  prisão  e  homizio,  deviam  ter  feito  notável  rombo  na  casa, 
e  assim  não  admira  encontrarem-se  mais  tarde  referências  a  dívidas, 
contraídas  por  Marcos  Garcia  '. 

Este  facto,  e  não  menos  o  aborrecimento  de  ter  de  viver  escondido 
e  em  contínuos  sobresaltos,  devem  ter  sido  importantes  factores  para 
determinarem  Brás  a  abandonar  a  pátria  e  a  passar-se  ao  Brasil. 

Também  é  certo  que  o  génio  aventureiro  e  irrequieto  do  nosso 
poeta  não  se  curara  com  os  trabalhos  e  com  as  calamidades  sofridas; 
não  admira  portanto  que  esse  génio  o  levasse  a  intentar  passar-se  a 
novas  terras,  cujas  riquezas  nesse  tempo  seduziam  tanta  gente. 

Suponho  porém  que  outro  motivo  muito  diverso  contribuiria  para 
esta  resolução  mais  do  que  os  indicados. 

D.  Maria  Madeira  da  Costa,  irmã  mais  velha  de  D.  Cecília,  que, 
segundo  parece,  era  a  namorada  de  Brás,  havia  casado  por  cerca  do 
ano  de  1617  com  João  Manuel  da  Fonseca,  rico  proprietário  de  An- 
ceriz,  que  veio  viver  para  Avô,  onde  mais  tarde  assumiu,  por  morte 
de  seu  sogro,  o  cargo  c  honras  de  capitão-mór.  Tinha  êle  um  irmão 
de  nome  Aleixo  Afonso,  compartilhante  da  importante  casa  de  seus 
pais  Manuel  Dias  e  Maria  Afonso.  Conveniências  económicas  de 
família  aconselhavam  o  casamento  do  irmão  de  João  Manuel  com  a 
irmã  de  D.  Maria  Madeira ;  ficariam  assim  unidas  na  mesma  família 
propriedades  que,  divididas,  perderiam  muito  do  seu  valor;  e,  enquanto 
em  Avô  João  Manuel  administrava  os  bens  da  mulher  e  da  cunhada, 
seu  irmão  Aleixo,  em  Anceriz,  administraria  os  bens  próprios  e  os  do 
irmão. 

Mas  opunha-se  a  este  projecto  a  paixão  de  Brás  Garcia,  certamente 
correspondida  por  D.  Cecília;  e  é  contra  estes  amores  que  D.  Maria 
Madeira,  a  principal  interessada  naquele  casamento,  dirigiu  as  suas 
batarias.  Encontro  mais  tarde  vestígios  evidentes  de  antipatia  mal 
disfarçada  entre  D.  Maria  e  Brás,  como  a  seu  tempo  veremos,  e  tais 
sentimentos  de  aversão  devem  ter  as  suas  raízes  nesta  época. 

E  fácil  conjecturar  quais  os  argumentos  com  que  D.  Maria  Madeira 
procuraria  arrancar  do  coração  da  irmã  a  paixão,  que  se  lhe  afigurava 
funesta.  O  homizio  prolongado  do  poeta  favorecera  consideravel- 
mente aquela  empresa,  e  quando  Brás,  depois  de  tantos  trabalhos  e 
aventuras  dolorosas,  conseguiu  regressar,  embora  clandestinamente,  à 

1  Doe.  CVII. 


Cap.  IV — Homizio  c  regresso  à  pátria  Sr 

sua  nunca  esquecida  vila  de  Avô.  uma  nova  terrível  o  esperava  ali. 
D.  Cecília  renunciara  aos  seus  antigos  amores,  e  consentira  em  se  unir 
matrimonialmente  a  seu  cunhado.  O  casamento  estava  tratado,  e 
em  breve  se  ia  realizar. 

Este  golpe  foi  decisivo. 

O  poeta  vê  todos  os  seus  sonhos  de  amor  desfeitos,  perdidas  as 
esperanças  tão  queridas  e  tão  fagueiras,  que  até  ali  o  animaram  e  lhe 
incutiram  coragem  para  arrostar  com  os  perigos  e  trabalhos.  Guar- 
daria ainda  remeniscências  dolorosas  desse  golpe  terrível,  quando 
muito  mais  tarde  escrevia  : 


Que  algozes  são  da  vida  as  esperanças. 

Estas  que  do  Céo  forão  degradadas, 

E  depois  nunca  nelle  consentidas, 

As  almas  tem  na  terra  avassaladas, 

E  mais  no  Inferno,  que  no  Céo  metidas. 

O  inimigas  sempre  desejadas, 

Se  quando  vós  ganhais,  ficais  perdidas. 

Que  muyto  he,  que  venhais  tão  vagarosas. 

Se  em  mofinas  parais  as  mais  ditosas !  '. 

Descreu  então  do  amor  e  dos  seus  atractivos: 


Que  o  premio,  que  se  tira  dos  amores. 
São  penas  dos  desdéns,  dos  bens  lembranças : 
Quanto  suas  firmezas  são  mayores, 
Mayores  vem  a  ser  suas  mudanças. 
Que  tarde,  ou  cedo,  de  amorosas  fragoas 
Não  ficão  senão  lagrimas,  &  magoas  ■*. 

Nem  admitia  que  houvesse  homem  tão  infeliz  e  desgraçado  como 
êle: 

Mandas-me  que  te  cante  minha  vida, 
Melhor  fora  mandares-me  chorala. 
Que  vida  em  tantos  males  repartida 
Melhor  fora  chorala,  que  cantala; 
Sempre  hé  sospeyto  de  affeyção  fingida. 
Quem  de  seus  próprios  bens,  ou  males  fala. 
Mas  sendo  os  meus  notórios,  &  imperfeytos, 
Serão  mais  reprehendidos,  que  sospeytos. 


»  V.  T.  IV,  75-76.  —2  Ibid.  VIU,  i38. 


82  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Porem  se  allivio  dão  desditas  ditas, 

Mal  podem  por  contalas  reprehendelas, 

Que  homem  nenhum  cahio  em  mais  desditas, 

Nem  teve  mayor  dita  em  se  erguer  delias. 

Se  te  ouver  de  contar  perdas,  &  ditas, 

Tempo  não  averá  pêra  dizelas, 

Pintor  serey,  que  honrando  a  sutil  arte. 

Dá  indicio  do  todo  pella  parte  '. 

O  estro  poético  sofre-lhe  então  um  abalo  enorme.  Até  este  mo- 
mento cantara  os  seus  amores,  as  suas  saudades,  as  suas  esperanças, 
e,  ainda  em  meio  dos  trabalhos  e  dores  que  o  oprimiam,  a  ridente 
visão,  nunca  desvanecida,  dum  futuro  feliz,  inspirava-lhe  cantares 
apaixonados,  alegres  ou  saudosos,  mas  não  plangentes ;  agora  o  des- 
espero invade-o,   aniqúíla-o,   e  já  não   ha  estímulo  suficiente,  que  o 

incite 

A  cantar,  rouco  de  chorar  desditas  ^. 

Chora,  sim,  e  as  suas  produções  poéticas  dêSse  tempo  foram  la- 
mentos de  alma,  queixumes  sentidos,  endexas  repassadas  de  lágrimas 
e  de  tristeza,  composições  estas  que  infelizmente  não  possuímos,  pois 
todas  se  sumiram  na  voragem  enorme  a  que  só  escapou  o  Viriato 
Trágico;  mas  a  elas  se  refere  o  poeta,  muitos  anos  decorridos,  na 
invocação  que  faz  à  Musa,  ao  principiar  o  seu  poema  épico : 

E  tu,  filha  do  Alva  cristalino. 
Minha  mais  natural,  que  culta  Musa, 
Em  cujas  prayas  o  senil'  Menino 
Me  ensinou  a  tocar  a  cithara  lusa; 
Erro  da  natureza,  dom  divino, 
Mal  repartido  à  parte,  em  que  não  se  usa, 
Donde  eu  somente  dey  em  tantos  males 
Queixas  aos  montes,  lagrymas  aos  valles  *. 

A  traição,  de  que  foi  vitima,  se  o  não  levou  a  odiar  as  mulheres 
em  geral,  a  repudiar  os  seus  encantos,  dos  quais  foi  sempre  admira- 
dor entusiástico,  levou-o  a  formar  um  conceito  bem  triste  da  volubi- 
lidade e  inconstância  inata  dos  sentimentos  de  algumas  mulheres,  a 
detestar  as  baixezas  de  traição  e  as  habilidades  de  fingimento,  de  que 
são  capazes. 

Nos  vinte  cantos  do    Viriato   Trágico  encontramos,  é  verdade, 


*  V.  T.  XV,  27-28.  —  ^  Ibid.  I,  2.  —  3  Talvez  o  poeta  escrevesse  sutil. 

*  V.  T.  1, 4. 


Cap.  IV — Homizio  e  regresso  à  pátria  83 

alguns  retratos  de  mulheres  dignas  e  cheias  de  virtudes  primorosas; 
mas  ao  lado  destas  avulta  uma  formosa  Lisbela,  cúmulo  refalsado  e 
repelente  de  protérvia  e  de  inconstância  *. 

Dirigindo-se  às  gentis  donzelas  que  lerem  o  seu  poema,  descul- 
pa-se  de  ter  agravado  o  belo  sexo  com  queixas  e  acusaçõis ;  e  para 
isto,  rememorando  velhos  desgostos,  diz  com  galanteio  gongórico  : 

Sabey,  que  não  tem  culpa  a  minha  pena, 
Senão  a  Musa,  que  o  que  escrevo  dita, 
E  à  Musa  não  queyrais  ver  mayor  pena, 
Que  a  que  tem  de  convosco  não  ter  dita. 
Desculpa  tem  quem  desfavores  pena, 
Na  queyxa,  que  com  cólera  tem  dita  : 
Se  hè  que  de  vossa  graça  estou  privado. 
Minha  desgraça  esteve  em  ser  privado  ^. 

Mas  apesar  destas  desculpas,  que  o  génio  galanteador  lhe  sugere,  é 
certo  que  não  perde  ocasião  de  tirar  a  desforra  do  mal  sofrido,  pu- 
blicando a  hipocrisia  e  dissimulação  das  mulheres, 


Pois  sintindo  huma  cousa,  outra  puhlicão. 

Prazeres  buscão,  fingem  desprazeres; 

Astrólogas  os  danos  pronosticão, 

E  letradas  dão  falsos  pareceres  : 

Bem  se  vê  nas  de  então,  &  nas  de  agora, 

Que  engana  a  mulher  mais,  quando  mais  chora '. 

Os  grandes  males,  as  grandes  desgraças  e  calamidades  deste 
mundo  são  geralmente  devidas  à  acção  nefasta  da  mulher,  podendo 
até  assentar-se  como  principio,  que  jamais  houve 

Tragedia,  em  que  mulher  se  não  metesse*. 

A  mulher,  para  conseguir  o  casamento,  inventa,  fantasia,  faz 

Muralhas  de  cristal,  torres  de  vento, 
Porque  não  há  mentiras  de  mais  porte. 
Que  as  ditas  ao  fazer  de  hum  casamento  *. 

Ela  dissimula,  atraiçoa,  finge  paixões,  e  até 

O  sangue  vende,  por  comprar  marido  '. 


*  Vid.  V.  T.,  XIII,  66-99;  xviii,  72-94.  —  2  Ibid.  xii,  2. —  ^  ibid.  siii,  82. 

*  Ibid.  XX  16.  —  '  Ibid.  XX,  27.  —  6  |i)id_  XIII,  90. 


84  liras  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Quando  Brás  Garcia  pensava  e  escrevia  todas  estas  cousas,  i  não 
teria  presente  a  recordação  do  terrível  golpe,  há  tantos  anos  vibrado 
pela  gentil  mão  da  sua  namorada?     Certamente. 


Destruídos  os  sonhos  mais  queridos,  que  até  então  lhe  haviam  dado 
coragem  e  força  para  suportar  as  adversidades,  vendo  a  sua  vida 
despedaçada,  todas  as  esperanças  perdidas,  considerando-se  já  sem 
cttra  enquanto  amante  ',  toma  uma  resolução  heróica:  fugir  não  só  da 
região  onde  nascera,  mas  do  próprio  continente,  onde  tais  desenganos 
sofreu,  interpondo  o  oceano  entre  si  e  a  mulher,  que  assim  lhe  faltou 
à  fé  jurada, 

Brás  deixa  Avô,  onde  não  quer  ver  a  sua  antiga  namorada  unida 
a  outro  homem,  e  regressa  ao  Porto,  levando  como  companheiro  um 
primo  que  tinha,  chamado  Luís  de  Figueiredo,  filho  de  seu  tio  materno 
Felipe  Madeira,  rapaz  de  i8  para  19  anos,  fogoso  e  aventureiro,  que 
não  mais  o  largou  na  maior  parte  do  tempo  que  durou  a  sua  ausência 
em  terras  de  àlêm-mar^.     A  êle  voltaremos  a  referir-nos  em  breve. 

No  Porto  Brás  Garcia  prepara-se  com  algumas  noçõis  da  arte 
náutica,  que  lhe  foram  fornecidas  por  simples  marujos,  segundo  êle 

próprio  diz : 

Brevemente  me  ensina  gente  bruta 
A  sciencia  que  apura  a  fome  de  ouro, 
Porque  o  sutil  me  alegra,  &  maravilha 
Do  astrolábio,  da  carta,  &  balestilha'. 

Depois,  correndo  já  o  ano  de  1623  ^  toma  lugar  em  um  barco, 
que  fazia  viagem  para  o  novo-mundo,  e  foge  da  pátria  com  o  coração 
retalhado  por  cruéis  desenganos. 

Poucos  meses  decorridos,  em  uma  quarta  feira,  16  de  agosto  do 


1  F.  r.  XV,  61. —  2  j^otas  geneal.  II,  nic,  4.  — '  V.  T.  xv,  53. 

*  Temos  elementos  suficientes  para  determinar  este  ano.  Brás  regressou  do 
Brasil,  como  logo  veremos,  em  i632,  encontrando-se  já  em  Avô  no  mês  de  novem- 
bro.   Referindo  este  regresso,  escreveu  ele: 

Sobre  nove  anos  de  importuna  absencia 
Torno  a  gosar  da  Pátria  desejada  (xv,  62), 

O  que  nos  faz  ver  que  o  poeta  deixara  a  sua  pátria  em  iCiS.  Deve  ter  embarcado 
-antes  do  meado  deste  ano,  aliás  não  haveria  tempo  para  atravessar  o  Atlântico 
com  deficuldades,  e  passar  no  Brasil  tudo  o  que  refere  nas  estâncias  54  a  56,  até  à 
tomada  da  Baía  pelos  holandeses,  realizada  em  maio  de  1624. 


Cap.  IV —  Hoini{io  e  regresso  à  pátria  85 

referido  ano,  celebrava-se  na  igreja  de  Avô,  com  grande  aparato,  o 
casamento  de  D.  Cecília  Madeira  com  Aleixo  da  Fonseca  ',  partindo 
os  noivos  em  seguida  para  Anceriz,  onde  ficaram  a  residir. 


Muito  acidentada,  e  cheia  de  contratempos,  correu  para  o  poeta 
a  travessia  do  Atlântico.  Calmarias,  tempestades,  ataques  de  cor- 
sários, tudo  isto  experimentou,  tendo  por  vezes  em  iminente  risco  a 
vida. 

Por  fim  avista-se  terra  a  poente.  A  principio  desenha-se  a  linha 
ondulada  dos  montes,  recortando-se  indecisos  no  horizonte ;  depois 
vão-se  avolumando  pouco  a  pouco,  até  que  se  devisa  a  casaria  duma 
grande  cidade,  coroada  e  cingida  por  numerosos  fortes,  torres  e  cas- 
telos, esmaltada  aqui  e  acolá  de  verduras,  donde  se  erguem,  majes- 
tosos e  triunfais,  os  penachos  abertos  de  gigantescas  palmeiras. 

A  sul  espandc-se  uma  formosíssima  baía,  que,  tendo  três  léguas 
de  boca,  se  dilata  e  amplifica  pelas  terras  dentro,  a  ponto  de  medir 
cerca  de  trinta  e  seis  léguas  de  circunferência,  recebendo  o  tributo 
de  seis  rios,  que  nela  vêem  desaguar. 

É  a  Baía  de  Todos-os-Santos,  com  a  sua  bela  cidade  de  S.  Sal- 
vador, capital  que  então  era  do  Brasil,  e  grande  empório  industrial 
e  de  exportação. 

Foi  aqui  que  aportou  Brás  Garcia,  ao  chegar  às  terras  de  Santa 
Cruz,  ficando  deslumbrado  com  as  condições  naturais  de  beleza  e  de 
riqueza,  deste  mundo  privilegiado. 

Ia  para  negociar,  e  aquele  meio,  com  as  variadíssimas  e  muito 
abundantes  produções  que  oferecia  á  exploração  comercial,  era  mag- 
nífico para  tentar  fortuna-,  mas  o  seu  espírito  ansioso  de  grandes 
comoções,  curioso  de  ver  e  observar  estes  países  tão  cheios  de  atrac- 
tivos e  novidades,  impelia-o  a  percorrer  novas  terras.  Empreende 
desde  logo  uma  viagem  costeira,  que  de  porto  em  porto  lhe  deixe 
observar  e  estudar  as  diversas  regiões  e  feitorias  principais  do  litoral 
brasileiro,  antes  de  assentar  definitivamente  o  seu  plano  e  a  sua  re- 
sidência. 

Nesta  viagem  de  reconhecimento  sofre  um  naufrágio  lastimoso, 
em  que  perecem  quási  todos  os  seus  companheiros.  Por  fim  aporta 
a  Pernambuco,  então  no  auge  da  opulência  e  esplendor.     Ali  encon- 


'  C.  S.  —  Registo  paroq.  de  Avô,  1.  i,  cad.  i.,  fl.  8. 


86  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

tra  e  admira  as  florestas  de  mais  preciosas  madeiras  do  novo  mundo, 
os  montes  de  mais  variada  e  abundante  caça,  o  mar  e  rios  de  mais 
excelente  peixe  e  marisco,  os  jardins  de  mais  belas  flores,  os  campos 
de  mais  luxuriante  vegetação  e  formoso  gado,  as  árvores  e  plantas, 
tanto  cultivadas  como  silvestres,  de  mais  saborosos  frutos,  as  fábricas 
do  mais  fino  e  estimado  açúcar. 

A  vila  de  Olinda,  capital  desta  província,  era  uma  das  mais  for- 
mosas povoações  de  todo  o  Brasil,  residência  preferida  de  numerosas 
famílias  da  principal  nobreza. 

Cativado  da  ostentosa  opulência,  grande  comércio  e  beleza  extra- 
ordinária deste  país,  Brás  Garcia  aqui  se  estabelece  finalmente. 

Tudo  isto  nos  é  contado  pelo  poeta  nas  estâncias  seguintes: 

Apezar  de  tormentas,  calmarias, 
Cossarios,  &  affliçóes  de  sangue,  &  morte, 
Entrei  pella  ravnha  das  Bahias, 
Celebrado  theatro  de  Mavorte. 
Desta  cidade  illustre  era  bizarrias. 
Da  nova  Lusitânia  nova  corte, 
.lulguey,  que  era  o  Brasil  jardim  sem  muro, 
Thesouro  rico,  porém  mal  seguro. 

A  idade  de  ouro  inda  então  lembrava, 

E  a  de  prata,  que  nelle  florecia. 

Já  com  intercadencias  vacillava. 

Porque  perto  a  de  ferro  trasluzia. 

Se  a  muyta  gente  pobre  levantava, 

Também  a  muyta  rica  empobrecia, 

Que  hè  mal  segura  em  quem  compra,  &  vende 

Toda  a  riqueza,  que  do  mar  depende. 

Navegando  sua  costa  desejoso 
De  saber  estranhezas  não  sabidas. 
Naufrágio  padeci  tão  lastimoso. 
Que  entre  muytos  salvamos  poucas  vidas. 
Escarmentado  mais,  que  curioso. 
Tendo  as  colónias  já  reconhecidas. 
Na  de  Olinda  parey,  tendo  a  de  Olinda 
Por  mayor,  por  melhor,  &  por  mais  linda  '. 


l  Que  fez  Brás  Garcia  durante  nove  anos  que  passou  na  América  ? 
Pouco  podemos  dizer  em  resposta  a  esta  pregunta. 

»  V.  T.  XV,  54-56. 


Cap.  IV — Homilia  e  regresso  à  pátria  87 

Há  dois  factos  capitais  bem  provados.  Entregou-se  ao  comércio, 
e  a  fortuna  foi-lhe  próspera;  tomou  parte  na  defesa  do  Brasil  contra 
os  holandeses  invasores,  combatendo  com  valentia,  e  alcançando  o 
posto  de  alferes. 

Bento  Madeira  de  Castro  '  dá-nos  conta  deste  segundo,  omitindo 
cuidadosamente  o  primeiro.  Daquele  resultava  honra  e  glória;  este 
era  demasiado  grosseiro  e  vulgar,  e  não  dava  lustre  ou  realce  à  no- 
breza da  família.  Entretanto  um  e  outro  facto  são  memorados  no 
Viriato  Trágico,  como  veremos. 

Mas,  se  da  generalidade  quisermos  passar  á  especialidade,  verifi- 
caremos que  pouco,  muito  pouco  nos  diz  o  poeta  deste  período  da 
sua  vida,  o  que  contrasta  sensivelmente  com  as  notas  bastante  minu- 
ciosas, que  dei.xou,  relativamente  aos  outros  períodos.  Isto,  que  à 
primeira  vista  causa  estranheza,  tem  bôa  explicação,  e  é  o  próprio 
poeta  que  se  encarrega  de  a  dar.  Fazendo  referência  à  guerra  dos 
holandeses,  declara: 


Em  varias  rimas  tenho  lamentada 
Esta  guerra,  que  muyto  avante  chega, 
Calo  portanto  os  mais  particulares, 
Que  hè  dobrar  magoas,  repetir  pezares'. 


•f  A  que  rimas  aludem  estes  versos  ?  Responde  Madeira  de  Cas- 
tro:—  «...  sobre  tudo  suspira  nosso  alíecto  por  hú  Tomo,  que  cõpoz 
quando  se  voltou  do  Brasil,  intitulado  Ausências  Brasílicas,  pois 
nesses  copiosos  cadernos,  que  durão,  nos  excita  as  saudades  dos  que 
quási  gastou  o  tempo,  &  o  descuido»  ^. 

Brás  Garcia,  depois  do  seu  regresso  do  Brasil,  entre  numerosas 
composições  poéticas  que  produziu,  cantou  em  várias  rimas  os  su- 
cessos do  Brasil,  de  que  fora  espectador  e  actor,  e  entre  essas  poesias 
deviam  abundar  as  notas  auto-biográficas,  que  tanto  se  coadunavam 
com  a  sua  psicologia.  Compôs  em  especial  um  grosso  volume,  con- 
stituído por  copiosos  cadernos,  a  que  deu  o  título  de  Ausências  Basílicas, 
em  que  o  referido  assunto  foi  largamente  versado.  Não  era  pois 
razoável  que  no  seu  Viriato  Trágico  estivesse  a  repetir  o  que  havia 
anteriormente  contado  por  meúdo. 

As  poesias  avulsas  já  se  tinham  em  grande  parte  extraviado 
quando,  quarenta  anos  decorridos  sobre  a  morte  do  poeta.  Madeira 


1  Doe.  CXII.  —  2  V.T.  XV,  59.  —  3  Doe.  CXII. 


88  'Brás  Garcia  de  cMascarenhas 

de  Castro  escreveu  o  seu  resumo  biográfico ;  mas  existia  ainda  o 
volume  das  Ausências  Brasílicas,  cuja  interessante  leitura  fazia  lamen- 
tar a  perda  das  outras.  Por  fim  desaparece  este  mesmo  livro,  e  com 
êle  as  notícias  biográficas,  que  ali  se  continham,  relativas  a  este  pe- 
ríodo da  ausência  de  Brás  Garcia  no  Brasil. 

Aproveitemos  pois  avaramente,  à  falta  de  outras,  as  leves  e  pou- 
quíssimas referências  que  conseguirmos  descobrir  e  colher. 


Que  o  poeta  negociou  no  Brasil,  é,  como  dissemos,  facto  averi- 
guado e  certo. 

Saiu  de  Portugal  muito  magoado,  profundamente  ferido  na  alma; 
mas  esse  estado  agudo  da  paixão,  depois  de  esta  passar  à  fase  de 
mal  sem  remédio,  de  doença  sem  cura,  como  êle  se  exprimiu  ',  for- 
çosamente havia  de  se  mitigar.  A  crise,  porque  foi  muito  violenta, 
não  podia  ser  duradoira.  Entrada  no  estado  crónico,  a  paixão  já  o 
deixaria  pensar  a  frio  sobre  a  sua  situação,  sobre  a  situação  dos 
seus;  e  daí  resultou  o  meter-se  a  valer  em  tentar  fortuna  pelo  co- 
mércio. 

A  casa  de  seu  pai  era  modesta,  e  a  família  grande.  Além  dos 
rendimentos  dos  bens  patrimoniais  seus  e  de  sua  mulher,  Marcos 
Garcia  auferia  os  lucros  da  escrivania  das  cisas  gerais  e  dos  panos  -, 
ofício  que  vinha  exercendo  desde  iSgS,  mas  que  pouco  rendia;  as 
despesas  entretanto  haviam-se  avolumado  muito,  para  acudir  às  des- 
graças de  Brás,  e  para  ocorrer  à  educação  dos  outros  filhos. 

Ora  Brás  Garcia,  como  logo  veremos,  era  naturalmente  inclinado 
ás  ostentações;  gostava  de  viver  com  brilho,  aspirava  a  cercar  a  no- 
breza de  sangue  do  prestígio,  que  só  pode  alcançar-se  por  meio  de 
acções  que  sobresaiam  e  se  ergam  acima  da  vulgaridade,  e  além  disso 
com  dinheiro,  sem  o  qual  todo  o  brilho  é  efémero.  Não  admitia  no- 
breza pobre,  que  se  rebaixasse  a  pedir,  a  viver  de  empréstimos.  Era 
para  êle  um  axioma 

Que  a  Nobre  pobre  menos  o  injuria 
Roubar  de  noj^te,  que  pedir  de  dia  ■>; 

e  como,  por  educação  e  por  índole,  era  incapaz  de  roubar,  fez  o  que 


»  V.  T.  XV,  61.  —2  Doe.  X.  — 3  r.  T.  II,  72, 


Cap  IV — Homi\io  e  regresso  à  pátria  Sg 

muitos  outros  nobres  fizeram.  Condenou-se  a  viver  largos  anos  longe 
da  pátria, 

Que  mais  penoso  hé,  mais  entristece 
O  que  à  vista  da  Pátria  se  padece  ', 

e  por  lá  se  sujeitou  a  angariar  honradamente,  com  intenso  trabalho, 
alguns  bens  de  fortuna,  para  depois  vir  dourar  de  novo  os  brazões  de 
armas  dos  seus  avós.  Lá  diz  o  poeta,  referindo-se  aos  três  rios, 
Mondego,  Zêzere  e  Alva :  nascidos  na  serra  da  Estrela,  é  a  própria 
pátria  que 

A  desterro  os  condena  como  pobres : 
Pobres  começão  muytos  rios  nobres. 

Degradão-se  da  pobre  natureza, 
Por  se  verem  na  alheya  accrescentados, 
Que  a  mais  tem  degradados  a  pobreza. 
Do  que  tem  a  Justiça  degradados ''. 

Mas  outro  incentivo  o  estimulou  ainda  a  buscar  meios  de  enri- 
quecer. 

Avô,  a  sua  vila  encantadora,  à  qual  tanto  queria,  e  que  agora, 
vista  de  tam  longe  com  os  olhos  da  imaginação,  através  do  prisma  da 
saudade,  reduplicava  de  atractivos,  tudo  o  que  era  devia-o  quási  ex- 
clusivamente à  prodigalidade  da  natureza,  e  pouco,  muito  pouco,  à 
arte.  Atenuadas  as  más  impressões  com  que  de  lá  saíra,  agora  já 
antegostava  o  momento  em  que,  modificadas  as  circunstancias,  po- 
desse  regressar  ao  seu  país;  e  começaria  a  planear  melhoramentos,  a 
projectar  obras,  que  mais  tarde  veiu  a  realizar,  como  veremos. 

Era  pobre  a  sua  pátria,  e  êle  desejava  beneficiá-la.  Mete  por 
isso  ombros  à  empresa  de  ganhar  dinheiro. 

Este  propósito,  este  incentivo,  não  deixou  o  poeta  de  o  consignar 
no  seu  livro,  tam  recheado  de  notas  auto-biográficas,  introduzidas  e 
insinuadas  por  todas  as  suas  páginas.  Fala  de  si  mesmo  quando, 
referindo-se  ã  pátria^  sempre  cara  e  sempre  amada,  diz : 

Quem  longe  da  em  que  nasce,  vaga,  esquivo, 
Não  hé,  porque  seu  clima  o  desagrada. 
Senão,  porque  não  cabe  hum  peyto  nobre. 
De  grande  coração  em  Pátria  pobre'. 


'   V.  T.  I,  104.  —  -  Ibid.  I,  16-17.  — ^  '^i''-  '^1  ^7- 


go  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


Foi  em  Pernambuco  que  o  nosso  poeta  assentou  a  sua  residência, 
segundo  vimos.  O  local  não  podia  ser  mais  bem  escolhido,  pois  a 
sua  capital  Olinda  constituía  nessa  época  um  importante  empório  do 
come'rcio  e  indústrias  do  novo  mundo. 

Era  capitão-mór  desta  província  Duarte  Coelho  de  Albuquerque, 
e  governava-a  seu  irmão  Matias  de  Albuquerque,  que  havia  de  ter 
um  papel  importante  na  guerra  com  os  holandeses,  e  mais  tarde  nas 
campanhas  da  restauração,  onde  alcançou  o  titulo  de  conde  de  Ale- 
grete. 

Não  sabemos  pormenores  do  género  de  negócio  a  que  Brás  Gar- 
cia de  Mascarenhas  se  dedicou,  e  não  vale  a  pena  estar  a  ventilar 
hipóteses,  quando  não  há  meio  de  chegar  a  conclusões  seguras.  En- 
tregando-se  com  toda  a  actividade  à  sua  nova  profissão,  deve  ter 
estado  em  vários  pontos  do  Brasil,  e  talvez  até  passasse  a  outras 
regiões  da  América  do  Sul.  Somos  levados  a  crer  que  em  qualquer 
dessas  excursões  comerciais  iria  até  àlêm  do  Rio  da  Prata.  E  uma 
suspeita  despertada  pelo  esboço  que,  a  título  de  imagem,  em  poucos 
traços,  mas  esses  firmes  e  precisos,  como  que  fixados  em  um  instan- 
tâneo, o  poeta  nos  faz  das  Pampas,  e  dos  gados  que  as  povoam. 

Como  em  campos  larguíssimos,  &  enxutos 
Alem  de  Buenos  Ayres,  sempre  cheyos 
De  vacum  bravo,  &  de  cavallos  brutos, 
Que  não  tem  donos,  nem  conhecem  frevos ; 
Espantão-se  da  gente,  &  resolutos 
Huns  após  de  outros  fogem  sem  rodeyos, 
Porque  inda  que  em  pedaços  os  desfação, 
Por  donde  passou  hum,  os  outros  passão '. 

Com  a  agudeza  de  inteligência  e  sagacidade  de  que  era  dotado, 
trabalhou  activamente,  tendo  sempre  em  vista 

....  que  era  o  Brasil  jardim  sem  muro, 
Thesouro  rico,  porém  mal  seguro  -. 

No  negócio  não  basta  esperteza  e  finura ;  é  também  necessária 
fortuna  e  bôa  sorte.  Se  isto  sucede  em  geral,  mais  sucedia  então 
no  Brasil,  quando  a  travessia  do  Atlântico  era  feita  em  péssimas  con- 


í  V.  T.  VI,  83.  —  2  Ibid.  XV,  54. 


Cap.  IV — Homizio  e  regresso  à  pátria  gi 

diçõcs,  lutando  com  as  tempestades,  e  muito  mais  com  os  piratas 
mouriscos  e  com  os  holandeses,  que  formigavam  por  esses  mares. 
E  assim  que  o  Brasil 

Se  a  muyta  gente  pobre  levantava, 
Também  a  muyta  rica  empobrecia, 
Que  hè  mal  segura  em  quem  compra,  &  vende, 
Toda  a  riqueza,  que  do  mar  depende  '. 

Brás  Garcia  não  foi  dos  perseguidos  da  sorte.  A  fortuna  auxi- 
liou-o,  e  quando,  ao  fim  de  nove  anos,  deu  por  terminada  a  sua  vida 
comercial,  tinha  realizado  as  suas  aspirações,  que  certamente  não 
eram  desmedidas.     Ele  mesmo  o  diz: 

Satisfeyto  porem  da  minha  sorte 
No  Brasil,  me  parti  delle  contente  ^. 


Não  se  suponha  que  a  grande  actividade  do  nosso  poeta  foi  na 
América  absorvida  toda  pelo  negócio,  a  que  se  consagrou.  De  modo 
nenhum. 

Mal  havia  assentado  residência  em  Olinda,  ou  nas  suas  cercanias, 
eis  que  chega  ali  a  notícia  da  tomada,  pelos  holandeses,  de  S.  Sal- 
vador da  Baia,  então  capital  do  Brasil.  Pode  calcular-se  o  pânico, 
que  esta  nova  produziria  por  todas  as  províncias. 

Era  governador  geral  do  Brasil  Diogo  de  Mendonça  Furtado,  que, 
embora  fosse  um  militar  valente  e  já  largamente  experimentado  na 
índia,  não  poude  repelir  o  inimigo,  quando  este,  a  9  de  maio  de  1624, 
entrou  na  Baía,  apesar  da  resistência  desesperada  que  lhe  opôs  com 
setenta  homens,  que  tantos  eram  os  que  tinha  de  guarnição.  Toda 
a  mais  gente  válida  acompanhou  a  inválida  na  fuga  apavorada,  que 
da  cidade  fizeram  de  noite  para  o  interior. 

Aprisionado  Diogo  de  Mendonça,  sucedia-lhe  no  governo  geral 
Matias  de  Albuquerque,  que,  segundo  fica  dito,  estava  governando 
a  capitania  de  Pernambuco.  Tratou-se  desde  logo  de  organizar  uma 
defesa,  tanto  quanto  possível,  séria.  Alistaram-se  muitos  patriotas, 
entre  os  quais  o  próprio  bispo  de  S.  Salvador,  D.  Marcos  Teixeira, 
que  na  Baía  por  algum  tempo  dirigiu  pessoalmente  a  campanha,  e 
nela  morreu. 


í  F.  r.  XV,  55.  — 2  Ibid.  XV,  60. 


92 


Uras  Garcia  de  (^Mascarenhas 


Os  holandeses,  uma  vez  senhores  de  S.  Salvador,  infestavam  os 
mares  e  os  portos,  surgindo  aqui  e  acolá  como  aves  de  rapina  a 
fazerem  presa,  já  nos  navios  carregados  de  mercadorias,  já  nas  fei- 
torias estabelecidas  próximo  das  costas.  Era  pois  necessário  acudir 
rapidamente  aonde  o  inimigo  aparecia,  e  esse  serviço  era  feito  em 
grande  parte  por  voluntários,  que,  deixando  os  seus  negócios,  acor- 
riam ao  chamamento. 

Entre  esses  patriotas,  que  na  defesa  da  pátria  se  andaram  batendo, 
conta-se  o  nosso  poeta. 

Assim  foram  os  portugueses  entretendo  o  inimigo,  não  o  deixando 
descansar  nem  alargar-se  nas  suas  conquistas,  até  que  chegaram  os 
socorros  pedidos,  entrando  pela  Baía  em  sexta  feira  santa,  28  de 
março  de  1625,  as  duas  armadas,  portuguesa  e  espanhola,  esta  co- 
mandada por  D.  Fradique  de  Toledo  Osório,  marquês  de  Valdueza, 
aquela  por  D.  Manuel  de  Meneses,  contando  ambas  cerca  de  doze 
mil  homens. 

Depois  de  vários  ataques,  com  sorte  vária,  e  dos  prejuízos  sofridos 
pelos  nossos  no  ataque  dirigido  pelo  inimigo  ao  quartel  que  se  estava 
assentando  junto  ao  convento  de  S.  Bento,  renderam-se  finalmente 
os  holandeses,  ao  cabo  de  um  mês  de  sítio,  no  dia  i  de  maio  do 
ano  referido. 


Apenas  em  três  lugares  do  Viriato  Trágico  se  encontram  refe- 
rências à  guerra  com  os  holandeses. 

Ao  feito  da  restauração  da  Baia  faz  alusão  o  poeta,  ao  demons- 
trar que  a  artelharia  produz  mais  barulho  do  que  mortandade : 

Mais  carrancas  nos  faz,  que  bisarrias  ' 
Nos  sitios,  que  com  mais  credito  abraça : 
O  da  Bahia  de  vinte  &  oyto  dias 
Por  mar,  &  terra  atacada  a  praça. 
Com  sortida  a  Sam  Bento,  &  baterias, 
Não  chegou  a  custar  de  toda  a  massa 
Trezentos  homés,  nem  em  tanta  prova 
Custou  mais  que  vinte  &  oyto  Vila  Nova  2. 

Lê-se  noutro  lugar  uma  referencia  a  maus  conselhos,  que  o  poeta 
viu  darem  traidores  ou  cobardes  em  suerras  com  Christãos  e  Lide- 


'  Fala  da  artelharia.  —  *  V.  T.  iv,  26. 


Ccip.  IV — Homiiio  e  regresso  à  pátria  q3 

ranos,  isto  é,  na  guerra  com  os  hespanhois  depois  de  1640,  e  na  que 
tivemos  com  os  iiolandeses  no  Brasil.     Transcrevamos: 

Eu  vi  alguns  Scipióes  não  Africanos  •, 
Senão  como  este,  de  que  vou  tratando, 
Que  em  perigos  de  honrados  Lusitanos, 
Nascendo  honrados,  se  hião  deshonrando. 
Em  guerras  com  Christãos,  &  Luteranos 
Partidos  muyto  máos  aconselhando, 
Por  se  não  arriscarem  aos  perigos. 
Faltando  ao  Rey,  à  Pátria,  &  aos  Amigos. 

E  depois  que  da  morte  se  escaparão 

Por  virtude,  &  valor  de  bons  guerreyros, 

Tudo  o  que  bem  fizerão  murmurarão, 

Fingindo-se  leões,  sendo  cordeyros. 

Etc í. 


Desta  guerra  se  ocupa  rapidamente  em  três  estâncias : 

Estando  aqui ',  como  trovão  com  rayo. 
Rompe  a  guerra  estragando  de  repente 
A  cabeça  do  Estado  hum  mes  de  Mayo, 
Infeliz  ao  repouso  do  Occidente; 
Sobresalto  cruel,  mortal  desmayo, 
Vay  perturbando  a  paz  de  gente  em  gente, 
Branca,  negra,  gentia,  moça,  &  velha 
Toda  se  espanta,  &  toda  se  apparelha. 

Começa  de  ferver  em  mar,  &  em  terra 
O  duro  Marte,  sem  deyxar  em  quanto 
Do  Equinócio  ao  Trópico  se  encerra 
Cousa,  que  não  involva  em  sangue,  &  pranto: 
Tudo  apalpa,  &  revolve  a  dura  guerra, 
Porque  em  tudo  se  oppoem  com  grave  espanto. 
Já  sobre  as  vellas,  já  sobre  as  amarras, 
As  santas  Quinas,  às  hereges  Barras. 

Nem  porque  nossa  poderosa  armada 
O  perdido  restaura,  o  mal  socega. 


1  O  poeta  laborava  no  equívoco  de  confundir  o  cônsul  romano  Quinto  Servílio 
CepiÃo,  que  planeou  e  fez  executar  a  traição  ignóbil,  de  que  foi  vítima  Viriato,  com 
PÚBUO  CoRNÉLio  SciPiÃo  Emu.iano,  O  segundo  Africano,  a  quem  atribuiu  aquela 
vileza.  Os  manes  deste  lhe  perdoem  a  involuntária  injúria,  que  tem  sido  repetida 
por  muita  outra  gente  bôa. 

2  V.  T.  XIX,  81-82.  — 3  Em  Olinda. 


g4  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Porque  sempre  hè  do  Belgico  infestada 
A  costa  por  que  indómito  navega. 
Em  varias  rimas  tenho  lamentada 
Esta  guerra,  que  muyto  avante  chega, 
Calo  portanto  os  mais  particulares. 
Que  hè  dobrar  magoas,  repetir  pezares  '. 


Terminado  este  parêntese  de  actividade  militar,  scguiram-se  quási 
cinco  anos  de  relativo  sossego,  em  que  Brás  Garcia  se  poude  entregar 
com  todo  o  entusiasmo  à  vida  comercial  na  bela  capitania  de  Per- 
nambuco. 

Os  holandeses  continuavam  infestando  os  mares,  e  por  vezes  en- 
travam mesmo  em  algum  porto,  a  aprisionar  barcos  com  as  respec- 
tivas carregações;  não  havia  entanto  nenhuma  tentativa  de  nova 
ocupação. 

Um  dia,  a  14  de  fevereiro  de  i63o,  aparece  à  vista  de  Olinda 
uma  armada  holandesa  composta  de  setenta  velas,  conduzindo  oito 
mil  homens  de  guerra. 

Matias  de  Albuquerque  não  estava  desprevenido ;  mas  teve  de 
arcar  com  a  indisciplina,  que  o  ócio  sempre  causa,  e  com  a  imorali- 
dade, que  geralmente  acompanha  a  opulência  de  um  povo.  E  assim 
foi  que,  no  momento  de  combater,  logo  depois  do  desembarque  do 
inimigo,  e  quando  já  alguns  estragos  haviam  sido  feitos  nas  hostes 
dos  holandeses,  os  pernambucanos  fogem  espavoridos,  deixando  ca- 
minhar o  inimigo  sobre  Olinda,  que  foi  entrada  a  16  de  fevereiro 
sem  grande  dificuldade.  Estava  quási  deserta,  porque  os  moradores 
a  haviam  abandonado,  retirando-se  de  noite  para  o  interior,  e  levando 
consigo  quanto  poderam  das  riquezas  acumuladas  em  suas  casas. 

Mas  não  se  suponha  que  o  brio  e  patriotismo  portugueses  se  ha- 
viam extinguido  completamente.  O  triunfo,  que  os  holandeses  cele- 
braram com  sacrilégios  de  toda  a  ordem,  não  decorreu  incruento, 
porque  um  punhado  de  patriotas,  soldados  uns,  outros  paisanos, 
acesos  em  raiva  e  indignação  por  verem  perdida  a  cidade,  travaram 
luta  desesperada  no  adro  da  Misericórdia  e  no  convento  de  S.  Fran- 
cisco, mostrando  bravura  e  valor  heróicos,  e  dizimando  à  cutilada  a 
mole  de  inimigos,  até  serem  eles  mesmos  esmagados  quási  todos  pelo 
número    excessivo   dos  contrários.     Não  ultrapassamos   as  raias   do 

t  V.  T.  XV,  57-59. 


Cap.  IV — Homizio  e  regresso  à  pátria  gS 

verosímil,  se  imaginarmos  que  um  destes  patriotas  aguerridos  seria  o 
nosso  poeta. 

•  Após  Olinda  foi  tomado  o  Recife,  que  lhe  fica  próximo,  depois 
de  vencida  a  defesa  heróica  que  os  portugueses,  comandados  pelo 
capitão  António  de  Lima,  sustentaram  no  forte  de  S.  Jorge;  e  só 
capitulou  este  bravo  capitão  com  uns  trinta  soldados,  únicos  que 
tinha  consigo,  depois  de  largos  dias  de  peleja,  e  de  serem  mortos 
alguns  centos  de  soldados  ao  inimigo. 

Vendo-se  com  pouca  gente,  e  aguardando  forças,  que  com  insis- 
tência reclamava  da  metrópole,  Matias  de  Albuquerque  tratou  de  re- 
duzir o  poder  dos  holandeses  cortando-lhes  a  comunicação  por  terra 
entre  Olinda  e  Recife,  e  não  os  deixando  estender  a  sua  acção  para 
fora  destas  terras,  para  o  que  estabeleceu  trincheiras  e  reductos, 
guarnecidos  de  soldados  valentes  e  já  experimentados,  embora  poucos 
em  número.  Nestes  postos  se  sustentaram  heroicamente  os  portugue- 
ses, aniquilando  as  forças  que  os  inimigos  mandavam  para  os  tomar. 

Assim  se  mantiveram  as  cousas,  até  à  chejjada  do  reforço  enviado 
de  Portugal. 


Em  toda  esta  campanha  lidou  com  bravura  Brás  Garcia  de  Mas- 
carenhas no  posto  de  alferes  '. 

Não  tinha  ainda  educação  militar  ;  mas  a  vivacidade,  energia  c 
grande  talento,  de  que  a  natureza  o  dotara,  o  conhecimento  perfeito, 
que  adquirira  na  juventude,  do  jogo  de  armas,  e  alem  disso  a  expe- 
riência da  guerra,  que  lhe  deu  a  campanha  da  Baía,  supriam  bem  a 
sciencia  teórica  militar,  que  iria  aprendendo  nos  livros. 

Assim  é  que  o  encontramos  mais  tarde  a  preconizar  a  aprendi- 
zagem prática  nos  campos  de  batalha,  como  sendo  mais  eficaz  e 
indispensável  do  que  o  ensino  nas  escolas : 


Que  ao  mais  bisonho  insina  presto  a  guerra, 

Onde  o  destro  tal  vez  menos  atina, 

Se  a  victoria  a  seus  emulos  se  inclina  -. 


Faz  o  elogio  caloroso  da  sciencia  militar: 

A  sciencia  militar,  real  sciencia, 
Que  por  todos  os  séculos  florece, 


iDoc.  GXII.  — -  V.  T.  ti,  II 3. 


g6  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Se  aprende  com  diíEcil  experiência, 
E  com  descuydo  fácil  presto  esquece. 


mas  é  no  campo,  e  não  nas  escolas  platónicas,  que  ela  verdadeira- 
mente se  adquire : 


Não  se  aprende  a  sciencia  meritória 
De  Marte  nas  Platónicas  escholas, 
Senão  no  campo,  aonde  se  tem  dados 
Muytos  quináos  aos  mais  exprimentados  ^. 


Tal  é  a  doutrina  que  põe  na  boca  de  Viriato,  ao  defrontar-se-lhe 
o  pretor  romano,  e  soerguendo  já  a  pesada  maça : 

Agora  saberás  quanto  esta  pesa, 
Porque  defunto  insines  a  letrados, 
Que  não  está  nas  Letras  a  destreza. 
Senão  nos  braços  de  armas  calejados. 


Isto  não  quer  dizer  que  Brás  desprezasse  as  teorias  militares,  no 
que  teria  dado  um  triste  testemunho  de  si ;  mas  apenas  afirma  que 
mais  pode  fazer  um  soldado  com  experiência  de  guerra,  embora  com 
pouca  sciencia  teórica,  do  que  outro  com  teoria  mas  sem  experiência 
alguma. 

Ele,  que  era  naturalmente  curioso  e  amigo  de  saber,  reunindo  a 
esta  curiosidade  natural  um  talento  de  compreensão  e  assimilação 
muito  notável,  não  deixaria  de  se  instruir  na  arte  da  guerra,  lendo 
com  proveito,  nas  horas  vagas,  os  tratados,  que  ao  tempo  havia,  da 
sciencia  militar.  Esse  estudo  deve  ter  proseguido  mais  tarde  com 
superior  intensidade,  durante  a  guerra  da  restauração,  quando  Brás 
se  viu  sobrecarregado  com  as  responsabilidades  do  comando  de  uma 
companhia,  e  do  governo  de  uma  praça  de  armas  de  grande  impor- 
tância estratégica. 

Revela-se-nos  efectivamente,  através  das  páginas  do  seu  poema, 
como  conhecedor  da  sciencia  militar,  e  familiarizado  com  os  livros, 
que  a  expunham.     Permita-se-nos  mais  uma  transcrição : 

Depois  de  já  ficar  tranquilla  Hespanha, 
Fora  as  escholas  delia  se  passarão  : 
Itália,  França,  Flandres,  &  Alemanha 


i  V.  T.  IV,  2.  —  ^  Ibid.  Hl,  loõ.  —  3  Ibid.  II,  97. 


Cap.  IV —  Humiiio  e  regresso  à  pátria  gj 

Pera  sua  desdita  as  conservarão  ; 

Os  mestres  delia,  que  com  sciencia  estranha 

A  milícia  moderna  reformarão, 

Pondo-a  no  estado,  em  que  agora  a  vemos, 

Parece  conveniente  que  apontemos. 

Solberigo  lhe  purga  muyto  vicio, 
Esforcia,  &  Pecino  a  fazem  clara, 
Córdova  a  insina,  ficão  no  exercício 
Cario,  Alva,  Vasto,  Fontes,  &  Pescara  ; 
Parma,  Vandoma,  Espínola,  &  Maurício 
A  põem  em  perfeyção  polida,  &  rara, 
E  em  nossos  dias,  com  tremendo  susto, 
Gustavo  o  Sueco,  &  Luizo  Justo. 


Poderá  discorrer,  bem  que  insciente, 
Pello  que  cada  qual  com  raro  ingenho 
Lhe  accresceo,  &  apurou  até  o  presente, 
Porque  presentes  seus  successos  tenho ; 
Mas  por  seguir  o  assumpto  brevemente, 
Neste  particular  me  não  detenho. 
De  quem  capazes  são  as  citras  lusas. 
Que  hé  brévia  de  Armas,  a  lição  das  Musas. 

Os  homens  como  as  plantas  se  cultirão. 
Que  incultos  os  produz  a  natureza, 
Só  por  armas,  &  graves  sciencias  privão, 
Sem  as  quais  os  deslustra  a  rustiqueza. 
Da  perícia  as  sciencias  se  derivão. 
Que  he  o  valor  inútil  sem  destreza, 
Mais  útil  hè,  mais  vai  de  qualquer  sorte 
Perito  débil,  que  imperito  forte. 

Prezem-se  os  Reys  de  homens  de  experiência, 

Que  todo  o  homem,  que  saber  pretende. 

Aprende  à  sua  custa  a  sua  sciencia, 

E  esta  à  custa  dos  Príncipes  se  aprende. 

Hè  toda  a  militar  intelligencia 

Fazenda,  que  aos  Reys  cara  se  vende. 

Que  logo  perdem  todos  seus  estados, 

Em  chegando  a  perder  os  bons  soldados. 

Quanto  hoje  tem  coroa  tão  prezada. 

Tudo  deve  à  Milicia  portuguesa  : 

Mas  fique  tal  matéria  aqui  cortada 

Do  assumpto  do  meu  canto,  que  hé  Sopresa. 

Hé  Sopresa  híía  industria  simulada, 


g8  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

Com  que  se  ganha  algúa  fortaleza 
Tanto  a  descuydo,  ou  tanto  de  repente, 
Que  se  acha  presa,  quando  a  empresa  sente. 

Consiste  o  bom  successo  das  sopresas 
Em  presteza,  valor,  segredo,  espias  : 
Há  sempre  nellas  varias  sutilezas, 
Pêra  enganar  as  rondas,  &  vigias. 
Com  petardos,  escadas,  &  estranhezas 
De  artifícios  de  fogo  em  nossos  dias 
Se  fazem  muytas  dignas  de  memoria ; 
E  visto  o  que  he  sopresa,  sigo  a  historia  '. 


Tem  causado  estranheza  o  facto  de  não  se  encontrar  o  nome  de 
Brás  Garcia  de  Mascarenhas  mencionado  entre  os  dos  oficiais  e  sol- 
dados, que  os  governadores  do  Brasil  apontavam  como  dignos  de 
louvor  e  de  mercês  régias  pelos  seus  feitos;  e  nem  um  simples  re- 
gisto haver  da  sua  nomeação  de  alferes. 

Para  explicarem  este  silêncio,  inventaram  os  escritores  a  lenda:  — 
que  os  inimigos  do  poeta  lá  mesmo  na  América  fizeram  sentir  o  seu 
ódio  poderoso,  apagando  o  nome  do  grande  patriota  de  todos  os 
documentos  oficiais,  onde  deveria  aparecer. 

A  explicação  é  outra  muito  differente,  e  bem  natural. 

Brás  Garcia  durante  a  sua  residência  no  Brasil  não  passava  de 
um  homiziado.  Era  um  criminoso,  que  para  ali  fugira  às  garras 
da  justiça,  e  por  isso  precisava  de  encobrir  cautelosamente  quem  era, 
e  de  adoptar  um  pseudónimo,  que  ocultasse  o  seu  verdadeiro  nome. 
Com  esse  pseudónimo  comerciava;  com  êle  se  alistou  nas  fileiras  dos 
voluntários,  quando  a  pátria  reclamou  os  seus  serviços  na  guerra. 
Distinguindo-se  como  soldado,  foi  promovido,  ainda  com  o  mesmo 
pseudónimo,  ao  posto  de  alferes  pelo  capitão  da  sua  companhia, 
que  era  a  quem  pertencia  fazer  tais  nomeações,  e  passar  as  re- 
spectivas cartas,  satisfeita  a  formalidade  da  aprovação  do  governa- 
dor ^. 

,;  Como  era  possível,  pois,  encontrar-se  o  nome  de  Brás  Garcia 
de  Mascarenhas  nos  relatórios  dos  governadores,  ou  nos  registos   e 


1  V.  T.  IV,  29-35. 

^  Encontram-se,  v.  gr.,  muitos  casos  destes,  referidos  no  maço  2'',  n.  282  das 
Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  na  T.  T. 


Cap.  IV — Homilia  e  regresso  à  pátria  gg 

noutras  quaisquer  fontes,  oficiais  ou  particulares,  de  notícias  sobre 
a  guerra  dos  holandeses  ? 

Depois  de  indultado,  e  provavelmente  só  depois  de  ter  regressado 
à  pátria,  é  que  se  deve  ter  revelado  o  segredo,  e  tornado  conhecida  a 
identidade  pessoal  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  e  do  pseudónimo 
que  o  encobrira  no  Brasil;  mas  não  admira  o  facto  de  se  não  en- 
contrar referência  alguma  a  este  ponto  tam  importante  para  a  bio- 
grafia do  poeta,  quando  as  suas  notícias  biográficas  tam  escassas  são. 

Um  documento  devia  existir,  donde  certamente  constavam  os  ser- 
viços militares  por  ele  prestados  no  Brasil:  era  a  consulta  funda- 
mentada do  Conselho  de  Guerra,  em  meado  de  janeiro  de  1641,  na 
qual  o  nosso  Brás  foi  proposto  a  el-rei  para  capitão  de  infantaria  do 
exército  da  Beira,  que  se  ia  organizar  para  defesa  da  pátria  *. 

Infelizmente  porém  essa  consulta  não  existe  no  respectivo  maço. 
Extraviou-se,  como  sucedeu  a  várias  outras. 

Talvez  ainda  um  dia  venha  a  fazer-se  alguma  luz  sobre  este  pe- 
ríodo tam  desconhecido  da  vida  de  Brás  Garcia.  Tcem  a  palavra  os 
nossos  ilustradissimos  confrades  brasileiros. 


Brás  Garcia,  nos  últimos  tempos  da  sua  estada  no  Brasil,  já  não 
tinha  por  sócio  o  seu  primo  Luís  de  Figueiredo,  que  o  acompanhara 
de  Avô,  e  com  quem  desabafava  saudades.  Havia  regressado  a 
Portugal  em  1628*. 

Naturalmente  o  nosso  homiziado  encarregá-lo  hia  na  despedida  de 
lhe  enviar  informações  do  que  se  passasse  pela  Beira,  e  em  especial 
por  Avô,  e  depois,  de  longe  em  longe  e  com  os  necessários  recatos, 
receberia  dele  notícias,  que  mais  lhe  viriam  avivar  as  saudades. 
;  Como  não  lamentaria  o  poeta  a  situação  em  que  o  antigo  crime  o 
colocara,  de  não  poder  também  voltar  a  Portugal ! 

Um  belo  dia  recebe  o  nosso  exilado  uma  carta,  em  que  é  avisado 


1  Existe,  por  exemplo,  a  consulta  de  21  fev.  1641,  çm  que  são  propostos  os  ca- 
pitães para  irem  levantar  gente  na  comarca  de  Torres  Vedras.  Cada  nome  pro- 
posto é  acompanhado  da  enumeração  dos  títulos  que  recomendam  a  sua  escolha, 
e  alguns  deles  são  encarecidos  por  terem  já  militado  no  Brasil,  com  indicação  dos 
serviços  lá  prestados,  e  dos  trabalhos  lá  sofridos  em  defesa  da  pátria  (T.  T.  —  Con- 
sultas do  Conselho  de  Guerra,  1641,  março  i.  n.  53). 

2  Notas  geneal.  II,  iii  c,  4. 


7  00  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

de  que  já  podia  regressar  à  pátria  sem  receio,  porque  o  seu  antigo 
crime  fora  indultado.     Assim  estava  coiwalescido  enquanto  a  reit  *. 

E  verdade  que  a  mais  importante  doença  que  o  fizera  afastar  de 
Portugal  fora  a  sua  paixão,  que  não  tinha  remédio;  mas  nove  anos 
de  ausência,  de  trabalhos,  de  distracções,  haviam  produzido  o  seu 
natural  efeito.  Continuava,  é  verdade,  sem  cura  enquanto  amante'^; 
passada  porem  do  estado  agudo  ao  crónico,  a  moléstia  do  coração 
atenuára-se,  e  agora  já  não  era  óbice  que  o  inibisse  de  regressar  à 
velha  Europa. 

Solicitavam-no  as  saudades  da  Pátria,  dessa  entidade  idealizada, 
quási  mística,  cheia  de  seduções,  que  ele  via  sorrir-lhe  de  longe  e 
chamá-lo  nas  longas  horas  de  nostalgia,  que  se  intercalavam  no  seu 
labutar  quotidiano. 

i  A  Pátria !  .  .  .  ;  E  quem  mais  do  que  êle  amava  a  sua  imagem 
longínqua,  quem  mais  do  que  êle  sentia  a  acção  dos  seus  atractivos 
irresistiveis,  que  o  faziam  sonhar  a  cada  instante  com  a  hora  em  que 
a  ela  regressaria,  em  que  beijaria  amorosamente  o  seu  solo  bemdito! 

Ouçamos  da  própria  boca  do  poeta  a  descrição  comovida  e  re- 
cheada de  imagens,  do  que  é  o  amor  da  pátria : 

Amor  universal,  doce  attractivo, 
Empenho  natural,  divida  honrada 
Sempre  foy,  será  sempre  este  incentivo 
Da  Pátria  sempre  cara,  &  sempre  amada. 
Quem  longe  da  em  que  nasce,  vaga,  esquivo, 
Não  hé,  porque  seu  clima  o  desagrada. 
Senão,  porque  não  cabe  hum  peyto  nobre. 
De  grande  coração,  em  Pátria  pobre. 

Tudo  a  seu  natural  sempre  obedece. 
Se  attentamente  bem  se  considera  : 
Do  alto  a  pedra  pêra  o  centro  dece. 
Do  bayxo  o  fogo  sobe  á  sua  esfera. 
Todo  o  rio  o  mar  pátrio  reconhece. 
Todo  o  peyxe  descansa  onde  se  gera, 
As  feras  buscão,  buscão  passarinhos. 
Os  pátrios  bosques,  ou  os  pátrios  ninhos. 

Habita  aonde  teve  o  nascimento 
A  ave  nocturna  em  lobrega  devesa. 
Torna  a  formiga  ao  pátrio  alojamento 
Com  muyto  mayor  peso,  do  que  pesa ; 

»   V.  T.  XV,  6i.  — 2  Ibid. 


Cap.  IV — Hoini\io  e  regresso  à  pátria  :oi 

Com  pedrinhas  a  abelha,  por  que  o  vento 
A  não  desvie,  volve  com  presteza 
A  casa,  aonde  sua  industria  pasce: 
Tudo  se  volve  á  pátria  aonde  nasce. 

Não  tem  cafre  tão  bruto  a  Cafraria, 
Nem  gentio  tam  bárbaro  o  Poente, 
Nem  salvagc  tão  fero  a  Scythia  fria, 
Nem  Índio  tão  covarde  o  molle  Oriente, 
Que  do  ninho  paterno,  em  que  vivia, 
Saudades  não  sinta,  estando  absente; 
Que  hé  alvo  a  Pátria,  a  que  nunca  erráo 
Os  suspiros  de  quantos  se  desterrão. 

A  defendela  o  corpo  se  provoca 
Por  ser  o  ar  primeyro,  que  respira, 
Primeyra  cousa,  que  em  nascendo  toca, 
Primeyra  luz,  que  abrindo  os  olhos  vira. 
Se  a  arvore  gentil,  que  se  derroca, 
Perdendo  o  natural  geme,  &  suspira, 
A  do  revez,  que  a  tudo  senhorea, 
Como  não  gemerá  em  terra  alhea ! 

Bem  a  Justiça  na  rezão  fundada 
Pena  pos  de  desterro  ao  delinquente. 
Porque  o  da  Pátria  sempre  desejada 
Hé  grã  castigo  de  quem  vive  absente. 
Quem  a  troco  de  vela  restaurada 
Por  ella  morre,  vive  eternamente  ; 
Ou  quem,  por  defendela  do  inimigo, 
A  vida  pos  em  publico  perigo  '. 

Brás  Garcia  resolve  partir  o  mais  brevemente  que  ser  possa. 
Trata  desde  logo  de  pôr  em  ordem  os  seus  negócios,  e,  na  liquida- 
ção a  que  procede,  fica  satisfeito  cie  sua  sorte  no  Brasil,  onde  conse- 
guira arranjar  uma  fortuna,  embora  modesta  como  as  suas  aspirações. 
Sem  mais  dilação  embarca  por  meados  do  ano  de  i632,  e  parte  con- 
tente para  a  Europa. 


Três  meses  durou  a  travessia  do  Atlântico ;  três  longos  meses, 
cheios  de  contratempos  e  dè  tormentas,  a  que  o  poeta  faz  alusão. 
Ao  cabo  desse  tempo  o  navio  em  que  fazia  viagem,   desviado  pela 


'  V.  T.  IV,  57-62. 
7 


102  ^Brás  Garcia  de  óMascarenhas 

tempestade  da  direcção  desejada,  que  o  devia  levar  a  Lisboa  ou  ao 
Porto,  passara  a  Norte  do  cabo  Finisterra,  e  por  pouco  não  é  arras- 
tado ao  golfo  de  Biscaia.  Consegue  aportar  ao  Ferrol,  onde  Brás 
Garcia  pisa  enfim  terra  da  nossa  península. 


relouiinlio  e  Ciísa  da  Cainara  Je  .Vvò. 

Não  se  demora  em  curiosas  excursões.  Tinlia  pressa  de  beijar  a 
mão  a  seu  velho  pai  e  a  sua  afectuosa  mãe,  de  abraçar  os  irmãos  e 
os  amigos;  anseava  por  ver  novamente  a  sua  pátria  saudosíssima. 
Para  lá  se  dirige  pois,  e  em  Avô  o  encontramos  já  a  figurar  num 
acto  público  a  21  de  novembro  de  i632 '. 

O  regresso  do  Brasil  é  memorado  pelo  poeta  nos  seguintes  versos : 

Satisfeyto  porem  de  minha  sorte 

No  Brasil,  me  parti  delle  contente, 

Porque  assim  como  a  agulha  busca  o  Norte, 

Busca  a  Pátria,  o  que  delia  vive  absente. 

Adherencia  não  hà,  que  mais  importe, 

Que  a  de  hua  larga  absencia  a  hum  delinquente, 

Porque  sempre  hà  de  ser  esta  enfadonha 

De  rèos  triaga,  &  de  amor  peçonha. 


>  Doe,  XXIX. 


Cap.  IV — Homizio  e  regresso  á  pátria  io3 

Avisado  de  estar  convalecido 

Emquanto  a  réo,  sem  cura  emquanto  amante, 

Três  meses  naveguey,  já  conhecido 

Por  mal  afortunado  navegante; 

De  esquadrões,  &  tormentas  perseguido 

Derrotado  a  Ferrol,  bem  que  distante 

Porto,  do  que  buscava  meu  desejo, 

Apóstata  do  mar  a  terra  bejo. 

Sobre  nove  annos  de  importuna  absencia 
Torno  a  gosar  da  Pátria  desejada. 
Como  quem  sobre  larga  penitencia 
Se  absolve  da  censura  reservada. 


'    V.  T.  XV,  60-C2. 


o  poeta-fidalgo  de  Avô 


Entrava  o  outono  de  i632,  quando  reapareceu  na  Beira,  de  regresso 
do  Brasil,  o  nosso  aventureiro  poeta. 

Tantos  anos  decorridos  sem  dele  haver  a  mais  leve  notícia  fa- 
ziam crer  que  houvesse  morrido  obscuramente  em  qualquer  parte  do 
mundo.  Depois  da  suposição  da  sua  morte,  era  natural  o  esque- 
cimento, registado  por  Bento  Madeira  de  Castro  nestas  palavras: 
—  «voltou  à  Pátria,  aonde  Já  era  esquecido»  '. 

Facilmente  se  conjectura  o  alvoroço  que  despertaria  este  regresso 
num  meio  pequeníssimo  como  era  Avô;  um  acontecimento  que  daria 
brado.  As  rapaziadas  de  Brás  Garcia,  envoltas  em  legendários  por- 
menores e  hiperbolizadas  largamente,  e  bem  assim  as  românticas  aven- 
turas de  suas  viagens,  passariam  a  ser  objecto  dos  contos  e  narrativas, 
em  que  a  fantasia  popular  teria  grande  quinhão. 

Com  as  suas  tendências  faustosas,  o  nosso  poeta  apresentar-se 
hia  na  sua  terra  natal  de  forma  a  fazer  sentir  que  a  sorte  lhe  correra 
por  lá  propícia,  e  que  vinha  resolvido  a  viver  na  abundância  que  os 
meios  de  fortuna  lhe  proporcionavam,  e  cercado  do  brilho  a  que  a 
nobreza  lhe  dava  jus.  Montava  um  belo  cavalo  por  êle  escolhido 
com  a  grande  perícia  e  gosto  que  possuía-;  talvez  um  desses  de 
que  nos  deixou  magníficos  retratos  no  seu  poema.     Vejamos  um  ao 

acaso : 

Era  o  cavallo  de  duas  cores  bellas, 
Branca,  &  negra,  apartadas  sem  mistura ; 
Negro  no  cabo,  comas,  &  canellas, 
E  no  mais,  branco,  como  a  neve  pura ; 


i  Doe.  CXII. 

2  Quando  mais  amadurecido  na  idade,  ainda  êle  rememora  os  tempos  idos,  e 
confessa  o  seu  fraco  pela  equitação,  dizendo  que,  no  meio  das  distracções  e  de- 
sportes a  que  se  entrega,  nada  o  compraz  tanto  como  montar  um  cavalo  folgazão: 

Mais  o  cavallo  brincador  me  alegre  (V.  T.  xt,  34). 


Cap.  V —  O  poeta- fidalgo  de  oAvô  io5 

Scintilhavaõ-lhe  os  olhos,  como  estrellas, 
Escarvava,  &  soprava  com  bravura. 
Junto  de  mãos,  de  pés  arregaçado, 
Filho  he  do  Tejo,  chama-se  Argentado  '. 

Eis  a  estampa;  quanto  a  qualidades,  quem  sabe  se  teria  estas: 

Soprando  aqui,  &  ali  fogo  evapora, 
Com  húa,  &  outra  maÕ  bate  na  silha, 
Com  tanta  força  as  desce,  que  sonora 
Cayxa  parece  a  terra,  quando  a  trilha ; 
De  guerra  amigo,  odioso  de  demora. 
Somente  ao  freyo  a  soberba  humilha  : 
Quanto  mais  corre,  tanto  mais  se  inllãm.i, 
Volta  como  Nebli,  Nebli  se  chama  -. 

Quando  ele,  nos  primeiros  tempos  após  o  regresso,  acompanhado 
de  um  ou  mais  criados,  ou  de  algum  escravo  preto  que  trouxera  do 
Brasil^,  passava  a  cavalo  pelos  caminhos  que  irradiavam  de  Avô 
pelos  vales  e  pelas  encostas,  os  pobres  trabalhadores,  gente  humilde 
e  riistica,  quedavam-se  boquiabertos,  apontando  para  ele  como  para 
um  objecto  raro  e  precioso.  E  muito  provável  que  no  quadro,  tão  cheio 
de  expressão  e  de  naturalidade,  que  no  canto  xi  o  poeta  esboça,  do 
recebimento  feito  pelos  pastores  da  serra  da  Estrela  a  Viriato,  que 
regressava  cheio  de  glória  da  campanha  contra  os  romanos,  haja 
traços,  colhidos  do  natural,  da  admiração  humilde  dos  seus  patrícios, 
quando  rico  voltara  do  Brasil.  Parece  que  estamos  a  ver  retratada 
num  instantâneo,  em  um  domingo  depois  da  missa  de  terça,  a  turba 
dos  pobres  vilões  de  Avô,  acotovelando-se  em  silêncio  e  contemplan- 
do-o,  na  sua  admiração  acanhada  e  submissa,  quando  èle  passava: 

Pellos  altos  penhascos  dividida 
Coro  mudo,  &  vergonhoso  acatamento, 
Encolhida  entre  os  rústicos  penedos. 
Seu  Pastor  sinalaváo  com  os  dedos  *. 

E  era  isto  que  Brás  Garcia  muito  apreciava :  ser  admirado,  re- 
speitado e  querido  por  grandes  e  por  pequenos.  A  psicologia  do 
nosso  poeta  era  simples  e  sem  refolhos.  Gostava  de  figurar,  de  vi- 
ver com  brilho  e  ter  prestígio  entre  os  seus  patrícios,  não  para  os 
deslumbrar,  e  muito  menos  para  os  vexar  ou  oprimir,  mas  para  exal- 


l    V.    r.  XI,    121.— 2     V.    T.    XI,    111. 

'  O  registo  paroquial  de  Avô  acusa,  dezasseis  anos  decorridos,  a  existência  de 
huã  pretta  cativa  de  bras  Garcia  M.as  nomine  Isabel  (Doe.  LXXX).  —  i  V.  T.  xi,  i5. 


io6  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

çar,  um  pouco  vaidosamente  é  verdade,  a  sua  nobreza  e  a  sua  supe- 
rioridade intelectual  e  moral  aos  olhos  dos  seus  admiradores,  para 
em  seguida  os  honrar  e  proteger  com  dedicação,  e  lhes  dispensar 
favores  e  serviços.  Tinha  consciência  do  seu  alto  valor,  e  estimava 
que  os  outros  lho  reconhecessem.  Amava  a  ordem,  a  disciplina,  a 
justiça,  e  em  pontos  desta  natureza  era  intransigente;  mas  preferia 
captar  pelo  coração  os  seus  subordinados,  a  fazer-lhes  sentir  o  peso 
da  autoridade. 

Tal  era  o  feitio  morai  do  nosso  poeta,  como  èle  deixa  transparecer 
a  cada  passo  nas  páginas  do  Viriato  Trágico;  a  tal  feitio  são  devidos 
muitos  dos  desgostos  e  contrariedades  que  sofreu  desde  o  seu  regresso 
do  Brasil. 


A  casa  paterna,  para  onde  Brás  Garcia  veio  residir,  ainda  era  a 
mesma  em  que  nascera,  e  a  que  alude  no  seu  poema  '.  Lá  conti- 
nuava ela  a  mirar-se  na  superfície  reflectora  do  Pego,  no  sitio  onde 
suavemente  deslizam  as  águas  do  Moura,  que  pouco  adeante  se  encon- 
tram, em  pleno  lago,  com  as  do  Alva  -. 


1  Já  a  ela  fizemos  referência  a  pp.  9,  18  e  37. 

2  Em  face  da  descrição,  que  aqui  fazemos,  da  casa  de  Marcos  Garcia,  talvez  que 
alguém  lance  um  olhar  de  desprezo  e  compaixão  para  essa  morada,  reputando-a 
casebre  mesquinho,  indigno  de  ser  habitado  por  família  nbbre  e  com  meios  de 
fortuna.  A  esse  alguém  devemos  dizer  que  em  Portugal,  assim  como  em  toda  a 
península,  nos  séculos  xv  e  xvi,  toda  a  gente,  ainda  mesmo  a  mais  abonada  e  dis- 
tinta, se  contentava  com  viver  em  casas  pobríssimas  e  ultra- mesquinhas,  ao  lado 
das  quais  a  dos  Garcias  de  Avô,  construída  nos  princípios  do  século  xvf,  pode  con- 
siderar-se  um  palácio  sumptuoso. 

Lá  dizia  o  bom  do  Gii,  Vicente  na  sua  Exortação  da  guerra,  estigmatizando, 
como  impróprio  de  portugueses,  o  luxo  nas  habitações,  que  principiava  a  introdu- 
zir-se  na  capital : 

Oh  !  deixai  de  edificar 
Tantas  camarás  dobradas, 
Mui  pintadas  e  doiradas. 
Que  é  gastar  sem  prestar. 
Alabardas,  alabardas! 
Espingardas,  espingardas  ! 
Não  queirais  ser  Genoêses, 
Se  não  muito  1'ortuguêses, 
E  morar  em  casas  pardas. 

No  meado  do  século  xvri  escrevia  D.  Francisco  Manxel  de  Melo: 
—  «Tem  se  hoje  por  grandeza  lavrar  quartos,  e  aposentos  á  parte,  conserva- 
rem-se  por  toda  a  vida  assim  entre  os  casados . . .    Perguntem-se  neste  caso  as  pa- 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  joy 

E  tempo  de  darmos  uma  rápida  notícia  desta  casa,  que  para  nós 
tem  particular  interesse,  por  lá  ter  nascido  o  poeta,  lá  ter  vivido  bas- 
tantes anos  e  escrito  o  seu  poema,  lá  ter  finalizado  os  seus  dias. 


redes  das  casas  mais  antigas;  que  pois  as  paredes  fallão,  ellas  dirão  os  costumes 
dos  passados.  Vè-se  no  seu  modo  de  edificar,  que  donde  hoje  não  cabe  hum  po- 
bre escudeiro,  antes  cabia  hum  senhor  grande.  Eu  não  sou  tão  amartelado  da 
antiguidade,  que  cegamente  siga  seus  costumes,  mas  parecia-me  bem  aquella  sin- 
geleza . . .»     [Carta  de  guia  de  casados,  ed.  Lisboa  —  1827,  p.  35). 

O  que  era  a  casa  de  habitação  antiga  em  Portugal,  di-lo  o  sr.  A.  dk  Sousa 
Silva  Costa  Lobo  no  seu  magnífico  livro  História  da  sociedade  em  Portugal  no 
século  XV : 

—  "Lancemos  agora  a  vista  por  essas  povoações,  onde  se  concentrava  a  vida 
social  nos  últimos  annos  do  século  xv. 

«As  cidades,  villas  e  aldeias,  então  existentes,  persistem  em  nossos  dias  Lm 
algumas  tem  variado  a  sua  importância  relativa,  mas,  na  maioria,  conserva  se  a 
mesma.  Também  ha  ainda  hoje  em  Portugal  muitas  povoações,  que  recordam, 
mais  ou  menos,  as  feições  do  passado:—  as  muralhas  cercando  as  habitações, 
amontoadas  em  estreitas  e  tortuosas  ruas,  e,  no  topo  do  monte,  a  alcáçova  com  a 
sua  torre  de  menagem  :  sob  protecção  d'esta,  a  cathedral,  ou  a  igreja  matriz,  e  não 
longe  os  paços  do  concelho,  em  frente  dos  quaes  se  levanta  o  pelourinho,  symbolo 
e  instrumento  da  justiça.  Mas,  ainda  mesmo  nessas  terras,  onde  menos  se  ha  feito 
sentir  a  sua  influencia,  tem  o  decurso  dos  tempos  operado  grandes  transformações. 

«A  casa  feita  de  pedra  é  sobretudo  indígena  dos  paizes  românicos  (D.is  Stcinhíuis 
hat  seine  Heimatli  vornc)imlicii  til  den  romaiiischen  Laendern.  Spriíiger,  Kunst^'eschichte,  «MillL-liiltcr»): 
nos  paizes  do  norte  predominava  a  madeira  nas  construcções.  Todavia  sabemos 
que,  tanto  em  Portugal  como  em  Hespanha,  a  madeira  se  usava  largamente.  Eannes 
de  Azurara  [Clironica  da  Gume,  c.  2),  memorando  os  benefícios  auferidos  por  Portugal 
das  descobertas  do  Infante  D.  Henrique,  conta  entre  ellas  que,  com  as  madeiras 
importadas  das  ilhas,  se  elevaram  as  casas  a  grande  altura.  Nas  cortes  de  1459, 
Lamego  aggravava-se  do  fallecido  Conde  Vasco  Fernandes,  que  fizera  grandes  es- 
tragos no  castello  da  cidade,  incendiando  casas,  a  ponte,  a  cerca,  os  paços  do  con- 
celho, e  muita  madeira  que  ahi  havia,  e  de  que  a  sua  viuva  queimara  o  resto.  Os 
estragos  eram  superiores  a  cem  mil  reaes  {Chanceiiaria  de  D.  Afonso  I',  liv.  36,  fl.  194). 
Evidentemente  todas  essas  edificações  eram,  pelo  menos  na  máxima  parte,  de  ta- 
boado.  Em  1474  D.  Affonso  V  mandou  desfazer  em  Lisboa  balcões,  sacadas,  arcos, 
e  tudo  o  que  pudesse  embaraçar  a  servidão  publica  e  a  passagem  da  procissão  do 
Corpo  de  Deus,  bem  como,  pela  mesma  razão,  derribar  certas  propriedades  (Lei  de 
12  de  setembro  de  1474  em  J.  P.  Ribeiuo,  Additamentos  á  Sj'ttopsis  ChonologicaV.   O   que    tudo    é 

indubitável  havia  de  ser  de  madeira.  De  uma  carta  regia  de  D.  Manuel  de  i5i5  sa- 
bemos, que  em  duas  ruas  principaes  do  Porto  as  casas  eram  do  mesmo  material. 
Os  moradores  das  ruas  da  Ourivesaria  e  Banhos,  incommodados  por  quatro  ou 
cinco  tanoeiros,  que,  para  darem  o  conveniente  feitio  ás  suas  aduellas,  accendiam 
ahi  grandes  fogueiras,  soccorreram-se  á  Camará,  a  qual  assignou  aos  tanoeiros  um 
terreiro  da  cidade  para  aquelle  fim;  e,  para  maior  segurança,  requereram,  em  se- 
guida, ao  rei,  que  confirmasse  a' decisão  municipal,  allegando  serem  a;  ruas  estreitas, 


loS  'Brás  Garcia  de  (£Mascarenhas 

Construção  ligeira,  feita  quási  toda  de  pequenas  pedras  acamadas 
e  sobrepostas,  sem  cal  que  as  cimente,  ;é  extraordinário  como  ainda 

que  o  fumo  lhes  estragava  as  moradas,  as  quaes  também  corriam  grande  perigo 
por  serem  de  taboado.  O  rei  deferiu  i,Akm  Douro,  I.  5,  fl.  2S).  O  próprio  tecto  do 
cruzeiro  da  Sé  da  mesma  cidade  era  de  madeira,  e  não  foi  tornado  em  abobada  de 
pedraria  senão  no  terceiro  quartel  do  século  xvi  pelo  bispo  D.  Rodrigo  Pinheiro. 
(D.  Rodrigo  da  Cunha,  Catalogo  dos  Bispos  do  Porto,  parle  ii,  c.  36). 

•  Uma  grande  parte  das  habitações  do  paiz,  e  até  de  Lisboa,  eram  construcções 
de  adobes. — Os  christãos  de  Lisboa  e  de  Portugal,  assim  como  os  da  Galli^a,  empre- 
gam, segundo  o  estylo  dos  infiéis,  muito  o  barro  nas  suas  edificações  [Viages  de  Ex- 
tranjeros  por  Espana  y  Portugal  eti  los  siglos  xv,  xvi  y  xvii,  traducidos  por  F.  R.,  Colleccion  de 
Javier  de  Liske.  Madrid,  1S78.  Nicolas  de  Popielovo,  em  iJS4|. — O  mesmO  acontecia  em  todo  O 

resto  da  Hespanha. 

<iNa  Chorographia  da  viagem,  que  Gaspar  Barreiros  fez  em  i336  de  Badajoz  a 
Milão,  encontram-se  muitas  observações  sobre  as  cidades  estrangeiras,  das  quaes, 
por  comparação,  se  pôde  concluir  para  o  que  existia  em  Portugal  (Gaspar  Barreibos, 
Chorographia,  Coimbra,  i56i|.  Madrid,  segundo  a  relação  do  viajante,  é  a  metade  de 
Lisboa;  as  casas  são  ali  pela  maior  parte  de  taipa;  de  taipa  são  também  as  mura- 
lhas, com  alicerces  de  pedernal.  Saragoça  tem  boas  casas  de  tijollo;  as  muralhas 
são  de  taipa.  Barcelona  contém  boas  casas  de  pedra  e  cal,  publicas  e  particulares: 
essas,  que  são  de  pedra,  são  as  melhores  que  cidade  alguma  tenha  em  Hespanha. 
Só  quando  elle  entrou  no  Languedoc,  é  que  encontrou  casas  particulares  de  can- 
taria lavrada. — Na  architectura  das  casas  Barcelona  não  tem  vantagem  a  Montpellier, 
as  quaes  são  de  cantaria  lavrada  com  janellas  e  vidraças,  que  por  a  mór  parte  d' esta 
terra  de  Languedoc  se  costumam.  (FI.  1691.  Avignon  tem  muito  boas  casas  de  cantaria 
lavrada,  com  janellas  de  vidraças,  que  muito  costumam  em  toda  esta  terra.  (FI.  174). 
Evidentemente,  pela  maravilha  que  lhe  causam,  as  janellas  com  vidraças  eram 
muito  raras  em  Portugal :  nem  eram  communs  no  resto  da  Europa,  porque  Aeneas 
Silvius  apresenta  a  sua  frequência  como  uma  amostra  da  magnificência  de  Vienna 

de    Áustria    [Demoribus  Germanorum  em  Hallau,  Europe  in  the  Middle  Ages,  c.  9,  parte  11). — 

Carpentras  tem  boas  casas  de  pedra  e  cal.  (Fl.  1771. — Também  esta  insistência  sobre 
a  particularidade  de  casas  de  pedra  e  cal  dá  a  entender,  que  não  eram  ellas,  ainda 
no  reinado  de  D.  João  III,  abundantes  no  nosso  paiz.  Não  o  eram  com  certeza  no 
século  XV,  a  julgar  por  um  artigo  dos  capítulos  especiaes  de  Castello  Rodrigo  nas 
cortes  de  1447.  Esta  villa  —  dizia  o  procurador  do  concelho — ,  é  fundada  em 
serra,  onde  não  ha  senão  seixo  puro,  muito  mau  de  assentar,  mesmo  de  alvenaria 
com  cal  e  argamassa :  agora  cairam  duas  quadrellas  da  muralha,  por  serem  feitas 
com  pedra  e  barro,  porque,  se  fossem  de  argamassa,  duraram  para  sempre  como 
as  outras  iBeira,  liv.  11,  fl.  126).  Quando  nas  muralhas  de  um  baluarte  da  fronteira  se 
economisava  a  argamassa,  não  é  de  crer  que  o  seu  emprego  fosse  mais  usual. 
As  demais  comparações  de  Gaspar  Barreiros  sobre  estalagens,  e  commodidades 
da  vida,  são  relativamente  idênticas  ás  que  faria  o  viajante  hodierno.  Portugal  e 
Hespanha  tèm,  neste  particular,  guardado  desde  então  até  hoje  a  mesma  atrazada 
distancia  dos  outros  paizes  da  Europa. 

c<A  construcção  de  taipa,  quer  dizer,  de  barro  amassado  e  seixo  entre  ta- 
bq^dos,  é  um  género  usado  na  Peninsula  desde  o  tempo  dos  romarrt)s  iPusio, 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  i  og 

se  manteem  de  pé  aquelas  paredes,  resistindo  ao  perpassar  de  quatro 
séculos! 

Tem  uma  parte,  que  podemos  chamar  a  casa  nobre,  a  qual  por 
fora,  não  obstante  a  descrita  ligeireza  de  construção,  é  assaz  es- 
merada nas  cantarias  das  janelas  e  das  portas,  em  estilo  manuelino,  de 
aparelho  liso  e  simples  como  a  dureza  e  aspereza  do  granito  exigiam; 
por  dentro  revela  não  menos  cuidado  nos  tectos  e  portas  de  velho 
castanho,  com  os  seus  severos  almofadados.  O  resto  da  habitação 
é  vulgar  e  incaraterístico. 

Todo  o  prédio  está  dividido  em  dois  pisos  :  um  inferior  com  quar- 
tos e  lojas  de  arrecadação,  e  um  andar  alto,  que  é  o  principal. 

A  porta  de  entrada  do  andar  nobre  era  rasgada  na  fachada  me- 
ridional; dava-lhe  acesso  uma  escadaria  exterior  de  pedra,  com  corri- 
mão de  ferro  sustentado  por  balaústres  do  mesmo  metal,  e  tendo 
ao  cimo  um  singelo  alpendre,  cujo  entablamento  se  apoiava  sobre 
duas  mísulas  e  duas  colunas  da  ordem  dórica,  ú  rite  recordor. 
Ainda  conheci  este  lindo  exemplar  de  alpendre  de  entrada,  que,  por 
sinal,  ao  tempo  em  que  eu  o  vi  pela  última  vez,  estava  engalanado 
pelas  parras  e  cachos  duma  videira,  que,  trepando  esguia  e  rugosa 
lá  do  fundo,  vinha  firmar-se  com  as  suas  vides  e  gavinhas  nos  ferros 
e  pedras  do  alpendre,  e  enfeitá-lo  com  a  pompa  dos  seus  festões. 


liv.  XXXV,  cap.  XIV,  citado  por  Trigoso,  «Memoria  sobre  os  terrenos  abertos»,  nas  Memorias  económicas 

da  Academia,  tomo  v):  e  também  OS  sarracenos  construíam  assim  as  suas  habitações 
í«Por  serem  os  edifícios  {de  Silves),  segundo  o  systema  de  construcção  árabe,  feitos  pela  maior  parte 
de  taipa  ou  formigão,  e  cobertos  de  eirados  de  ladrillio».  Herculano,  Historia  de  Portugal,  liv.  iii). 

Quem  não  conhece  aquella  casa  e  torre  do  Senhor  de  Basto,  celebradas  por  Sá  de: 

Miranda  em  uma  das  suas  cartas: 

Nessa  hora  os  olhos  ergui 
A  casa  antiga  e  á  torre... 

{Carta  i'.",  a  .Vntonio  Pereira,  Senhor  de  Basto). 

Essa  antiga  casa  e  torre  eram  construcçóes  de  taipa,  segundo  prosaicamente  nos 
informa  o  coetâneo  Recenseamento  do  Minho  de  1527.—  Cabeceiras  de  Basto,  lê-se 
ahi,  não  tem  villa,  nem  castello,  salvo  as  casas  de  taipa  delle  António  Pereira, 
fortes  com  muro  e  torre  (Archivo  Nacional,  cit.  Recenseamento  do  Minho]. 

"Não  há  comarca  no  reino,  em  que  haja  tantas  casas  de  fidalgos,  como  no 
Minho:  —  assim  se  expressava  a  cidade  do  Porto  nas  cartas  de  Santarém  de  1480 
i.i.  I'.  KiuiiiRo,  Memoria  sobre  os  foraes,  doe.  25).  Esses  solares  da  fidalguia  do  Minho,  bem 
como  da  Beira  c  de  Trás-os-Montes,  haviam  de  ser  modestas  habitações,  con- 
struídas pelo  mesmo  systema :  alguns,  de  que  havia  memoria  e  vestígios  no  sé- 
culo XVII,  eram  humildes  choças  de  lavradores  (Vii-lasboas  Sampaio,  Nobiliarcltia  portu- 
guesa, cap.  XVI)». 

{Op.  cit.,  cap.  II,  pp.  ioi-io<>j. 


3rás  Garcia  de  oMascarenhas 


O  actual  proprietário,  G.°  neto  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  teve 
o  mau  sestro  de  desmanchar  há  anos  esta  bela  entrada  da  sua  casa 
avoenga,  para  lhe  fazer  um  acrescentamento,  e  obrigá-la  assim  a  vir 
facear  com  a  estrada  de  recente  construção,  que  lhe  passava  a  poucos 
metros  de  distilncia). ; ;  Uma  idéa  desastradíssima!! 

Em  virtude  desta  ampliação,  a  antiga  porta  principal  de  entrada, 

que  abria  sobre  o  alpen- 
dre, passou  á  categoria  de 
porta  interior;  continua 
porém  em  excelente  es- 
tado de  conservação. 

Transpondo  esta  en- 
trada, achamo-ncs  em  um 
corredor  encostado  à  pa- 
rede da  mesma  fachada 
sul,  e  paralelo  ao  eixo  do 
edifício.  No  topo  do  cor- 
redor, à  direita  de  quem 
entra,  encontra-se  uma 
porta  que  abre  para  a  sala 
nobre  ;  seguindo  o  corre- 
dor, para  a  esquerda, 
deparam-se-nos  sucessiva- 
mente as  portas  dos  com- 
partimentos internos  da 
casa.  Deixemos  estes,  que 
nada  teem  que  nos  inte- 
resse, e  entremos  na  sala. 
Esta  é  rectangular, 
quási  quadrada.  O  lado 
oriental  fica  limitado  em 
toda  a  sua  extensão  pela  parede  que  constitue  o  topo  do  edifício, 
onde  se  rasga  uma  janela  de  verga  levemente  arqueada,  que  na  gra- 
vura adeante  reproduzida  se  vê  à  esquerda,  junto  do  cunhal.  Na 
mesma  fachada  há  outra  janela,  para  lá  da  sala,  com  as  cantarias  a  sa- 
lientar-se  do  plano  da  parede  ;  essa  janela,  com  a  porta  que  lhe  íica 
por  baixo,  pertencem  já  á  nova  construção  do  infeliz  acrescentamento. 
É  iluminado  o  lado  setentrional  da  sala  pela  primeira  janela  que 
se  vê  na  fachada  mais  extensa  da  gravura,  partindo  do  cunhal  para 
a  direita. 


Poita  principal  da 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  (lAvô  1 1 1 

A  nova  construção  não  permitiria  hoje  dar  luz  á  sala  do  lado  S.; 
antigamente  podia  ter  aqui  uma  janela,  que  abrisse  ao  lado  do  alpen- 
dre, a  pequena  distância  deste.  Perece-mc  entretanto  que  nunca  a 
teve. 

No  lado  ocidental  da  sala,  que  é  formado  por  um  tabique  ou 
taipa,  rasgam-se  duas  portas,  junto  das  duas  extremidades:  uma,  a 


Casa  de  Marcos  Gai-cia  vista  de  N.-IC. 

que  já  fiz  referência,  dá  para  o  corredor  de  entrada,  a  outra  para 
um  pequeno  escrit(irio,  que  era  o  quarto  principal  da  casa,  a  que  per- 
tence a  janela  rasgada,  de  parapeito  e  balaústres  de  ferro,  que  se  vê 
na  estampa. 

A  par  desta  notam-se  mais  duas  janelas,  incaraterísticas,  que  dão 
para  quartos  muito  modestos.  Ainda  se  observam  na  gravura  outras 
duas  janelas  abertas  nesta  fachada,  e  que  iluminam  o  andar  inferior. 
Na  que  fica  debaixo  da  janela  da  sala  há  no  peitoril,  a  salientar-se, 
um  escudo  de  armas,  onde  porém  se  não  divisam  nenhumas  figuras 
heráldicas,  ou  porque,  tendo  pouco  relevo,  o  tempo  as  gastou,  ou, 
mais  provavelmente,  porque  não  chegaram  a  ser  esculpidas  no  duro 
e  áspero  granito,  por  incapacidade  do  pedreiro. 

Voltando  ao  interior  da  casa,  temos  de  referir  que  tanto  a  sala 
nobre  como  o  escritório  contíguo  ainda  hoje  se  encontram  cora  os  mes- 


112  'Brás  Garcia  de  (Páascarenhas 

mos  tectos  de  castanho,  que  tinham  quando  Brás  Garcia  aqui  viveu. 
E  digno  de  nota  o  tecto  da  sala:  começa  por  um  plano  horizontal, 
rectangular  como  a  respectiva  planta  ;  dali  se  ergue  em  cúpula  de  base 
octogonal,  tendo  grossas  molduras  a  cobrir  as  intersecções  dos  planos, 
e  em  remate,  ao  meio,  um  florão.  A  grade,  que  serve  de  peitoril  à 
janela  do  escritório,  é  de  ferro  forjado,  remontando  ao  século  xvi : 
balaústres  cilíndricos,  lisos,  com  um  relevo  anular  a  meio  e  outro  em 
cada  extremidade,  sendo  a  chapa  do  parapeito  ornada  superiormente 
com  traços  em  forma  de  espinha,  abertos  à  talhadeira. 

A  mobília  da  sala  é  antiga,  mas  em  péssimo  estado  de  conserva- 
ção. Grandes  cadeiras  de  espalda  e  braços,  singelas  e  hirtas,  de 
madeira  de  carvalho,  com  assentos  toscos  de  pinho  a  substituírem  os 
antigos  de  estofo ;  e  um  bufete  de  castanho,  muito  estragado,  de  per- 
nas e  travessas  torneadas,  tipo  século  xvii,  que  bem  pode  ser  a  mesa 
onde  o  nosso  poeta  escreveu  o  seu  Viriato  Trágico. 

E  nada  mais  resta  digno  de  menção. 

Prolonga-se  a  casa  bastante  para  ocidente,  além  da  parte  repre- 
sentada na  gravura  da  página  fronteira;  mas  o  resto,  que  é  quási 
outro  tanto,  resulta  de  restaurações  e  amplificações  feitas  em  tempos 
subsequentes.  A  parte  descrita  é  que  constituiria  a  primitiva  casa, 
que  pertenceu  a  Simão  Garcia  e  ^'erónica  Nunes,  avós  mateinos  do 
poeta,  herdada  dos  ascendentes  desta.  Crescendo  depois  a  família, 
em  tempo  de  Marcos  Garcia,  e  provavelmente  já  a  expensas  de  Brás, 
seria  então  ampliada  para  ocidente,  rasgando-se  na  parede  mestra, 
no  topo  ocidental  do  corredor,  a  porta  que  ainda  hoje  lá  se  vê,  a  co- 
municar a  parte  antiga  com  o  acrescentamento,  que  suponho  ser  do 
século  XVII. 


Tem-se  dito  que  a  casa  de  Marcos  Garcia,  onde  Brás  nasceu  e 
viveu,  era  outra,  que  ficava  pouco  distante  desta,  mais  próxima  da 
actual  ponte  de  S.'°  António,  e  que  foi  demolida  há  anos,  ao  con- 
struír-se  a  estrada  distrital  n."  ig6. 

Puro  engano,  que  passamos  a  explicar. 

Sabia-se,  pelas  tradições  e  documentos  de  família,  que  a  casa,  que 
deixamos  descrita,  fora  edificada  por  Henrique  Madeira  Arrais;  mas, 
como  nem  sequer  se  suspeitava  de  que  a  mãe  do  nosso  poeta  fosse  des- 
cendente, e  por  tanto  pudesse  ser  herdeira  mediata  daquele  fidalgo, 
procurou  se  modernamente  explicação  para  o  facto  de  andar  esta 
propriedade  na  posse  dos  descendentes  de  Brás  Garcia,  e  imaginou-se 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  cAvò  ii3 

que  foi  D.  Maria  de  Mesquita  da  Costa,  casada  com  Brás  Garcia  de 
Mascarenlias,  bisneto  do  poeta,  quem  a  trouxe,  no  segundo  quartel 
do  século  XVIII,  para  o  domínio  dos  Garcias  de  Mascarenhas  de  Avô, 
ficando  desde  então  na  descendência  deste  casal  Ora  é  de  notar 
que  D.  Maria  de  Mesquita  da  Costa  descende,  é  verdade,  de  Henrique 
Madeira  Arrais,  mas  exactamente  pelo  mesmo  ramo  genealógico  a 
que  pertencia  o  poeta.  Felipe  Madeira,  terceiro  avô  de  D.  Maria 
de  Mesquita,  era  irmão  de  Helena  Madeira,  mãe  de  Brás  Garcia,  sendo 
ambos  bisnetos  de  Henrique  Madeira  Arrais'. 

Contra  essa  explicação  artificiosa  está  a  verdade,  documentada 
e  indiscutível.  Não  resta  dúvida  de  que  a  casa  residência  dos 
Garcias  de  Mascareniias  de  Avô,  descendentes  de  Marcos  Garcia,  foi 
sempre  a  que  deixo  descrita.  Ficou  propriedade  comum  e  indi- 
visa dos  filhos  de  Marcos,  com  exclusão  da  Feliciana  e  do  Fran- 
cisco ;  ali  nasceram  eles,  lá  viveram  e  morreram  quási  todos.  Em 
1681  já  não  restavam  dos  irmãos  senão  duas  velhinhas,  Isabel  e 
Antónia,  que  compartilhavam  esta  propriedade  com  os  únicos  dois 
sobrinhos,  que  de  seus  irmãos  Brás  e  Matias  lhes  restavam  :  D.  Qui- 
téria, filha  do  primeiro,  casada  com  Manuel,  filho  do  segundo.  Por 
escritura  de  27  de  janeiro  deste  ano  -  foi  esse  prédio,  onde  viviam, 
vinculado  com  vários  outros,  para  serem  administrados  ///  pcrpeluiim 
pelos  ditos  seus  sobrinhos  e  pela  sua  descendência  directa,  legítima, 
masculina;  e  esse  vínculo  subsistiu  até  há  poucos  anos,  sendo  ainda 
administrado  por  Tomás  Garcia  de  Mascarenhas,  quinto  neto  de 
D.  Quitéria,  falecido  em  1895,  de  quem  herdaram  seus  filhos  a  casa 
com  os  restantes  bens  até  então  vinculados. 

Pelo  contrário,  a  casa  que  ultimamente  se  apontava  como  tendo 
sido  a  residência  de  Brás  Garcia,  se  porventura  alguma  vez  pertenceu 
a  esta  família,  o  que  ignoro,  não  é  a  descrita  na  instituição  do  vín- 
culo, nem  jamais  fez  parte  dele,  andando  na  posse  de  estranhos. 

Também  concorreu  notavelmente  para  se  supor  que  esta  última 
era  a  residência  de  Marcos  Garcia,  o  facto  de  Brás  dizer  que  nascera 
em 

Aquella  casa,  que  por  mais  vizinha, 
Fortaleza  parece  desta  ponte'; 

ora  a  casa  que  ficava  mais  próxima,  quási  fronteira,  à  ponte  sobre  o 
Moura,   era  esta.     Daqui  se  concluiu  que  a  ela  se  referia  o  poeta. 


1  Not.  geneal.  II,  ui  c  3  e  4 ;  —  tlsq.  geneal.  II,  d  e  d  a.  —  -  Doe.  CVII, 
'   V.  T.  XV,  29. 


114  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

Ignorava-se  porem  que  tal  casa,  construção  do  século  xviii,  ou, 
quando  muito,  dos  fins  do  século  xvii,  não  existia  quando  o  poeta  es- 
creveu, e  que  por  isso  a  que  deixo  descrita  era  então  a  mais  próxima 
da  ponte,  da  qual  distava  apenas  cousa  de  poucos  passos. 


No  seu  regresso  à  pátria,  Brás  encontrou  na  mesma  a  casa  onde 
nascera  e  onde  passara  a  infância  e  a  juventude;  modificações  porém 


/^ 


Assinaturas  de  Marcos  Garcia;  a  primeira  1  feita  quando  tinha  6i  anos. 
a  segunda  -  quando  ia  nos  84. 

notáveis  se  haviam  dado  na  família,  desde  que  ele  deixara  de  viver 
no  seu  seio. 

Teve  a  felicidade  de  ainda  poder  abraçar  .seus  pais,  que  o  rece- 
beriam com  grande  expansão  de  afecto.  Marcos  Garcia,  apesar  dos 
seus  68  anos,  conservava-se  vigoroso,  prometendo  larga  vida.  Helena 
Madeira,  com  64,  gastara-se  muito  nos  trabalhos  de  procriar  onze 
filhos,  em  cuja  robustez  sadia  ela  se  remirava  com  orgulho;  mas  já 
pouco  tempo  teve  para  gosar  a  companhia  e  carinhos  do  filho  pródigo 
regressado  á  casa  paterna,  pois  que  pouco  mais  de  dois  anos  depois 
do  regresso  era  ela  falecida  ^. 


1  No  processo  para  ordenação  de  menores  de  João  Madeira  da  Costa,  filho  de 
Gaspar  Dias  da  Costa,  em  que  depôs  como  testemunha  a  11  set.  1625  (C.  E.). 

2  Em  outro  processo  para  ordenação  de  menores  de  Gaspar  Dias  de  Matos 
(vid.  p.  25,  nota)  a  iG  fev.  1648  (C.  E.). 

3  No  Registo  paroquial  de  Avô  não  existe  o  assento  de  óbito  de  Helena  Ma- 
deira; mas  nem  por  isso  estamos  inibidos  de  saber  a  época  aproximadamente  em 
t]ue  faleceu.  Temos  na  C.  E.  os  processos  para  a  promoção  dos  irmãos  de  Brás 
nos  sucessivos  graus  de  ordens,  processos  esses  que  foram  correndo  desde  1622 
em  deante,  em  anos  consecutivos :  e  neles  se  encontram,  já  nos  atestados  dos  pá- 
rocos de  Avô,  já  nos  depoimentos  das  testemunhas,  referências  aos  pais  de  Brás, 
que  são  dados  como  vivos  e  residentes  naquela  vila.  O  primeiro  documento,  que 
se  me  depara,  em  que  encontro  a  declaração  de  que  Helena  Madeira  havia  falecido, 


Cap.  V  —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  iiS 

A  irmã  mais  velha  do  poeta,  a  Feliciana,  lá  estava  em  Anadia  la- 
butando no  governo  da  casa,  e  tratando  da  criação  e  educação  de  seis 
filhos  que  Deus  lhe  dera,  o  mais  velho  dos  quais,  o  João,  já  fizera  em 
julho  passado  quatorze  anos,  e  o  mais  novo  completara  em  março  dois'. 

Mais  novas  do  que  Brás,  as  outras  cinco  irmãs  conservavam-se 
solteiras,  e  nesse  estado  permaneceram  durante  toda  a  vida. 

Deixara  de  residir  em  Avô  o  doutor  Manuel  Garcia.     Continuando 
a  sua   ordenação,  que  já   fora  iniciada    antes   da  partida   do    poeta, 
obteve  um  bem  modesto  benefício  ecle- 
siástico sendo  apenas  subdiácono  :  o  de  A  H'^ 
ecónomo  da  igreja  paroquial  e  colegiada         ^  i^Clf^^^i^  yiH'*'^^^^ 
da  vila  de  Avô  '^.     Mas,  ordenado  pres- 
bítero  na    quaresma  de    1626  ^  conse- 

'  Assinaliiru  do  l)r.  Manuel  Garcia  4 

guiu.  decorridos  quatro  anos,  o  rendoso 

priorado  de  Santiago  de  Travanca-de-Farinha-Pòdre,  no  bispado  de 
Coimbra^,  de  que  tomou  posse  na  entrada  do  outono  de  lõSo".  Lá 
estava  pois  pastoreando  aquele  rebanho,  e  concomitantemente  usu- 
fruindo as  boas  propriedades  do  passal,  e  recolhendo  os  dízimos  e 
beneses  que  por  uso  da  igreja  pertenciam  ao  pároco  '.     Muito  querido 


é  um  requerimento  de  seu  filho  mais  novo,  Francisco  Garcia,  a  pedir  a  instauração 
do  processo  eclesiástico  para  a  sua  ordenação  de  menores.  Não  tem  data,  mas  o 
mandado  aos  escrivães  do  juízo  eclesiástico  nele  exarado  traz  a  data  de  3  de  feve- 
reiro de  i635.  A  mesma  declaração  de  que  sua  mãe  era  já  falecida  faz  Francisco 
Garcia  no  requerimento  a  pedir  folha  corrida  em  Avô ;  embora  não  seja  datado, 
traz  as  declarações  dos  escrivães  com  data  de  22  do  mesmo  mês  de  fevereiro. 

'  Not.  geneal.  I,  iv  c"  1. 

2  Consta  do  processo  para  a  sua  ordenação  de  diácono,  arquivado  na  C.  E. 

'  Manuel  Garcia,  segundo  já  dissemos  (pp.  Sg,  Sg  e74),  havia  recebido  a  prima 
tonsura  e  o  primeiro  grau  de  menores  quando  estudava  em  Coimbra,  a  18  fev.  1Õ17 
e  os  três  restantes  graus  a  17  dez.  1621.  Depois  proseguiu  regularmente  a  ordena 
cão,  recebendo  a  ordem  de  subdiácono  no  sábado  das  têmporas  de  S.';»  Luzia  a  17 
dez.  1622,  de  diácono  em  iguais  têmporas  a  21  dez.  1624,  e  de  presbítero  na  qua- 
resma de  1626. 

*  E  não  de  S.  Salvador-de-Travanca,  no  bispado  de  Viseu,  como  fantasiou  Ca- 
milo na  Luta  de  gigantes,  ed.  cit.,  p.  28,  e  respectiva  nota  2. 

5  Doe.  XXVIII. 

'  No  Registo  paroquial  de  Travanca-de-Farinha-Pódre,  passim.  (C.  S.).  Outra 
assinatura  do  mesmo,  com  o  título  de  Dr.,  deixamos  publicada  na  p.  58. 

'  Todos  os  escritores  referem  que  eram  importantes  as  rendas  deste  benefício 
eclesiástico,  o  qual  é  pelo  poeta  classificado  com  o  epíteto  de  possessão  rendosa 
(  V.  T.  XV,  67).  Nos  tempos  modernos  é  pouco  mais  do  que  miserável,  mas  anterior- 
mente à  abolição  dos  dizimos  e  primícias  tinha  realmente  valor,  numa  região 
onde  as  igrejas  eram  em  geral  pobríssimas.  Veja-se  a  tal  respeito  o  doe.  CXIV. 


ii6 


'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


^Af^tx/«J^ejCvfC 


Pantaleão  Garcia  ^ 


e  muito  respeitado  por  suas  virtudes,  letras  e  gravidade,  era  um  título 
de  honra  e  glória  para  seus  pais  e  irmãos. 

Cortada  pela  cumplicidade  na  fuga  de  Brás  a  carreira  universitá- 
ria de  Manuel  Garcia  em  1617',  o  irmão  Pantaleão,  que  provavel- 
mente aspirava  também  a  frequentar  a 
Universidade,  abandonou  Coimbra,  mas 
continuou  os  seus  estudos  em  Avô,  vero- 
similmente dirigido  pelo  licenciado  António 
Dias,  pessoa  já  nossa  conhecida.  Assim  conseguiu  fazer  os  exames 
para  ordens,  e  realizar  a  sua  ordenação,  alcançando  o  sacerdócio 
na  quaresma  de  1628  3.  No  princípio  do  outono  de  i63o  ausentou-se 
de  Avô  'por  pouco  tempo  para  ir  tomar  conta  da  paróquia  de  Tra- 
vanca, em  substituição  do  irmão  Manuel, 
que  só  em  novembro  entrou  no  exercício 
do  seu  priorado.  Mas  foi  breve  o  pe- 
ríodo imediato  em  que  o  padre  Pantaleão 

se     achou     desocupado;    pelo    S.    João    de         Assinatura  do  P.»  Matias  Garcia «. 

i63i    obtinha   a    nomeação    de   cura    de 

Almassa,   também  no   bispado   de  Coimbra,   onde   se   conservava  à 

chegada  do  poeta. 


Qe-^ 


Autógrafo  de  Francisco  Garcia  &. 


O  Matias  e  o  Francisco  continuavam  a  residir  em  Avô,  onde  iam 
fazendo  os  seus  estudos  preparatórios,  distanceando-se  muito  um  do 


1  Vid.  p.  57  e  ss. 

*  No  Reg.  Paroq.  de  Travanca-de-Farinha-Podre  e  no  de  AXmassa. passim  (C.  S.). 

3  A  ordenação  de  Pantaleão  Garcia  correu  mais  precipitadamente  do  que  a  do 
irmão  Manoel.  Recebeu  prima  tonsura  e  menores  em  1625  e  1626.  Depois,  obtido 
um  breve  de  dispensa  dos  interstícios  canónicos,  foi  na  quaresma  de  1627  ordenado 
de  subdiácono,  e  nas  imediatas  têmporas  de  S.  Mateus,  a  18  set.  do  mesmo  ano, 
de  diácono;  na  quaresma  de  1628  recebia  o  presbiterado. 

■*  No  Reg.  paroq.  de  Anceriz,  passim  (CS.). 

5  É  o  começo  de  um  requerimento,  todo  autógrafo,  dirigido  ao  conservador 
da  Universidade,  pedindo-llie  que  mande  aos  escrivães  do  seu  juízo  passar  certidão 


Cap.  V —  O poeta-Jidalgo  de  oAvô  1 1' 

outro  nos  génios.  Aquele  era  vivo,  irrequieto,  pouco  dócil,  um  tanto 
provocador ;  este,  pacifico,  bondoso,  sossegado,  mas  de  inteligência 
lúcida  e  perspicaz. 

Deve  ter  cativado  de  modo  especial  as  simpatias  de  Brás  Garcia 
este  irmão  mais  novo,  o  Francisco,  pelas  suas  excelentes  qualidades 
de  coração,  pela  sua  afabilidade  e  doçura  de  trato.  Deixara-o 
criança,  e  agora  vinha-o  encontrar  um  belo  rapaz  de  20  anos,  alto, 
gentil,  de  faces  rosadas,  ainda  imberbe,  olhos  vivos  e  brilhantes,  mas 
de  ordinário  modestamente  baixos.  Tinha  um  leve  defeito  no  falar, 
era  um  tanto  cicioso.  Amigo  da  igreja  e  das  suas  solenidades,  a 
piedade  deste  moço,  a  sua  virtude  e  bons  costumes,  apontavam-sc 
como  exemplo.  Muito  recatado,  evitando  o  bolicio  e  as  festas  mun- 
danas, revelava  tendências  para  a  vida  retirada  e  contemplativa  dos 
claustros  e  ascetérios  '. 

Tanto  o  Matias  como  o  F^rancisco  destinavam-se  ao  estado  cle- 
rical. 


Avô  que,  segundo  nós  vimos,  era  um  vila  minúscula,  de  popula- 
ção muito  pequena,  abrigava  no  seu  seio  um  número  considerável  de 
famílias,  quási  todas  aparentadas,  que  forneciam  a  Brás  uma  socie- 
dade relativamente  selecta  e  educada,  embora  não  fosse  de  elevado 
nível  intelectual.  Causa  até  admiração  como  em  tara  acanhado  es- 
paço houve  naquele  terapo  tantas  pessoas  com  cultura  maior  ou 
menor,  que  estavam  longe  de  ser  analfabetas.  Percorrem  se  os  di- 
versos processos,  relativos  a  pessoas  daquela  vila,  que  nos  restam  nos 
arquivos  eclesiásticos,  e  pasmamos  de  encontrar  tam  grande  número 
de  testemunhas  a  firmarem  com  a  assinatura  autografa  de  seus  nomes 
os  respectivos  depoimentos.  A  acção  benéfica  do  padre  humanista 
o  licenciado  António  Dias  ^  durante  largos  anos  deve  ter  concorrido 
poderosamente  para  este  resultado. 

de  folha  corrida,  para  a  sua  ordenação  de  menores.  Não  é  datado,  mas  o  despacho 
do  conservador  tem  a  data  de  20  fev.  i635.  Anda  junto  ao  processo  da  sua  habili- 
tação para  ordens.  (C.E.).  —  Note-se  que  Francisco  Garcia  não  era  propriamente 
estudante  da  Universidade,  de  cujos  livros  de  matrícula  não  consta  o  seu  nome 
Era-o  do  Colégio  das  Artes  ou  Escolas  menores,  nominalmente  parte  integrante 
da  Universidade. 

1  Doce.  XXXII  e  XGVI. 

*  Veja-se  o  que  fica  dito  deste  interessante  padre  beirão  na  p.  24  e  respectiva 
nota. 


ii8 


'\Bras  Garcia  de  ^Mascarenhas 


Procuremos  pôr-nos  em  contacto  com  essa  sociedade,  que  Brás 
Garcia  veio  encontrar  na  sua  pátria,  no  meio  da  qual  viveu,  e  onde 
se  passaram  os  acontecimentos  que  serão  objecto  deste  capítulo. 

Comecemos  pelos  parentes. 


Da  família  paterna  do  nosso  poeta  só  habitava  em  Avô  sua  tia 
Joana  Garcia  Antunes  *.  Fora  para  aquela  vila  ao  mesmo  tempo 
que  o  irmão  Marcos,  pai  de  Brás,  casando  com  um  irmão  de  Helena 
Madeira,  noiva  deste,  e  fazendo  se  ambas  as  bodas  em  dois  dias 
consecutivos,   pois    ela   casou  a   i8   e   ele  a   19   de  agosto   de   1591. 


Assinatura  de  Henrique  Madeira - 


Ignoro   se   o  marido  de  Joana,  que  se  chamava  João  Madeira,  ainda 
era  vivo  em  ih32,   mas  não  há  dúvida  que  ela  residia  então  na  vila 

com  seus  filhos  e  filhas. 


Quanto  á  família  ma- 
terna, a  dos  Madeiras  Ar- 
rais, vários  eram  os  ramos 
que  em  Avô  a  representa- 
vam. 

Brás  Garcia  ainda  veio 
encontrar  vivos  dois  velhi- 
nhos, irmãos  mais  novos  de  sua  avó  materna  Verónica  Nunes. 
Chamavam-se  Henrique  Madeira  S  pessoa  de  grande  consideração, 
que    servira   os   principais   cargos   da  vila,    e   o   padre   Simão   Ma- 


Assinatura  de  João  Madeira  3,  a  quem  se  faz  referência 
na  pag.  seguinte. 


'  Not.  geneal.  I,  m  c  o;  —  Esq.  geneal.  I. 

*  Testemunha  na  escritura  de  património  para  a  ordenação  de  Manuel  João, 
de  Avô,  em  1606  (C.E.). 

'  Em  um  despacho  que  lavrou  como  juiz  ordinário  de  Avô,  a  22  fev.  i635, 
mandando  passar  certidão  de  folha  corrida  a  Francisco  Garcia.  Este  documento 
encontra-se  no  processo  para  a  ordenação  do  irmão  mais  novo  de  Brás  (CE,). 

*  Not,  geneal.  II,  11  c  5  ;  —  Esq.  geneal.  II. 


Cap  V — O  poeta-fiJalgo  de  cAvô  iig 

deira  *,  capelão  da  ermida  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  um  pouco 
afastada  da  povoação,  o  qual  nos  aparece  a  cada  passo,  até  1641, 
designado  nos  documentos  pelo  nome  de  ermitão. 

Da  mesma  geração,  e  primos  coirmãos  destes,  eram  outros  dois 
velhos:  João  Madeira 2,  que  um  pouco  mais  tarde,  em  i635,  exerceu 
as  funções  de  juiz  ordinário  da  vila  e  seu  termo,  e  que  ainda  em 
1647,  tendo  noventa  anos  de  idade,  depôs  como  testemunha  e  assinou 
o  seu  depoimento  em  um 
processo  de  genere ;  e  seu 
irmão,  o  padre  Simão  Ma- 
deira^, beneficiado  da  co- 
legiada de  Nossa  Senhora 
da  Assunção  de  Avô,  ao 
qual  encontro  referências 
até  i633. 

Pertencentes   á  gera- 
ção imediata,  conhecemos  vários  parentes,  que  nessa  ocasião  residiam 
em  Avô.     Mencionemo-los. 

Gaspar  Garcia^,  irmão  germano  da  mãe  de  Brás,  o  qual  em  1697 


Madeira,  beneficiado'*. 


'  Not.  geneal.  II,  11  c  7;  —  Esq.  geneal.  II. 

2  Not.  geneal.  II,  11  íi  3 ;  —  Esq.  geneal.  11. 

'  Not.  geneal.  II,  11  a  4;  —  Esq.  geneal.  II.  —  Poderá  alguém  supor  que  é  de- 
vido a  equívoco  o  mencionarem-se  aqui  dois  sacerdotes  conterrâneos,  coevos,  e 
homónimos,  o  padre  Simão  Madeira,  ermitão,  e  o  padre  Simão  Madeira,  benefi- 
ciado. Não  é  assim.  Sam  dois  clérigos  distintos,  mas  parentes,  como  pode  veri- 
ficar-se  nas  Notas  genealógicas,  locc.  citt.  E  se  alguma  dúvida  subsistisse,  ela 
desapareceria  em  face  do  assento  de  casamento  de  Francisco  Dias  da  Costa  com 
Maria  de  Mesquita,  a  quem  adeante  me  refiro,  realizado  em  Avô  a  3o  out.  1623. 
Neste  assento  figura  como  dando  as  bênçãos  nupciais  o  padre  Simão  Madeira  er- 
mitão de  N.  Senhora  do  Mosteiro,  e  na  lista  das  testemunhas  que  assistiram  ao 
acto  encontra-se  o  padre  Simão  Madeira  beneficiado,  e  um  leigo  também  chamado 
Simão  Madeira,  que  provavelmente  é  o  Simão  Madeira  da  Costa,  irmão  do  nubente. 
No  assento  de  outro  casamento,  a  g  fev.  1625,  mencionam-se  como  testemunhas 
os  dois  padres  homónimos.  Também  encontramos  nos  primeiros  anos  do  sé- 
culo xvn  a  paroquiar  S.  Sebastião  da  Feira,  vila  limítrofe  de  Avô,  um  prior  cha- 
mado Simão  Madeira;  mas  certamente  não  era  nenhum  dos  dois  mencionados,  os 
quais,  como  vimos,  ocupavam  mais  tarde  logares  bastante  modestos  ;  e  não  era 
verosímil  que,  para  os  servir,  algum  deles  abandonasse  o  priorado  da  Feira,  que  era 
muito  honroso  e  bastante  pingue. 

*  Escrivão  no  processo  para  a  ordenação  de  menores  de  António  Simões, 
estudante  canonista,  o  qual  processo  correu  em  Avô,  a  8  dez.  1620.  (C.E.). 

5  Not.  geneal.  II,  iii  c  ad  fin. 


^rás  Garcia  de  (^Mascarenhas 


casara  muito  romanescamente  com  D.  Maria  Manuela,  oriunda  de 
Buarcos,  era  chefe  dest'outra  família,  com  a  qual  intimamente  convi- 
veria o  poeta.  Tinha  o  casal  um  filho  e  quatro  filhas,  uma  das  quais, 
de  nome  Isabel   Garcia,  poucos  meses  antes   do  regresso  de  Brás, 


a^ 


Final  dum  instrumento  de  posse  lavrado  pelo  tabelião  de  Avô  Felipe  Madeira  I. 

contraíra  matrimónio   em  Avô  com  António  Madeira "-,   de   alcunha 
«o  Mata^»,  de  quem  houve  geração. 


'  Posse  do  património  para  a  ordenação  de  Miguel  Fernandes,  a  3  dez.  i6o5. 
(CE.).  —  Como  testemunha,  tambGm  firma  este  documento  um  outro  parente  de 
Brás,  Felipe  Monteiro,  de  quem  falamos  na  pag.  seguinte. 

^  Not.  geneal.  II,  iii  c  ad  fin. 

5  O  uso  das  alcunhas  era  freqiientíssimo,  sem  que  envolvesse  sentido  depri- 
mente ou  ofensivo.  Era  o  meio  de  distinguir  uns  dos  outros  vários  indivíduos  que 
usavam  o  mesmo  nome,  o  que  se  dava  freqi!ientemente  em  terras  onde  havia 
muitas  famílias  aparentadas,  e  era  moda  não  se  usar  mais  de  um  apelido.  Quando 
esses  indivíduos  homónimos  eram  pai  e  filho,  geralmente  distinguiam-se  acrescen- 
tando-lhes  ao  apelido  as  designações  '<o  Velho»  e  «o  Moço»  ;  quando  porem  não 
eram,  apunham-se-lhes  alcunhas  alusivas  ao  sítio  onde  moravam,  à  terra  donde 
eram  oriundos,  a  qualquer  feição  ou  sinal  fisionómico,  ou  a  alguma  outra  particu- 
laridade pessoal,  etc,  e  essas  alcunhas  entravam  no  tratamento  usual,  como  se  fos- 
sem realmente  apelidos. 


Cap.  V — O  poeta-fidalgo  de  qAi>ô  '  121 

Outro  irmão  de  Helena  Madeira,  o  tio  João  Madeira,  era  casado 
com  Joana  Garcia  Antunes,  irmã  de  Marcos,  e  já  a  êles  fizemos  refe- 
rência. 

Era  irmão  destes  dois  tios  maternos  Filipe  Madeira  ',  que  Brás 
Garcia,  ao  partir  para  o  Brasil,  deixara  vivo,  exercendo  o  seu  cargo 
de  tabelião  do  público  e  judicial.  Falecera  poucos  anos  depois,  cm 
1023;  mas  a  família  estava  representada  em  Avô  pela  viúva,  Eufemia 
Pais  de  Mesquita,  oriunda  de  estirpe  nobre  de  Viseu,  e  por  vários 
filhos  e  uma  filha  que  lhe  ficaram.  Um  deles,  o  primo  Luís  de  Fi- 
gueiredo, acompanhara  o  poeta  na  sua  ida  para  o  Brasil,  e  mou- 
rejara por  lá  com  êle  durante  anos  de  exílio,  regressando  à  pátria 
em  1628,  como  fica  dito  no  capitulo  antecedente.  Brás,  ao  chegar  a 
Avô,  encontrou-o  já  casado,  e  bailando  nos  braços  o  seu  primeiro 
filho,  o  Manuelzito,  criança  de  perto  de  um  ano.  —  Maria  de  Mes- 
quita, irmã  de  Luís  de  Figueiredo,  a  gentil  priminha  que  o  poeta 
deixara  adolescente  de  doze  anos,  casara  quatro  anos  depois  com  o 
seu  parente  Francisco  Dias  da  Costa '^,  irmão  da  nossa  já  muito  co- 
nhecida D.  Maria  Madeira  da  Costa,  t^nviilivou  cedo,  e  em  seguida, 
tendo  21  para  22  anos,  casou  em  segundas  núpcias  com  João  Gomes 
Botelho,  cavalheiro  de  boa  família  do  Couto  de  Vacariça,  o  qual  veio 
residir  para  casa  de  sua  mulher.  Das  duas  filhas  que  a  esta  ficaram 
do  primeiro  matrimónio,  e  dos  oito  que  teve  do  segundo,  proveio 
larga  descendência,  que  se  enlaçou  com  muitas  famílias  nobres  do 
país,  especialmente  da  província  da  Beira,  dando  origem  a  alguns 
varões  notáveis,  de  que  reza  a  história.  A  chegada  do  nosso  poeta 
havia    na    casa    três  ^_^ 

meninas  :     Susana    e  ^^■-^"'^^^  ^^  ,— — 

Águeda  filhas  do  pri-     /^^    -^V^  <^^ o^>t^ /^^^^^^ 
meiro  marido,  e  Ma-    ^  —  ^^ÍÉf^^^^        '^^^ 

ria  do  segundo.  ^^^ 

■  Assinatura  de  Joio  Gomes  Botelho-*. 

Parente  um  pouco 
mais  afastado,  mas  da  mesma  geração,  era  Felipe  Monteiro  *,  casado 
com  Águeda  Nunes.     Esta   família  vivia  bem,   era  considerada  na 
terra,  e  não  deixaria   de   manter   relações    de    familiaridade  com  o 


'  A'o/.  geneal.  II,  iii  c  4,  e  iv  c";  —  Esq.  geneal.  II,  d. 

*  Not.  geneal.  III,  u  5  ;  —  Esq.  geneal.  II  a. 

'  Testemunha,  com  cerca  de  8ij  anos,  no  processo  para  a  ordenação  de  meno- 
res de  Pedro  Francisco  de  Abreu,  em  Avô  a  20  fev.  1600  (C.E.). 

*  Not.  geneal.  II,  ih  b  4;  — Esq.  geneal.  II,  c 


122  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

poeta.  Tinha  este  Felipe  Monteiro  uma  irmã,  chamada  Maria  Já- 
come  •,  que  de  seu  marido  António  Simões  houvera  duas  filhas : 
uma,  Isabel  Nunes  de  Mendonça  -,  era  ao  tempo  viúva  de  Simão 
Madeira  da  Costa,  de  quem  vamos  ocupar-nos  em  breve  ;  a  outra, 
Helena  Nunes  ^,  casara  havia  pouco  com  o  licenciado  António  Simões, 
que  pela  sua  cultura  literária  devia  ter  particulares  afinidades  com  Brás. 
Na  presente  enumeração  deixei  propositadamente  para  o  fim  a 
família  de  Gaspar  Dias  da  Costa  ^,  padrinho  de  Brás,  e  que  fora  uma 
das  pessoas  de  mais  consideração  da  vila,  onde  exerceu  as  funções 

Começo  dum  depoimento  de  Gaspar  Dias  da  Costa,  escrito  pelo  licenciado  António  Dias, 
escrivão  no  processo  ã. 

de  capitão-mór.  Sobre  ser  um  rico  proprietário,  também  auferia  ren- 
dimentos do  comércio.  A  chegada  do  poeta  já  ele  tinha  falecido. 
Vejamos  o  que  era  feito  dos  seus  oito  filhos : 

—  i."  Manuel  Dias  da  Costa '^  ainda  vivia  em  1624  em  que  apa- 
rece o  seu  nome  no  registo  paroquial  de  Anceriz,  indicado  ao  lado 
do  de  sua  irmã  D.  Maria  Madeira,  como  padrinhos  dum  sobrinho^; 
mas  nenhuma  outra  referência  se  me  deparou  a  ele,  ignorando  por 
isso  o  destino  que  teve. 

—  2."  Gaspar  Dias  da  Costa,  o  Moço*,  imediato  na  idade,  casara 
com  Maria  Nunes  de  Abreu,  da  vezinha  fi-eguesia  de  Vila-Pouca,  para 
onde  fora  residir;  mas,  enviuvando  pouco  depois,  casou  em  segundas 
núpcias  com  Maria  Garcia  de  Sequeira,  da  Bobadela.  De  entre  os 
seus  numerosos  filhos,  uma  menina  chamada  Maria  Madeira  casou 
em  Avô  em  i63o  com  Matias  Fernandes,  e  ali  ficou  morando. 


1  Not.  geneal.  II,  iv  í> ;  —  Esq.  gemai.  II,  c.  —  -  Ibid.  —  '  Ibid.  —  *  Noí.  geneal. 
Ill,  11;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

5  Processo  de  inquirição  de  genere,  iiita  et  moribus  para  a  ordenação  de  An- 
tónio Fernandes,  de  Avô,  a  9  dez.  1624,  sendo  juiz  inquiridor  o  padre  Inácio  Ro- 
drigues, e  escrivão  o  vigário  licenciado  António  Dias  (C.E.).  Sobre  a  identidade 
deste  Gaspar  Dias  nenhuma  dúvida  pode  surgir.  A  idade  que  declara  ter,  70  anos, 
é  aproximadamente  a  que  então  tinha  Gaspar  Dias  da  Costa,  pai  de  D.  Maria  Ma- 
deira da  Costa  e  padrinho  de  Brás  (vid.  Not.  geneal.  Ill,  i),  e  a  assinatura  que  firma 
o  depoimento  é  inconfundivelmente  a  sua,  que  já  publicámos  na  p.  22. 

^  Not.  geneal.  III,  11  i;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

"  Vid.  nota  4  à  pag.  124.  — '  Not.  geneal.  III,  11  2;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 


Assinatura  de  Simão  Madeira  da  Costa 3. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  1 23 

—  3."  Seguia-se  na  ordem  cronológica  Simão  Madeira  da  Costa  ', 
que  foi  juiz  dos  órfãos,  e  casou  com  sua  prima  Isabel  Nunes  de  Men- 
donça. Já  tinha  falecido  quando  Brás  regressou,  mas  vivia  em  Avô 
a  viúva  com  seus  dois  filhos  e  duas  filhas.  Uma  destas,  D.  Teodora 
Madeira  da  Costa-,  casara  al- 
guns meses  antes,  em  junho  de 
i632,  tendo  apenas  quatorzc 
anos,  com  António  da  Costa,  de 
Oliveira  do  Hospital,  que  viera 
habitar  para  casa  de  sua  molher, 
e  teve  larga  descendência,  na 
qual  se  contam  homens  muito 
notáveis  na  magistratura  judicial  do  continente  e  do  ultramar,  e  nos 
altos  cargos  da  igreja;  de  um  dos  ramos  desta  família  provêem  os 
da  casa  das  Obras,  de  Seia.  A  filha  mais  nova,  D.  Maria  Jácome  de 
Mendonça*,  era  ao  tempo  uma  criança,  que  ainda  não  atingira  os 
dez  anos;  e  veio  mais  tarde  a  ser  causa  ocasional  de  gravíssimos 
desgostos  para  Brás  Garcia,  pelo  casamento  que  este  lhe  arranjou, 
e  de  que  provieram  grossas  desavenças,  como  a  seu  tempo  veremos. 

—  4.°  A  nossa  conhecida  D.  Maria  Madeira  da  Costa  ^  lá  vivia  na 
casa   de  seus  pais,    em  companhia   de   seu  marido  João  Manuel  da 

Fonseca,  tendo  consigo  cinco  fi- 
lhos, quatro  meninas  e  um  rapaz- 
Já  lhe  tinha  falecido  uma  crian- 
cinha, mas  em  compensação  ainda 
viriam  mais  duas,  uma  de  cada 

Assinatura  de  João  Manuel  da  Fonseca 6.  SeXO,     Completar     a     família.      A 

mais  velha  do  rancho  era  ao 
tempo  uma  formosa  joven  loura  de  14  anos,  D.  Maria  da  Costa,  que  es- 
tava destinada  a  desempenhar  um  papel  importante  na  vida  do  poeta. 


'  Ibid.  — A^oí.  geneal.  III,  11  3,  e  m  íi;— II,  iv  b  5;  — Esq.  geneal.  II,  a  e  c. 

2  Not.  geneal.  III,  iii  az;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

'  Testemunha  no  processo  para  a  ordenação  de  presbítero  de  Roque  Dias  de 
Matos,  a  18  fev.  1619,  processo  que  correu  na  ermida  de  Santo  Antão,  no  adro  da 
igreja  paroquial  de  Avô  (CE.). 

♦  Not.  geneal.  III,  iii  ít  4;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

5  Not.  geneal.  III,  11  4,  e  111  è ;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

s  Em  um  despacho  que  lavrou  como  juiz  ordinário  de  Avô,  mandando  passar 
certidão  de  folha  corrida  para  a  ordenação  de  menores  de  António  Rodrigues,  a  G 
dez.  i65o. 


124 


'Brás  Garcia  de  oMascaren/ias 


^fí^ãJÁ^Á^^ 


—  5."  Vinha  em  seguida  I"rancisco  Dias  da  Costa',  que,  depois 
de  pouco  tempo  casado  com  a  prima  D.  Maria  de  Mesquita,  falecera, 
deixando-lhe  duas  filhas,  como  acima  fica  dito. 

6."  D.   Cecília  Madeira  da  Costa  2,   a  antiga  namorada  de  Brás, 

vivia  com  seu 
marido  em  An- 
ceriz,  já  sobre- 
carregada com 
quatro  filhos;  e 
ainda  tinha  ape- 
nas meio  per- 
corrida a  es- 
trada   da    ma- 

Assinalura  de  Francisco  Dias  da  Costas.  temiflaCle.     i  a- 

rece  que  viviam 
felizes  c  satisfeitos,  bendizendo  a  sua  união,  e  assim  se  explica  o  es- 
colherem para  madrinha  de  quási  todos  os  filhos  a  irmã  e  cunhada 
D.  Maria  Madeira  da  Costa,  que  fora  a  sua  casamenteira  ^. 

— ■  7.°  António  Madeira  da  Costa  ^  casara  em  Vila-Cova-sob-Avô 
com  sua  segunda  prima  D.  Maria  de  Brito  Barreto.  Residia  em  Po- 
mares administrando   o  vínculo  que  herdara  de  seu  pai,   e  havia   de 


1   'Not.  geneal.  III,  11  5;  —  II,  iii  c  4,  e  iv  c";  — Esq.  geneal.  II,  a. 

í  Not  geneal.  III,  n  6 ;  —  Esq.  geneal.  II,  a. 

'  Na  certidão  de  folha  corrida  que  passou,  na  sua  qualidade  de  tabelião  do  pú- 
blico e  judicial  de  Avô,  37  set.  1625,  para  a  ordenação  de  menores  dePantaleão  Garcia. 

*  Eis  a  nota  completa  dos  filhos  de  Cecília  Madeira  da  Costa,  de  Avô,  c.  c. 
Aleixo  Afonso,  de  Anceriz,  colhida  do  Registo  paroquial  desta  última  freguesia  : 

— a)  Manuel,  baptizado  a  i5  set.  1624,  sendo  padrinhos  Manuel  Dias  e  D.  Maria 
Madeira,  tios  do  baptizado  ; 

—  b)  Gaspar,  b.  29  out.  1626,  padrinhos  ?; 

—  c)  Maria,  b.  6  fev.  1629,  padrinhos  António  Nunes  e  D.  Maria  Madeira; 

■ — d)  Isabel,  b.  27  abr.  i63i,  padrinhos  António  Nunes  e  a  mulher  de  Gaspar  Dias 
de  Vila-Pouca  (este  era  tio  materno  do  neófito,  e  a  madrinha  chamava-se  Maria 
Nunes  de  Abreu,  como  se  diz  na  página  122) ; 

—  e)  Bento,  b.  17  mar.  i635,  padrinhos  Manuel  Nunes  prior  de  Vila-Cova,  e  D. 
Maria  Madeira. 

— /)  Felipe,  b.  7  mai.  1637,  padrinhos  Gaspar  Dias  e  D.  Maria  Madeira,  tios  do 
baptizado; 

— g)  Aleixo,  b.  6  abr.  1640,  padrinhos  Marcos  de  Figueiredo,  de  Vila-Cova,  e  D. 
Maria  Madeira; 

—  h)  Ana,  b.  19  nov.  1643,  padrinhos  Manuel  Roque  e  sua  mãe  Ana  Afonso. 
'•'  Not.  geneal.  III,  11  7,  e  iii  c\  —  II,  11  it  2 ;  —  Esq.  geneal.  II,  a  e  b. 


Cap.  V — O  poeta-fidalgo  de  QÃvô  12S 

ser  mais  tarde  um  dos  primeiros  bravos  que,  acudindo  ao  chama- 
mento de  Brás  Garcia,  correria  sob  o  comando  deste  a  defender  a 
pátria  na  guerra  da  restauração.  Mas  não  adiantemos  os  sucessos. 
Quando  o  poeta  regressou  da  América,  já  tinha  um  ano  o  filho  único 
que  nasceu  deste  casal,  c  que  se  chamou  Manuel  de  Brito  Barreto,  o 
qual  veio  a  ser  capitSo-mor  de  Avô,  e  tronco  duma  descendência 
brilhante.  Ao  filho  mais  velho  de  Manuel  de  Brito,  que  se  chamou 
Bento  Madeira  de  Castro,  devemos  nós  o  altíssimo  serviço  de  salvar 
do  desaparecimento  o  único  poema  que  nos  resta  de  Brás  Garcia  de 
Mascarenhas,  e  que  êle  publicou.  Esta  descendência  enlaçou-se  com 
muitas  famílias  nobres  do  país,  especialmente  da  Beira  e  de  Entrc- 
Douro-e-Minho.  E  hoje  representado  o  seu  ramo  principal  pela  se- 
nhora D.  Maria  Manuela  de  Brito  e  Castro,  marquesa  de  Pomares, 
terceira  neta  de  Bento  Madeira  de  Castro  *,  e  dama  que  ocupa  lugar 
mui  distinto  no  nosso  meio  literário. 

—  8."  João  Madeira  da  Costa-,  o  mais  novo  dos  irmãos,  aparece- 
nos  a  habilitar-se  em  lõiB  para  a  recepção  de  ordens  menores,  mas 
depois  eclipsa-se,  c  dele  não  temos  mais  notícias. 


Não  estava  porém  limitada  a  estes  parentes  a  roda  de  pessoas 
cora  quem  Brás  Garcia  conviveu  em  Avô.  Outras  havia  em  seme- 
lhantes condições  sociais,  que  naquele  meio  pequeno  não  deixariam 
de  manter  relações  de  intimidade  com  o  poeta. 

Em  primeiro  lugar  devo  mencionar  o  velho  licenciado  António 
Dias ',  que  era  sem  dúvida  a  pessoa  mais  ilustrada  da  terra,  e  com 
quem  o  nosso  poeta,  que  probabilissimamente  havia  sido  seu  discípulo 
na  juventude,  se  deliciaria  em  conversas  eruditas  e  literárias  sobre  as- 
suntos clássicos  e  humanistas,  tam  apreciados  de  um  e  de  outro. 
Esta  convivência  porem  não  duraria  muito;  de  i633  em  diante  não 
mais  aparecem  nos  registos  e  processos  referências  ao  velho  sacer- 
dote, e  em  i636  depara-se-nos  o  sobrinho,  padre  Roque  Dias  de 
Matos,  provido  no  benefício  do  tio,  passando  de  cura  a  vigário,  o 
que  nos  faz  admitir  como  provável  a  hipótese  de  que  o  licenciado 
era  falecido  neste  último  ano. 


'  Not.  geneal.  III,  iii  c,  e  vm  c  2;  —  Esq.  geneal.  II,  b  e  b  a.  —  ^  Nol.  geneal. 
III,  II  8. 

'  Deste  eclesiástico  ficam  publicados  alguns  autógrafos  a  pp.  14,  i5,  21  e  122. 


120 


liras  Garcia  de  <£\íascarenhas 


O  sobrinho,  seu  homónimo,  também  licenciado,  que  por  vezes  o 
substituía  na  administração  dos  sacramentos  e  restante  serviço  paro- 
quial *,  não  vivia  já  em 
Avô,    ao    que    parece, 
Cy  t^^       porque   nenhuns  vesti- 

^  y    .      gios  dele  aparecem  de- 

pois do  primeiro  quar- 
tel  do  século.  Mas  em 
compensação  lá  viviam  os  irmãos  deste,  amigos  de  infância  de  Brás. 
Entre  eles  especializarei  três  ^,  um  pouco  mais  velhos  do  que  o 
poeta :  —  Miguel  Nunes  de  Matos, 
casado  havia  três  anos,  Pedro 
Matos,  que  actualmente  exercia 
cargo  de  juiz  ordinário  da  vila  e  seu 
termo,  e  o  padre  Roque  Dias  de 
Matos,  a  quem  acabamos  de  aludir,  ^   d   d     .  n;     -i.  m„„c4 

'  T  '  Assinatura  do  P.e  Roque  Dias  de  Matos'*. 

todos    eles   pessoas  muito    em   evi- 
dência pelo  seu  feitio  prestimoso,  e  que  aparecem  a  cada  passo  nos 

processos  e  registos  da  época. 
*  ^  Também  se  salientava  na  sociedade 

^     avoense  Gaspar    da  Silva,   que   viera 
'Ttr-fff,     ^       para  a  vila,    havia  os  seus   dez  anos 
)vyiO  \3l^^\)      pouco  mais  ou  menos,  exercer  o  ofício 
de    tabelião   do   público   e   judicial,  e 
ali  casara  a  3   de  novembro  de  i623. 
Ainda  viviam  o  padre  António  Ro- 
drigues, antigo  ecónomo  da  colegiada 
de  Nossa  Senhora  da  Assunção,  e  o 
padre   Inácio   Rodrigues,  que  deixara 
de  ser  cura  da  freguesia;  e  por  lá  estavam  frequentemente,  em  casa 


atos, 

i/o      ^^^rf^V^Í^ 


Assinatura  do  P.e  António  Rodrigue 


1  O  próprio  registo  paroquial  era  por  cie  feito  algumas  vezes.  Sirva  de  exem- 
plo um  assento,  que  principia  assim :  — A  ■2g  de  Junho  (õitj)  bapti^iei  cu  o  l.<io  An- 
tónio diaj  cõ  li"  do  /.''o  Ani.P  dia^  iiig.™  etc. 

2  Testemunha  no  processo  para  ordenação  de  menores  de  João  Madeira,  a  29 
maio  164S  (C.E.). 

3  Veja-se  o  que  fica  dito  na  p.  25,  nota. 

*  Juiz  inquiridor  no  processo  de  habilitação  para  menores  de  António  Ribeiro, 
a  14  jan.  1648  (C.E.I. 

5  Escrivão  no  processo  para  ordenação  de  presbítero  de  Roque  Dias  de  Matos, 
a  i8fev.  1Ó19  (CE.). 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò 


12^ 


de  D,  Maria  Madeira  da  Costa,   os  dois  padres  Caramelos,  João   e 
Bernardo,  próximos  parentes  do  marido  desta  dama. 


Assinatura  do  P.'  Inácio  Rodrigues  '. 

Aqui  temos  as  pessoas  principais  que  formavam  o  meio  social  em 


Assinatura  do  V."  João  Caramelo  i. 


que  viveu  intimamente  o   nosso  poeta   depois  do   seu   regresso   do 
Brasil,  e  no  qual  se  desenrolaram  os  sucessos  que  passamos  a  narrar. 


Instalado  na  casa  paterna,  cercado  de  abundância,  brilho  e  fausto, 
não  faltaria  a  Brás  Garcia  quem  procurasse  apròximar-se  dele,  quem 
o  lisongeasse  e  aplaudisse.     Que  é  esta  a  condição  humana, 

que  hé  do  mundo  estilo, 

Muytos  Amigos  nas  prosperidades, 
Poucos,  ou  nenhuns  nas  adversidades  '. 

Fora  educado  na  escola  dos  trabalhos  e  contra-tempos,  passando 
largos  anos  envolto  em  infelicidades,  sobresaltos  e  desgostos;  melhor 
apreciava  por  isso  agora  a  tranquila  e  plácida  felicidade  fruída  junto 
de  seus  pais  que  muito  o  amavam,  cercado  dos  irmãos  que  o  estre- 
meciam  e  de  amigos  que   o  admiravam.     Sem  ter  experimentado  a 


*  Juiz  inquiridor  na  habilitação  para  presbítero  de  António  Fernandes,  a  8  dez. 
1624  (CE.). 

^  Testemunha  no  citado  processo  para  presbítero  de  Roque  Dias  de  Matos 
(CE.). 

3  F.  r.,  XI,  iiG. 


128  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

adversidade,  ninguém   é  capaz  de  apreciar  devidamente   a  prosperi- 
dade.    Ouçamos  o  próprio  poeta : 

Não  se  pode  chamar  prosperidade, 

A  que  de  antes  não  hè  purificada 

No  fogo  de  qualquer  adversidade, 

Com  que  fique  depois  mais  realçada ; 

Que  a  cousa,  que  com  mais  difficuldade 

Foy  adquirida,  sempre  he  mais  prezada : 

Nenhúa  muyto  fácil  se  sublima. 

Que  o  que  pouco  custou,  pouco  se  estima '. 

Agora,  depois  de  tão  longa  e  trabalhosa  ausência,  tendo  regressado 
à  pátria  querida,  bem  podia  dizer  a  seus  patrícios  as  palavras  que  pôs 
na  boca  de  Viriato,  a  falar  com  os  pastores,  seus  antigos  compa- 
nheiros : 

Sabey  que  não  sabeis  o  bem,  que  encerra 

A  vida,  que  gozais  tão  repousada  : 

Não  ha  repouso  fora  desta  Serra, 

Só  nella  vive  a  paz  tão  desejada-; 

e  traduzindo  os  sentimentos  que  lhe  iam  na  alma,  e  aludindo  à  rapi- 
dez e  brevidade  com  que  decorrem  os  dias  felizes,  podia  concluir: 

Aqui  deyxey  descansos,  &  alegrias, 
Aqui  os  venho  buscar  por  breves  dias. 

Acompanhay-me  na  prosperidade, 
Em  que  augmentar  a  vossos  bens  prometto, 
Que  quem  nella  se  esquece  da  amizade. 
Que  teve,  antes  de  a  ter,  não  hé  discreto  '. 


Depois  de  assentar  a  sua  residência  em  Avô,  o  poeta  não  retar- 
daria as  visitas  aos  lugares  que  frequentara  na  juventude,  às  po- 
voações onde  viviam  parentes  e  amigos  de  infância,  renovando  re- 
cordações queridas,  e  apagando  saudades.  ;  E  que  diferenças  não 
encontraria  êle  na  situação  em  que  vinha  achar  alguns  desses 
amigos,   e   até    alguns    parentes,   confrontando-a  com   a   que    tinham 


1  V.  T.  XI,  6.  —  -'  V.  T.  XI,  i8.  —  3  V.T.  xt. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  QÃvò  i2g 

quando  os  deixara!  Nove  anos  não  passam  debalde.  Alguns  que 
viviam  em  relativa  abundância,  estimados  e  queridos,  encontrava-os 
agora  decaídos  na  pobreza,  abandonados  e  desprezados  de  quem 
anteriormente  os  festejava ;  outros,  que  viviam  parcamente,  haviam 
sido  guindados  a  esferas  superiores,  e  já  se  não  dignavam  de  ombrear 
com  quem  os  estimara  e  protegera. 

Bem  dolorosa  impressão  devia  isto  ter  causado  ao  nosso  poeta, 
impressão  que  se  lhe  vincou  profundamente  no  espirito  generoso  e 
bom ;  decorridos  anos,  escrevia  êle,  talhando  certamente  carapuças 
para  determinadas  cabeças : 

Que  entre  Balaro,  &  Lusarco  avia 
Parentesco  de  que  ambos  se  prezavão, 
Que  inda  então  não  sabia  rico,  ou  nobre 
Desprezar  o  parente  humilde,  ou  pobre. 

O  de  alguns  homens  de  hoje  caprichoso 
E  néscio  presumir,  bayxa  altiveza 
Se  lhe  pôde  chamar,  que  no  pomposo 
Crescimento,  do  sangue  se  despreza. 
Homem  que  te  viste  hontem  vergonhoso, 
E  que  hoje  te  ves  cheyo  de  riqueza, 
Não  negues,  não,  teu  sangue,  que  declaras 
Que  se  o  tiveras  bom,  o  não  negaras. 

Muy  bem  representais  Oppositores, 
Méritos,  submissões,  necessidades, 
Mas  não  tendes  que  ver  com  Pretensores 
De  officios,  benefficios,  dignidades  ; 
Amigos  chamão  huns,  outros  Senhores, 
Tudo  parentes  saõ,  tudo  amizades, 
Tudo  promessas,  &  encarecimentos, 
Que  custão  pouco  muytos  comprimentos. 

Chegado  cada  qual  ao  que  deseja, 
Se  nobre  hé,  procede  como  nobre, 
Se  vil,  quem  o  ajudou  mais  o  não  veja, 
Que  em  rico  não  quer  ver  quem  o  vio  pobre  : 
Pobre  não  hà  quem  seu  parente  seja, 
Nem  se  acha  Amigo,  que  à  rezão  o  dobre, 
Filho  se  faz  da  Lua,  &  do  Sol  neto, 
Todos  são  néscios,  &  elle  só  discreto '. 


1  V.  T.  VIU,  I02-I05. 


i3o  ^rás  Garcia  de  Mascarenhas 


A  parentela  de  Brás  Garcia  já  então  se  tinha  alastrado  largannente 
por  toda  a  Beira.  Restringindo-nos  à  família  paterna,  encontramos 
parentes  próximos  dele  no  próprio  vale  do  Alva,  muito  a  montante 
de  Avô,  já  próximo  do  sopé  da  serra  da  Estrela,  na  vila  de  Sandomil, 
onde,  alem  de  outros  parentes  ',  vivia  seu  primo  Sebastião  Garcia, 
que  disfrutava  ali  um  importante  vínculo,  de  que  ele  era  o  i."  admi- 
nistrador'*. 

Trepando  a  encosta  que  a  N.  fecha  a  bacia  de  Avô,  lá  quási  ao 
cimo,  está  Vila-Pouca,  onde  tinha  um  viveiro  de  parentes,  prole  de 
Domingas  Marques,  prima  co-irmã  de  seu  pai,  os  quais  começavam 
então  a  debandar,  levando  o  sangue  dos  Garcias  de  Mascarenhas  a 
várias  casas  nobres  da  Beira  ^. 

Continuando  a  excursão,  e  percorrendo  toda  essa  região  vastís- 
sima que  se  estende  da  serra  da  Estrela  à  do  Caramulo,  da  da  Louzá 
à  da  Lapa,  encontrava  ali  o  poeta  bastantes  dezenas  de  parentes,  netos 
e  bisnetos  de  seu  bisavô  Marcos  Garcia,  de  Folhadosa,  espalhados 
por  essas  vilas  e  aldeias  fora,  por  Galizes  *,  Sinde  ^,  Tábua*  e  Bar- 
rosa^, por  Covas ^,  Oliveirinha^,  Bobadela'**,  Oliveira  do  Hospital'', 
Lageosa  ''^  e  Lagares  '',  por  Várzea  de  Meruge  '^,  Folhadosa  e  Tor- 
rosêlo,  S.  Romão  '^,  Sameice  '*,  Tourais  *^,  Pinhanços  '^  e  Gouveia  ". 


1  Not.  geneal.  I,  ii  6  e  7,  —  m  é  5  e  G ;  —  Esq.  geneal.  I,  8,  9,  i5  e  iG. 

2  Not.  geneal.  I,  v  è";  —  Esq  geneal.  I,  c  2. 

5  Not.  geneal.  I,  111  á  3  ;  —  Esq.  geneal.  I,  41. 
*  Not.  geneal.  I,  iii  c  3  ;  —  Esq.  geneal.  I,  2  2. 

^  Not.  geneal.  I,  iii  c  4,  ■ —  iv  i  4 ;  —  Esq.  geneal.  I,  23,  —  f  5. 

6  Not.  geneal.  I,  iv  c'  3  ;  —  Esq.  geneal.  I,  d  4. 

'  Not.  geneal.  I,  iii  c  6  e  10,  —  iv  c' ;  —  Esq.  geneal.  I,  25  e  29. 

8  Not.  geneal.  I,  iv  i  i ;  —  Esq.  geneal.  I,  p  2. 

9  Not.  geneal.  I,  iii  c  2  ;  —  Esq.  geneal.  I,  2 1 . 

>"  Not.  geneal.  I,  iii  c  8,  —  iii  d;  —  Esq.  geneal.  I,  7  e  27. 

n  Not.  geneal.  I.  iii  í  5  ;  —  Esq.  geneal.  I,  36. 

'2  Not.  geneal.  I,  lu  è  4 ;  —  Esq.  geneal.  I,  14. 

'3  Not.  geneal.  I,  v  6' ;  —  Esq.  geneal.  I,  b  2. 

'■*  Not.  geneal.  I,  iii  è  7  ;  —  Esq.  geneal.  I,  17. 

'5  Not.  geneal.  I,  iii  è  8 ;  —  Esq.  geneal.  I,  1 8. 

'6  Not.  geneal.  \,i\  d\  —  Esq.  geneal.  I,  f  i. 

"  Not.  geneal.  I,  v  í7""  ;  —  Esq.  geneal.  I,  a  10. 

18  Not.  geneal.  I,  iii  c  i ;  —  Esq.  geneal.  I,  20. 

19  Not.  geneal.  I,  iv  í' ;  —  Esq.  geneal,  I,  i3. 


menta  <íaBeircM  ? 


''^-'^o^/e.c/eA"^'"^"V 


1  Mortágua     q^  y^'    "" ^  .,>-      ^ 


Ejca.lQ.      1: 750.00  0 


(Pag.  i3o) 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgu  de  oAvò  i3  r 

Especialmente  em  Folhadosa  e  Torrosêlo,  onde  \ivera  e  morrera 
o  patriarca  desta  numerosa  família,  é  que  residia  agora  o  principal 
núcleo  dos  Garcias  de  Mascarenhas,  como  em  volta  do  cepo  de  ve- 
tusta árvore  se  acostam  e  florescem  em  denso  \i\eiro  as  novas 
plantas  que,  filhas  daquela,  ali  se  enraizaram. 

Lá  vivia  em  Folhadosa,  entre  outros  parentes,  António  Garcia, 
filho  de  Marcos  Garcia  e  de  Elena  Esteves  do  Ervedal,  e  neto  do 
velho  Marcos  Garcia  de  Mascarenhas  e  de  Brites  Marques.  Casara 
com  sua  prima  Ana  Marques,  de  Torrosêlo,  que  na  época  da  chegada 
de  Brás  já  ha\ia  tido  seis  filhos,  cinco  dos  quais  eram  vivos;  e  ainda 
vieram  depois  aumentar  a  família  mais  dois,  o  PVancisco  e  o  Simão. 
Passando  em  silêncio  os  mais  velhos,  de  quem  descendem  os  actuais 
representantes  de  algumas  famílias  distintas  da  Beira  ',  notarei  que 
Francisco  Garcia  de  Mascarenhas,  nascido  poucos  meses  depois  do 
regresso  de  seu  primo  Brás  Garcia,  veio  a  casar  aos  40  anos  de  idade, 
a  10  de  outubro  de  1678,  com  D.  Maria  Coelho  de  Sousa,  de  Seia  ^, 
e  fundou  o  importante  vínculo  de  Folhadosa,  cujos  bens  hoje  perten- 
cem ao  senhor  António  Vieira  de  Tovar  de  Magalhães  e  Albuquerque 
(Molelos),  ()."  neto  por  varonia  de  Francisco  Garcia  de  Mascarenhas, 
de  quem  descende  também,  mas  por  linha  feminina,  o  compilador 
destas  noticias.  O  mais  novo  dos  irmãos  era  o  Dr.  Simão  Garcia 
de  Mascarenhas,  que  foi  casar  a  Tourais  com  D.  Catarina  Garcia ; 
deste  casal  descendem  os  Albuquerques  das  casas  do  Barril,  de  Frei- 
nêda,  do  Arco  (Viseu)  e  das  Obras  (Seia),  etc.  •*. 

Em  Torrosêlo  avultava  a  família  de  Brites  Marques,  tia-avó  de 
Brás  Garcia,  que  ali  casara  com  Domingos  Afonso,  e  procreara 
numerosa  prole,  da  qual  ainda  viviam  em  Torrosêlo,  com  as  suas 
respectivas  famílias,  João  Marques,  cuja  filha  Ana  casou  em  Folha- 
dosa com  António  Garcia  de  quem  acabamos  de  falar,  e  António 
Marques,  que  contraíra  matrimonio  com  uma  parenta  de  Folhadosa. 
As  filhas  de  Brites  Marques,  essas  )á  haviam  abalado  para  diversas 
terras  a  constituir  novas  famílias:  Isabel  Garcia  para  Gouveia,  Clara 
Garcia  para  a  Lageosa,  Catarina  João  e  Maria  João  para  Sandomil, 


'  Not.  geneal.  I,  iv  i7  —  v  <7'  a  x  a"  —  v  a"  —  vi  a'\  a  xii  a"^  —  vi  a'\^  a  xii  ít",,  ; 
—  Esq.  geneal.  I,  a,  aj,  e  m. 

*  CS.  —  Registo  paroquial  de  Seia,  1.  i,  cad.  3,  li.  70  v.". 

'  Not.  geneal.  I,  iv  a  8  —  v  a"'  —  vi  a"\  a  xi  íi'".  —  vi  a"\^  a  ix  íj"'„  ;  —  Esq. 
geneal.  I,  a,  a^  (cf.  aj). 


i32  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Ana  Garcia  para  Várzea  de  Meruge,  Francisca  Garcia  para  a  Cer- 
deira, e  outra,  cujo  nome  ignoro,  para  S.  Romão  '. 

Quando  o  nosso  poeta  dirigisse  o  seu  passeio  para  Ocidente 
desta  região,  encontrava  em  Travanca-de-Farinha-Pòdre,  a  pouca 
distância  da  Foz-Dão,  seu  irmão  o  Dr.  Manuel  Garcia  todo  entregue 
aos  cuidados  de  pastorear  esse  pequeno  rebanho;  e,  passando  em 
barco  para  a  margem  direita  do  Mondego,  encontrava  a  aldeia  de 
Almassa,  onde  era  cura  o  padre  Pantaleão.  Uma  vez  aqui,  não  lhe 
era  custoso  alongar  ainda  mais  o  passeio  para  Ocidente  na  direcção 
do  Buçaco,  e,  derivando  dali  para  Noroeste,  ir  a  Anadia  abraçar  a 
irmã  Feliciana  e  amimar-lhe  os  filhos. 

No  retorno  podia  muito  bem  seguir  por  Mortágua  a  Santa-Comba- 
Dão,  e  entrando  no  Couto-do-Mosteiro  visitar  sua  tia  paterna  Filipa 
Garcia,  que  ali  casara^;  e  depois,  passando  o  rio  Dão,  não  deixaria 
de  ir  a  Oliveira  do  Conde  conversar  com  seu  primo  Manuel  da  Fon- 
seca da  Costa,  filho  de  sua  tia  paterna  Brites  Marques,  com  o  qual 
mantinha  relações  de  e,streita  amizade,  de  que  mais  tarde  veio  a 
colher  uma  prova  real,  como  a  seu  tempo  veremos. 


Outro  pretexto  para  excursões  a  várias  localidades  da  Beira  era- 
Ihe  fornecido  pelas  festas  e  romarias,  que  se  celebravam  com  fre- 
quência por  toda  esta  região,  especialmente  no  estio,  e  que  atraíam 
de  longe  numerosos  ranchos,  cujos  costumes,  trajos,  danças,  lendas, 
falas  e  cantares  muito  haviam  de  chamar  a  atenção  do  espírito  curioso 
e  observador  de  Brás  Garcia. 

Havia  então  naqueles  sítios  muitos  santuários  afamados,  onde  tais 
romarias  se  realizavam.     Citarei  apenas  alguns,  ao  acaso. 

A  ermida  de  Nossa  Senhora  das  Preces,  ou  do  Colcurinho,  que 
no  século  seguinte  passou  do  alto  do  monte  para  o  vale  de  Maceira, 
que  lhe  fica  no  flanco,  era  bem  vezinha  de  Avô,  e  chamava  concor- 
rência de  devotos  de  mais  de  dez  léguas  em  redor.  A  marcar  no 
cabeço  do  Colcurinho  o  lugar  onde  se  venerou  a  Senhora  das  Preces, 
há  hoje  uma  capelinha  ainda  muito  vesitada  de  romeiros,  que  tem  por 
titular  a  Virgem  com  a  invocação  de  Nossa  Senhora  das  Necessidades. 


1  Not.  geneal.  I,  iv  a  9  —  v  a""  a  x  a""  —  xi  a"'\  a  xii  a"'\  —  xi  a"'\^  a  xii  a'"\'y 
—  Esq.  geneal.  I,  a,  ac. 

*  Not.  geneal.  I,  m  c  1 1  ;  —  Esq.  geneal.  I,  3o. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvô  i33 

Junto  de  Arganil  o  templo  de  Nossa  Senhora  do  Montalto  lôra 
construído  ou  reedificado  pouco  mais  duma  dezena  de  anos  antes, 
e  também  era  já  concorrido  de  muitos  milhares  de  pessoas,  por  oca- 
sião da  festa  que  ali  se  celebra\a  a  8  de  setembro. 

Mais  antiga  era  ainda  a  veneração  que  atraia  todos  os  anos,  a  7  de 
setembro,  cardumes  de  romeiros  à  igreja  do  mosteiro  de  S.  Pedro 
de  Folques,  onde  se  dava  a  beijar  um  cofre  precioso,  que  continha 
uma  das  tíbias  de  S.  Goldrofe,  antigo  prior  daquele  mosteiro,  célebre 
advogado  contra  as  maleitas. 

Grande  devoção  popular  havia  também  com  o  santuário  de  Nossa 
Senhora  da  Vera  Cruz,  de  Gouveia,  pelas  circunstâncias  impressio- 
nantes que  determinaram  a  sua  fundação '. 

Um  dos  mais  afamados  e  concorridos  templos  da  Beira  era  o  de 
Nossa  Senhora  do  Monte,  próximo  de  Mangualde,  que  depois  veio  a 
denominar-se  do  Castelo. 

Havia  nas  proximidades  de  Viseu  alguns  santuários  com  imagens 
religiosas,  que  exerciam  irresistível  atracção  sobre  os  fieis  achacados 
que  ali  vinham  buscar  cura  para  os  seus  males,  e  sobre  os  curados 
que  em  dias  certos  de  cada  ano  acudiam  a  agradecer  as  mercês 
alcançadas.  Entre  essas  imagens,  então  célebres,  mencionarei  a  de 
Santo  Amaro,  no  lugar  de  Bertelhe,  freguesia  de  Cepões,  a  de  Santa 
Eufemia,  em  Vouguinha,  freguesia  da  Cota,  e  finalmente  a  de  Santa 
Luzia,  sobre  um  monte  fronteiro  à  cidade. 

E  não  devemos  esquecer  a  devota  e  pitoresca  ermida  de  Nossa 
Senhora  da  Ribeira,  perto  de  Folhadosa,  que  ainda  hoje,  à  sombra 
dos  castanheiros,  ergue  o  seu  singelo  campanário  gótico,  e  convida  os 
fiéis  a  virem  em  penitência  mortificar  os  seus  joelhos  sobre  o  pavi- 
•mento  formado  de  pequenas  pedras  ou  lascas,  naturalmente  polidas, 
aprumadas  umas  junto  das  outras  a  formarem  desenhos,  numa  dispo- 
sição, artística  sim,  mas  torturante  para  os  genuílectentes.  Esta  ca- 
pela foi  sempre    muito  venerada   pelos   povos   de   perto   e   de   longe, 


'  Algum  israelita  da  judiaria  de  Gouveia  foi  uma  noite  à  igreja  de  S.  Pedro  desta 
vila,  e  de  lá  tirou  uma  devota  imagem  da  Virgem,  indo  pendurá-la  pelo  pescoço  na 
forca,  que  ali  perto  se  erguia.  Faça-se  ideia  da  comoção  e  indignação  que  o  sacri- 
légio provocaria,  quando  na  manhã  seguinte,  ao  levantarem-se  os  gaudelenses> 
deram  com  tal  espectáculo.  Ali  mesmo,  no  local  onde  estava  a  forca,  erigiu-se  um 
templo  em  honra  da  Virgem,  fabricou-se  do  pau  da  forca  uma  cruz  que  se  colocou 
sobre  o  altar-mor,  e  a  própria  imagem  desacatada  foi  posta  ao  pé  da  cruz,  correndo 
desde  logo  muitos  milhares  de  peregrinos  a  render-lhe  culto  de  desagravo  e  de 
devoção. 


1^4  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

que  lá  iam  todos  os  anos  processionalmente,  cantando  súplicas  litúr- 
gicas. 

Do  que  viu  e  observou  nessas  romarias  e  festividades,  simultanea- 
mente religiosas  e  profanas,  piedosas  e  de  diversão,  onde  se  orava  e 
cumpriam  votos,  onde  se  corriam  touros,  onde  se  bailava  e  se 
faziam  cavalhadas,  jogos  de  canas,  simulacros  de  justas  e  torneios, 
deixou-nos  Brás  Garcia  algumas  referências  e  impressões  no  Viriato 
Trágico. 

O  poeta  fere  uma  nota  de  observação  moralista: — que  as  raparigas 
levianas  estão  sempre  prontas  a  irem  às  romarias,  fechando  os  ouvidos 
aos  conselhos  da  prudência ;  e  as  pessoas,  a  quem  toca  o  guardá-las, 
teem  de  as  acompanhar,  porque  lá  aparecem  sempre  admiradores 
por  elas  atraídos. 

Agradou  o  conselho ;  em  breves  dias 
A  fazer  a  jornada  se  preparão, 
Que  os  conselhos  de  andar  vãas  Romarias, 
Sempre  a  loucas  bellezas  agradarão  : 
Contradizem-lho  os  três  por  três  mil  vias, 
Mas  nunca  do  propósito  as  mudarão  : 
Com  ellas  partem  pêra  as  defenderem, 
Que  lá  vão  barbas  onde  amores  querem  '. 

Ao  assistir  nos  santuários,  com  espírito  observador,  à  visita  dos  ro- 
mefros  e  ao  cumprimento  das  suas  promessas,  impressiona-o  o  facto  de 
vêr  alguns  devotos  oferecerem  junto  do  altar  um  delgado  pavio,  que 
se  não  poderia  conservar  direito  se  não  fora  a  cana  a  que  vem  amar- 
rado; e  redecte  que,  ao  recorrerem  em  momento  de  aflição  à  divin- 
dade, prometeram  certamente  oferecer  um  círio  para  o  culto,  círio 
talvez  de  proporções  agigantadas,  e  depois,  passado  o  perigo,  afastada 
a  aílição,  se  não  se  esqueceram  totalmente  do  voto,  o  vêem  cumprir 
ofertando  aquele  pavio  mesquinho,  de  preço  vil,  e  que  para  nada 
serve.  Considera  porem  o  facto,  apesar  de  indigno  e  vergonhoso, 
muito  humano,  e  como  —  homo  sum,  ideo  nihil  hiimcinum  a  me  alienum 
puto,  fala  na  i.*  pessoa  plural: 

O  de  todos,  os  que  hoje  navegamos, 
Vergonha  !  de  que  pouco  nos  corremos  ! 
Porque  quando  em  tormentas  nos  achamos, 
Que  de  cousas  contritos  prometemos  ! 


'  V.  T.  XII,  35. 


Cap.  F—  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  i35 

E  apenas  sobre  a  terra  hum  pé  estampamos, 
Quando  não  lembram  votos,  que  fazemos ; 
E  se  lembrão  pagamos,  quem  tal  crera  ? 
Com  candeas  de  real  mastros  de  cera  !  ' 

Na  descrição  longa  e  opulenta  das  festas  pomposíssimas,  cele- 
bradas por  Viriato  na  serra  da  Estrela,  encontramos  alguns  traços, 
embora  muito  adornados  e  ampliados  pela  sua  fantasia,  do  que  êle 
vira  em  certas  romarias. 

As  iluminações  dos  arraiais,  a  música  insírtimental,  os  descantes 
dos  ranchíjs  em  coros  alternados,  as  danças  e  evoluções  corcgráficas 
por  vezes  bem  complicadas,  o  proxinciano  çapateado :  nada  lhe  es- 
capou. 

Em  tanto  de  mil  tochas  guarnecido 

O  magestoso  Circo,  parecia 

Mostrar  o  que  o  triangulo  fingido 

Debuxa  natural  na  fantesia. 

De  vários  instrumentos  o  ar  ferido 

Suspende  com  festival  harmonia, 

As  almas  dando  regra,  &  confiança 

A  Gymnopódia,  que  se  canta,  &  dança. 

Canta-se  a  vários  coros,  que  alternados, 

Escutando  tal  vez,  tal  respondendo, 

A  compasso  dos  pés  bem  compassados 

Vão  corações  fazendo  e  desfazendo. 

Ja  mulheres,  &  homés  baralhados 

Se  vem,  já  divididos  vão  volvendo. 

Portas  de  arcos  manuais,  cerrando,  iV  abrindo. 

Porque  huns  entrando  vão,  &  outros  sahindo. 

Brilhão  mil  luzes  pella  argentaria 

Das  ricas  galas,  que  ao  nocturno  feytas, 

Faziam  parecer  a  noyte  dia, 

Deyxando  as  almas  todas  satisfeytas  : 

Esta  de  Portugal  própria  alegria. 

Que  inda  se  usa  em  Cidades  muy  perfeytas, 

Seja,  como  alguns  querem.  Espartana, 

Trinta  séculos  há,  que  hé  Lusitana*. 

Constituíam  então  as  touradas  um  número  obrigatório  de  algumas 
dessas  romarias.  Até  se  corriam  touros  nos  adros  e  em  pequenos 
largos  de  aldeias  e  Jogares  insignificantes.  Já  eram  classificadas  de 
bárbaras  pelas  nações  extra-ibéricas  tais  diversões,  a  que   na  penín- 


«   V.  T.  X,  38.  -  2  V.  T.  XI,  44-46. 


j36  '^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

sula    se   dava  um    apreço   grande:  e  o    poeta  claramente  revela  que 
era  um  entusiástico  cijicionado  por  semelhante  género  de  desporte. 

Qualquer  Nação  desta  presente  idade 
Chama  a  tal  festa  trágica  alegria  : 
Se  todas  dizem  que  hé  barbaridade, 
Toda  Hespanha  lho  imputa  a  covardia ; 
Que  aonde  não  periga  a  liberdade, 
Nunca  pode  luzir  a  valentia. 
Seja  licita  cousíi,  ou  não  o  seja, 
Sempre  a  festa  foy  nossa,  sua  a  inveja  '. 

Das  touradas   deixou-nos  Brás  Garcia  um  esboço  descritivo  vigo- 
roso, que  revela  mão  de  mestre. 

Ficava  no  terreyro  sanguinoso 
De  peões,  &  cavallos  já  desfeytos 
Hum  touro  fusco,  grosso,  &  temeroso. 
De  erguidos  cornos,  &  decidos  peytos : 
Soprando  a  terra  escarva  pulvoroso 
Desafia  bramindo  os  contrafeytos 
Muros  cubertos  de  turbados  vultos, 
A  quem  palpitaõ  corações  occultos. 

Quando  Lusarco  já  convalecido. 
Entra  augmentando  os  tímidos  rumores, 
Que  sempre  Santarém  foy  aplaudido 
Por  pay  de  filhos  grandes  toureadores, 
Opprime  hum  vayo  de  annos  dez  fornido, 
E  mosqueado  de  diversas  cores. 
Que  inda  que  grave,  &  lento  no  passeyo 
Bala  às  esporas  hè,  Rèmora  ao  freyo. 

Presto  com  o  esquerdo  corno  o  touro  grosso 
Á  dereyta  estribeyra  se  arremeça  ; 
Hum  garrocho  lhe  quebra  no  pescoço, 
E  quebra-lhe  o  restante  na  cabeça  : 
Escapa,  &  sobe  às  nuvês  o  alvoroço, 
O  metal  grita,  o  rumor  não  cessa: 
Mas  já  socega  o  confuso  abalo 
Tornando-se  a  buscar  touro,  &  cavallo. 

Este,  como  veloz,  roda  e  voltea ; 
Como  eyrxo  aquelle  vira,  &  não  abala; 
Tornando  atraz,  escarva,  &  se  embravea, 
Soprando  avante  fumo,  &  fogo  exhala. 

»   V.  T.  XI,  66. 


Cap.  V — O  pocta-fidalgo  de  cAvò  iSj 

Dispara  como  sctta,  &  com  a  mca 
Lua  imagina  que  o  cavallo  escala ; 
Entre  ella  o  ferro  tanto  se  lhe  encova, 
Que  morto  fica,  sem  que  hum  passo  mova, 

Soaõ  trombetas,  altos  vivas  soaõ, 
Campinas,  &  penhascos  estremecem, 
Os  animais  os  bosques  despovoão, 
As  aves  pello  ar  desapparecem. 


Já  se  não  apresenta  igualmente  entusiasta  pelas  cavalhadas,  tor- 
neios e  jogos  de  canas,  de  o^ue  aliás  nos  deixou  boas  descrições-;  e 
muito  menos  simpatizava  com  o  jogo  da  barra  e  com  os  exercícios 
de  luta,  que  ao  tempo  muito  se  usa\am : 

Nos  lious  '  seguintes  houve  Harra,  &  Luta, 
Nobre  uso  antigo,  &  moiterno  louco; 
Porque  com  pouca  sciencia,  &  força  muyta 
Muyto  do  servil  tem,  do  grave  pouco. 
Três  rústicos  dos  Alpes,  gente  bruta. 
Cada  qual  de  gritar,  &  gemer  rouco, 
Seis  prémios  tiri5o :  só  pella  defeza 
Se  luta,  que  por  premio,  he  grã  vileza  ''. 


Não  eram  só  as  visitas,  os  passeios  e  digressões  por  festas  e  ro- 
marias, que  afastavam  por  vezes  o  nosso  poeta  da  sua  casa  e  da  sua 
vila  de  Avô. 

Brás  Garcia  era  um  apaixonadcj  caçador;  e  quando  se  tornava 
necessário  suspender  as  caçadas  por  causa  da  procriação  da  caça,  na 
primavera  e  estio,  entregava-se  então  ao  passatempo  da  pesca.  E 
éle  mesmo  que  no-lo  diz,  falando  dos  pátrios  rios  Alva  e  Moura: 

Quando  vão  cheos  caço  pellos  montes, 
E  nelles  pesco  quando  vão  vasios  5. 

Foi  o  motivo  da  caça,  além  da  sua  natural  curiosidade  e  da  admi 
ração  que  tinha  pelas  belezas  naturais,  que  o  levou  uma  ou  outra  vez  a 


í   V.  T.  XI,  Õ8-72.  —  2  V.  T.  XI,  48  e  103-124. 

'  Scil.  dias. 

1  V.  T.  XI,  yj.— 5   V.  T.  XV,  104. 


i38  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

visitar  e  percorrer  a  serra  da  Estrela,  à  qual  se  encontram  numerosas 
referências  no  Viriato  Trágico. 

Por  não  alongar  indefinidamente  as  transcrições,  é  que  não  copio 
aqui  na  íntegra  a  descrição  magistral  que  nos  faz  do  Hermínio 
monte  \  que  ele  conhecia  muito  bem,  e  cujas  belezas  analisa  por 
miúdo  em  vários  lugares  do  poema,  revelando-nos  por  forma  inilu- 
dível que  muitas  vezes  o  palmilhou. 

Admirou  com  sentida  comoção  as  manifestações  da  majestade 
grandiosa  e  próvida  da  Natureza  criadora,  que  ali  se  ostenta.  Essa 
admirável 


Natureza,  que  aos  altos  foy  avara, 
Fecunda  os  bayxos  com  favor  da  Arte, 
Que  nos  úteis  suores  não  repara; 
A  cada  lado  valles  mil  reparte, 
Bosques  faz  dividir,  veygas  separa, 
Campinas  rega,  prados,  &  hortas  ata 
Com  mil  laçadas  em  grilhões  de  prata. 

Censos,  que  sempre  dão  os  caudalosos 
Alva,  Mondego,  &  Zêzere  agradáveis, 
A  Ceres  por  seus  frutos  abundosos, 
A  Baccho  por  liquores  admiráveis, 
A  Minerva  por  óleos  numerosos. 
Por  bosques  a  Diana  innumeraveis. 
Que  tudo  são  com  gloria  da  inventora. 
De  Pomona  dóceis,  sitiais  de  Flora  2. 


Quedou-se  extático  de  assombro  contemplando  o  gigante  granítico, 
natural  pirâmide  a  que  a  serra  serve  de  base  sumptuosa,  e  que  é 
conhecido  pela  denominação  de  cântaro  magro,  que  erguendo-se 
sozinho,  isolado  e  abrupto,  negro  e  musgoso,  hirto  e  selvático,  lá  do 
fundo  da  viridente  bacia  por  onde  corre  o  Zêzere,  a  certa  altura 
alarga  e  entumesce  os  flancos  sustentando  enormes  massas  de  rocha 
suspensas  sobre  o  abismo;  e  depois,  estreitando  rapidamente,  toma  a 
configuração  grosseira  de  um  cântaro,  cujo  gargalo,  ficando  superior 
às  alturas  que  cercam  este  vale,  se  avista  de  grande  parte  da  serra, 
como  cabeça  de  gigante  a  espreitar-nos  ^. 

Percorreu  também  a  região  onde 

Esmaltes  saõ  da  roscida  verdura 
Aquellas  celeberrimas  lagoas. 


'  V.  T.  I,  i5  e  ss.  — ^  V.  T.  i,  •22-23.-3  V.  T.  i,  16. 


Cap.  V — O  poeta- fidalgo  de  oAvu  i3q 

Das  quais  a  principal  chamada  Escura, 
He  clara  pellos  Sceptros,  &  Coroas, 
Que  a  ver  tal  profundeza,  &  tanta  altura 
Forão,  como  inda  vão  graves  Pessoas; 
Que  maravilhas  muyto  encarecidas, 
Se  não  saõ  vistas,  nunca  saõ  bem  cridas  '. 

Pisou  as  fofas  alfombras  de  servúm  nessa  verde  praça  de  um 
florido  prado,  o  vasto  e  fertilíssimo  vale  do  Conde,  que  lhe  fez  lem- 
brar hum  Ihcatro  alcatifado,  e 

. . .  que  he  das  entranhas  penhascosas 
Do  Hermínio  coração  no  esquerdo  lado  2. 

Trepou  às  peuhas  escabrosas,  conhecidas  pela  denominação  de 
penhas  douradas,  e  abrigou-se  nos  amplos  fragões,  nessas  galerias 
cavernosas  que  a  natureza  escavou  em  abundância  nesta  região '. 

Em  sereno  dia  andava  êle  uma  vez  na  serra  caçando  feras  (javar- 
dos,  lobos  e  raposas),  acompanhado  de  um  guia  natural.  Quando 
menos  o  cuidava,  foi  surpreendido  por  uma  trovoada  medonha  *. 
Teve  então  ensejo  de  presencear  um  espectáculo  único,  em  que  o 
belo  horrível  chega  a  atingir  as  proporções  do  sublime,  qual  é  o  es- 
pectáculo de  uma  trovoada  na  serra  da  Estrela.  Ficou  assim  habili- 
tado a  fazer  uma  notável  descrição,  com  que  ornamentou  o  canto  iv 
do  Viriato  Trágico. 

Não  resisto  à  tentação  de  transcrever  este  episódio,  que  tem  a 
exactidão  e  naturalidade  dum  instantâneo : 

Já  Phebo  involto  entre  ondas  Neptuninas 

Perturbados  deyxava  os  Elementos  ; 

O  fero  Austro  dos  Cèos  corre  as  cortinas 

E  os  faz  da  pompa  lúcida  avarentos : 

Começão  a  vir  agoas  repentinas 

Sobre  os  hombros  das  nuvês,  &  dos  ventos, 

Enchem-se  os  Rios ;  porque  a  tudo  inundem. 

Campos  se  alagão,  serras  se  confundem. 

A  Hermínia,  mais  que  todas  gigantada, 
E  eminente  ao  perigo,  o  padecia 
Muyto  mais  pavoroso,  se  alentada 
E  firme  a  todo  transe  se  offrecia. 
Dispara  nella  horrenda  trevoada, 
Afigura-se  a  todos  que  se  abria, 


1  V.  r.  I,  18.  — 2   V.  T.  II,  42.— 3  Ibid.  —  1  V.  T.  IV,  70. 


'^0  '^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

Espessuras  se  arrancão,  feras  gemem, 
Rebomba  o  vento,  os  penhascos  tremem. 

Alterão-se  as  lagoas  da  outra  banda, 
Tão  medonhas,  &  horriferas  bramindo, 
Que  parece  que  o  mar  na  serra  anda, 
Ou  que  a  serra  no  mar  se  vay  fundindo. 
Tudo  obedece  ao  medo,  ninguém  manda ; 
Mullas,  cavallos,  &  egoas  vão  fugindo  ; 
Ajuntáo-se  as  ovelhas,  como  amigas. 
Abrigando  os  focinhos  nas  barrigas. 

Passa-se  a  larga  noyte,  &.  não  entendem. 
Quando  amanhece,  porque  os  não  visitaõ 
Mais  luzes,  que  as  que  o  ar  em  fogo  accendem 
Dos  rayos,  que  os  penhascos  precipitão. 
Todos  se  estão  queyxando,  &  se  suspendem, 
Mulheres  chorão,  camponeses  gritão, 
Que  acaba  o  mundo ;  os  naturais  zombando, 
Dizem,  que  tudo  presto  irá  cessando. 

Não  se  enganarão,  que  da  Astrologia 
Rústica  hè  Mestre,  a  quem  a  serra  aggrava. 


Por  isso  razão  tinha  o  nosso  poeta  para  conhecer  bem  a  configu- 
ração geral  da  serra  da  Estrela  e  das  suas  ramificações  mais  pró- 
ximas, que  êle  descreve  assim: 

O  mais  corpo  da  serra,  que  Alpestrina 
Quasi  de  Leste  a  Oeste  vay  correndo, 
Athlante  se  ergue,  &  Briarès  se  inclina, 
Aqui,  &  alli  os  braços  estendendo. 
Que  ameaçando  sempre  alta  ruina 
Huns  abayxando  vay,  outros  erguendo 
A  horrendos  valles,  a  escabrosos  montes 
Providos  de  animais,  prenhes  de  fontes. 

Pellas  raizes  desta  serrania, 

Que  gyra  perto  de  dous  mil  estados. 

De  altos  castellos  grande  copia  avia 

Em  perigos  de  guerras  fabricados, 

Que  em  partes  inda  mostraó  bizarria, 

Pella  mayor  estando  arruinados. 

Ensinando  o  descuydo,  que  os  enterra. 

Que  mais  muros  assola  a  paz,  que  a  guerra  2. 

i   V.  T.  IV,  66-70.  — 2  V.  T.  I,  20-31. 


Cap.  V — ■  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  141 

j  Que  diria  o  poeta,  se  agora  cá  viesse,  e  visse  o  que  foi  feito  de 
quási  todos  esses  castelos,  especialmente  do  que  se  erguia  na  sua  vila 
natal,  e  que  êle  cantou  em  seus  versos  como  um  título  que  muito  a 
nobilitava  ! 

A  S.-O.  da  serra  avulta  um  monte,  o  Colcurinho, 

pouco  distante 

Do  Hermínio,  e  pouco  menos  levantado, 
A  elle  por  hum  G  de  serra  atado. 
Neste,  em  que  a  neve  dura  pouco,  ou  nada, 
Que  presto,  quando  o  cobre,  o  descarrega  ', 

tinha  Brás  Garcia  um  ponto  de  referência,  que  lhe  marcava,  quando 
percorria  a  Estrela,  o  local  onde  modesta  e  recatadamente  se  escondia, 
como  em  ninho  de  verdura  e  flores,  quási  no  sopé  desse  monte,  a  sua 
miniiscula  vila  de  Avô. 

Para  deixar  completo  o  esboço  da  serra,  desse 

Hermínio  duro, 

Propugnaculo  eterno,  &  altivo  muro  -, 

ainda  falta  um  traço.     Ki-lo : 

Sobre  esta  ínaccessível  aspereza 

Tantas  veygas  se  estendem,  tantos  prados, 

Que  mais  gado  sustentão  pello  Estio, 

Que  Ourique,  &  Alcudea  no  solsticio  frio  '. 

Mas  passado  o  \erão,  em  o  outono  entrando,  todos  esses  gados 
descem  da  serra,  e  o  mesmo  faz  a  caça,  para  evitarem  os  horrores 
da  estação  rigorosa,  durante  a  qual  se  tornam  inabitáveis  aquelas 
paragens.     Escutemos  a  fala  que  o  poeta  coloca  nos  lábios  de  Viriato: 

Vay-nos  fugindo  o  caloroso  Estio, 

Regalo  destas  veygas  deleytosas. 

Em  que  nos  vem  buscando  o  Inverno  frio, 

Horror  destas  montanhas  escabrosas  : 

Ao  pouco,  que  inda  está  verde,  &  sombrio, 

Ameação  tormentas  pavorosas. 

Que  hè  de  Inverno  este  monte  em  partes  calvo. 

De  nuvês  pavelhão,  de  rayos  alvo. 

Os  que  por  elle  o  gado  apacentamos, 
Antes  que  perca  os  plácidos  matizes, 

»  y.  T.  IV,  41-42.-2  V.  T.  II,  3().  — 3   V.  T.  I,  17. 


1^2  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

Dêcer  nossos  rebanhos  costumamos 
Aos  valles,  que  occulta  entre  as  raízes  : 
Nelles,  como  as  perdizes,  habitamos, 
Que  nos  ensinão  a  viver  perdizes. 
Pois  de  Veram  cá  vem  pastar  no  trigo, 
E  de  Inverno  là  vão  buscar  abrigo  '. 

Nos  passeios  que  Brás  Garcia  deu  pela  Estrela,  teve  ocasião  de 
subir  à  parte  mais  alta  da  serrania,  à  esplanada  que  assenta  a  1998 
metros  de  altitude,  onde  no  século  passado  se  ergueu  um  grande 
marco  geodésico,  chamado  a  Torre.  Dali  poude  admirar  o  esplên- 
dido e  larguíssimo  horizonte  que  se  desfruta,  e  que  êle  descreve 
nestes  versos: 

Estende  a  vista  aos  largos  orizontes. 

Tão  longos,  que  se  vay  nelles  perdendo  ; 

Mares  de  campos  vê,  golfos  de  montes, 

Que  as  cadeas  de  agoas  vão  prendendo : 

De  altos  a  altos  dão  os  olhos  pontes 

A  vários  pensamentos,  que  correndo 

De  huns,  &  outros  àquem,  &  alem  parecem, 

Porque  quanto  vem  mais,  mais  desconhecem. 

Meya  Hespanha  dali  se  descobria. 

Via  Reynos,  e  serras  ao  Nascente, 

Pêra  o  Sul  montes,  &  planices  via, 

E  via  largos  campos  ao  Poente ; 

E  lá  detraz  de  todos  conhecia 

O  branco  freyo,  que  perpetuamente 

A  fúria  faz  parar,  onde  redondas 

Quebrão  do  negro  mar  as  brancas  ondas '. 

Tamhêm  nos  pinta  com  viveza  um  romper  da  manhã  na  serra, 
bem  diverso  do  amanhecer  nos  campos  ou  nas  cidades. 

Madrugava  a  solar  Embayxadora 

A  borrifar  de  pérolas  os  prados. 

Que  o  vingador  da  bella  caçadora 

Em  grilhões  de  cristal  tivera  atados. 

Ri  sobre  as  penhas,  sobre  as  ervas  chora, 

Alegra  os  valles,  inquieta  os  gados, 

Fogem-lhe  as  sombras,  brincaõ-lhe  os  ribeyros, 

Cantaó-lhe  as  aves,  baylaõ-lhe  os  cordeyros '. 


1   V.  T.  IV,  38-39.-*  í'-  T.  1,  8.,,  90.  —'  V.  T.  iv,  36. 


Cap.  V —  O  poeta-Jidalgo  de  cAvó  148 

Um  pouco  depois,  tem  já  mudado  o  aspecto  da  paisagem, 

quando  o  Sol  a  ver  os  prados, 

Que  as  matutinas  lagrimas  da  Aurora 
Tinhão  sobre  a  verdura  aljofarados, 
Estival  recreação  da  tenra  flora. 


Não  lhe  passou  desapercebido  o  espectáculo  majestoso  do  nascer 
da  lua,  com  o  seu  enorme  disco,  e  o  aspecto  da  paisagem  da  serra 
iluminada  pelo  luar,  inteiramente  diferente  do  da  paisagem  diurna  : 

Como  chama  de  fogo  se  assomava 

A  que  mayor  parece,  quando  nace. 

Que  do  calor  estivo,  que  a  afrontava 

Sanguina  descobria  a  branca  face. 

A  Itellifera  pompa  rutilava 

No  campo  azul,  que  o  Rey  das  feras  pasce, 

E  se  mostrava  a  Serra  agradecida. 

Nua  de  sombras,  &  de  luz  vestida-. 


No  Viriato  Trágico  também  se  encontram  referências  numerosas 
e  inconfundíveis  a  essa  extensíssima  região  da  Beira,  entre  o  Cara- 
mulo e  a  Estrela,  que  êle,  segundo  vimos,  percorreu  muitas  vezes  em 
todos  os  sentidos,  já  a  cavalo,  seguido  pelos  criados,  em  excursões 
de  cerimónia  e  de  passa-tempo,  já  a  pé  e  de  espingarda  ao  ombro, 
acompanhado  de  outros  caçadores.  Por  lá  ia  fazendo  as  suas  obser- 
vações de  costumes,  admirando  as  belezas  naturais  tão  variadas 
e  interessantes,  registando  no  espírito  quanto  via  digno  de  nota ;  e 
mais  tarde,  ao  escrever  o  seu  poema,  essas  impressões  acudiam-lhe 
espontaneamente  ao  espírito,  e  por  vezes  as  exprimia  em  hendecassí- 
labos,  quando  isso  vinha  a  propósito.  ;  E  quantas  das  numerosas 
poesias  avulsas  que  êle  compôs,  e  que  depois  se  perderam,  não  teriam 
belas  descrições  do  natural,  não  traduziriam  observações  e  impressões 
que  seriam  preciosas  para  o  estudo  psicológico  do  nosso  poeta  ! 

Referências  a  povoações  da  Beira  encontramos  algumas  na  epopeia 
viriatina.  Já  mencionámos  o  que  Brás  escreveu  sobre  Avô,  e  uma 
alusão  a  Arganil,   celebérrimo   condado^;  só  apontaremos   agora  o 


»  V.  T.  11,40.-2   V.  r.  II,  i35. 
3  Vid.  pág  28. 


144  'Brás  Garcia  de  ãAlascarenlias 

que  cm  especial  refere  de  outras  duas  vilas,  e  de  uma  cidade  desta 
província. 

A  Bobadela  não  podia  deixar  de  chamar  as  suas  atenções.  De  lá 
era  seu  pai,  lá  conhecera  e  amara  sua  avó,  lá  viviam  tios  e  primos 
seus;  e  os  interessantíssimos  vestígios  que  ali  se  encontravam  de 
importante  povoação  romana  eram  de  molde  para  impressionarem 
qualquer  espirito  curioso  e  observador. 


de  mármore,  encontrada 


Resistindo  à  acção  destruidora  do  tempo,  e  à  mais  nociva  e  de- 
molidora acção  dos  homens,  ainda  hoje  temos,  alem  de  outros  restos 
menos  importantes,  o  admirável  arco,  que  foi  pórtico  não  sei  de  quê, 
e  se  conserva  de  pé  por  um  prodígio  de  coesão  do  cimento  que  liga 
entre  si  as  aduelas ',  e  bem  assim  uma  cabeça  majestosa  coroada  de 


1  Na  estampa  fronteira  a  esta  página  reproduz-se  a  face  ocidental  deste  arco, 
o  pelourinho  manuelino  que  lhe  fica  a  Leste,  e  um  cruzeiro  mutilado  que  está  a 
Oeste. 


Cap.  r — o  poeta- fidalgo  de  oAvô  145 

louros,  medindo  meio  metru  da  linha  superior  da  coroa  ao  mento,  e 
que  pertenceu  a  uma  estátua  colossal  de  mármore  ',  e  ainda  algumas 
inscrições,  que  foram  embutidas  na  fachada  da  igreja  matriz,  constru- 
ção do  meado  do  século  xviii.     Tudo  relíquias  da  época  romana. 

Infelizmente  as  inscrições  perderam   a  maior  parte   do  valor   que 
poderiam  e  deveriam  ter,  porque  houve  mão  bem  intencionada  mas 


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Inscrição  romana  existente  na  Bobadela. 

pessimamente  dirigida,  que  as  avivou,  e  que  as  deturpou,  por  interpre- 
tação errónea.     Estão  portanto  inutilizadas  quási  ttjdas. 

Intacta  só  há  uma,  embutida  na  alvenaria  da  torre,  que  diz : 

NEPTVNALE 

Outra,  assente  sobre  a  verga  da  porta  principal  da  igreja,  deveria 
dizer: 


SPLENDIDISSIMAE  CIVITATI   IV 
LíA    MODESTA    FLAMINICA^ 


1  Esta  cabeça  foi  encontrada  em  1844  na  Bobadela,  e  remetida  em  i853  ao 
governador  civil  de  Coimbra,  Dr.  António  Luís  de  Sousa  Henriques  Seco,  que  a 
ofereceu  ao  Museu  da  Universidade.  Em  janeiro  de  1875  foi  pela  Universidade 
depositada  no  Museu  de  Antiguidades  do  Instituto  de  Coimbra,  a  pedido  da 
Secção  de  Arqueologia  do  mesmo  Instituto.  Agora  vai  ser  instalada  no  Museu 
de  Arte  Machado  de  Castro  desta  cidade. 

O  meu  venerando  e  prestimoso  amigo  o  sr.  dr.  Lourenço  Justiniano  da  Fon- 
seca e  Costa  mandou  proceder,  haverá  25  anos,  a  escavações  exploradoras  no  páteo 
onde  aparecera  esta  cabeça,  a  ver  se  achava  o  resto  da  estátua.  Encontrou-se 
uma  área  lageada  de  grandes  pedras  de  granito,  à  qual  se  subia  por  um  degrau,  que 
a  acompanhava  em  toda  a  extensão  que  foi  possível  pôr-se  a  descoberto ;  mas  não 
se  pôde  proseguir,  porque  teria  para  isso  de  se  desmanchar  uma  casa  já  antiga, 
ali  construída.  O  benemérito  explorador,  alem  desta  contrariedade,  teve  outra 
que  lhe  fez  perder  a  esperança  de  encontrar  a  estátua.  Viu  ali,  na  adega  duma 
casa,  um  pedaço  de  mármore  toscamente  partido,  da  mesmíssima  natureza  do  que 
constitue  a  cabeça;  donde  concluiu,  com  grande  probabilidade  de  acerto,  que  era 
um  fragmento  da  estátua,  que  em  tal  hipótese  havia  sido  despedaçada. 

*  Evidentemente  está  incompleta.    Falta-lhe,  pelo  menos,  uma  linha  antes 


14^ 


^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


É  a  esta  inscrição  que  o  poeta  em  especial  alude  na  estância  con- 
sagrada à  Bobadela. 

Que  remontem  ao  tempo  de  Brás  Garcia  e  de  seus  pais  e  avós, 
além  dos  monumentos  romanos,  ainda  lá  restam,  muito  bem  conser- 
vados, o  pelourinho,  no  largo  da  vila,  em  frente  do  arco  romano,  e 
uma   pedra  com  um  interessante  motivo   ornamental,   embutida  na 


Decoração  manuelina,  esculpida  em  granito,  numa  casa  da  Bobadela. 

parede   da  casa   dos  Godinhos.     Ambos   os  monumentos  são  escul- 
pidos em  magnífico  granito  da  região,  em  estilo  manuelino. 
Transcrevamos  agora  a  estância : 

Na  Vila  hoje  chamada  Bobadella 

Esteve  antigamente  huma  Cidade, 

Que  estaõ,  de  quanto  fosse  grande,  &  bella, 

Indiciando  vestígios  nesta  idade. 

Gastadas  letras  a  memoria  delia 

Conservão  na  ruinosa  antiguidade, 

E  Cidade  muy  celebre  a  declarão, 

Se  o  tempo  escureceo  como  a  chamavão  '. 

Também  o  poeta  se  refere  a  Pombeiro,  fazendo-se  eco  de  confusas 


das  existentes,  onde  se  lia  em  dativo  o  nome  da  cidade  ali  erguida,  à  qual  era 
dedicado  o  monumento;  ignora-se  como  se  chamava.  Hoje  esta  inscrição,  depois 
de  avivada  e  deturpada,  diz  : 


SPLENDIDISSIME  CIVITATI  IV 
LIA    MODISTA    PLAMINIA 


A  leitura   restaurada  é   de  Emílio  HUbner,  Inscriptiones  Hispaniae   latinae, 
p.  45,  n."  397. 
'  V.  T.  IV,  74. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  14J 

lendas,  em  que  entram  nomes  e  factos,  indevidamente  aplicados  a  esta 
terra'.     Depois  de  falar  de  Arganil,  acrescenta: 

Ali  junto  do  Alva  cristallino 
Esteve  Aufragia  celebre,  &  potente, 
E  perto  delia  o  monte  Columbino, 
(Hoje  Pombeyro)  o  mostra  claramente  ; 
Donde  orando  Quitheria  de  contino 
El-Rey  de  Aufragia,  Bispos,  &  outra  Gente    , 
Indusio  ao  Martyrio,  que  alcançarão 
Naquelle  sancto  monte,  a  que  illustrarão. 

Era  Aufragia  Cidade  bem  murada 
Bem  claro  inda  se  vè  no  sitio  delia  ; 
Estava  de  Romanos  presidiada 
Três  legoas  pouco  mais  da  Bobadella. 


Mais  interessante  é  o  que  diz  do  campo  de  Viseu  e  da  célebre 
cava  de  Viriato^  que  êle  visitou  apenas  regressado  do  Brasil,  e  que 
aprecia  com  a  competência  especial  que  lhe  assiste,  fazendo  algumas 
referências  pessoais  dignas  de  registo,  e  que  a  seu  tempo  aproveita- 
remos. 

à  vista  de  Viséo,  hum  Rio  passa, 

Que  no  cálido  Estio  vagaroso. 

Com  pouco  cabedal,  &  muyta  graça 

Divide  alegre  hum  campo  deleytoso  ; 

Por  entre  o  qual  errante  se  embaraça 

Em  retrocida  volta  preguiçoso  : 

Que  o  seja  um  pobre,  mal  se  compadece. 

Mas  este  sendo-o,  muy  melhor  parece. 

A  hum  lado  delle  sobre  o  campo  ameno, 

A  que  inda  então  Viséo  não  illustrava. 

Fez  o  Pretor  de  cava,  &  terrapleno 

Hum  Real,  que  os  fortes  de  hoje  avantajava ; 

Tam  bom  sitio  escolheo,  tanto  o  terreno 

Seus  Artífices  destros  ajudava. 

Tão  alta  a  cava  fez,  grossa  a  trincheyra, 

Que  inda  o  tempo  a  reserva  quasi  inteyra. 

Mil,  setecentos,  &  setenta  annos 
Depois  de  feyta,  foy  de  mim  notada  ' 


1  Vid.  Sanches  de  Frias,  Pombeiro  da  Beira,  i?  ed.,  p.  i3  e  ss. 

*  V.  T.  IV,  92-93. 

5  Foi  esta  indicação  cronológica  que  me  habilitou  a  fixar  a  ida  de  Brás  Garcia 


i^S  '^rás  Garcia  de  oMascarenbas 

Por  gentil  Epiphéria  de  Romanos, 
Se  mais  forte,  que  bem  descortinada : 
Parece  que  o  temor  dos  Lusitanos 
A  fez  lavrar  mais  alta,  &  mais  fossada, 
Que  inda  a  Cava  se  vé,  sem  ver  o  Leyto, 
Chea  d'agoa,  &  de  terra  o  Parapeyto. 

Com  luz  quotidiana  desta  sciencia. 

Com  os  calos  nas  mãos,  das  que  lavramos, 

Com  trabalhosa,  &  larga  experiência, 

Me  envergonhey  do  pouco,  que  hoje  obramos. 

A  que  agora  com  muyta  diligencia 

E  gente,  em  mezes  seis  não  acabamos. 

Numa  só  hora  então  era  acabada, 

Por  ninguém  desprezar  a  pà,  &  enxada  '. 


As  belezas  desta  região  vastíssima,  compreendida  entre  a  serra 
da  Estrela  e  a  do  Caramulo,  também  captaram  as  atenções  de  Brás 
Garcia  e  lhe  mereceram  referências  especiais. 


Da  Hermínia  serra,  outra  se  descobre 
Que  lhe  fica  defronte,  cara  a  cara. 
Caramulo  chamada,  de  hum  Gigante 
Anthéo  delia,  &  do  Céo  segundo  Athlante. 


a  Viseu  logo  após  o  regresso  do  Brasil.  O  poeta,  como  noutro  lugar  demonstrá- 
mos com  o  seu  próprio  testemunho  (vid.  pág.  70),  tinha  na  mais  alta  consideração 
Fr.  Fiernardo  de  Brito,  a  cujas  obras  recorria,  como  a  fonte  principal  e  mais  lídima 
da  história,  da  geografia  e  da  arqueologia  da  antiga  Lusitânia.  Ora  Fr.  Bernardo 
de  Brito  fixa  no  ano  146  a.  Chr.  a  construção  destes  arraiais  do  pretor  Nigídio, 
perto  donde  agora  vemos  Viseo  (Monarq.  Liisit.,  parte  I,  1.  iii,  cap.  iv,  mihi  fl.  216 
e  ss.),  para  neles  resistir  a  Viriato.  Sendo  esta,  como  realmente  é,  a  cronologia 
adoptada  por  Brás,  e  tendo  êle  regressado  do  Brasil  em  i632,  no  caso  de  ir  logo  a 
Viseu  deveria  dizer  que  vira  a  cava  1778  anos  depois  de  feita,  se  quisesse  falar 
com  precisão  e  rigor,  e  se  a  metrificação  lho  permitisse ;  mas  como  se  não  dava 
nem  uma  nem  outra  hipótese,  arredondou  o  número  escrevendo  1770. 

Em  vista  desta  cronologia,  não  pode  retardar-se  a  primeira  visita  de  Brás  a 
Viseu,  imaginando-a  feita  depois  de  1640.  E,  se  na  estância  seguinte  o  poeta  alude 
aos  calos  que  então  levava  nas  mãos,  de  ter  andado  a  trabalhar  em  análogas  trin- 
cheiras, não  foi  na  guerra  da  restauração,  iniciada  alguns  anos  depois,  que  tais 
calos  se  lhe  formaram,  mas  na  guerra  contra  os  holandeses  no  Brasil,  donde  Brás 
Garcia  acabava  de  chegar. 

í    V.  T.  X,  98-101. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvô  i4g 

Dista  da  Estrella  huma  só  jornada 
De  terra  muyto  plana,  &  dividida 
Por  ribeiras,  das  quais  he  retalhada 
E  quatro  Rios,  de  que  está  fendida. 


Impressionáva-o  aqui  muito 

a  formusura 

Graciosa,  &  dilatada  entre  estas  serras  2; 

e  que  razão  de  sobra  tinha  para  isso  o  nosso  poeta,  pode  aquilatá-lo 
qualquer  pessoa  que  por  aqui  passe,  e  tenha  olhos  para  vêr  e  alma 
para  sentir. 

Os  panoramas  dos  altos,  em  geral,  são  vastos  e  muito  variados 
no  desenho  e  nas  tonalidades  de  côr.  Suba  qualquer  apreciador  das 
belezas  naturais,  nas  primeiras  horas  da  tarde  dum  dia  límpido,  a 
serra  da  Moita  pela  estrada  nacional  n."  ri,  e  ao  chegar  ao  alto, 
entre  os  quilómetros  3i  e  b-i  de  Coimbra,  desvie-se  um  píjuco  para 
Sul  pela  cumeada  da  serra,  até  ao  marco  geodésico.  Quede-se  ali, 
e  contemple  o  panorama  que  por  todos  os  lados  o  cerca.  Sente  um 
verdadeiro  deslumbramento. 

Daqui  avista  toda  essa  enorme  bacia,  limitada  ao  Unige  pela  linha 
irregularíssima  de  serranias,  cujos  dentes  recortam  vivamente  o  hori- 
zonte. As  serras  da  Estrela,  do  Colcurinho,  de  S.  Pedro-do-Açôr, 
Castanheira,  Gois,  Louzã,  Buçaco,  Caramulo,  Monte-de-Muro  e  Lapa 
constituem  as  curvas  mais  salientes  dessas  trincheiras  naturais,  que 
contornam  o  horizonte  vastíssimo;  dentro  delas  as  terras  dilatam-se 
acidentadas  em  ondulações,  que  vistas  lá  de  cima  se  esbatem  e  se 
tornam  suaves,  dando  á  majestade  soberana  e  grandiosa  do  panorama 
um  tom  de  serenidade  e  tranquilidade  que  encantam  o  espírito. 

Impregnada  de  luz  azul,  a  atmosfera  difunde  esta  côr,  em  tons 
de  intensidade  muito  variada,  por  toda  a  paisagem,  até  aos  planos 
mais  afastados. 

É  a  região  cortada  por  quatro  rios,  como  diz  o  poeta:  Vouga, 
Dão,  Mondego  e  Alva;  e  por  uma  rede  de  menores  cursos  de  água 
ou  ribeiras,  que  em  grande  número  regam  os  terrenos,  e  conHuem 
para  os  rios.  Sucede  frequentemente,  algumas  manhãs,  ver-se  esta 
enorme  bacia  sulcada  sinuosamente  por  ténues  filetes  de  nebrina,  a 


1  V.  T.  II,  125-12G. — 2  V.  T.  11,  129. 


rSo  ^rás  Garcia  de  dMascaretihas 

marcarem  os  leitos  dos  rios  e  ribeiras;  como  se  a  paisagem  estivesse 
pimada  em  quadro  gigantesco,  e  alguém  se  entretivesse  a  traçar  sôhre 
êle  a  gis  a  rede  hidrográfica. 

Brás  Garcia  passeou  muito  por  toda  esta  vasta  região:  nela  obser- 
vou e  admirou  belezas  que  o  impressionaram,  e  alguns  quadros  pintou, 
singelos  e  despretenciosos,  de  aspectos  da  natureza  colhida  em  fla- 
grante.    Apontemos  um  para  exemplo. 

Nesta  região  a  paisagem,  nalgumas  tardes  ao  pôr  do  sol,  apre- 
senta uma  côr  fantástica,  entre  purpúrea  e  violácea,  como  nunca 
observei  em  nenhuma  outra  parte.  Quando  os  tiltimos  raios  do  sol, 
incidindo  horizontalmente,  banham  suaves  a  serra  da  Estrela  e  montes 
conjuntos,  aquela  chega  a  dar-nos  a  impressão  de  uma  enorme  ame- 
tista, beijada  carinhosamente  pela  luz.  Isto  sucede  principalmente 
na  proximidade  dos  equinócios,  épocas  em  que  o  pôr  do  sol  é  seguido 
dum  crepúsculo  brevíssimo.  E  este  fenómeno  que  o  poeta  canta  na 
estância  seguinte : 

Confusos  vencem  a  aspereza,  quando 
Chegava  Phebo  aos  campos  Neptuninos, 
Sobre  os  quais  pulveroso  está  lavando 
Os  fios  de  ouro  em  vasos  cristalinos : 
Delles  sanguíneo  a  luz  adelgaçando 
Cobria  a  serra  de  átomos  sanguinos, 
Com  que  já  seu  crepúsculo  metia 
A  tregoa  breve  entre  a  noite,  &  o  dia '. 

Mas  nem  tudo  aqui  é  belo  e  aprazível;  nem  sempre  a  beleza  e 
alegria  são  apanágio  destas  terras.  Há  dias  de  inverno  duma  tris- 
teza e  monotonia  deprimentes. 

No  Solsticio  vernal  negava  o  dia 

A  face  Delia  aos  olhos,  que  a  buscavão : 

Rayos,  trovões,  celeste  artelharia, 

Com  ventos,  &  com  chuvas  se  alternavaõ. 

Toda  a  serra  de  neve  se  cobria, 

E  de  nuvés  os  montes  se  embuçavão. 

Porque  grandes  se  vem  em  dias  breves 

Ventos,  chuvas,  trovões,  nuvés,  &  neves. 

Não  acha  a  cabra  que  roer  na  serra. 
Nem  tem  a  ovelha  que  tosar  no  prado, 
Nem  o  cavallo  que  fazer  na  guerra. 
Nem  o  boy  que  entender  cõ  o  curvo  arado  ! 

>  V.  T.i,  112. 


Cap.  V —  O  poeta-/} dal g-o  de  oAvò  1 3  / 

Nem  pode  a  mulla  andar  de  terra  em  terra, 
Que  tudo  tem  o  Inverno  embaraçado, 
Porque  debayxo  estão  de  colmo  &  telhas 
MuUas,  cavallos,  boys,  cabras,  &  ovelhas. 

Arde  o  braseyro,  a  chaminé  fumea, 
Esta  aquenta  o  comer,  aquelle  o  jogo : 
Carvão  se  busca,  lenha  se  grangea, 
E  quem  logo  a  não  acha,  o  sente  logo. 
Com  trabalho,  melhor  se  negocea 
O  sustento  do  corpo,  que  o  do  fogo, 
Que  a  cada  qual  avisa  que  lhe  tenha 
Braseyro,  chaminé,  carvão  &  lenha. 

Dom  Catarro  accomete  muyta  gente. 
Dom  Pleuriz  com  algúa  se  agasalha. 
Dona  Cólica  dà  tão  de  repente. 
Que  fiiz  afigurar  logo  a  mortalha  : 
Dona  Tristeza  reyna  geralmente. 
Que  como  tão  geral  o  Dom  se  espalha, 
He  Dom  do  Inverno  pôr  consigo  á  meza 
Pleuriz,  Catarro,  Cólica  &  Tristeza  '. 

Quando,  porém,  os  rigores  do  in\erno  se  atenuam,  e  desperta  a 
natureza  com  os  primeiros  sorrisos  primaveris,  tudo  muda,  e  a  ale- 
gria volta  com  o  labutar  agrícola. 

Já  cada  qual  de  canto  em  canto  anda, 
Buscando  as  esquecidas  ferramentas, 
Que  vay  considerando,  &  pondo  à  banda. 
Gastadas  húas,  &  outras  ferrugentas  : 
Quais  aguçar,  &  quais  renovar  manda 
Nas  de  Vulcano  hórridas  tormentas. 
Que  se  em  tormenta  há  vento,  fogo  &  agoa, 
De  agoa,  de  vento,  &  fogo,  consta  a  fragoa. 

Quem  o  estreyto  Alveão,  &  a  larga  Enxada 

Encaba,  a  cunha  aguda  rebatendo, 

E  quem  no  curvo  Arado  a  renovada 

E  proveytosa  Relha  está  metendo; 

Quem  novo  Carro  faz,  quem  nova  Grada, 

O  ferro  de  perdiz  entremetendo, 

E  quem  o  torto  Jugo,  inda  advertido 

Do  Tirano,  que  já  tinha  sofrido. 

Já  de  Ceres  a  náo  vay  navegando 
Com  seu  Piloto  ao  leme,  que  prudente, 

I   y.  T.  VI,  12-1 5. 


iS2  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Os  velhos  rumos  outra  vez  aspando, 
Governa  o  leme  a  porto  differente  : 
Brandindo  o  mastro  vay  de  quando  a  quando 
Sobre  as  velas,  que  esteyraõ  lentamente 
Seu  raso,  &  natural  Mediterrano 
Que  estereliza,  ou  abunda  o  anno. 

Grita  o  provido  velho  a  seu  visinho 
Que  se  erga,  que  he  manhãa,  que  và  ligeyro 
A  dar  ao  pobre  campo  o  brando  linho 
Com  o  ruyvo  tremez  seu  companheyro. 
Seus  legumes  semea  o  póbresinho, 
Sustento  seu,  barato,  &  verdadeyro, 
Com  que  vive  mais  sam  do  Sol  tostado. 
Do  que  o  rico,  achacoso,  &  regalado. 

Cuydadoso  prepara  o  bruto  neto 
Da  coyxa  as  hortas,  com  que  se  desvalia ; 
Dos  frescos  bosques  ao  pastor  de  Admeto 
Dá  salva  a  enamorada  Philomella; 
Bayla  o  cabrito,  brinca  o  potro  inquieto. 
Sorrisse  o  prado,  brinda  a  fonte  bella, 
Zephyro  luta  derrubando  as  flores. 
Tudo  campestre  allivio  de  cultores '. 


De  i632  a  1Õ40  residiu  Brás  Garcia  habitualmente  em  Avô.  i  Que 
fez  ele  durante  esses  oito  anos  ? 

Bento  Madeyra  de  Castro,  fonte  quási  exclusiva  a  que  os  biógrafos 
posteriores  teem  recorrido,  diz  muito  pouco,  e  isso  mesmo  contêm 
graves  inexactidões'.  Os  outros,  bordando  fantasias  sobre  essas 
informações  inexactas,  mais  se  afastam  da  verdade. 

Sanches  de  Frias  corrige  um  disparate  de  Costa  e  Silva  3,  e  um 
erro  vulgarizado  por  Camilo  Castelo  Branco,  assentando  pela  pri- 
meira vez  que  foi  em  Travanca-de-Farinha-Pôdre,  diocese  de  Coim- 
bra, e  não  em  S.  Salvador  de  Travanca,  bispado  de  Viseu,  como 
inventara  o  grande  romancista,  que  se  deu  uma  briga  violenta  e  muito 
falada,  em  que  foi  protagonista  o  nosso  poeta  *. 

Vejamos  se  algum  passo  mais  se  pode  avançar. 


í   V.  T.  VI,  ig-23.  —  2  Doe.  CXII. 

'  Sanches  de  Frias,  O  poeta  Garcia,  p.  48,  nota. 

4  Thi<1    n    A^ 


*  Ibid.  p.  4-'; 


Cap.V — O  poeta-Jidalgo  de  cÃvu  i53 

Sem  dúvida  que  pode.  Encontramos  esparsas  pelo  Viriato  Trá- 
gico algumas  notas  biográficas  relativas  a  este  período  da  vida  do 
poeta,  que  não  teem  sido  devidamente  aproveitadas.  As  mais  im- 
portantes encontram-se  no  canto  xv.  E  o  sonho  de  Viriato,  ao  qual 
já  temos  pedido  muitos  outros  traços  auto-biográficos  importantes. 

O  pastor  do  Hermínio,  vencedor  dos  romanos  em  várias  batalhas 
e  escaramuças,  indo  passar  o  outono  às  faldas  da  sua  serra,  ador- 
meceu um  dia  no  local  onde  muito  mais  tarde  veio  a  erguer-se  a  vila 
de  A\'ô.  De  hum  grave  sono  transportado^  sonha  estranhe:{as,  que  o 
poeta  a  contar  se  anima  '.  Penetra  com  vista  profética  as  idades 
venturas,  e  depois  de  presenciar  muitas  cousas  que  viriam  a  suceder 
na  série  dos  tempos,  vê  surgir  ali  mesmo,  onde  estava  dormindo,  a 
vila  de  Avô  com  os  seus  três  edifícios  sumptuosos.  Ponte,  Castelo, 
Igreja^  fundações  de  D.  Dinis. 

Continua  a  visão,  tendo  por  objecto  Avô;  e,  entrando  agora  o 
próprio  Brás  em  scena,  Viriato 

Moderno  filho,  com  mesagra  nova 

De  pedra,  vc  que  tolda  a  veloz  prata, 

Com  que  de  hum  lado  à  Pátria,  que  renova, 

Novo  arrabalde  facilita,  &  ata. 

Vè,  que  restaura  tudo,  o  que  se  approva 

Por  mais  difficil,  &  que  em  fim  resgata 

A  fabrica  dos  templos,  que  de  velhos 

Os  faz  logo  luzir,  como  huns  espelhos. 

Repara  mais,  &  vè,  que  anda  cantando 
Em  numerosos  versos  seus  louvores 
Entre  jardim,  que  fez,  de  quando  a  quando 
Tosando  as  murtas,  &  compondo  as  flores. 
Cuyda,  que  está  com  elle  conversando, 
E  que  a  seus  rogos  conta  os  disfavores. 
Que  a  fortuna  lhe  faz,  entremetendo 
Os  successos  do  Reyno;  assim  dizendo  2. 

Viriato  ouve  em  seguida  o  poeta  contar-lhe  a  sua  vida  até  ao  re- 
gresso do  Brasil,  narração  que  é  já  nossa  conhecida.  Escutemos 
agora  com  o  pastor  do  Hermínio  a  continuação  da  narrativa  auto- 
biográfica do  poeta  beirão. 

Sobre  nove  annos  de  importuna  absencia 
Torno  a  gosar  da  Pátria  desejada. 
Como  quem  sobre  larga  penitencia 


'   V.  T.  XIV,  110.  —  2   V.  T.  XV,  25-26. 


i54  ^Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Se  absolve  da  censura  reservada  : 
De  importância  lhe  foy  minha  assistência, 
Pois  está  com  mais  obras  illustrada, 
Que  dã  mais  honra  ao  que  a  Pátria  zela, 
Accrescentala,  que  morrer  por  ella. 

Sete  annos  festejey  (cousa  hè  notória) 
Juntando  nestes  valles  cortes  bellas. 
Porque  o  Monarcha  da  celeste  gloria, 
Quarenta  horas  cada  anno  assistio  neijas. 
Dura,  &  hà  de  durar  sua  memoria, 
Pella  parte  que  às  Musas  tocou  delias, 
E  por  outros  applausos  grandiosos, 
Que  inda  estão  repetindo  eccos  saudosos. 

Mas  nem  bom  zelo  da  inveja  escapa, 
Que  hè  geral  esta  fúria  de  Cocyto, 
E  em  terra  não  muy  grande  trazer  capa 
Mais  limpa,  que  os  mais  limpos,  hè  delito  : 
Este  sò  desdourar  querendo  o  mapa. 
Romper  da  Emulação,  o  sobescrito. 
Que  donde  está,  se  occulta  sedo  ou  tarde 
Se  ergue  qual  fumo,  se  qual  fogo  arde. 

O  verme  a  quietação  restituhido 

Me  fazia  encolher,  &  sofrer  tudo. 

Que  descanso  em  trabalhos  adquirido, 

O  não  deve  arriscar  nenhum  sesudo. 

Por  outra  parte  vendome  offendido 

De  lingoas,  seus  dóceis  com  ferro  agudo 

Rasgo  com  mais  rigor,  do  que  propunha  ; 

Sem  propor,  rasga  a  espada,  que  se  empunha. 

Eysme  julgado  ao  touro  de  Pcrilo 

Do  vulgo,  pello  fej  to,  ou  desterrado 

Ao  berço  occulto  do  longínquo  Nilo, 

Por  também  ter  a  Nèmese  violado. 

Mas  sem  perturbação,  &  sem  asylo. 

Da  rezão,  &  de  Amigos  ajudado, 

Desmentir  pude  o  monstro  susurrante, 

Qu«  o  vulgo  he  sempre  Astrólogo  ignorante. ' 


Analisemos   de  vagar  esta  interessante  narrativa.     Segundo   ela, 
os  oito  anos  foram   bem  aproveitados   pelo  poeta  em  ilustrar,  bene- 

1   V  T.  XV,  62-U6. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  (lAvô  i55 

ficiar  e  honrar  a  sua  terra  natal.  Pondo  de  parte  a  modéstia  ex- 
cessiva, Brás  Garcia  gaba-se  de  que  a  sua  assistência  foi  de  impor- 
tância para  a  vila  de  Avò,  que  está  com  mais  obras  ilustrada ;  e, 
cônscio  da  sua  benemerência,  formula,  como  vimos,  o  conceito: 

Que  dá  mais  honra,  ao  que  a  Pátria  zela, 
Acrescentala,  que  morrer  por  ela  '. 

E  ;  que  acrescentamentos,  que  obras,  que  ilustrações  foram  essas  ? 
Vamos  vê-lo. 


Meses  depois  de  chegar  a  Avô,  quando  achou  momento  oportuno, 
realizou  uma  ostentosa  solenidade  religiosa,  a  das  quarenta  horas, 
assim  chamada  porque  durante  esse  tempo  se  conserva  a  Eucaristia 
solenemente  exposta  à  adoração  dos  fiéis.  Segundo  o  costume  das 
grandes  solenidades  religiosas,  foram  concomitantemente  organizados 
festejos  profanos  e  diversões,  fazendo-se  convites  a  quanto  havia  de 
distinto  na  pro\'íncia  da  Beira;  assim  Avô,  durante  três  dias,  assumiu 
o  aspecto  de  uma  corte  bela.  A  poesia  teve,  como  era  de  esperar, 
grande  quinhão  nas  festas,  fazendo  o  nosso  poeta  composições  ade- 
quadas a  celebrar  o  Monarca  da  celeste  glória,  cuja  visita  e  assis- 
tência era  assim  solenizada.  E,  gentil  como  êle  era  para  o  belo  sexo, 
;  porque  não  havia  de  misturar  o  estro  profano  com  o  sacro,  cantando 
os  atractivos  de  algumas  formosas  filhas  do  Ali>a,  que  andassem  com 
seus  encantos  e  beleza  abrilhantando  a  festa  ? 

A  solenidade  das  quarenta  horas  repetiu-se  daí  em  deante  todos  os 
annos  até  iGSq,  promovida  e  custeada  sempre  por  Brás  Garcia,  que 
dela  era  mordomo  e  festeiro ;  e  nunca  afrouxou,  nesses  sete  anos,  do 
esplendor  com  que  fora  celebrada  a  primeira.  Intervinham  sempre 
as  Musas  em  larga  escala,  e  havia  muitos  outros  aplausos  grandiosos, 
que  mais  tarde  eram  memorados  com  saudade  pelos  que  haviam  tido 
a  dita  de  assistir  a  tão  esplêndidas  festas. 

O  poeta  diz  : 

Sete  annos  festejey  (cousa  hè  notória) 
Juntando  nestes  valles  cortes  bellas-; 

não  se  deduza  porem  desta  afirmação  que  a  festa  deixou  de  se  cele- 


>  V.  r.  XV,  62.  — 2  V.  r.  XV,  63. 


i56  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

brar.  findos  os  sete  anos.  Nestes  versos  fala  dos  festejos  em  que  êle 
foi  o  planeador,  agente,  e  director,  em  que  foi  propriamente  o  fes- 
teiro; de  1639  em  deante  a  festa  continuou  a  fazer-se,  à  custa  dos 
rendimentos  que  Brás  Garcia,  como  instituidor,  para  isso  estabeleceu ; 
mas  as  ocupações  e  cuidados  do  poeta  não  o  deixaram  continuar  a 
ser  êle  mesmo  o  mordomo,  e  por  isso  a  solenidade  perdeu  o  primi- 
tivo brilho.  Decorridos  muitos  anos,  em  1699,  ainda  Madeyra  de 
Castro  escrevia:  —  Aqui  instituio,  &  celebrou  cõ  versos  a  festa  das 
40.  horas,  q  hoje  logramos  em  Avó  '. 


Velha  ponte  lançada  sobre  o  Alva-  ligava  a  povoação  de  Avô  à 
encosta,  que  do  outro  lado  do  rio  lhe  ficava  a  Norte,  onde  se  erguia  a 
igreja  matriz.  Mas  por  Sul  e  Oeste  o  Moura  constituía  um  fosso 
natural,  fácil  de  vadear  ^,  é  verdade,  em  todo  o  tempo  que  não  hou- 
vesse enchente,  mas  que  entretanto  embaraçava  as  comunicações  com 
os  povos  daquela  banda,  entre  outros  Anceriz,  Cerdeira,  Vila-Cova, 
Coja ;  e  mais  afastados  Folques,  Arganil,  Gois  e  Pombeiro. 

Era  de  grande  vantagem  para  a  vila  a  construção  duma  ponte 
sobre  este  rio.     Foi  esta   a   primeira  obra  de  grande  vulto  que  Brás 


>  Doe.  CXII. 

2  Na  estampa  fronteira  vê-se  bem  nitidamente  à  esquerda  do  espectador  essa 
ponte,  por  cuja  única  abertura  passa  o  Alva,  ao  entrar  no  lago.  Encontram-se 
na  cobertura  da  estampa,  indicados  por  algarismos,  os  lugares  seguintes :  — 
1)  Outeiro  na  margem  direita  do  Alva,  sobre  o  qual  fica  a  igreja,  que  a  fotografia 
não  abrange; — 2)  Esplanada  onde  assentava  o  castelo;  —  3)  Ponte  sobre  o  Alva; 
—  4)  Casa  dos  Figueiredos,  representantes  de  um  ramo  dos  Madeiras  Arrais  de 
Avô;  —  5)  Casa  de  Marcos  Garcia,  onde  residia  o  poeta;  —  6)  O  Pego. 

'  Diz-se  que  deste  facto  é  que  provêm  o  nome  de  Avô,  dado  à  povoação  que 
em  tempo  dos  romanos  se  fundou  junto  deste  vau  (ad  uadumj.  E  verosímil,  e  a 
transformação  de  ad  iiadiim  em  a  vou  ->■  Avôo  -*  Avô  conforma-se  perfeitamente 
com  as  leis  fonéticas.  Entretanto  não  tenho  elementos  bastantes  para  afirmar  ca- 
tegoricamente que  assim  fosse,  e — a  posse  ad  esse  non  ualet  conclusio;  sendo  porem 
certo  que  a  forma  Vaao.,  que  se  diz  aparecer  em  antiquíssimos  documentos  a  desi- 
gnar este  logar,  longe  de  prejudicar,  corrobora  aquela  hipótese.  O  mais  antigo 
documento  meu  conhecido,  em  que  se  nomeia  esta  povoação,  é  o  foral  dado  por 
D.  Sancho  I  no  ano  de  1187;  as  alegações  que  vejo  feitas  a  documentos  anteriores, 
não  as  posso  verificar,  por  isso  não  as  discuto  agora.  No  mencionado  foral  nada 
menos  de  cinco  vezes  se  lê  o  nome  da  localidade,  auoo  ou  avoo,  que  perfeitamente 
se  harmoniza  com  a  hipótese  referida. 


^' 


Cap.  V —  O  poeta-Jidalgo  de  oAvô  iSj 

Garcia  empreendeu  e  realizou  à  sua  custa:  mesagra  de  pedra,  que 
tolda  a  velo^  agua  do  rio  Moura,  espelhada  como  prata,  e  com  a 
qual  facilitou  e  atou  à  Pátria  um  novo  arrabalde. 

Mesmo  em  frente  da  casa  de  habitação  dos  Garcias  de  Mascare- 
nhas, da  outra  banda  do  Pego  e  confinante  com  este,  havia  um  ter- 
reno que  pertencia  à  família  do  poeta,  cujos  bens  continuavam  inde- 
visos.  A  ponte  foi  construída  precisamente  no  local  em  que  o  Moura 
entra  no  lago,  e  ficou  ligando  directamente  o  terraço  que  circunda  a 
casa  com  o  tal  terreno  fronteiro,  onde  Brás  Garcia  tratou  logo  de 
plantar  e  cultivar  o  seu  jardim.  Sítio  realmente  privilegiado;  e  não 
seria  fácil  ao  poeta  encontrar  outro,  onde  tantos  encantos  se  reunis- 
sem. Hoje  abandonado,  com  os  muros  derruídos,  parte  escalavrado 
pelas  enchentes,  parte  invadido  pelas  areias  e  cascalho  do  rio,  ainda 
lá  conserva  dois  velhíssimos  ciprestes,  que  a  tradição  popular  aponta 
como  plantados  pelo  próprio  Brás  Garcia ;  e  bem  pode  ser  que  a 
tradição  corresponda  à  verdade  '.  São,  pois,  em  tal  hipótese,  duas 
testemunhas  do  cuidado  e  amor  com  que  o  nosso  poeta  cuidava  do 
aformoseamento  á^iq\x(t\^t  jardim  que  è\*tfe:{.  Ali  passou  muitas  horas, 
durante  largos  anos,  conversando  com  os  amigos,  fazendo  as  suas 
leituras,  de  quando  a  quando  tosando  as  murtas  e  compondo  as  Jlores; 
lá  produziu  muitas  das  suas  composições  poéticas. 


l  Que  outras  obras  faria  Brás  para  embelezar  o  seu  querido  Avô  ? 

De  muitas  não  nos  ficou  memória  especificada ;  encontramos  ape- 
nas no  poema  referência  genérica  a  obras  difíceis  e  de  importância. 
Viriato,  no  seu  sonho,  vê  que  êle,  o  moderno  Jilho  de  Avô,  restaura 
tudo  o  que  se  aprova  por  mais  difícil. 

Por  último  chamam  a  sua  atenção  a  igreja  e  capelas  da  vila,  que 
uma  pela  sua  vetustez,  as  outras  pelo  seu  mau  estado  de  conserva- 
ção, precisavam  de  restaurações  e  reformas. 

Havia  em  Avô,  alem  da  igreja  paroquial,  que  era,  como  já  disse, 
do  princípio  do  século  xiv,  algumas  capelas,  tais  como  a  venerada 
ermida  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  a  capela  de  S.  Miguel  junto 
do  castelo,  e  a  de  Santo  Antão  no  adro  da  matriz.  Não  sei  em  quais 
realizaria  obras: — na  matriz  com  certeza;  na  capela  do  Mosteiro 
probabilíssimamente ;   na   do  castelo   (àe  que  hoje  só   restam  as  pa- 


'  Vid.  estampa  fronteira  à  pág.  seguinte. 


i58  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

redes),  o  retábulo  e  o  arranjo  interno,  se  são  exactas  as  recordações 
que  conservo,  eram  do  meado  do  século  xvii,  e  por  isso  não  ultra- 
passo o  campo  das  probabilidades  supondo  que  ali  andasse  a  inicia- 
tiva, dinheiro  e  direcção  de  Brás.  Quando  eu  entrei  pela  primeira 
vez,  haverá  uns  35  anos,  nesta  última  capela,  ainda  o  altar  com  o 
seu  retábulo  estava  completo,  conservavam-se  restos  da  pintura,  mas 
a  imagem  do  padroeiro  já  havia  sido  removida  para  a  igreja  paro- 
quial, onde  ainda  se  conserva.     O  letreiro  pintado  por  cima  do  altar 

HVNDE   HOC   MIHI  VF  MATER   DNI  VENIAT   AD  ME 

indicava  que,  embora  o  titular  do  pequeno  templo  fosse  S.  Miguel 
Arcanjo,  ali  se  venerava  também  a  mãe  do  Baptista,  ou  se  comemo- 
rava a  visitação  da  Virgem. 

Caiações,  pinturas,  douramentos  dos  retábulos,  tudo  o  que  contri- 
buía para  o  maior  embelezamento  e  lustre  desses  santuários,  mandou 
Brás  fazer;  e  depois,  desvanecido  a  olhar  para  a  sua  obra,  estava  no 
direito  de  se  gabar,  que  resgatara 

A  fabrica  dos  templos,  que  de  velhos 
Os  faz  logo  luzir,  como  huns  espelhos  '. 

Duas  capelas  porém  foram  construídas  de  novo  por  Brás  Garcia  -, 


»  V.  T.  XV,  25. 

~  Vêja-se,  na  estampa  que  acompanha  esta  página,  a  casa  de  Brás  com  o  seu 
terraço,  e  bem  assim  o  local  fronteiro,  da  outra  banda  do  lago,  onde  arranjou  o 
jardim,  e  onde  se  vêem  os  dois  majestosos  ciprestes,  a  que  aludo  na  pág.  antece- 
dente, e  as  duas  capelinhas  conjntuas,  a  de  S.  Brás  e  a  de  Santo  António.  Lá  se 
notam  ainda  bem  visíveis  os  encontros  da  antiga  ponte,  para  cá  da  ponte  actual. 
Eis  o  que  se  vê  digno  de  nota  nesta  estampa,  com  as  indicações  numéricas  da 
cobertura:  —  1)  Casa  de  Marcos  Garcia;  —  2)  Casa  reedificada  há  pouco  no  local 
onde  moder.iamente  se  supunha  que  fora  a  residência  de  Marcos  Garcia ;  — 
3)  Ponte  moderna  de  Santo  António,  construída  um  pouco  alem  do  local  onde 
estivera  a  de  Brás  Garcia;  — 4)  Capela  de  Santo  António,  mudada  do  Picoto  para 
aqui; — 5)  Capela  de  S.  Brás,  edificada  pelo  poeta;  —  6)  Terreno  onde  Brás  fez 
o  seu  jardim  ;  —  7-8)  Encontros  da  ponte  construída  pelo  poeta ;  —  9)  O  Pego. 

—  Tinha  dois  arcos  essa  ponte  mandada  fazer  por  Brás,  e  conservou-se  até 
aos  princípios  do  século  xix.  Desabou  com  uma  enchente  do  rio,  não  sei  em  que 
ano,  lançando-se  então  uma  ponte  de  madeira  sobre  as  ruínas  da  de  pedra.  Ha- 
verá meio  século,  mandou  a  Câmara  Municipal  de  Oliveira  do  Hospital  reconstruir 
a  ponte  de  Brás  Garcia,  com  os  seus  dois  arcos,  aproveitando  os  antigos  encon- 
tros e  fundamentos;  mas  volvidos  anos  desabou  de  novo,  a  8  de  setembro  de  1878. 
Foi  depois  construída  pelas  Obras  Públicas  um  pouco  acima  a  que  ora  lá  existe , 
para  dar  passagem  à  estrada  distrital  n."  106. 


Cap.  V —  O  poeta- fidalgo  de  oAvò 


i5g 


simultaneamente,  bem  próximas,  e  à  vista  uma  da  outra:  no  seu  jar- 
dim uma  dedicada  ao  Santo  do  seu  nome ;  no  Picoto,  pequeno  ilhéu 
granítico  que  surge  no  lago,  outra  tendo  por  titular  Santo  António. 

Quanto  à  de  S.  Brás  tenho  razão  para  supor  que  foi  construída 
aí  por  i635,  quando  o  Dr.  Manuel  Garcia,  deixando  o  priorado  de 
Travanca,  veio  residir  permanentemente  para  Avô.  Com  esta  mi- 
núscula ermida  sa- 
tisfez Brás  a  devo- 
ção que  consagrava 
ao  santo  do  seu  no- 
me, obviou  à  como- 
didade de  seu  irmão, 
que  escusava  de  ir 
mais  longe  para  ce- 
lebrar a  sua  missa 
quotidiana,  e  deu  sa- 
tisfação à  prosápia 
da  sua  família  tendo 
capela  privativa,  com 
capelão  graduado  e 
qualificado.  Depois 
da  morte  do  poeta, 
continuou  Manuel 
Garcia  a  usufruir 
como  sua  a  capela 
de  S.  Brás,  onde  di- 
zia missa  habitual- 
mente ;  e  a  3o  de 
março  de  1660  obri- 
gou-se  o  padre  Pan- 
taleão  *,  em  confor- 
midade com  um  contrato  previamente  celebrado  entre  todos  os  irmãos 
e  irmãs  que  ainda  viviam  -,  a  fazer  entregar  ao  convento  do  Buçaco, 
por  morte  do  Padre  o  Doutor  Manuel  Garcia,  .  .  .  hum  Cálix  de  prata 
com  mais  or)ia»iento  que  tem  em  assua  capella  de  Avó,  a  fim  de 
ficarem  servindo  na  capela  de  S.  José,  na  igreja  daquele  convento. 

Pelo  que  diz  respeito  à  capela  de  Santo  António,  não  tenho  en- 
contrado no  documentos  nenhuma  referência  á  época  da  sua  edificação 


Recanto  das  duas  capel::s  coiiiimtas,  de  b.  liras  c  de  Santo  António, 
vendo-se  a  poria  de  entrada  da  de  S.  Brás. 


1  Doe.  XCI.  —  2  Doe.  LXXXIX. 


i6o 


'Brás  Garcia  de  SVfascarenhas 


nem  ao  fundador  :  mas  sendo  ela  mudada  da  sua  situação  primitiva, 
a  meio  do  lago,  para  Junto  da  de  S.  Brás,  ficando  as  duas  a  formar 
um  só  edifício,  e  tendo-se  aproveitado  nesta  mudança  os  materiais, 

sucedeu  que  as  canta- 
rias da  cornija  da  de 
Santo  António  se  ada- 
ptaram tão  perfeita- 
mente às  que  existiam 
na  de  S.  Brás,  que  pa- 
recem uma  continuação 
delas ;  o  que  é  inexpli- 
cável, a  não  aceitarmos 
a  hipótese  que  as  duas 
capelas  foram  construí- 
das ao  mesmo  tempo, 
e  as  cantarias  ali  apa- 
relhadas pelos  mesmos 
pedreiros,  cingindo-se 
aos  mesmos  moldes. 
Em  ambas  as  capelas 
terminam  as  pilastras 
por  um  pedestal,  enci- 
mado   por    uma    pirâ- 

Altar  e  imagem  da  capeia  de  S.  Brás.  mide.       Há.  porêm,   en- 

tre as  duas  a  diferença 
de  ser  bastante  maior  a  de  Santo  António,  e  de  ter  a  porta  rectan- 
gular, emquanto  a  de  S.  Brás  a  tem  de  arco. 


Do  que  fica  exposto  se  conclue  que  Brás  Garcia  era  generoso,  que 
não  se  retraía,  de  gastar,  e  gastar  à  larga,  os  meios  que  tanto  lhe 
haviam  custado  a  grangear,  dispendendo-os  em  festas  de  que  não 
colhia  proveito,  em  obras  que  não  eram  suas,  mas  da  povoação,  e 
em  melhoramentos  de  propriedades  que  pertenciam,  não  a  êle,  mas 
indevisamente  a  família.  Isto,  se  por  um  lado  mostra  o  génio  des- 
interessado do  poeta,  por  outro  revela-nos  que  êle  não  tinha  ideia 
de  se  casar,  não  pensava  em  constituir  família  própria.  Pois  se  até 
o  jardim,  em  que  despendera  tantos  cuidados,  amor  e  actividade, 
onde   erigira  a  capelinha   ao  santo  do  seu  nome,  e  que  era  servido 


Cap.  V —  O poeta-fidalgo  de  qApô  i6i 

pela  ponte  que  tão  grossa  soma  lhe  custara,  ;  esse  mesmo  não  era 
propriedade  sua !  Vemos,  25  anos  depois  da  morte  do  poeta,  e 
quando  eram  já  falecidos  os  irmãos,  as  duas  últimas  irmãs  sobrevivas 
considerarem  esse  jardim,  já  então  transformado  prosaica  e  utilitá- 
riamente  em  horta,  não  como  propriedade  dos  filhos  de  Brás,  mas 
pertença  comum  delas,  como  já  o  fora  também  dos  outros  irmãos 
falecidos  *. 

Estou  a  ver  que  o  desgosto  que  tivera  com  os  seus  primeiros 
amores  lhe  radicara  no  espirito  o  propósito  de  não  casar;  e  como  os 
irmãos  seguiam  a  vida  clerical,  e  as  irmãs  solteiras  já  não  mudariam 
de  estado,  os  bens  de  toda  a  famíha  passariam  para  os  filhos  de  Fe- 
liciana,  aos  quais  a  casa  paterna,  abastada  como  era,  bem  chegava 
para  viverem  na  abundância,  sem  precisarem  do  que  lhes  viesse  de 
Avô.  Por  isso  podia  ele  gastar  o  que  era  seu,  como  lhe  aprouvesse, 
sem  fazer  reservas  e  sem  dar  satisfações  a  ninguém. 

Parece-me  ser  este  o  propósito  e  pensar  do  nosso  poeta,  no  pe- 
ríodo de  que  nos  ocupamos. 

E  mais  convencido  fico  da  realidade  desta  minha  suposição,  ao 
vê-lo  mais  tarde,  depois  de  casado  e  pai  de  filhos,  esfalfar-se  a  jus- 
tificar e  exaltar  os  que  trabalham  por  ilustrar  com  obras  a  pátria, 
chegando  até  a  afirmar  que  maior  mérito  há  em  acrescentar  com 
melhoramentos  a  sua  terra  natal,  do  que  em  sacrificar  a  vida  por 
ela.  Deixa-nos  a  impressão  de  que,  ao  escrever  isto,  discutia  mental- 
mente com  alguém,  de  pensar  adverso,  que  o  contraditava. 

l  Quem  seria  esse  contraditor  desconhecido,  a  quem  éle  queria 
inculcar  esta  doutrina  ?  ;  Seria  a  consciência,  que  principiava  a  dar- 
Ihe  rebate  de  que  deveria  ter  sido  mais  previdente  e  económico, 
preparando  a  seus  filhos  uma  situação  desafogada  e  independente  ? 
l  Seria  o  receio  de  que  mais  tarde  os  próprios  filhos  o  acusassem  de 
esbanjador,  querendo  éle  antecipadamente  justificar-se  dessa  possível 
acusação,  para  éle  bastante  dolorosa  ? 

Bem  pode  ser  tudo  isto. 


Neste  período  de  oito  anos  é  que  o  estro  poético  de  Brás  Garcia 


'  «E  assim  mais  huma  orta  que  está  por  baixo  da  ponte  nova,  à  porta  de  Sam 
Brás,  que  parte  com  o  Rio  Alva,  e  casal  de  António  Francisco».  —  Escritura  de 
instituição  de  vínculo  feita  por  Isabel  Garcia  e  Antónia  Garcia  a  27  de  janeiro  de 
j68i.    (Doe.  CVII). 


i62  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

se  tornou  mais  produtivo,  cultivando  o  nosso  poeta  as  Musas  em 
horas  e  dias  de  repouso  que  passava  em  Avô.  Com  excepção  do  Vi- 
riato Trágico,  são  deste  período  quási  todas  as  composições  que 
deixou  coligidas  em  volumes,  e  de  que  nos  dá  conta  o  seu  biógrafo 
Madeyra  de  Castro. 

Pena  é  que  este  benemérito  fidalgo,  que  muito  bem  conhecia  esses 
volumes,  não  tivesse  a  lembrança  de,  à  custa  de  suas  grandes  rendas, 
editar  todos  esses  cadernos  de  variadas  rimas  e  assuntos,  como  fez  ao 
livro  que  continha  a  epopeia,  e  que  êle,  no  seu  critério  patriótico, 
considerou  a  mais  preciosa  jóia  do  talento  do  poeta,  e  morgado  de 
sua  affeyção. 

Mas  lamentar  não  é  censurar.  Só  louvores  e  agradecimentos  são 
devidos  à  memoria  de  Bento  Madeyra  de  Castro,  sem  o  qual  nem 
um  único  verso  possuiríamos  de  Brás  Garcia,  cuja  memória  se  teria 
esvaído  completamente. 

Não  conhecendo,  infelizmente,  essas  poesias,  registemos  aqui  ao 
menos  a  indicação  sumária  que  delas  faz  o  ilustre  biógrafo,  que  com- 
pulsou e  leu  os  volumes  manuscritos  que  as  continham.     Ei-la : 

—  Celebrou  có  persos  a  festa  das  40.  horas,  q  hoje  logramos  em 
Ai'ó ; 

■ — festejou  vutytos  Santos  cÓ  Comedias,  que  ainda  existem  pêra 
credito  de  seu  engenho; 

—  mais  deu  à  lu^  hutn  Tomo  de  Sanctos,  &  Remanses  vários,  di- 
gnos de  áureos  caracteres,  que  da  sua  letra  hoje  existem ; 

—  sobre  tudo  suspira  nosso  affecto  por  hã  Tomo,  que  cópo^  quando 
se  roltoudo  Brasil,  intitulado  Ausências  Brasílicas,  juo/s  nesses  copiosos 
cadernos,  que  durão,  nos  excita  as  saudades  do  que  quasi  gastou  o 
tempo,  &  o  descuido. 

Mais  tarde  diremos  qual  o  destino  que  teve  toda  essa  bagagem 
literária,  que  existia  quando  Madeyra  de  Castro  escreveu  o  seu  Breve 
resumo^  para  publicar  à  frente  do  Viriato;  bagagem  que  entretanto 
já  se  achava  a  esse  tempo  bastante  depauperada  pelo  descaminho 
que  haviam  tido  muitas  composições,  por  culpa  do  tempo  e  do  des- 
cuido. 


Mas  longas  horas  de  aborrecimento  devia  êle  também  passar,  es- 
«  Doe.  CXII. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  1 63 

pecialmente  naqueles  feíssimos  dias  de  inverno,  e  nos  intermináveis 
serões  respectivos,  quando  o  frio,  o  vento,  a  tempestade  cá  fora  se 
fazem  sentir  duramente,  não  permitindo  sequer  que  se  deite  a  cabeça 
á  janela  ou  à  porta.  Aproveitava  nesses  dias  a  reclusão  forçada, 
cantando,  isto  é,  compondo  os  seus  versos*;  mas  não  podia  estar 
sempre  em  convívio  permanente  com  as  Musas,  e  tinha  necessidade 
de  outras  diversões  domésticas. 

Então  vinham  os  amigos,  ora  uns  ora  outros,  juntando-se  para  a 
conversa  e  para  as  partidas  de  jogo. 

Lá  dentro,  na  cozinha,  as  senhoras  e  as  criadas  aqueciam-se  de 
volta  da  fogueira,  contando  contos  de  mouras  encantadas  e  de 
princesas  cativas,  e  ao  mesmo  tempo  iam  vigiando  as  panelas  e  ca- 
çarolas, onde  se  preparava  a  refeição.  Na  sala  o  velho  Marcos 
Garcia,  que  não  abdicava  dos  seus  direitos  patriarcais  no  seio  da 
família,  fazia  as  honras  da  casa  aos  amigos  de  seu  filho;  e  estes,  sen- 
tados ao  redor  da  clássica  braseira  de  cobre,  conversavam,  e  deleita- 
vam-se  a  ouvir  as  narrativas  animadas  e  interessantes,  que  Brás  fazia 
das  suas  aventuras,  ou  a  recitação  de  algumas  das  suas  poesias. 

Depois  trazia-se  uma  pequena  mesa,  que  se  colocava  sobre  a 
braseira.  Dispunham-se  as  cartas,  e  começava  a  partida  de  jogo. 
Não  é  fantasia  nossa,  mas  noticia  dada  pelo  poeta,  ao  dizer-nos  que 
no  inverno 

Arde  o  braseyro,  a  chaminé  fumea, 
Esta  aquenta  o  comer,  aquelle  o  jogo  ^ ; 

e  mostra-se-nos  familiarizado  com  a  terminologia  então  usada  pelos 
jogadores  de  cartas,  que  ele  aplica  ao  jogo  de  armas : 

Que  em  jogo  de  Armas,  que  tão  mal  se  aparta, 
Todos  perdem  por  mais,  &  menos  Carta. 

Como  quem  a  Primeyra  está  jogando, 
Que  com  reinvite  o  do  invite  empenha, 
E  o  ponto  mostra  em  que  ganhou  cachando, 
Porque  quando  tiver  jogo,  lha  tenha  ; 
Cuyda  que  pouco,  &  pouco  o  vão  picando 
Pêra  que  a  reinvidar  o  resto  venha, 
E  tão  medroso  em  tais  invites  se  acha, 
Que  mais  lhe  ganha  o  que  mais  lhe  cacha. 

Vendo  os  cabos,  que  perde,  &  não  bravea, 
Cada  qual  lhe  faz  hum,  &  outro  assinte ; 


1   V.  T.  XV,  104.  — 2   V.  T.  VI,  14. 


104  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Mas  quem  no  jogo  muytas  mãos  cachea, 
Mais  perde  em  húa,  do  que  ganha  em  vinte. 


A  certa  hura  interrompia-se  a  jogatina,  porque  uma  criada  viera 
anunciar  que  estava  a  ceia  pronta. 

Lá  iam  todos  então  para  a  lareira,  onde  crepitava  um  fogo  alegre 
e  vivo.  Dum  e  outro  lado  da  fogueira  havia  duas  mesas  estreitas, 
cobertas  de  alvas  toalhas  de  linho,  sobre  as  quais  se  enfileiravam  os 
pratos  e  copos,  e  fumegavam  as  caçarolas,  exalando  aroma  apeti- 
toso, capaz  de  tentar  qualquer  anacoreta.  A  meio  de  cada  mesa 
pousava  solene  um  grande  pichei  de  estanho,  cheio  de  magnífico 
vinho  da  região.  Bancos  de  madeira  se  estendiam  entre  as  mesas  e 
as  paredes,  onde  os  convivas  se  sentavam  com  os  pés  chegados  ao 
lume. 

Fazia-se  honra  à  ceia,  que  decorria  alegre.  Brás  Garcia  asso- 
ciava-se  aos  amigos,  comendo  bem  e  conversando  muito  expansiva- 
mente ;  mas  às  libações  báquicas  dos  comensais  correspondia  bebendo 
água.     Do  vinho  apenas  apreciava  o  aroma. 

O  vinho  velho  sempre  hé  mais  cheyroso,    ■ 
Dos  corpos  (não  do  meu)  alegre  amigo  -. 

Opíparas  e  extensas  eram  essas  ceias,  segundo  o  uso  daquele 
tempo,  contrastando  com  a  simplicidade  e  brevidade  das  antigas, 
contraste  a  que  se  refere  o  poeta : 

Com  Albano,  &  Lisías  o  convida 

Pêra  a  cea,  que  estava  preparada, 

Não  como  as  de  hoje  splendida,  &  comprida. 

Mas  como  as  de  então  breve,  &  moderada  '. 


Não  se  imagine  que  Brás  Garcia  viveu  durante  esses  oito  anos 
em  constante  paz  e  sossego,  gozando  em  doce  tranquilidade  ininter- 
rupta as  delícias  de  se  ver  amado,  respeitado  e  admirado  por  todos, 
grandes  e  pequenos,  como  tinha  direito  a  esperar.  Não.  Teve  pelo 
contrário,  na  sua  querida  vila  natal,  épocas  críticas  de  graves  dissa- 
bores, desavenças  e  lutas,  tanto  mais  estranháveis  e  dolorosas,  quanto 


i  V.  T.  xviii,  52-54.-2  V.  T.  iii,  5.-3  V.  T.  ii,  iSz. 


Cap.  V— O  poeta- fidalgo  de  QÃvó  i65 

mais   injustas   eram,   traduzindo   a   vilissima  inveja   de  vizinhos,   e  a 
negra  ingratidão  de  beneficiados. 

Apesar  de  nenhum  dos  biógrafos  do  poeta  ter  feito  referência  a 
tal  facto,  êle  é  certo  e  incontestável;  mas  pormenores  não  se  co- 
nhecem, e  temos  de  nos  contentar  com  o  que  Brás  nos  diz  no  canto  xv 
do  seu  poema,  em  três   estâncias   consecutivas  (64-6Õ)  das  há  pouco 

transcritas : 

Mas  nem  bom  zelo  da  inveja  escapa,  etc. 

Até  hoje  tem-se  suposto  que  estas  estâncias  se  referem  ao  caso, 
muito  falado  e  memorando,  do  priorado  de  Travanca-de-Farinha-Pô- 
dre,  de  que  vamos  em  breve  ocupar-nos,  ao  qual  o  poeta  consagra  as 
estâncias  G7-70,  que  a  seu  tempo  transcreveremos;  mas,  lendo  com 
atenção  o  texto,  facilmente  se  verifica  que  estes  dois  grupos  de  estân- 
cias se  referem  a  acontecimentos  diversos,  perfeitamente  distintos. 
São  duas  narrativas  de  factos  estranhos  entre  si,  qualquer  delas  com- 
pleta, principiando  por  um  pequeno  exórdio,  em  que  o  poeta  diz 
qual  a  causa  dos  desgostos  que  vai  narrar,  e  rematando  pelo  desen- 
lace. Fazer  das  sete  estâncias  uma  narrativa  única  dum  mesmo 
facto,  é  querer  remar  contra  o  bom-senso  para  obter  uma  mons- 
truosidade obesa,  disforme,  contraditória,  ininteligível.  Isto  só  se 
explica  por  inadvertência,  por  ligeireza  de  leitura.  A  narrativa  que 
tem  por  assunto  o  caso  de  Travanca,  apenas  principia  na  estân- 
cia 67 : 

Cuydava  hum  tempo,  que  nas  mãos  estava,  etc, 

e  nada  tem  com  a  anterior. 

Vamos  à  primeira,  que  deixamos  transcrita,  e  que  refere  factos 
passados  em  Avô  no  decorrer  deste  período  da  vida  do  poeta. 


Brás  Garcia,  segundo  o  que  temos  visto,  logo  que  voltou  do  Bra- 
sil, principiou  a  ser  a  figura  predominante,  mais  em  evidência  e  des- 
taque no  pequeno  meio  avoense. 

Surgem  sempre  nas  terras  pequenas  ódios  mesquinhos,  invejas, 
malquerenças,  contra  quem  se  eleve  acima  do  vulgar,  ou  do  já  con- 
sagrado tradicionalmente,  quer  esse  destaque  provenha  de  talentos 
e  virtudes  excepcionais,  de  préstimos  e  serviços  generosamente  fa- 
cultados, quer  de  meios  de  fortuna  que  o  visado  possua  e  fausto  de 
que  se  cerque. 
11 


j66  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Começam  logo  a  fervilhar  à  boca  pequena  us  ditos  picantes,  as 
insinuações  malévolas,  as  calúnias,  a  principio  propagadas  a  medo, 
ao  ouvido  da  comadre  e  do  vezinho,  mas  depois  repetidas  ao  soalheiro, 
e  por  fim  divulgadas.  Atrás  da  calúnia  vcem  os  seus  frutos  naturais: 
as  desconsiderações,  faltas  de  respeito,  e  até,  quando  chega  o  mo- 
mento oportuno,  o  insulto  soez  cara  a  cara.  A  estas  consequências 
naturais  da  difamação  obsta  muitas  vezes  u  temor,  quando  nu  difa- 
mado há  energia  para  se  desafrontar. 

Brás  Garcia  não  estava  imune  de  ser  vitima  de  malquerenças. 
/  Nem  o  seu  boyfi  ■{êlo  escapou  da  inveja !  ;  Pois  se  a  humanidade  é 
assim,  cheia  de  mesquinhezes,  de  maldades  vis  e  ignóbeis  ! 

E  em  terra  não  muy  grande  trazer  capa 
Mais  limpa,  que  os  mais  limpos,  hè  delito  ! 

As  línguas  viperinas  foram  insinuando  o  veneno;  começou-se  a 
rosnar  a  meia  voz,  e  em  breve  era  o  poeta  prevenido  do  que  se  dizia. 

l  Em  que  consistiam  essas  insinuações  envenenadas,  esses  ditos 
caluniosos  ?     ;  Donde  partia  a  calúnia  ? 

Não  o  diz  o  poeta,  e  nós,  apesar  de  conhecermos  um  pouco  a 
sociedade  de  Avô  dessa  época,  não  podemos  indigitar  este  ou  aquele 
como  inventor  ou  propagador  da  calúnia.  E  possível  que  nem  ó 
próprio  Brás  o  podesse  fazer,  porque  geralmente  o  caluniador  é  co- 
barde: faz  o  tiro,  e  fica  escondido. 

Quanto  aos  boatos,  insinuações  e  acusações,  é  provável  que  fossem 
vários,  e  a  este  respeito  não  é  difícil  formar  conjecturas  e  hipóteses 
verosímeis,  algumas  até  prováveis.  Aqui  vai  uma.  De  certo  não  se 
esqueceram  os  inimigos  de  Brás  Garcia  de  lançar  suspeitas  ou  for- 
mular acusações  concretas  sobre  a  legitimidade  com  que  fora  gran- 
geada  no  Brasil  a  sua  fortuna.  Era  então,  como  é  hoje,  a  sorte  que 
espera  quási  sempre  na  sua  terra  os  que,  saindo  dela  pobres  para 
países  remotos,  decorridos  anos  voltam  ricos,  embora  a  custa  de 
honrado  e  custoso  trabalho.  Parece-me  que  podemos  aceitar,  como 
hipótese  muito  provável,  que  esta  seria  uma  das  acusações  caluniosas. 

Mas  houve  outras ;  e  duma  dessas  calúnias,  que  então  se  divul- 
garam, fui  encontrar  um  eco  tardio  nos  depoimentos  das  testemu- 
nhas no  processo  de  genere  para  a  ordenação  de  Tomás  de  Aquino, 
filho  do  poeta. 

Correu  o  boato,  que  naquela  época  era  cheio  de  perigos  e  con- 
sequências terríveis,  de  que  Brás  Garcia  trazia  nas  veias  sangue  in- 
fecto!    Era  mil  vezes  peor  ter  a  desgraça   de  ser  conspurcado  por 


Cap.  V —  O  poeta-fiíialffo  de  cAvô  167 

tal  rumor,  do  que  sofrer  a  acusação  de  ladrão,  assassino,  gafo, 
traidor  ou  empestado.  Surgia  logo  a  visão  apavorante  dos  cárceres 
inquisitoriais,  com  todos  os  seus  horrores  e  com  todas  as  suas  tor- 
turas, divisando-se  lá  ao  fundo  a  pompa,  diabólicamente  tétrica,  dos 
autos-de-fé;  sentia-se  desde  então,  como  que  impressa  na  fronte  com 
um  ferro  em  brasa,  a  nota  infamante,  muito  mais  ignominiosa  do  que 
a  grilheta  do  condenado,  que  acompanhava  a  vítima  até  à  morte,  pri- 
vando-a  de  todas  as  honras  e  distinções,  de  todos  os  cargos  honestos, 
de  que  eram  excluídos  os  que  tivessem  sangue  de  infecta  nação! 

hivocando-se  remeniscèncias,  já  quási  apagadas,  de  leves  rumores 
que  em  tempos  antigos  tinha  havido,  espalhou-se  que  Leonor  Fer- 
nandes, que  viera  das  bandas  de  Tomar,  e  casara  com  Henrique 
Madeira  Arrais,  fidalgo  avoense,  era  mourisca.  Trazer  nas  veias 
sangue  de  Judeu,  mouro,  mulato,  ou  de  qualquer  outra  infecta  nação 
das  condenadas  em  direito,  era  a  suprema  ignomínia;  e  o  povo,  no 
seu  fanatismo  estúpido,  na  sua  maldade  reles  e  boçal,  não  fazia 
indagações,  contenta\a-se  com  o  mais  leve  boato,  e  sentia  vil  prazer 
ao  arremessar  ás  faces  de  alguém  o  supremo  insulto,  que  consistia 
no  epíteto  áti  judeu, 

Brás  Garcia,  pela  linha  materna,  era  3."  neto  daquela   Leonor  *. 

Ninguém  certamente  se  atreveria  a  chamar-lhe  judeu  cara  a  cara ; 
quem  tal  fizesse  receberia  resposta  adequada,  pronta  e  sem  réplica. 
Mas  a  murmuração,  a  calúnia  \il  e  traiçoeira,  lavrava  na  sombra,  a 
alastrar  anonimamente,  sem  que  a  ninguém  pudesse  exigir-se  a  re- 
sponsabilidade. 

Chegou  porém  o  momento  em  que  alguém,  num  golpe  de  ira,  se 
fez  eco  desse  boato,  arremessando  o  epíteto  de  judeu  ao  padre  Simão 
Madeira,  o  velhinho  ermitão  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  tio-avô 
materno  de  Brás.  Esse  alguém,  que,  olvidando  as  suas  relações  e  a 
sua  posição  social,  impensadamente  cometeu  tal  desatino,  era  um 
amigo  de  infância  de  Brás,  o  padre  Roque  Dias  de  Matos  *,  que  então 
exercia  a  paroquialidade  em  Avô.  Expiou  a  sua  leviandade.  Foi 
como  réu  chamado  aos  tribunais,  e,  intimado  a  provar  o  que  dissera, 
alegou  o  rumor  corrente.  Fez-se  a  prova  em  contrário  a  esses  ru- 
mores,  e  o  padre  Roque   foi  condenado   como   caluniador^.     Certa- 


'  Esq.  geneal.  III. 

2  Vid.  pág.  25,  nota. 

3  Transcreverei  do  depoimento  de  Bento  de  Paiva,  testemunha  no  mencionado 
^roctsio  de  genere,  a  passagem  seguinte:  — «...  disse  elle  testemunha  que  sendo 


i68  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

mente  por  trás  do  velho  padre  Simão,  que  figurou  como  autor,  estava 
Brás  Garcia  a  promover  o  andamento  do  processo,  para  não  perder 
esta  boa  ocasião,  que  se  lhe  oferecia,  de  purgar  a  sua  família  e  cas- 
tigar a  caliinia. 


,;  Mas  o  que  fazia  ostensivamente  Brás  Garcia,  enquanto  os  ru- 
mores iam  engrossando  e  as  calúnias  se  propagavam  ? 

Durante  algum  tempo  não  fez  nada.  Dissimulava,  fingia-se  des- 
conhecedor  dos  boatos  que  corriam,  por  evitar  maiores  inquietações, 
pois  de  trabalhos  estava  êle  bem  escarmentado.  Além  disso,  repito, 
o  caluniador,  com  toda  a  sua  vileza  e  cobardia,  tem  o  condão  de  ferir, 
ocultando  a  mão  que  vibra  a  arma  traiçoeira,  e  inutilizando  assim 
qualquer  tentativa  de  desforço. 

Mas  um  dia  a  paciência  esgotou-se-lhe.  Houve  qualquer  ofensa 
directa  e  pessoal,  hoje  impossível  de  determinar.  Não  sei  em  que 
consistiu  o  agravo,  mas  sei  que  foi  de  língua,  e  que  partiu  de  pes- 
soas a  quem  bem  podia  exigir-se  responsabilidade. 

Brás  Garcia  não  esteve  com  hesitações.  Castigou;  mas  castigou 
com  mais  rigor  do  que  propunha.  ;  Como  ?  Ignoro-o,  pois  o  poeta 
apenas  diz,  na  sua  linguagem  figurada : 

seus  dóceis  com  ferro  agudo 

Rasgo  com  mais  rigor  do  que  propunha  ; 

Sem  propor,  rasga  a  espada,  que  se  empunha'; 


vigairo  da  igreiia  de  Avó  Roque  dias  de  mattos  tiuera  duuidas  com  o  padre  ermitão 
Simão  madeira  e  lhes  chamara  christão  nouo  (outras  testemunhas  dijem  que  fora 
iudeu  o  termo  injurioso)  de  que  elle  lhe  leuou  huma  iniuria  e  prouou  ser  christão 
uelho  e  o  dito  vigairo  desia  que  no  dito  Simão  madeira  auia  a  dita  Raça  por  decen- 
der  de  huma  molher  que  uiera  de  Tomar  que  chamauaó  a  Regateira  da  qual  tam- 
bém era  decendente  o  dito  bras  gracia  mas  ele  testemunha  sabe  que  o  dito  Brás 
gracia  tinha  três  irmos  clérigos  e  hú  frade  e  elle  era  caualleiro  professo  da  ordem 
de  Sam  Bento  por  donde  a  dita  fama  ser  falsa  e  o  dite  ordinando  e  seus  ascen- 
dentes serem  christãos  uelhos  como  dito  tem».  —  (Doe.  XCVI). 

Ainda  hoje  existe  no  Arquivo  Nacional  da  Torre  do  Tombo  o  processo  de 
habilitação  para  familiar  do  Santo  Ofício  de  António  Madeira,  presbítero,  licenciado 
em  Cânones,  filho  de  António  Madeira  e  de  sua  molher  Isabel  Mendes,  de  Viseu, 
e  neto  paterno  dos  referidos  Henrique  Madeira  Arrais  e  Leonor  Fernandes  (vid. 
Not.  geneal.  II,  i  5;  —  Esq.  geneal.  II,  19).  Lá  aparece  também  o  rumor  e  fama 
de  que  esta  sua  avó  era  de  sangue  mourisco,  apurando-se  judicialmente  a  falsidade 
de  tal  boato  (cf.  pág.  ló,  nota  4). 

1  F.  T.  sv,  65. 


Cap.  r —  o  poeta-fidalgo  de  oAvô  i6g 

expressões  em  que  se  me  afigura  descortinar  que  o  castigo  infligido 
machucou  muito  gravemente  as  prosápias  de  grandeza  e  nobreza  dos 
culpados. 

O  que  é  certo  é  que  essa  desafronta  ofendeu  bastante  e  irritou  os 
sentimentos  do  vulgo,  que  deu  razão  aos  caluniadores,  e  se  manifestou 
tão  hostil  ao  poeta,  que,  se  pudesse,  o  sentenciaria  a  morte  tormen- 
tosa, i  E  era  essa  mesma  rústica  plebe  que  poucos  anos  antes,  logo 
após  o  regresso  de  Brás,  se  quedava  junto  dos  caminhos  a  contem- 
plá-lo em  admiração  encolhida  e  respeitosa  I  j  Sempre  a  mesma  in- 
constância de  sentimentos  na  eterna  criança ! 

Pela  sua  parte  o  castigado,  ou  os  castigados,  deram-se  por  ofen- 
didos, e  chamaram  aos  tribunais  Brás  Garcia,  que  se  viu  mais  uma 
vez  obrigado  a  dar  à  justiça  contas  do  que  fizera.  E,  ao  que  parece, 
o  caso  era  sério. 

Desta  vez,  porem,  o  poeta  não  se  perturba,  nem  se  homizia. 
Apresenta  as  suas  alegações,  e,  da  re\ão  e  de  Amigos  ajudado,  con- 
segue saldar  as  contas  com  a  justiça,  e  desmentir  o  monstro  sussur- 
rante, que  outra  cousa  não  é  o  vulgo,  no  dizer  de  Brás.  Mas  ficou 
sabendo  melhor,  e  ainda  à  sua  custa,  o  que  eram  os  processos  fo- 
renses, e  quanto  tempo,  paciência,  cuidados,  energia  e  dinheiro  absor- 
viam. 

No  poema  mostra-se  familiarizado  com  a  linguagem  do  foro, 
quando,  com  acentuado  mau  gosto,  põe  na  boca  de  Viriato,  perante 
o  cadáver  de  Apimano,  as  palavras  seguintes : 

De  tua  morte  me  mostras  a  devaça 
Com  trinta  testemunhas  a  teus  lados; 
Justo  hè  que  conclusa  se  me  faça, 
Pêra  ir  proceder  contra  os  culpados  : 
Tinta  será  seu  sangue,  &  penna  a  Maça, 
Com  que  hão  de  ser  à  morte  pronunciados, 
Pêra  emmenda  de  tào  infame  excesso, 
Pagando  Roma  as  custas  do  processo '. 

Refere-se  noutro  lugar  a  boatos, 

A  que  ainda  nos  processos  chama 

O  Vulgo,  &  Ley  «pública  voz,  &  fama»  ^. 


'  V.  T.  VI,  100.  —  2   V.  T.  VIII  74. 


ijo  'Brás  Garcia  de  <íMascarenhas 

Revela  que  não  morre  de  amores  pela  gente  que  intervém  nos 
processos  forenses,  e  inveja  as  antigas  idades  da  Ibéria,  quando 

Tudo  era  quietação,  simplicidade, 
Descanso,  riso,  amor,  paz,  &  justiça 
Em  breve  feyta  aos  poucos  aggravados. 
Por  falta  de  Escrivães,  &  de  Letrados  '. 

Queixa-se,  finalmente,  dos  mesmos  letrados,  que  no  maior  nijmero 
dos  casos  desencaminham  as  partes,  poucas  das  quais  são  bem  acon- 
selhadas : 

Quais  os  Anjos  custódios,  &  os  danados 

A  nossos  bens,  &  males  se  avizinham, 

Tais  hoje  em  pleytos,  bons,  &  màos  Letrados 

Nos  encaminhão,  &  desencaminhão. 

Muy  poucos  são  os  bem  aconselhados, 

Muytos  os  que  seu  mal  não  adivinhão, 

Etc *. 


Algumas  modificações  se  deram  na  família  do  poeta  durante  estes 
oito  anos. 

Elena  Madeira  faleceu  por  fins  do  ano  de  i(534  ou  principios  de 
i635,  e  o  doutor  Manuel  Garcia,  pouco  depois  da  morte  da  mãe, 
deixa  o  seu  priorado  de  Travanca,  e  vem  nos  fins  do  verão  deste 
liltimo  ano  para  Avô.  viver  na  companhia  de  seu  velho  pai. 

O  padre  Pantaleão  passou  do  curato  de  Almassa  para  Travanca, 
na  qualidade  de  cura  e  encomendado,  a  substituir  o  irmão.  Mas  em 
fins  de  iG36  o  doutor  Manuel  resigna  a  igreja  no  Pantaleão,  que  passa 
a  denominar-se  Prior  encomendado  durante  os  primeiros  meses  de 
1637;  e  desde  junho  em  deante,  talvez  depois  que  chegasse  de  Roma 
a  bula  de  colação,  passou  a  assínar-se  simplesmente  Prior  de  San- 
tiago de  Travanqiia. 

No  ano  lectivo  de  i634-i635  andava  o  Francisco  Garcia  em  Coim- 
bra a  frequentar  as  Escolas  menores  da  Universidade ',  habilitando-se 
para  se  matricular  em  qualquer  das  Faculdades  maiores.  Durante 
o  mês  de  fevereiro  deste  ano  correu  em  Avô  o  processo  de  genere 
vita  et  moribus  para  a  sua  ordenação,  e   na   quaresma  compareceu 


1  V.  T.  I,  õi.  —2  V.T.  xm,  u. 

■•  Vid.  pág.  116,  e  nota  5  à  mesma  pág. 


Cap.  V —  O  poeta- fidalgo  de  oAvò  iji 

êle  na  igreja  do  colégio  de  S.  Bento,  que  hoje  pertence  ao  Liceu  de 
Coimbra,  e  ali  recebeu  das  mãos  do  Dom  Abade  beneditino,  o  insigne 
teólogo  e  humanista  Fr.  Leão  de  S.  Tomás,  a  prima-tonsura  e  os 
dois  primeiros  graus  de  ordens  menores.  Depois  eclipsa-se,  e  não 
mais  torna  a  figurar,  nem  nos  assentos  universitários,  nem  no  registo 
paroquial  de  Avô,  nem  nos  processos  arquivados  na  Câmara  Ecle- 
siástica. ;  Morreria  êle  ?  Não.  Fez-se  frade ;  era  a  sua  vocação. 
Consta-nos  este  facto  do  depoimento  duma  testemunha  de  Avô,  no 
processo  para  a  ordenação  de  Tomás  de  Aquino  *,  a  que  fizemos  re- 
ferência há  pouco.  ;  Em  que  convento  professaria  ?  Tenho  indagado 
este  ponto,  mas  nada  pude  até  hoje  descobrir;  suspeito  entretanto, 
fundado  em  razões  ponderosas,  que  seria  no  dos  carmelitas  descalços 
do  Buçaco.  Assim  explico  as  relações,  tão  intimas  e  frequentes,  que 
desta  época  em  deante  manteve  a  família  dos  Garcias  de  Mascare- 
nhas de  Avô  com  aquele  convento,  às  quais  voltarei  a  referir-me 
mais  tarde. 

A  respeito  do  Matias  Garcia  tenho  de  informar  que  andou  até 
ao  fim  de  1637  a  esquivar-se  de  iniciar  a  sua  carreira  eclesiástica,  à 
qual  se  destinara,  embora  para  ela  não  sentisse  vocação.  Só  em 
dezembro  deste  ano,  tendo  já  quási  3i  de  idade,  é  que  lá  se  resolveu 
a  começar  a  ordenação,  apresentando-se  a  receber  a  prima-tonsura  e 
os  dois  primeiros  graus  de  menores,  que  lhe  foram  conferidos  na 
sexta  feira,  18  do  dito  mês,  pelo  Dom  Abade  de  S.  Bento,  que  então 
era  Fr.  Paulo  da  Natividade,  na  referida  igreja  do  seu  colégio.  Os 
graus  de  exorcista  e  acólito  foram-lhe  conferidos  na  igreja  do  colégio 
de  S.  Bernardo,  em  Coimbra,  pelo  Abade-reitor  do  colégio  Fr.  Luís 
Moniz,  no  sábado  27  de  fevereiro  de  i638.  E  assim  ficou  minorista 
por  bastante  tempo,  mostrando  pouca  vontade  de  ascender  às  ordens 
sacras. 


Uma  outra  modificação  se  dava  entretanto,  não  na  família,  mas 
na  alma  de  Brás  Garcia. 

Duríssimo  fora  o  golpe  que  lhe  vibrara  ao  coração  a  mão  de 
uma  dama,  e  a  ferida  sangrara  largo  tempo;  mas,  diz  o  povo:  — 
Não  há  mal  que  sempre  dure,  nem  ferida  que  não  cure.  Os  des- 
varios da   mocidade   haviam   passado,    eram  hoje   como   se   não   ti- 


i  Doe.  XCVI. 


7/2  13rás  Garcia  de  oMascarenhas 

vessem  existido.  A  sua  honestidade  e  honradez  inquebrantável  fa- 
ziam com  que  nem  pelo  pensamento  jamais  lhe  passasse  a  tentação 
de  erguer  uma  vista  condenável  para  a  sua  antiga  namorada.  Ela 
casara,  ligara-se  a  outro  homem,  e  a  Brás  repugnavam  absoluta- 
mente 

Adultérios  lacivos,  &  treydores, 

Da  casta  honestidade  violadores  '. 

Além  disso,  o  aspecto  da  mulher  que  na  mocidade  o  desorientara, 
com  a  beleza  e  elegância  actualmente  perdidas,  deformada  pela  ma- 
ternidade, cercada  dum  rancho  de  filhos,  cuidando  muito  prosaica- 
mente no  governo  da  casa  de  seu  marido,  não  era  de  molde  a  reavi- 
var-lhe  o  fogo  da  paixão,  e  deve  ter-lhe  produzido  o  efeito  do  rio 
Letes,  apagando  do  seu  espírito  quaisquer  fugazes  remeniscências 
platónicas  dos  desvarios  da  mocidade.  Mas  não  imaginava  que  as 
graças  de  outra  mulher  ainda  podessem  vir  agitar  as  cinzas,  que 
pareciam  apagadas  para  sempre,  e  atear  nova  fogueira. 

Entretanto  este  fenómeno  inesperado  deu-se,  e  não  tardou  isso 
muito. 

Quando  Brás  regressou  do  Brasil,  no  rancho  dos  filhos  de  D.  Ma- 
ria Madeira  da  Costa,  havia,  como  deixamos  dito,  uma  menina,  a 
mais  velha,  que  já  contava  14  anos  de  idade. 

Era  muito  gentil  e  formosa. 

Alta  e  elegante,  tinha  o  rosto  grácil  e  belo,  e  a  pele  assetinada  de 
um  branco  de  marfim.  As  faces  rosadas  animavam  a  alvura  do  rosto, 
e  uma  opulenta  cabeleira  loura,  com  o  tom  do  ouro  antigo,  lhe  au- 
reolava a  cabeça  elegante  e  esbelta.  Eram  os  olhos  da  còr  das  safiras, 
de  expressão  doce  e  suave  ;  e  sobre  eles  se  arqueavam,  delicadas  e 
subtis,  as  sobrancelhas,  que  por  um  capricho  extravagante  da  natu- 
reza eram  pretas.  Realçava  este  conjunto  de  graças  um  ar  sonhador, 
de  tristeza  e  melancólica  poesia,  que  ainda  mais  lhe  aumentava  os 
atractivos  e  belezas. 

Chamava-se  esta  formosa  menina  D.  Maria  da  Costa. 

Vejamos  agora  o  retrato  que  dela  nos  deixou  o  poeta  com  o  nome 
de  Clóride,  pseudónimo  com  que  ele  a  disfarçou,  como  adeante 
veremos.  Verificar-se  há  que  o  esboço,  que  acabamos  de  traçar,  é 
exacto. 


i  V.  T.  xiii,  i3 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  ijS 

Em  base  de  esmeralda  '  ebúrnea  assenta 
Columna  ^,  que  se  Dorico  não  teve 
Capitel,  sobre  o  Quínico'  sustenta 
Dóricas  *  trenças,  rubicunda  neve, 
Safiras,  sutiis  Ebenos,  que  ostenta 
Grande  thesouro  Amor  em  campo  breve, 
Se  pobre  de  prazer,  não  de  belleza, 
Que  hà  rostos,  a  quem  dà  graça  a  tristeza  *. 

Brás  atentou  nela  logo  desde  o  princípio ;  que  uma  jovem  com 
tais  predicados  não  lhe  podia  passar  desapercebida.  Mas  as  suas  re- 
lações com  a  família  de  D.  Maria  Madeira  deviam  ser  muito  cerimo- 
niosas, pois  entre  esta  dama  e  o  poeta  nunca  se  extinguiram  com- 
pletamente as  antigas  antipatias ;  por  isso  teria  êle  poucas  ocasiões 
de  se  aproximar  de  D.  Maria  da  Costa,  de  a  apreciar  de  perto,  e  de 
se  deixar  impressionar  vivamente  pelos  seus  atractivos. 

Mas  o  diabo  tem  sempre  meio  de  tecer  as  suas  partidas. 

Não  sei  como,  nem  em  que  circunstâncias:  j  um  belo  dia  Brás 
Garcia  de  Marcarenhas,  com  grande  surpresa  sua,  reconheceu  que  se 
achava  de  novo  apaixonado  I 

Temos  fixada  pelo  poeta  a  data  em  que  isto  se  deu.  Foi  em 
i635,  no  terceiro  ano  depois  do  seu  regresso;  contava  então  Brás  3g 
anos  de  idade,  e  D.  Maria  17.  Quando  declinava  o  ano  de  1645, 
em  um  dos  compassos  de  descanso  que  a  guerra  lhe  deixava,  es- 
crevia o  poeta : 

Dez  anos  há,  que  não  me  desenredo 
De  Amor,  &  de  justiça,  que  se  liga 


'  A  verde  alcatifa  toda  entretecida  de  apiys,  brancas,  vermelhas,  tC  amareltas 
Boninas,  —  em  que  estava  Clóride. 

2  O  corpo  de  Clóride. 

'  Capitel  quinico  não  me  parece  que  faça  sentido.  Deve  ser  um  dos  muitos 
erros  da  edição.  Talvez  o  nosso  poeta  escrevesse  clímaco,  como  sinónimo  de 
corintio  (de  Calímaco,  criador  do  capitel  coríntio),  por  ser,  dos  capiteis  das  diversas 
ordens,  o  mais  elegante  e  gracioso.  A  lembrança  é  do  distinto  prof.  e  meu  amigo, 
o  sr.  A.  Augusto  Gonçalves  ;  aqui  a  registo,  como  hipótese  verosímil. 

*  Neste  verso  o  adjectivo  dórico  é  empregado  pelo  poeta  num  sentido  muito 
particular,  inteiramente  diverso  do  que  tem  no  2.°  verso  da  estância.  Acolá  con- 
serva a  significação  usual  —  pertencente  á  ordem  de  arquitectura  denominada  dó-. 
rica;  aqui  quer  dizer  —  semelhantes  a  ouro,  ou  que  parecem  de  ouro.  E  um  arranjo 
de  frase  infeliz  e  de  mau  gosto,  em  que  o  poeta  se  deixa  ir  atrás  dos  artifícios  gon- 
góricos,  que  estavam  em  moda. 

5  V.  T  XIV,  49. 


i']4  'Brás  Garcia  cie  cMascarenhas 

,          Cada  qual  contra  mim,  mais  me  enredo 
Se  deyxar  quero  tá  viscosa  liga. 
Queyxas  me  não  culpeis,  cuipay  o  enredo 
Que  o  Frecheyro  tecèo  da  verde  liga, 
Etc » 

l  Quem  nos  diz,  porem,  que  esses  amores  tivessem  por  objecto  a 
gentil  filha  de  João  Manuel  da  Fonseca  ?  Não  é  preciso  ninguém 
dizê-lo ;  deduz-se  da  própria  natureza  dos  factos. 

Brás  Garcia,  ao  escrever  essa  estância,  estava  casado  muito  de 
fresco  com  D.  Maria  da  Costa,  e  não  pode  admitir-se  que  ele  então 
se  lembrasse  de  cantar  os  seus  amores,  que  há  de\  anos  o  trariam 
enredado,  se  tais  amores,  que  dá  como  subsistentes  quando  escrevia, 
não  tivessem  por  objecto  a  que  era  sua  mulher. 


Preso  por  esta  nova  paixão,  o  poeta  poria  todo  o  cuidado  em 
disfarçar  e  dissimular  tal  fraqueza,  pouco  desculpável  na  sua  idade, 
já  bastante  afastada  da  juventude.  Porque  ele  então  não  pensava, 
nem  podia  pensar,  em  contrair  matrimónio  com  essa  menina :  se  tal 
pretendesse,  encontraria  a  recusa  absoluta,  desabrida  e  obstinada 
dos  pais  dela,  especialmente  de  D.  Maria  Madeira,  sua  inimiga 
odienta. 

Note-se  além  disso  que  ainda  não  tinham  esquecido  os  antigos 
desatinos  praticados  pelo  poeta,  quando  namorava  D.  Cecília.  Esse 
namoro  fora  muito  falado,  causara  escândalo  no  meio  pequeno  de 
Avô ;  i  que  não  murmuraria  o  povo  se  percebesse  que  Brás  reques- 
tava agora  uma  sobrinha  da  sua  antiga  amada  !  Era  a  moralidade, 
era  a  honestidade  piiblica,  cheia  de  melindres,  por  vezes  bastante 
hipócritas,  que  se  sentiria  ofendida  e  molestada,  se  tais  amores  se 
descobrissem.  Tudo  isto  considerava  o  poeta,  e  por  isso  é  que  não 
descuraria  nenhum  meio  de  dissimular  e  encobrir  a  sua  paixão. 

E  conseguiu  realmente  conservá-la  oculta  até  depois  de  1640; 
tão  oculta  no  seu  intimo,  que,  segundo  creio,  nem  sequer  a  deixou 
advinhar,  por  algum  tempo,  à  jovem  que  a  despertara.  Mas  depois 
houve  comunicação  e  troca  de  afectos,  embora  sem  ultrapassar  os 
limites  da  mais  pura  honestidade,  e  sempre  envolvidos  em  denso 
finistério,   e  encobertos  sagaz   e   cuidadosamente.     E  assim   que   me 

1   V.  T.  XII,  3. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  1 7 5 

parece  que  melhor  se  explicam  e  mais  inteligíveis  se  tornam  as  pala- 
vras do  poeta  na  estância  transcrita,  e  em  outras  que  a  seu  tempo 
transcreverei. 

Embevecido  na  contemplação  dos  dotes  e  virtudes  do  objecto  dos 
seus  novos  amores,  extasiado  na  admiração  de  tantos  encantos,  excla- 
maria ele : 

ó  manifesta 

Vertude  feminil  do  pátrio  Alva  ! 

Em  que  inda  brilha  a  antiga  honestidade, 

Como  nelle  do  Sol  a  claridade  '. 

Mas  ;  de  que  valia  tudo  isto,  se  Brás  Garcia  não  tinha  a  ilusão  de 
jamais  poder  aspirar  à  mão  desta  menina  ?  Devia  procurar  liber- 
tar-se  dos  leames  daquela  funesta  paixão;  este  o  conselho  da  pru- 
dência, mas  ,;  poderia  êle  ? 

Era  a  sua  sorte  adversa  a  manifestar-se  mais  uma  vez.  Cuidara, 
depois  de  tão  agitadas  aventuras,  passar  entim  vida  feliz  e  descan- 
sada em  Avô;  vivera  efectivamente  em  tranquilidade  algum  tempo: 
mas  agora  vê  que  todos  os  cálculos  lhe  falham,  não  mais  espera 
repouso.     Bem  sabia  êle 

Que  Amor  hé,  como  azougue,  que  se  chega 
A  entrar  cm  hum  corpo,  nunca  mais  sossega-. 


Já  muito  enfadado  com  os  pleitos  em  que  se  vira  envolvido,  em- 
bora lhe  houves.sem  sido  favoráveis  as  sentenças,  eis  que  de  repente 
se  encontra  a  braços  com  uma  nova  demanda,  esta  mais  complicada 
do  que  as  anteriores,  e  que  c  contada  pelo  poeta  nas  estâncias  se- 
guintes: 

Cuydiivu  hum  tumpo,  que  nas  mãos  estava 

Dos  homens  evitarem  seus  perigos, 

Mas  vim  a  conhecer,  que  me  enganava, 

E  que  tem,  quem  mais  luz,  mais  inimigos ; 

Alguns  Amigos,  que  eu  por  tais  julgava, 

Que  poucos  saõ  jà  hoje  os  bons  Amigos, 

Mal  invejando  possessão  rendosa, 

De  pacifica  a  fazem  letigiosa. 

Pleyto  de  niixto  foro  nunca  visto 
De  Nèmese,  correndo  varias  casas, 

»  y.  r.  XII,  ji.  — -'  V.  T.  V,  12., 


ijG  'Brás  Garcia  de  aMascarenhas 

Parou  em  força  aberta,  que  eu  resisto, 
Que  húa  força  com  outra  empata  as  vasas. 
Como  de  antes  o  mal  tinha  previsto, 
Com  a  razão  à  soberba  quebro  as  asas, 
A  muytos  com  muy  poucos  destroçando, 
Caso  raro  na  paz,  &  memorando. 

Na  Guerra  os  vi  de  menos  sangue,  &  gente, 
Que  em  meu,  &  teu  em  cousas  não  muy  claras 
A  tanto  obriga  o  litigar  presente, 
A  tanto  chega  o  variar  das  varas. 
Sobre  qual  hà  de  ser  o  precedente, 
Avante  passaõ  com  pendências  raras, 
Húas  me  absolvem,  outras  me  condenão, 
Penaõme  algOas,  &  outras  me  depenão. 

Em  quanto  retirado  '  a  causa  provo, 
Se  restaurão  com  súbito  estampido 
Reyno  antigo,  &  legitimo  Rey  novo 
Em  Querubico  trono  prometido. 


Era  a  revolução  de  i  de  dezembro  de  1640. 

Paremos  aqui,  deixando  a  sequência  para  novos  capítulos. 

Eis  em  que  consistiu  este  caso: 

O  padre  Pantaleão  Garcia,  que  se  achava  na  posse  pacifica  e  in- 
contestada do  priorado  de  Travanca,  desde  a  resignação  de  seu  irmão 
Manuel,  teve  necessidade  de  se  ausentar;  entregou  a  paroquialidade 
ao  cura  para  isso  escolhido,  o  padre  João  Fernandes,  e  partiu  na 
primavera  de  i638.  ^  Para  onde  ?  Para  Roma,  diz  o  doutor  Albino 
de  Abranches  Freire  de  Figueiredo,  e  após  êle  repetem-no  outros. 
Como  não  sei  onde  o  ilustre  reeditor  do  Viriato  Trágico  foi  buscar 
aquela  notícia,  não  me  atrevo  a  aceitá-la  nem  a  rejeitá-la.  A  ausência 
foi  demorada,  e  durante  ela  alguns  amigos,  que  Brás  por  tais  julgava, 
ambicionando  aquela  possessão  rendosa  ^,  fizeram  declarar  vaga  a 
igreja,  e  abrir  concurso  para  o  seu  novo  provimento. 


'  Retirando  diz  o  livro,  mas  suponho  haver  aqui  um  dos  numerosos  erros  ti- 
pográficos da  edição.  Brás,  segundo  creio,  escrevera  —  retirado,  isto  é,  fugido, 
escondido,  para  evitar  ser  preso. 

2  V.  T.  XV,  67-70. 

'  Computavam-se  comummente  os  rendimentos  desta  igreja  em  220í!í>ooo  réis 
(vid.  Portugal  sacro- profano,  por  Paulo  Dias  de  Niza,  parte  II,  p.  260),  o  que,  para 
o  tempo,  era  uma  renda  importante ;  mas  a  realidade  ultrapassava  muito  este  cál- 


Cap.  V — O  poeta-fidalgo  de  qApô  777 

l  Qual  o  pretexto  ?  Talvez  o  do  abandono  do  beneficio  por  parte 
do  prior;  ou,  mais  provavelmente,  o  de  haver  sido  anti-canónica  a 
colação  no  padre  Pantaleão. 

Esta  igreja  era  um  beneficio  de  livre  colação,  sujeito  à  alterna- 
tiva. Segundo  o  mês  em  que  vagasse,  assim  o  provimento  havia  de 
ser  feito,  ou  pela  Sé  Apostólica,  ou  pelo  bispo  diocesano.  Bastava 
que  o  provimento  fosse  feito  pelo  bispo  quando  a  vacância  se  houvesse 
dado  em  mês  reservado  à  Santa  Sé,  ou  vice-versa,  para  ser  nulo, 
devendo  fazer-se  novo  provimento  pela  autoridade  competente.  Eram 
frequentes  os  processos  de  anulação  de  colações  por  este  motivo,  e 
por  vezes  a  política,  dama  já  então  muito  ladina  e  irrequieta,  não  era 
estranha  a  eles.  A  família  dos  Garcias  de  Mascarenhas,  que  era 
toda  patriótica,  devia  ser  conhecida  como  afeiçoada  à  casa  de  Bra- 
gança ;  ,;  seria  esta  uma  das  verdadeiras  causas  que  na  sombra  mo- 
veram a  acção  ?  E  muito  provável ;  havia  entretanto  neste  caso  cir- 
cunstâncias complicadas,  que  o  tornavam  extraordinário,  singular, 
difícil,  nunca  visto  de  Némese. 


culo.  Para  disto  nos  convencermos,  bastaria  lançar  os  olhos  para  o  doe.  CXIV; 
temos,  porem,  outros  elementos  mais  expressivos. 

A  22  de  janeiro  de  1738,  apresentou  à  autoridade  diocesana  de  Coimbra  o 
minorista  João  Pedro  de  Loureiro  Castel-Branco  uma  bula,  pela  qual  era  provido 
nesta  igreja,  vaga  pela  resignação  de  seu  lio,  o  prior  Manuel  Cardoso  de  Loureiro. 
Ficava  o  novo  prior  com  o  encargo  de  pagar  a  seu  tio  a  pensão  anual  de  28  ducados 
e  meio  de  ouro  da  Câmara  e  3  júlios,  moeda  romana  (5ov!(>i55  réis  de  moeda  por- 
tuguesa), além  de  outra  pensão,  a  que  tinha  direito  o  antigo  prior  reservatário 
padre  António  Martins  Goulão,  da  importância  de  22  ducados  e  meio  de  ouro  da 
Câmara  (Tx^^Z-jS  réis),  ambas  impostas  sobre  os  frutos  certos  e  incertos  do  bene- 
fício. No  processo  de  execução  desta  bula,  as  testemunhas  inquiridas  declararam 
que  a  igreja  rendia,  pela  estimação  comum,  em  frutos  certos,  219^750  réis,  e  em 
frutos  incertos  3ioí!í)ooo  réis,  pouco  mais  ou  menos:  ao  todo  529Í!í>75o  réis  em 
média,  A  redução  da  moeda  romana  à  portuguesa  encontra-se  feita  no  processo, 
donde  a  reproduzo  textualmente. 

Em  1784  foi,  pela  resignação  do  precedente,  provido  nesta  igreja  o  padre  An- 
tónio Paulino  Coelho  de  Mesquita,  de  Sentar,  com  reserva  da  pensão  anual  vita- 
lícia, para  o  resignatário,  de  142  ducados  de  ouro  da  Câmara  e  i5  júlios  (aSoíftooo 
réis),  computando-se  o  rendimento  total  do  benefício,  em  média,  na  quantia  de 
242  ducados  de  ouro  da  Câmara  e  i5  júlios  e  meio  (425íí>ooo  réis). 

Devemos  porém  considerar  que  os  elementos  fornecidos  para  estes  cálculos 
eram  geralmente  muito  inferiores  à  realidade. 

Os  processos  donde  extraí  estas  notícias  encontram  se  arquivados  na  Câmara 
Eclesiástica  de  Coimbra,  maço  de  Provimentos  da  igreja  de  Travanca-de-Farinha- 
Podre. 


jjS  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

O  que  é  certo  é  que  o  padre  Pantaleão  Garcia,  durante  a  sua 
ausência,  foi  esbulhado  do  beneficio.  Afixam-se  os  editais  da  vacân- 
cia, e  abre-se  o  concurso. 

Parece  que  tudo  isto  correu  sem  que  os  Garcias  de  Mascarenhas, 
de  Avô,  fossem  prevenidos  do  que  contra  o  irmão  se  tramava. 

O  prazo  do  concurso  correu,  e,  satisfeitas  as  formaUdades  canó- 
nicas, um  dos  concorrentes  foi  provido  no  priorado. 

Só  nesta  altura  é  que  Brás  Garcia  é  prevenido,  e  em  nome  de 
seu  irmão  vem  imediatamente  com  embargos.  Aqui  se  origina  um 
pleyto  de  mixto  foro  para  repelir  aquele  intruso,  provando-se  que  o 
beneficio  estava  canonicamente  provido,  e  que  por  isso  anti-canónico 
era  o  novo  provimento;  uma  espécie  de  acção  de  esbulho,  classificada 
entre  as  causas  mixti  fori,  porque  tanto  os  tribunais  eclesiásticos 
como  os  civis  tinham  competência  para  conhecer  de  tais  causas, 
sendo  essa  competência  determinada  pela  prevenção.  Aquele  dos 
dois  foros  que  primeiro  tomasse  conhecimento  do  facto  é  que  com- 
petia proceder,  e  julgar  a  causa. 

Quem  conhece  as  tricas,  os  embaraços,  as  rabulices  que  moderna- 
mente envolvem  e  emaranham  alguns  processos  judiciais,  a  ponto  de 
tornarem  por  vezes  quási  interminável  uma  causa,  que  de  sua  natu- 
reza parecia  simples,  não  pode  ainda  assim  fazer  ideia  do  que  eram 
essas  peias  e  expedientes  obstrucionistas  nos  processos,  quer  de  um 
quer  doutro  foro,  no  século  xvn.  Um  labirinto  inextricável,  me- 
donho, donde  era  dificílimo  sair.  Especialmente  nos  tribunais  ecle- 
siásticos, em  que  havia  recursos  em  última  instância  para  Roma,  que 
por  sua  vez  nomeava  por  breves  ad  Iioc  juízes  apostólicos  especiais, 
que  julgassem  cá  em  nome  da  Santa  Sé,  as  complicações  aumen- 
tavam, e  as  causas  demoravam-se  indefinidamente.  Eis  o  que  su- 
cedeu com  este  pleito,  que  foi  correndo  várias  casas,  cheio  de  peri- 
pécias e  pendências  raras,  fazendo-se  nele  sentir  muito  a  sucessão  de 
juízes  chamados  a  intervir,  num  repetido  variar  das  varas. 

Deste  modo  se  foi  protelando  a  causa  até  maio  de  1640. 

Um  belo  dia  é  Brás  Garcia  prevenido  que  o  prior  intruso  obti- 
vera despacho,  que  lhe  permitia  tomar  finalmente  posse  do  beneficio 
que  usurpara,  devendo  essa  posse  realizar-se  em  determinado  dia 
próximo;  revestir-se  hia  o  acto  de  toda  a  pompa  festiva,  havendo 
grande  niímero  de  convidados  para  um  banquete,  que  o  prior  daria 
nesse  dia  na  residência  paroquial. 

Referveu  o  sangue  nas  veias  ao  nosso  poeta,  ao  saber  a  notícia. 
Todo  o  fogo   ardente  e  audacioso  da   mocidade,    que    outrora   em 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  1 7g 

Coimbra  o  levara  a  arrebatar  da  bainha,  ao  carcereiro  da  Portagem, 
a  espada,  e,  num  Ímpeto  de  louca  temeridade,  a  abrir  caminho,  qual 
leão  rompente  *  pelo  meio  da  multidão  adversa,  evadindo-se  deste 
modo  das  garras  da  justiça,  ■ —  todo  esse  fogo,  toda  essa  audácia 
revive  num  momento,  e  Brás  resolve-se  a  conquistar  à  mão  armada  a 
justiça  que  os  tribunais  lhe  recusam.  O  despacho  dado  não  era 
irreformá\el;  havia  ainda  lugar  a  recursos  e  apelações:  mas  a  filo- 
sofia prática  do  seu  espírito,  e  a  larga  experiência  que  tinha  da 
vida,  diziam-lhe  que  muito  mau  era  que  o  intruso  se  apossasse  da 
presa.     Mais  dificil  seria  depois  obrigá-lo  a  largar. 

Cala-se  entretanto,  e  espera  que  chegue  o  dia  aprazado. 


Descendo  da  serra  da  Estrela,  os  rios  Mondego  e  Alva  cavaram 
dois  sulcos  profundos  e  tortuosos,  que  lhes  servem  de  leitos,  e  que  de 
certa  altura  em  deante  seguem  a  directriz  geral  de  E.-N.-E.  a  O.-S.-O. 

A  região  interamnense,  que  eles  limitam,  vai  estreitando  pouco  a 
pouco,  à  medida  que  avança  para  Oeste,  até  que  repentinamente  se 
vê  cortada  pelo  Mondego.  Este,  apenas  recebe  o  tributo  das  águas 
do  rio  Dão,  muda  de  rumo,  e  contornando  para  Sul  em  caprichosos 
lacetes  corta  abaixo  da  Raiva  a  passagem  ao  Alva,  que  já  desde  as 
proximidades  de  Arganil  também  tem  modificado  um  pouco  a  sua 
directriz  geral,  abrindo  caminho  difícil  e  torturado  para  N.-O.  em 
apertadíssimas  e  repetidas  curvas  e  contra-curvas.  Deste  modo  o 
território  limitada)  pelos  dois  rios  tem  a  sua  extremidade  ocidental 
arredondada  em  bico  de  pato,  a  que  o  Alva  até  á  sua  foz  forma  o 
bordo  esquerdo,  e  o  Mondego  -o  bordo  direito  até  á  foz  do  Dão,  e 
daí  até  à  do  Alva  o  contorno.  Dentro  deste  bico  assenta  a  povoação 
de  Travanca-de-Farinha-Podre,  fronteira  à  Foz-Dão,  afastada  pouco 
mais  dum  quilómetro  da  margem  do  rio. 

Encontra-se  implantado  este  povo  numa  região  que,  em  geral,  não 
merece  grandes  encarecimentos,  nem  pela  beleza  dos  panoramas,  nem 
pela  fertilidade  do  terreno.  Quem  vem  do  S.  ou  S.-E.  para  Travanca, 
atravessa  terras  pobres  e  monótonas.  Não  há  aqui  nem  altas  mon- 
tanhas, nem  vales  profundos  ou  extensos.  O  terreno  é  acidentado, 
sim,  mas  em  ondulações  maiores  ou  menores,  que   só  de  longe  em 

1  V.  T.  VI,  82. 


j8o  'Brás  Garcia  de  Mascarenhas 

longe  nos  deixam  descortinar  largos  horizontes,  e  que  não  nos  en- 
cantam ao  menos  com  o  mimo  de  colorido  intenso  e  variado  de  va- 
leiros amplos,  férteis  e  criamosos.  São  os  altos,  de  ordinário,  ves- 
tidos de  matos  raquíticos,  em  que  predomina  a  urze,  o  carvalhiçb, 
o  tojo  e  a  esteva,  aqui  e  além  manchados  de  pinhais,  cujo  tom  verde 
aveludado  não  consegue  apagar  a  impressão  de  tristeza,  que  a  pai- 
sagem nos  produz ;  os  baixos,  que  o  amanho  agrícola  tem  apro- 
veitado, são  geralmente  estreitos  e  pequenos,  e  a  sua  cultura  tão  pouco 
variada,  que  não  chegam  a  ferir  uma  nota  alegre  de  destaque  na  mo- 
notonia geral. 

A  povoação  de  Travanca,  apesar  de  pequena,  distingue-se  nota- 
velmente da  região  circundante  por  mais  vida  na  natureza,  mais  varie- 
dade na  agricultura,  mais  colorido  na  paisagem,  que  entretanto  é 
muito  limitada  de  horizonte.  Aqui  já  não  se  amanham  somente  os 
valeiros,  mas  encontram-se  terras  altas  vestidas  de  árvores  frutíferas, 
e  de  vinhas  e  cereais  em  abundância.  A  labuta  agrícola  faz-se  cá 
sentir  com  bastante  intensidade.  Quem  visita  Travanca  fica  entretanto 
surpreendido  ao  ouvir  dizer  que  o  rio  Mondego  passa  ali,  a  Norte, 
ao  fundo  daquele  pinhal,  e  que  a  Foz-Dão,  um  sítio  tão  pitoresco,  dista 
pouco  mais  dum  quilómetro  desta  povoação.  Nada  nos  pode  fazer 
suspeitar  a  proximidade  dum  importante  curso  de  água. 

Alonga-se  o  povoado  em  extensa  rua  por  uma  lomba  de  terreno, 
em  direcção  de  E.-S.-E.  a  O.-N.-O,  sendo  rematada  por  uma  capelinha 
de  Nossa  Senhora  dos  Remédios;  em  uma  elevação  fronteira,  a 
S.-O.,  distante  cerca  de  3oo  metros,  ergue-se  a  igreja  de  Santiago 
Maior,  matriz  da  freguesia.  Medeia  entre  as  duas  elevações  um  va- 
leiro, bastante  irrigado  e  fértil,  que  vai  descendo  para  Poente,  num 
pendor  suave. 

E  interessante  o  agrupamento  da  igreja  e  seus  anexos,  acolá  iso- 
lado no  monte  fronteiro  a  Travanca. 

O  templo  é  moderno,  dos  fins  do  século  xvin.  Nada  vi  nele  que  re- 
monte ao  tempo  em  que  se  deram  os  sucessos  que  havemos  de  narrar, 
,a  não  ser  uma  imagem  manuelina  de  pedra,  e  uns  pequenos  castiçais 
baixos  de  bronze,  que  são  da  época.  Está  o  edifício  quási  orientado, 
com  a  porta  principal  voltada  aproximadamente  para  Oeste. 

Ao  lado  direito  da  igreja,  no  pendor  para  o  vale,  é  a  parte  do 
adro  que  serviu  de  cemitério ;  ainda  ali  se  encontram  um  enorme 
huxeiro  encostado  a  um  recanto  da  igreja,  e  um  tronco  seco  de  gigan- 
tesco azereiro,  cercado  de  rebentos,  que  já  de  si  são  verdadeiras 
árvores.     Não  me  custa  muito  a  crer  que  estes  dois  macróbios  vegetais 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  cAvô  t8i 

já  tivessem  sido  testemunhas  dtj  eMraordináriu  acontecimento  que  ali 
se  deu  em  1640. 

Do  velho  presbitério,  que  fiíava  [contíguo  ao  lado  esquerdo  do 
templo,  o  pouco  que  resta  está  em  ruinas:  —  a  casa  doçura,  a  adega 
e  celeiro,  o  espaço  já  desmoronado  onde  foi  o  lagar,  e  ainda  o  páteo 
e  quaisquer  casebres  incarateristicos    destinados  a  casas  de   moços, 


Presbitério  de  Travanca—  Angulo  N.-O.  da  adega  e  da  casa  do  cura. 

abegoarias,  etc.  O  que  era  propriamente  residência  do  prior,  foi  de- 
molido haverá  dez  anos,  e  reedificado  segundo  um  novo  plano,  cor- 
tando-se-lhe  nessa  ocasião  uma  parte,  para  isolar  o  templo  do  pres- 
bitério. Anteriormente  estavam  unidos,  havendo  comunicação  interna 
dum  para  outro. 

Uma  bela  carvalha  pluri-secular  erguia-se  majestosa  a  E.  do 
edifício,  em  frente  da  porta  do  cura,  e  da  do  lagar,  ensombrando  com 
suas  ramas  parte  da  residência  do  priqr;  ainda  hoje  se  conserva, 
embora  já  bastante  mutilada,  esta  formosa  árvore '. 


'  Na  fronteira  estampa  vê-se  a  carvalha,  despida  de  folhagem,  por  ser  inverno 
quando  se  tirou  a  fotografia.  A  primeira  casa  que  se  devisa,  percorrendo  a  estampa 
da  esquerda  para  a  direita,  é  o  celeiro  e  adega,  e  no  espaço  que  existe  à  sua  frente 
estava  o  lagar.  Contígua  é  a  casa  do  cura,  à  qual  pertencem  uma  janela  e  a  porta 
de  loja  que  se  vê  na  estampa,  e  cuja  entrada  está  em  ruínas.     Ao  lado  o  portão, 


i82  ^rás  Garcia  de  a\fascarenhas 


Chega  o  dia  indicado  para  a  posse  c  banquete  do  intruso  prior 
de  Travanca. 

Brás  Garcia,  acompanhado  de  alguns  amigos  armados  com  as  suas 
espadas,  e  provavelmente  levando  consigo  alguns  criados,  bons  joga- 
dores de  pau,  munidos  de  cacetes,  constituindo  todos  uma  pequena 
guerrilha  de  tnuy  poucas  pessoas,  saem  muito  em  segredo  de  Avô 
pela  madrugada,  e  percorrem,  com  as  devidas  reservas  e  cautelas, 
os  trinta  e  tantos  quilómetros  que,  pelos  caminhos  velhos,  medeiam 
entre  Avô  e  Travanca.  Teem  o  cuidado  de  se  desviar  dos  povoados 
e  de  evitar  que  sejam  vistos.  Chegados  a  Travanca,  cortam  a  direito 
em  direcção  à  igreja,  sem  serem  avistados  da  povoação,  e  surgem 
inesperadamente  junto  do  presbitério,  ao  pé  da  carvalha  que  descre- 
vemos. 

O  acto  da  posse  litúrgica  havia  de  realizar-se  pela  tarde,  depois  do 
banquete,  e  este  encontrava-se  no  seu  auge.  Aos  ouvidos  de  Brás  e  dos 
companheiros  chegavam  as  manifestações  da  ruidosa  alegria  dos  con- 
vivas, e  facilmente  se  notava  que  eram  em  número  muitíssimo  maior 
do  que  os  que  constituíam  a  guerrilha.  Ouvia-se  alem  disso  o  vo- 
zear da  gente  do  povo  e  da  criadagem,  que  do  outro  lado  da  casa, 
no  páteo  da  residência  e  no  contíguo  adro  fronteiro  ao  templo,  en- 
quanto esperavam  pela  festa  da  igreja,  com  seus  folgares  ruidosos 
iam  fazendo  coro  aos  vivas  e  brindes  que  partiam  da  sala  de  jantar. 

Torna-se  pois  complicado  o  caso.  Acometer  toda  essa  gente,  em- 
bora de  surpresa,  seria  um  acto  de  louca  temeridade. 

Mas  era  tarde  para  hesitações,  e  Brás  não  era  homem  que  re- 
cuasse.    Não  espera  por  mais. 

Como  um  furacão  entram  todos  pela  porta  dentro,  e  de  espada  em 
punho  uns,  outros  de  cacetes  erguidos,  caem  sobre  os  convivas  espa- 
deirando-os  e  contundindo-os.  Alguns  conseguem  saltar  pelas  janelas 
e  pôr-se  em  fuga ;  outros  resistem,  mas  debalde.  Uma  confusão 
medonha,  um  motim  infernal.  Pelo  chão,  por  baixo  da  mesa,  rolam 
corpos  feridos  gravemente,  jazem  outros  sem  movimento. 

Alguns  dos  convivas  haviam-se   escapado  do  presbitério  para  a 


que  dá  acesso  por  esta  banda  ao  páteo  da  residência  prioral.  Esta  fica  por  trás 
da  carvalha ;  e  lá  ao  fundo,  na  extremidade  da  direita,  descortina-se  o  telhado  e 
parede  S.  da  igreja. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvò  i83 

igreja,  onde  supuseram  encontrar  asilo  inviolável.  Faliu-lhes  o  cál- 
culo. Ali  mesmo  foram  feridos  e  espancados,  ticando  assim  poluída 
a  casa  do  Senhor,  que  ipso  facto  se  tornou  inapta  para  a  celebração 
dos  actos  cultuais.  Esta  a  explicação  que  tem  o  caso  de  encontrar- 
mos nos  últimos  meses  de  1640  fechada  ao  culto  a  igreja  paroquial  de 
Travanca,  e  os  ofícios  divinos,  que  nela  deviam  realizar-se,  a  serem 
celebrados  na  igreja  de  Farinha-Podre,  hoje  S.  Pedro  de  Alva. 

Quando  toda  a  resistência  dentro  de  casa  tinha  acabado,  os  agres- 
sores descera  ao  páteo,  para  dali  e  do  adro  varrerem  a  populaça 
e  criadagem.  Então  é  que  iam  mostrar  a  sua  valentia  e  a  sua  agili- 
dade e  perícia  no  jogo  do  pau  os  caceteiros  do  rancho,  que  levariam 
deante  de  si  centenas  de  pessoas  que  lá  estivessem.  ^  Mas  quê  ?  Não 
encontraram  ninguém.  O  pavor  tinha-se  apoderado  de  toda  essa  gente. 
Apenas  ouviram  os  primeiros  gritos  de  sobresalto  e  dor,  acompanhados 
do  tenir  de  ferros  na  sala  de  jantar,  apenas  viram  os  primeiros  fugi- 
tivos saltarem  das  janelas  e  pôr-se  ao  fresco  numa  carreira  desor- 
denada, um  pavor  colectivo  se  apoderou  deles,  e,  não  esperando  o 
próximo  momento  de  entrarem  em  função,  deixaram  o  adro  e  o  páteo 
desertos,  num  abrir  e  fechar  de  olhos. 

Eis  reconstituída  nos  seus  traços  gerais,  em  face  do  poema  e  dos 
documentos,  a  scena  sangrenta,  em  que  foi  protagonista  Brás  Garcia, 
e  na  qual  houve  mortes  &  feridos  '.  Assim  mostrou  o  nosso  poeta  que 
debaixo  da  capa  de  sisudez,  ponderação  e  bonomia  em  que  se  embu- 
çava, e  apesar  dos  sinceros  desejos  e  propósitos  de  viver  em  paz, 
sossego  e  quietação,  chegado  o  momento  crítico,  ainda  nele  existia 
o  estofo  do  antigo  espadachim;  o  fogu  c  viveza  da  juventude  desper- 
tavam com  facilidade. 

E,  depois  disto  passado,  longe  de  se  arrepender  da  violência  pra- 
ticada em  momento  de  paixão,  faz  pelo  contrário  alarde  da  proeza, 
revelando  alem  disso  a  circunstância  agravante  da  premeditação. 

Explica,  é  verdade,  a  razão  que  teve  para  assim  proceder,  dando 
ao  pleito  judicial  uma  solução  sangrenta.  A  parte  contrária  andava 
em  tudo  de  má  fé,  e  dos  tribunais  não  conseguiu  êle  que  se  lhe  fizesse 
justiça;  teve  por  isso  de  recorrer  a  este  processo,  único  que  encon- 
trou eficaz.  Nos  tribunais  moeram-lhe  a  paciência  com  subterfúgios, 
incidentes,  evasivas,  recursos,  sentenças  contraditórias ;  destas,  se 
uma  o  absolvia,  outra  o  condenava,  se  agora  era  penado,  logo  ficava 


1  Doe.  CXII. 


184  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

depenado.  Por  fim  vê  o  usurpador  ir  ocupar  o  benefício  roubado  a 
seu  irmão;  é  nesta  altura  que  resolve  lançar  mão  do  meio  violento. 
Faz  justiça  por  suas  próprias  mãos,  como  último  recurso. 


l  Haverá  elementos  cronológicos  suficientes  para  precisar  a  época 
em  que  este  facto  se  deu  ? 

Temos  alguns  indícios,  que  reunidos  nos  habilitam  a  determinar 
aquela  época.  Ei-los : 

A  28  de  setembro  de  i63q  e  a  10  de  maio  de  1640  achava-se 
Brás  Garcia  em  Avô,  muito  tranquilo  e  sossegado,  a  intervir  em  actos 
públicos:  naquele  dia  apadrinhou  no  baptizado  duma  criança*; 
neste  foi  testemunha  dum  casamento^.  Ainda  se  não  tinha  homi- 
ziado :  a  scena  de  Travanca  é  pois  posterior. 

Algumas  semanas  depois,  a  4  de  junho,  ainda  era  cura  de  Tra- 
vanca, e  como  tal  aparece  a  dar  licença  a  outro  sacerdote  para  assistir 
a  um  casamento,  o  padre  João  Fernandes^,  a  quem  o  padre  Panta- 
leão,  ao  sair,  deixara  encarregado  da  paroquialidade,  e  que  depois  lhe 
foi  infiel  bandeando-se  com  os  seus  inimigos,  pois  a  declaração  de  va- 
cância e  o  concurso  para  provimento  da  igreja  não  se  podiam  ter 
realizado  sem  êle  ser  disso  conhecedor,  sem  ter  até  colaborado  no 
processo.  E  quási  certo  que  estaria  no  banquete  do  intruso,  e  seria 
talvez  o  incumbido  de  lhe  dar  posse ;  a  não  ser  que  fosse  êle  o  pró- 
prio prior  intruso,  hipótese  que  se  não  pode  inteiramente  pôr  de  parte. 
A  permanência  pois  deste  cura  a  paroquiar  a  freguesia  é  prova  de 
que  a  4  de  junho  ainda  se  não  havia  dado  o  caso  memorando. 

A  8  de  setembro  falece  nesta  freguesia,  no  lugar  do  Paço,  Do- 
mingos Fernandes,  a  quem  foi  conferido  o  sacramento  da  penitência 
pelo  padre  Manuel  Gonçalves,  cura  da  vizinha  freguesia  de  Oliveira 
do  Cunhedo,  o  da  Eucaristia  pelo  padre  João  Alves  Brandão,  de  Ga- 
lizes,  e  o  da  extrema-unção  pelo  rd.°  prior  Pantaleão  Garcia  *. 
Ainda  no  mesmo  mês,  em  dia  indeterminado,  morreu  Sebastião  Pires, 
que  apenas  recebeu  os  sacramentos  da  penitência  e  extrema-unção, 
ministrados  ambos  pello  rd.°  prior  Pantaleão  Garcia '.     No  seguinte 


»  Doe.  XXXV.  — 2  Doe.  XXXVI. 

'  CS.  —  Reg.  paroq.  de  Travanca-de-Farinha-Podre,  vol.  i,  cad.  4,  fl.  147  V.». 
*  C.  S,-~Reg,  Paroq.  de  Travanca-de-Farinha-Pôdre,  vol.  i,  cad.  4,  fl.  148. 
»  Ibid. 


Cap.  V —  O  poeta-fidalgo  de  oAvô  i85 

mês  de  outubro,  a  8,  morreu  sem  sacramentos  Manuel,  filho  de  Bal- 
tasar Fernandes,  da  Portela*. 

Vê-se  pois  que  já  por  ali  andava  nesta  época  o  padre  Pantaleão,  e 
já  ia  absolvendo  e  ungindo  os  fregueses  que  necessitavam  dos  úl- 
timos socorros  sacramentais. 

Mas  nenhuns  outros  sacramentos  se  ministravam  na  freguesia, 
alem  destes  in  extremis.  Depois  de  entrado  o  verão  de  1640,  o  pri- 
meiro baptismo  que  se  celebrou  na  igreja  de  Travanca  foi  a  i5  de 
janeiro  de  1641,  e  o  primeiro  casamento  a  4  de  fevereiro. 

Os  que  morriam  sepultavam-se,  é  verdade,  na  igreja  ou  no  adro, 
na  forma  costumada,  depois  de  feita  a  encomendação,  provavelmente 
em  alguma  capela  do  lugar ;  mas  os  ofícios  fiinebres  de  bem  d' alma  ou 
paroquiais  fazia-os,  por  determinação  do  bispo-conde  *,  que  ao  tempo 
era  D.  Joane  Mendes  de  Távora,  na  igreja  paroquial  da  freguesia  de 
S.  Pedro  de  Farinha-Pôdre,  o  ex-cura  de  Travanca  padre  João  Fer- 
nandes. 

Registo  paroquial  não  se  lavrava.  Mais  tarde,  em  1641,  é  que  o 
pároco  encomendado  João  Alves  Brandão  lavrou  por  atacado  vários 
assentos  relativos  aos  meses  anteriores,  sobre  notas  incompletas  que 
conseguiu  reunir. 

Conclusões  a  tirar  destes  factos:  — O  caso  memorando  de  panca- 
daria tinha-se  dado  antes  de  setembro.  A  igreja,  que,  segundo  dis- 
semos, comunicava  internamente  com  a  residência  do  prior,  achava-se 
poluta,  cessando  portanto  ali  todos  os  actos  do  culto,  até  se  proceder 
à  sua  reconciliação  litúrgica.  Uma  única  vez  que  durante  este  pe- 
ríodo se  ministrou  na  freguesia  a  um  moribundo  o  sagrado  Viático, 
certamente  não  foi  trazido  da  igreja,  donde  a  Eucaristia  deve  ter  sido 
removida  logo  após  o  desacato  sacrílego. 

Tendo  voltado  da  sua  viagem,  o  padre  Pantaleão  já  em  setembro, 
como  que  às  escondidas  e  quási  furtivamente,  ia  absolvendo  e  ungindo 


'  C.  S.  —Reg.  Paroq.  de  Travanca-de-Farinha-Pôdre,  vol.  1,  cad.  4,  fl.  148  v.°. 

-  Transcrevemos  os  assentos  lançados  por  letra  do  padre  João  Fernandes  no 
livro  dos  óbitos  de  Travanca  : 

—  «fis  dous  ofícios  era  farinha  podre  pclla  alma  de  Bastiam  Vví  desta  treigesia 
por  ter  licensa  do  srõ  Bispo  e  morrer  em  tempo  q  estaua  apresétado  por  ele». 

—  «fis  dous  officios  pella  alma  de  d.os  frz  desta  freigesia  em  farinha  podre  por 
licensa  do  snr  hispo». 

—  «fis  dous  officios  pella  alma  de  m.ei  filho  de  balthesar  frz  da  portella  é  fa- 
rinha podre  por  ter  licensa». 

(C.  S.  —  Reg.  pdroq.  da  Travancã-de- Farinha- Padre,  vol.  1,  cad.  7,  ti.  121). 


i86  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

um  ou  outro  moribundo,  segundo  refere  o  registo  paroquial  exarado 
mais  tarde ;  mas  por  outro  lado  o  padre  João  Fernandes,  que  êle  ao 
partir  tinha  deixado  a  paroquiar  Travanca,  cessara  de  ser  cura,  saíra 
até  da  freguesia,  mas  ia  fazendo  na  vizinha  igreja  paroquial  de  S.  Pedro 
de  Farinha-Pòdre  os  ofícios  por  alma  dos  que  faleciam  em  Travanca, 
declarando  que  o  fazia  porque  o  falecimento  se  dera  quando  ainda 
durava  a  sua  apresentação,  e  por  ter  licensa  do  srõ  Bispo  para  isso. 
Lançava  entretanto  no  livro  dos  óbitos  de  Travanca  notas  de  cum- 
primento dos  sufrágios,  o  que  nos  mostra  que  ainda  conservava  em 
seu  poder  este  livro  do  registo  paroquial,  apesar  de  confessar  que  já 
não  era  pároco,  e  apesar  de  residir  noutra  freguesia.  Pelo  seu  lado 
o  padre  João  Alves  Brandão,  querendo  depois  lavrar  os  assentos  dos 
óbitos  desses  mesmos,  sufragados  em  Farinha-Pôdre  mas  falecidos  e 
sepultados  em  Travanca,  viu-se  forçado  a  lançar  esses  assentos  no 
livro  de  registo  dos  casamentos,  por  não  ter  o  dos  óbitos,  que  lá 
estava  em  mão  do  padre  Fernandes. 

Tudo  isto  nos  revela  a  confusão  e  anormalidade  que  se  seguiu  à 
violência  comandada  por  Brás  Garcia. 

Aparece-nos  alguns  meses  depois,  em  1641,  novo  presbítero  a 
paroquiar  a  igreja  de  Travanca  com  o  título  de  encomendado:  o 
mesmo  sacerdote  que  já  em  setembro  de  1640  andava  com  o  padre 
Pantaleão  Garcia  a  ministrar  sacramentos  aos  moribundos,  e  que, 
depois  de  encomendado,  teve  a  solicitude  de  lavrar  o  registo  paro- 
quial relativo  aos  meses  decorridos  desde  a  saída  do  padre  João 
Fernandes.  Precisamos  de  saber  quem  era  aquele  novo  pároco, 
porque  a  determinação  da  pessoa  projecta  bastante  luz  sobre  o  caso 
que  nos  ocupa.  O  padre  João  Alves  Brandão  era  de  Galizes,  e  a 
22  de  junho  deste  mesmo  ano  havia  na  Universidade  de  Coimbra  re- 
cebido o  grau  de  bacharel  em  Cânones ',  interrompendo,  para  ir 
tomar  conta  desta  igreja,  a  sua  formatura,  que  só  veio  concluir  com 
o  respectivo  acto  a  4  de  maio  de  i()42*.  Tinha  este  eclesiástico  re- 
lações estreitas  de  amizade  e  de  próximo  parentesco  com  os  Garcias 
de  Mascarenhas  de  Avô,  e  devido  a  isto  se  deu  ele  por  suspeito 
quando,  alguns  anos  mais  tarde,  sendo  vigário  geral  em  Coimbra, 
foi  nesta  qualidade  chamado  a  julgar  um  processo,  em  que  era  reu 
o  padre  Matias,  irmão  de  Brás  Garcia  ^.     O  seu  aparecimento  pois, 


'  A.  U.  —  Autos  e  graus,  vol.  32, 1.  1,  fl.  45.  —  «  Ibid.  1.  3,  fl.  36  v.» 
3  Vid.  Doe.  LXXXV,  Libelo  apelatório,  pág.  (Sq),  Pr.a  3. 


Cap.  V —  O  poeta-Jidalgo  de  oAvò  187 

como  encarregado  da  paroquialidade,  mostra  que  se  tinha  operado 
uma  mudança  radical.  Eram  já  os  Garcias  de  Mascarenhas  que 
influíam  no  governo  da  igreja  de  Travanca. 

E  portanto  indubitável  que  o  padre  Pantaleão  estava  reintegrado 
no  seu  benefício,  embora  não  reentrasse  na  efectividade  normal  do 
cargo  senão  um  ano  depois,  em  1642.  A  escolha  do  padre  João  Alves 
Brandão  para  encomendado  fora  já  feita  por  êle. 

Em  virtude  do  exposto  concluímos:  a  scena  violenta  de  Travanca 
deu-se  entre  junho  e  agosto,  isto  é,  no  verão  de  1Õ40. 


Vejamos  agora  o  epílogo  do  drama. 

Foi  bem  mais  satisfatório  do  que  era  de  esperar. 

O  intruso,  que  nunca  pude  descobrir  quem  fosse,  ou  morreu  na 
briga,  ou  ficou  possuído  de  tal  medo,  e  tão  escarmentado,  que 
não  pensou  mais  em  possuir  o  pretendido  beneficio;  e  o  padre  Pan- 
taleão, que,  estando  ausente,  fora  completamente  estranho  ao  desen- 
lace violento,  achou-se  siibitamente  livre  de  quem  lhe  contestasse  mais 
o  seu  direito,  e  fácil  lhe  seria  agora  obter  dos  tribunais  que  lhe  reco- 
nhecessem a  sua  justiça. 

Nada  devem  ter  sofrido  os  companheiros  que  auxiliaram  o  poeta 
na  empresa.  Juntaram-se  e  partiram  clandestinamente,  sem  nada 
transpirar  em  Avô;  e  em  Travanca  não  eram  conhecidos.  A  exis- 
tência de  cúmplices  facilmente  se  provava ;  i  mas  quem  eram  eles  ? 
Naquele  tempo  havia  facilidade  em  se  ocultarem  aos  olhos  vendados 
da  justiça  cousas  claríssimas;  não  seria  pois  difícil  dispor  tudo  por 
forma,  que  não  viesse  a  identificar-se  nenhum  dos  companheiros  de  Brás. 

Este  porem  é  que  pagaria  por  todos.  A  responsabilidade  era 
quási  exclusivamente  sua.     Não  podia  dissimular,  e  não  dissimulou. 

A  prudência  mandava  que,  antes  de  mais  nada,  se  homiziasse  ; 
e  depois,  bem  escondido,  tentaria  então  organizar  a  sua  defesa. 

È  o  que  faz. 

Não  foge  ;  mas  finge  fugir,  e  esconde-se  na  própria  Pátria,  isto 
é,  na  vila  de  Avô,  ou  ali  próximo. 

Poucos  meses  porém  dura  o  homizio. 

Não  tarda  a  raiar  o  dia  i  de  dezembro.  Rebenta  em  Lisboa  a 
revolução  patriótica,  que  sacode  o  jugo  castelhano,  e  aclama  rei  de 
Portugal  o  duque  de  Bragança. 


i88  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

A  noticia  ciiega  a  Avô  ao  fim  duma  semana,  e  Brás  Garcia, 
deixando  o  seu  esconderijo,  corre  à  capital  a  pôr  a  sua  espada,  já 
experimentada,  à  disposição  da  causa  patriótica. 

Passa-se  uma  esponja  sobre  o  crime  de  Travanca,  e  o  nosso  poeta 
principia  então  uma  vida  nova. 


VI 
Capitão  e  governador 

Contra  todos  os  cálculos  da  gente  mais  ponderada,  triunfou  o 
brio  e  audácia  dos  portugueses,  exactamente  quando  parecia  estar 
prestes  a  consumar-se  irremediavelmente  o  plano  de  D.  Gaspar  de 
Guzman,  conde-duque  de  Clivares,  que  buscava  pretexto  para  a  ane- 
xação definitiva  de  Portugal  à  coroa  de  Castela,  como  simples  pro- 
víncia daquele  reino.  Portugal  em  tal  hipótese  teria,  sob  Felipe  IV, 
a  sorte  que  em  tempo  de  Felipe  II  coubera  ao  reino  de  Aragão. 

A  tirania  esmagadora  do  poderoso  ministro  do  rei  castelhano, 
dispondo  dos  dois  secretários  de  estado  de  Portugal,  Diogo  Soares 
em  Madrid  e  Miguel  de  Vasconcelos  em  Lisboa,  se  por  um  lado  exa- 
cerbava e  molestava  os  espíritos  e  assim  provocava  a  revolta,  por 
outro  ia  destruindo  a  nação,  conculcando  os  seus  direitos,  foros  e 
privilégios,  esmagando-lhe  sem  contemplações  os  brios,  consumin- 
do-lhe  as  energias,  esgotando-lhe  as  riquezas  e  aniquilando  todos  os 
elementos  de  vida  e  resistência  que  ainda  nela  restavam. 

«Antiguo  era  el  disgusto,  diz  em  sua  linguagem  elegante  o  auto- 
rizado e  insuspeito  D.  Modesto  Lafuente  *,  tan  antiguo  como  la  con- 
quista de  aquel  reino  hecha  por  Felipe  II,  con  que  los  portugueses 
sobrellevaban  la  perdida  de  su  independência,  y  su  sumisión  ai  cetro 
de  los  reyes  de  Castilla.  Este  disgusto  y  esta  impaciência,  natural 
en  un  pueblo  con  razon  orguUoso  de  haber  sabido  conquistar  su  inde- 
pendência, de  haberla  conservado  muchos  siglos,  y  de  haberse  hecho 
con  ella  una  grande  y  respetable  potencia,  solo  hubiera  podido  tem- 
plarse,  y  andando  el  tiempo  desaparecer,  si  los  monarcas  castellanos 
y  sus  gobiernos  hubieran  sabido  con  la  justicia,  con  la  politica,  con  la 
prudência  y  con  la  dulzura,  hacer  dei  pueblo  conquistado  un  pueblo 

'  História  general  de  Espana,  t.  xi,  pág.  3 ia,  Barcelona- iS88. 


igo  'Brás  Garcia  de  dMascarenhas 

amigo  y  hermano.  Mas  ya  antes  de  ahora  hemos  visto  que  no  fué 
este  por  desgracia  el  camino  que  nuestros  reyes  siguieron.  Al  fin 
Felipe  II  procuraba  encubrir  disimulada  y  artificiosamente  '  la  opre- 
sión  en  que  tenía  á  los  portugueses,  y  la  falta  de  cumplimiento  de 
algunas  de  sus  más  solemnes  promesas.  Felipe  III  habia  mirado 
con  cierto  indolente  desdén  y  despego  á  Portugal:  una  sola  vez  estuvo 
en  aquel  reino,  y  valiera  más  que  no  hubiera  estado  ninguna.  La 
conducta  de  Felipe  IV  y  dei  ministro  Olivares,  lejos  de  ser  la  que 
hubiera  convenido  para  ir  borrando  las  antiguas  antipatias  de  pueblo 
á  pueblo,  lo  fué  muy  á  propósito  para  avivar  cuanto  más  para  extin- 
guir los  ódios  entre  dos  naciones,  ambas  soberbias,  y  altivas,  paro 
conquistadora  la  una,  conquistada  la  otra,  la  una  opresora  y  la  otra 
oprimida.  La  obra  de  la  unidad  ibérica  se  habia  hecho  en  lo  mate- 
rial: la  unidad  moral,  la  unidad  política,  la  unidad  fraternal  no  se 
habia  realizado,  y  cuando  esta  unión  no  se  realiza,  fácil  es  de  augurar 
el  divorcio  de  dos  pueblos». 

Em  meio  de  suas  tribulações,  o  povo  português  dirigia  olhares 
esperançosos  para  o  duque  de  Bragança,  em  cujas  veias  corria  sangue 
dos  antigos  reis  de  Portugal.  Por  vezes  foi  instado  o  duque  D.  João 
para  que  se  colocasse  à  frente  duma  revolta  patriótica  contra  o  do- 
mínio castelhano,  ou,  pelo  menos,  para  que  consentisse  que  o  movi- 
mento revolucionário  tivesse  por  objectivo  o  ser  colocada  na  sua 
cabeça  a  coroa  de  D.  Afonso  Henriques  e  de  D.  João  I;  mas  a  pru- 
dência calculada  e  fria  do  duque  não  o  deixava  arriscar  as  imensas 
riquezas  da  sua  casa,  a  sua  liberdade,  e  quiçás  a  própria  vida,  em 
tal  aventura,  que  provavelmente  descairia  em  resultado  infeliz  e  trá- 
gico. 

A  revolta  popular,  que  rebentara  em  Évora  no  ano  de  1Õ37,  fora 
motivada  pela  exorbitância  dos  tributos  impostos  ilegalmente  por 
Castela;  alastrara  pelo  Alentejo  e  pelo  Algarve,  e  ainda  tivera  eco 
em  vários  outros  pontos  do  país ;  mas  abortou  à  falta  de  chefe  e  de 
condições  de  êxito.  Não  foi  perfilhada  pela  nobreza,  que  chamou 
por  isso  sobre  si  os  ódios  e  rancores  da  classe  popular;  e  o  duque 
de  Bragança,  a  quem  se  ofereceu  com  instâncias  a  coroa,  chegando 
a  ser  aclamado  rei  pela  populaça  em  Vila-Viçosa,  declinou  a  honra,  e 
apressou-se  a  protestar  a  sua  fidelidade  ao  monarca  espanhol,  no 
que  foi  imitado  por  muitos  fidalgos  e  por  algumas  câmaras. 

Mas  três  anos  depois  as  condições  haviam  mudado  bastante.  A 
Espanha  achava-se  depauperada,  esgotada  com  as  guerras  para  que 
a    política  nefasta   de  Olivares  impelia  aquela   rica   e   nobre   nação, 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  igi 

obrigando-a  a  sustentar  campanhas  ruinosas  em  Flandres,  Itália  e 
Alemanha,  no  Roussillon,  na  Gascunha,  na  índia,  etc.  Ultimamente 
a  sublevação  da  Catalunha  fizera  concentrar  ali  as  principais  atenções 
da  corte  de  Madrid,  deixando  respirar  um  pouco  mais  livremente 
Portugal.  Vira  este  perigo  o  astucioso  ministro  de  Felipe  IV,  e  ex- 
cogitara  o  meio  de  o  conjurar. 

A  24  de  agosto  de  1640  cai  em  Lisboa  de  improviso,  produzindo 
o  efeito  fulminante  do  raio,  uma  ordem,  pela  qual  toda  a  nobreza  de 
Portugal  era  obrigada  a  comparecer  em  Madrid,  para  se  incorporar 
no  séquito  do  rei,  que  resolvera  ir  pessoalmente  ao  antigo  reino  ara- 
gonês meter  na  ordem  as  províncias  insubordinadas ;  exigiam-se 
também  grandes  levas  de  tropas,  que  de  Portugal,  e  à  custa  desta 
nação,  marchariam  para  a  Catalunha.  Constituía  tudo  isto  uma 
exacção  violentíssima,  que  exauria  o  país,  e  o  deixava  qual  presa 
inerme  nas  garras  do  leão  espanhol. 

Fora  especialmente  visado  o  duque  de  Bragança. 

Senhor  duma  casa  opulentíssima,  sem  dúvida  uma  das  mais  ricas 
do  mundo  naquele  tempo,  com  os  seus  80:000  vassalos,  com  as  suas 
honras,  isenções,  privilégios  e  estado  mais  do  que  principescos, 
quási  régios,  o  duque  de  Bragança  era  um  pesadelo  que  pertur- 
bava permanentemente  o  sono  do  monarca  de  Espanha,  uma  con- 
stante ameaça  à  integridade  dos  seus  estados.  D.  João  tinha  também 
de  se  apresentar  na  corte  madrilena,  para  se  incorporar  no  séquito 
de  D.  Felipe  ;  mas  o  plano  de  Olivares  era  detê-lo  apenas  pisasse 
território  castelhano,  tirando  aos  portugueses  esta  esperança  e  este 
chefe.  Já  não  era  a  primeira  vez  que  o  ministro  de  Felipe  IV  pre- 
parava uma  cilada,  para  prender  o  duque  brigantino. 

Uma  acção  rápida,  que  quebrasse  as  algemas,  cada  vez  mais  in- 
suportáveis, era  pois  indispensável.  Ou  agora,  ou  nunca.  Se  as 
ordens  emanadas  de  Madrid  chegassem  a  cumprir-se,  uu  se  houvesse 
reacção  limitada  à  recusa  do  seu  cumprimento,  Portugal  seria  irre- 
mediavelmente riscado  do  número  das  nações. 

Organiza-se  então  em  grande  segredo  a  conjura,  quási  unicamente 
com  elementos  da  nobreza. 

A  irreductível  teimosia  do  duque  brigantino  em  não  se  meter  em 
tal  aventura  desconcertava  os  conspiradores,  que,  à  falta  de  quem 
quisesse  ser  rei,  chegaram  a  pensar  na  formação  duma  república 
portuguesa,  memorando  os  exemplos  de  Veneza,  de  Génova,  da 
Holanda ;  mas  tal  solução  quebrava  as  tradições  nacionais,  e  assim 
eliminava  uma  força  in\portantíssima,  no  momento  em  que  todos  os 


ig2  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

elementos  de  vitalidade  e  de  resistência  eram  necessários.  Redo- 
bram por  isso  as  instâncias  junto  do  duque,  e  este  vem  por  fim  a 
ceder  perante  um  dilema,  verdadeiro  ultimátiim  apresentado  com 
forma  interrogativa: 

—  Se  nós  proclamarmos  uma  república  portuguesa  ^que partido 
toma  V.  Excelência,  o  de  Espanha  ou  o  de  Portugal  ? 

—  O  da  Pátria,  responde  nobremente,  sem  hesitações,  D.  João  de 
Bragança. 

A   decisão  estava   tomada.     Mais  valia  arriscar-se   para  ser  rei, 
do  que  para  ser  simples  cidadão. 


Era  um  sábado,  primeiro  de  dezembro  de  1640.  O  dia  amanhe- 
cera límpido  e  formoso,  e  o  sol  inundava  de  luz  a  velha  capital  por- 
tuguesa. 

Pouco  faltava  para  as  9  horas. 

No  Terreiro  do  Paço  havia  um  movimento  considerável,  mas  que 
não  era  de  estranhar,  porque  àquela  hora  costumava  o  secretário  de 
estado  Miguel  de  Vasconcelos  começar  a  dar  audiência  aos  preten- 
dentes. Numerosos  coches  iam  chegando,  trazendo  dentro,  tranqui- 
lamente sentados,  fidalgos  da  principal  nobreza  do  reino.  Outros 
nobres  a  cavalo,  acompanhados  dos  seus  criados,  apareciam  ao 
mesmo  tempo  das  diversas  embocaduras  das  ruas,  e  todos  eles  con- 
vergiam para  junto  da  entrada  principal  do  paço  real  da  Ribeira, 
onde  residia  a  duquesa  de  Mántua,  regente  de  Portugal,  e  o  referido 
secretário.  Algumas  pessoas  da  classe  média,  bastantes  populares, 
e  ainda  um  ou  outro  eclesiástico,  tinham  também  sido  atraídos  com 
pretextos  diversos,  e  estacionavam  pelo  largo. 

Os  nobres  chegavam  e  apeavam-se.  Uns  ficavam  por  ali  conver- 
sando, outros  entravam  logo,  e  subiam  as  escadas  do  paço,  juntan- 
do-se  na  sala  dos  archeiros,  onde  aguardavam,  ao  que  parecia,  que 
o  poderoso  Miguel  de  Vasconcelos  se  dignasse  de  os  receber.  Quem 
via  aqueles  fidalgos,  sossegados  e  tranquilos,  não  podia  deixar  de 
acreditar  nos  seus  sentimentos  pacíficos.  Era  a  repetição  do  que 
sucedia  todos  os  dias,  havendo  a  notar  apenas  a  circunstância  de 
hoje  ser  a  concorrência  mais  crescida  do  que  de  costume. 

Entre  os  que  ficaram  conversando  à  porta  do  palácio,  conta- 
vam-se  os-  fidalgos  Jorge  de  Melo,  António  de  Melo  de  Castro,  Estê- 
vão da  Cunha,  e  o  padre  Nicolau  de  Maia. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  rçS 

—  ^  Mas  o  que  vimos  Jiós  aqui  fa\er  ?,  preguntava  um  dos  que 
tinham  sido  chamados,  sem  se  lhe  revelar  o  segredo  da  conspiração. 

—  Bem  pouco,  lhe  responde  João  Pinto  Ribeiro  com  a  mais  tran- 
quila naturalidade ;  vimos  tirar  um  rei  e  pôr  outro. 


Sôa  a  primeira  badalada  das  nove  horas,  e  nesse  momento 
D.  Miguel  de  Almeida,  que  era  um  dos  que  estavam  na  sala  dos 
archeiros  tudescos,  dispara  uma  pistola. 

Era  o  sinal  convencionado. 

No  mesmo  instante  cada  fidalgo  corre  a  executar  o  papel  que 
lhe  fora  distribuído.  Os  que  ficaram  no  átrio  tomam  de  surpresa  a 
guarda,  que  era  de  soldados  castelhanos,  não  lhes  dando  tempo  para 
se  defenderem.  Dos  que  subiram,  uns  desarmam  e  seguram  os 
archeiros  que  estavam  na  sala,  enquanto  outros  muitos,  vencendo  a 
resistência  de  dois  guardas  tudescos,  que  faziam  sentinela  às  portas 
que  davam  para  os  corredores,  e  dos  quais  um  ficou  morto  e  o  outro 
ferido,  invadem  todo  o  paço. 

Entretanto  a  figura  venerável  e  nobre  de  D.  Miguel  de  Almeida, 
com  a  sua  auréola  de  cabelos  brancos  a  emoldurar-lhe  o  rosto,  de 
espada  desembainhada,  corria  pelo  palácio  a  gritar :  —  /  Liberdade, 
portugueses!  —  Viva  el-rei  D.  João  IV!  Assoma  a  uma  varanda  que 
dá  para  o  largo,  e  dali,  cheio  de  entusiasmo,  aclama  repetidas  vezes 
o  novo  rei  de  Portugal,  sendo  as  suas  vozes  correspondidas  pela 
gente  que  estacionava  no  Terreiro  do  Paço,  e  que  crescia  de  mo- 
mento a  momento. 

A  ex-regente  duquesa  Margarida,  não  se  faltou  com  as  atenções 
e  cortesias  que  lhe  eram  devidas,  depois  de  se  lhe  significar  de  modo 
categórico  que  as  suas  funções  governativas  tinham  acabado. 

Morreram  dois  portugueses  de  alta  categoria,  dos  que  estavam  a 
serviço  de  Castela:  —  Francisco  Soares  de  Albergaria,  corregedor 
do  cível  da  cidade,  que  nos  corredores  do  paço  obstinadamente  re- 
spondia às  aclamações  patrióticas  com  vivas  a  D.  Felipe ;  e  Miguel 
de  Vasconcelos,  o  braço  odioso  de  que  o  conde-duque  de  Clivares  se 
servia  para  esmagar  Portugal. 


O  povo  desconhecia  o  plano,  sendo  quási  inteiramente  estranho  a 
esta  primeira   explosão  da  conjura.     Foram  os  nobres  que   a  deli- 


ig4  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

nearam  e  executaram  ;  mas  era  de  prever  que  o  povo  se  asso- 
ciaria desde  logo,  atento  o  ódio  rancoroso  que  tinha  aos  espanhóis. 
Ficara,  é  verdade,  muito  molestado  e  resentido  contra  os  fidalgos, 
quando  na  revolta  de  Évora  se  viu  abandonado  da  nobreza ;  mas  a 
classe  eclesiástica  nos  últimos  tempos  vinha  usando  largamente  da 
sua  influência  sobre  o  povo,  para  exaltar  nele  o  brio  patriótico,  e  o 
apaixonar  na  empresa  vaga,  no  sonho  levemente  esboçado,  de  sacudir 
o  jugo  estranjeiro.  Os  sermões  ouvidos  com  religioso  acatamento, 
como  sendo  a  palavra  de  Deus,  transformavam  frequentes  vezes  o 
púlpito  em  tribuna  de  propaganda  contra  as  autoridades  espanholas, 
visadas  em  alusões  bem  transparentes  e  epigramas  cruéis,  que  en- 
chiam de  satisfação  a  classe  popular,  atreita  a  paixões,  e  já  de  si 
justamente  indignada.  Alem  disso  o  clero  explorava  habilmente  no 
sentido  patriótico  as  canções  proféticas  do  sapateiro  Bandarra,  que 
davam  a  restauração  para  o  ano  de  40;  e  tais  profecias  dimanavam, 
assim  o  criam,  da  indefectível  sciência  de  Deus,  para  quem  o  futuro 
é  presente,  e  que  por  isso  não  pode  errar.  Longe  de  serem  estranhos 
à  conspiração,  os  jesuítas  foram  um  elemento  importante  que  os  pa- 
triotas tiveram  ao  seu  lado. 

Estava  portanto  perfeitamente  preparado  o  meio  popular,  e  facil- 
mente se  previa  que,  dado  o  grito  de  revolta  no  paço  real,  a  multidão 
acudiria  de  pronto,  e  secundá-lo  hia  com  entusiasmo  delirante. 

Foi  o  que  sucedeu. 

As  primeiras  aclamações  soltadas  da  varanda  do  paço  por  D.  Mi- 
guel de  Almeida  foram  correspondidas  com  vigor  pela  pouca  gente, 
menos  de  cem  pessoas,  que  estacionavam  no  terreiro;  mas  quando, 
tomado  rapidamente  o  palácio,  um  grande  magote  de  fidalgos  desceu 
para  se  dirigir  à  câmara  municipal,  já  havia  número  considerável  de 
populares,  que  acudiam  de  toda  a  parte  atraídos  pelos  gritos  de 
triunfo ;  correram  atrás  dos  nobres  em  entusiásticas  manifestações. 

Em  várias  partes  da  cidade,  àquela  hora,  pessoas  iniciadas  na 
conspiração  saíram  para  a  rua  a  vitoriar  a  restauração  de  Portugal  e 
o  novo  monarca;  e  alguns  dos  populares,  que  tinham  sido  atraídos 
ao  Terreiro  do  Paço,  debandaram  prontamente  a  levar  a  grande  nova 
a  sítios  diversos.  Desta  forma,  num  abrir  e  fechar  de  olhos,  em 
todos  os  bairros  de  Lisboa  se  aclamava  el-rei  D.  João  IV. 

Estava  funcionando  naquela  ocasião  o  senado  municipal,  sob  a 
presidência  de  D.  Pedro  de  Meneses,  conde  de  Cantanhede,  que  não 
fora  iniciado  no  segredo  da  conspiração.  Ao  ouvir  o  grande  tumulto 
e  algazarra  que  se  aproximava,  o  conde  mandou  fechar  as  portas  do 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  igS 

palácio,  receando  uma  invasão  do  povo  amotinado;  mas  ao  saber 
por  seus  dois  filhos  o  que  aquilo  era,  ordena  prontamente  que  as 
portas  se  abram  à  onda  patriótica. 

Entram  de  roldão  os  fidalgos  e  muitos  populares. 

A  frente  de  todos,  empunhando  triunfalmente  a  espada  núa,  ca- 
minha D.  Álvaro  de  Abranches,  o  herói  que  com  a  patente  de  capitão 
muito  se  distinguira  na  reconquista  da  Baía  em  i625,  e  que  agora 
estava  nomeado  governador  e  capitão-general  de  Mazagão,  para  onde 
já  teria  partido,  se  não  fora  o  querer-se  achar  presente  a  este  golpe; 
é  ele  que,  metendo  a  espada  na  bainha,  pega  no  estandarte  da  cidade, 
e  correndo  à  varanda  do  paço  municipal,  ah  o  desfralda,  e  aclama 
solenemente  rei  de  Portugal  o  duque  de  Bragança. 


Mas  era  necessário  santificar  o  acto  praticado,  revesti-lo  da  con- 
sagração divina. 

—  l  Vamos  à  Sé!  exclama  D.  Álvaro,  sem  largar  a  bandeira. 

—  [A  Sé!    A  Sé!  repetem  numerosas  vozes. 

Levando  hasteado  à  frente  o  estandarte  branco,  em  cujo  centro 
destacava  bordado  um  navio,  símbolo  da  cidade  e  município  de  Lisboa, 
lá  vão  em  ruidosas  aclamações  a  vereação,  os  fidalgos,  a  turba-multa 
de  populares,  a  caminho  da  velha  catedral. 

O  arcebispo  D.  Rodrigo  da  Cunha,  figura  veneranda  e  austera  de 
sacerdote  e  de  português,  fora  prevenido  poucos  dias  antes  por 
D.  António  de  Almada,  perto  de  Sintra,  por  onde  andava  em  visita 
pastoral,  de  que  no  próximo  sábado  seria  sacudido  o  jugo  estranjeiro 
e  aclamado  rei  português. 

—  ^  Pois  ainda  pensais  nisso  ?  pregunta  com  estranheza  o  prelado. 

—  Não  só  pensamos,  mas  até  já  se  encontra  tudo  dejinitivamente 
assente.  Desejamos  a  possa  presença  em  Lisboa  para  nos  abençoardes, 
e  para  nos  auxiliardes  com  a  vossa  autoridade  e  conselho. 

—  Lá  estarei,  e  Deus  nos  proteja. 

Chegado  o  dia,  logo  ao  romper  da  manhã  o  virtuoso  arcebispo 
fora  para  a  Sé,  e  prostrado  ante  o  altar-mór  mergulhara  o  espírito 
em  profunda  oração. 

O  arcediago  D.  Luís  da  Gama,  ao  aproximarem-se  as  g  horas, 
subiu  a  uma  das  torres  da  catedral,  aquela  mesma  donde  séculos 
antes,  em  tempo  do  mestre  de  Avis,  fora  precipitado  o  arcebispo 
parcial  dos  castelhanos,  e  ali  ficou  em  observação,  com  o  coração  em 


ig6  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

sobresalto,  os  olhos  pregados  acolá,  no  paço  real,  e  o  ouvido  atento 
ao  menor  rumor.  Aos  primeiros  gritos  de  aclamação  não  se  contêm. 
Agarra-se  aos  badalos,  sem  querer  saber  do  interdito  que  então 
pesava  sobre  Lisboa  e  emudecera  os  sinos  de  todas  as  igrejas,  e  num 
frenesi  de  delírio  toca,  repica  com  toda  a  força,  unindo  a  voz  solene 
do  bronze  sagrado  às  aclamações  dos  patriotas. 

Acordado  do  seu  êxtase  piedoso  pelo  repique  festivo,  o  arcebispo 
ergue-se  com  o  rosto  magro  e  macilento  de  asceta  inundado  de  lá- 
grimas de  comoção.  Não  tarda  a  ver-se  cercado  pelos  seus  cónegos, 
pelos  seus  beneficiados  e  capelães,  começando  em  breve  a  chegar  por 
várias  vias  notícias  positivas  dos  acontecimentos: — As  autoridades 
castelhanas  depostas,  o  duque  de  Bragança  aclamado  rei  de  Portugal, 
a  nobreza  e  o  povo  de  Lisboa  vitoriando  pelas  ruas  a  liberdade  da 
pátria,  etc. 

D.  Rodrigo,  assistido  do  seu  clero,  rende  então  graças  ao  Senhor 
Deus  das  vitórias,  e  ordena  que  se  organize  imediatamente  um  prés- 
tito religioso,  para  ir  ao  paço  real  solenizar  e  abençoar  o  grande 
acontecimento,  e  os  heróis  que  nele  cooperaram. 

Lá  saem  todos  da  catedral  em  vistosa  procissão.  A  cruz  metro- 
poHtana  era,  segundo  o  rito,  levada  por  um  capelão  adeante  do  arce- 
bispo; velha  cruz  de  prata,  com  a  haste  vertical  cortada  por  duas 
transversais  paralelas,  que  lhe  formavam  quatro  braços.  Uma  pe- 
quena imagem  de  Cristo,  cravada  pelos  pés  e  pelas  mãos,  estirava  o 
corpo  esguio  ao  longo  da  cruz,  ficando  o  rosto  do  crucifixo  voltado, 
não  para  a  frente  da  procissão,  mas  para  trás,  para  o  arcebispo,  e 
para  o  povo  que  o  seguia. 

Ao  transporem  o  limiar  da  Sé,  já  se  ouvia  perto  o  tumultuar  de 
grande  multidão,  com  a  qual  se  toparam  pouco  abaixo,  junto  da 
igreja  de  Santo  António.  Era  a  câmara,  com  os  nobres  e  os  popu- 
lares que  a  acompanhavam,  que  num  delírio  de  vivas  e  aclamações, 
trazendo  à  frente  D.  Álvaro  de  Abranches  com  a  bandeira  desenro- 
lada, se  dirigiam  à  catedral  a  tomarem  a  bênção  do  prelado,  e  a 
rogarem-lhe  que  viesse  assumir  o  governo  da  nação,  enquanto  o  rei 
não  chegava  a  Lisboa.  Trocadas  e  repetidas  com  entusiasmo  novas 
saudações,  encorporaram-se  no  préstito  religioso  para  irem  todos  ao 
paço  real. 

A  procissão  começa  de  novo  a  mover-se.  Mas  neste  momento 
um  brado  ingente  retumba  pela  multidão: — j Milagre ! 

—  l  Alilagi^e !  repetem  uma  e  outra  vez  milhares  de  vozes.  E  a 
grande  massa  de  crentes,  exaltados  pelo  entusiasmo,  animados  pela 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  igj 

fé  e  pelo  patriotismo,  caem  de  joelhos  com  os  olhos  e  braços  erguidos 
para  a  cruz  metropolitana,  que  o  capelão  do  arcebispo  conservava 
alçada.  O  po\o,  a  clerezia,  os  cónegos,  os  fidalgos,  com  os  sem- 
blantes iluminados  pelo  fogo  da  crença,  pela  alucinação  religiosa  e 
patriótica,  com  o  espanto  próprio  de  quem  supõe  ter  surpreendido  e 
tateado  o  sobre-natural,  de  quem  julga  haver-se  posto  em  contacto 
directo  com  o  mundo  do  mistério,  continuavam  repetindo: — j Mila- 
gre !  j  milagre  ! 

l  Que  sucedera  ? 

Cousa  bem  simples  e  natural,  que,  nas  circunstâncias  particularís- 
simas em  que  se  deu,  foi  reputada  miraculosa. 

Com  o  movimento  rítmico  do  andar  do  capelão,  a  imagem  de 
Cristo  pregada  na  velha  cruz  metropolitana  ia  estremecendo  e  osci- 
lando, por  estarem  muito  mal  seguros  os  pregos  que  a  cravavam.  No 
encontro  com  a  multidão,  que  vinha  da  câmara,  os  movimentos  foram 
mais  fortes,  mais  sacudidos,  e  um  dos  cravos,  o  que  segurava  a  mão 
direita  da  imagem,  saltou  fora.  Ficou  o  cruxifixo  preso  apenas  por 
dois  pregos,  o  da  mão  esquerda  e  o  dos  pés,  também  muito  lassos. 
Nestas  condições  o  movimento  oscilatório  da  cruz  fazia  com  que  a 
figura  de  Cristo  se  deslocasse ;  o  braço  direito,  que  estava  livre,  afas- 
tava-se  da  cruz,  para  em  seguida  se  lhe  encostar  de  novo,  e  outra 
vez  se  afastar,  descrevendo  assim  repetidos  arcos  de  círculo. 

—  Foi  Nosso  Senhor  que  miraculosamente  despregou  o  braço, 
para  abençoar  o  que  se  fe\,  pensava  a  multidão ;  e  daqui  o  seu  pasmo 
e  exclamações,  o  seu  entusiasmo. 

E  o  capelão,  erguendo  a  cabeça,  queria  também  observar  o  mi- 
lagre ;  e  a  cruz  mais  lhe  oscilava  nas  mãos,  e  Cristo  com  a  dextra 
aberta,  abençoava,  abençoava  sem  descanso  os  bons  e  leais  portu- 
gueses, o  seu  povo  escolhido  e  privilegiado,  que  no  escudo  trazia 
estampadas  como  devisa  as  chagas  da  sua  paixão. 

Tem-se  modernamente  alcunhado  de  embuste,  comédia  ensaiada 
pelos  padres,  o  tão  celebrado  caso  do  braço  se  soltar  da  cruz.  Nada 
disso.  Acaso,  mero  acaso,  e  nada  mais.  A  crença  e  ingenuidade, 
juntas  com  o  entusiasmo  do  momento,  é  que  deram  interpretação 
sobrenatural  a  facto  tão  simples  '.     E  certo  porém  que   tal  aconteci- 


'  É  inegável  que  este  facto  natural  foi  bem  aproveitado  e  explorado  como  ver- 
dadeiro milagre,  para  erguer  o  espírito  patriótico  dos  portugueses,  e  para  lá  fora, 
especialmente  em  Roma,  inclinar  os  ânimos  ao  reconhecimento  de  D.  João  IV  como 
legítimo  rei  de  Portugal. — D.  António  de  Sousa  Macedo  na  sua  Lusitânia  literata^ 
i3 


ig8  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

mento,  patenteando  aos  ollios  de  todos,  por  forma  tão  clara,  que 
Deus  aprovava  a  acção  que  se  praticara,  fez  brotar  nos  corações  a 
confiança  firme  de  que  a  causa  patriótica  não  podia  deixar  de  triunfar 
com  o  manifesto  auxílio  divino. 

—  l  Si  Deus  pro  nobis,  quis  contra  nos  ? 

Bastava  a  divulgação  de  tal  caso  pela  cidade  e  por  todo  o  país, 
para  acabar  com  hesitações  e  receios,  para  reunir  em  volta  do  lábaro 
sacrosanto  da  pátria  restaurada  quási  todos  os  portugueses. 


Proclamada  a  realeza  do  duque  de  Bragança  no  paço  real  e  na 
casa  do  senado,  e  victoriada  nas  ruas  e  praças  da  capital,  estava  dado 
o  primeiro  passo  para  a  restauração;  nada  mais. 

Lá  se  mantinham  o  castelo  de  S.  Jorge,  as  torres  de  Belém,  da 
Cabêça-Sêca,  de  Santo  António,  e  a  Torre-Velha,  com  guarnições 
espanholas,  garantindo  o  fracasso  rápido  do  movimento  revolucio- 
nário lisboeta.  Bastava  o  castelo,  bem  municiado  como  se  achava, 
para  impor  silêncio  com  a  voz  potente  das  suas  peças  à  cidade  amo- 
tinada ;  e  depois  os  soldados  da  sua  guarnição,  fazendo  uma  sortida 
à  baixa,  congregariam  e  atrairiam  a  si  os  numerosos  espanhóis  que 
havia  em  Lisboa,  e  deste  modo  se  organizaria  uma  forte  reacção, 
que  sem  dificuldade  esmagaria  os  conjurados. 

Mas  tal  não  sucedeu.  A  boa  fortuna  auxiliava  assombrosamente 
a  audácia  dos  revolucionários. 


livro  publicado  com  este  segundo  intuito  principalmente,  descreve  o  milagre 
com  grande  aparato  scénico  e  maior  entono  retórico  (Op.  cit.,  pág.  Syo  e  s.) ;  mas 
outros  escritores  menos  apaixonados  e  mais/sinceros  contam  o  caso  como  se  passou 
realmente,  e  fazem  consistir  o  milagre  apenas  em  o  facto  se  ter  passado  naquele 
momento  oportuno,  parecendo  que  não  foi  casual,  mas  providencial.  —  Transcre- 
vemos aqui,  como  exemplo,  a  narrativa  de  D.  Luís  de  Meneses,  conde  da  Ericeira, 
na  sua  História  de  Portugal  restaurado  (t.  i,  pág.  1 1 1) :  —  «...  e  quando  baixava 
defronte  da  Igreja  de  Santo  António,  pouco  distante  da  Sé,  gritou  o  Povo,  que 
huma  Imagem  de  prata  de  Cristo  crucificado,  que  levava  hum  Capellão,  a  quem 
tocava,  diante  do  Arcebispo,  despregara  o  braço  direito  ;  as  felicidades  de  Portugal, 
e  a  justiça  daquella  acção  podem  persuadir  que  seria  milagre ;  se  succedeo  acaso, 
foy  pela  occasião  muito  mysterioso.  Gritou  o  Povo  prostrado  por  terra  que  era 
milagre,  e  todos  cobrarão  invencível  confiança  de  que  Deos  approvava  a  gloriosa 
deliberação  dos  confederados.  Persuadidos  de  tão  grande  incentivo,  não  soavaõ 
em  toda  a  Cidade  mais  que  vivas  e  acclamaçoens  ao  novo  Príncipe,  valeroso  Author 
da  liberdade  da  Pátria». 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  igg 

Go\ern;u'a  u  castelo  de  S.  Jorge  o  capitão  D.  Luis  dei  Campo, 
militar  acanhado  e  bastante  assustadiço,  que  ao  ouvir  o  vozear  do 
povo  se  atarantou,  sem  atinar  com  o  que  deveria  fazer. 

Vivia  então  preso  no  castelo  Matias  de  Albuquerque,  o  futuro 
conde  de  Alegrete,  já  nosso  conhecido  da  campanha  no  Brasil  contra 
os  holandeses,  onde  procedera  como  um  herói  na  defesa  de  Pernam- 
buco, serviços  que  a  calúnia  denegrira  a  ponto  de  serem  pagos  com 
mfamíssima  prisão.  A  vista  da  inépcia  do  governador,  foi  êle,  um 
prisioneiro,  que,  supondo  tratar-se  dum  motim  popular  doutra  natu- 
reza, garantiu  a  defesa  do  castelo,  mandando  fechar  as  portas,  tocar 
a  reunir,  assestar  as  peças,  etc. 

Felizmente  que  nesta  ocasião  chegou  um  emissário,  trazendo  ao 
governador  uma  ordem  da  duquesa  regente,  a  proibir-lhe  que  fizesse 
qualquer  demonstração  hostil,  houvesse  o  que  houvesse. 

Fora  D.  Antão  de  Almada  que  fizera  assinar  tal  ordem. 

Matias  de  Albuquerque  falou  com  o  emissário,  e  por  êle  soube  que 
não  se  tratava  dum  simples  motim  popular,  mas  que  rebentara  a 
revolução  patriótica.  Recolheu-se  por  isso  logo,  aguardando  os  acon- 
tecimentos com  o  coração  palpitante  de  esperança  e  de  ansiedade. 

No  dia  seguinte,  domingo,  pela  tarde,  D.  Álvaro  de  Abranches 
com  outros  dois  fidalgos  vieram  apresentar  a  D.  Luís  dei  Campo 
segunda  ordem  da  duquesa  Margarida,  a  mandar-lhe  que  entregasse 
o  castelo.     Entregou-o  depois  de  leve  hesitação. 

Apossaram-se  em  seguida  os  patriotas,  por  idêntico  processo, 
das  torres  e  fortes  de  Lisboa,  e  do  castelo  de  Almada.  Só  a  torre 
de  S.  Gião,  ou  de  S.  Julião  como  hoje  dizemos,  ficou  ainda  por 
alguns  dias  guarnecida  platonicamente  pela  guarda  espanhola.  A 
capital  do  reino,  quási  sem  resistência,  reconhecia  por  monarca  a 
D.  João  IV;  e  uma  junta  provisória  constituída  pelos  arcebispos  de 
Braga  e  de  Lisboa,  assistida  dum  conselho  composto  de  D.  Pedro  de 
Meneses  conde  de  Cantanhede,  D.  Miguel  de  Almeida  e  D.  Antão 
de  Almada,  estava  ao  leme  da  governança,  e  comunicava  oficialmente 
às  províncias  a  restauração  de  Portugal. 


A  notícia  espalhou-se  rapidamente  pelo  país,  e  foi  recebida  quási 
em  toda  a  parte  com  grandes  demonstrações  de  alegria. 

Poucos  castelos  opuseram  resistência,  que  nesses  mesmos  cessou 
em  breve.     Ultima  a  render-se  em  todo  o  continente  de  Portugal  foi 


200  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

a  tôrre  de  S.  Julião  da  Barra,  que  só  a  12  de  dezembro  se  franqueou 
aos  patriotas  portugueses. 

A  Coimbra  chegou  a  noticia  oficial  com  a  carta  dos  governadores 
do  reino  na  tarde  de  quarta  feira,  5  de  dezembro ',  e  houve  imediata- 
mente manifestações  de  regozijo  da  parte  dos  estudantes.  No  dia 
seguinte  logo  pela  manhã  juntou-se  grande  número  de  académicos  no 
páteo  da  Universidade,  donde  desceram,  capitaneados  pelo  doutor 
João  André  de  Almada,  à  casa  da  relação  ou  da  câmara  municipal, 
que  ainda  hoje  existe  sobre  o  arco  de  Almedina,  e  ali  fizeram  compa- 
recer os  vereadores,  a  quem  exigiram  em  altos  gritos  a  aclamação 
imediata  do  novo  rei  português. 

Perante  o  entusiasmo  dos  rapazes,  i  que  haviam  de  fazer  os  bons 
dos  vereadores  ? 

O  juiz  dos  órfãos  Luís  Ferraz  Velho  empunhou  o  estandarte  da 
cidade,  e  montado  a  cavalo  gritou: — 1  Real,  real,  por  el-rei  D.  João  IV 
de  Portugal! — palavras  que  milhares  de  bocas  logo  repetiram  em  coro. 

Foram  em  grande  multidão,  vitoriando  sempre,  até  ao  templo  do 
mosteiro  de  Santa  Cruz. 

Entrando  ali,  deparou-se-lhes  um  espectáculo  lúgubre.  A  igreja 
vestida  de  crepes.  O  prior-geral  D.  Miguel  de  S.'°  Agostinho,  sen- 
tado na  sua  grande  cadeira  ao  lado  do  altar-mór,  de  mitra  branca 
de  linho  na  cabeça,  revestido  de  tunicela  e  dalmática  de  seda,  casula 
e  gremial  de  veludo,  tudo  de  côr  negra,  cercado  de  cónegos  regrantes 
ornados  de  dalmáticas  e  pluviais  também  pretos,  pontificava  em  umas 
solenes  exéquias.  Era  o  455."  aniversário  do  falecimento  do  grande 
D.  Afonso  Henriques.  \  Coincidência  notável  I  —  ;  Juntava-se  a  festa 
da  restauração  da  nação  portuguesa  com  a  comemoração  do  passa- 
mento do  herói  que  a  fundara ! 

A  missa  ia  pouco  adeantada.  Cantava  o  coro  as  palavras  do  Gra- 
dual—  In  memoria  aeterna  erit  jiistus,  ab  auditione  mala  non  timehit 
-^quando  a  turba  ruidosa  e  entusiástica,  com  o  estandarte  municipal 
à  frente,  irrompe  pela  igreja  dentro.  Chegado  a  meio  da  capela-mór, 
Luís  Ferraz  Velho  expande  mais  uma  vez  a  signa  de  brocado  branco 
onde  se  via  bordado  o  escudo  de  Coimbra,  e  inclinando-a  em  conti- 
nência perante  o  túmulo  de  D.  Afonso  Henriques,  repete  as  palavras 
rituais  das  régias  aclamações,  a  que  faz  eco  em  brado  ingente  e  uní- 
sono  a  multidão,  à  qual  se  associam  os  frades,  que  haviam  suspendido 


'  Na  estampa  fronteira  se   dá  o  fac-símile  desta  carta   dirigida  pelos  gover- 
nadores do  reino  ao  reitor  da  Universidade.  (A.U.  —  Provisões,  vol.  111,  fl.  44). 


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Cap.  VI—  Capitão  e  governador  201 

os  cantos  litúrgicos.  A  missa  parara  lambem,  e  o  D.  Prior,  substi- 
tuídos os  paramentos  pretos  por  um  rico  pluvial  branco,  a  mitra 
simples  pela  preciosa,  empunhando  na  mão  esquerda  o  báculo  pasto- 
ral, desce  majestoso  os  degraus  do  seu  sólio,  erguendo  a  dextra, 
ornada  pelo  anel  prelatício,  num  gesto  hierático,  a  traçar  sobre  os 
fieis  lentamente  cruzes  de  bênção.  Estaciona  em  frente  do  altar,  e 
com  voz  trémula  de  comoção  principia  então  o  hino  gratulatório:  — 
Te  Deum  laudamus. 


Quando  se  passavam  estes  acontecimentos,  acha\'a-se  Brás  Garcia 
escondido  em  Avô  ou  nas  proximidades,  para  evitar  a  prestação  de 
sérias  contas  à  justiça,  pelo  grande  crime  praticado  em  Travanca-de- 
Farinha-Pôdre  *. 

De  Coimbra  a  notícia  propaga-se  com  extrema  rapidez  à  Beira 
e  chega  logo  ao  esconderijo  do  nosso  poeta,  que  sai  imediatamente, 
e  parte  à  pressa  para  Lisboa,  como  êle  próprio  refere: 

Em  quanto  retirado  a  causa  provo, 
Se  restaurão  com  súbito  estampido 
Reyno  antigo,  &  legitimo  Rey  novo 
Em  Querubico  trono  prometido. 
Agoas  involtas  saõ  voltas  de  Povo, 
A  que  sabe  todo  Rèo,  peyxe  escondido ; 
Logo  sahí  da  Pátria  pêra  a  Corte, 
Onde  o  caso  passava  desta  sorte  2. 

E  conta  nas  estâncias  seguintes  como  se  realizou  a  restauração. 


Brás  Garcia  chegou  a  Lisboa  poucos  dias  depois  da  entrada  de 
D.  João  IV  na  capital.  Já  assistiu  à  pomposíssima  cerimónia  do  ju- 
ramento del-rei,  acto  que  se  realizou  em  magnificente  pavilhão  no 
Terreiro  do  Paço,  no  sábado  i5  de  dezembro;  e  quando,  fremente  de 
entusiasmo  e  comoção,  viu  nesta  cerimónia  Fernão  Teles  de  Meneses, 
que  exercia  as  funções  de  alferes-mór  do  reino,  desenrolar  o  estan- 
darte régio,  e  aclamar  três  vezes  —  Real,  real,  por  D.  João  IV,  Rei 


'  Veja-se  a  narrativa  de  páginas  182  e  seguintes. 
2  V.  T.  XV,  70. 


202  'Brás  Garcia  de  óMascareiíhas 

de  Portugal!  —  bum  longe  estava  de  imaginar  ciue,  volvido  apenas 
ano  e  meio,  esse  mesmo  homem  havia  de  ter  na  vida  dele  poeta  um 
influxo  nefasto  e  bem  pouco  simpático! 

Fácil  foi  ao  nosso  herói  encontrar  na  capital  quem  o  apresentasse 
ao  monarca,  pois  entre  os  próprios  chefes  da  revolução  tinha  amigos 
velhos,  oficiais  a  cujo  lado  combatera  no  Brasil;  bastará  especializar, 
entre  todos,  a  D.  Álvaro  de  Abranches  da  Câmara,  que,  desde  o  dia 
2  de  dezembro,  estava  governando  o  castelo  de  S.  Jorge,  enquanto 
não  chegasse  o  conde  de  Monsanto,  que  por  antigo  direito  de  família 
era  o  alcaide-mór  de  Lisboa.  Matias  de  Albuquerque,  que  fora 
comandante  de  Brás  na  defesa  de  Pernambuco,  assim  como  outros 
nobres  da  corte  seus  conhecidos,  podiam  igualmente  prestar-lhe  este 
serviço. 

No  espírito  do  nosso  poeta  ficou  desde  então,  para  sempre,  gra- 
vada uma  profunda  impressão  de  respeito,  de  admiração,  de  amor 
pela  pessoa  de  D.  João  IV  *.     Teve  ocasião  de  observar 

Quã  grande  coração  arde  no  peyto 
Do  grã  Duque ,  ^ 

ja  exalçado  ao  trono  de  Portugal;  e  apesar  de  não  assistir  às  festas, 
que  se  fizeram  em  Lisboa  após  a  sua  chegada  de  Vila-Viçosa,  na 
quinta  feira  6  de  dezembro,  é  certo  que  Brás  se  encheu  de  entusiasmo 
ao  descreverem-lhas,  sentindo  impressões  semelhantes  às  que  teria  se 
a  elas  fosse  presente. 

Com  lingoas  de  Vulcano  o  mar  o  acclama, 
A  terra  com  mil  vivas  o  apposenta 
Dentro  dos  corações,  que  amor  inflama 
Na  gozada  presença,  que  os  alenta. 
Publica-se  por  Pay,  filhos  os  chama, 
Preeminência  que  só  goza,  &  sustenta 
O  Luso  Império,  que  outro  não  gozara. 
Se  o  legitimo  Pay  lhe  não  faltara '. 

Se  em  tempo  de  Gentios  florecera, 
Adorado  por  Deos  em  vida  fora. 
Pois  a  Christã  Nação,  que  recupera, 


1  O  retrato  de  D.  João  IV,  que  se  vê  na  fronteira  estampa,  é  reprodução  duma 
gravura  que  se  encontra  à  frente  da  Lusitânia  literata,  e  que  se  imprimiu  em  outras 
publicações  da  época.  Foi  desenhado  em  1644,  quando  o  monarca  contava  40  anos 
de  idade. 

2  V.  T.  XV,  82.  —  5  V.T.  XV,  95. 


^  ®M  md  ostcmijui  ^mfe^Mí  (uitmim. 


i'l^íU-^%' cy^«-^^ 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  2o3 

Faz  em  parte  esquecer  do  Deos,  que  adora. 

Com  espécie  Gentílica  o  venera 

Todo  o  Viandante,  que  se  encontra  fóra, 

Que  em  vez  de  «Deos  vos  salve»,  dizem  —  «Viva 

El  Rey  Dom  João,  que  a  Pátria  descativa»  *. 


Fizera-se  felizmente  a  revolução  que  depôs  do  trono  de  Portugal 
a  Felipe  IV,  e  nele  colocou  o  duque  de  Bragança  ;  mas  a  restauração 
da  nacionalidade  portuguesa  não  passava  ainda  dum  desideratiim  a 
realizar.  ;  E  que  requintes  de  cuidado,  de  tino,  de  finura,  que  extre- 
mos de  prudência,  firmeza  e  energia  não  demandava  o  governo  nesses 
primeiros  tempos,  em  que  era  necessário  organizar  todos  os  serviços, 
aproveitar  todas  as  forças,  conjurar  os  numerosíssimos  perigos  que 
surgiam  a  cada  passo,  cuidar  da  defesa  interna  e  externa  do  país  ! 

Mas  a  tudo  se  vai  atendendo  com  admirável  acerto  e  enorme  for- 
tuna. 

São  convocadas  para  o  dia  28  de  janeiro  imediato  cortes  gerais, 
a  fim  de  legalizarem  e  sancionarem  a  nova  ordem  de  coisas,  e  para 
nelas  se  adoptarem  as  medidas  exigidas  pelas  circunstâncias  de  oca- 
sião ;  mas  ao  mesmo  tempo  vai-se  tratando  dos  assuntos  mais  ur- 
gentes, qual  o  de  organizar  o  exército,  pois  Portugal  estava  sem 
soldados,  sem  armas,  sem  munições,  sem  dinheiro. 

Grande  número  de  nobres  andavam  sistematicamente  afastados 
pelo  governo  madrileno ;  uns  recolhidos  às  suas  casas  na  província, 
outros  a  lidarem  pelo  estranjeiro,  na  Espanha,  em  Flandres,  na  Itália, 
para  onde  haviam  sido  arremessados  pelo  leão  castelhano.  Muitos 
deles,  apenas  tiveram  conhecimento  da  aclamação  do  duque  de  Bra- 
gança, vieram  convergindo  para  Lisboa,  a  apresentarem-se  ao  novo 
monarca;  alguns  porém  houve  que  se  passaram  para  Madrid,  pondo-se 
ao  serviço  de  D.  Felipe  ^. 


1  V.  T.  XV,  98. 

2  Houve  desde  o  primeiro  momento  da  restauração,  tanto  por  parte  dos  pa- 
triotas revolucionários  como  por  parte  do  próprio  rei,  todo  o  cuidado  e  empenho 
em  atrair  não  só  os  portugueses  que  andavam  mal  vistos  por  Castela,  mas  ainda 
aqueles  que  haviam  caído  em  graça  a  D.  Felipe  e  aos  seus  ministros,  de  quem 
tinham  recebido  mercês.  Os  exemplos  são  numerosos.  A  carta  régia,  que  aqui 
se  reproduz,  mostra-nos  que,  apesar  das  altas  mercês  recebidas  da  corte  de  Madrid 
por  Manuel  de  Saldanha,  reitor  da  Universidade  de  Coimbra,  e  que  deviam  torná-lo 


204  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Estabeleceu-se  desde  logo  junto  do  monarca  português,  para  tratar 
dos  assuntos  militares,  um  tribunal  especial,  o  Conselho  de  Guerra, 
que  tinha  por  missão  estudar  e  discutir  as  matérias  da  sua  compe- 
tência, apresentando  as  suas  consultas  a  el-rei. 

Foi  de  opinião  este  conselho,  desde  o  princípio,  que  se  nomeasse 
logo  toda  a  oficialidade  necessária,  e  que  esta  tratasse  em  seguida  de 
fazer  levas  de  gente,  organizando-se  assim  rapidamente  o  exército. 
Chegou  até  a  apresentar  uma  longa  lista  de  pessoas,  que  deviam  ser 
nomeadas  para  os  cargos  e  postos  militares.  Os  generais  coman- 
dantes já  haviam  sido  escolhidos,  por  isso  a  lista  abrangia  agora  os 
mestres-de-campo,  os  sargentos-móres  e  os  capitães  tanto  de  cava- 
laria como  de  infantaria.  Acompanhavam  essa  lista  as  respectivas 
patentes,  para  serem  assinadas  pelo  rei. 

Mas  D.  João  IV  recusa-se  a  assinar  os  diplomas  e  manda  advertir 
ao  conselho  que  haiíerá  m.'°'  fidalgos,  pessoas  nobres,  e  soldados,  q 
militarão  no  Brasil,  que  folguem  de  seruir  a  sua  custa,  esperando 
que  ele  monarca  os  premie  e  lhes  faça  merçe  por  outros  meos.  Esta 
resolução  é  comunicada  ao  conselho,  que  dela  toma  conhecimento  a 
23  de  dezembro ;  e  insiste  na  necessidade  que  há  de  serem  nomeados 
imediatamente  os  oficiais  propostos,  q  ainda  assy  não  enchem  o  n.°  da 
dot tacão  de  cada  exercito,  e  jicão  hua  grão  parte  de  lugares  que 
prouer  aos  generais  nas  pessoas  dignas  q  acharem  nas  Prou."^  q  vão 
gouernar . . .  para  de  aqui  se  lhes  enuiarem  suas  patentes,  e  supposto 
q  as  q  vão  a  assinar  a  V.  Alg.''''  digão  que  hão  de  hauer  o  soldo  que 
lhes  pertence,  he  st  ih  e  calidade  có  q  se  honrão  as  pessoas  a  q  se  dão 
as  ditías  patentes  q  não  obrigão  a  V.  Mg.''^  a  mais  que  ao  q  for  pos- 
siuel  conforme  ao  estado  presente.  Responde  el-rei  em  data  de  29 
do  mesmo  dezembro,  que  por  agora,  ate  ver  o  numero  de  gente  q  se 
poderá  leuantar  no  Reino,  e  adondc  conuira  accudir  primeiro  com 
ella,  se  pode  dilatar  o  prouimento  de  tantos  ojjiciais,  como  ha  de 
hauer  em  três  exércitos,  e  a  grande  despesa  que  será  forçoso  fa\er 
com  elles,  consumindo  o  cabedal  q  se  ha  de  hauer  mister  para  ao 
diante;  e  ordena  ao  conselho  que  proponha  de  novo  alguns  nomes, 
para  deles  escolher  até  do'{e  Capitães,  q  se  enuiem  a  differentes  lugares 
a  leuantar  gente,  devendo  nessa  proposta  especificar-se  per  maior  os 
seruiços  e  partes  de  cada  hum  *. 


suspeitoso  a  D.  João  IV,  este  o  acarinha,  e  o  confirma  naquele  cargo,  para  que 
fora  nomeado  por  D.  Felipe.  (A.U.  —  Provisões,  vol.  iii,  fl.  46). 

1  7.1,  — Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  1,  n."  12;  — cf.  Doe.  XXXVII. 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  20S 

A  proposta  l'ez-se,  em  conformidade  com  o  mandato  régio,  e  nela 
ia  incluído  o  nome  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  para  capitão  de 
infantaria  do  exército  da  Beira.  E  pena  que  se  tenha  extraviado 
este  documento,  porque  dele  constavam  certamente  os  serviços  mili- 
tares prestados  pelo  poeta  no  Brasil,  e  o  valor  desses  serviços;  mas 
apesar  de  todos  os  esforços  que  eu,  e  antes  de  mim  os  sfirs.  general 
Brito  Rebelo  e  Pedro  de  Azevedo,  empregamos  a  buscá-lo  na  Torre 
do  Tombo,  tal  documento  não  apareceu,  mas  apenas  referências  a 
ele. 


As  fronteiras  de  Portugal  foram  divididas  em  partidos,  em  secções 
se  diria  em  linguagem  moderna,  nomeando-se  para  o  comando  ou 
governo  desses  partidos  os  cabos  de  guerra  de  mais  experiência  e 
valor  que  então  havia. 

Para  o  da  Beira,  que  é  o  que  agora  mais  nos  interessa,  foi  pri- 
meiramente nomeado  D.  Fernando  de  Mascarenhas,  conde  da  Torre  *, 
que  nos  hns  de  iG38  partira  de  Lisboa  como  capitão-general  da 
armada  portuguesa,  que  ia  para  expulsar  os  holandeses  de  Pernam- 
buco, levando  patente  de  governador  do  Brasil.  No  regresso,  em 
1640,  encontrou  uma  ordem  de  prisão  contra  si,  passada  pelo  governo 
castelhano,  e  foi  internado  na  torre  de  S.  Julião,  perdido  o  titulo  e 
todas  as  mercês  anteriormente  recebidas.  A  êle,  que  ainda  ali  se 
conservava  preso  em  dezembro,  se  deve  a  resolução  tomada  pelo 
governador  da  fortaleza,  tenente  D.  Fernando  de  la  Cueva,  de  a 
entregar  ao  fim  de  mais  duma  semana  de  resistência,  no  dia  12  deste 
mês. 

Em  conselho  de  guerra,  a  25  de  dezembro,  lembra-se  a  el-rei  a 
conveniência  de  recomendar  ao  conde  que  com  toda  a  brevidade 
parta  para  a  Beira,  a  dispor  o  modo  de  defesa  daquela  província. 
Responde  D.  João  IV,  a  8  de  janeiro  de  1641,  que  já  lhe  dera  essa 
ordem ;  mas,  como  as  distâncias  são  grandes,  determina  que  os  lu- 
gares da  comarca  de  Castelo-Branco  sejam  confiados  a  D.  Fernando 
de  Meneses  (conde  da  Ericeira),  com  o  título  de  general,  e  os  das 
outras  comarcas  ao  conde  da  Torre  -.  Mas  esta  ordem  não  chegou 
a  cumprir-se.     A  i5  de  janeiro  é  nomeado  capitão-general  de  todas 


1  T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  i,  n."  17. 
»  Ibid. 


2o6  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

as    comarcas    da    Beira    c    dos   seus    exércitos,    que    iam    formar-se, 
D.  Álvaro  de  Abranches  da  Câmara  '. 

Trata-se  em  seguida  de  organizar  os  terços  e  formar  as  compa- 
nhias, começando  por  nomear  a  sua  oficialidade,  de  acordo  certamente 
com  o  general. 

No  dia  24  do  mesmo  mês  de  janeiro  foram  nomeados  capitães  de 
infantaria :  —  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  -,  Duarte  de  Miranda 
Henriques,  António  da  Gama  de  Vasconcelos,  Manuel  Teixeira  Ho- 
mem, Rui  Teles  de  Meneses,  Marco  António  de  Azevedo,  Manuel 
da  Gama,  Francisco  do  Rego,  João  Fialho,  António  de  Andrade 
Gamboa,  D.  Marcos  da  Câmara,  Leonardo  Freire  Baracho,  André 
de  Azevedo;  e  capitães  de  cavalaria: — Rui  Tavares  de  Brito  e  Diogo 
de  Tovar  ^. 

A  25  saíram  nomeados  sargentos-móres  dos  terços,  que  se  man- 
daram formar  na  Beira,  Belchior  Lobato  da  Costa,  Pedro  da  Vide 
Fortes,  Rodrigo  Soares  Pantoja  e  Fernão  Teles  Cotão*;  e  ajudantes, 
a  26,  Valentim  de  Azevedo  e  António  Cerveira  Telo  ^. 

Não  ficaram  por  aqui  as  nomeações  de  oficiais  para  o  exército 
da  Beira.  A  2q  é  passada  patente  de  mestre-de-campo-general  ao 
sargento-mór  Manuel  Lopes  Brandão^;  a  João  de  Saldanha,  fidalgo 
da  C.  R-,  de  tenente-general  de  cavalaria^;  e  a  Cristóvão  de  Sá  de 
Mendonça  de  confirmação  do  posto  de  capitão  de  cavalos  da  comarca 
da  Guarda,  para  que  o  havia  nomeado  o  coronel  das  comarcas  da 
Beira,  Diogo  de  Mendonça  Furtado  '^. 

Alguns  destes  oficiais  não  chegaram  a  exercer  os  seus  postos, 
sendo  desde  logo  substituidos  por  outros,  por  motivos  que  não  posso 
determinar. 

* 

O  general  D.  Álvaro  de  Abranches  partiu  de  Lisboa  ao  expirar 
o  mês  de  janeiro,  e  trouxe  consigo  os  seus  oficiais,  cujo  quadro  defi- 
nitivo transcrevo  do  livro  publicado  em  Lisboa  em  1644  com  o  título 
—  Snccessos  íiiiliiares  das  armas  portuguesas  em  suas  fronteiras  de- 
pois da  Real  acclamação  contra  Castella.     Com  a  geografia  das  Pro- 


1  Doe.  XXXVIII.  —2  Doe.  XXXIX. 

í  Notas  colhidas  na  Torre  do  Tombo,  nos  registos  do  Livro  i  da  Secretaria  do 
Conselho  de  Guerra,  pelo  sr.  general  Brito  Rebelo. 

*  T.T.  — Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  I.  i,  fl.  24  e  24  v.». 
s  Ibid.  fl.  25  V.».  —  6  Ibid.  — '  Ibid.  — » Ibid.  fl.  26. 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  20'j 

uincias,  &  nobre:{a  delias.  A  ElRey  Nosso  Senhor.  Pelo  Doutor 
loÂo  Salgado  de  Araújo  Abbade  de  Pêra.  E  muito  interessante  e 
cheio  de  noticias  fidedignas  este  livro,  ao  qual  recorrerei  muitas 
vezes  no  deslisar  do  presente  capítulo.  Nele  se  encontram  narrados 
vários  feitos  do  nosso  poeta  na  campanha  da  Beira,  referências  essas 
que  teem  para  nós  valor  muito  especial,  pois  foram  lidas  pelo  próprio 
Brás  Garcia,  que  implicitamente  as  confirmou  no  grande  elogio  que 
fez  ao  autor  da  obra,  a  quem  cognominou  Tito  Lívio  desta  idade. 

A  Beyra  a  deve  '  às  letras,  vigilância, 
Raro  ingenho,  &  perícia  veterana 
Do  Doutor  João  Salgado,  digno  Abbade 
De  Pêra,  Tito  Livio  desta  idade  ^. 

O  quadro  completo  da  oficialidade  que  D.  Álvaro  de  Abranches 
trouxe  de  Lisboa  é,  segundo  a  relação  do  dr.  João  Salgado  ^,  o  se- 
guinte : 

- —  Mestre- de-campo-general :  Vago. 

—  Tenentes-generais :  João  de  Saldanha  de  Sousa,  da  cavalaria; 
Manuel  Lopes  Brandão,  da  infantaria. 

^Sargentos-móres :  Belchior  Lobato  da  Costa,  Fernão  Teles  Co- 
tão,  Pedro  da  Vide  Fortes,  Rodrigo  Soares  Pantoja. 

—  Capitães  de  cavalaria:  Rui  Tavares  de  Brito,  Diogo  de  Tovar, 
Brás  do  Amaral  Pimentel,  Cristóvão  de  Afonseca  Cardoso,  Cristóvão 
de  Sá  de  Mendonça. 

—  Capitães  de  infantaria:  Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  Manuel 
Teixeira  Homem,  D.  Marcos  da  Câmara,  João  Fialho,  Victório  Za- 
galo,  Marco  António  de  Azevedo,  António  da  Gama,  André  de  Aze- 
vedo, Miguel  Alvares  Galvão,  João  Correia  de  Sousa,  Francisco  do 
Rego,  António  de  Andrade  de  Gamboa,  Luís  da  Cunha. 

A  este  quadro  ainda  foram  adicionados,  depois  da  chegada  do 
general  à  Beira,  os  capitães  seguintes: 

Damião  Botelho,  Estêvão  de  Nápoles,  António  de  Saldanha,  Diogo 
de  Brito,  Jerónimo  Botelho  Rangel,  António  de  Albuquerque. 


'  A  Beira  deve  a  cidade  de  Numància  ao  dr.  João  Salgado,  que  a  fl.  1 10  e  segg. 
do  referido  livro  procurou  demonstrar,  com  grande  aparato  de  erudição,  que  aquela 
cidade  fora  situada  não  longe  do  rio  Douro,  em  Namão  ou  Numão,  meia  légua  a 
levante  de  Freixo  de  Numão. 

2  V.  T.  v,  14, 

'  Successos  mililares,  fl.  11 5. 


'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


No  dia  5  de  fevereiro  chegou  a  Coimbra  D.  Álvaro  de  Abranches 
com  os  seus  oficiais;  daU  partiram  sem  demora  para  Viseu',  donde 
seguiram  para  Trancoso  '■'.  Nesta  vila  consagraram  com  uma  campa 
comemorativa  a  memória  do  sapateiro-profeta  Gonçalo  Anes  Ban- 
darra, cujo  nome,  vinculado  às  canções  que  lhe  eram  atribuídas, 
contribuiu  muito  para  a  preparação  do  movimento  restaurador. 

De  Trancoso  passaram  a  Pinhel,  que  naquela  época  do  ano  era 
excessivamente  nevoento  e  frio ;  lá  admiraram  duas  monstruosas 
peças  de  artilharia,  de  bronze,  que  constituíam  uma  notabilidade 
daquela  praça,  tão  grandes,  que  um  homem  podia  entrar  por  elas, 
inclinando-se  apenas. 

Em  Pinhel  estacionou  algum  tempo  o  general,  de.spedindo  de  lá 
os  seus  capitães  de  cavalaria  e  de  infantaria,  a  fazerem  levas  por 
várias  partes;  e  entretanto  foi  aproveitando  o  tempo  a  ordenar  a 
reparação  dos  meios  de  defesa  da  cidade  e  do  castelo.  Recebeu 
aqui  a  visita  de  numerosas  pessoas  da  primeira  nobreza  da  Beira, 
que  se  lhe  vieram  oferecer  para  se  alistarem  como  voluntários  no 
exército. 

Vai  depois  a  Almeida,  praça  de  grande  importância  para  a  defesa 
desta  província.     Fronteira   a  Ciudad-Rodrigo,  é  uma  sentinela  que 


'  A  carta,  que  acompanha  esta  página,  abrange  a  região  das  fronteiras  portu- 
guesa e  espanhola  compreendida  entre  os  rios  Douro  e  Tejo.  O  traço  vermelho 
indica  a  raia  de  Espanha. 

2  Abstenho-me  nesta  narrativa  de  apresentar  muitas  citações  de  fontes,  para 
evitar  que  ela  se  torne  impertinentemente  fastidiosa.  Direi  apenas,  de  maneira 
geral,  que  as  notícias  dos  factos  narrados  são  colhidas,  já  nas  relações  impressas 
que,  como  folhas  volantes,  saíram  em  grande  quantidade  à  medida  que  os  sucessos 
da  guerra  se  iam  desenrolando,  já  em  livros  que  foram  sucessivamente  aparecendo, 
entre  os  quais  mencionarei,  a  título  de  exemplo,  os  seguintes  : 

—  Dr.  João  Salgado  de  Aralijo,  Successos  militares  etc  ,  já  citado; 

—  D.  António  DE  Sousa  Macedo,  Lusitânia  hberata,  já  indicado  também; 

—  D.  Luís  DE  Meneses,  conde  da  Ericeira,  Historia  de  Portugal  restaurado, 
idem; 

—  Faria  e  Sousa,  Epitome  de  Historias  portuguesas; 

—  Passarello,  Bellum  Lusitanum,  ejusque  regni  separatio; 
1 —  Seyner,  Historia  dei  Levantamiento  de  Portugal ; 

—  Rodrigo  Cabral  (tradutor)  —  Relação  politica  das  mais  particulares  acções 
do  conde-duque  de  Olivares. 


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Cap.  VI —  Capitão  e  governador  zog 

vigia  um  dos  passos  mais  acomodados  à  entrada  dos  castelhanos.  A 
fortaleza,  com  as  suas  torres  e  castelo,  com  os  seus  reductos,  portas 
e  pontes  levadiças,  encontrava-se  em  péssimo  estado,  parte  em  ruínas, 
parte  oferecendo  mas  condições  de  defesa.  Viu  a  gente  da  Beira  a 
importância  desta  praça;  e  apenas  tiveram  conhecimento  da  notícia 
da  restauração,  bastantes  pessoas  da  nobreza  e  do  povo,  umas  de 
Pinhel,  outras  de  várias  terras  da  região,  correram  a  Almeida,  e 
auxiliaram  muito  o  alcaide-mór  D.  Francisco  de  Lemos  Ramiro  nas 
reparações  urgentes  a  fazer,  e  bem  assim  nos  cuidados  de  guarnição 
e  defesa. 

D.  Álvaro,  à  sua  chegada,  encontrou  toda  essa  gente  a  trabalhar 
com  grande  diligência,  embora  com  falta  de  método,  pois  a  dedi- 
cação patriótica  e  bôa  vontade,  que  superabundava,  não  supria  a 
falta  de  experiência  e  de  conhecimentos  técnicos,  que  escasseavam 
em  todos. 


Dizia-se,  ignoro  o  fundamento,  que  na  Guarda  e  em  Pinhel,  assim 
como  em  Almeida  e  Sabugal,  havia  pessoas,  algumas  da  própria 
oficialidade  da  guarnição  daquelas  praças,  que  mereciam  pouca  con- 
fiança. Em  trato  íntimo  e  quotidiano  com  os  vizinhos  espanhóis, 
tendo  interesses  que  os  vinculavam  ao  anterior  estado  de  cousas, 
confiando  mui  pouco  na  estabilidade  da  restauração,  essas  pessoas, 
no  dizer  das  denúncias,  mantinham  inteligências  com  os  agentes  de 
Diogo  Soares,  que,  segundo  vimos,  fora  secretário  de  estado  de  Por- 
tugal em  Madrid.  Eram  portugueses  perigosos,  pois  estavam  ocul- 
tamente a  serviço  de  Castela,  e  aguardavam  ocasião,  segundo  corria, 
para  darem  entrada  por  aquelas  praças  ás  tropas  espanholas. 

Mal  havia  partido  de  Lisboa  D.  Álvaro  de  Abranches,  quando  el- 
rei  recebe  comunicações  confidenciais  deste  facto  grave.  Escreve  em 
data  de  17  de  fevereiro  uma  carta  ao  general  enviando-lhe  três  papeis 
com  revelações  e  deniincias,  e  recomendando-lhe  todo  o  cuidado  e  vi- 
gilância sobre  certos  indivíduos,  nominalmente  designados  nesses 
papeis  •. 

,;  Que  fazer  ?  Dissimular,  estar  atento,  e  ir  pouco  a  pouco  sub- 
stituindo o  pessoal  dessas  guarnições  por  outro  de  maior  confiança. 
Era   para  isso  necessário  deixar  recolher  os  capitães  com  as  levas 


1  T.T. —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  fl.  35;  —  cf.  fl.  3i  v,°, 
'4 


210  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

que   lhes  mandou  fazer;  teria  depois  gente  capaz,  a  quem  incumbisse 
de  comissões  as  mais  graves  e  melindrosas. 


Estava  o  general  em  Almeida,  havia  apenas  alguns  dias,  e  eis 
que  inesperadamente  se  lhe  apresenta  o  capitão  Brás  Garcia  de  Mas- 
carenhas á  frente  duma  companhia  de  i83  soldados;  ;  mas  que  sol- 
dados !  valentes,  desempenados  e  muito  bem  postos,  os  mais  deles 
gente  nobre,  &  todos  luzidos  e  alentados  •. 

;  Havia  decorrido  um  mês  somente  desde  que  D.  Álvaro  o  des- 
pedira de  Pinhel  com  a  incumbência  de  levantar  a  companhia !  Foi 
de  todos  os  capitães  o  primeiro  a  apresentar-se,  e  certamente  nenhum 
outro  conseguiria  organizar  uma  companhia  equiparável  a  esta. 

0  general,  que  se  achava  ansioso  pelo  regresso  dos  capitães, 
ficou  satisfeitíssimo,  e  abraçou  com  entusiasmo  o  seu  amigo  e  subor- 
dinado. 

1  Como  conseguira  o  nosso  capitão  realizar  este  milagre  de  le- 
vantar num  mês,  e  apresentar  disciplinada,  uma  companhia  tão  aguer- 
rida e  tão  luzida  ?  Pondo  em  prol  desta  empresa  todo  o  seu  entu- 
siasmo patriótico,  toda  a  sua  eloquência,  todo  o  seu  enorme  poder  de 
sugestão.  Bate  à  porta  de  todas  as  famílias  suas  parentas  ou  das 
suas  relações,  fala,  roga,  insiste,  discute,  exalta-se,  persuade,  ameaça, 
descompõe,  e  por  fim  arrasta  muitos  após  si  à  defesa  da  pátria. 

Escutêmo-lo  a  discorrer  em  verso  sobre  o  mesmo  tema,  que 
desenvolvia  nessas  discussões  de  propaganda. 

Todo  Luso  Varão  de  posto,  &  fama, 
Se  achou  nesta  batalha,  &  mostrou  nella 
Todo  o  valor,  &  brio;  que  quem  ama 
O  bem  da  Pátria,  acode  a  defendela. 
Quem  repousar  se  deyxa  em  branda  cama, 
Em  quanto,  o  que  a  defende,  em  campo  vela, 
Sem  à  Fronteyra  ir  cedo,  nem  tarde, 
Ou  Castelhano  hè,  ou  hè  covarde. 

Nem  todos  podem  ir,  que  muytos  ficão 
De  muy  licitas  causas  embargados; 
Nem  quando  poucos  Inimigos  picão, 
E  voão,  podem  logo  ser  buscados. 


•  Salgado,  op.  cit.,  fl.  ii6. 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  211 

Porem  quando  as  ruins  novas  se  publicão 
De  que  alguns  muros  nossos  tem  cercados, 
O  que  causa  não  tem,  nem  vay  asinha, 
Ou  não  hè  Portuguez,  ou  hè  galinha. 

Hereditário  hè  o  brio  antigo 

De  a  Pátria  soccorrer  quando  hè  opprimida: 

Bem  se  vé  nesta  entrada  do  Inimigo 

De  toda  Lusitânia  soccorrida. 

Etc « 

E  depois,  em  reforço  da  sua  argumentação,  apela  para  as  lições 
e  exemplos  de  que  a  história  pátria  está  cheia.  Quando  nela  se 
manifesta  cisma,  isto  é,  quando  ela  se  encontra  em  perigo  pela  divisão 
dos  seus  filhos,  aparecem  logo,  ao  lado  de  alguns  traidores,  muitos 
bons  portugueses  a  defendê-la. 

Trágico  assumpto  neste  canto  offrece 
A  Musa  humilde,  historia  escandalosa, 
Que  entre  tantas  presas  mal  parece 
Cantar  huma  treyçam  ignominiosa  ; 
Mormente  quando  o  século  escurece 
Aquelle  resplandor,  que  a  Pátria  gosa. 
De  não  ter  paralello  na  lealdade 
Manchada  por  vil  Cisma  em  nossa  idade. 

Cisma  o  posso  chamar  com  fundamento, 
Padecido  da  Pátria  cinco  vezes, 
Donde  por  erro  só  do  entendimento 
Vacillão  na  fé  Regia  os  Portugueses. 
Mostrarem-se  leais  foy  seu  intento, 
Que  como  se  não  acha  ouro  sem  fezes. 
Errando  contra  seus  próprios  senhores, 
Incorrem  na  ignominia  de  treydores. 

Em  todos  estes  Cismas  se  irá  vendo. 
Que  se  alguns  a  lealdade  escurecerão, 
Outros  por  ella  estão  resplandecendo 
Na  Coroa,  a  que  esmalte  illustre  derão. 
No  que  Teresa  ao  filho  foy  movendo. 
Em  que  tantos  Leoneses  perecerão, 
Hum  Moniz  a  Coroa  assegurando, 
Nella  está,  qual  Carbúnculo  brilhando. 

No  de  Sancho,  &  de  AfFonso,  se  enriquece 
Com  Diamantes  de  preço,  &  formosura 

'    V.  T.  X,  125-127, 


2Í2  ^rás  Garcia  de  éMascarenhas 

Hum  illustre  Pacheco,  a  que  ennobrece 
A  Truta,  que  o  salvou  por  grã  ventura. 
Hum  Freytas,  que  a  seu  Rey  defunto  offrece 
As  chaves  no  sepulchro,  em  que  o  procura. 
Que  a  cadáver  Real  Portuguez  peyto 
Até  na  sepultura  tem  respeyto. 

No  do  primeyro  João  resplandecendo 
Por  Topázios  estão  dous  Nunos  raros. 
Hum  Pereyra,  que  sempre  foy  vencendo 
Castella,  fora,  &  dentro  em  seus  reparos; 
E  hum  leal  Ataíde,  que  excedendo 
Foy  de  toda  a  lealdade  os  feytos  claros, 
Porque  à  vista  do  filho,  &  do  Castello, 
A  morte  se  entregou,  por  defendelo. 

No  de  António,  &  Philippe  o  cautelloso 
Amatistos  da  pátria  a  matizarão 
A  sangue  frio :  tanto  de  ambicioso 
Jugo,  que  lhe  puseraó,  se  ciaraõ ! 
Resplandece  a  saphira  do  Vimioso 
Entre  os  que  mais  o  bem  comum  zelarão, 
Se  mal  afortunado  no  successo, 
A  má  fortuna  lhe  não  tira  o  preço. 

Neste  presente  muytos  Lusitanos 

Seus  Rubiz  foraõ,  quando,  bem  que  tarde, 

A  passarão  de  intrusos  Reys  Hispanos 

Á  cabeça  de  El  Rey  que  Deos  nos  guarde, 

Jacyntos  saõ  soldados  veteranos, 

Que  do  sangue,  &  valor  fasendo  alarde, 

Nas  fronteyras,  que  ousados  lhe  sustentaõ, 

Mais  pedras  muy  preciosas  lhe  accrescentaS. 

Mais  Granates  muy  luzidos  pudera 

Nesta  bella  coroa  ir  engastando, 

Que  por  suas  conquistas  reverbera 

A  luz,  que  em  varias  partes  lhe  estão  dando: 

Basta  mostrar,  que  quando  não  ouvera 

Estes  cismas,  que  fomos  apontando, 

Em  todo  Portugal  se  não  achara 

Homem,  que  contra  o  sceptro  armas  tomara. 

Se  Vermuys,  &  Dom  Pedro  as  empunharão 
Contra  os  Reys,  de  quem  erão  taõ  parentes, 
Foy  por  falsas  treyçoens,  que  lhe  imputarão, 
Sendo  ambos  em  tais  culpas  innocentes. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  2i3 

Em  casos  semelhantes  aggravarão 
Pera  Marte  aggravados  confidentes, 
Que  aquelle  que  Armas  tem  à  sua  conta 
As  afronta  ',  se  não  se  desafronta. 

Em  todas  as  Nações  ouve  desgraças 
De  treydores,  de  inveja,  &  de  interesse, 
Que  Reys  matarão,  que  venderão  Praças; 
Não  ouve  Portuguez,  que  tal  fizesse. 
Em  vam,  pobre  Castella,  estudas  traças 
De  enganar,  &  attrahir  quem  te  conhece : 
Elias  te  derão  o  que  tens  perdido, 
Porque  achaste  a  Viuva  sem  Marido. 

Já  agora  Lusitânia  está  casada, 
E  o  Marido,  que  tem,  não  te  recea, 

Etc 2. 


Foi  na  sua  pátria  que  o  capitão  Brás  levantou  a  companhia ;  na 
região  onde  se  criou,  onde  conhecia  muita  gente  e  tinha  muitos  pa- 
rentes e  amigos,  dispostos  a  ouvi-lo,  e  que  confiavam  nas  suas  pala- 
vras e  conselhos :  se  a  outra  região  fosse  fazer  a  leva,  não  seria  tão 
bem  sucedido.  Bem  notou  èle  no  seu  poema  que  foi  por  igual  razão 
que  Dictaleão,  Aulaces  e  Minuro,  discípulos  de  Viriato,  na  guerra 
com  os  romanos  conseguiram  em  poucos  dias  levantar  milhares  de 
soldados. 


Homens  de  grã  valor,  &  de  maduro 
Conselho,  &  de  tal  Mestre  aconselhados 
No  que  aviaõ  de  obrar,  pera  mostrarem, 
Que  dignos  erão  de  Armas  governarem. 

Nova  lista  fizerão,  facilmente 
Se  lhe  agregarão  muytos  dos  primeyros, 
Porque  dentro  na  Pátria  faz  mais  gente 
Hum  natural,  que  trinta  forasteyros. 
Séquito  grande,  &  grande  expediente 
Achão,  &  dão  a  tudo  os  três  Guerreyros, 
Em  poucos  dias  com  presteza  estranha 
Pondo  muytos  mil  homens  em  campanha  '. 


'  Está  aa/rontasn  na  i."  ed.   do  Viriato  Trágico,  o  que  é  erro  manifesto,  jd 
emendado  na  2.' 

2  V.  T.  VI,  i-ii.  — 3   V.  T.  XVI,  3i-32. 


214  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

E  de  lamentar  que  se  não  conheça  nominalmente  quási  nenhum 
dos  soldados  alistados  por  Brás  na  sua  companhia.  Conta  o  dr.  Al- 
bino de  Abranches  Freire  de  Figueiredo,  no  prefácio  à  i^  edição  do 
Viriato  Trágico  por  êle  publicada,  que  existiam  no  cartório  do  con- 
vento das  freiras  de  Pinhel  (onde  então  estava  uma  parente  de  Brai 
Garcia  Mascarenhas)  esclarecimentos  relativos  a  esta  companhia,  que 
foram  recolhidos,  segundo  lhe  constou,  pelo  curioso  antiquário,  bispo 
que  foi  daquela  cidade,  D.  José  de  Mendonça  Arraes,  parente  do 
poeta  ',  e  de  alguns  dos  que  então  militavam  com  elle.  \  Que  pena 
terem-se  perdido,  como  suponho,  essas  noticias,  que  o  benemérito 
dr.  Albino  procurou  debalde  descobrir !  2. 

Eu  apenas  tenho  conseguido  identificar  dois  desses  soldados,  pelas 
referências  feitas  em  apontamentos  genealógicos  que  existem  na  casa 
de  Folhadosa,  e  na  dos  Soares  de  Albergaria  de  Avô.     Sam  eles: 

—  António  de  Brito  da  Costa,  de  Oliveira-do-Conde,  neto  de 
Brites  Marques,  tia  paterna  de  Brás,  e  por  isso  primo  deste,  vindo 
mais  tarde  a  ser  capitão-mór  de  ()liveira-do-Conde  e  de  Currelos '. 

—  António  Madeira  da  Costa,  de  Avô,  dez  anos  mais  novo  do 
que  o  poeta,  tio  da  que  veio  a  ser  mulher  deste,  avô  de  Bento  Ma- 
deira de  Castro  (o  primitivo  editor  do  Viriato  Trágico),  e  quinto  avô 
da  senhora  Marquesa  de  Pomares  *. 


Quando  Brás  Garcia  chegou  a  Almeida  à  frente  da  sua  compa- 
nhia, achava-se  D.  Álvaro  embaraçado  com  os  reparos  e  fortificações 
daquela  praça,  pois  não  tinha  ninguém  com  conhecimentos  técnicos 
para  delinear  e  dirigir  tais  obras,  embora  superabundassem  as  boas 
vontades. 

O  capitão  Brás,  dotado  de  grande  talento,  curiosidade  e  estudo, 
não  era  leigo  em  engenharia  militar,  ou  em  arquitectura,  como  então 


'  Era  efectivamente  parente  do  poeta,  mas  muito  afastado.  Pertencia  à 
família  da  mulher  de  Brás,  descendendo  de  sua  prima  coirmã  D.  Teodora  Madeira 
da  Costa,  c.  c.  António  da  Costa,  de  Oliveira  do  Hospital,  pela  filha  destes  D.  Ma- 
riana da  Costa,  casada  em  Sandomil  com  Cosme  Fernandes  de  Abreu  (Vid.  Not. 
geneal.  III,  iii  a  2). 

2  Doe.  CXVIII. 

'  Not.  geneal.  I,  iv  c'  i  ;  —  Esq.  geneal.  I,  d,  e  e. 

*  Not.  geneal.  III,  iii  c,  —  viii  c  2 ;  —  Esq.  geneal.  II,  a,  b,  bj. 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  2i5 

se  dizia  *,  e  tivera  alem  disso  experiência  e  prática  destas  construções 
durante  a  campanha  do  Brasil.  Foi  por  mais  essa  razão  a  sua  vinda 
festejada,  e  o  general  encarregou-o  de  dirigir  as  obras,  ficando  a  sua 
companhia  a  guarnecer  a  praça  *;  e  como  ainda  não  tivessem  che- 
gado os  outros  capitães  com  as  suas  levas,  D.  Álvaro  aproveitou  a 
pouca  gente  da  antiga  guarnição  para  formar  uma  pequena  escolta  de 
cavalaria  e  infantaria,  com  a  qual  partiu  para  Castelo-Rodrigo  ^. 

Quatro  avisos  recebeu  ele,  nesta  viagem,  a  anunciarem-lhe  que  o 
duque  de  Alba,  governador  de  armas  do  exército  espanhol  no  partido 
de  Ciudad-Rodrigo,  reunia  gente  à  pressa,  parecendo  que  se  prepa- 
rava para  uma  incursão,  talvez  para  queimar  e  destruir  alguns  lugares 
da  nossa  fronteira. 

—  Qiie  se  retirasse,  lhe  aconselhavam  alguns  oficiais,  porque,  tra- 
zendo consigo  tão  pequena  força,  imprudência  indesculpável  seria  o 
expôr-se  a  uma  derrota  quási  certa,  desairosa  para  um  general. 

—  Mas  é  que  eu  não  estou  aqui  como  general,  responde  D.  Álvaro, 
senão  como  soldado,  que  não  sabe  virar  as  costas  ao  perigo.  /  Avante, 
soldados ! 

E  passou  a  fronteira,  internando-se  um  pouco  pelo  território  es- 
panhol, a  vér  se  o  inimigo  lhe  saia  ao  encontro ;  mas  absteve-se  de 
causar  o  mais  leve  dano  aos  habitantes  pacíficos  da  região,  que  agri- 
cultavam as  suas  terras  e  apascentavam  os  seus  gados. 

O  inimigo  não  apareceu.     Fora  rebate  falso. 

Ainda  D.  Álvaro  se  encontrava  em  Castelo-Rodrigo,  quando  lhe 
noticiam  que  um  bando  de  espanhóis  haviam  passado  a  fronteira 
ali  perto,  a  N.-E.,  e  que  entrando  no  logar  de  Mata-de-Lobos  quei- 
maram tudo  e  mataram  muita  gente.  Era  tão  preciso  e  circunstan- 
ciado o  aviso,  que  o  general  acreditou.  Chegaram  nesta  ocasião  dois 
dos  seus  capitães,  Luís  de  Ataíde  e  Manuel  Teixeira  Homem,  com 
as  companhias  que  haviam  acabado  de  levantar,   e  que,  sabendo   da 


1  Escreveu  o  poeta: 


A  arquiteclura  honra  as  outras  Artes: 
Muros,  Portas,  Sortidas,  Esplanadas, 
Cavalleyros,  Sortidas,  Baluartes, 
Rebelins,  Cavas,  Pontes,  Estacadas, 
E  outras  mil  invenções  em  varias  parles 
Fabrica  com  primor  descortinadas : 
Toda  se  applica  à  Guerra  defensiva, 
Nos  sitios  participa  da  offensiva. 

V.  T.  IV,  i6. 


*  Salgado,  op.  cit.,  fl.  117.  — '  Ibid. 


2i6  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

presença  do  general  era  Castelo-Rodrigo,  para  ali  se  dirigiram,  em 
vez  de  irem  para  Almeida.  Aproveitou-os,  mandando-os  seguir  ime- 
diatamente em  perseguição  do  bando;  mas  logo  em  seguida  vem 
novo  aviso  a  desmentir  a  anterior  noticia. 

Por  enquanto  os  espanhóis  nesta  fronteira  não  tinham  exército  que 
os  autorizasse  a  tomar  uma  atitude  ofensiva. 


Deixara  o  general  ordem  em  Almeida,  que  as  companhias  que 
fossem  chegando  ali  aguardassem  o  seu  regresso;  e  assim  se  fez. 
Ao  voltar  já  encontrou  mais  seis  companhias,  todas  bem  compostas, 
levantadas  pelos  capitães  beirões. 

Soube  então  que  na  povoação  espanhola  de  Aldea-del-Obispo  se 
notava  um  movimento  desusado  de  gente,  donde  provinha  a  descon- 
fiança de  que  o  duque  de  Alba  estivesse  concentrando  tropas  para 
vir  atacar  Almeida.  Não  quiz  saber  mais.  Mandou  reunir  toda  a 
tropa  disponível  de  cavalaria  e  infantaria  que  ali  tinha,  e  que  já  era 
considerável,  e  partiu  com  ela  a  fazer  frente  ao  inimigo.  O  capitão 
Brás  Garcia  era  um  dos  oficiais  que  iam  na  expedição. 

Rufando  nas  suas  caixas  foi  este  corpo  de  tropa  marchando  pela 
margem  esquerda  do  rio  de  Tourões  acima,  passou  à  vista  de  Aldea- 
del-Obispo,  que  fica  da  outra  banda,  e  chegou  à  nossa  povoação  de 
Val-de-la-Mula,  onde  fez  alto.  Ali  se  deteve  até  ao  sol  posto,  sem 
notar  nenhum  movimento  anómalo  no  território  espanhol,  onde  bas- 
tante gado  pastava  tranquilamente.     Ao  anoitecer  mandou  retirar. 

Era  uma  bela  noite,  repleta  de  luar.  Já  próximo  de  Almeida 
tiveram  de  passar  um  pequeno  ribeiro.  Quando  a  infantaria,  que 
era  comandada  pelo  capitão  Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  vencia  este 
insignificante  obstáculo,  eis  que  de  repente  um  enorme  meteoro  lumi- 
noso rasga  a  atmosfera,  traçando  uma  larga,  estrada  de  fogo,  que  se 
mantém  incendiada  por  um  pouco.  Deu-se  isto  tão  perto,  que  pa- 
receu aos  soldados  que  lhes  qiientou  rostos,  &  orelhas,  e  assustados 
recuaram.  Repreendeu-os  asperamente  o  capitão  Brás,  por  se  terem 
espantado  e  saído  das  fileiras  sem  ordem  para  isso;  e  fê-los  marchar 
sem  mais  detença. 


Precisava  D.  Álvaro  de  conhecer  por  seus  próprios  olhos  a  região 
da  fronteira,  cujo  governo  e  defesa  lhe  estavam  confiados,  tendo  para 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  21  j 

isso  de  estudar  o  território,  visitar  os  castelos  que  nele  havia,  obser- 
var as  suas  condições  de  defesa  e  planear  o  que  tinha  de  fazer  para  os 
melhorar.  Resolveu  partir  sem  mais  demora,  e  para  o  acompanhar 
organizou  uma  força  pequena  mas  escolhida,  sendo  a  vanguarda  for- 
mada por  uma  companhia  de  i3o  soldados  de  cavalaria,  e  a  reta- 
guarda pela  companhia  de  i83  soldados  de  infantaria  comandada 
pelo  capitão  Brás,  que  êle  desejava  ter  sempre  ao  pé  de  si.  As 
obras  da  fortaleza  de  Almeida  passaram  por  isso  a  ser  dirigidas 
pelo  sargento-mór  Rodrigo  Soares  Pantoja,  novo  governador  desta 
praça. 

Com  a  mencionada  força  percorre  D.  Álvaro  todas  as  terras  de 
Riba-Côa,  visita  com  minucioso  escrúpulo  todos  os  castelos  ali  exis- 
tentes, desde  o  Sabugal  até  ao  rio  Douro;  e,  não  podendo  então 
passar  ao  Sul  do  Sabugal ',  envia  pessoas  da  sua  confiança  que  façam 
a  visita  e  inspecção  até  ao  Tejo,  e  em  seguida  o  informem. 

Ficou  horrorizado  com  o  estado  em  que  viu  os  castelos,  em 
grande  parte  desmantelados  e  em  ruínas,  incapazes  de  oferecerem 
resistência  séria  à  invasão  espanhola,  que  era  de  esperar  mais  dia 
menos  dia. 

Nesta  marcha  de  reconhecimento  D.  Álvaro  passou  várias  vezes 
a  fronteira ;  acompanhado  da  mencionada  força,  penetrava  no  terri- 
tório espanhol  e  ia  também  reconhecendo  externamente  os  castelos 
inimigos  e  as  suas  povoações,  sem  contudo  praticar  actos  de  agressão 
violenta.  Caminhava  entretanto  sempre  debaixo  de  forma,  com  as 
bandeiras  arvoradas,  dando  vivas  a  el-rei  D.  João  IV,  vozes  estas 
que  algumas  vezes  encontravam  correspondência  nos  pobres  paisanos 
espanhóis,  que  se  lhes  deparavam.     ;  Muito  pode  o  medo ! 

Evidentemente  o  duque  de  Alba  ainda  não  dispunha  de  força  com 
que  pudesse  fazer  frente  ao  nosso  exército  da  Beira. 

O  primeiro  logar  povoado  de  Espanha,  por  onde  passou  o  nosso 
general  com  a  sua  tropa,  foi  a  vila  de  Fuentes.  Á  sua  aproximação 
os  habitantes  apavoraram-se,  e  abandonaram  a  vila  pondo-se  em  fuga, 
indo  alguns  parar  a  Ciudad-Rodrigo,  onde  a  notícia  da  incursão, 
grandemente  amplificada,  assustou  algumas  famílias,  que  se  reco- 
lheram a  Salamanca;  mas  outros  paisanos,  menos  assustadiços,  deixa- 
ram-se  ficar  por  perto  em  observação,  e  vendo  que  a  nossa  tropa, 
sem  fazer  dano  algum  aos  povos,  passava  adeante,  e  que,  encontrando 


1  A  estampa  fronteira  representa  o  castelo  do  Sabugal,  com  a  sua  torre  qui- 
naria, visto  da  margem  esquerda  do  rio  Côa. 


3iS  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

rebanhos  de  gado,  deles  não  fazia  caso  algum,  podendo  sem  a  mínima 
resistência  saquear  uns  e  apoderar-se  dos  outros,  inferiram  que  os 
portugueses  não  queriam  hostilizar  quem  não  pegasse  em  armas 
contra  eles.     Reverteram  pois  às  suas  lides  agrícolas. 

Daqui  em  deante  já  a  aproximação  da  tropa  portuguesa  não  per- 
turbava os  paisanos  espanhóis  que  agricultavam  as  terras  e  guarda- 
vam os  rebanhos,  os  quais  se  deixavam  ficar,  limitando-se  a  descara- 
puçar-se  e  fazer,  mesmo  de  longe,  grandes  cortesias  ao  general,  ou 
ao  comandante  da  força  '. 

E  na  fronteira  portuguesa  ficou  havendo  igual  tranquilidade,  re- 
conhecendo-se  de  parte  a  parte  que  essas  miseráveis  hostilidades  de 
destruir  e  roubar  só  serviriam  para  prejudicar  gravemente  uns  e 
outros. 

Assim  o  general  D.  Álvaro  conseguiu  prudentemente  afastar  o 
espetro  da  fome,  cujo  receio  já  começava  a  preocupar  os  espíritos. 
A  primavera  ia  adeantada,  as  terras  prometiam,  é  verdade,  um  ano 
abundante,  os  gados  pasciam  em  grande  número  nas  várzeas  e  nos 
valeiros,  tanto  em  terras  de  Espanha  como  em  terras  de  Portugal. 
Se  duma  e  outra  parte  se  adoptasse  o  sistema  do  roubo  e  desvastação 
por  surpresa,  que  o  pretexto  da  guerra  costuma  legitimar,  i  o  que 
seria  desta  pobre  gente  pacífica  e  laboriosa  ? 

Já  os  moradores  do  distrito  de  Castelo-Rodrigo,  prevendo  esta 
calamidade,  tinham  representado  com  tempo  a  el  rei  a  pedirem-lhe 
que  ao  menos  fossem  salvos  os  gados  daquela  região  tão  exposta, 
mandando  sua  majestade  providenciar  sobre  a  sua  remoção  para 
outra,  mais  afastada  da  raia,  e  por  isso  mais  segura :  e  em  carta  régia 
de  14  de  fevereiro  se  ordenara  a  D.  Álvaro  que  satisfizesse  aquele 
pedido  ^.  Mas  o  general  obteve  resultado  mais  completo  com  a  sua 
entrada  em  Espanha,  impondo  respeito  e  infundindo  confiança.  A 
tranquilidade  ficava  garantida  por  algum  tempo  aos  paisanos  de  cá 
e  de  lá. 


Em  seguida  à  viagem  de  reconhecimento,  pôs  D.  Álvaro  todo  o 
empenho  na  reparação  dos  castelos,  especialmente  daqueles  que  por 
sua  situação  estavam  destinados  a  guardar  as  principais  entradas  da 
fronteira. 


1  Salgado,  op.  cit.,  fl.  117. 

-  T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  fl.  32. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  2ig 

As  mais  fáceis  incursões  seriam  por  Almeida  e  por  Alfaiates. 
Na  fortaleza  daquela  vila  iam  proseguindo  com  toda  a  actividade  as 
obras,  sob  a  direcção  do  governador  Rodrigo  Soares  Pantoja;  do  de 
Alfaiates  era  preciso  cuidar  com  urgência.  Era  lá  governador  o 
capitão  Gonçalo  de  Afonseca  de  Aguilar,  oficial  de  grandes  créditos, 
que  agora  passava  a  governar  a  fortaleza  de  Salvaterra ;  era  pois 
ocasião  oportuna  do  general  confiar  aquele  governo  a  pessoa  que 
tivesse  as  qualidades  e  conhecimentos  excepcionais  que  tão  melin- 
droso e  arriscado  cargo  exigia. 

D.  Álvaro  não  hesita.  Nomeia  governador  de  Alfaiates  o  capitão 
Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  que  lhe  merecia  confiança  muito  espe- 
cial. 

Brás  parte  logo  com  a  sua  companhia  a  tomar  conta  da  fortaleza 
e  a  guarnecê-la. 

Parece  que  a  vila  de  Alfaiates  fora  fortificada  em  tempos  antigos; 
há  nela  vestígios  de  ter  sido  povoação  romana.  Enquanto  foi  es- 
panhola, chamava-se  Castillo  de  Lima;  em  tempo  de  D.  Dinis,  no 
outono  de  lagC),  passou  com  os  outros  territórios  e  castelos  de  Riba- 
Côa  para  o  domínio  português.  Foi  depois  disso  que  se  edificou  fora 
da  vila,  em  lugar  adequado,  um  pequeno  castelo,  de  planta  rectan- 
gular, formando  aproximadamente  um  quadrado  de  cerca  de  28"" 
por  lado,  com  os  dois  ângulos  N.  e  S.  protegidos  cada  um  por  uma 
torre. 

Quando  Brás  Garcia  assumiu  o  governo  deste  castelo,  achava-se 
ele  em  muito  mau  estado,  parte  em  ruínas.  Mandar  reconstruir  a 
parte  arruinada  segundo  a  primitiva  traça  seria  um  despropósito, 
porque  a  moderna  tática,  em  que  desempenhavam  o  principal  papel 
as  armas  de  fogo,  exigia  condições  muito  diversas  das  antigas.  E 
este  facto  memorado  pelo  poeta  quando,  ao  descrever  as  fortalezas 
doutros  tempos,  faz  referência  às  modernas,  dizendo  em  que  diferem 
umas  das  outras. 

As  que  de  pedra  inda  agora  achamos, 
Eram  mais  que  as  cortinas,  levantadas, 
Ao  revés  de  Epiphérias,  que  hoje  vsamos, 
Mais  bayxas,  &  mais  bem  descortinadas ; 
Que  alem  de  que  melhor  terraplenamos, 
Nossas  cortinas  saõ  mais  franqueadas, 
Porque  hè  de  Praças  militar  sentença, 
Quanto  mayor  través,  mayor  defença  *. 

>  V.  T.  II,  18. 


220  'Brás  Garcia  de  <£Mascarenhas 

O  que  havia  a  fazer  necessário  era  que  se  executasse  rapida- 
mente, porque  novos  rumores  corriam  de  que  o  duque  de  Alba  se 
preparava;  e  era  de  recear  uma  incursão,  quando  menos  se  cuidasse. 
A  fortaleza,  como  estava,  não  podia  oferecer  resistência. 

Delineou  pois  o  nosso  governador  uma  nova  muralha,  mais  baixa, 
cingindo  o  antigo  castelo,  e  ampliando-lhe  assim  a  área.  Tive  a  for- 
tuna de  encontrar  um  distinto  oficial  de  engenharia,  o  capitão  dr.  Abel 
Augusto  Dias  Urbano,  que  há  i6  anos  visitou  e  estudou  este  castelo, 
conservando  casualmente  ainda,  alem  de  alguns  apontamentos  e  re- 
miniscências preciosas,  a  planta  que  então  levantou,  e  que  eu  aqui 
reproduzo '.  Passo  a  transcrever  textualmente  as  informações  obse- 
quiosamente fornecidas  por  este  meu  bom  amigo,  às  quais  não  altero 
nem  uma  virgula,  para  evitar  o  perigo  de  as  estragar. 

—  «As  minhas  informações,  diz  o  sr.  capitão  Abel  Urbano,  estão 
talvez  bem  longe  da  precisão  com  que  V.  Ex."  as  desejaria  para  o 
seu  interessante  e  valioso  trabalho  sobre  Brás  Garcia  de  Mascarenhas, 
porque  parte  delas  se  baseiam  em  apagadas  reminiscências  duma 
visita  que,  há  perto  de  i6  anos,  fiz  àquele  castelo.  Procurarei,  ao 
menos,  torná-las  quanto  possível  exactas.     São  as  seguintes: 

sO  denominado  castelo  de  Alfaiates,  situado  a  pequena  distância 
desta  povoação,  é  um  pequeno  forte  do  século  xvii,  de  planta  aproxi- 
madamente quadrangular,  e  ocupando  a  área  de  2.3oo"^.  Envolve 
um  antigo  castelo,  talvez  do  século  xni  ou  xiv,  do  qual  restam  apenas 
as  ruínas  de  dois  pequenos  lanços  de  muralha  e  de  duas  torres  rec- 
tangulares. 

«O  forte,  pelo  seu  aspecto,  foi  verosimilmente  construído  com  ma- 
teriais extraídos  das  ruínas  do  velho  castelo,  e  apresenta  vários  indícios 
de  ter  sido  uma  fortificação  feita  em  pouco  tempo,  e  com  escassos  re- 
cursos. 

«Em  três  dos  salientes  do  forte  há  tambores  circulares,  com.  o 
diâmetro  médio  de  ô^So,  destinados  ao  flanqueamento  das  faces. 
Correspondendo  ao  quarto  saliente,  nota-se  uma  disposição  digna  de 
menção:  os  lanços  do  muro  contíguos  ao  saliente  desviam-se  da  sua 
direcção  geral,  formando  ângulos  obtusos  reintrantes,  e  são  ligados 
por  um  lanço  de  muralha  perpendicular  à  nova  direcção  comum  da- 


1  Encontra-se  na  fronteira  página  a  referida  planta,  onde  se  distinguem  bem 
os  restos  do  antigo  castelo  com  as  suas  duas  torres,  e  a  muralha  exterior,  construída 
em  três  meses,  no  ano  de  1641,  pelo  capitão-governador  Brás  Garcia  de  Mascare- 
nhas. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador 


221 


Planta  da  fortaleza  de  Alfaiates 


£jcaJa 

j  j  t  >  1  1  t  I  1  ;  .'o-. 


M  M  M  M  —  Restos  da  muralha  antiga. 
TT  — Restos  das  antigas  torres. 
tn  m  m  m  —  Muralha  constniida  no  século  xvii. 
1 1 1  —  Tambores  da  fortaleza  do  século  xvii. 
P  —  Porta  do  forte. 
As  pequenas  cortinas,  que  ligam  cada  uma  das  antigas  torres  d  muralha  circundante,  são  vedações 
modernas  do  espaço  destinado  a  cemitério  paroquial,  cuja  entrada  é  designada  pela  letra  p. 


222  'Brás  Garcia  de  cÃdascarenhas 

quêles,  no  qual  foi  aberta  a  porta  do  forte,  constituíndo-se  assim  uma 
espécie  de  saliente  de  planta  rectangular. 

«Esta  disposição  apresenta  o  defeito,  sob  o  ponto  de  vista  defen- 
sivo, de  a  entrada  do  forte  não  ser  flanqueada  pelos  fogos  dos  tam- 
bores de  flanqueamento.  É  provável  que  se  empregasse  aquela  dis- 
posição para  que  o  forte  envolvesse  uma  das  torres,  e  se  evitasse 
uma  demolição  demorada  e  trabalhosa.  Aproveitou-se  talvez  o  maior 
comandamento  das  ruínas  da  torre,  para  se  obter  sobre  elas  um  se- 
gundo andar  de  fogos,  que  permitisse  uma  boa  defesa  da  entrada  do 
forte. 

«E  de  presumir  que  os  três  tambores  servissem  de  plataforma 
para  bocas  de  fogo,  destinadas  ao  flanqueamento  e  à  defesa  a  dis- 
tância. As  paredes  do  forte  são  muito  mais  baixas  do  que  as  da 
antiga  muralha  do  castelo :  com  este  pequeno  relevo  do  forte  dimi- 
nuía-se,  com  grande  vantagem,  o  ângulo  morto  dos  tiros  da  defesa. 

«Os  muros  do  forte  eram  coroados  por  um  parapeito  de  alvenaria 
de  o'",66  de  espessura. 

«Atendendo-se  ao  desenvolvimento  da  linha  de  fogo  do  pequeno 
forte,  pode  calcular-se  que  a  sua  guarnição  não  devia  ir  alem  de  200 
homens. 

«Eis,  em  resumo,  as  minhas  deficientes  informações  sobre  o  assunto, 
que  tanto  interessa  a  V.  Ex.*  e  aos  leitores  da  sua  excelente  mono- 
grafia sobre  a  estranha  individualidade  de  Brás  Garcia». 

Até  aqui  a  nota  interessante  do  ilustre  oficial  de  engenharia,  a 
quem  tributo  o  meu  agradecimento. 

Toda  esta  obra  conseguiu  Brás  Garcia,  com  a  sua  assombrosa 
actividade,  que  se  realizasse  em  três  meses  apenas.  Afirma-o  êle 
mesmo : 

O  Castello  da  Lua,  que  fizera 
A  ferrugenta  paz  Lua  mingoante, 
Em  três  mezes  somente  considera 
Regular  Epiphéria  o  caminhante'. 

O  dr.  João  Salgado  de  Araújo,  no  seu  livro  já  bastantes  vezes 
citado,  refere-se  à  obra  realizada  pelo  nosso  poeta  na  construção  do 
forte  de  Alfaiates,  atribuíndo-a,  por  equívoco,  a  tempo  um  pouco 
posterior.     Diz  êle : 

—  «Em  tempo  do  General  Fernão  Tellez  de  Meneses,  sendo  Go- 


i  V.  T.  XIV,  85. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  22S 

uernador  desta  praça  o  Capitão  Bras  Garcia  Mascarenhas,  foi  cercada 
com  giro  de  quatro  mil  seiscentos,  &  oitenta  pès  Geométricos,  fora 
as  voltas  dos  baluartes,  em  altura  de  25.  pès.  Obra  por  certo  de  im- 
portância, a  que  incansauplmente  assistio  o  mesmo  Gouernador,  em 
cujas  cauas  se  acharão  moedas  antigas  de  cobre,  &  algumas  de  prata, 
duas  de  Sertório  com  sua  efígie  de  húa  parte,  da  outra  a  cerua  insí- 
gnia sua.  Estribos  com  cadeas  de  ferro  por  loros,  mòs  de  moinho  de 
mão,  &  outras  antiguidades'». 


Ao  mesmo  tempo  que  fazia  avançar  a  obra  da  fortaleza,  o  capitão 
Brás  não  deixava  de  vigiar  de  perto  o  inimigo,  tendo  o  cuidado  de  o 
não  perder  de  vista  nem  um  só  momento,  para  evitar  alguma  surpresa 
desagradável.  Tinha  consciência  das  suas  responsabilidades  como 
governador  duma  das  fortalezas  da  fronteira  mais  importantes  pela 
sua  situação,  e  cumpria  os  seus  deveres  com  os  extremos  de  zelo 
que  lhe  estavam  na  índole. 

Estabelece  em  terras  de  Espanha  um  serviço  de  espionagem  muito 
abundante  em  agentes,  e  muito  bem  feito.  Especialmente  em  Ciudad- 
Rodrigo,  onde  o  duque  de  Alba  urdia  os  seus  planos,  e  na  praça  de 
Albergaria  de  Arganan,  pelo  nosso  poeta  denominada  eruditamente 
Augustobriga,  fronteira  a  Alfaiates,  na  qual  era  governador  D.  Fran- 
cisco de  Eraso,  valente  e  brioso  militar,  vulgarmente  conhecido  pela 
alcunha  de  Macacão,  não  se  movia  uma  aranha  sem  que  êle  o  sou- 
besse logo. 

A  espionagem  junto  do  inimigo  era  um  elemento  em  que  Brás 
reconhecia  grande  importância,  e  de  que  fazia  largo  uso.  Aos  indis- 
pensáveis serviços  de  vigias  e  de  espias  se  refere  em  várias  passagens 
do  poema. 

Mas  a  noyte  occultou  ambas  as  partes, 

Dando  repouso  a  todos  os  cançados, 

Não  às  vigias,  que  nos  orizontes 

Argos  dos  valles  saõ,  lynces  dos  montes  ^, 

E  logo  sobre  Plaucio  despedindo 
Muytas  Espias,  trata  com  destreza 
Das  prevenções,  que  destros  prevenidos 
Difficilmente  podem  ser  vencidos  '. 


'  Op.  cit.,  fl.  loi. 

2  V.  T.  u,  52.  —  iV.T.  IX,  5& 


224  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

E  falando  de  si  mesmo,  quando  era  governador  de  Alfaiates, 
declara : 

Em  numero,  &  valor  grande,  &  luzido 
Argos  se  ostenta  a  poder  de  Espias, 
Com  que  lynce  da  opposta  Augusto-briga, 
O  minimo  descuydo  lhe  castiga  *. 

Estes  agentes  de  espionagem  eram  magníficos,  e  prestavam  óp- 
timo serviço,  porque  Brás  Garcia  os  tinha  escolhido  com  cuidado  e 
os  remunerava  generosamente,  trazendo-os 

Bem  pagos,  que  o  caminho  não  dilata 
Quem  tais  esporas  leva  de  ouro,  &  prata. 

Na  Praça  com  mais  credito  atacada 
(Tanto  os  ingenhos  Marte  sutiliza  !) 
Hè  de  quanto  se  faz  fora  avisada, 
E  de  quanto  se  passa  dentro  avisa. 
Toda  a  que  se  cercou  foy  espiada. 
Que  se  mete  húa  Espia  entre  a  camisa, 
E  depois  de  sitiada,  quando  menos, 
Se  entende  por  sinais,  &  por  acenos  2. 

Mas  um  cabo  de  guerra  deve  também  sempre  contar  com  a  es- 
pionagem do  inimigo,  e  supor  que  nos  seus  próprios  arraiais  e  cas- 
telos andam  espias  mui  bem  disfarçadas,  a  observar  quanto  faz  e  diz ; 
precisa  de  ter  o  máximo  cuidado  em  ocultar  os  seus  planos  e  pro- 
ceder de  forma  que  os  espiões  sejam  iludidos  e  desnorteados  pelas 
aparências. 

Mas  elle  o  escuro  enigma  interpretando, 
Finge  que  se  naó  dà  por  entendido, 
Pêra  que  assim  melhor  desminta  Espias, 
Ajuntando  sua  Gente  em  breves  dias '. 


Havia  na  fronteira  espanhola  três  castelos,  que  pela  sua  situação 
e  condições  eram  uma  constante  ameaça  ao  sossego  e  tranquilidade 
da  nossa  fronteira.  Eram  os  de  Albergaria  era  frente  de  Alfaiates, 
El  Payo  na  falda  setentrional  da  serra  de  Gata,  na  região  onde  nasce 
o  rio  Águeda,  e  Eljas  na  falda  meridional  da  mesma  serra,  onde  tem 
a  sua  origem  o  rio  Elgas. 


í  V.  T.  XIV,  84.-2  V.  T.  XIX,  5o-5i.  — '  V.  T.  ix,  55. 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  22S 

Convinha  fazer  um.  reconhecimento  minucioso  destas  fortalezas, 
ter  registo  exacto  e  seguro  dos  seus  fracos,  para  na  primeira  ocasião 
oportuna  serem  conquistadas  e  destruídas,  tirando  ao  inimigo  a  van- 
tagem de  possuir  aquelas  sentinelas  avançadas,  donde  podia  com 
grande  facilidade  saltar  de  surpresa  ás  nossas  terras  a  saqueá-las  e 
danificá-las,  ou  a  fazer  alguma  incursão  em  forma. 

Empresa  melindrosa  e  arriscadíssima  era  porém  esta,  que  se  não 
podia  confiar  senão  a  quem  tivesse  conhecimentos  técnicos,  e  esti- 
vesse disposto  a  sacrificar  a  liberdade  e  até  a  própria  vida,  que 
perderia  se  tivesse  a  infelicidade  de  despertar  suspeitas  e  de  ser  des- 
coberto o  seu  intuito. 

O  general,  em  uma  das  suas  passagens  por  Alfaiates,  conversa  a 
este  respeito  com  Brás  Garcia,  que  era  o  oficial  em  cujos  talentos, 
aptidões,  discreção  e  lealdade  mais  confiava.  A  lembrança  era  bôa, 
não  havia  dúvida,  mas  ;  quem  poderia  e  quereria  incumbir-se  de  a 
executar  ? 

Depois  de  matutarem  no  caso,  sae-se  o  capitão  com  esta : 

—  Não  pense  mais  nisso,  meu  general.  Se  V.  S."  me  dá  licença, 
e  me  julga  apto  para  a  empresa,  vou  eu  mesmo. 

—  iVós!... 

—  Sim.  Tenho  por  muitas  vcyes  arriscado  a  pele;  a  morte  já  eu  vi 
em  várias  ocasiões  bem  perlo  de  mim.  Com  a  ajuda  de  Deus,  que  nunca 
me  faltou,  saír-me  hei  vitorioso  desta  empresa  em  prol  da  Pátria. 

Ficou  logo  ali  o  caso  assente,  i  Como  se  desempenharia  do  pe- 
rigoso encargo  ?  Não  o  sabia.  Havia  de  pensar.  Isso  agora  era 
com  êle  e  com  mais  ninguém. 

Dentro  de  poucos  dias,  confiado  provisoriamente  a  outro  oficial  o 
governo  de  Alfaiates,  o  capitão  Brás  Garcia  desaparece.  Decorrido 
algum  tempo,  apresenta-se  a  D.  Álvaro  e  entrega-lhe  as  plantas  dos 
três  castelos,  acompanhadas  de  informações  preciosas  sobre  o  modo 
de  neles  entrar,  quando  fosse  ocasião  oportuna  ! 

,;  Teria  o  nosso  poeta  comércio  com  o  demo,  e  seria  este  que  lhe 
forneceu  tais  plantas  e  informações  ? 

Nada  disso.     Cousa  bem  simples. 

Brás  cobriu-se  com  uns  andrajos  de  mendigo,  fingiu  talvez  alguma 
lilcera  ou  outra  deformidade  comovente,  pegou  numa  rabeca  ou  gui- 
tarra, e  entrou  em  Albergaria,  qual  mendigo  viandante  a  esmolar, 
cantando  cópias  ou  xácaras  populares  castelhanas,  entremeadas  pelo 
peditório  —  Una  limosna,  por  amor  de  Dios,  —  alternando  esta  lamúria 
com  uns  Padre-nuestros  muito  arrastados  e  chorados.  E  natural  que 
i5 


220  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

falasse  com  perfeição  a  lingua  castelhana,  e  isso  era  um  elemento  de 
valor  para  não  despertar  suspeitas. 

l  Quem  estorvaria  o  pobre  mendigo  de  se  "encostar  às  muralhas, 
de  estacionar  às  portas,  de  penetrar  no  páteo  do  quartel,  de  entrar 
na  própria  torre  de  menagem,  a  estender  a  mão  trémula  de  necessi- 
dade a  todas  as  pessoas  que  encontrava  ? 

Ao  fim  de  alguns  dias,  qual  ave  de  arribação,  emigra  de  Alber- 
garia ;  mas  se  alguém  então  lhe  desse  busca  aos  alforjes  de  mendigo, 
ou  mais  provavelmente  aos  forros  do  seu  andrajoso  fato,  lá  encontraria 
muito  bem  dobrado  um  pequeno  papel  com  a  traça  da  fortaleza. 

El  Payo  e  Eljas  receberam  a  mesma  visita  do  pobre  pordiosero, 
e  com  idêntico  resultado. 

A  cartada  fora  arriscada,  mas  feliz.     ;  O  jogo  estava  ganho  I 


Vê-se  do  exposto  que  D.  Álvaro  de  Abranches  governava  as  armas 
pacificamente,  não  fazendo  provocações,  respeitando  e  promovendo  o 
sossego  em  que  viviam  os  espanhóis,  e  este  procedimento  foi  rico  em 
consequências  prósperas;  mas  não  menos  se  vê  que  à  sombra  desta 
tranquilidade  o  general  não  se  descuidava  de  preparar  terreno  para 
o  futuro. 

Nos  princípios  de  junho  é-lhe  entregue  uma  carta  de  D.  João  IV 
datada  de  24  de  maio,  a  ordenar-lhe  que  acuda  ao  Norte  com  a  pos- 
sível gente,  porque  Chaves  está  ameaçada  duma  incursão  *. 

j  Acudir  a  Trà-los-Montes  !  ;  E  quem  ficava  guardando  e  defen- 
dendo a  fronteira  beirôa  ?  Acolá,  em  Ciudad-Rodrigo,  o  duque  de 
Alba  não  dorme ;  aguarda  reforços  ao  seu  exército  e  descuidos  do 
nosso,  para  então  dar  um  golpe  certeiro.  Que  êle  só  na  aparência 
se  conserva  inactivo,  mas  na  realidade  se  prepara,  é  cousa  certa. 
,;  Quem  sabe  até  se  o  boato  ou  aviso  da  próxima  incursão  por  Chaves 
será  rebate  falso  preparado  por  êle,  a  vêr  se  a  Beira  se  desguarnece, 
para  então  lhe  dar  o  salto  ?  Não,  essa  jornada  a  Chaves  seria  um 
erro  grosseiro.  Alem  disso  escaceavam-lhe  as  munições,  não  possuía 
artilharia,  faltava-lhe  o  dinheiro  para  pagar  aos  soldados,  e  êle  ge- 
neral já  se  achava  individado  por  ter  de  satisfazer  pagamentos  ina- 
diáveis, não  havendo  dinheiro  em  caixa  ^. 


•  T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  fl.  65  v.". 

2  Satisfazendo  às  alegações  feitas  por  D.  Álvaro  de  Abranches,  são  expedidas 


Cap.  VI — Capitão  e  governador  227 

As  escusas  apresentadas  por  D.  Álvaro  revelam  sensatez  e  pru- 
dência, mas  não  são  bem  recebidas  por  algumas  pessoas,  começando 
desde  logo  as  murmurações.  Quando  em  toda  a  fronteira,  desde  a 
margem  do  Minho  até  à  do  Guadiana,  as  tropas  portuguesas  se  es- 
tavam batendo  activamente  e  com  sucesso  com  as  espanholas,  ;  o  que 
significa  aquela  inactividade,  aquele  dolce  fare  niente  de  D.  Álvaro  de 
Abranches  e  do  duque  de  Alba,  a  olharem  um  para  o  outro  de  braços 
cruzados,  numa  situação  de  comodismo  invejável,  mas  pouco  gloriosa  ? 

Em  julho  recebia  o  general  da  Beira  ordem  terminante  del-rei 
para  romper  hostilidades  sem  mais  demoras  '.  Percebe  claramente 
que  a  intriga  começa  a  fervilhar  contra  êle  na  corte ;  mas  o  rompi- 
mento nesta  altura  seria  um  perfeito  desastre.  Todos  os  seus  esforços 
convergiam  para  organizar  a  defesa  desta  fronteira  com  os  pouquís- 
simos recursos  de  que  dispunha  ;  entretanto  era  certo  que,  apesar  de 
já  ter  feito  muito,  muito  mais  havia  a  fazer,  antes  de  se  julgar  habi- 
litado a  ir  provocar  o  inimigo. 

A  recusa  fundamentada  de  D.  Alvarcj  a  cumprir  a  ordem  superior 
foi  muito  mal  apreciada,  não  lhe  faltando  críticas  acerbas^.  Ele  po- 
rem vingava-se  dessas  críticas  com  o  desprezo,  e  não  se  escusava  de 
ir  aumentando  e  bem  dispondo  os  preparativos  para  a  defesa.  Re- 
paração de  castelos,  fabricação  de  armas,  aquisição  de  munições, 
exercícios  dos  soldados,  disciplinação  do  exército,  tudo  isto  lhe  me- 
recia grandes  cuidados,  conseguindo  realizar  verdadeiras  maravilhas 
com  a  pobreza  e  miséria  de  meios,  que  tinha  á  sua  disposição. 


O  capitão-governador  de  Alfaiates  não  malbaratava  entretanto  o 
tempo.     Também    aproveitou    a   tranquilidade  e  sossego  actual  para 


pelo  secretário  do  Conselho  de  Guerra  António  Pereira  duas  cartas  em  data  de  i8 
de  junho  de  1641 :  uma  dirigida  aos  deputados  da  Junta  da  Fazenda  a  dizer-lhes 
que  S.  Majestade,  em  decreto  sobre  consulta  do  Conselho  de  14,  manda  que  sejam 
avisados  da  necessidade  que  tem  o  general  da  Beira  de  dinheiro,  para  pagar  à 
gente  que  se  tem  recrutado,  pois  está  individado,  e  que  seja  socorrido  com  ur- 
gência (Secret.  do  Cons.  de  Guerra,  1.  i,  fl.  77  v.°); — -outra  para  Rui  Correia  Lucas, 
tenente-general  de  artilharia,  dizendo  que  S.  Majestade,  em  resposta  de  14  do  cor- 
rente à  consulta  do  Conselho,  ordena  se  lhe  diga  que  envie  ao  general  da  Beira 
três  artilheiros  e  um  condes tável,  que  êle  deixou  quando  partiu,  e  ainda  lá  não 
chegaram  (Ibid). 

•  Hist.  de  Port.  restaur.,  t.  1,  pág.  284.  —  ^  Ibid. 


2  28  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

tomar  conhecimento  de  todo  aquele  vasto  território  que  constituía  a 
bacia  hidrográfica  do  Côa,  e  que  vai  desde  os  úhimos  contrafortes 
ocidentais  da  serra  de  Gata  onde  nasce  aquele  rio,  até  Foz-Côa  onde 
se  lança  no  Douro. 

;  Quantas  vezes,  em  defesa  da  Pátria,  não  viria  êle  a  precisar  de 
sair  da  sua  atalaia  de  Alfaiates,  para  cair  sobre  os  espanhóis,  quando 
estes  se  resolvessem  a  vir  procurar  os  portugueses  ?  mas,  para  fazer 
isto  com  vantagem,  carecia  de  conhecer  bem  a  topografia  da  região, 
que  é  extremamente  acidentada,  com  os  seus  valos,  obstáculos,  trin- 
cheiras, fossos,  portelas,  tudo  isto  formado  pela  namreza. 

Já  tinha  percorrido  rapidamente  grande  parte  desta  região,  quando 
comandou  a  infantaria  da  escolta  do  general  em  visita  aos  castelos  c 
fortes.  PropÕe-se  agora  fazer  um  estudo  minucioso  topográfico,  como 
lhe  era  necessário,  de  todo  o  território.  E  faz  realmente  esse  estudo 
com  o  máximo  cuidado  e  diligência  em  toda  a  mencionada  região, 

Cujas  metas,  &  brigas  '  registando 
Solitário  os  perigos  desestima, 
Da  tumba  ao  berço,  donde  nasce,  &  morre 
O  turvo  Cuda  2,  cuydadoso  corre  '. 


Em  agosto  de  1641  deu-se  um  facto,  que  veio  perturbar  o  estado 
de  tranquilidade  que  acabamos  de  referir. 

Era  então  reitor  da  Universidade  de  Salamanca  um  nobre  genovês 
naturalizado  espanhol,  de  nome  D.  Tomás  Dória,  filho  do  duque  de 
Tursis  e  sobrinho  do  príncipe  Juanestin  Dória,  que,  sendo  do  mesmo 
modo  genovês  naturalizado  em  Espanha,  fora  também  reitor  da  Uni- 
versidade Salmaticense  em  iSSg-iSgo,  e  mais  tarde  cardial  da  S. 
Igreja  Romana. 

Terminado  em  julho  o  ano  lectivo,  D.  Tomás  veio  passar  las  va- 


>  Brigas.  Sáo,  se  não  laboro  em  equívoco,  os  castelos  ou  fortalezas,  tão  nu- 
merosos nesta  região.  O  nosso  poeta,  que  lia  com  admiração  a  Monarquia  Lusi- 
tana, lá  viu,  no  1. 1,  tit.  1,  cap.  vi,  mihi  fl.  14  v.°,  que  em  memória  do  antigo  rei  Brigo, 
em  toda  a  Espanha,  e  na  Lusitânia  em  especial,  se  chamarão  as  fortalezas,  <£•  ci- 
dades, Brigas. 

*  Cuda,  nome  latino  do  rio  Côa. 

3  V.  T.  xiv,  83. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  22g 

caciones  com  um  primo  chamado  D.  César  Lencabechia  para  as  pro- 
priedades que  tinha  em  Navas-Frias,  na  fronteira  espanhola,  três 
léguas  a  S.-S.-E.  de  Alfaiates. 

Saiu  uma  manhã  a  distrair-se  à  caça  pela  raia  com  alguns  criados, 
e  vendo  em  território  português  um  pobre  homem  descalço  a  regar 
uma  horta,  mandou-o  agarrar  pelos  seus  criados;  sem  lhe  consenti- 
rem que  se  calçasse,  levaram-no  para  Navas,  onde  D.  Tomás,  depois 
de  minucioso  interrogatório,  o  mandou  para  a  cadeia. 

Houve  logo  quem  viesse  relatar  o  ocorrido  ao  governador  de 
Alfaiates,  que  imediatamente  comunicou  o  facto  ao  general,  e  pediu 
licença  para  tirar  a  desforra  merecida,  indo  prender  a  sua  casa 
D.  Tomás,  com  os  criados,  e  soltar  o  pobre  paisano  preso. 

O  general  concordou ;  era  necessário  dar  uma  lição  para  desa- 
frontar o  brio  nacional  e  infundir  temor  e  respeito  ao  inimigo.  Pôs 
entretanto  a  cláusula  de  nada  saquearem,  nem  fazerem  prisão  alguma, 
senão  de  D.  Tomás  e  seus  familiares. 

Foi  numa  sexta  feira,  23  de  agosto,  pelas  9  horas  da  noite,  ao 
nascer  da  lua  que  havia  sido  cheia  dois  dias  antes,  que  Brás  Garcia 
partiu  de  Alfaiates  com  uma  força  de  i3o  soldados  de  infantaria, 
sem  comunicar  a  ninguém  o  destino  da  diligência.  A  noite  estava 
esplêndida,  e  fazia  um  luar  magnifico.  Dirigiu  a  marcha  por  Aldeia- 
Velha  e  Aldeia-do-Bispo,  donde,  passando  a  fronteira,  chegou  às 
Eiras  de  Navas-Frias  sem  ser  presentido.  Dali  enviou  o  seu  alferes 
Simão  Nunes  Tigre  com  cincoenta  mosqueteiros  cercar  a  casa  de 
D.  Tomás,  e  êle  marchou  sobre  a  vila  com  a  restante  força. 

Era  na  madrugada  do  dia  de  S.  Bartolomeu,  dia  em  que,  segundo 
a  crença  popular,  anda  o  diabo  à  solta ;  ;  e  bem  à  solta  andou  para  a 
família  de  D.  Tomás  Dória  ! 

Damos  agora  a  palavra  ao  dr.  João  Salgado  de  Araújo,  que  nos 
vai  descrever  o  que  fez  Brás  Garcia  desde  que  chegou  à  vila  de 
Navas-Frias.  Esta  descrição  é  decalcada  sobre  notas  fornecidas  ao 
autor  por  alguém  que  ia  na  diligência,  talvez  pelo  próprio  Brás. 

«Prendeu  a  gente  delia  (da  vUla),  que  lhe  sahio  ao  encontro,  & 
segurandoa  logo,  de  que  lhe  não  auia  de  fazer  dano  (não  auendo 
resistência,  &  com  ella  abrasarlhes  a  villa,  &  soltando  alguns,  pêra 
que  fossem  dar  este  aviso  aos  mais)  se  quietarão  todos. 

«Dom  Thomas,  que  ainda  estaua  leuantado  em  celouras,  acabando 
de  castigar  hum  page,  ouuindo  a  primeira  voz  do  rebate,  saltou  por 
huma  janela,  assi  como  estaua,  e  se  entrou  per  brenhas,  onde  teue 
alcance   de  huma  bala  perdida,  que  o  ferio  leuemente,  por  baxo  de 


23o  'Brás  Garcia  de  <P^Iascarenhas 

huma  orelha,   &  foi  a  pe  despido   como   se  achou,   parar  daH   duas 
legoas  no  mosteiro  de  S.  Martinho. 

«Seus  criados,  que  erão  dezoito  bem  armados,  se  acastelarão  na 
casa,  &  poserão  em  defensa;  firindo  polas  janelas,  a  cinco  soldados 
nossos.  Foi  rompida  a  primeira  porta  da  casa,  que  se  quebrou  com 
hum  marrão,  leuado  pêra  esse  efeito.  A  segunda  se  não  podia  que- 
brar, &  lhe  mandou  Brás  Garcia  Mascarenhas  por  fogo,  arrimando- 
Ihe  muita  lenha  seca,  que  se  achou  perto,  &  tanto  que  o  fogo  começou 
de  se  atear,  lançarão  os  de  dentro  bandeira  branca,  pola  janela,  pe- 
dindo quartel,  &  abrirão  a  porta. 

«Tanto  que  o  lume  foi  apagado  entrou  dentro  o  Alferez  Tigre, 
achou  todos  os  criados  na  sala.  Perguntados,  qual  delles  era  Dom 
Thomas  ?  Responderão  não  estaua  em.  casa.  Toda  se  reuolueo. 
Auia  aduertencia,  que  se  parecia  com  Dom  César  Lencabechia  seu 
primo,  que  com  elle  estaua.  Leuado  ao  Gouernador,  com  presunção 
de  que  fosse  Dom  Thomas,  por  três  vezes  lhe  pos  a  espada  na  Gar- 
ganta, pêra  que  o  declarasse.  Não  lhe  pode  tirar  mais,  que  dizer 
era  hum  homem  principal,  &  que  não  diria  mais,  posto  que  o  matasse. 
«O  Gouernador  o  mandou  por  a  bom  recado,  polo  modo  com  que 
o  ouuira  responder,  &  mandou  lhe  trouxessem,  os  q  fossem  daquella 
statura.     Acharão  quatro  que  maniatarão. 

«Buscada  bem  a  casa  auia  nella  armas,  baixela  de  prata,  caualos, 
&  muitas  cousas  de  preço,  &  em  nada  se  tocou,  sò  com  os  pes 
mandou  Eras  Garcia  Mascarenhas  pisar  a  prata.  Alguns  dirão,  não 
teue  isto  causa,  mas  eu  o  não  entendo  assi.  Mandou  lançar  bando 
pola  villa,  sobre  saber,  se  auia  que  de  algum  roubo  soldadesco  se 
queixasse :  não  ouue  quem.  E  posto  ouuera,  o  certo  he  que  com  tais 
hospedes  darião  tudo  por  empregado,  a  troco  de  jà  os  não  verem: 
com  tudo  o  Capitão  fez  o  que  deuia.  O  certo  he,  que  deu  esta  acção 
muito  que  notar  nos  Castelhanos,  acerca  de  qua  isento  se  mostraua 
o  General,  per  seus  otHciais,  na  cobiça  de  fazenda  do  inimigo.  O 
Capitão  o  deixou  assi  dito,  que  seu  General,  sò  mandaua  prender  a 
Dom  Thomas  sem  oftensa  daquella  uilla.  Tirou  da  prizão  o  Portu- 
guês, &  alguns  mercadores,  que  nella  estauão  detidos. 

«Descuberto  Dom  César,  primo  de  Dom  Thomas  de  Oria  offere- 
cia  no  caminho  dez  mil  cruzados  por  sua  soltura,  mas  não  lhe  apro- 
veitou; elle  depois  se  soube  aproueitar,  porque  vindo  preso  a  Lisboa 
se  tornou  pêra  Castela,  &  não  ouue  pêra  o  erário  resgate  algum»  *. 


'  Dk.  Salgado  de  Araújo,  op.  cit.,  fl.  1 18  e  s. 


Cap.  VI— Capitão  e  governador  sSt 

O  conde  de  Ericeira  explica  porque  não  houve  resgate,  e  completa 
a  notícia  assim : 

«Foy  remettido  a  Lisboa  (Dom  César  Leiícabechia),  e  teve  indús- 
tria pêra  fugir  da  prisão.  Brás  Garcia  Mascarenhas  fez  guardar  taõ 
pontualmente  aos  soldados  a  ordem  que  levava,  que  até  perdoarão  á 
prata  que  havia  em  casa  de  Dom  Thomás,  e  soltando  o  Paysano  pri- 
sioneiro, se  retirarão  para  Alfayates»  '. 


Não  levaram  a  bem  os  espanhóis  o  feito  de  Navas-Frias,  e  qui- 
seram tirar  desforço,  i  Mas  quê  ?  Houvera  acolá  apenas  uma  legi- 
tima desafronta,  dirigida  contra  a  pessoa  que  provocara  c  ofendera, 
procedendo  os  portugueses  com  isenção  e  nobreza  admiráveis,  nada 
saqueando,  a  ninguém  ofendendo ;  o  desforço  dos  espanhóis  consistiu 
em  passarem  a  raia  alguns  soldados  de  cavalaria  e  infantaria,  e, 
caindo  de  surpresa  sobre  uma  porção  de  gado  que  pastava  tranquila- 
mente próximo  de  Aldeia-da-Ponte,  roubarem-no.  Eram  cerca  de 
quinhentas  cabeças. 

Estava  então  nesta  aldeia  uma  pequena  força  de  cavalaria,  co- 
mandada por  Simão  de  Oliveira  da  Gama,  tenente  da  companhia  de 
Diogo  de  Tovar.  Saltou  logo  ao  caminho,  e  deu  caça  aos  espanhóis. 
Os  soldados  de  cavalaria  castelhanos  fizeram-lhe  frente,  e  começaram 
a  escaramuçar,  enquanto  os  de  infantaria  se  iam  escapando  com  o 
gado. 

Apenas  de  Aldeia-da-Ponte  viram  o  assalto,  fizeram  logo  sinais  a 
pedir  socorro,  que  foram  ouvidos  em  Alfaiates,  distante  uma  légua. 
Brás  Garcia  marchou  imediatamente  com  infantaria  para  o  local  donde 
se  pedia  socorro,  e  chegou  ainda  a  tempo  de  encontrar  a  cavalaria 
espanhola  a  escaramuçar  com  a  nossa;  mas,  apenas  os  castelhanos 
avistaram  o  reforço  de  infantaria  portuguesa,  puseram-se  logo  em 
íuga.  Não  havendo  possibilidade  de  os  alcançar,  o  nosso  governador 
quis  tirar  desforço,  indo  saquear  Genestosa,  logarejo  que  ficava  ali 
próximo;  não  poude  porem  fazê-lo,  porque  se  desencadeou  uma  tro- 
voada medonha,  que  obrigou  os  nossos  a  recolher-se  à  pressa  a  Al- 
faiates. 

O  insulto  não  podia  ficar  sem  resposta,  e  foi  Brás  Garcia  o  en- 
carregado pelo  general  de  a  dar  à  letra,  entrando  por  terras  de  Cas- 


^  D.  Luís  DE  Meneses,  Hist.  de  Port.  restaurado,  t.  1,  1.  iv,  pág.  28 


232  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

tela,  com  licença  aos  soldados  para  saquearem  o  que  encontrassem. 
Estava  o  nosso  capitão  para  fazer  a  entrada  na  fronteira  espanhola, 
três  dias  depois  do  assalto  a  Aldeia-da-Ponte,  quando  se  lhe  apre- 
senta um  castelhano  vindo  da  praça  de  Fuente-Guinaldo,  que  se  dizia 
emissário  do  duque  de  Alba.  o  qual  lhe  mandava  pedir  desculpa  do 
abuso  praticado  pelos  soldados,  restituir  todo  o  gado  roubado,  e  pagar 
qualquer  rez  que  faltasse. 

Contou-se  o  gado;  faltavam  três  cabeças,  que  foram  pagas  pon- 
tualmente. 

Brás  Garcia  recolheu  de  novo  a  Alfaiates,  donde  fez  aviso  do 
acontecido  ao  general,  que,  à  vista  de  tão  correcto  procedimento, 
deu  ordem  a  todos  os  governadores  da  fronteira,  que  não  consen- 
tissem que  se  fizesse  agravo  aos  castelhanos.  De  parte  a  parte  se 
estabeleceu  esta  praxe,  que  ficou  vigorando  por  algum  tempo:  quando 
dum  ou  doutro  reino  alguns  soldados  se  desmandassem,  indo  fazer 
pilhagem  ao  território  adverso,  os  governadores  das  respectivas  pra- 
ças mandavam  logo  restituir  integralmente  o  roubo. 

Assim  se  restabeleceu  a  quietação  anterior. 

A  19  de  setembro  foi  expedida  uma  carta  régia  ao  general  da 
Beira,  e  outras  iguais  aos  das  outras  fronteiras,  em  que  se  faziam 
recomendações,  que  perfeitamente  aprovavam  e  sancionavam  o  pro- 
cedimento havido  por  D.  Álvaro  com  os  espanhóis  *. 


Fora  D.  Álvaro  de  Abranches  atingido  pela  pata  dum  cavalo, 
desastre  que  lhe  ulcerou  uma  perna. 

Decorriam  os  dias,  e  o  aspecto  dos  tecidos  contundidos  não  me- 
lhorava. Os  médicos  receavam  que  a  aproximação  do  inverno,  que 
naquela  região  costuma  ser  muito  rigoroso,  exercesse  acção  nefasta 
sobre  o  doente,  e  aconselharam-no  a  retirar-se. 

Pediu  por  isso  a  el-rei  que  o  aliviasse  do  governo,  para  ir  tratar 
da  saúde,  o  que  êle  lhe  concedeu  por  carta  de  ^5  de  outubro  ^,  no- 
meando ao  mesmo  tempo  para  lhe  suceder  no  cargo  de  capitão-ge- 
neral  daquela  fronteira  a  P^ernão  Teles  de  Meneses,  que  havia  pres- 
tado grandes  serviços  na  revolução  restauradora,  e  era  do  conselho 
de  guerra ;  mas  como  este  não  podia  logo  assumir  o  cargo,  nem  a 
doença  de  D.  Álvaro  consentia  demoras,  foi   encarregado  o  tenente- 


•  Doc.XL.-^  Doe.  XLI. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  233 

general  João  de  Saldanha  de  Sousa  de  assumir  interinamente  o  go- 
verno das  armas. 

Foi  a  q  de  novembro  que  D.  Álvaro  de  Abranches  partiu  da 
Beira,  deixando  muito  gratas  e  saudosas  recordações  pelo  acerto 
com  que  governara  durante  nove  meses. 


Pouco  acidentado  decorreu  o  governo  de  João  de  Saldanha,  que 
durou  quási  quatro  meses. 

Corria  o  inverno,  que  naquele  ano  foi  rigorosíssimo ;  apesar 
disso,  o  governador  não  hibernou  em  ociosidade,  antes  desenvolveu 
uma  actividade  muito  notável  em  obter  meios  para  concluir  as  repa- 
rações urgentes  das  fortalezas,  cujos  estudos  e  desenhos  êle  mesmo 
fazia,  e  em  acudir  a  todos  os  cuidados  do  governo  com  grande  dili- 
gência e  circunspecção  '. 

Entre  os  elogios  que  os  escritores  da  época  tecem  a  este  gover- 
nador, destaco  o  seguinte,  que  recorto  do  livro  de  Salgado  de  Araújo, 
e  em  que  vai  uma  carapuça  talhada  para  várias  cabeças  então  muito 
em  evidência :  —  «Antecipouse  a  prudêcia  em  seu  gouerno  ao  que  os 
annos  podião  prometer,  porque  exercitou  o  cargo  com  muita  limpeza 
de  maõs,  caso,  q  custuma  algumas  vezes  manchar  muitas.  Nunca 
nesta  pureza,  &  limpeza  será  bem  encarecido  loão  de  Saldanha,  o  que 
ja  tinha  mostrado  na  caualeria,  q  elle  mesmo  leuantou,  &  assi  se  lhe 
deuem  muitos  encarecimentos,  particularméte  por  se  auer  nesta  forma 
em  tempos  tão  confusos,  &  manchados  deste  argumento,  que  posto 
andem  troncos  limpos,  não  ha  acabar  de  se  expurgarem  ramos»  ^. 

Até  então  mantivera-se  vago  o  cargo  de  mestre-de-campo.  Foi 
agora  provido,  certamente  a  contento  e  talvez  até  por  solicitações  e 
iniciativa  do  general  Fernão  Teles,  em  D.  Sancho  Manoel,  soldado 
valoroso  e  largamente  experimentado  nos  muitos  anos  que  militou  na 
Itália  e  em  P^landres,  e  ultimamente  no  Brasil  com  o  posto  de  sar- 
gento-mór.  A  sua  carta  patente  de  nomeação  tem  a  data  de  i3  de 
novembro  ^.  Pouco  antes  fora  êle  incumbido,  por  decreto  de  3o  de 
outubro,  de  organizar  em  Lisboa  uma  ou  duas  companhias,  com  os 


'  Doe.  XLIIl;  —  Dr.  Salgado  de  Araújo,  op.  cit.,  fl.  121  v."  e  ss.;  —  D.  Luís  de 
Meneses,  op.  cit.,  1. 1,  pág.  280. 

2  Op.  cit.,  fl.  121  v." 

3  Doe.  XLII. 


234  'Brás  Garcia  de  ãMascarenhas 

soldados  que  haviam  servido  no  Brasil  e  agora  andavam  desocupa- 
dos ;  mandara  dar  execução  a  este  decreto  a  carta  de  8  de  novembro, 
dirigida  pelo  secretário  do  conselho  de  guerra  António  Pereira  aos 
deputados  da  Junta  dos  três  Estados  '. 

D.  Sancho  ainda  se  conservava  em  Lisboa  a  2  de  janeiro  de  1642 -; 
mas  nos  fins  de  fevereiro  já  estava  a  ocupar  o  seu  posto  na  Beira'. 


Fernão  Teles  de  Meneses,  segundo  vimos,  foi  nomeado  capitão- 
general  do  exército  da  Beira  em  fins  de  outubro  de  1641.  Demo- 
rou-se  alguns  meses  em  Lisboa  a  solicitar  elementos  de  defesa  para 
o  seu  partido,  e  a  fazer  preparativos  para  o  bom  desempenho  do  seu 
cargo. 

É  assim  que,  por  decreto  de  5  de  novembro,  el-rei  manda  entregar 
ao  general  da  Beira  grande  porção  de  armas  e  munições,  e  expedir 
ordem  a  todos  os  artífices  que  podessem  fazer  armas  nos  lugares 
daquela  província,  que  fabriquem  armas,  cravinas,  pistolas,  mosquetes 
e  arcabuzes,  para  se  armar  a  cavalaria  e  bem  assim  os  habitantes  que 
disso  precisarem;  e  determina  também  que  se  forneçam  ao  mesmo 
general  seis  ou  sete  artilheiros  e  um  minador.  Este  decreto  foi  co- 
municado pelo  secretário  do  conselho  de  guerra  ao  tenente-general 
de  artilharia  Rui  Correia  Lucas,  em  carta  de  8  do  mesmo  mês  *. 

Ainda  no  referido  novembro  foi  designado  o  coronel  Sebastian 
Mahé,  senhor  de  Latouche,  para  ir  servir  à  Beira  com  os  seus  oficiais 
e  regimento  francês,  às  ordens  do  general  Fernão  Teles  ^. 

Como  João  de  Saldanha  representava  em  suas  cartas  a  neces- 
sidade urgente  que  havia  de  continuar  e  acabar  as  obras  de  fortifi- 
cação das  praças  fronteiriças,  a  carta  régia  de  7  de  fevereiro  de  1642 
anuncia  a  Fernão  Teles  a  missão  de  dois  engenheiros  estranjeiros  a 
inspeccionarem  as  fortificações  feitas  e  desenharem  as  que  houver  a 
fazer,  recomendando  que  se  executem  com  presteza  os  seus  projectos, 
e  que  haja  com  eles  a  bôa  correspondência  que  lhes  é  devida  ^. 


'  T.T. —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  t.  1,  fl.  117. 
-  T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  m.  2,  n.°  2. 
'  Dr.  Salgado  de  Araújo,  op.  cit.,  fl.  124. 
♦  T.T. —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  fl.  117  v.o. 

5  Christóvão  Aires  de  Magalhães  Sepúlveda,  História  do  exército  português, 
vol.  II,  pág.  204. 

6  Doe.  XLIV. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  235 

A  9  de  fevereiro  assina  el-rei  um  decreto  mandando  marchar 
dentro  de  três  dias  para  a  fronteira  o  coronel  Mahé,  pois  está  aviado 
de  dinheiro  bastante;  e  que  os  outros  coronéis  partam  dentro  de 
oito  dias,  provendo-lhe  a  Junta  dos  três  Estados  o  que  proveu  aos 
mais  •. 

Baixa  contra-ordem  em  data  de  i5  do  mesmo  mês,  mandando 
marchar  o  coronel  Mahé  para  o  Alentejo,  e  não  para  a  Beira  como 
estava  determinado^;  mas  não  teve  efeito  esta  contra-ordem,  sendo 
expedida  a  22  do  mês  referido  uma  provisão  régia  para  que  se  dê 
toda  a  bôa  passagem,  e  se  prestem  todos  os  auxílios  de  pousadas, 
camas  e  estrebarias,  de  mantimentos,  bestas,  carros,  carretas,  barcos, 
guias  e  tudo  o  mais,  de  Lisboa  até  à  Guarda,  ao  coronel  Sebastian 
de  Mahé  com  os  capitães  e  mais  oficiais  do  seu  regimento  francês,  e 
são  nomeados  os  seguintes :  Luis  de  Rithano  senhor  de  Santa  Cru\, 
João  Birneau  senhor  de  Rosam,  Jacques  Dumon  senhor  de  Grange, 
Nicolau  Romnigaud  senhor  de  Santa  Maria,  Dom  Luis  de  Mery, 
Matheus  Bolim,  Luis  de  Santienne,  Estiene  Perot  senhor  de  la  Cham- 
bre, Adrian  Vas,  Ajudantes,  Cappellão,  Prcuosle,  Trombeta,  Nicolao 
Charon  Sirurgião,  ferreiro,  selleiro  ■•. 

O  general  partiu  para  a  Beira  no  declinar  do  mês  de  fevereiro. 
Nos  primeiros  dias  de  março*  entrou  por  Lamego,  e  teve  ali  uma 
recepção  muito  ostentosa,  seguindo  depois  para  a  Guarda,  onde  já 
estava  o  mestre-de-campo  D.  Sancho  Manuel. 

Apenas  chegado  a  esta  cidade,  recebeu  logo  os  cumprimentos 
pessoais  de  todos  os  capitães  de  presídios  e  governadores  de  praças. 
«Sò.  o  Capitão  Brás  Garcia  Mascarenhas  (diz  Salgado  de  Araújo), 
q  gouernaua  as  armas  do  Castelo,  &  Villa  de  Alfayates,  não  acudiu 
a  este  empenho,  por  estar  aduertido,  que  o  Capitão  do  Castelo  de 
Aluergaria,  seu  uposito,  fazia  preparaçoens  de  guerra,  com  desenho 
de  entrar  em  Portugal,  por  aquelle  seu  destrito.  E  porque  húa  resi- 
dência, na  fortaleza  de  que  se  fez  Omenage,  he  tam  estreita,  que 
abona  por  de  vigilante,  &  prudente  Capitão  semelhantes  faltas,  o 
aprouou  assi  Fernão  Tellez  de  Meneses»  ^. 

O  aprovou  assi  Fernão  Telle^  de  Meneses,  diz  o  cronista ;  mas  na 


'  T.T.  —  Conselho  de  Guerra  —  Decretos,  m.  2,  n."  18.  — ^  Ibid.  n."  25. 
'  T.T.  ^ —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  1,  fl.  144  v.°. 
*  Dr.  Salgado  de  Araújo,  op.  cit.,  fl.  124;  —  D.  Luís  de  Meneses,  op.  cit., 
pág.  374. 

s  Op.  cit.,  fl.  124  V.". 


236  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

realidade  o  general  ficou  despeitado,  e  registou  o  facto  no  seu  ca- 
nhenho.  É  o  que  se  deve  lêr  nas  entrelinhas  do  escrito  do  dr.  Sal- 
gado. 

Com  estes  governadores,  que  o  foram  cumprimentar,  teve  Fernão 
Teles  larga  conversação,  informando-se  por  meúdo  do  estado  das 
praças  e  do  exército,  do  que  se  sabia  do  inimigo,  suas  forças  e  pre- 
venções, do  que  se  havia  feito  e  do  que  havia  a  fazer-se  para  defesa 
da  fronteira,  etc.  Colhidas  estas  informações,  escreve  o  general  para 
Lisboa  em  i  de  abril,  a  relatar  o  que  apurara,  e  nesse  relatório  fala 
em  especial  do  seu  mestre-de-campo  D.  Sancho  Manuel,  e  da  praça 
de  Alfaiates,  que  já  se  achava  fortificada,  e  em  boas  condições  de 
defesa  '. 

Parece  que  nas  informações  fornecidas  por  alguns  oficiais  a  Fer- 
não Teles  ia  um  pouco  de  critica  aos  governos  anteriores,  deprimin- 
do-se  o  que  até  ali  se  fizera,  para  lisonjear  o  sol  que  agora  despon- 
tava no  orizonte.  Salgado  de  Araújo,  que  sistematicamente  se  abstêm 
de  dizer  mal,  empregando  eufemismos  e  frases  sibilinas  através  das 
quais  mal  deixa  entrever  ou  adivinhar  a  censura,  reservada  no  fundo 
da  sua  consciência,  induz-me  a  supor  o  exposto,  que,  de  resto,  é 
muito  humano.  Diz  êle,  ao  dar  conta  das  visitas  e  aplausos  dos 
capitães  e  governadores  ao  novo  general,  que  isso  sucedeu  «na  forma 
do  comú  vso,  de  q  trata  Marco  TuUio,  q  he  esquecerense  os  homés 
de  ministros  que  téli  bem  os  gouernassem,  assi  como  se  nunca  os 
conhecerão,  e  adular  os  que  de  nouo  entrem,  té  que  venhão  outros, 
per  que  a  estes  suceda  o  mesmo».  E  acrescenta  candidamente:  — 
«Não  quero  dizer,  que  de  D.  Álvaro  ficasse  na  Beira  falta  de  lem- 
branças: nem  tam  pouco  de  Fernão  Telles  de  Meneses,  quando  deixou 
o  gouerno,  mas  encarecer  o  gosto,  &  aplauso  com  q  de  todos  foi 
recebido^». 

l  Querem-no  mais  claro  ?  —  Sic  iialeas,  ut  farina  es. 

Fernão  Teles  teve  a  fraqueza  de  dar  ensejo  e  permitir  a  alguns 
dos  seus  oficiais,  logo  nesta  primeira  visita,  que  fizessem  insinuações 
menos  amáveis  à  orientação  e  actos  dos  seus  predecessores  no  go- 
verno. Vinha  disposto  a  desmanchar  o  que  eles  haviam  feito,  a 
deprimir  os  que  eles  tinham  considerado  e  exalçado.  E  assim  que 
reputamos  ser  outra  bisca,  jogada  pelo  mesmo  autor  ao  procedimento 


i  x.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n."  160. 
-  Op.  cit.,  fl.  124. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  2^7 

de  Fernão  Teles,  o  que  êle  diz  ao  apreciar  o  governo  de  João  de 
Saldanha,  nos  termos  seguintes: — «E  sendo  próprio  de  alguns  minis- 
tros, que  de  nouo  entrão  em  praças,  mudar,  &  alterar  do  disposto 
no  governo  precedente,  talvez  contra  razão  (porque  se  a  ha  fica  sendo 
obra  de  merecimento)  João  de  Saldanha  de  Sousa  nenhuma  das 
cousas,  que  o  General  Dom  Aluaro  de  Abranches  da  Gamara  deixou 
dispostas,  alterou,  antes  foi  acrecentando  os  homens  de  méritos,  a 
quem  D.  Aluaro  começara  leuantar,  &  cõ  razão,  porque  prémios  a 
gente  ouciosa,  conuerte  o  gouerno  em  Despótico,  &  se  he  em  tempo 
de  guerra,  he  grande  dano»  '. 


Poucos  dias  eram  decorridos  depois  da  vinda  do  novo  general,  e 
eis  que  uns  soldados  da  praça  de  Albergaria  fizeram  uma  pilhagem 
de  pouca  importância  próximo  de  Aldeia-da-Ponte. 

Brás  Garcia,  segundo  o  estilo  assente  desde  o  tempo  de  D.  Álvaro 
de  Abranches,  enviou  um  portador  com  carta  sua  a  D.  Francisco  de 
Eraso,  governador  daquela  praça,  comunicando-lhe  o  facto,  a  fim  de 
serem  castigados  os  soldados,  e  o  roubo  restituído.  Era  a  repetição 
do  que  se  tinha  feito  em  casos  semelhantes. 

Mas,  comenta  com  seus  eufemismos  enigmáticos  Salgado  de 
Araiijo,  «era  já  outro  o  General,  &  como  mudãças  de  gouernos 
custumão  introduzir  alteração,  &  nouidades,  também  aqui  derão  a 
isto  alcance»  ^.  Quer  isto  dizer  que  Fernão  Teles,  ao  levarem-lhe  a 
noticia,  acrescentou  na  folha  do  seu  canhenho  referente  a  Brás  Gar- 
cia :  —  Mantétn  correspondência  clandestina  com  o  governador  do 
fronteiro  castelo  inimigo.  Este  apontamento  foi  corroborado  poste- 
riormente, por  outras  notícias,  que  iam  chegando,  de  assídua  corre- 
spondência entre  os  dois  governadores  de  praças. 

O  governador  castelhano  respondeu  à  primeira  carta  de  Brás  que 
faria  diligência  '.  A  diligência  prometida  cifra-se  em  três  dias  depois 
entrarem  pela  nossa  fronteira  alguns  cavalarias  espanhóis,  e  arreba- 
tarem uns  carneiros  que  andavam  a  pastar. 

Nova  carta  do  governador   de  Alfaiates   para  o  de   Albergaria, 


•  Dr.  Salgado  de  Araújo,  op.  cit ,  fl.  121  v.°  e  s. 

2  Ibid.  fl.  124  V.». 

3  Ibid 


238  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

queixando-se  em  termos  mais  veementes.  Responde-lhe  D.  Francisco 
em  frases  insolentes  e  cheias  de  arrogância,  como  quem  queria  de- 
terminar o  rompimento  de  hostilidades.  Começava  a  avolumar-se  a 
gravidade  do  caso,  especialmente  com  as  informações  que  chegavam, 
de  que  no  castelo  de  Albergaria  se  iam  concentrando  tropas,  e  que 
várias  outras  prevenções  bélicas  lá  se  faziam. 

Brás  Garcia  dá  parte  de  tudo  ao  general,  sem  que  se  interrompa 
a  troca  de  cartas  e  recados,  que  iriam  crescendo  em  acrimónia. 
Quando  o  nosso  capitão  esperava  que  lhe  viesse  ordem  para  ir  à 
mão  armada  exigir  as  satisfações,  que  lhe  eram  recusadas,  recebe 
com  grande  surpresa  instruções  para  dissimular  os  agravos  passados, 
que  o  general  diz  serem  sem  importância,  e  para  estar  prevenido,  a 
fim  de  tomar  satisfação  logo  que  houvesse  causa  mais  ponderosa. 

;  Que  significava  este  procedimento  de  Fernão  Teles,  que  parece 
desmentir  o  brio  pundonoroso  e  assomadiço  que  lhe  estava  na  índole, 
e  de  que  deu  várias  provas  ?  Tal  procedimento  tem,  a  meu  ver, 
uma  única  explicação,  que  não  seja  desonrosa  para  o  general.  E 
que  já  se  lhe  tinha  radicado  no  espírito  a  suspeita  de  que  Brás  Garcia 
era  um  vil  traidor,  que  mantinha  inteligências  com  o  inimigo,  e  lhe 
queria  dar  entrada  entregando-lhe  o  castelo  que  governava.  Esta 
acusação  formal  e  precisa,  que  èle  lhe  faz  em  documento  oficial 
poucos  meses  depois,  já  a  esse  tempo  existia  latente  no  espírito  do 
general. 

Fernão  Teles  estava  desde  o  princípio  mal  disposto  contra  Brás 
Garcia,  em  quem  não  depositava  confiança.  Tendo  denúncia  da  cor- 
respondência trocada  com  o  governador  de  Albergaria,  clandestina- 
mente segundo  êle  supunha,  viu  nela  um  indício  claro,  senão  uma 
prova  de  traição,  e  desde  esse  momento  assentou  para  si  que  Brás 
era  traidor. 

Quando  o  governador  de  Alfaiates  lhe  comunicou  os  agravos  re- 
cebidos do  castelhano,  longe  de  vêr  nessa  narrativa  a  explicação 
natural  e  sincera  da  correspondência,  considerou  tudo  um  embuste,  e 
o  começo  da  execução  do  plano  de  entrega.  Brás  queria  desguar- 
necer Alfaiates  a  pretexto  de  ir  castigar  Albergaria;  entretanto  viriam 
os  castelhanos,  e  sem  resistência  se  apossariam  da  fortaleza  desguar- 
necida. Daqui  a  resposta  dissimulada  que  deu,  formando  desde  então 
o  propósito  de  fazer  vigiar  de  perto  o  capitão  Brás  Garcia,  até  obter 
provas  materiais  da  sua  traição.  Factos  posteriores  confirmam  esta 
minha  suposição,  que  me  parece  bem  fundamentada. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  23g 


Conta-nos  Brás  Garcia  um  episódio,  em  que  foram  protagonistas 
sete  soldados  seus,  sucedido  numa  das  escaramuças  entre  espanhóis 
e  portugueses,  perto  da  raia. 

Seja  o  poeta  que  narre  o  caso  • : 

Inda  os  há  tais  não  menos  resolutos, 
Tanto  dignos,  &  mais  de  serem  cridos : 
Sete  soldados  meus,  entre  outros  mutos, 
De  Espeia*  se  volvião  rebatidos. 
Solicitando  as  brenhas  como  astutos 
Retirando  se  vinhão  divididos 
Das  Tropas  Castelhanas,  que  os  seguião, 
Por  ver  se  em  campo  raso  os  opprimiaõ. 

Os  sete,  que  eram  todos  Mosqueteiros, 
Sendo  de  duas  Tropas  rodeados. 
Em  campo  raso  vnindo-se  guerreyros, 
O  quartel  engeytaram  de  alentados. 
Marchando,  &  mosqueteando  aos  cavalleyros, 
Tanto  assegurão  tiros  alternados, 
Que  os  deyxam  livres  ir  os  Inimigos, 
Tanto  a  resoluçam  vai  nos  perigos  !  '. 


Entretanto  iam  aumentando  um  audácia  os  espanhóis. 

Apenas  decorridos  quatro  dias  sobre  o  roubo  dos  carneiros,  que 
deixamos  narrado,  atravessa  a  raia  uma  força  de  quarenta  cavalos 
junto  de  Forcalhos,  rapinando  alguns  bois.  Como  da  aldeia  houvesse 
sinais  a  pedir  socorro,  Brás  Garcia  corre  lá,  mas  não  chega  a  tempo; 
passa  a  raia,  segue  no  encalce  dos  castelhanos,  que  haviam  tido 
tempo  de  se  colocar  em  seguro,  recolhendo-se  com  os  bois  ao  castelo 
de  Albergaria.  Encontrando  porem  algum  gado  a  pastar,  o  capitão 
Brás  apreende-o;  mas  sae-lhe  do  castelo  uma  força  de  cavalaria 
comandada   por   um  alferes,  que  êle  desbarata  pondo  a  maior  parte 


'    V.    T.  XII,    22-23. 

2  Espeja  é  uma  povoação  na  fronteira  espanhola,  a  E.-S.-E.  de  Fuentes. 
'  Traz  a  i.'  ed.  do  V.  T.  perigrinos,  manifesto  erro  tipográfico,  que  se  man- 
teve na  2."  edição. 


240  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

dos  soldados  em  debandada,  e  recolhe  a  Alfaiates  com  o  gado,  tra- 
zendo prisioneiros  nove  soldados  e  o  alferes  comandante. 

Este  procedimento  de  Brás  Garcia  era  de  molde  a  desfazer  todas 
as  suspeitas  que  contra  êle  se  haviam  avolumado,  e  a  reabilitá-lo  no 
conceito  do  general.  Parece  que  realmente  as  suspeitas  se  desvane- 
ceram um  pouco,  pois  vamos  encontrar  Fernão  Teles,  dias  depois, 
a  pedir-lhe  o  voto  em  conselho  de  guerra ;  mas  esse  voto  não  é  se- 
guido, apesar  de  ser  o  mais  autorizado  de  todos,  e  daqui  em  deante 
vemos  sempre  afastado  e  posto  de  banda  sistematicamente  o  gover- 
nador de  Alfaiates,  todas  as  vezes  que  era  necessário  vibrar  algum 
golpe  contra  os  castelhanos. 


Era  indispensável  castigar  tanta  audácia  dos  soldados  de  Cas 
tela.  Chegavam  além  disso  avisos  de  que  o  inimigo  continuava  a 
juntar  gente  na  fronteira,  e  projectava  uma  incursão  para  muito 
breve. 

Fernão  Teles  toma  então  as  suas  precauções. 

Sabendo  que  Brás  Garcia  tinha  ido  explorar  os  três  castelos  es- 
panhóis em  tempo  de  D.  Álvaro,  manda-o  chamar  e  tem  com  êle 
uma  conferência,  em  que  se  informa  por  meúdo  do  assunto. 

Destaca  da  Guarda  o  tenente-general  da  cavalaria  João  de  Sal- 
danha com  uma  força  de  loo  cavalos  para  Alfaiates,  e  o  mestre-de- 
campo  D.  Sancho  Manuel  com  parte  do  seu  terço  de  infantaria  para 
Castelo-Bom ;  nessas  duas  fortalezas  ficam  de  prevenção,  para  acu- 
direm a  onde  quer  que  seja  necessário. 

Isto  sucedia  na  quaresma  de  1642. 

João  de  Saldanha  foi  encontrar  o  governador  de  Alfaiates  perfei- 
tamente a  par  do  que  se  passava  do  lado  de  alem  da  raia,  mercê  do 
excelente  serviço  de  espionagem  que  continuava  a  ter  montado;  mas 
D.  Sancho  Manuel,  sem  informações  dignas  de  crédito,  enviou  sol- 
dados que  fossem  à  fronteira  espanhola,  e  prendessem  alguns  caste- 
lhanos para  deles  saber  o  que  havia,  podendo  de  caminho  saquear  o 
que  achassem  a  jeito.  Foram,  e  voltaram  com  três  prisioneiros,  e 
com  quarenta  bois. 

Não  se  fez  esperar  a  resposta. 

O  inimigo  sai  logo  de  Albergaria,  cai  sobre  a  povoação  de  For- 
calhos  que  é  saqueada,  e  leva  para  Espanha  muita  gente  presa. 

Fizeram-se  avisos  ao  mestre-de-campo  e  ao  tenente-general,   que 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  241 

acodem  prontamente.  João  de  Saldanha  com  a  sua  cavalaria,  vindo 
ali  de  perto,  chega  logo,  e  marcha  até  à  vista  do  castelo  de  Alber- 
garia em  perseguição  dos  espanhóis,  sem  os  poder  alcançar ;  já  es- 
tavam recolhidos  com  a  presa. 

Calcule-se  o  furor  dos  nossos  oficiais  e  soldados,  tendo  de  reco- 
nhecer a  sua  impotência  ante  as  muralhas  da  praça  I 

l  Que  fazer  agora  ?  Voltar  costas  e  retirar,  ouvindo  os  chascos 
e  injúrias  que  o  inimigo  lhes  dirige  de  trás  das  ameias  ?  j  Ver- 
gonha ! 

—  Ha  aqui  perto  um  lugar  bastante  rico,  Casillas,  no  qual  nos 
podemos  desforçar,  informa  o  capitão  Diogo  de  Afonseca  Coutinho, 
muito  conhecedor  daqueles  sítios. 

João  de  Saldanha  mete  a  mão  no  seio  e  tira  uma  planta  corográ- 
fica  da  região.  Não  há  dúvida,  lá  está  Casillas,  a  uma  légua  para 
Sueste. 

Manda  imediatamente  marchar  sobre  aquela  povoação  o  capitão 
Diogo  de  Tovar  com  a  sua  cavalaria,  indo  na  vanguarda  Diogo  de 
Afonseca  Coutinho  a  descobrir  campo  e  guiar.  O  tenente-general 
fica  ali,  com  o  resto  da  torça,  a  fim  de  cortar  o  passo  aos  de  Alber- 
garia, se  quiserem  sair  a  socorrer  Casillas. 

De  Albergaria  ninguém  se  atreveu  a  sair.  Os  nossos  tomaram 
Casillas  sem  resistência.  Chegou  nesta  altura  D.  Sancho  Manuel,  que 
vinha  de  Castelo-Bom  com  a  infantaria  em  socorro.  O  logar  foi  sa- 
queado e  queimado,  ficando  tudo  em  ruínas,  e  muita  gente  prisioneira. 
O  saque  foi  abundante  e  rico,  sendo  tudo  transportado  para  Alfaiates. 

Ao  ter  conhecimento  do  ocorrido,  o  general  Fernão  Teles  deu 
ordem  para  que  se  conservasse  em  depósito  todo  o  despojo  trazido, 
até  ver  se  o  inimigo  solicitava  nova  concórdia,  em  que  se  fizessem 
restituições  e  se  soltassem  os  prisioneiros  duma  e  outra  parte. 

Apareceu  efectivamente  no  dia  seguinte  um  bolatim  do  duque  de 
Alba,  a  afirmar  em  nome  deste  que  as  entradas,  que  se  haviam  feito 
na  fronteira  portuguesa,  eram  simples  desmandos  dos  soldados,  não 
autorizados  superiormente,  e  a  propor  a  restituição  mútua  do  sa- 
queado e  a  soltura  dos  presos,  com  a  garantia  de  que  não  se  repeti- 
riam mais  semelhantes  perturbações. 

Fernão  Teles  concordou,  e  assim  mandou  que  se  fizesse. 

Quem  executou  a  ordem  do  general  foi,  como  era  natural,  o  go- 
vernador de  Alfaiates,  Brás  Garcia  de  Mascarenhas.  Mandou  soltar 
os  presos  e  entregar  o  gado  e  mais  despojos  depositados  na  sua 
praça.  Assistiu  êle  mesmo  em  pessoa  a  esta  entrega,  e  nessa  oca- 
16 


242  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

sião  disse  aos  espanhóis  que  se  restituía  tudo  o  que  os  soldados  ou 
paisanos  roubassem  em  assaltos;  mas  que  tal  se  não  faria  se  alguma 
cousa  se  tomasse  em  guerra  perfeita,  com  bandeiras  despregadas  ou 
campo  formado.  Se  porventura  eles  castelhanos  pudessem  nestas 
condições  vir-lhe  conquistar  a  sua  praça  de  Alfaiates,  que  o  fizessem, 
pois  muito  bem  tomada  era ;  e  que  êle,  podendo,  procederia  da  mesma 
forma  com  as  praças  de  Espanha. 

Foi  apenas  um  lugar  comum  que  o  capitão  Brás  enunciou;  entre- 
tanto as  suas  palavras  foram  estranhadas,  repetidas  com  ampliações, 
e  certamente  desfiguradas.  Salgado  de  Aratijo  *  entendeu  que  devia 
registá-las  no  seu  livro,  provavelmente  para  as  reduzir  à  sua  expres- 
são verdadeira.  ,:  Como  chegaram,  elas  aos  ouvidos  de  Fernão  Teles  ? 
l  Não  haveria  quem  lhe  dissesse  que  ouvira  o  capitão  combinar  com 
os  espanhóis  que  lhes  entregaria  a  praça,  logo  que  viessem  sobre  ela  ? 
Afigura-se-me  estar  neste  episódio  o  principal  fundamento  da  acusa- 
ção gravíssima,  que  pouco  depois  vemos  formulada  oficialmente  contra 
Brás  Garcia  pelo  próprio  general  em  seu  relatório  -. 


Decorridos  poucos  dias  sobre  estes  acontecimentos,  deu-se  um 
novo  assalto  de  espanhóis  vindos  de  Valverde,  do  castelo  de  Eljas  e 
de  S.  Martinho  de  Trebejo.  Passaram  a  portela  chamada  piierto  de 
San  Martin  e  caíram  sobre  Foios,  cerca  de  duas  léguas  desviado  de 
Alfaiates  para  Sul.     Levaram  dali  perto  de  mil  cabeças  de  gado. 

Era  o  rompimento  manifesto  do  contrato  feito  em  nome  do  duque 
de  Alba. 

Mandou  logo  o  governador  de  Albergaria  desculpar-se :  —  Que 
tanto  êle  como  toda  a  gente  subordinada  ao  duque  de  Alba  fora  es- 
tranha àquele  assalto,  feito  por  soldados  do  exército  comandado  pelo 
governador  da  praça  e  distrito  de  Badajoz.  Tal  desculpa  não  colhia, 
pois  S.  Martinho,  por  onde  eles  passaram  para  entrar  em  Portugal, 
era  da  jurisdição  do  duque  de  Alba,  que  lá  tinha  autoridades  suas, 
que  podiam  e  deviam  impedir  a  passagem. 

Brás  Garcia  escreveu  logo  para  a  Guarda  a  participar  ao  general 
o  ocorrido.  Respondeu-lhe  dizendo  que  na  segunda  feira  da  pró- 
xima semana  iria  pernoitar  a  Alfaiates,  e  então  conversariam. 


'  Op.  cit.,  fl. 
2  Doe.  XLVI. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  243 

Conservava-se  ainda  em  Alfaiates  o  tenente-general  João  de  Sal- 
danha; tinha  lá  a  sua  companhia,  as  dos  capitães  Cristóvão  de  Men- 
donça e  Diogo  de  Tovar,  e  ainda  o  regimento  de  franceses  do  coronel 
Mahé.  Era  uma  concentraçãu  de  tropas  ordenada  por  Fernão  Teles, 
sem  dizer  com  que  fim.  Por  ordem  do  general  marchou  também 
para  Nave,  légua  e  meia  a  Noroeste  de  Alfaiates,  o  mestre-de-campo 
D.  Sancho  Manuel  com  umas  companhias  de  infantaria,  na  força  de 
Soo  soldados. 

Na  tarde  do  dia  marcado,  segunda  feira  da  semana  santa,  14  de 
abril,  chega  Fernão  Teles  a  Alfaiates,  e  na  mesma  tarde,  cumprindo 
as  instruções,  recebidas,  comparece  também  ali  D.  Sancho  Manuel, 
tendo  deixado  a  sua  tropa  em  Nave. 

O  general  chama  logo  a  conselho  o  mestre-de-campo,  o  tenente- 
general,  o  coronel  Mahé  e  o  governador  da  praça,  e  declara-lhes  que, 
em  face  dos  últimos  acontecimentos,  está  resolvido  a  não  dissimular 
por  mais  tempo,  e  a  entrar  imediatamente  em  Castela ;  pede  porém 
conselho  sobre  o  melhor  modo  de  levar  a  efeito  esta  resolução. 

Falou  primeiro  o  capitão  governador  Brás  Garcia  de  Mascarenhas, 
sendo  de  opinião  que  se  dividisse  a  tropa  em  três  corpos,  e  se  fizes- 
sem três  entradas  simultâneas,  tomando  ao  mesmo  tempo  os  três  cas- 
telos que  tanto  afrontavam  a  região:  —  Albergaria,  El  Payo  e  Eljas. 
Pareceria  empresa  arriscada,  dizia  êle,  mas  não  o  era.  Tinha  infor- 
mações seguras  de  que  neste  momento  estavam  mal  guarnecidos,  e 
de  que  havia  lá  muito  descuido.  Ele  conhecia-lhes  bem  os  fracos,  e 
subministraria  o  plano  de  ataque  de  cada  um,  podendo  assegurar  que, 
se  houvesse  segredo,  habilidade  e  audácia,  eram  três  golpes  certíssi- 
mos, sendo  os  castelos  tomados 

por  sopresa. 

Que  hè  das  empresas  a  melhor  empresa  '. 

Para  se  realizar  este  plano  não  era  necessário,  nem  convinha,  um 
grande  e.xército,  que  mal  poderia  manobrar:  três  medíocres  corpos 
de  bons  soldados,  era  quanto  bastava,  pois 


Dos  medíocres  destros,  &  animosos 
Sam  pequenos,  &  grandes  destroçados; 
Não  vencem  miivtas  mãos  com  mais  prestcz.n, 
Vence  o  valor,  a  astúcia,  &  a  destreza-. 


«  V.  r.  IV,  53.-2  V.  T.  XIX,  iS. 


244  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

E  concluiria  a  sua  fala  com  um  remate  semelhante  àquele  que  em 
seu  poema  pôs  na  boca  de  Briseo,  emitindo  também  parecer  em  um 
conselho  de  guerra: 


Favorece  a  fortuna  aos  atrevidos, 
Se  ousados  investirmos,  venceremos. 
Este  he  meu  parecer;  &  se  hà  quem  diga 
Outro  mais  importante,  esse  se  siga  '. 


Foi  unanimemente  rejeitado  por  temerário  tal  parecer. 

Brás  mordeu  despeitado  o  bigode.  ;  Ele  que  tinha  absoluta  certeza 
da  exactidão  do  que  dizia,  ele  que  era  o  línico  naquele"  conselho  que 
conhecia  perfeitamente  o  assunto,  pelos  elementos  excepcionalíssimos 
de  que  estava  de  posse,  êle  que  via  claramente  o  grande  alcance  que 
teria  a  adopção  do  seu  plano,  ser  assim  posto  de  parte  como  leviano, 
como  temerário  !     ;  Não  devia,  não  podia  ser  ! 

Insiste  pois,  transigindo  em  parte.  Já  que  receavam  atacar  si 
multâneamente  os  três  castelos  principais  daquela  raia,  ao  menos  se 
acometessem  ao  mesmo  tempo  o  castelo  importante  de  Eljas,  o  infe- 
rior de  Trebejo,  e  a  vila  de  S.  Martinho  de  Trebejo.  Nesta  empresa 
o  mais  difícil  era  tomar  o  castelo  de  Eljas ;  pois  bem,  deixassem-no 
a  êle  ir  só  com  a  sua  companhia,  e  responsabilizava-se  por  entrar 
no  castelo,  que  conhecia  como  as  suas  mãos,  e  assenhorear-se  hia 
dele. 

Era  tal  o  tom  de  convicção  e  sinceridade  que  punha  nas  suas 
palavras,  que  o  general  sentiu-se  dominado,  e  pondo  de  parte  a  anti- 
patia e  desconfiança  que  tinha  a  respeito  de  Brás,  deu  mostras  de 
concordar;  mas  os  oficiais  do  conselho  mais  uma  vez  rejeitaram  o 
voto  do  capitão. 

Prevaleceu  o  parecer  do  coronel  Mahé,  com  o  qual  concordaram 
D.  Sancho  Manuel  e  João  de  Saldanha:  —  Que  era  perigoso  dividir 
as  forças,  especialmente  neste  primeiro  ataque  em  forma.  Bastaria, 
para  desafronta  das  ofensas  recebidas  do  inimigo,  e  para  fazer  entrar 
este  na  linha  de  respeito,  ir  tomar  o  castelo  e  vila  de  Eljas  ^. 


1  V.  T.  IV,  55. 

*  Não  deixa  de  ser  interessante  sabermos  qual  era  o  feitio  e  envergadura  moral 
deste  coronel  francês,  cujo  parecer  foi  unanimemente  preferido  ao  de  Brás  Garcia 
de  Mascarenhas  no  conselho  de  guerra  que,  sob  a  presidência  do  capitão-general 
Fernão  Teles  de  Meneses,  funcionou  na  praça  de  Alfaiates  a  14  de  abril  de  1642. 

Não  nos  socorreremos  de  testemunho  suspeito.    Vejamos  o  que  a  20  de  ou- 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  24S 

Por  fim,  e  depois  de  larga  discussão,  assentou-se  nisto:  —  O  ge- 
neral partiria  de  Alfaiates  para  Valverde,  que  certamente  se  entre- 
garia sem  grande  resistência,  e  em  seguida  avançaria  a  atacar  Eljas; 
o  mestre-de-campo,  saindo  de  Nave,  iria  logo  directamente  a  Eljas, 
onde  se  juntaria  ao  general  para  o  ataque  ao  castelo. 

l  E  Brás  Garcia  ?  Esse  ficaria  em  Alfaiates,  vinculado  ao  seu 
posto  de  governador  da  praça,  como  o  papagaio  preso  ao  estaleiro ; 
mas  a  sua  companhia,  a  afamada  companhia  dos  leões,  iria  na  expe- 
dição comandada  pelo  seu  alferes,  j  Calcule-se  a  contrariedade  e 
aborrecimento  do  nosso  capitão,  vendo  partir  os  outros,  e  sendo  obri- 
gado a  ficar,  como  se  já  pertencesse  à  classe  dos  inactivos  ! 

Até  aqui,  para  servir,  para  trabalhar,  para  dar  informações,  foi 
sempre  admitido  e  ocupado;  ;  agora,  para  colher  as  honras  e  saborear 
o  fruto  já  sazonado,  arredam-no  como  inútil !  Razão  pois  teve  o 
poeta  quando,  mais  tarde,  rememorando  este  enorme  desgosto  por  que 
o  fizeram  passar,  compara  a  sua  sorte  à  do  zangão,  que  as  abelhas 
admitem  na  colmeia  enquanto  dele  precisam,  mas  depois,  quando  se 
trata  de  saborear  o  mel,  o  põem  fora  •. 


Quanto  ao  itinerário  da  expedição,  havia  dúvidas  sérias,  e  o  caso 
era  dificultoso. 

O  terreno  não  podia  ser  mais  áspero  e  acidentado,  tendo  de  se 
vencer   a  barreira  natural  dos  contrafortes  da  serra  de   Gata,  que 


tubro  deste  mesmo  ano  informava  Lanier,  representante  de  França  em  Lisboa,  em 
carta  dirigida  ao  seu  governo : 

—  «Je  vous  enuoye  aussy  la  relation  de  ce  que  s'est  passe  en  leur  dernière 
occasion  ou  le  dit  Popiliniere  commandait  la  cau"e  Mr.  Mahé  estan  isy  depuis  trois 
(ans?)  a  mener  la  plus  infame  vye  du  monde,  et  après  auoír  este  payé  de  tout 
cr  que  luy  estoít  debu,  a  demande  son  congé  qu'on  luy  a  três  voUontiers  accordé, 
son  gfíal  fernando  Telles  ayant  mande  comme  il  n'estoit  d'aulcun  service.  Sa 
mate  Tauvoit  considere  au  commencement  comme  parment  envoyé  par  S.  E.  du 
quil  il  se  disait  fauory  et  pour  donner  conseil  aux  aff.s  plus  importants  de  la  guerre. 
Mr  le  Marquis  le  Brezé  pensa  le  renuoyer  en  France  dans  ung  brulost  pour  les 
desordres  quil  fist  dans  la  mayson  du  Roy  avec  ung  nombre  de  filoux  au  commen- 
cement quil  en  arriva  isy.  11  ne  promet  rien  moins  que  de  ruyner  les  affr.s  de  cet 
estat  par  le  descry  qu'il  en  donnera  par  de  la».  —  (Arquivos  do  Ministério  dos  Estran- 
jeiros  de  Paris,  Correspondance  de  Portugal,  vol.  i,  fl.  1O4,  apud  História  do  exér- 
cito português,  por  Cristóvão  Ayres,  vol.  11,  pág.  204). 
»  V.  T.  XIV,  86. 


246  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

estendem  o  seu  espinhaço,  cortando  as  comunfcações  entre  a  bacia  do 
rio  Côa,  donde  partia  a  expedição,  e  a  do  rio  Elgas,  para  onde  se 
dirigia. 

Há  dois  portos  (puertos  lhe  chamam  ainda  hoje  os  espanhóis, 
portelas  dizemos  nós  usualmente  em  linguagem  moderna),  por  onde 
melhor  se  pode  vencer  a  dificuldade  da  passagem:  o  de  S.  Martinho 
e  o  de  Santa  Clara.  Brás  Garcia  aconselhava  que  tanto  o  general 
como  o  mestre-de-campo  seguissem  pelo  de  Santa  Clara,  que  era 
melhor  caminho,  embora  mais  longo ;  mas  havia  conselhos  diver- 
gentes. Quis  D.  Sancho  reconhecer  primeiro  o  território,  e  convidou 
o  capitão  a  ir-lho  mostrar  dum  alto.  Foram,  e  o  mestre-de-campo 
voltou  satisfeito,  porque  a  sua  infantaria  por  aquele  caminho  poderia 
marchar  ordenadamente,  e  debaixo  de  forma. 

Ao  regressarem  a  Alfaiates  desta  pequena  viagem  exploratória, 
encontraram  lá  espias,  que  vinham  avisar  o  governador  de  que  actual- 
mente o  castelo  de  Eljas  estava  desguarnecido  pela  saída  de  tropa, 
havendo  dentro  dele,  de  hoje  para  amanhã,  apenas  quatro  soldados  e 
um  rebanho  de  cabras.  Era  pois  necessário  aproveitar  a  ocasião,  e 
cair  sobre  esta  fortaleza  na  próxima  noite,  sem  falta. 

Em  face  desta  informação  resolveu-se  que  D.  Sancho  recolhesse 
a  Nave,  e  concertasse  a  sua  tropa  para  partir  esta  mesma  tarde, 
seguindo  pelos  atalhos  apesar  da  extrema  dificuldade  e  aspereza  da 
serra,  por  forma  que  surpreendesse  o  castelo  antes  de   amanhecer. 

O  mestre  de  campo  corre  pois  a  Nave  do  Sabugal,  manda  pre- 
parar as  tropas,  e  depois  de  as  ter  formadas  faz-lhes  uma  alocução 
patriótica,  e  dá  voz  de  marcha. 


Eram  cinco  horas  da  tarde  do  dia  i5  de  abril,  terça  feira  da  se- 
mana santa,  quando  partiram. 

Contava-se  com  uma  noite  bela  e  clara,  por  haver  sido  a  lua  cheia 
dois  dias  antes;  mas  formaram-se  densas  nuvens  de  trovoada,  que 
toldaram  o  ceu,  e  dificultaram  mais  a  marcha  *.     Houve  lugares  onde 


1  Labora  num  equívoco  o  Dr.  Salgado  de  Araújo  ao  falar-nos  da  lerribilidade 
em  escuridão  da  noite  (Op.  cit.,  fl.  i3i).  Embora  as  nuvens  se  acastelassem  densas, 
como  era  ocasião  de  lua  cheia,  facto  desconhecido  do  cronista,  a  escuridão  deveria 
ter  atenuada  a  sua  terribilidade.  Entretanto  a  dificuldade  da  marcha  não  podia 
deixar  de  ser  enorme,  pela  natureza  do  terreno. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  24^ 

os  soldados  tiveram  de  desfilar  a  um  de  fundo,  dando-se  as  mãos  uns 
aos  outros.  Entretanto  o  conhecimento  dos  guias  experimentados 
que  levavam,  e  a  coragem  e  entusiasmo  dos  oficiais  e  soldados,  ven- 
ceram todas  as  dificuldades. 

Chegaram  a  Eljas  ainda  antes  de  ter  chegado  a  Valverde  o  ge- 
neral, que  partira  de  Alfaiates  ao  sol  posto,  cerca  de  duas  horas 
depois  de  D.  Sancho  partir  de  Nave,  e  que  foi  guiado  pelo  capitão 
Diogo  de  Afonseca  Coutinho,  muito  perito  nestes  caminhos  e  passa- 
gens. 

Quem  tiver  a  curiosidade  de  conhecer  por  meúdo  as  peripécias 
desta  expedição,  recorra  à  crónica,  já  por  nós  tantas  vezes  citada,  de 
Salgado  de  Araújo ;  nós  limitar-nos  hemos  a  apontar  os  resultados. 

Fernão  Teles  reduziu  sem  resistência  os  habitantes  de  Valverde 
a  prestarem  vassalagem  a  el-rei  de  Portugal,  do  que  se  lavrou  escri- 
tura pública.  Aclamaram  D.  João  IV  por  seu  rei  e  senhor,  arvora- 
ram-se  bandeiras  portuguesas,  estabeleceram-se  autoridades  em  nom^ 
do  rei  de  Portugal,  e  comprometeram-se  os  moradores  a  sustentar  o 
presidio  de  Eljas,  de  cuja  rendição  chegou  aviso  neste  momento. 
Cometeu  entretanto  o  general  a  imprudência  de  não  garantir  este 
contrato  com  alguns  reféns,  escolhidos  entre  os  principais  moradores 
da  vila,  o  que  constituiria  a  única  segurança  eficaz.  Feito  isto,  partiu 
com  as  tropas  para  Eljas. 

D.  Sancho  Manuel  encontrara  este  castelo  guarnecido  apenas  por 
um  alferes  e  sete  soldados ;  mas  como  a  praça  era  forte  e  bem  fe- 
chada, ainda  teve  dificuldade  em  a  entrar,  dificuldade  que  foi  vencida 
pela  audácia  e  coragem  dos  seus  oficiais.  A  vila  de  Eljas,  protegida 
pelo  castelo,  entregou-se  sem  resistência,  prestando  solenemente  vas- 
salagem ao  rei  de  Portugal.  Quando  o  general  chegou,  estava  o 
feito  concluído,  sendo  êle  mesmo  que,  na  qualidade  de  representante 
de  D.  João  IV,  recebeu  juramento  de  fidelidade  do  alcaide-mór  do 
castelo. 

Em  toda  esta  empresa  não  houve  baixa  alguma  no  nosso  exército; 
ao  inimigo  morreram  ao  todo  8  ou  q  homens  •. 

Teria  feito  bem  Fernão  Teles  de  Meneses,  se  arrazasse  o  castelo 
para  inutilizar  esta  arma  nas  mãos  do  inimigo;  conservá-lo  em  nosso 
poder  era  muito  difícil,  e  as  vantagens  não  compensavam  o  sacrifício. 
Fiou-se  porem  nas  promessas  e  juramentos  dos  adversários,  e  pou- 
pou-o,  deixando  nele  a  guarnecê-lo  o  mestre-de-campo  com  Soo  sol- 

'  Doe.  XLVI. 


248  'Brás  Garcia  de  (SXIascarenhas 

dados  de  infantaria.  Em  breve  havia  de  reconhecer  o  erro  cometido, 
erro  que  talvez  estivesse  presente  ao  espirito  do  poeta  ao  escrever 
estes  versos : 

Fietn-se  os  Capitães  de  quem  vencerão, 
E  verão  presto,  como  se  enganarão  ; 
Que  de  muytos  sabemos,  que  souberão 
Vencer,- e  das  victorias  mal  uzarão  : 
Porque  huns,  em  se  deterem,  se  perderão. 
Outros  em  se  apressar,  se  despenharão  ; 
Que  dana,  emquanto  o  sangue  não  se  enxuga, 
De  ter  o  alcance,  &  seguir  a  fuga '. 

Partiu  o  general  nessa  mesma  tarde  de  quarta  feira  para  Pena- 
macor, onde  andava  cuidando  da  reparação  da  fortaleza.  Sofreu 
em  marcha  uma  horrível  tempestade  de  trovões,  chuva  e  neve,  que 
se  desencadeou  durante  a  noite. 

A  facilidade  com  que  se  renderam  Eijas  e  Valverde,  o  descuido 
em  que  se  verificou  encontrarem-se  os  espanhóis,  mostraram  bem 
que,  se  tivesse  sido  adoptado  o  parecer  de  Brás  Garcia,  os  três  cas- 
telos que  ele  apontava  cairiam  todos  em  poder  da  nossa  tropa. 

Falando  de  si,  e  do  seu  voto  rejeitado  pelo  conselho  de  guerra  em 
Alfaiates,  o  poeta,  depois  de  fazer  referência  à  tomada  da  fortaleza 
de  Eljas  e  à  de  Valverde,  nas  quais  se  verificou,  como  ele  anunciara, 

. . .  que  em  nocturna  sombra  de  repente 
Se  toma  a  mais  difficil  facilmente, 

acrescenta  com  espírito : 

Não  se  renderão  mais,  por  não  ser  crido, 
Ou  por  não  ficar  mais  acreditado  : 
Zãgão  ',  pêra  aquentar,  será  admittido, 
Pêra  o  favo  gostar,  fora  deytado. 
Etc 5. 


Não  tardou  o  duque  de  Alba  a  procurar  a  possível  reparação  ao 
desastre  da  tomada  do  castelo  de  Eljas. 


í  V.  T.  III,  87. 

2  Zagão,  encontra-se  na  edição  primeira,  por  erro  tipográfico;  deve  lèr-se 
^ângão. 

3  V.  T.  XIV,  85-86, 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  24g 

Mandou  ocupar  por  tropa  um  monte,  padrasto  ao  castelo,  e  le- 
vantar nêle  um  reducto.  De  lá  faziam  fogo  nutrido  contra  a  forta- 
leza, e  molestavam  grandemente  os  nossos. 

Os  habitantes  da  vila  faltaram  ao  seu  juramento,  merecendo  que 
o  mestre  de  campo  a  mandasse  queimar  e  arrasar. 

D.  Sancho  previne  logo  o  general  da  sua  situação  critica,  escre- 
vendo-lhe  estas  simples  palavras :  —  Fico  a  braços  co  initnigo.  V. 
S."  faça  o  que  for  servido. 

Não  se  descuidou  Fernão  Teles  em  acudir  com  6:000  infantes,  em 
cujo  número  ia  a  companhia  de  Brás  comandada  pelo  seu  alferes,  e 
com  200  cavalos. 

Foi  pela  pascoela  que  o  general  apareceu  junto  de  Eljas  com  estas 
tropas.  D.  Sancho  saiu  fora  do  castelo  a  encontrar-se  com  êle,  con- 
ferenciando os  dois  sobre  a  maneira  de  atacar  o  inimigo. 

Esperava  o  general  que  no  dia  seguinte  pela  manhã  aparecesse 
guarnecido  com  gente  nossa  um  outro  monte  que  havia  superior 
àquele  donde  os  castelhanos  nos  molestavam  ;  entretanto  amanheceu, 
sem  que  esse  outro  padrasto  fosse  ocupado. 

Fora  o  caso  que  Fernão  Teles,  ao  partir,  enviara  ordem  ao  go- 
vernador de  Alfaiates  para  mandar  preparar  i5o  soldados  de  infan- 
taria, que,  comandados  pelo  capitão  Simão  da  Costa  Feo,  atravessa- 
riam a  serra  nessa  noite  e  ocupariam  o  padrasto,  e  no  dia  seguinte, 
ao  amanhacer,  estariam  a  fazer  fogo  sobre  o  reducto  dos  castelhanos. 

O  capitão  Brás  Garcia  viu-se  deste  modo  mais  uma  vez  excluído 
de  ir  comandar  a  sua  gente ;  cumpriu  porém  o  dever  de  executar  o 
que  o  general  mandava,  e  preparou  os  soldados,  segundo  as  ordens 
recebidas. 

Mas  até  ao  declinar  da  tarde  não  apareceu  o  capitão  Costa  Feo. 
Então  o  governador  de  Alfaiates  resolve  ir  êle  mesmo  à  frente  dos 
soldados.  Tinha  chegado  o  coronel  Diogo  Ribeiro  Homem  com 
alguma  gente  da  ordenança;  entrega  a  este  o  governo  da  praça, 
manda  tocar  a  reunir,  e,  quando  ia  dar  a  voz  de  marcha,  eis  que 
chega  o  capitão  Feo,  que  protesta  ruidosamente  contra  a  deliberação 
tomada  pelo  governador  em  contrário  às  ordens  e  instruções  ex- 
pressas do  general,  requerendo  que  lhe  seja  entregue  o  comando  da 
força.  Brás  Garcia  fica  muito  contrariado  com  este  novo  incidente, 
mas*cede  por  espírito  de  disciplina. 

Era  sol  posto  quando  partiu  o  capitão  Feo  a  cavalo,  à  frente  dos 
soldados.  Anoiteceu;  noite  escura  e  sem  luar,  pois  dentro  de  dois 
ou  três  dias  ia  ser  lua  nova.     Enormes  eram  as  dificuldades  da  serra. 


25  o  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

áspera  e  fragosa.  O  cavalo  em  que  monta\a  o  capitão  tropeçou  e 
chapou-se,  ficando  o  oficial  bastante  magoado.  Não  esteve  com  mais 
cerimónias;  abandonou  a  força,  e  regressou  a  Alfaiates  a  pretexto  de 
se  sangrar. 

Ao  vê-lo,  e  ouvir-lhe  dizer  que  os  soldados  haviam  ficado  aban- 
donados na  serra,  o  governador  ficou  furioso;  em  vez  de  mandar 
sangrar  o  capitão,  exigiu-lhe  a  espada,  e  prendeu-o. 

Estava  casualmente  na  praça  o  capitão  de  Vilar-Torpim,  a  quem 
Brás  Garcia  enviou  à  cata  dos  soldados,  com  ordem  de  ir  ocupar  o 
padrasto,  segundo  as  determinações  do  general,  caso  fosse  ainda 
possível  chegar  a  tempo.  A  força  apareceu,  mas  pouco  depois  ama- 
nhecia sem  ter  vencido  a  serra.  Assim  falhou  o  plano  da  ocupação 
do  monte  durante  a  noite. 

Vendo  pela  manha  que  o  padrasto  não  fora  ocupado,  o  general 
resolve  que  seja  tomado  à  valentona  o  reducto  dos  castelhanos,  tre- 
pando os  nossos  a  íngreme  e  quási  inacessível  encosta,  e  arrostando 
de  frente  e  a  peito  descoberto  as  balas  do  inimigo.  Não  podia  em- 
pregar-se  cavalaria  nesta  empresa;  só  infantaria  arrojada  e  sem  amor 
à  vida  era  capaz  de  tal  fazer. 

Foi  para  isso  escolhida  a  companhia  do  capitão  Brás  Garcia  de 
Mascarenhas,  já  conhecida  pelo  seu  valor  destemido,  e  por  isso  co- 
gnominada companhia  dos  leões.  Reforçou-se  com  cerca  de  cincoenta 
mosqueteiros  valentes,  escolhidos  por  D.  Sancho,  e  foi  dividida  em 
dois  troços  de  cento  e  tantos  homens  cada  um.  Para  os  comandar 
nomeou  o  general  os  capitães  Manuel  Feo  de  Melo  e  Luís  de  Paiva. 
Este  apresentou  várias  escusas,  com  que  ficou  alcunhado  de  poltrão, 
e  foi  substituído  pelo  ajudante  Simão  Ferraz  de  Faria. 

Do  castelo  mandou  D.  Sancho  dar  uma  descarga  cerrada  para  o 
padrasto;  os  que  o  ocupavam  responderam-lhe  em  continente  descar- 
regando as  suas  armas  sobre  o  castelo.  Aproveitaram  este  mo- 
mento os  dois  troços  de  infantaria  para  saírem  e  começarem  a  trepar 
o  monte,  cada  um  por  seu  lado,  vencendo  algum  espaço  enquanto  os 
castelhanos  realizavam  a  demorada  operação  de  carregar  armas. 
Depois  foi  um  despejar  de  balas  sem  medida  sobre  os  soldados  por- 
tugueses, que  continuavam  trepando  pelo  monte  arriba. 

Foi  mais  feliz  o  troço  do  comando  de  Feo  de  Melo,  que  acertou 
com  o  lado  um  pouco  mais  acessível  do  monte;  subiu  mais  dep^ssa 
por  entre  as  balas  que  como  granizo  lhe  enviavam  de  cima  os  trezentos 
e  tantos  espanhóis  que  guarneciam  ofeducto.  Chegaram  às  primeiras 
guarnições,   que  desalojaram,  e  avançando  até  ao  reducto  principal 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  25 1 

obrigaram  o  inimigo  a  abandoná-lo  e  pôr-se  em  fuga,  com  morte  de 
cinco  ou  seis  soldados.  O  capitão  Feo  contou  então  os  seus,  e 
encontrou  i  lo,  isto  é,  todos  os  que  lhe  haviam  sido  entregues, 
j Nenhum  fora  victima  da  sua  intrepidez! 

Razão  pois  tinha  o  poeta,  quando  escrevia: 


Custava  a  guerra  antiga  muyta  gente, 
Porquanto  pelejava  mais  chegada; 
A  de  hoje,  como  ao  largo  se  combata, 
Muyta  pólvora  gasta,  &  poucos  mata  '. 


Ao  assenhorearem-se  os  nossos  do  reducto,  vêem  entrar  do  outro 
lado  Simão  de  Faria  com  o  seu  troço,  que  se  não  mostrou  menos 
destemido. 

—  \Estremado  i'alor!  exclama  o  cronista  dr.  Salgado,  ao  dar 
conta  da  façanha.  —  ;  Foi  hum  dos  mais  arriscados,  &  honrados  feitos, 
que  se  ji\erão  em  toda  aquella  frôteira !  "^ 

Teriam  neste  ataque  conquistado  o  justo  epíteto  de  companhia  dos 
leões  os  soldados  de  Brás  Garcia,  se  não  fossem  já  designados  por 
esse  nome. 


Logo  no  mesmo  dia  marchou  o  general  com  o  mestre-de-campo 
e  toda  a  gente  disponível  a  pernoitar  em  Valverde,  cujos  habitantes 
protestaram  submissos  que  não  eram  coniventes  na  rebelião  dos  de 
Eljas,  antes  pelo  contrário  queriam  ser  considerados  como  os  mais 
fieis  vassalos  de  el-rei  de  Portugal.  Bem  conhecia  Fernão  Teles  a 
falta  de  sinceridade  daquela  gente,  mas  convinha-lhe  dissimular. 

No  dia  seguinte  caminhou  sobre  a  vila  de  S.  Martinho  de  Trebejo, 
que  era  das  mais  ricas  povoações  de  toda  a  serra  de  Gata.  Encon- 
trou-a  prevenida,  bem  fortificada  e  guarnecida  de  cavalaria  e  infanta- 
ria, com  oficialidade  escolhida,  munições  abundantes,  sob  o  comando 
do  mestre-de-campo  1),  Benito  de  Queiroga,  militar  de  muito  valor. 

Apesar  da  grande  bravura  dos  nossos,  que  se  bateram  como  heróis, 
especialmente  D.  Sancho  Manuel,  que  mais  uma  vez  deu  provas  de 
sua  extraordinária  valentia,  o  general  teve  de  desistir  da  empresa  ao 
fim  de  quatro  horas  de  combate,  e  de  haverem  os  nossos  tomado  uma 


'  V.  T.,  IV,  28. 
2  Op.  cit.,  fl.  i35. 


252  'Brás  Garcia  de  dMascaretihas 

parte  da  vila,  porque  desatou  a  chover  tanto,  que  não  houve  meio  de 
evitar  que  se  molhasse  a  pólvora,  morrão  e  cassoletas,  tornando-se  as 
armas  imiteis.  Entretanto  alguns  oficiais  mostraram  o  grande  des- 
gosto que  lhes  causou  a  ordem  de  retirar,  especialmente  D.  Sancho 
e  João  de  Saldanha,  que  mesmo  sem  pólvora  queriam  ir  avante  e 
concluir  a  tomada  da  vila.  Sofreu  o  inimigo  cerca  de  120  mortes  e 
muitos  prejuízos  materiais;  nós  tivemos  também  algumas  baixas,  em- 
bora em  número  bastante  inferior. 

O  general  retirou-se  com  o  exército,  indo  pernoitar  outra  vez  em 
Valverde,  donde  no  dia  seguinte  foi  a  Eljas  mandar  desmantelar  o 
castelo,  que  só  nos  podia  servir  de  embaraço,  e  recolheu  de  noite  a 
Penamacor,  debaixo  de  um  temporal  desfeito. 


Seguiu-se  uma  entrada  de  espanhóis  na  nossa  fronteira,  por  vários 
pontos,  no  mesmo  dia  e  quási  à  mesma  hora. 

A  Espanha,  continuando  a  sustentar  guerras  em  muitas  partes, 
não  podia  acudir  à  fronteira  portuguesa,  e  assim,  não  pensando  sequer 
por  agora  em  vir  ocupar  Portugal,  mantinha  junto  da  raia  um  pequeno 
exército,  que  guarnecia  as  praças,  mas  não  era  capaz  de  fazer  uma 
incursão  em  forma  pelo  território  português,  a  conquistar  os  nossos 
castelos,  apesar  da  fraca  resistência  que  nós  podíamos  opôr-lhe. 
Limitavam-se  os  soldados  a  estas  pequenas  correrias  de  destruição  e 
de  pilhagem  por  surpresa.  Teem  perfeita  aplicação  a  esta  fase  da 
guerra  da  restauração  os  versos  do  nosso  poeta : 

Com  forças  igualmente  quebrantadas 

Se  prosegue  depois  mais  branda  a  Guerra: 

Como  as  ondas  do  mar,  quando  empoladas, 

Húas  ao  golfo  vão,  outras  à  terra: 

Assi  entrando,  &  fazendo  retiradas, 

Huns,  &  outros,  cada  qual  por  fim  se  encerra 

Em  seus  limites,  como  os  passarinhos, 

Que  feyto  o  furto,  fogem  pêra  os  ninhos  '. 

O  primeiro  troço  de  soldados  espanhóis  que  nesta  ocasião  passou 
a  raia  veio  da  serra  de  Gata:  assaltou  sem  resistência  os  lugares  de 
Lageosa,  Aldêa-Velha,  Aldêa  do  Bispo  e  Poios,  saqueou  e  queimou 
estas  povoações,  e  retirou-se  com  grande  presa  de  gados. 

'   V.  T.,  III,  90. 


Cap.  VJ —  Capitão  e  governador  253 

Houve  sinais  a  pedir  socorro,  e  o  governador  de  Alfaiates,  que  os 
ouviu,  acudiu  logo  com  a  sua  guarnição,  que  então  era  reduzida,  e 
constando  apenas  de  infantaria;  mas  o  golpe  fora  tão  rápido,  que, 
quando  êle  chegou,  já  o  inimigo  recolhia  de  Foios  em  direcção  ao  Sul. 
Brás  Garcia,  conhecedor,  como  era,  da  região,  e  já  escarmentado  de 
outras  vezes,  em  que  o  inimigo  se  escapara  com  a  presa  enquanto 
os  soldados  de  cavalaria  escaramuçavam,  em  vez  de  lhe  seguir  no 
encalce,  ladeou  sem  ser  presentido,  tomou-lhe  a  deanteira,  e  cami- 
nhando por  atalhos  foi  emboscar-se  no  porto  de  S.  Martinho,  por  onde 
os  castelhanos  iam  fatalmente  passar. 

Madeira  de  Castro  na  sua  biografia  do  poeta,  e  quantos  depois  dele 
lhe  teem  seguido  as  pegadas,  colocam  o  porto  de  S.  Martinho  no  rio 
Águeda,  supondo-o  um  porto  fluvial.  Basta  lançar  a  vista  sobre  um 
mapa,  e  ver  que  o  rio  Águeda  forma  a  raia  portuguesa  apenas  desde 
o  Douro  até  Escarigo,  mais  de  dez  léguas  distante  de  Alfaiates,  para 
reconhecer  a  inverosimilhança  de  ir  o  governador  daquela  praça  dar 
caça  aos  espanhóis  a  tão  larga  distância.  O  porto  ou  portela  de 
S.  Martinho  fica,  já  nós  o  vimos,  a  menos  de  uma  légua  a  sul  de 
Foios.  E  uma  passagem  estreita,  uma  garganta  que  corta  a  serra, 
dando  trânsito  de  uma  para  outra  banda.  Se  tivesse  ido  cavalaria, 
só  serviria  de  embaraço  e  impedimento. 

Não  os  pode  ajudar  cavallaria, 

Que  inútil  fica  entre  a  áspera  estreyteza  '. 

Brás  dispôs  a  sua  gente  escondida  entre  o  mato  e  as  fragas,  a  um 
e  outro  lado,  sobranceira  à  passagem,  com  as  armas  carregadas  e 
aperradas. 

Ia  executar  um  golpe  de  surpresa,  um  desses  golpes  de  que  êle 
tanto  gostava,  em  que  tomava  para  exemplo  e  modelo  a  águia,  e  de 
que  fez  a  apologia  no  seu  poema: 

A  princesa  das  Aves  nos  insina, 
Como  ha  de  ser  a  guerra  executada: 
Nam  vedes  como  dece  repentina, 
Sobre  a  caça,  que  pasce  descuydada? 
E  que  não  pára  nunca  em  tal  rapina, 
Senão  que  pello  ar  arrebatada 
A  vem  comer  sobre  hum  penhasco  duro, 
Que  inda  que  bruta,  julga-o  por  seguro  ?  ^ 


1  V.  T.,  I,  gó. 

2  V.   T.,  II,  5i.  —  Note-se  que  nesta  estância,  como  nos  dois  versos  acima 


254  'Brás  Garcia  de  (S\íascareuhas 

Alegres,  satisfeitos  e  descuidosos  iam  os  soldados  espanhóis  con- 
duzindo a  valiosa  presa.     Pelo  desfiladeiro 

Entra  a  cáfila  espessa,  &  numerosa, 
De  animo  pobre,  &  de  despojos  rica'. 

Subitamente  estrondeia-lhes  sobre  as  cabeças  uma  descarga  cerrada 
de  fusilaria,  e  alguns  caem  feridos.  A  força  parou  um  momento 
surpreendida  e  apavorada. 

De  cada  lado  Iby  logo  investida 

Atraz  cercada,  &  bem  cortada  avante, 

Pagando  seu  descuydo  com  a  vida, 

Que  da  morte  se  faz  sempre  distante. 

Procura  cada  qual  com  a  fugida, 

Remedear  o  perigo  circunstante, 

E  em  cada  parte  discorrendo  tudo 

Vai  seu  peyto  encontrar  com  ferro  agudo  ^. 

Foi  uma  victória  que  bem  pouco  custou  aos  soldados  de  Brás 
Garcia.  Recolheram  os  ricos  despojos  que  os  espanhóis  levavam,  e 
com  alguns  presos  voltaram  a  Alfaiates. 


Quando  revertia  á  sua  praça,  todo  satisfeito  do  bom  êxito  da 
expedição,  uma  notícia  bem  desagradável  surpreende  o  nosso  gover- 
nador. 

Durante  a  sua  ausência  um  outro  bando  de  espanhóis  entraram  dos 
lados  de  Albergaria,  e  assaltaram  Aldêa-da-Ponte.  Encontraram 
bastante  resistência  neste  logar,  que  era  defendido  por  trincheiras. 
Muitos  sinais  de  lá  fizeram,  a  ver  se  de  Alfaiates  lhes  acudiam;  mas 
o  governador  estava  ausente,  e  a  guarnição  ficara  reduzida  à  expressão 
mais  simples,  não  sendo  possível  i-los  socorrer.  A  trincheira  foi 
tomada,  os  moradores  refugiáram-se  na  igreja,  que  também  não  poude 
resistir,  e  assim  foi  o  logar  saqueado  e  queimado,  perdendo  a  vida 
muitos  dos  moradores.  Dali  os  espanhóis  seguiram  a  fazer  o  mesmo 
em  Forcalhos,  que  saquearam  pela  segunda  vez  e  queimaram  sem 
resistência,  e  depois  regressaram  a  Albergaria. 


transcritos,  Brás  não  refere  o  golpe  de  surpresa  por  ele  planeado  e  executado,  mas 
episódios  da  guerra  viriatina,  para  a  qual  frequentes  vezes  transporta  os  seus  pró- 
prios feitos. 

1  V.  r.,  11,65.  — 2   V.  T:,  II,  64. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  255 

Não  foi  isto  mais  que  uma  parte  dos  assaltos  que  o  duque  de  Alba 
mandou  fazer  à  nossa  fronteira  da  Beira.  No  mesmo  dia  outros 
bandos  assaltaram  Nave-de-Haver  e  Freineda,  Val-de-la-Mula  e  Vila 
de  Coelha,  e  mais  ao  norte  Escarigo. 

Disse-se  depois  que  os  moradores  de  Val-de-la-Mula,  aldêa  que 
não  chegava  a  ter  trinta  e  cinco  fogos,  vieram  pessoalmente  a  Almeida 
pedir  socorro  ao  governador,  e  que  Rodrigo  Soares  Pantoja  Ihu  recu- 
sou; mas  que  dez  soldados  da  guarnição  da  praça,  vendo  a  recusa  do 
governador,  foram  por  sua  conta  à  aldêa,  afugentaram  o  inimigo  que 
já  tinha  posto  fogo  às  casas,  e  trouxeram  alguns  despojos. 

Um  cúmulo  de  mentiras,  armadas  sem  ter  em  atenção  nem  sequer 
a  verosimilhança.  Pensemos  um  pouco,  e  vejamos  se  isto  era  possível. 
Os  soldados  vieram  saquear  e  incendiar  aquela  aldêa  insignificante,  o 
que  fizeram  rapidamente  e  sem  resistência  alguma;  pois  apesar  dessa 
rapidez,  houve  tempo  para  tudo  isto :  —  irem  os  moradores  a  Almeida, 
que  pelos  caminhos  de  então  dista  sete  quilómetros  e  não  só  meia 
légua  como  no  seu  relatório  escreveu  Fernão  Teles,  —  requisitarem 
socorro  que  lhes  foi  negado  pelo  governador  Pantoja,  —  recorrerem 
aos  soldados  que,  ofendendo  gravemente  a  disciplina,  e  depois  de  se 
terem  armado  e  municiado,  partiram  contra  as  ordens  do  comandante, 
e  ainda  lá  encontraram  os  espanhóis,  que  provavelmente  se  estavam 
a  aquecer  ao  fogo  das  casas  que  ardiam  I  —  Ainda  isto  não  é  tudo : 
os  dez  soldados  bateram  os  espanhóis,  derrotaram-nos,  espantaram- 
nos,  e  no  fim  pegaram  nos  despojos  que  os  moradores  tinham  deixado 
nas  casas  e  trouxeram-nos  para  Almeida! 

Isto  lê-se,  e  custa  a  crer  que  fosse  escrito  a  sério.  Entretanto  lá 
está  no  relatório  oficial  dos  acontecimentos,  escrito  pelo  próprio  punho 
do  capitão-general  Fernão  Teles  de  Meneses,  e  que  eu  li  com  os  meus 
olhos  I  '. 


Quando  estes  factos  se  deram,  ainda  se  conservava  em  Pena- 
macor o  general. 

Apenas  tem  notícia  das  novas  incursões,  parte  imediatamente  a 
informar-se  por  si  dos  acontecimentos. 

Chega  a  Alfaiates,  e  abre  uma  devassa  contra  o  governador  da 
praça,  para  que  todas  as  pessoas  que  conheçam  alguma  circunstância 
relativa  ao  facto  da  invasão  a  vão  declarar  em  segredo. 

»  Doe.  XLVI. 


236  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

O  resultado  dessa  devassa  é  conhecido  nos  seus  traços  gerais, 
apesar  de  ter  levado  sumiço  o  processo,  naturalmente  destruído  por 
ordem  do  próprio  D.  João  IV,  enjoado  e  aborrecido  com  as  calúnias 
e  infâmias  mal  urdidas,  que  o  entreteciam.  Conhecemos  esse  resul- 
tado pela  notícia  dada  por  Bento  Madeira  de  Castro  ',  já  muito  alte- 
rada, e  com  um  sabor  acentuado  da  lenda,  que  bem  cedo  envolveu  o 
poeta  guerreiro,  e  pelo  relatório  oficial  redigido  e  escrito  por  Fernão 
Teles  de  Meneses^. 

Segundo  o  que  se  apurou,  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  era  um 
traidor,  que  tinha  tratos  de  inconfidência  com  os  castelhanos,  mantendo 
correspondência  muito  íntima  e  inconfessável  com  o  governador  da 
vizinha  praça  de  Albergaria.  Combinara  entregar-lhe  a  praça  de 
Alfaiates,  e  para  isso  desguarneceu  Aldêa-da-Ponte,  a  fim  de  o  inimigo 
chegar  à  porta  daquela  praça  sem  embaraços.  Segundo  esta  combi- 
nação, entrou  a  fronteira  uma  força  castelhana,  mas,  encontrando  em 
Aldêa  resistência  inesperada  por  parte  dos  moradores,  já  não  pôde 
chegar  a  Alfaiates,  e  assim  não  se  realizou  a  projectada  entrega. 
Entretanto  a  força  espanhola,  deixando  Aldêa-da-Ponte  e  não  podendo 
ir  até  à  porta  de  Alfaiates,  que  imediatamente  lhe  seria  aberta,  como 
lhe  tinha  prometido  o  dito  Brás  Garcia,  andou  a  bater  a  fronteira,  e 
se  foi  fazendo  algú  dano  nas  aldeãs  daquella  araya  como  são  forca- 
Ihos,  fuinhos,  lageo^a,  aldeã  relha,  queimando  em  cada  hua  destas  aldeãs 
algumas  ca:{as  ^. 

É  tão  alheia  à  verdade,  tão  contraditória  e  absurda  esta  narrativa, 
que  nem  me  dou  ao  trabalho  de  lhe  apontar  os  dislates  e  inverosimi- 
Ihanças,  que  são  bem  patentes. 

O  general  Fernão  Teles  fez  comparecer  perante  si  o  governador, 
capitão  Brás  Garcia  de  Mascarenhas,  e  sem  o  ouvir,  sem  lhe  admitir 
defesa,  deu-lhe  voz  de  prisão. 

;Bôa  recompensa  a  tantos  e  tão  valiosos  serviços  prestados  à pátria! 

Acompanhado  de  uma  força  é  remetido  ao  castelo  do  Sabugal  *, 
onde  fica  preso  alguns  meses. 

De  Alfaiates  passou  logo  o  general  a  Almeida,  e  ali  prende  também 
por  traidor,  depois  da  devassa  do  estilo,  o  sargento-mór  governador 


1  Doe.  CXII.  — 2  Doe.  XLVI.  — 3  Doe.  XLVI. 

♦  A  estampa  em  frente  representa  a  torre  de  menagem  do  castelo  do  Sabugal, 
COttl  as  ruínas  das  construcções  anexas.  Devo  esta  fotografia  à  amabilidade  do 
sr,  engenheiro  António  Rosado,  director  das  Obras  Públicas  do  distrieto  da  Guarda. 


f 


Torre  quinaria  do  castello  de  Sabugal 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  sSj 

daquela  praça,  Rodrigo  Soares  Pantoja,   e   com  ele  muitas  outras 
pessoas,  classificadas  de  réus  de  alta  traição!  *. 
i Estava  consumada  a  iniquidade! 

Sucedia  isto  em  princípios  de  maio  de  1642. 

A  22  deste  mês  escrevia  Fernão  Teles  uma  carta  a  el-rei,  dizendo 
ser  já  a  quarta  via  por  que  mandava  a  exposição  nesta  contida. 
Queixava-se  amargamente  de  lhe  haverem  fugido  muitos  soldados, 
achando-se  com  pouquíssima  tropa  ^.  Na  mesma  queixa  insistia  afli- 
tivamente em  nova  carta,  datada  de  Almeida  a  18  de  junho',  i  Que 
queria  êle  que  fizessem  os  soldados,  ao  verem  como  eram  premiados 
os  oficiais  mais  distintos,  e  de  maior  prestígio  e  serviços,  tais  como 
Soares  Pantoja  e  Brás  Garcia  ?  Esta  deve  ter  sido  a  principal  causa 
das  deserções  em  massa,  embora  para  muitas  tenha  concorrido  o 
motivo,  pelo  general  apontado,  de  ser  mal  paga  a  gente. 

Também  naquela  carta  de  22  de  maio  pedia  o  general  a  el-rei  que 
lhe  enviasse  pessoa  de  grande  experiência  e  de  grande  talento,  para 
governar  a  praça  de  Alfaiates,  que  he  a  chaiie  de  toda  esta  provinda 
da  Beira  *.  ;  Cedo  começou  a  sentir-se  a  falta  que  fazia  o  nosso 
herói ! 

Em  face  desta  requisição  de  Fernão  Teles  de  Meneses,  D.  João  IV, 
por  despacho  de  2  de  junho,  pede  o  parecer  do  conselho  de  guerra, 
que  em  consulta  de  2 1  do  mesmo  mês  propõe  três  nomes,  para  dentre 
eles  ser  escolhido  o  novo  governador  de  Alfaiates:  —  Diogo  Gomes 
de  Figueiredo,  sargento-mór  do  terço  da  nobreza  comandado  pelo 
marquês  de  Montalvão,  o  capitão  Francisco  Barroso,  e  o  capitão 
João  Babilão  de  Sousa,  todos  três  sogeitos  de  muitos  antios  de  seriiiço, 
em  guerra  viu  7,  e  que  tios  postos  que  occuparaõ  nella  deraó  inteira 
satisfação.  E  este  último  o  nomeado  por  despacho  real  da  mesma 
data  5. 

Mas,  apesar  das  notificações  que  se  fazem  ao  novo  governador  de 
Alfaiates,  é  certo  que  decorreram  dois  meses  sem  João  Babilão  ir 
tomar  conta  do  governo  da  sua  praça.    De  novo  o  conselho  de  guerra 


»  Doe.  XLVI. 

*  t.T.  —  Consultas  do  Cons.  de  G.,  m.  2,  n.°  iêo. 
'  T.T.  —  Consultas  do  Cons.  de  G.,  m.  3,  n.»  i85, 
<  Doe.  XLV.  -  5  Ibid. 

«7 


258  'Bj-ás  Garcia  Mascarenhas 

volta  a  ocupar-se  do  assunto,  e  resolve  em  consulta  de  2  de  setembro, 
visto  não  se  apresentar  o  nomeado,  propor  Esteuaõ  Soares  de  Mello, 
que  tem  seruido  muitos  ânuos  no  Brasil  e  nas  armadas,  cumprindo 
sempre  a  sua  obrigação,  sendo  Jidalgo  taõ  principal  e  senhor  da  casa 
de  Mello,  com  muita  experiência  da  guerra  e  conhecimentos  de  for- 
tificações, etc.  Sobre  tal  consulta  ordena  el-rei,  por  despacho  de  6 
de  setembro:  —  Proponham-se  mais  pessoas  para  esta  praça  *. 

Reúne  outra  vez  o  conselho  a  1 1  do  mesmo  mês,  e  indica  os 
nomes  dos  capitães  Gonçalo  de  Afonseca  de  Aguilar,  e  António  de 
Andrade  Gamboa.  Assiste  a  esta  sessão  do  conselho  de  guerra, 
alem  do  conde  de  Penaguião  e  de  D.  José  de  Meneses,  o  nosso  já 
muito  conhecido  D.  Álvaro  de  Abranches,  o  primeiro  general  que 
comandou  o  exército  da  Beira.  Faz  este  a  declaração  de  concordar 
com  a  proposta  dos  dois  nomes,  e  com  a  de  Estêvão  Soares  de  Melo, 
já  feita  na  sessão  anterior;  mas  que  dá  no  seu  roto  o  primeiro  lugar 
a  Gonçalo  dAfonseca  dAguilar,  pelas  rabões  referidas  na  consulta, 
e  pelo  valor  e  satisfação  com  que  o  riu  seruir,  hauendo  sido  o  pri- 
meiro que  ocupou  o  posto  de  Alfaiates,  c  seruir  em  Saluaterra  anno 
e  mco  -. 

El-rei  não  faz  logo  a  nomeação.  Aparece  entretanto  um  requeri- 
mento, que  o  conselho  remete  ao  monarca  em  10  de  outubro,  no  qual 
o  capitão  Babilãd  expõe  que,  se  não  tinha  já  marchado  ao  seu  destino, 
fora  por  falta  de  meios,  pois  lhe  não  haviam  sido  pagos  ainda  53®ooo  réis, 
resto  de  uma  folha  de  SoíJíooo  réis,  que  el-rei  lhe  mandara  dar,  havia 
um  ano;  mas,  como  tinha  alvará  passado  pela  chancelaria,  e  prestara 
juramento,  se  el  rei  o  mandasse  partir,  o  faria,  ainda  que  fosse  pe- 
dindo esmola.  Suplica  por  último  ao  monarca  que  lhe  conceda 
licença  para  partir,  mandando-lhe  carta  para  Fernão  Teles,  afim  de 
este  lhe  entregar  a  praça;  e,  a  propósito,  encarece  os  serviços  que 
prestou  a  D.  João  IV,  vindo  de  Castella  a  buscar  Sua  Majestade 
como  a  seu  rei  e  senhor  natural,  não  reparando  em  riscos  de  vida 
nem  em  gastos  de  fazenda  ^. 

Em  fira,  depois  ainda  de  alguma  hesitação,  el-rei  determinou  defi- 
nitivamente, por  despacho  de  17  de  dezembro  de  1643,  que  — Acuda 
João  de  Babilão  d  praça  de  Alfaiates,  de  que  lhe  tinha  feito  mercê  *. 

Haviam  decorrido  sete  meses  desde  a  prisão  de  Brás  Garcia,  e 
coincidem  estes  últimos  acontecimentos,  pouco  mais  ou  menos,  com 
a  sua  soltura.    Babilão  não  acudiu  ao  seu  posto,  fosse  pêlo  que  fôsscj 


i  T.T.  —  Consultas  do  Coits.  de  C,  m.  cit.  — '  Ibid.  — '  Ibid,  —  <  Ibid. 


Cap.  VI —  Capitão  e  governador  zSg 

e  em  meado  do  ano  seguinte  ainda  não  tinha  assumido  o  governo  de 
Alfaiates,  nem  depois  disso  o  assumiu,  que  me  conste. 

Mas  i  quem  foi  que  durante  esse  ano  desempenhou  interinamente 
as  funções  de  governador  de  tão  importante  praça  ?     Vamos  vê-lo. 

Apenas  prendeu  o  poeta,  logo  Fernão  Teles  incumbiu  do  governo 
de  Alfaiates  Manuel  de  Sousa  de  Almeida,  oficial  bravo  e  destemido, 
em  quem  o  general  muito  confiava.  Mas,  ao  cabo  de  poucos  meses, 
tinha  dado  provas  de  não  estar  à  altura  de  tão  grave  cargo.  Supe- 
rabundava  nele  a  bravura,  mas  escasseava  a  prudência  e  ponderação. 
Para  governar  não  basta  ser  valente.  Agora  é  que  os  soldados  da 
companhia  dos  Leões,  que  continuavam  a  guarnecer  a  praça,  ao  esta- 
belecerem o  paralelo  entre  o  seu  querido  capitão-governador,  e  o  que 
actualmente  ocupava  o  posto,  sentiriam  aumentar  em  suas  almas  a 
admiração  pelas  altíssimas  qualidades  daquele. 

Causa-nos  um  pouco  de  surpresa  o  facto  de  vermos  os  soldados 
desta  companhia,  composta  em  grande  parte  de  fidalgos,  parentes  e 
amigos  de  Brás  Garcia,  e  que  serviam  não  só  por  dedicação  patriótica, 
mas  também  por  satisfazerem  aos  desejos  deste,  continuarem  no  ser- 
viço activo,  depois  de  verem  infamemente  caluniado  e  preso  o  seu 
estremecido  e  respeitado  capitão. 

Era  o  sentimento  patriótico  que  neles  sobrepunha  a  defesa  da 
pátria  a  esses  aborrecimentos  e  desgostos;  \  era  provavelmente  o  pró- 
prio Brás  Garcia,  que  da  sua  prisão  lhes  mandava  recados  e  exorta- 
ções, para  que  cumprissem  à  risca  o  indeclinável  dever  de  portu- 
gueses ! 

Quatro  meses  decorridos  sobre  a  sua  prisão,  achando-se  encarce- 
rado no  Sabugal,  ainda  o  poeta  considerava  como  soldados  seus  os 
da  companhia  de  que  fora  comandante.  Assim  os  denominava,  entu- 
siasmando-se  com  as  proezas  e  com  os  feitos  distintos  por  eles  pra- 
ticados, como  se  realmente  êle  fosse  ainda  o  seu  capitão.  Bem  prova 
isto  o  caso  que  passo  a  narrar. 

Declinava  já  o  mês  de  setembro  de  1642.  Era  nas  proximidades 
do  equinócio  do  outono,  e  achava-se  o  general  Fernão  Teles  em 
Almeida.  Eis  que  lhe  chega  notícia  de  que  nas  ruínas  da  destruída 
Aldeia  do  Bispo  se  albergavam  castelhanos,  que  dali  salteavam  as 
vizinhanças,  causando  grande  dano  aos  pobres  lavradores  portu- 
gueses. 


200  'Brás  Garcia  (^Mascarenhas 

Ordena  logo  ao  capitão  Diogo  de  Tovar  que  marche  com  a  sua 
companhia  de  cavalaria  a  dar-lhes  caça  e  castigá-los ;  mas  este, 
achando  a  ocasião  asada  para  fazer  por  sua  conta  uma  incursão  pelo 
território  espanhol  dentro,  e  assim  dar  hum  refresco  aos  seus  sol- 
dados^ trata  de  a  aproveitar.  Ao  passar  por  Alfaiates,  comunica  o 
seu  pensamento  ao  governador,  que,  longe  de  lho  rebater  como  con- 
trário à  disciplina,  por  se  afastar  das  ordens  recebidas  do  general, 
lho  apoia,  e  para  a  sua  realização  inconsideradamente  lhe  fornece 
oitenta  soldados  da  companhia  dos  Leões. 

Com  esta  força  de  infantaria  e  com  a  sua  companhia  de  cavalos, 
transpõe  Diogo  de  Tovar  a  raia  em  direcção  à  praça  de  Espeja. 
Quando,  porem,  se  aproxima  desta,  dá  sobre  êle  uma  importante 
força  de  cavalaria  inimiga,  com  que  não  contava,  a  qual  põe  em 
debandada  a  tropa  portuguesa,  matando-lhe  alguma  gente,  e  aprisio- 
nando outra,  ^'aleu  aos  nossos  ser  a  região  abundante  em  pinhais  e 
matos,  por  onde  os  soldados  se  esconderam,  evadindo-se  quando  a 
noite  sobreveio. 

Foi  nesta  conjuntura  que  sete  dos  soldados  da  companhia  dos 
Leões,  todos  sete  mosqueteiros,  praticaram  a  proeza,  a  que  já  fiz 
referência,  e  que  Brás  Garcia  cantou  em  duas  estâncias  do  seu  poema 
Viriato  Trágico,  as  quais  deixo  transcritas  na  página  23g  deste 
livro,  para  onde  remeto  o  leitor  '. 

Eis  a  narração  contemporânea  do  facto,  escrita  pelo  Dr.  Salgado 
de  Araújo: — «Saluouse  nossa  gente  pelo  monte,  ficou  catiuo  Domingos 
Pinto,  o  qual  na  segunda  noite  fugio  pêra  Portugal.  Diuidio-se  a  caua- 
leria  inimiga,  à  caça  dos  nossos  pelo  pinhal,  onde  alguns  quarenta  caua- 
leiros  encontrarão  sete  infantes  nossos,  de  mosquete,  que  quando  os 
virão,  com  grade  animo  de  morrer  valerosos,  tomarão  huã  colina,  & 
postos  nua  mò,  cõ  as  costas  pêra  dentro,  se  foraõ  em  circulo  defen- 
dendo, não  disparando  juntos,  mas  huns,  em  quanto  outros  carre- 
gauaõ:  &  deste  modo  pellejarão,  com  tal  destreza,  &  valor,  que 
fizerão  retirar  os  que  os  buscauão,  &  elles  se  vieraÕ  por  húa  capina, 
a  seu  passo,  sem  que  alguém  ousasse  seguillos»  ^. 

Este  feito  épico  de  sete  soldados  meus,  que  eram  todos  mosque- 
teiros, como  diz  o  poeta,  encheu  de  nobre  orgulho  o  capitão  Brás 
Garcia,  quando  lho  contaram;  no  conceito  porem  do  general  decaiu 


1    V.   T.,  XII,  22-23. 

í  Successos  militares,  fl.  i56  v.';— cf.  Portugal  restaurado^  parte  I,  liv.  vi, 
pág.  387, 


Cctp.  VI —  Capitão  e  governador  261 

muito,  não  só  o  capitão  de  cavalaria,  que  planeou  a  infeliz  empresa, 
mas  também  o  governador  de  Alfaiates,  que  sem  autorização  lhe 
forneceu  a  força  de  infantaria. 

Mas  não  ficou  por  aqui.  ;  Estava  em  maré  de  infelicidades  o 
governador  Manuel  de  Sousa  de  Almeida  !  Decorrem  apenas  alguns 
dias  sobre  este  desastre,  e  um  outro,  bem  mais  grave  e  da  sua  ex- 
clusiva responsabilidade,  lhe  cai  em  cima  é  o  inutiliza. 

Avistou-se  das  ameias  de  Alfaiates  uma  força  de  cavalaria  inimiga, 
pouco  importante,  que,  passando  a  raia,  mostrava  querer  executar 
uma  dessas  frequentes  pilhagens  pelos  campos  e  logares  abertos. 
Logo  o  governador  mandou  sair  a  tropa,  que  lhe  pareceu  suficiente 
para  bater  os  espanhóis,  encarregando  do  seu  comando  o  tenente 
Simão  de  Oliveira  da  Gama. 

A  simples  aproximação  dos  nossos,  os  soldados  inimigos  retira- 
ram; mas  fizeram-no  por  forma  tão  pouco  natural  e  tão  insólita,  que 
o  tenente  percebeu  que  pretendiam  atraí-lo  a  uma  emboscada.  Fez 
pois  alto,  e  mandou  dizer  ao  governador  o  que  observara,  e  as  razões 
que  tinha  para  assentar  como  certo,  que  uma  cilada  lhe  estava  prepa- 
rada. 

—  Qiie  avançasse,  lhe  mandou  dizer  o  governador,  e  que  não  fosse 
medroso. 

O  tenente  Gama  cumpriu  logo  a  ordem,  mas  protestando  que  por 
obediência  ia  conscientemente  cair  numa  ratoeira. 

«Chegou  à  embuscada,  sahio  o  inimigo  delia,  desbaratou-lhe  a 
Tropa,  morrerão  \inte  soldados,  e  os  mais  ficarão  prisioneiros. 
Fernão  Telles  castigou  a  imprudência  do  Governador  de  Alfayates, 
tirando-lhe  o  posto,  em  que  ocupou  o  Sargento-mór  Lourenço  da 
Costa  Mimoso»  '. 

Bem  escreveu  o  poeta : 

Fez  a  temeridade  muytas  vezes 
Com  forças  inferiores  bons  acertos, 
Vencendo  muytos  poucos  Portugueses, 
Mas  erão  Portugueses  muyto  expertos, 
Que  sabiáo  romper  muros,  &  arneses, 
E  pelejar  a  peytos  descubertos: 
Muytos  buscão  por  brio  o  Inimigo 
Poucos  saheni  com  honra  do  perigo. 


'  Portugal  restaurado,  ibid. 


2  62  'Brás  Garcia  dMascareuhas 

Hé  natural  em  nós  o  destemelo, 
Antiga  a  emulação  de  procuralo, 
Frequente  a  presunção  de  accometelo, 
Covardia  a  prudência  de  evitalo: 
Chegando,  ô  grande  mal !  a  conhecelo, 
Quando  jà  não  podemos  remedialo. 
Naõ  hè  melhor  antes,  que  o  mal  succeda, 
Não  hir  á  luta,  que  levar  a  queda  ? 

Lute  quem  sabe,  quem  não  sabe  aprenda, 
Antes  que  saya  a  publico  terreyro, 
Que  quem  aprende  aonde  se  arrependa, 
Não  hè  de  valeroso,  hè  de  grosseyro. 
Aprender,  &  mandar  ninguém  o  eraprenda, 
Que  hé  novo  potro,  &  novo  Cavalleyro, 
E  nasce  deste  não  saber  regelo, 
O  não  saber  aquelle  obedecelo  '. 

Para  governar  interinamente  Alfaiates  nomeia  pois  o  general  aquele 
sargento-mór,  de  quem  fazia  o  mais  elevado  conceito,  informando  a 
el-rei,  em  suas  cartas  de  5  e  7  de  novembro  do  mesmo  ano,  que  êle 
é  pessoa  de  valor  e  experiência,  que  serve  ha  ig  amtos  em  Africa, 
índia,  Brasil  e  noutras  partes,  e  merece  maiores  postos -.  Depois  do 
malogro  da  escolha  antecedente,  compelido  pela  necessidade,  por  não 
ter  um  capitão  da  sua  confiança  com  as  qualidades  requeridas  para 
tão  melindroso  cargo,  é  que  Fernão  Teles  recorreu,  muito  contrariado, 
a  Costa  Mimoso.  Mal  podia  dispensá-lo  do  serviço  activo  próprio  do 
seu  posto;  era  dos  seus  quatro  sargentos  mores  aquele  que,  pelos 
dotes  excepcionais  que  possuia,  mais  falta  lhe  fazia  no  exército,  e 
por  isso  só  interinamente  o  imobilizou  naquele  governo,  enquanto  o 
rei  não  providenciasse. 

Lourenço  da  Costa  Mimoso,  que  assim  foi  por  ordem  de  Fernão 
Teles  ocupar  o  cargo  de  governador  de  Alfaiates,  quando  Brás  Garcia 
estava  preso  por  acusação  gravíssima  produzida  pelo  mesmo  general 
Teles,  era  de  Linhares  da  Beira,  povoação  situada  entre  a  Guarda  e 
Gouveia,  filho  de  Bernardo  Madeira  da  Costa,  de  Avô,  o  qual  era 
irmão  de  Gaspar  Dias  da  Costa,  padrinho  de  Brás,  pai  da  sua  antiga 
namorada,  e  avô  da  que  brevemente  seria  sua  mulher  ^. 

i  Estranho  capricho  da  sorte  I     ;  Notável  coincidência  I 


1  V.  T.,  V,  7-8. 

'  T.T. —  Consultas  do  Cons.  de  G.,  m.  2.  n."  403. 

'  Notas  genealog.  III,  iii,  3. 


VII 

o  poeta-patriota  de  Avô 


Quando,  ao  findar  o  século  xvii,  Bento  Madeira  de  Castro  publicou 
à  frente  do  poema  Viriato  Trágico,  por  êle  editado,  o  Breve  resumo 
da  vida  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  auílior  deste  Poema,  já 
se  achava  bastante  desfigurada  a  memória  da  prisão  do  governador 
de  Alfaiates.  A  lenda,  que  cedo  a  envolvera,  atribuía  a  responsa- 
bilidade do  facto,  a  quem  para  êle  não  concorrera,  e  tinha-o  revestido 
de  circunstâncias  e  episódios,  que  certamente  não  correspondiam  à 
realidade. 

Segundo  escreveu  o  mais  antigo  biógrafo  de  Brás,  foi  D.  Sancho 
Manuel  quem  mandou  prender  o  capitão-governador,  por  inveja  ou 
por  vingança.  O  pretexto  foi,  ter  êle  transgredido  uma  ordem  sua, 
para  obedecer  a  uma  outra  do  general  Fernão  Teles  de  Meneses; 
como  se  o  mestre-de-campo  tivesse  tal  audácia,  ou  mesmo  pudesse 
castigar  um  oficial  por  este  haver  executado,  como  lhe  cumpria,  as 
ordens  emanadas  do  comandante  em  chefe  e  governador  das  armas 
daquela  fronteira.  Preso  na  torre  do  castelo  do  Sabugal,  foi  accií- 
sado  a  El  Rey  por  falsaria,  que  tinha  tratos  occultos  com  Castella, 
etc. 

Todos  os  restantes  biógrafos  teem  seguido  no  encalce  do  capitão- 
-mór  de  Avô,  atribuindo  a  baixos  e  vis  sentimentos  de  D.  Sancho 
Manuel  a  prisão,  perseguições,  calúnias,  maus  tratos  e  misérias  so- 
fridas por  Brás  Garcia.  O  mesmo  fizeram  Camilo  Castelo-Branco 
no  romance  Luta  de  gigantes,  o  Visconde  de  Sanches  de  Frias  no 
drama  histórico  O  poeta  Garcia,  e  o  Dr.  Júlio  Dantas  na  comédia  de 
capa  e  espada  Viriato  Trágico. 

Vimos  no  capitulo  precedente  que  a  realidade  se  afasta  muito 
desta  fantasia.  Foi  o  general  comandante  do  exército  da  Beira  Fernão 
Teles  de  Meneses,  e  não  D,  Sancho  Manuel,  quem  fez  encerrar  na 


264  ^rás  Garcia  ^Mascarenhas 

prisão  o  governador  de  Alfaiates.  E  grave  a  injúria  com  que  foi 
caluniada  a  memória  de  D.  Sancho,  soldado  cheio  de  brio  e  valor, 
fidalgo  de  carácter  nobre  e  honrado,  e  uma  das  figuras  mais  distintas 
e  de  maior  destaque  da  restauração;  por  seus  nunca  assas  louvados 
serviços  à  causa  da  pátria,  mereceu  que  lhe  fosse  mais  tarde  conce- 
dido o  título  de  Conde  de  ^'ila-Flor.  Era  absolutamente  incapaz  de 
praticar  as  vilanias,  que  há  mais  de  dois  séculos  lhe  teem  sido  atri- 
buídas. 

E  ainda  mais  vemos  avultar  a  injustiça  ao  considerar  que,  poucos 
meses  depois  da  prisão  de  Brás,  foi  êle  D.  Sancho  vítima  também  de 
intrigas  e  calúnias,  sendo  no  mês  de  novembro  seguinte  preso  á 
ordem  do  mesmo  general  Teles  de  Meneses,  que  em  cartas  sucessivas, 
dirigidas  a  D.  João  IV,  fez  acusações  gravíssimas  contra  o  seu 
mestre-de-campo. 

Em.carta  de  5  de  novembro  de  1642  relatava  Fernão  Teles  alguns 
recontros  e  escaramuças,  em  que  o  inimigo  fora  vencido  e  derrotado 
com  perdas  importantes;  e  tecia  rasgados  elogios  a  D.  Sancho  Ma- 
nuel, pela  forma  por  que  se  houvera  nesses  combates  •.  Vemos  pois 
que  a  esse  tempo  ainda  o  mestre-de-campo  estava  nas  boas  graças 
do  general.  Mas  dois  dias  depois,  em  data  de  7,  já  D.  Sancho  es- 
crevia a  el-rei  a  pedir  licença  para  se  retirar  da  campanha,  por 
não  poder  por  mais  tempo  sustentar-se  ali  sem  receber  dinheiro,  e 
porque,  alem  de  precisar  de  tratar  em  Lisboa  negócios  de  sua  casa, 
e  não  ser  necessário  na  fronteira  por  o  inverno  ter  feito  paralizar  a 
guerra,  com  ho  general  fcrnão  ielles  lhe  e  mui  dificultoso  seruir,  por 
uer  quão  pouca  conta  fas  dos  soldados  hõrados  e  ualentes,  e  quam 
remisso  é  no  inportãte  do  seruiso  de  sua  mg.'^^  -.  Pelo  seu  lado 
Fernão  Teles  apressava-se  também  a  dirigir  a  el-rei  queixas  contra 
D.  Sancho,  acusando-o  de  desobediente  e  de  ter  abandonado  o  posto, 
e  pedindo  instruções  sobre  o  procedimento  a  haver  com  éle  ^. 
São  estas  as  primeiras  queixas.  Principiara  a  desavença. 
Ocupa-se  do  assunto  o  conselho  de  guerra  em  sessão  de  17  de 
novembro.  É  de  parecer  que  D.  Sancho  deve  ser  preso,  para  exem- 
plo de  todos,  e  que,  depois  de  estar  preso,  poderá  então  el-rei  usar  de 
sua  clemência,  conforme  ele  o  merecer  '\ 

O  general  dirige  duas  cartas-relatórios,  a  21  do  mesmo  mês,  insis- 
tindo nas  queixas  contra  o  mestre-de-campo^;   a  seu  turno  este,  ern 


1  x.x. — Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n.°  408. 

2  Doe.  XLVII.  — '  Doe.  XLVIII.  —  ■»  Doe.  XLVIIL  — »  Doce.  XLIX  •  LII. 


Cap.  VII —  O  poeta-paíriota  de  cAvô  265 

requerimento  ao  rei,  sem  data,  mas  que  é,  talvez,  dos  fins  de 
novembro,  alega  os  serviços  prestados,  explica  os  seus  actos,  quei- 
xa-se  de  ter  sido  preso  arbitrariamente  à  ordem  do  general,  e  pede  que 
se  lhe  faça  devassa  por  um  Ministro  de  grande  confiança  e  inteireza  '. 
A  26  e  3o  de  novembro  ^  e  a  5  de  dezembro  3,  Fernão  Teles  re- 
pete em  cartas  ao  monarca  as  suas  acusações,  sucessivamente  am- 
pliadas num  crescendo  constante,  e  agravadas  com  artigos  novos,  em 
que  atribue  a  D.  Sancho  acções  atrabiliárias,  subversivas,  indecorosas 
e  imorais,  algumas  delas  inteiramente  inverosímeis. 

Então  o  conselho  de  guerra  toma  conhecimento  destas  cartas  em 
sessão  de  II  de  dezembro.  Dividem-se  um  pouco  os  votos.  Ei-los 
por  sua  ordem. 

O  conde  de  Penaguião  entende  que  D.  Sancho  deve  vir  preso  à 
corte,  com  boa  guarda,  para  ser  julgado ;  e  que  hum  desembargador 
do  Porto,  dos  de  maior  inteireza  e  rectos  que  haja  naquella  Relação, 
vá  á  Guarda  e  tire  devassa  deste  caso,  e  a  remeta  a  este  Conselho. 
D.  Gastão  Coutinho  he  do  mesmo  parecer,  .  ■ .  acrescentando  que 
convém  que  o  Ministro  a  que  se  encarregar  a  devassa  seja  mui  inteiro, 
porque  a  informação  é  dada  pelo  general,  que  é  suspeito,  pois  fala 
escandalizado  e  empenhado. 

Segue-se  um  voto  que,  pela  sua  importância,  transcrevo  na  ín- 
tegra: 

«Dom  José  de  Meneses  diz  que  a  província  da  Beira  está  perdida, 
como  elle  o  tem  por  avisos  certos  das  suas  comendas  que  estão  alli 
despovoadas,  e  que  todo  este  mal  resulta  das  dissensões  e  faltas  de 
não  assistir  a  gente  paga  com  seus  superiores  á  vista  do  inimigo  na 
fronteira  adonde  o  inimigo  faz  seus  lances  a  salvo,  como  tem  feito 
em  todos  aquelles  logares,  e  é  de  muito  dano  estarem  as  cabeças  com 
suas  casas  longe  da  fronteira,  como  está  Guarda  e  outros  logares;  e 
V.  Mg.'*'  deve  mandar  que  quem  governar  as  armas  e  officiaes  maio- 
res e  menores  assistam  em  Almeida,  e  nas  praças  fortes  vizinhas  a 
raia,  e  que  o  mais  longe  seja  a  de  Pinhel,  como  o  fazia  Dom  Álvaro 
de  Abranches,  que  por  esta  razão  se  não  atreveu  o  inimigo  a  queimar 
nenhum  logar  em  seu  tempo;  ainda  por  a  de  estarem  divididas  as 
cabeças  succedeu  este  caso  do  mestre  de  campo  e  seu  general,  sobre 
o  qual  V.  Mg.<^=  deve  servir-se  mandar  ver  a  letra  a  petição  do  Mestre 


1  Doe.  L. 

*  T.T. — Consultas  do  Cons.  de  Guerra,  m.  cit. 

3  Doe.  LI. 


266  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

de  Campo  e  as  razões  que  aponta  em  sua  descarga,  que  é  justo  se 
vejam,  como  as  das  cartas  e  papeis  do  general,  e  que  parecendo  a 
V.  Mg."^^  que  o  negocio  haja  de  passar  adiante  é  de  parecer  que  as 
informações  se  façam  por  um  desembargador  do  Porto  mui  inteiro; 
porque  o  caso  é  mui  grave,  e  no  modo  em  que  escreve  o  General  dá 
a  entender  grande  escândalo  do  mestre  de  Campo  e  fica-lhe  suspeito; 
e  em  quanto  a  haver  de  vir  preso  a  esta  cidade  não  se  deve  reparar 
pouco  no  escândalo  que  causaria,  por  que  tendo  na  descarga  justi- 
ficação bastante  se  faria  muito  ruido,  e  assim  entende  que  seria 
melhor  meio  mandalo  V.  Mg."^'  mudar  da  prisão  em  que  está  para  o 
Castello  da  mesma  Cidade  da  Guarda;  e  no  ínterim,  visto  não  haver 
alli  Mestre  de  Campo,  nem  tenente  general  da  Cavallaria,  faltando 
também  o  Sargento  mor  Pantoja  e  Brás  Garcia  de  Mascarenhas, 
capitães  de  tanta  experiência  e  valor,  V.  Mg/^  deve  mandar  acudir 
com  tempo  com  cabeças  áquella  província,  e  antes  que  o  inimigo 
acabe  de  senhorear  toda  a  riba  de  Coa,  e  se  o  fizesse  (o  que  Deus 
não  permita)  tiraria  todo  o  sustento  á  Beira  até  Coimbra,  matéria  taÕ 
grave,  que  pede  que  a  mande  V.  Mg.''^  considerar  com  atenção  que  a 
qualidade  delia  pede.  E  que  V.  Mg.''*  se  deve  servir  de  mandar 
considerar,  que  o  mesmo  estado  que  na  Beira,  ha  nas  demais  fron- 
teiras, que  tudo  saõ  dissensões,  e  por  ellas  se  tem  desfeito  as  com- 
panhias e  fogido  a  maior  parte  da  gente,  e  o  dinheiro  que  vai  ás 
fronteiras,  se  gasta  entre  as  pessoas  particulares  e  fica  faltando  para 
os  soldados;  o  remédio  que  sente  para  tudo  se  ordenar  bem,  é  forti- 
ficarem as  fronteiras  e  cobrarem  animo  todos,  e  tornar-se  a  renuiar 
a  guerra,  que  é  mui  durável,  e  assim  se  hade  entender  o  ir  V.  Mg.''* 
a  ver  suas  fronteiras,  que  só  a  vista  de  V.  Mg.''*  ha  de  ser  o  remédio 
e  seguridade  de  seus  reinos»  '. 


'  j  Quem  poderia  dizer  a  D.  José  de  Meneses,  conselheiro  de  estado  e  nobilís- 
simo patriota,  quando  êle  formulou  este  voto  tão  sensato,  que,  decorridos  poucos 
meses,  seria  preso  à  ordem  do  rei  sob  a  acusação  de  traidor,  recolhido  ao  Limoeiro, 
posto  a  tormentos  apesar  da  sua  avançada  idade  e  dos  achaques  de  gota  que  sofria, 
e  de  tal  forma  torturado,  que  os  cordéis  lhe  esmagaram  e  descolaram  dos  ossos  a 
carne,  que  ficou  agarrada  ao  potro,  mantendo-se  o  nobre  ancião  com  coragem 
admirável  sem  confessar  o  crime,  que  falsamente  lhe  imputavam  !  Solto  ao  fim 
de  um  ano  de  prisão,  depois  de  se  ter  reconhecido  a  sua  inocência,  veiu  residir 
para  Cantanhede,  e  não  mais  quis  voltar  à  corte.  Sendo  chamado  pelo  rei  para 
de  novo  o  ocupar  em  comissões  de  confiança,  recusou-se  sentida  e  nobremente  a 
servir  quem,  acreditando  caluniosas  acusações,  tamanha  afronta  fizera  à  sua  hon- 
radez largamente  provada. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  <zAvò  267 

D.  Álvaro  de  Abranches  quer  que  se  salve  a  disciplina  e  se  re- 
speite a  justiça.  Venha  pois  D.  Sancho  preso,  e  encarregue-se  de 
fazer  a  devassa  um  Ministro  mui  inteiro,  porque  este  é  negocio  mui 
grave  e  de  palavras  mui  pesadas. 

António  de  Saldanha,  finalmente,  não  coneorda  com  a  vinda  do 
preso  a  Lisboa  antes  de  se  lhe  apurarem  as  responsabilidades.  Visto 
estar  fá  preso,  o  deve  estar  na  prisão  em  que  está,  sem  que  se  lhe 
altere  nada,  em  quanto  se  não  tire  a  devassa,  e  que  esta  se  deve 
tirar  por  um  Ministro  de  muita  cottjiatiça,  visto  ser  o  caso  merecedor 
de  grande  castigo. 

D.  João  IV  conforma-se  com  a  maioria,  escrevendo  por  sua  pró- 
pria mão,  no  papel  em  que  foi  exarada  esta  consulta,  a  seguinte  re- 
solução régia: 

—  Como  parece  aos  mais  votos  sobre  o  vir  preso  Dom  Sancho  e 
para  a  devassa  terei  lembrança  de  nomear  Ministro.  —  Lisboa  11  de 
dezembro  de  641  —(Rubrica  del-rei). 

Em  princípio  do  ano  de  1648  foi  o  mestre-de-campo  do  exército 
da  Beira  transportado  da  casa  da  câmara  da  Guarda,  onde  se  achava 
preso,  para  Lisboa,  no  meio  de  uma  força  de  dez  soldados,  como  se 
fosse  um  perigoso  facínora.  Acompanhava-o  além  disso  um  juiz,  um 
meirinho  e  um  escrivão,  causando  espanto  e  lástima  este  aparato  a 
quem  pelas  estradas  e  legares  via  passar  em  tal  estado  um  oficial 
superior  do  exército,  de  tanto  valor  e  tão  subidos  méritos. 


Deixámos  o  nosso  capitão  Brás  Garcia  Mascarenhas  •  no  castelo 


•  Gastei  mais  de  loanos  em  buscas  pacientes,  laboriosas  e  sempre  infrutíferas» 
a  ver  se  colhia  algum  autógrafo  do  nosso  poeta  —  a  sua  assinatura,  quando  mais  não 
fosse.  Na  T.T.:  — no  arquivo  do  conselho  de  guerra  encontrei  respostas  a  consultas 
e  relatórios  seus,  mas  nem  o  mais  leve  vestígio  dos  escritos  que  as  provocaram ;  e 
no  arquivo  da  ordem  militar  de  Avis,  onde  devia  encontrar-se,  pelo  menos,  a  sua 
assinatura,  há  uma  lacuna  que  abrange  a  época  da  sua  profissão.  Dos  antigos  ar- 
quivos públicos  do  município  de  Avô  quase  nada  existe  em  Oliveira  do  Hospital,  e 
o  que  resta  não  remonta  além  do  século  xix.  Pertence  hoje  ao  A.  U.  o  antigo  re- 
gisto paroquial  do  distrito  de  Coimbra,  mas  percorrendo  o  de  Avó  e  freguesias 
vizinhas,  relativo  ao  período  em  que  Brás  por  ali  viveu,  nem  uma  única  assinatura 
sua  pude  encontrar  ;  e  o  mesmo  me  sucedeu  folheando  os  numerosos  processos, 
ricos  de  assinaturas  de  testemunhas  e  partes,  que  estão  na  C.  E ,  coevos  de  Brás 
Garcia  e  corridos  na  sua  terra,  nos  quais  se  me  depararam,  a  cada  passo,  assina- 
turas do  pai,  dos  irmãos,  e  de  muita  gente  com  quem  convivia.    Rebusquei  com 


268  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

do  Sabugal,  á  ordem  do  general  Fernão  Teles  de  Meneses,  sob  a 
acusação  de  traidor  à  pátria. 

l  O  que  se  passou  depois  ? 

Pouco  é  o  que  nos  dizem  os  biógrafos.  Bento  Madeira  de  Castro, 
a  única  fonte  a  que  recorreram  os  restantes,  afirma  que : 

—  nesta  pri:{ão  solitária  o  privarão  de  toda  a  commimicação ; 

—  subtrahindolhe  pouco  a  pouco  o  mantimento,  lhe  pretendido 
abriviar  os  dias; 

—  j^endo-se  ja  desemparado  de  todo  o  favor  humano  se  valeo  de 
sua  industria,  fazendo,  por  um  hábil  estratagema,  chegar  às  mãos  de 
D.  João  IV  híia  discreta  carta  em  verso  muj  limado. .  .,  em  que  rela- 
tava sua  pri:{ão,  &  inuocencia  ; 

—  lendo  o  paternal  Rey  a  carta  tam  bem  lançada,  despedio  logo 
hum  decreto,  em  q  ordenava  aparecesse  sem  demora  em  Lisboa; 

—  Chegou  à  Corte  rodeado  de  guardas; 

—  quando  todos  agouravão  final  sentença  a  sua  vida,  lhe  deu  o 
piadosissimo  Rey  audiência  afiavel,  na  qual  de  tal  sorte  se  limou,  & 
inteirou  o  seu  negocio,  que  sahio  despachado  com  Abito  de  Avis,  & 
boa  tença,  &  restituído  por  entre  tanto  ao  seu  Governo  de  Alfajates; 

—  Voltou  de  Lisboa  triunfando  da  inveja,  &  do  ódio,  &  repetida 
a  posse  do  seu  Governo  a  pe^ar  de  seus  emulos,  aconselhandose  con- 


diligência  o  pouco  que  resta  dos  arquivos  particulares  da  região,  e  nada,  absoluta- 
mente nada.—  Já  tinha  perdido  toda  a  esperança,  quando  certo  dia  um  feliz  acaso 
me  descobre  na  quinta  da  Coitena,  freguesia  da  Bobadela  e  propriedade  do  meu 
bom  amigo  José  Madeira  Teles,  em  meio  de  vários  papéis  velhos,  abandonados  nos 
forros  da  casa,  uma  folha  de  papel  almasso,  bastante  denegrida  e  empastada  de  pó, 
tendo  três  páginas  quase  cheias  de  escrita  do  próprio  punho  de  Brás  Garcia,  devi- 
damente datada  e  firmada  com  a  sua  assinatura  solene.  Foi  um  dia  de  grande 
satisfação  que  tive,  realçada  ainda  pela  generosa  dádiva  do  precioso  autógrafo 
com  que  José  Teles  imediatamente  me  brindou.  Deixo  neste  lugar  consignado  o 
favor,  com  a  expressão  do  meu  mais  vivo  agradecimento.  —  Sendo  o  único  autó- 
grafo conhecido  do  nosso  poeta-patriota,  suponho  que  cumpro  um  dever  enrique- 
cendo este  meu  trabalho  com  a  sua  reprodução.  Foi  escrito  a  i6  de  Março  de  1640, 
poucos  meses  antes  do  célebre  motim  de  Travanca-de-Farinha-Podre.  —  Temos 
neste  documento  o  nome  do  poeta,  duas  vezes  por  êle  escrito,  e  verifica-se,  por 
forma  indiscutível,  que  se  assinava  Brás  Garcia  Mascarenhas,  como  o  denominou 
Bento  Madeira  de  Castro,  e  no  encalce  deste  os  outros  autores,  e  não  Brás  Garcia 
de  Mascarenhas,  como  eu  tenho  escrito,  apoiando-me  em  razões  de  ordem  filoló- 
gica e  de  analogia,  e  no  uso  de  algumas  pessoas  ilustradas  suas  contemporâneas. 
Em  face  porém  do  diploma,  reproduzido  aqui  integralmente,  confesso  o  erro,  que 
não  mais  cometerei. 


^?^^»j^     ^^juUjí/*\Ò^      cx/yy^f^S*-    <r>w,t»v<^   '^^^><j(^<^JL 


^       ^       -*^>-v„   -n..,^:  ,^n,^^  ^^^g_^ 


y^SLj  ^^x^^  c.-„^^  ^^cw^í;^>^v^.^.^.,^ 


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^  ~''  ^''•*^;^^,j^^^'''^'^'tj^ 


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^■^^     2^ 


UNlCO  AUTÓGRAFO  CONHECIDO 
DO  POETA  BRÁS  GAROA  MASCARENHAS 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  sôg 

sigo  se  retirou  a  pátria,  assim  por  não  irritar  mais  a  impaciência 
de  seus  adversos,  como  também  pêra  lograr  algum  descanso  devido  a 
sua  idade,  &  muftas  perigi-inações  por  mar,  &  terra  *. 

,;  Até  que  ponto  corresponderão  estas  afirmações  á  realidade  ? 

Recorrendo  às  fontes  documentais  para  responder  a  esta  pregunta, 
a  colheita  de  notícias  é  escassa;  folheando  e  lendo  com  atenção  o 
Viriato  Trágico,  encontram-se  algumas,  embora  mais  ou  menos 
vagas,  e  pouco  circunstanciadas. 

E  o  que  passamos  a  estudar. 

Segundo  vimos  no  capítulo  antecedente,  o  general  Fernão  Teles 
antipatizou  com  o  governador  de  Alfaiates,  logo  desde  que  assumiu 
o  comando  do  exército  da  Beira;  esta  antipatia  foi  crescendo,  foi-se 
exacerbando,  como  resultante  de  muito  complexos  e  variados  ele- 
mentos, até  explodir  na  ordem  de  prisão  e  devassa. 

Pelo  seu  lado  Brás  Garcia,  desde  que  em  1641  se  apresentara  ao 
seu  primeiro  general  com  a  célebre  companhia  dos  Leões,  por  si 
recrutada,  organizada  e  disciplinada  rapidamente,  como  por  encanto, 
mereceu  a  estima,  consideração  e  confiança  de  seus  superiores,  es- 
pecialmente do  governador  D.  Álvaro  de  Abranches,  que  o  distinguiu 
com  comissões  delicadas  e  dificílimas,  e  que  lhe  entregou  o  governo 
da  importantíssima  praça  de  Alfaiates,  a  qual,  por  sua  situação,  era 
a  chave  de  toda  a  província  da  Beira,  como  escreveu  mais  tarde 
Fernão  Teles  ^.  Esta  fortuna  despertara  as  invejas  e  emulações  de 
alguns  dos  seus  camaradas. 

O  capitão  Brás  era,  além  disso,  um  militar  recto,  disciplinador, 
austero,  rigoroso,  inflexível,  que  premiava  com  justiça  os  méritos,  e 
com  justiça  castigava  as  faltas,  embora  leves,  dos  seus  subalternos. 
Assim  como  cumpria  à  risca  as  ordens  recebidas  dos  superiores, 
assim  exigia  o  exacto  cunlprimento  das  que  dava  ou  transmitia  aos 
subordinados.     Este  rigor  havia  criado  ódios,  e  más  vontades. 

Enquanto  senhor  do  mando,  todos  em  volta  dele  se  curvavam 
submissos,  e  o  adulavam  mesureiros;  e,  se  alguns  se  atreveram  a 
intrigá-lo  junto  do  general  Fernão  Teles,  foi  por  estarem  seguros  de 
que  agradavam  a  este,  sem  perigo  de  vir  a  delação  a  ser  conhecida 
daquele. 


í  Doe,  XLV.-í  Doe.  CXII. 


syo  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

Mas,  desde  que  o  viram  decaído,  deposto  do  governo,  privado  de 
todas  as  honras,  preso  e  encarcerado,  os  émulos,  os  queixosos,  os 
inimigos  formaram  coro  em  volta  de  Fernão  Teles  e  do  ministro 
encarregado  da  devassa,  e  não  houve  acusação  que  não  fizessem  ao 
desgraçado. 

Ouçamos  as  suas  próprias  palavras : 

Que  antiga  hé  já  no  mundo,  &  que  enganosa 
A  louca  Emulação  que  a  tantos  dana  1 
Que  hypocrita,  que  néscia,  que  invejosa  ! 
Quem  mais  presume,  facilmente  engana  ; 
Que  altiva,  desabrida,  escandalosa 
Foy  sempre  a  toda  a  gente  Lusitana  ! 
Que  antes  se  quer  perder  soberba,  &  cega. 
Que  sogeytarse  a  igual,  que  a  mandar  chega. 

Da  experiência  própria  examinado. 

Se  em  verdadeyra  conta  entro  comigo, 

Chego  ajulgar  do  tempo  castigado 

Que  este  hé  da  Pátria  o  mayor  castigo. 

Todo  o  Homem  que  mandou,  foy  emulado. 

Todo  o  que  bem  sérvio,  teve  inimigo; 

Metamos  bem  a  mão  na  conciencia, 

E  acharemos  que  hé  falta  de  obediência. 

Tudo  naturalmente  reconhece 
Perpetua  vassalagem,  &  senhorio; 
Todo  o  Animal  tem  Rey,  de  que  estremece, 
Rainha  as  Aves,  que  lhe  humilha  o  brio  ; 
As  Abelhas  tem  Rey:  tudo  obedece; 
A  pedra  ao  centro,  ao  salso  Mar  o  Rio, 
A  nuve  ao  vento,  ao  vasio  o  cheyo, 
A  nào  ao  leme  o  Cavallo  ao  freyo. 

As  Cegonhas,  &  Gralhas  se  sogeytaõ, 
A  huma,  que  as  governe,  &  ponha  em  via; 
Dormindo  huas '  estaõ,  &  outras  espreytaõ, 
Sempre  alguma  há  de  estar  posta  em  vigia. 
Somente  os  Homens  muyto  mal  aceytão. 
Que  os  sogeyte  ^  o  poder,  reja  a  Mayoria; 
Todos  querem  mandar,  todos  reprendem, 
Mais  emulando  os  que  peor  se  entendem  '. 


'Al.'  edição  tf  az  tiiia,  erro  tipográfico  evidente,  que  já  aparece  emendado 
tia  1." 

2  Outro  erro  tipográfico  sogeyta)  também  emendado  na  2.*  edição. 
»  Y.  T.,  V,  1-4. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  27/ 

E,  depois  de  fazer  referência  à  tomada  de  Eljas  e  de  Valverde, 
acrescenta,  aludindo  ao  erro  de  não  lhe  terem  seguido  o  conselho 
atacando  simultaneamente,  de  surpresa,  a  importante  praça  de  Alber- 
garia, e  El  Paio: 

Não  se  renderão  mais,  por  não  ser  crido, 
Ou  por  não  ficar  mais  acreditado  : 
Zãgão,  pêra  aquentar,  será  admittido, 
Pêra  o  favo  gostar,  fora  deytado. 
De  treydores  vilissimos  trahido 
Se  verá  prezo  em  vez  de  ser  premiado, 
Porque  treydores  saõ  muyto  mayores 
Os  que  querem  de  leais  fazer  treydores. 

Verse-há  nesta  prizão  injusta  o  pouco 

Que  podem  confiar  os  que  militão. 

No  applauso  popular,  no  vulgo  louco. 

Que  a  quem  levantão  mais,  mais  precipitão. 

Como  charqueyras  raãs,  estrondo  rouco 

Contra  o  prezo  faraó,  que  raãs  imitão 

Os  que  longe  murmurão  dos  absentes, 

E  que  immudecem  quando  os  vem  presentes '. 

Daqui  se  concluo  que,  alem  das  traições  vilíssimas  de  falsos  ca- 
maradas, émulos  e  inimigos,  também  o  poviléu  ignóbil,  que  dantes  o 
aplaudia  e  vitoriava,  se  voltou  contra  ele,  caluniando-o  e  acusando-o. 
A  isto  alude  mais  uma  vez  o  poeta  ao  traçar  a  sua  auto-biografia,  na 
longa  alocução  que  dirige  a  Viriato  no  canto  xv  do  poema,  quando, 
depois  de  descrever  a  revolução  restauradora  de  1640,  acrescenta  : 

Visto  tens  invincivel  Viriato, 

Como  estes  Reynos  teus  se  levantarão, 

Sua  conservação  te  não  relato. 

Por  ser  hum  dos  que  a  peytos  a  tomarão. 

Tão  mal  mo  satisfez  o  vulgo  ingrato, 

Tantos  emulos  inúteis  me  invejarão, 

Que  me  chegarão  a  por  em  mais  perigos 

Os  naturais,  que  os  próprios  Inimigos  '. 

O  vulgo  infame,  esse  monstro  sussurrante,  essa  disforme  e  baV' 
bara  canalha,  vil  escoria  da  terra,  em  que  se  misturam  elementos 
de  todas  as  classes  sociais,  e  que  he  dos  estados  três  escoria  em  bica, 
encontrando  o  meio  perturbado,  tudo  envolve,  tudo  turva,  tudo  mancha 


t  V.  T,  XIV,  86-87.-*  V.  T.,  XV,  loi. 


2'j2  'Brás  Garcia  óMascarenhas 

com  a  sua  baba  pestilenta,  confundindo  leais  com  traidores,  malsi- 
nando os  mais  honrados  servidores  da  pátria,  acusando  às  cegas  os 
que  amanhã  exaltará  com  elogios.  Mas  a  Justiça,  figurada  na  deusa 
Némesis,  tem  distinguido  o  bem  do  mal,  a  verdade  da  calúnia,  e 
enquanto  a  alguns  traidores  sentenciou  à  pena  capital,  aos  bons  e 
leais,  vítimas  de  ódios  e  intrigas,  tem  salvado  a  vida,  esmagando  os 
detractores,  que  os  caluniavam.  É  a  esse  vulgo,  tão  largamente  des- 
crito e  apontado  à  execração  em  várias  passagens  do  Viriato,  que  o 
poeta  se  refere  ao  escrever: 

No  mar  dos  seus  delidos  a  lealdade 

Se  verá  perturbada,  naufragame, 

Porque,  achando  este  monstro  agoas  involtas 

Causara  mil  tormentos,  &  revoltas. 

Nota  da  justa  Nèmesis  os  brios 

Com  que  manda  cortar  em  seus  disvellos 

Por  Atropos  de  alguns  os  vitais  fios, 

E  a  Làchesis  dos  outros  estendelos : 

Retrata  em  tumultuosos  desvarios 

O  vulgo  seus  fantásticos  libellos; 

Já  Leão,  já  cordeyro  desmaiado, 

De  alguns,  que  quer  pizar,  fica  pizado  •. 

Não  se  esquece  entretanto  de  proclamar  bem  alto,  o  coração  re- 
pleto de  reconhecimento,  que,  se  a  justiça  triunfou  na  causa  em  que 
êle  era  reu,  se  foi  inutilizada  a  obra  habilidosa  dos  traidores,  des- 
mascarando-se  a  calúnia  e  fazendo-se  brilhar  a  verdade,  teve  nisso 
acção  directa,  pessoal,  eficaz,  el-rei  D.  João  IV. 

A  ter  estranho  Rey  longe,  era  certo 
Que  poderão  treydores  derrocarme; 
Com  o  ter  natural,  tão  justo,  &  perto, 
Atropeley  quem  quiz  atropelarme  ^. 


Foi  no  meado  da  primavera,  no  início  de  Maio  de  1642,  que  Brás 
Garcia  recolheu  à  prisão,  e  a  22  deste  mês  escreveu  Fernão  Teles 
ao  rei  requisitando-lhe  pessoa  de  grande  experiência  e  de  talento 
para  governar  a  praça  de  Alfaiates.  O  poeta  fica  por  algum  tempo 
clausurado  no  castelo  do  Sabugal. 


>  V.  T.,  XIV,  79-So.  — *  V.  7.,  XV,  102, 


Cap.  VII—  O  poeta-patriota  de  zAvó  2j3 

Intensificam-se  os  esforços  dos  seus  adversários  para  o  perderem; 
o  processo  de  devassa,  feito  certamente  pelo  auditor  do  exército,  crea- 
tura  toda  dedicada  ao  general  ',  conclue-se,  segundo  a  inspiração  dos 
inimigos  do  capitão  devassado,  e  então,  a  25  de  julho,  dirige  Fernão 
Teles  a  D.  João  IV  a  sua  carta-relatório,  a  que  já  fizemos  referência 
no  capitulo  precedente,  na  qual,  como  que  incidentemente,  dá  conta 
dos  crimes  de  alta  traição  dos  governadores  de  Alfaiates  e  de  Almeida, 
apurados  na  devassa  que  lhes  mandou  fazer,  pelo  que  os  tem  presos  ^. 

0  conselho  de  guerra,  em  sessão  de  8  de  agosto,  toma  conheci- 
mento desta  carta,  resume-a,  fere  ao  de  leve  a  nota  da  acusação  de 
infidelidade  feita  contra  os  capitães  Brás  Garcia  Mascarenhas  e 
Rodrigo  Soares  Pantoja,  mas  abstemse  de  emitir  qualquer  conselho 
ou  comentário  sobre  este  incidente  do  relatório.  Ei-Rei  escreve  à 
margem  pura  e  simplesmente :  —  Fiquo  aduertido  do  q  se  contem 
nesta  consulta.  —  Em  Lx."  a  i3  de  Agosto  de  642.  —  (Rubrica  régia). 

Oficialmente  nada  mais  consta  do  que  se  passou.  Sabemos  po- 
rem que  Brás  tinha  amigos  dedicados  na  corte,  e  no  próprio  conselho 
de  guerra.  El-rei  foi  informado  particularmente  do  que  sucedia  na 
Beira,  e  avocou  a  Lisboa  o  processo  e  o  preso. 

1  Seria  esta  intervenção  do  rei  devida  a  uma  carta  em  verso,  ardi- 
losamente preparada  na  cadeia  pelo  nosso  poeta  com  letras  recortadas 
à  tesoura  de  um  livro,  e  coladas  sobre  uma  folha  em  branco  que 
servia  de  guarda  ao  mesmo  livro,  visto  não  consentirem  que  na  prisão 
entrasse  papel,  pena  ou  tinta  ?  Este  caso  anedótico,  narrado  por 
Bento  Madeira  de  Castro,  e  repetido  depois,  muitas  e  muitas  vezes 
até  ao  presente,  tem  todo  o  sabor  de  um  episódio  legendário. 

Entretanto  a  intervenção  pessoal  do  monarca  no  processo  de  Brás 
Garcia  deu-se  de  um  modo  eficaz.  E  verdade  que  ainda  não  encon- 
trei referência  alguma  documental  a  esta  intervenção,  apesar  das  di- 
hgentes  buscas  a  que  procedi  no  Arquivo  Nacional  da  Torre  do 
Tombo,  e  das  realizadas  antes  de  mim  pelo  sr.  general  Brito  Rebelo; 
mas  há,  a  confirmar  a  tradição  que  a  testemunha,  o  depoimento  au- 
têntico do  próprio  poeta,  acima  transcrito,  em  que  atribue  ao  rei  a 
sua  salvação. 

Ao  findar  este  ano  de  1642,  fazia  êle  a  sua  entrada  em  Avô,  de 
regresso  de  Lisboa,  livre,  absolvido,  justificado  e  honrado,  atrope- 
lando quem  qui^  atropelalo. 


1  Doe.  LV. -í  Doe.  XLVI. 
í8 


2^4  '^rás  Garcia  õMascaretihas 

Desde  que  o  processo  de  Brás  Garcia,  assim  como  o  processado, 
se  escaparam  das  mãos  do  general  Fernão  Teles  de  Meneses,  este 
não  mais  tornou  a  aludir  nas  suas  cartas  ao  ex-governador  de  Alfaiates,* 
e  voltou  então  as  suas  iras  todas  contra  D.  Sancho  Manuel,  como  já 
vimos,  não  cessando  as  queixas  e  acusações,  sucessivamente  repe- 
tidas e  ampliadas,  até  5  de  dezembro.     Então  param. 

A  1 1  deste  mês  é  resolvida,  segundo  fica  dito,  a  remoção  do  preso 
para  Lisboa,  a  qual  se  realiza  em  princípios  do  ano  de  1643. 

Não  convindo  que  se  mantenha  sem  mestre-de-campo  o  exército 
da  Beira,  o  conselho  de  guerra,  em  consulta  de  19  de  dezembro  de 
1Ó42,  propõe  a  el-rei  os  nomes  de  alguns  militares  de  experimentado 
valor,  a  fim  de  ser  nomeado  um  deles  para  aquele  posto.  O  monarca 
prudentemente  se  abstêm  de  fazer  a  nomeação,  e  por  último,  a  4  de 
fevereiro  de  1643,  lança  na  consulta  a  sua  resolução:  —  Sentenceada 
a  culpa  de  D.  Sancho,  se  poderá  tratar  deste  posto  '. 

D.  Sancho  Manuel,  chegado  a  Lisboa,  queixa-se  respeitosa  mas 
magoadamente  ao  rei  de  lhe  serem  tão  mal  compensados  os  muitos 
serviços  que  prestara,  com  risco  por  vezes  da  sua  vida,  em  defesa  do 
seu  rei  e  da  sua  pátria ;  e  pede  por  mercê  que  lhe  sejam  notificadas 
as  culpas  de  que  é  acusado,  e  que  êle  desconhece,  porque  espera  de 
sua  inocência  mostrar  em  continente. . .  serem  falsas  todas  as  que  lhe 
puseram  ^. 

Pouco  depois,  em  novo  requerimento,  deplora  que  tenha  sido 
encarregado  de  tirar  devassa  na  sua  causa  (diligência  que  êle  mesmo 
pedira  se  fizesse  por  u/n  Ministro  de  grande  confiança  e  inteireza)  o 
Auditor  do  exercito,  com  quem  havia  tido  grandes  desavenças  pelo 
serviço  de  sua  Mg.'^^,  e  era  feitura  do  ...  general,  e  seu  inimigo 
capital.  Assim,  apesar  de  tranquilo  na  sua  consciência,  pede  provi- 
dências, sendo  a  el  rei  presente  o  pouco  crédito  que  se  deve  dar  a 
devassa,  processada  por  um  inimigo  seu,  por  ordem  e  com  assistência 
do. . .  General,  que  faria  tudo  o  que  pudesse  pelo  culpar  '. 

D.  João  IV  pensa  em  reenviar  imediatamente  D.  Sancho  a  con- 
tinuar no  exército  da  Beira  a  série  dos  seus  distintos  serviços;  e  o 
conselho  de  guerra,  em  sessão  de  29  de  abril,  ponderando  este 
assunto,  reconhece  unanimemente  os  altos  merecimentos,  qualidades 


1  Doe.  LIII,  —  2  Do£.  LIV ;  cf.  L,  - '  Doe.  L V, 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvó  2j5 

e  serviços  do  mestre-de-campo,  cuja  presença  no  exército  era  recla- 
mada como  necessária  e  urgente.  Mas  gravíssimas  acusações  haviam 
sido  contra  êle  formuladas  pelo  general  governador  das  armas,  e  uma 
devassa,  que  correra,  confirmava-as.  i  Seria  regular  ou  conveniente 
rasgar  nesta  altura  o  processo,  e  restituir  sem  mais  formalidades 
D.  Sancho  ao  seu  posto  ?  ;  Não  sofreria  o  prestigio  e  bum  nome 
deste,  e  não  seria  cerceada  a  sua  autoridade,  se  êle  voltasse  ao  exér- 
cito sem  haver  sido  previamente  ilibado  por  sentença  das  culpas 
imputadas  ? 

Só  havia  a  seguir  um  de  dois  caminhos:  ou  ultimar  rapidamente 
o  processo  e  apressar  a  sentença,  que  não  podia  deixar  de  ser  abso- 
lutória, ou  pura  e  simplesmente  amnistiar  o  reu.  Ao  monarca  per- 
tencia resolver. 

D.  João  IV  opta  pelo  primeiro,  resolvendo  a  29  de  Maio  que  o 
reu  recolha  á  prisão  do  Limoeiro,  e  que  o  processo  avance  *. 

A  ordem  régia  para  D.  Sancho  recolher  à  prisão  é  comunicada  a 
Matias  de  Albuquerque  a  3  de  junho-. 

Mas  todo  o  processo  era  monstruoso,  deixando  transparecer  em 
cada  folha  a  paixão  e  ódio  dos  que  nele  haviam  cooperado.  D.  Sancho 
articulava  suspeições,  que  lhe  tiravam  todo  o  valor  moral  e  jurí- 
dico. Anulá-lo  e  instaurar  novo  processo  sobre  novas  bases,  leva- 
ria muito  tempo,  e  todos  viam  claramente  que  o  resultado  final,  a  que 
se  viria  a  chegar,  era,  e  não  podia  deixar  de  ser,  a  absolvição  do  réu. 
Parece  pois  que  melhor  teria  feito  o  rei  concedendo  desde  logo  a 
amnistia. 

Não  sei  a  data  precisa  em  que  D.  Sancho  foi  solto ;  é  porem  certo 
que  ainda  corria  o  verão  deste  ano  de  1643,  e  já  êle  praticava  proezas 
militares  de  grande  valor  na  Beira  à  frente  da  cavalaria,  no  seu 
posto  de  mestre-de-campo. 

Em  face  do  que  temos  narrado  a  respeito  dos  casos  de  D.  Sancho 
Manuel  e  de  Brás  Garcia,  é  natural  a  pregunta :  —  ,;  Em  que  situação 
moral  ficou  o  governador  das  armas  Fernão  Teles  de  Meneses  ? 

Situação  bem  singular  e  melindrosa.  Evidentemente  não  podia 
conservar-se  à  frente  do  exército  da  Beira. 

Ao  findar  o  ano  de  1642  já  êle  se  sentia  ali  mal;  e  D.  José  de 


«  Doe.  LVI.  -  '  Doe.  l/vll. 


2^6  ''Brás  Garcia  oMascarenhas 

Meneses  exclamando  no  seio  do  conselho  de  guerra — lA  proinncta 
da  Beira  está  perdida! — enunciava  o  sentir  de  muita  gente. 

Desta  província  chegavam  á  corte  reclamações  e  pedidos  dos 
povos;  lamentava-se  a  actual  situação,  e  rememoravam-se  os  tempos 
em  que  fora  governador  D.  Álvaro  de  Abranches,  formulando-se 
votos  por  que  esses  tempos  voltassem.  Estes  votos  eram  aten- 
díveis; tal  substituição  de  comando  dava  esperanças  de  melhorarem 
as  condições  aflitivas,  em  que  a  província  se  encontrava. 

Exonerado  pois  Fernão  Teles  de  Meneses,  foi  pela  segunda  vez 
nomeado  governador  das  armas  na  Beira  D.  Álvaro  de  Abranches, 
o  grande  amigo  e  admirador  de  Brás  Garcia  Mascarenhas. 

Em  meado  de  abril  de  1643  chegava  a  Coimbra,  de  caminho  para 
a  fronteira,  o  novo  comandante  do  exército  desta  província. 

Daqui  seguiu  por  Espinhal,  Figueiró-dos- Vinhos,  Certa,  Sarze- 
das,  até  Castelo-branco,  onde  se  demorou  alguns  dias.  Começa 
então  as  visitas  aos  castelos  e  praças  da  fronteira,  escoltado  pela 
companhia  de  infantaria  do  capitão  Damião  Botelho.  Visita  Idanha- 
-a-Nova,  Salvaterra,  Segura,' Monsanto,  etc,  ao  todo  vinte  e  quatro 
praças,  terminando  nas  do  Sabugal  e  Alfaiates,  donde  recolhe  à 
Guarda.  Referindo-se  a  esta  visita  de  inspecção,  escreveu  um  con- 
temporâneo:—  «Muros,  portas,  rastilhos,  pontes,  fossos,  trincheiras, 
estacadas,  baluartes,  reductos,  parapeitos,  alojamétos,  artilharia,  mu- 
nições, soldados,  bastimétos,  forão  o  seu  cõtinuo  desuelo,  prouêdo 
em  cada  húa,  &  muitas  destas  cousas,  segundo  necessitaua  a  praça, 
que  visitaua»  '. 

Ao  passar  em  Almeida  «toda  a  Villa  ardia  em  doenças,  algús 
affirmauão  ser  peste,  pelo  menos  como  apestados,  fugiaõ  todos  dos 
enfermos;  morriaõ  muitos  na  contagião  do  mal,  muitos  na  falta  do 
necessário».  Pediram  encarecidamente  a  D.  Álvaro  que  não  entrasse 
lá.  Entrou  e  providenciou:  visitou  os  enfermos,  proveu  às  suas  neces- 
sidades, deu-lhes  médicos  e  enfermeiros,  ordenou  ao  governador  da 
praça  Marco   António   de   Azevedo   que   se  limpassem   as   ruas,   e 


1  Relaçam  /  em  qve  se  refere  I  p.vte  dos  gloriosos  ivc-  /  cessas,  que  na  Prouinclá 
da  Beira  tiueráo  /  contra  Castelliarios,  as  armas  de  S.  Mage-  /  stade,  gouernadas 
por  D  Aluaro  de  /  Abranches,  seu  Capitão  General,  /  nos  meses  de  Mdyo  dlê  De-  / 
i^embro  de  648.    (S  folhas  inumerad:is), 


Cap.  VII —  O poeía-patrioía  de  oAvô  27'] 

aguassem  com  vinagre,  e  purificassem  com  fogueiras  de  alecrim,  não 
se  descuidando  entretanto  de  mandar  refazer  as  fortificações  da  vila  '. 

Quando  chegou  a  Alfaiates,  aí  por  princípios  de  junho,  começava 
a  época  perigosa  da  colheita  dos  cereais,  em  que  os  espanhóis  vinham 
em  frequentes  incursões  impedir  a  recolhença.  Não  podia  deixar  de 
se  lembrar  dos  incomparáveis  serviços  que  dois  anos  antes,  por  este 
mesmo  tempo,  prestara  o  governador  desta  praça  Brás  Garcia 
Mascarenhas,  agora  retirado  do  serviço,  em  Avô.  Não  havia  sido 
até  então  preenchido  o  lugar,  achando-se  ainda  encarregado  do  go- 
verno interino  de  Alfaiates  o  sargento-mór  Lourenço  da  Costa  Mi- 
moso. O  governador  nomeado,  Babilão,  não  chegara  a  vir  tomar 
posse,  nem  já  viria.  É  naturalíssimo  que  o  general,  rememorando 
as  altas  qualidades  do  seu  amigo  capitão  Brás  Garcia,  que  não  che- 
gara a  ser  formalmente  demitido,  e  que  agora  se  achava  plenamente 
justificado  das  acusações  aleivosas  que  lhe  haviam  feito,  quisesse 
reintegrá-lo  no  seu  antigo  posto  e  governo;  assim  completaria  o  acto 
de  justiça  e  reparação  devidas,  e  faria  uma  excelente  aquisição,  pois 
homens  com  as  virtudes  e  qualidades  de  Brás  eram  muito  raros. 

Escreveu-lhe  para  Avô,  a  chamá-lo.  Brás  veiu  logo,  e  reassumiu 
por  pouco  tempo  o  governo  de  Alfaiates. 

Bento  Madeira  de  Castro  diz  que  êle  restituído  por  entre  tanto 
ao  seu  Governo  de  Alfaj-ates. . .  &  repetida  a  posse  do  seu  Governo, 
a  pe\ar  de  seus  einidos,  aconselhando-se  consigo  se  retirou  a  pátria, 
assim  por  não  irritar  mais  a  impaciência  de  seus  adversos,  como 
também  pêra  lograr  algum  descanso  devido  a  sua  idade,  &  mujtas 
perigrinaçoés  por  mar,  &  terra  em  que  os  trabalhos  sempre  acompa- 
nharão a  este  Hercules  -. 

Parece  estar  em  oposição  com  isto  o  facto  de  Brás  declarar  que, 
vendo-se  livre,  não  quii  de  cargos  mais  encarregar-se  : 

Vendo-me  livre,  com  ditoso  acerto, 
Não  quiz  de  cargos  mais  encarregarme. 
Por  não  dar  ordés,  nem  estar  a  ellas, 
Porque  o  dalas  hè  mão,  peór  recebellas  '. 

Esta  declaração  porem  harmoniza-se  perfeitamente  com  o  facto 
de  haver  reassumido  o  seu  antigo  cargo,  não  para  o  exercer,  mas 
para  logo  o  resignar,  e  se  recolher  à  vida  tranquila  de  Avô.  E,  a 
meu  vêr,  a  única  interpretação  que  se  concilia  com  a  estância  88  do 


1  Relaçam  cit.  —  2  Doe.  CXII.  —  ^  V.  T.,  xv,  102. 


278  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

canto  XIV,  em  que  o  poeta,  depois  de  se  ter  referido  à  sua  injusta 
prisão,  e  ao  estrondo  rouco  que  o  vulgo  louco  e  inconstante,  como 
charqueiras  rãs  fez  contra  ele,  quando  preso,  acrescenta : 

Presente  o  veràõ  presto  mais  honrado 
Desmentindo  perjuros  fementidos, 
Porque  os  que  infamao  mal  o  acreditado, 
Ficão  de  todos  por  infames  tidos. 
Vès  outra  vez  o  vulgo  retratado, 
Ves  os  loquazes  mudos,  &  corridos  ? 
Sempre  mostra  em  desditas,  ou  venturas 
O  vulgo,  qual  Prothèo,  varias  figuras. 

Que  como  hè  vario,  crédulo,  inconstante, 
Sem  honra,  sem  vergonha,  &  sem  verdade. 
Tudo  o  que  diz,  desdiz  de  instante  a  instante, 
Porque  todo  hè  Quimera,  &  falsidade  '. 

Os  que  preso  o  murmuraram,  caluniaram  e  infamaram,  e  na  de- 
vassa o  perjuraram,  foram  os  mesmos  que,  apenas  absolvido,  presto 
o  viram  presente  mais  honrado,  e  por  isso  tiveram  de  emudecer  cor- 
ridos, e  ficaram  havidos  de  todos  por  infames.  Evidentemente  a 
reparação  foi  completa,  e  o  capitão-governador,  após  a  sua  justifica- 
ção, voltou  presto  à  mesma  região  onde  governara,  e  onde  em  seguida 
fora  vilipendiado;  viram  no  então  presente,  Urre  e  mais  exalçado  em 
honras  os  mesmos  que  o  tinham  caluniado,  quando  preso. 

Consumada  a  reparação,  reintegrado  no  governo  da  sua  praça, 
Brás  não  se  demorou  em  Alfaiates.  Devia  ser-lhe  penoso  tratar  com 
camaradas,  que  bem  sabia  terem-no  atraiçoado,  viver  no  meio  de 
gente  que  procedera  tão  ingrata  e  infamemente  contra  êle,  quando  o 
viram  perseguido  e  preso.  Demitiu-se,  e  tendo  formado  o  propósito 
de  não  mais  aceitar  cargos  de  governo,  voltou  para  a  sua  querida 
vila  natal.  Foi  então  de  novo  confiado  o  governo  da  praça  a  Costa 
Mimoso,  pois  no  fim  do  verão  deste  ano  de  1Õ43  encontramos  nós  o 
general  D.  Álvaro  em  Alfaiates,  a  expedir  dali  uma  força  comandada 
pelo  governador  daquela  praça,  o  sargento-mór  Mimoso,  que  avançou 
sete  léguas  por  Espanha  dentro  até  perto  da  cidade  de  Cória, 
saqueando  e  queimando  o  lugar  de  Moralejo,  escaramuçanJo  com 
Soo  infantes  e  80  cavalos  inimigos,  que  lhe  apareceram  no  caminho 


í  V.  T.,  XIV,  88-8 


Cap.  VII — O  poeta-patriota  de  oAvô  27 g 

e  foram  afugentados,  e  praticando  outros  actos  de  valentia,  que  cau- 
saram bastantes  perdas  aos  castelhanos  '. 

Voltou  pois  para  Avô  o  nosso  capitão  Brás  Garcia ;  mas  o  seu 
ardor  patriótico  não  se  tinha  extinto,  nem  se  achava  amortecido,  com 
as  injustiças  e  desenganos,  com  a  idade  e  trabalhos. 

A  pátria  continuava  atravessando  uma  crise  dolorosa  e  aflitiva, 
carecia  dos  seus  serviços  militares;  não  lhos  recusaria  jamais. 


Durante  a  sua  pequena  demora  na  fronteira,  deve  ter  sabido,  talvez 
da  boca  do  próprio  general,  que  el-rei  resolvera  intensificar  a  guerra 
no  Alentejo,  indo  ali  em  pessoa  para  animar  as  tropas,  que  de  todo 
o  país  mandava  juntar  naquela  fronteira.  O  fim  desta  concentração 
era  realizar  uma  incursão  na  Estremadura  espanhola. 

E  natural  que  seu  amigo  D.  Álvaro  lhe  comunicasse,  em  confi- 
dência íntima,  que  tencionava  mandar  para  o  Alentejo  um  contin- 
gente das  suas  tropas,  comandado  pelo  tenente  do  mestre-de-campo 
Fernão  Teles  Cotão,  e  seguir  pouco  depois  êle  mesmo  com  todas  as 
forças  disponíveis,  para,  segundo  o  plano  de  D.  João  IV,  passar  a 
fronteira  com  o  exército  concentrado  sob  o  comando  do  conde  de 
Óbidos,  atacar  e  tomar  algumas  praças  castelhanas,  assumindo  assim 
a  guerra  da  nossa  parte  pela  primeira  vez  o  carácter  ofensivo. 

Era  da  mais  alta  importância  que  este  golpe  não  falhasse,  mas  se 
fizesse  sentir  bem  dolorosamente  no  reino  de  Castela. 

A  ocasião  era  muito  asada.  Havia  sido  afastado  do  governo  de 
Espanha  o  conde-duque  de  Olivares,  que  durante  vinte  e  dois  anos 
disposera  discrecionariamente  do  ânimo  de  Felipe  IV  e  do  poder 
absoluto  que  este  nele  depositara.  Convinha  não  deixar  escapar  o 
momento  de  crise  e  perturbação  por  que  passava  aquela  monarquia, 
achando-se  desmontada  e  inutilizada  a  máquina  governativa,  que  em 
tão  largo  período  fora  organizada  e  funcionara  á  ordem  e  feição  do 
conde-duque.  Alem  disso  as  atenções  do  governo  espanhol  haviam 
sido  até  então  atraídas  para  a  guerra  da  Catalunha,  tão  infelizmente 
dirigida  pelo  conde-duque,  abandonando  quási  completamente  a  raia 
ocidental;  e  era  de  recear  que,  com  a  mudança  de  governo,  mudas- 
sem as  idéas,  os  planos,  as  condições,  e  o  rei  Felipe  pudesse  breve- 


'  Successos  militares,   fl.  172  e  v.°;  —  Portugal  restaurado,  parte  l,  livro  vii, 
pág.  420  da  ed.  de  1710. 


28o  ^rás  Garcia  ^Mascarenhas 

mente  concentrar  forças  na  fronteira  portuguesa,  e  tentasse  uma  in- 
vasão, a  que  o  nosso  exército  não  conseguisse  fazer  frente. 

Convinha  pois  não  perder  a  ocasião  de  prejudicar  e  assustar  a 
Espanha,  e  erguer  os  espíritos  em  Portugal,  onde,  passados  os  pri- 
meiros entusiasmos  patrióticos  da  restauração,  o  desânimo  surgia  e 
alastrava,  ao  compararem-se  a  sangue  frio  os  recursos  de  que  podiam 
dispor  uma  e  outra  nação.  Pessoas  graves  e  ponderadas  já  iam  di- 
zendo à  boca  pequena,  que  a  aventura  da  restauração  não  podia 
manter-se.  E  daqui  resultaram  as  repetidas  tentativas  de  conspiração, 
fomentadas  por  Castela,  que  tão  desconfiado  tornaram  D.  João  IV; 
chegaram  a  sofrer  grandes  trabalhos  e  até  a  morte,  de  mistura  com 
autênticos  conspiradores,  algumas  vítimas  inocentes,  falsamente  acu- 
sadas ao  rei  de  inteligências  clandestinas  com  o  monarca  vizinho. 

A  estas  razões  ainda  se  juntava  a  de  já  se  acharem  suficiente- 
mente exercitadas  e  experimentadas  as  nossas  tropas  cõm  mais  de 
dois  anos  de  campanha,  e  estarem  reparadas  e  acrescentadas  as  for- 
tificações fronteiriças. 

Havia  também  a  vantagem  de  ganhar  as  boas  graças  do  rei  de 
França,  que  tão  liteis  nos  podiam  ser,  o  qual  instava  por  que  passás- 
semos da  defensiva  à  ofensiva,  interessado  em  que  o  exército  caste- 
lhano, que  operava  na  Catalunha,  se  visse  forçado  a  dividir-se,  para 
acudir  ao  Ocidente  da  península. 

Por  estas  e  outras  considerações  é  que  D.  João  mandou  que  de 
.todas  as  províncias  viessem  tropas,  que  se  concentrassem  em  Elvas, 
para  dali  passarem  a  atacar  a  Espanha. 

Sabendo  pois  isto,  Brás  Garcia  resolveu  desde  logo  cumprir  o  seu 
dever,  acudindo  ao  chamamento  real  e  apresentando-se  no  tempo  e 
lugar  aprazados. 

Estava  afastado  do  serviço  activo.  Era  um  simples  capitão  re- 
formado. Poderia,  se  quizesse,  oferecer-se  para  voltar  à  actividade 
(oferta  que  seria  muito  bem  recebida  e  estimada),  recrutar  de  novo 
uma  companhia,  e  partir  para  o  Alentejo  como  capitão  vivo  à  frente 
dela.  Mas  a  memória  dos  sucessos  recentes  estava  bem  nítida  na 
mente  de  todos.  ;  Poderia  ele  ter  coragem  para  ir  novamente,  como 
fizera  dois  anos  antes,  de  porta  em  porta,  pregando  a  guerra  santa 
da  defesa  da  pátria,  e  convidando  os  seus  parentes,  amigos,  admira- 
dores, subordinados,  a  alistarem-se  na  sua  companhia?  ^  Haveria 
nele,  tão  injusta  e  tão  infamemente  compensado  dos  serviços  e  sacri- 
fícios que  fizera,  força  moral  e  autoridade  para  aconselhar,  os  que  da 
primeira  vez  o  atenderam,  a  assentarem  de  novo  praça  ?    Não.     Ele 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  281 

iria,   cumpriria  à  risca  o   seu   dever  de  patriota   e   de   soldado;   os 
outros  que  fossem,  se  quizessem,  mas  não  a  convite  seu. 

Antes  do  fim  do  verão,  ao  aproximar-se  o  princípio  do  outono, 
apenas  os  calores  insofríveis  do  sol  estivo  alentejano  começassem 
a  mitigar-se  um  pouco,  é  que  se  iniciaria  a  campanha.  Estava 
marcada  para  os  primeiros  dias  de  Setembro  a  concentração  do  exér- 
cito em  Elvas  e  seus  arredores.  O  capitão  reformado  Brás  Garcia 
Mascarenhas  lá  estava,  assentando  praça  como  simples  soldado  no 
terço  do  mestre-de-campo  João  de  Saldanha  de  Sousa,  onde  teve 
como  camaradas  muitos  outros  soldados  rasos  da  mais  alta  fidalguia 
do  reino,  senhores  illiístres,  nobres,  &  officiaes  reformados,  que  assen- 
tarão praças,  com  muitos  criados  pêra  sentir  à  sua  custa  '.  Era 
apontado  entre  todos,  com  admiração,  o  nobre  exemplo  de  Matias  de 
Albuquerque,  que,  depois  de  ter  prestado  grandes  serviços  à  pátria 
na  guerra  do  Brasil  e  na  restauração,  serviços  que  bem  mal  pagos  lhe 
foram,  pois  se  encontrou  preso  por  ordem  régia  sob  a  caluniosa  acu- 
sação de  traidor,  sofrendo  injúrias  e  insultos  infamíssimos  da  popu- 
laça vil,  agora,  perante  o  chamamento  real,  foi  êle,  conselheiro  de 
estado  e  de  guerra,  um  dos  primeiros  a  assentar  praça  como  soldado 
raso  naquele  mesmo  exército  do  Alentejo,  que  dois  anos  antes  go- 
vernara como  general. 

El-rei  D.  João  IV  havia  partido  de  Lisboa  na  tarde  do  domingo 
19  de  julho;  dirigiu-se  imediatamente  a  Évora.  O  calor  era  insupor- 
tável, mas,  a-pesar  disso,  foi  animando  os  preparativos  para  o  exér- 
cito sair  a  campanha. 

Durante  a  segunda  metade  de  agosto  foram  chegando  os  contin- 
gentes das  diversas  províncias ;  na  primeira  semana  de  Setembro 
o  exército  concentrado  em  Elvas  e  suas  vizinhanças  constava  de 
12.000  infantes  e  2.000  cavalos,  dispondo  de  10  peças  de  artilharia 
de  campanha,  2  morteiros  e  vários  instrumentos  destinados  ao  ataque 
das  muralhas.  Dava-lhe  muito  brilho  e  lustre  a  nobreza  do  reino, 
que  acorrera  ao  chamamento  e  assentara  praça  nos  diversos  terços. 

Com  este  luzido  exército  partiu  de  Elvas  o  governador  das  armas 
conde  de  Óbidos,  no  domingo  6  de  setembro  pelas  2  horas  da  tarde, 
em  direcção  à  ponie  de  Olivença,  onde  se  lhe  juntaram  os  terços  e 
tropas  aquarteladas  em  Vila-Viçosa  e  Borba.     Passaram  o  Guadiana 


'  Sticcessos  militares,  fl.  184. 


282  'Brás  Garcia  (SMascarenhas 

na  manhã  de  segunda  feira  7.  No  dia  seguinte  transpuseram  a  ri- 
beira que  corre  entre  Olivença  e  Valverde,  a  qual  então  era  o  limite 
entre  as  duas  nações,  e  penetraram  na  Estremadura  espanhola,  que 
havia  170  anos  não  era  pisada  por  um  exército  português. 

Não  me  imponho  a  empresa  de  reeditar  a  história  minuciosa  dessa 
marcha  ofensiva  por  terras  espanholas,  em  que  os  nossos  soldados 
praticaram  actos  de  heroicidade  extremada  *-  Foi  rendida  a  praça 
de  Valverde,  sendo  despejada  pelos  castelhanos  e  ocupada  pelos  por- 
tugueses a  12  de  setembro.  Neste  mesmo  dia  chegou  com  o  seu 
terço  e  uniu-se  ao  exército  o  mestre  de  campo  D.  Nuno  Mascarenhas. 

A  17  levanta  o  exército,  e  marcha  em  direcção  a  Badajoz.  Depois 
de  tentar  pôr  cerco  a  esta  praça  para  a  atacar,  vendo  a  dificuldade 
da  emprega  e  as  baixas  que  o  nosso  exército  sofria,  exposto  às  balas 
castelhanas  que  granizavam  constantemente  sobre  êle,  o  conde  de 
Óbidos,  ouvido  o  conselho  de  guerra,  resolve,  contra  a  opinião  do 
mestre-de-campo  João  de  Saldanha  de  Sousa,  e  em  conformidade 
com  a  do  mestre-de-campo-general  Joanne  Mendes  de  Vasconcelos, 
não  realizar  o  ataque,  e  retirar  logo  para  ir  tomar  outras  praças  e 
vilas  menos  defendidas.  Esta  retirada  ficou  célebre  pela  grande  ha- 
bilidade estratégica  e  talento  de  comando  que  revelou,  fazendo-se  com 
muito  boa  ordem,  e  evitando  que  a  rectaguarda  do  nosso  exército 
fosse  molestada  pelo  inimigo. 

Na  noite  de  22  para  23  de  setembro,  achando-se  o  exército  alo- 
jado nas  faldas  da  serra  de  Olor,  entre  Olivença  e  Valverde,  foi  o 
conde  de  Óbidos  surpreendido  por  uma  carta  do  rei,  em  que  se  lhe 
ordenava  que  entregasse  o  comando  do  exército  a  Matias  de  Albu- 
querque, e  que  tanto  êle  como  Joanne  Mendes  recolhessem  imediata- 
mente a  Lisboa,  onde  se  manteriam,  sem  sairem  de  suas  casas,  até 
nova  ordem.  A  empresa  infeliz  de  Badajoz  foi  evidentemente  a  causa 
desta  grave  resolução  régia. 

Matias  de  Albuquerque,  muito  mais  querido  do  exército  de- que  o 
conde   de  Óbidos,   não  revogou  a   resolução  que  havia  sido  tomada 


1  Quem  quiser  vêr  notícias  abundantes  desta  campanha,  recorra  às  fontes  pró- 
prias, entre  as  quais  indicarei  em  especial  o  cap.  vi  do  Portugal  restaurado  do 
Conde  da  Ericeira,  e  a  relação  intitulada  —  Sucessos  que  houve  nas  fronteiras  de 
Elvas,  Olivença,  Campo  Mayor,  Ouguella  e  outros  lugares  do  Alentejo,  o  terceiro 
anno  da  Recuperação  de  Portugal,  que  começou  em  o  ifi  de  Dezembro  de  1643 
(aliás  1642),  escrita  pelo  Dr.  Aires  Varela,  cónego  magistral  e  governador  do  bis- 
pado de  Elvas.  Esta  memória  é  contemporânea  da  campanha,  mas  não  foi  impressa 
senão  em  —  Elvas-igoo. 


Cap.  VII —  O  poeta-pairiota  de  oAvò  288 

em  conselho,  e  tratou  da  conquista  e  ocupação  de  várias  praças  e  vilas 
daquela  região.  Albufeira,  Almendral  e  Torre  encontraram-se  aban- 
donadas, limitando-se  por  isso  a  tropa  a  queimá-las.  Alconchel, 
forte  castelo  alpendurado  numa  rocha  de  riba  abrupta,  e  considerado 
inexpugnável  pela  situação  e  pela  fortaleza  das  muralhas,  também  se 
rendeu,  assim  como  a  vila  por  ele  protegida,  que  era  cercada  de 
trincheiras  e  bem  aparelhada  para  a  defesa.  Tiveram  a  mesma 
sorte  Higuera-de-Vargas,  bem  como  Villa-Nova-del-Fresno,  praça 
muito  bem  fortificada  e  guarnecida,  e  Cheles. 

Ao  recolher  o  exército  a  Olivença,  uma  horrorosa  trovoada  pai- 
rava sobre  esta  vila,  encharcando  completamente  os  expedicionários. 

Da  ponte  de  Olivença  o  general  Matias  de  Albuquerque,  sepa- 
rando-se  do  exército,  foi  a  Vila-Viçosa  beijar  a  mão  ao  rei,  e  reco- 
Iheu-se  logo  em  seguida  a  Lisboa,  muito  doente.  As  tropas  chega- 
ram a  Elvas,  onde  foram  licenciados  os  contingentes  vindos  das 
outras  províncias,  aprazando-se  a  continuação  da  campanha  para  a 
próxima  primavera.  Grande  parte,  porem,  dos  oficiais  e  dos  sol- 
dados cairam  doentes,  alguns  com  bastante  gravidade,  efeito  dos 
grandes  calores  e  dos  trabalhos  sofridos,  e  bem  assim  das  infecções 
próprias  desta  quadra  do  ano. 

Embora  nas  relações  e  narrativas  desta  campanha  se  não  faça 
referência  especial  aos  actos  de  valor  nela  praticados  pelo  nosso 
Brás  Garcia  Mascarenhas,  nem  o  seu  nome  figure,  a  não  ser  em 
duas,  nós  sabemos  de  fontes  genuínas  e  autênticas,  que  êle  andou 
em  toda  ela. 

O  conde  de  Óbidos  mandou  organizar  uma  companhia,  cujo  co- 
mando lhe  entregou,  e  assim  passou  de  capitão  reformado  a  capitão 
vivo.  Emquanto  durou  a  expedição,  comandou  a  sua  companhia ; 
e  sob  o  seu  comando  ficaram  depois  também  outras,  que  lhe  foram 
confiadas  ao  serem  inutilizados  por  ferimentos  os  respectivos  capitães. 

Mais  sabemos  que  tomou  parte  activa  em  todos  os  assaltos,  re- 
contros e  rendições  de  praças,  procedendo  em  tudo  com  a  devida 
satisfação,  e  que  não  recebeu  soldo  nem  cousa  alguma  da  fa:{enda 
real,  sustentando-se  sempre  à  sua  custa.  Temos  também  notícia 
certa  de  que,  em  virtude  do  trabalho  e  rigor  da  campanha,  veiu  no 
fim  a  adoecer  gravemente. 

Passemos  a  compulsar  as  fontes. 


284  'Brás  Garcia  oMascarenhas 


A  narrativa  da  guerra  no  Alentejo  durante  o  terceiro  ano  da 
restauração  (i  dezembro  1Õ42  —  3o  novembro  1643)  escrita  pelo 
Dr.  Aires  Varela  remata  por  uma  relação,  que  principia  na  página  149, 
com  o  titulo:  —  Fidalgos  q.  se  adiarão  tio  exercito,  de  que  tive  noti- 
cia, são  os  seguintes- . .  Na  página  i5o  menciona  —  O  cap.'"  Brás 
Garcia  Mag/^  '. 

O  Dr.  João  Salgado  de  Araújo,  nos  seus  Successos  militares  das 
armas  portuguesas,  ao  descrever  a  constituição  do  exército  que  in- 
vadiu a  Estremadura  espanhola  em  1643,  diz:  —  Officiaes  mores  re- 
formados forão :  Domingos  Corrêa,  Leonardo  de  Albuquerque,  Brás 
Garcia  Mascarenhas,  Luis  de  Basto  Freire,  Francisco  da  Gama, 
leorge  de  Afôseca,  Miguel  de  Sousa  de  Valle.  Todos  estes  homés, 
&  algas  mais,  de  q  não  serei  lembrado,  assentarão  como  he  dito, 
praça  de  soldados  rasos  no  terço  do  mestre  de  Capo  loaõ  de  Salda- 
nha de  Sousa  ^. 

Isto  pouco  é ;  testemunham  porém  expressamente  tudo  o  que  aca- 
bamos de  expor  a  portaria  de  5  de  abril  e  o  alvará  de  14  de  maio 
de  1644,  que  adeante  publicamos  na  sua  integra  ^. 

Algumas  referências  também  faz  a  esta  campanha  o  poeta,  dando-se 
como  um  dos  que  nela  cooperaram.  De  todas  as  operações  da  guerra 
em  que  tomou  parte  activa,  depois  do  episódio  da  sua  prisão,  é  esta 
a  de  que  mais  vezes  se  lembra  no  seu  poema. 

Memora  que  a  guerra  da  restauração,  puramente  defensiva  até 
este  momento,  se  transformou  em  ofensiva.  Dissertando  sobre  a 
guerra,  que  é  lei  universal,  e  sobre  a  sua  indispensável  necessidade, 
suas  modalidades,  etc,  diz : 

Esta  he  sempre  offensiva,  ou  defensiva, 
Tal  vez  se  alterna,  ou  muda,  o  que  notamos 
Na  presente  mudada  em  offensiva, 
Posto  que  defensiva  a  começamos*. 

Esta  transformação  explica-se  facilmente.  Em  guerra  com  a  Es- 
panha desde   que  proclamámos   a  nossa   independência,   era  preciso 


1  O  apelido  Mascarenhas  substituído  por  Magalhães  é  de  fácil  explicação 
Não  passa  de  um  erro  da  edição,  resultante  da  má  leitura  do  manuscrito,  onde 
estava  a  abreviatura  Masq.^  que  se  supôs  ser  Mag.s. 

2  Fl.  184  v.°.  —  '  Doe.  LVIII  e  LX.  —  *  V.  T.,  iv,  14. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  qAvô  28S 

que  se  desse  o  embate  das  nossas  forças  com  as  suas.  Esperámos 
que  estas  viessem  ter  comnosco,  mantendo-nos  na  defensiva  dois  anos 
e  meio;  vendo  porem  que  não  vinham,  aborrecidos  já  de  esperar, 
fomos  nós  procurá-los  a  sua  casa,  pois 

que  nunca  se  contenta 

O  brio  Portuguez  de  Guerra  lenta  '. 

Para  realizar  esta  campanha,  o  rei  convocou  toda  a  nobreza  da 
nação  a  vir  ao  Alentejo  combater  o  inimigo.  Se  fosse  em  outro  país, 
os  fidalgos  não  abandonariam  os  seus  solares,  a  não  serem  movidos 
pelo  ouro  das  recompensas,  ou  pelo  rigor  das  penas :  aqui  porem, 
apenas  souberam  que  o  monarca  ia  ã  campanha,  todos  seguiram 
voluntariamente  o  seu  amado'rei,  sem  pedirem  ouro,  sem  recearem 
castigos. 

Foy  sempre  a  Lusitânia  muy  ciosa 

De  seus  Reys,  que  solicita  acompanha, 

Em  sabendo,  que  empresa  bellicosa 

Os  transfere  das  cortes  á  campanha. 

Nenhum  Rey,  sem  meter  mão  poderosa 

Em  fazer  própria  Gente,  ou  Gente  estranha, 

Do  clima  natural  pôde  arrancala  ; 

Ouro,  ou  rigor  Exércitos  abala. 

Esporas  são,  com  que  caminha  a  Guerra 
E  com  que  se  nam  move  a  Portuguesa, 
Que  sò  o  amor  dos  Reys,  hè  que  desterra 
Dos  paternos  solares  a  Nobresa  ; 
Que  toda  vi  na  Transtagana  terra 
Seguir  ao  nosso  Rey,  &  logo  a  empresa 
De  Estremadura,  sem  que  algu  se  negue. 
Que  quem  ama  a  seu  Rey,  seus  passos  segue. 

Esta  pensam  honrada,  &  voluntária 
De  seguirmos  ao  Rey,  quando  o  merece, 
Em  tantos  annos  de  fortuna  varia 
Firme  permaneceo,  &  permanece. 
Lusitano  attributo,  hereditária 
Lealdade  hè,  que  sempre  em  nòs  florece, 
Que  todas  as  Naçoens  mais  celebradas 
Quasi  todas  à  Guerra  vam  forçadas  '. 

Muitos  soldados  reformados  se  apresentaram  na  campanha;  Brás 
era  um  dcle.<;.    No  combate  eram  estes  que  se  mostravam  mais  exer- 


i  V   T.,  siv,  3o. -J  V.  r,,  XVI,  18-JO, 


2^6  ^rás  Garcia  áMascarenhas 

citados  e  atrevidos,  e  prestavam  o  importantíssimo  serviço,  cada  qual 
no  seu  posto,  de  rapidamente  recompor  as  companhias,  quando  estas 
no  combate  se  descompunham.  Brás  Garcia,  que  principiou  a  cam- 
panha do  Alentejo  como  capitão  reformado;  assumiu,  como  vimos, 
o  comando  de  algumas  companhias  descompostas  pela  inutilização 
dos  respectivos  capitães  feridos,  e  conseguiu  recompô-las.  Era  assim 
que  sucedia  nos  exércitos  romanos  com  os  seus  príncipes. 

Os  príncipes  na  cauda  dos  bastados, 

Costumavam  formar  menos  unidos, 

Ou  pêra  os  socorrer,  quando  afrontados. 

Ou  pêra  os  receber  quando  vencidos; 

Que  todos,  como  os  nossos  reformados, 

Eraõ  exercitados,  &  atrevidos 

E  por  ser  gente  a  pelejar  disposta 

Presto  entre  si  compunha  a  descomposta  '. 

Assistiu  a  toda  a  campanha  do  Alentejo  e  Estremadura  espanhola 
no  fim  do  verão  e  principio  do  outono  de  1643;  pode  por  isso  dizer 
que  a  mortandade  foi  muito  menor,  do  que  a  gente  grosseira  fantasia. 
Nesta  campanha  se  verificou  mais  uma  vez  que  a  guerra  de  hoje  é 
menos  mortífera  do  que  a  dos  tempos  antigos.  Contando  as  mortes 
sofridas  em  cada  um  dos  ataques,  nota-se  que 

nem  em  tanta  prova 

Custou  mais  que  vinte  &  oyto  Vila  Nova. 

Sincoenta  &  quatro  Alconchel,  Valverde 
Trese,  dous  a  Sopresa  de  Albufeyra  ; 
Trinta  e  dous  Badajoz;  menos  se  perde 
A  gente,  de  que  cuyda,  a  que  hé  grosseyra  : 
Que  a  tal,  como  dos  Pays  o  medo  berde, 
Sempre  exaggera  as  cousas  da  Fronteyra, 
Contando  o  que  temerão,  ou  o  que  ouvirão  : 
Eu  escrevo  o  que  vi,  aos  que  o  virão. 

Destes  sitios  &  de  outros  claramente 
Se  verifica,  &  fica  bem  provada 
A  rezão,  de  que  sendo  mais  vebemente 
A  Guerra  de  hoje,  hé  menos  arriscada^. 

Deu-se  na  campanha  um  facto,  que  descontentou  muita  geiate; 
a  retirada  de  Badajoz.     Não  houve  razão  para  tal  descontentamento, 

Que  vai  muyto  húa  boa  retirada, 

Mas  saõ  muytas  as  màs,  ò;  as  boas  poucas  ', 


í  V.  T.,  II,  29.  -  2  V.  T.,  IV,  26-28,-  '  V.  T.,  V,  53, 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  287 

E  a  de  Badajoz  foi  muito  boa.  Numa  retirada  a  tempo,  e  bem 
feita,  se  revela  a  grande  perícia  de  um  general. 

E  numa  boa  retirada  que  o  nosso  poeta  especialmente  avalia  a 
grande  habilidade  estratégica  de  Viriato,  quando,  surpreendido  com 
pouca  gente  pelo  exército  do  pretor  Pláucio,  reconhece  que  não  pode 
dar-lhe  batalha,  mas 

Não  quer  sem  ver  o  rosto  ao  Inimigo, 
P"azer  muyto  a  seu  salvo  a  retirada ; 
Que  inferior  se  confessa,  ou  imprudente 
Todo  o  que  se  retira  occultamente. 

Bem  que  em  se  retirar  se  resolvia, 
Acção,  em  que  a  perícia  se  conhece, 
Por  mostrar  que  o  contrario  não  temia. 
Formando  em  campo  razo  lhe  apparece. 
Dispôs  a  pouca  gente,  que  trasia 
Tão  destro,  que  admirado  o  reconhece 
O  1'retor,  &  tão  cauto  como  experto, 
Rompe  a  batalha  de  a  vencer  incerto. 

Viriato  advertida  leva  a  Gente, 

Que  do  primeyro  encontro  rechaçando 

Toda  a  contraria  se  vay  lentamente 

A  visinha  aspereza  retirando. 

O  encontro  fez  tão  fero,  iS:  tão  valente, 

Que  as  Romanas  cohories  perturbando, 

A  deyxão  retirar  tão  socegada. 

Como  se  não  ouvera  feyto  nada  '. 

Descreve  também,  com  mão  de  mestre  e  vivas  cores,  uma  retirada 
simulada  de  Viriato  perante  o  exército  de  Vitélio,  empregando  com 
felicidade  a  imagem  da  astuta  perdi\  : 

Como  astuta  perdes,  que  divertindo 
Dos  occultos  filhinhos  o  viandante. 
Ferida,  &  sem  vigor  se  vay  fingindo. 
Mal  corre,  &  peor  voa,  hum  pouco  avante, 
O  passageyro  incauto  a  si  attrahindo 
Athé  que  o  ponha  delles  bem  distante; 
E  tanto  que  occasiáo  de  voar  conhece, 
Como  huma  setta  lhe  desapparece, 


'  Fi  r.,ix,  3--ig, 


2S8  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

Tal  em  quanto  Viriato  divertia 

Dos  occultos  Infantes  aos  Romanos: 

De  que  os  sigáo  solicito  os  desvia 

Com  choques,  dilncçoés,  ardis,  &  enganos. 

E  no  instante,  em  que  aviso  recebia 

De  que  salvos  estão  os  Lusitanos 

Virando  as  rédeas  lhe  desaparece 

Sem  que  dos  mil  Cavallos  hum  perdesse  '. 

Abre  o  canto  x  do  í'irtato  Trágico  pela  apologia  calorosa  duma 
perfeita  boa   retirada  em  tempo  oportuno,  e  remata  essa  apologia 

por  dizer : 

Que  o  General  ^  mais  prospero,  &  perfeyto 

Tal  vez  a  retirar-se  esta  sogeyto. 

Com  resão  se  jactava  o  de  Pescara' 

Da  de  *  Marselha,  que  ainda  chamão  bella, 

Pois  teve,  pêra  a  França  ser  mais  cara, 

A  prisão  do  seu  Rey  origem  delia'. 

A  nossa  em  Badajoz  a  superara 

Se  o  poder  nos  fugira  ^  de  Castella, 

Porque  disposição  tão  acertada 

Se  não  vio  em  nenhua  retirada. 

Poucas  vezes  costuma  retirarse 
'  De  empenhos  grandes  Gente  Portuguesa, 

Porque  antes  quer  morrer,  que  duvidarse 
De  seu  valor  a  minima  fraquesa. 
Donde  com  honra  o  mal  pode  evitar-se, 
Investilo  com  ímpeto  hè  bruteza : 
Hè  nossa  condição  de  rayo  ardente, 
Que  investe  o  mais  difficil  mais  vehemente  '. 


i  V.  T.,  VII,  79-80. 

2  Geral  trazem  ambas  as  edições ;  erro  evidente. 

'  O  marquês  de  Pescara,  Fernando-Francisco  d'Avalos,  marido  da  célebre  Vit- 
tória  Colonna. 

*  Tanto  na  :.'  como  na  a.'  edição  falta  a  preposição  de. 

5  As  tropas  do  imperador  Carlos  V  haviam  invadido  a  Provença  e  cercaram 
Marselha,  que  resistiu  até  à  chegada  das  tropas  francesas,  comandadas  pelo  rei 
Francisco  I.  Os  sitiantes  foram  obrigados  a  retirar,  mas  fizeram-no  com  muita 
habilidade  e  em  excelentes  condições,  atraindo  após  si  Francisco  I  e  o  seu  exército, 
que  penetrou  na  Itália,  chegando  até  Pavia,  onde  se  deu  a  célebre  batalha,  em  que 
os  franceses  foram  derrotados,  e  o  rei  ficou  prisioneiro  do  exército  hispano-italiano, 
sendo  conduzido  a  Madrid.  O  principal  quinhão  de  glória  neste  feito  coube  ao 
marquês  de  Pescara,  tendo  esta  a  sua  última  e  mais  brilhante  acção  militar.  Eis 
os  fucos  a  que  o  poeta  se  refere. 

^  Suponho  que  o  autor  escreveu  seguira  e  não  fugira,  que  não  faz  sentido. 

)  ;■.  T.,  XIV.  7-9. 


Cap.  VII — O  poeta-patnota  de  oAm  28g 

A  campanha  do  outono  de  i()43  foi  gloriosa  para  Brás  Garcia. 
Nela  mostrou,  como  sempre  que  para  isso  teve  ocasião,  que  era  um 
militar  hábil,  desinteressado,  destemido  e  valente.  Arriscou  a  vida 
combatendo  pela  pátria,  e  sacrificou  a  saúde;  conseguiu  porem  triunfar 
da  grave  doença  contraida  na  campanha,  e  aí  o  temos  novamente  em 
Avô,  no  inverno  de  1643-1644,  a  convalescer  dos  achaques  sofridos. 

A  situação  especial  em  que  regressava  do  Alentejo  era  imensa- 
mente simpática,  e  devia  atrair  sobre  o  nosso  capitão  as  atenções 
carinhosas  e  a  admiração  entusiástica  dos  seus  patrícios.  Todas  as 
pessoas,  que  se  prezavam,  visitaram  o  doente  glorioso  e  cheio  de  pres- 
tígio, acompanhundoo  na  convalescença,  e  brindando-o  com  presentes 
amistosos. 

João  Manuel  da  Fonseca,  capitão-mór  de  Avô,  era  uma  das  pessoas 
principais  da  terra;  não  podia  faltar  a  estes  deveres  de  cortesia,  não 
obstante  a  antiga  aversão  que  sua  mulher  D.  Maria  Madeira  tinha  ao 
poeta,  segundo  deixamos  referido  '. 

Nessa  aproximação  de  famílias,  nesse  estreitar  de  relações,  os 
laços  afectuosos,  embora  envolvidos  em  mistério  e  disfarçados  com 
grande  cuidado,  que  existiam  entre  D.  Maria  da  Costa,  gentil  filha 
de  João  Manuel,  e  o  poeta,  encontraram  ocasião  de  se  tornar  mais 
íntimos,  sempre  sem  quebra  das  leis  da  honestidade. 

Achava-se  Brás  já  restabelecido  da  doença,  e  preparava-se  para 
partir  de  novo  para  a  campanha  do  Alentejo,  quando  chegam  a  Avô 
duas  portarias,  datadas  de  b  de  abril  de  1644,  altamente  honrosas 
para  o  nosso  herói :  em  uma  erão  reconhecidos  e  enumerados  os 
grandes  e  desinteressados  serviços  prestados  à  causa  de  el-rei  e 
da  pátria  pelo  capitão  Brás  Garcia  Mascarenhas,  e  anunciava-se  a 
mercê  régia  da  promessa  de  202^000  réis  de  pensão  em  uma  comenda 
de  Avis;  na  outra  fazia-se  saber  que  o  rei  mandava  lançar  ao  mesmo 
capitão  o  hábito  da  ordem  militar  de  S.  Bento,  depois  de  se  fazerem 
AS  provanças  e  habilitações  de  sua  pessoa  ^. 

j  Calcule-se  a  alegria  e  satisfação  que  isto  causou  ao  agraciado  e  à 
sua  namorada  ! 


'  Revista  da  Univ.,  vol.  I,  pág.  309,  vol.  II,  pág.  204,  etc. 
í  Doe.  LVIII. 


sgo  Brás  Garcia  áMascarenhas 

O  processo  de  habilitação  para  receber  o  hábito  de  freire  noviço, 
ser  armado  cavaleiro,  e  depois  emitir  a  sua  profissão  religiosa,  era 
fácil,  e  podia  correr  rapidamente,  tratando-se  de  pessoa  tão  conspícua, 
e  de  família  tão  distinta  e  bem  conhecida  por  sua  nobreza.  E  pro- 
vável, àlêm  disso,  que  os  amigos  que  na  corte  lhe  prepararam  esta 
justa  distinção,  tivessem  já  disposto  os  elementos  para  o  processo 
de  genere,  jnla  et  moribus  correr  sem  delongas,  e  poder  o  agraciado 
aproveitar  a  sua  ida  ao  Alentejo  nesta  primavera,  para  de  caminho  se 
realizarem  as  respectivas  cerimónias  da  liturgia  das  ordens  militares. 

Era  no  mês  de  maio  de  1644  que  o  exército  devia  concentrar-se, 
como  no  outono  antecedente,  em  Elvas  e  suas  proximidades. 

Embora  não  encontre  referência  nenhuma  à  presença  de  Brás 
nesta  campanha,  tenho  por  certo  que  não  deixou  de  ir; 

Que  o  soldado,  a  quem  Marte  mais  castiga, 
Mais  presto  acode,  cada  vez  que  o  chama  '. 

Seria  incoèYente  com  os  sentimentos  que  sempre  manifestou,  com 
o  seu  brio  e  patriotismo,  de  que  tantas  provas  deu,  deixar-se  ficar 
em  casa,  quando  outros,  acudindo  ao  chamamento  militar  em  mo- 
mentos tão  críticos,  se  iam  bater  pela  independência  de  "Portugal, 
continuando  a  campanha  encetada.     Não  podia  ser;   o  capitão  Brás 

tal  não  faria, 

que  quem  ama 

O  bem  da  Pátria,  acode  a  defendela. 
Quem  repousar  se  deyxa  em  branda  cama. 
Em  quanto,  o  que  a  defende,  em  campo  vela 
Sem  à  Fronteyra  ir  cedo,  nem  tarde, 
Ou  Castelhano  hè,  ou  hè  covarde  •. 

Exacerbados  pelas  perdas  sofridas  no  outono  anterior,  os  espa- 
nhóis trataram  de  se  reforçar  naquela  fronteira;  substituíram  no  go- 
verno das  armas  desta  província  o  conde  de  Santo  Estêvão  pelo 
marquês  de  Torrecusa,  oficial  muito  afamado  e  experimentado,  au- 
mentaram consideravelmente  as  tropas,  e  fortaleceram  as  guarnições 
das  praças  da  região. 

Apenas   entrou  a  primavera,   principiaram  logo   a  hostilizar-nos, 


>  V.  T.,  XIV,  82.-2  K  T.,  X,  125. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  2gi 

pretendendo  tomar  de  assalto  a  praça  de  Ouguela,  e  invadindo  pouco 
depois  o  termo  de  Portalegre ;  ruubaram  gado,  e  mataram  cruelmente 
alguns  pobres  lavradores  inermes. 

Nestas  condições  não  deixaria  certamente  de  correr  em  defesa  da 
Pátria  ameaçada,  quem  escrevia: 

Porem  quando  as  ruins  novas  se  publicão 
De  que  alguns  muros  nossos  tem  cercados, 
O  que  causa  não  tem,  nem  vay  asinha, 
Ou  não  hè  Portuguez  ou  hè  galinha  '. 

Ouvira  dar  o  rebate,  a  guerra  acenava-lhe  o  facho,  o  inimigo 
mostrava  querer  entrar  potente,  fora  pelo  rei  ordenada  entrada  de 
porte  em  terras  castelhanas ;  não  se  tratava  pois  de  ir  tomar  ca- 
bras:—  d  o  que  faria  Brás  Garcia  em  tal  conjuntura?  Ele  mesmo 
o  diz: 

A  guerra  sigo  voluntariamente. 

Se  ouço  rebate,  se  me  o  facho  acena, 

Que  quem  a  professou,  e  mandou  gente, 

Por  vicio  a  segue,  sem  assombro,  ou  pena. 

Se  o  Inimigo  quer  entrar  potente, 

Ou  se  entrada  de  porte  se  lhe  ordena, 

Cora  grã  zelo  da  Pátria  me  detenho, 

E  se  vejo  que  a  cabras  vão,  me  venho '. 

Brás  tinha  naquele  momento  de  cumprir  o  seu  dever,  indo  à 
guerra.     Foi. 

Matias  de  Albuquerque  passou  de  Elvas  a  Campo-Maior,  onde 
acabou  de  preparar  um  exército  bem  mais  pequeno  que  o  do  ou- 
tono antecedente  ;  foi  o  que  poude  arranjar-se.  Era  formado  por 
6.000  soldados  de  infantaria,  i.ioo  de  cavalaria  e  os  de  artilharia 
necessários  para  o  manejo  de  6  peças  que  levavam,  e  bem  assim  as  in- 
dispensáveis munições  e  bagagens,  com  mantimentos  para  vinte  dias. 

Já  declinava  o  mês  de  maio  quando  partiram  de  Campo-Maior; 
transpuseram  a  fronteira  caminhando  em  direcção  a  Norte,  para  ata- 
carem a  importante  praça  de  Albuquerque.  Mudaram  porém  de 
destino,  quando  tiveram  notícia  certa  de  que  havia  sido  ultimamente 
reforçada  a  guarnição  daquela  vila  com  bastante  infantaria  e  cavalaria, 
e  declinaram  para  Leste.  Tomaram  a  grande  e  rica  povoação  de 
Vilar-del-Rei  e  dois  lugares  vizinhos  a  Nascente,  denominados  Puebla- 

'  V.  T.,  X,  126.  —  2  V.  T.,  -w,  io3. 


2g2  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

-de-Obando  e  La-Roca-de-Mansancto,  sendo  tudo  saqueado  e  quei- 
mado. 

Em  seguida  Matias  de  Albuquerque  marchou  com  o  seu  exército 
para  Sul,  e  rendeu  Montijo,  defendido  por  boas  trincheiras,  bem 
guarnecidas  de  tropas ;  ali  colheu  mui  rico  despojo. 

Tendo  partido  de  Elvas,  a  Poente  de  Badajoz,  o  exército  portu- 
guês dera  uma  volta  por  Norte,  e  agora  achava-se  a  Leste  daquela 
forte  praça  espanhola,  na  qual  estava  concentrado  um  importante 
exército.  Até  aqui  não  se  havia  o  inimigo  defrontado  com  as  nossas 
tropas :  mas  havia  notícias  seguras  de  que  o  marquês  de  Torrecusa 
ia,  sem  mais  demora,  dar  batalha  campal,  que  seria  a  primeira  nesta 
guerra,  chamada  da  restauração.  Matias  de  Albuquerque  esperou-o 
em  Montijo. 

Então  as  tropas  espanholas  vieram  alojar-se  a  Lobón,  na  margem 
esquerda  do  Guadiana,  donde  observavam  e  vigiavam  qualquer  mo- 
vimento do  nosso  exército.  Ficando  o  marquês  de  Torrecusa  em 
Badajoz,  incumbiu  do  comando  do  exército  em  campanha  o  barão  de 
Molinguen,  general  de  cavalaria  há  pouco  tempo  chegado,  ordenando- 
-Ihe  que  desse  batalha  aos  portugueses  indispensàvelmente. 

A  gente  de  guerra  que  estacionava  em  Lobón  ascendia  a  6.000  in- 
fantes, aproximadamente  o  mesmo  número  da  infantaria  portuguesa, 
ora  em  Montijo ;  a  cavalaria  espanhola  porém  é  que  se  avantajava  à 
nossa,  contando  cerca  de  2. Soo  cavalos.  Eram  soldados  em  grande 
parte  largamente  experimentados;  pelo  contrário,  constituía  o  grosso 
do  exército  português  gente  bisonha. 

No  dia  da  festa  do  Corpo  de  Deus,  quinta  feira  26  de  Maio,  pela 
manhã  cedo,  saiu  o  nosso  exército  de  Montijo,  formado  em  ordem  de 
batalha,  marchando  em  direcção  a  Occidente,  por  campo  plano  e 
desembaraçado.  Logo  os  espanhóis  passam  o  Guadiana,  e,  por  volta 
de  9  horas,  atacam  de  lado  os  nossos  com  galhardia,  conseguindo 
desbaratar  uma  parte  das  tropas,  tomar  a  artilharia  e  afugentar  a 
cavalaria,  por  forma  que  julgaram  terem  ganhado  a  victória. 

Não  desanimando,  nem  se  perturbando,  Matias  de  Albuquerque, 
com  o  general  de  artilharia  D.  João  da  Costa  e  outros  oficiais,  pro- 
curam com  grande  valor  e  energia  deter  e  unir  os  terços;  conseguem 
recompor  os  corpos  do  exército,  com  excepção  da  cavalaria  que  fu- 
gira, e  auxihados  por  40  cavalos  apenas,  linicos  que  se  mantive- 
ram, atacam  o  inimigo  com  audaz  vigor,  recuperam  a  artilharia, 
que  havia  sido  tomada,  e  utilizam-na  também  contra  os  castelhanos; 
estes  são  derrotados.     As  3  da  tarde  estava  ganha  pelos  nossos  a  ba- 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  2g3 

talha,  que  durara  seis  horas.  O  barão  de  MoHnguen,  e  as  tropas 
que  lhe  restavam,  passaram  o  rio  com  tanta  precipitação,  que  muitos 
soldados  se  afogaram. 

Foi  notabiUssima  esta  primeira  batalha  pelas  circunstâncias  des- 
favoráveis em  que  nela  nos  encontramos :  o  triunfo  alcançado  pelo 
nosso  exército  cobriu-o  de  glória. 

Houve  considerável  mortandade  de  parte  a  parte,  e  ficaram  pri- 
sioneiros muitos  soldados  de  um  e  outro  exército;  entretanto  foram 
muito  mais  castigados  os  castelhanos.  Quando  as  nossas  tropas  en- 
traram de  regresso  em  Campo-Maior,  verificou-se  a  existência  de 
umas  900  baixas,  entre  mortos  e  prisioneiros ;  lá  nos  ficaram  sem  vida 
bastantes  oficiais,  entre  eles  2  mestres-de-campo  e  muitos  capitães. 
Ao  inimigo  morreram  4  mestres  de  campo,  9  capitães  de  cavalaria, 
45  de  infantaria,  muitos  outros  oficiais,  e  dizem  que  mais  de  3. 000  sol- 
dados,    i  Haverá  algum  exagero  ?     Talvez. 

A  notícia  desta  vitória  foi  muito  celebrada  em  Lisboa  e  por  todo 
o  pais,  galardoando  el-rei  o  general  Matias  de  Alburquerque  com  o 
título  de  conde  de  Alegrete. 

Estava  terminada  a  campanha  da  primavera;  o  inimigo  derrotado 
levaria  algum  tempo  a  refazer-se;  o  calor  já  ia  apertando  e  custava 
a  suportar.  Até  este  momento  o  nosso  capitão  com  grã  ^elo  da 
Pátria  se  detivera  na  campanha,  mas  nada  mais  tinha  ali  que  fazer 
por  agora.  Observou  que  os  nossos  soldados,  depois  do  regresso  da 
batalha,  só  voltavam  a  passar  a  fronteira  para  arrebatarem  gado  aos 
espanhóis ;  viu  que  a  cabras  iam  •  somente,  e  para  isso  não  servia 
êle :  retirou-se  pois  do  Alentejo. 

No  meado  de  Julho  estava  em  Avô  ^,  e  então,  memorando  com 
satisfação  a  campanha  a  que  assistira,  escreveu  uma  referência  à 
batalha  de  Montijo  nas  estâncias  seguintes : 

Muytas  vezes  succede  aos  vencedores 
Deyxarem  os  vencidos  mais  honrados, 
Que  honrados  ficão  sempre  os  inferiores, 
Que  de  todo  não  sahem  desbaratados. 
A  façanha  mayor  dos  superiores, 
A  mayor  bisarria  dos  soldados 
Em  perdida  batalha,  hè  restaurala, 
Não  desesperar  delia,  &  sustentala. 


'  V.  T,xv,  io3.  —  2  Doe.  LXI. 


2g4  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

Exemplos  mostra  neste  livro  a  penna, 
E  com  mil  dos  antigos  o  mostrara, 
E  a  mostrara  com  Touro,  &  com  Ravena 
Se  com  Montijo  hontera  o  não  provara. 
Toda  a  Guerra  em  facção  grande,  ou  pequena 
Tal  vez  ao  mais  pujante  volve  a  cara, 
Que  ou  aqui,  ou  ali  o  victorioso 
Fica  no  pouco,  ou  muyto  desayroso  i. 


Suponho  que  nesta  viagem  ao  Alentejo  recebeu  Brás  Garcia  o 
hábito  de  noviço  e  foi  armado  cavaleiro  da  ordem  militar  de  S.  Bento 
de  Avis.  Em  caminho,  indo  da  Beira,  passaria  por  Lisboa,  onde  lhe 
seriam  entregues  a  carta  régia  e  os  três  alvarás  datados  de  14  de 
Maio  -,  que  autorizavam  o  seu  ingresso  naquela  ordem  com  a  pro- 
messa da  mercê  de  uma  pensão  de  205S000  réis  anuais  em  uma 
comenda  da  mesma. 

Ficava-lhe  no  itinerário  a  vila  de  Avis,  sede  da  ordem,  em  cujo 
convento,  na  ida  ou  no  regresso  da  campanha,  apresentaria  ao  reve- 
rendo prior-mór  D.  Fr.  Bento  Pereira  de  Melo.  ou  a  quem  suas  vezes 
fizesse,  o  diploma  régio  que  lhe  mandava  lançar  o  hábito  de  noviço, 
cerimónia  a  que  deve  ter-se  procedido  imediatamente.  Depois,  ao 
passar  por  Lisboa  de  regresso  à  Beira,  na  capela-real  ou  na  igreja 
da  Encarnação,  seria  armado  cavaleiro  por  três  cavaleiros  professos, 
dois  dos  quais  desempenhariam  o  papel  de  padrinhos. 

A  cerimónia  da  profissão  religiosa  deve  ter-se  realizado  mais 
tarde,  no  outono  seguinte,  quando  Brás  Garcia  foi  de  novo  ao  Alen- 
tejo, chamado  pelas  ordens  régias  que  convocaram  toda  a  nobreza 
de  Portugal  a  defender  a  fronteira  alentejana,  ameaçada  de  invasão 
mais  poderosa.  Num  documento  de  14  de  Julho  deste  ano  ^  ainda 
o  nosso  herói  é  simplesmente  denominado  o  Capitão  bras  Gr."^"  M.'"; 
em  documentos  de  19  de  Fevereiro*,  12  de  Outubro^,  i5  de  Dezem- 
bro ^,  etc,  do  ano  imediato  de  1645,  já  é  tratado  por  frei  bras  Gr." 
m."^ :  tinha-se  realizado  a  profissão  religiosa  no  período  que  decorre 
entre  meado  de  Julho  de  1644  e  meado  de  Fevereiro  de  1645. 

Deviam  constar  estes  actos  dos  registos  da  ordem,  cujos  livros  se 


1  V.  7.,  XVII,  2-3.-2  Doce.  LIX  e  LX.  — 3  Doe.  LXI.-  «  Doe,  LXII. 
5  Doe.  LXIII.— 6  Doe.  LXV. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  cAvô  sgS 

encontram  na  Torre  do  Tombo ;  mas,  infelizmente,  há  neles  lacunas, 
uma  das  quais  corresponde  exactamente  a  este  período.  Ao  agra- 
ciado eram  sempre  entregues  certidões  de  tais  actos;  as  que  Brás 
recebeu  sumiram-se  na  voragem  onde,  por  incúria  dos  descendentes, 
desapareceram  os  papéis  e  documentos  da  família. 

Ao  principiar  o  inverno  de  1644-1645  já  o  novo  cavaleiro  pro- 
fesso da  ordem  militar  de  S.  Bento  de  Avis  estava  em  Avô,  osten- 
tando ao  peito,  nos  dias  solenes,  a  respectiva  insígnia,  constante  de 
um  colar  de  seda  verde  com  a  bela  cruz  fíordelisada  de  ouro,  esmal- 
tada de  verde,  e  recebia  o  tratamento  honorífico  de  Senhor  Frei 
Brás. 

Já  deixei  dito  noutro  lugar  ser  opinião  minha,  bem  fundamentada 
segundo  julgo,  que  o  episódio  romanesco  do  casamento  do  capitão 
lusitano  Apulêo  com  a  bela  Clóride,  que  se  acha  inserido  no  Viriato 
Trágico,  e  abrange  as  estâncias  98  a  106  do  canto  xiii,  e  43  a  99 
do  canto  xiv,  é  uma  composição  epitalâmica,  em  que  Brás  Garcia, 
então  ainda  nos  primeiros  tempos  de  noivado,  canta  o  seu  próprio 
casamento  com  D.  Maria  da  Costa. 

Este  poema  épico,  planeado  quando  o  poeta  se  achava  preso  no 
Sabugal,  e  executado  nos  intervalos  em  que  a  guerra  o  deixava  des- 
cansar na  sua  querida  vila  de  Avô,  especialmente  durante  os  invernos 
em  que  os  rigores  da  estação  o  obrigavam  a  conservar-se  em  casa  •, 
acha-se  repleto,  como  temos  tido  ocasião  de  verificar,  de  alusões  pes- 
soais e  notas  auto-biográficas,  que  êle  poeta  conseguiu  mais  ou  menos 
habilmente  introduzir  na  contextura  da  obra. 

O  seu  desejo  seria  tomar  para  assunto  do  poema  a  presente  guerra 
da  restauração,  em  que  êle  mesmo  representava  um  papel  patriótico, 
glorioso,  eminentemente  simpático.  Em  tal  hipótese  cantaria  as  fa- 
çanhas dos  seus  comandantes  e  dos  camaradas,  o  que  seria  levado  à 
conta  de  adulação;  faria  referências  aos  seus  próprios  feitos,  o  que 
se  classificaria  de  imodéstia  e  vaidade.  Os  :{oilos  nocivos  e  maledi- 
centes voltariam  contra  êle  e  contra  o  seu  poema  os  dardos  envene- 
nados pelo  ódio  e  pela  inveja.  Para  frustrar  essas  críticas,  é  que 
preferiu  descrever  a  guerra  antiga,  embora  fosse  tarefa  para  êle  bem 
mais  difícil. 


'  V.  T.,  XV,  104. 


2g6  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

Antiga  formatura,  &  desuzado 
Estilo  de  a  reger,  que  então  avia, 
Será  muyto  difficil  a  hum  soldado 
Creado  entre  moderna  Infanteria; 
Se  assumpto  fora  muyto  mais  honrado, 
O  que  a  presente  Guerra  me  offrecia, 
Hé  melhor,  por  frustrar  Zoilos  nocivos, 
Cantar  aos  mortos,  que  adular  aos  vivos. 

Desgraça  hé  deste  século  invejoso, 
Em  que  não  pode  peiía  dar  peiíada, 
Louvando,  como  deve,  ao  valeroso, 
Sem  do  covarde  ser  vituperada. 
Desengane-se  todo  o  poderoso, 
Que  muyto  quer  luzir,  sem  fazer  nada, 
De  que  a  verdade  pôde  mais,  que  o  medo, 
E  que  se  há  de  imprimir,  ou  tarde,  ou  sedo. 

Ha  desanove  séculos  inteyros, 

Que  as  Armas  de  Viriato  florecerão ; 

E  ainda  agora  em  bons  livros,  &  letreyros, 

Se  reprova,  o  que  mal  delle  escreverão. 

Tempo  virá,  que  frustre  lisongeyros, 

E  lisongeados,  que  favor  lhe  dèrão, 

Cada  qual  com  valor  faça  o  que  deve, 

Porque  de  quem  mal  obra,  mal  se  escreve  *. 

Assim  Brás  Garcia  descreve  e  celebra  no  seu  poema  o  movimento 
patriótico  dos  lusitanos,  que,  comandados  por  Viriato  no  século  II 
antes  da  nossa  era,  se  ergueram  contra  o  domínio  dos  romanos,  e 
num  arranco  patriótico  sublime  venceram  com  pouca  gente  grandes 
exércitos;  exactamente  como  os  portugueses  agora  se  levantaram  para 
sacudirem  o  jugo  castelhano. 

A  grande  semelhança  de  situações  era  flagrante  ;  naturalíssimo 
pois  que  o  poeta  transportasse  para  aquela  guerra  muitos  episódios 
e  ocorrências,  e  bem  assim  muitas  personagens  desta;  e  que,  nas  in- 
venções poéticas  com  que  entretece  a  sua  composição  inserisse  muitos 
elementos  reais,  colhidos  na  guerra  da  restauração.  Por  vezes  chega 
a  esquecer-se  de  que  o  assunto  do  seu  poema  é  a  guerra  viriatina,  e 
pÕe-se  a  falar  da  guerra  da  aclamação  de  D.  João  IV,  sem  forma 
alguma  de  transição,  ;  sem  nos  deixar  sequer  perceber  que  entre  o 


V.  T,  II,  1-3. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  2g'j 

que  fantasia  em  uma  estância  e  o  que  narra  na  imediata  medeia  uma 
distância  cronológica  de  mais  de  18  séculos  I 

Esta  aproximação  vai  tão  longe,  o  poeta  identifica  tão  completamente 
os  generais  e  capitães  de  Viriato  com  os  de  el-rei  D.  João  IV,  que 
olvidando  o  facto  de  ainda  não  haver  Portugal  no  tempo  em  que  de 
corre  a  acção  do  seu  poema,  dá  aqueles  o  nome  de  portugueses 
O  inimigo  castelhano  confunde-se  a  cada  passo  com  os  romanos 
inimigos  de  Viriato.  Dispondo  de  um  pouco  de  observação  e  cuidado, 
chega-se  à  identificação  deste  ou  daquele  general  ou  capitão  do  exér 
cito  de  Castela  com  estoutro  ou  aqueloutro  cônsul,  pretor  ou  centurião 
do  exército  romano,  e  semelhantemente  de  alguns  oficiais  portugueses 
com  comandantes  do  exército  viriatino. 

Mas  não  são  apenas  as  façanhas  dos  generais  e  capitães  da  guerra 
da  restauração,  que  Brás  Garcia  comemora  no  seu  poema  Viriato; 
estou  convencido  de  que  muitos  episódios,  que  nele  se  lêem,  teem  um 
fundo  de  realidade.  Até  o  belo  episódio  de  Serralvo,  selvagem  gro- 
tesco, que  o  poeta  descreve  com  traços  cheios  de  vida  e  vigor,  gi- 
gante de  força  descomunal  mas  vilmente  cobarde,  que  se  escondia 
entre  as  bagagens  amedrontado,  enquanto  os  outros  soldados  pe- 
lejavam, e  que,  num  dado  momento,  repreendido  por  Viriato,  se 
atira  às  cegas  sobre  os  inimigos  desfazendo  quanto  encontra  —  pode 
bem  não  ser  mera  criação  da  fantasia  do  poeta,  mas  caricatura  ma- 
gistral de  algum  rude  serrano,  que  o  capitão  Brás  observasse  na  sua 
metamorfose  de  soldado  bisonho  e  medroso  em  herói  destemido.  É 
um  dos  belos  trechos  do  Viriato  Trágico: 

Sem  cessar  a  mortífera  batalha, 
Se  embravecia  cada  vez  mais  fera, 
Que  de  todos  os  lados  se  trabalha; 
A  Gente  que  da  vida  desespera, 
Dos  peytos,  &  paveses  faz  muralha 
Circular,  &  a  pê  quedo  a  morte  espera, 
Só  o  bárbaro  Serralvo  se  desvia 
Do  perigo,  em  que  as  outras  Nações  via. 

Era  Serralvo  moço  Gigantado, 
Pequenos  olhos  tinha,  &  rosto  feyo, 
Muy  calejada  mão,  &  pê  gretado, 
Largo  de  espadoas,  &  de  peytos  cheyo  *, 


'  Cheyos,  tem  a  i."  edição,  erro  tipográfico  corrigido  na  2.*. 


2q8  'Brás  Garcia  óMascarenhas 

Cabello  crespo,  &  nunca  penteado, 
Barba  inculta,  vestido  sem  asseyo, 
As  mãos  vilosas,  largas  as  munhecas, 
Grossas  as  pernas,  (Sc  as  queyxadas  seccas. 

Este  que  em  muytas  Guerras  pouco  obrara, 
Covarde  entre  a  bagagé  se  escondia 
Tão  vilmente,  que  nem  volvia  a  cara 
A  onde  tão  cara  a  vida  se  vendia. 
Viriato,  que  húas  Mangas  retirara, 
E  sobre  todos  tinha  grã  vigia. 
Vendo  aquk;ll£  curpaço  alapardado. 
Mais  severo  o  reprehende,  que  indignado. 

Desculpa-se  tremendo,  que  não  tinha 
Arma,  &  por  tanto  ali  se  recolhera; 
Viriato  lhe  diz  toma  esta  minha 
Arma,  &  com  ella  faze  o  que  eu  fizera ; 
Pêra  sempre  ta  dou,  alto  caminha. 
Que  traz  ti  vou,  &  adverte  que  te  espera 
Grande  castigo,  ou  premio :  Disse,  &  parte 
O  bisonho  discípulo  de  Marte. 

Entra  na  escola  sem  conhecer  letra, 
Mas  tam  bem  a  lição  do  Mestre  aprende 
Que  do  primeyro  golpe,  que  soletra 
Da  testa  aos  peytos  hum  centurio  fende ; 
Multiplicando  os  vay,  ossos  penetra. 
Que  arma  nenhúa  delle  se  defende  : 
A  mais  dobre,  &  fortíssima  armadura 
,  Rompe,  qual  branda  cera,  a  Maça  dura. 

Hum  dardo,  que  lhe  fora  arremeçado 
O  ferio  levemente  na  cabeça. 
Do  que  impaciente  o  bárbaro  indignado. 
Em  meyo  dos  contrários  se  arremeça; 
Despedaçando  os  vay  a  cada  lado. 
Que  de  matar,  &  de  bramir  não  cessa, 
Parecendolhe  poucos,  quantos  via 
Pêra  esfriar  a  cólera,  em  que  ardia '. 

O   que   acima  narramos   é   um  facto,    que  se   observa  por  todo 
o  poema,  e  se  torna  mais  claro  e  evidente  nos  cantos  xiii,  xiv  e  xv, 


•  V.  T.,  viii,  5 1-56  da  i.'  edição,  49-54  da  2.'.  Esta  discrepância  resulta  de 
um  erro  de  numeração,  que  se  deu  na  i.',  onde  houve  uma  lacuna,  numerando-se 
36  a  estância  que  imediatamente  se  segue  à  33,  e  continuando  a  série  37,  38  etc. 
até  ao  fim  do  canto. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  sgg 

que  suponho  terem  sido  escritos  em  1644-1645.  E  neles  que  se  en- 
contram com  mais  frequência  e  extensão,  e  introduzidas  por  qualquer 
forma,  às  vezes  bem  pouco  naturalmente,  referências  minuciosas  auto- 
-biográficas  e  episódios  da  guerra  da  restauração,  como  tais  indicados 
expressa  e  claramente,  mas  relatando  factos,  todos  sucedidos  anterior- 
mente ao  princípio  do  ano  de  1645.  Brás  viera  da  campanha  do 
Alentejo  cheio  de  entusiasmo  pelo  que  ali  fizera  e  vira  fazer  aos 
outros ;  por  isso  não  admira  que,  ao  cantar  as  façanhas  de  Viriato  e 
dos  seus  soldados,  em  vez  de  inventar  acções  de  fantasia,  lhes  atri- 
buísse os  feitos  épicos  realizados  naquela  recente  campanha. 

Há  nestes  cantos  estâncias  inteiras,  que,  descrevendo  a  guerra 
viriatina,  são  perfeitamente  aplicáveis  à  campanha  da  restauração  no 
outono  de  1648  e  na  primavera  e  outono  de  1644,  desde  que  se  sub- 
stitua um  ou  outro  nome.  As  circunstâncias  de  lugar,  estação  do  ano 
e  outras,  a  táctica  dos  nossos  e  do  inimigo,  o  resultado  dos  ataques, 
etc,  tudo  é  perfeitamente  conforme.  Brás  descrevia  os  sucessos  da 
campanha  actual  na  Estremadura  espanhola,  caracterizando  as  perso- 
nagens que  nela  figuraram  com  traços  e  nomes  que  lhes  dessem  feição 
antiga.  Para  exemplificar:  —  leiam-se  atentamente  as  estâncias  se- 
guintes, e  diga-se  depois  se,  substituindo  na  penúltima  o  nome  Ro- 
nianos  por  Hispano^,  e  supondo  na  última  que  Lélio  é  pseudónimo 
do  governador  castelhano  conde  de  Santo  Estêvão,  não  se  encontra  aqui, 
sem  sombra  de  dúvida,  uma  rápida  e  exacta  descrição  da  campanha 
do  outono  de  1643  na  Estremadura  espanhola,  que  o  poeta,  como 
os  geógrafos  do  seu  tempo,  denomina  Andaluzia,  por  estender  bastante 
para  Norte  esta  província,  dando-lhe  por  limite  ocidental  e  setentrional 
o  curso  do  Guadiana  '. 


Fugindo  vay  às  terras  bem  muradas 
O  vulgo  agricultor,  quando  ambicioso 
Do  suor  esperou  rico  tributo, 
Pesares  recolhendo  em  vez  de  fruto. 


'  E  porq  algús,  q  não  estão  vistos  na  Geografia  entêdem,  q  Andaluzia,  he 
menos  destrito,  do  que  antigamete  foi  a  Betica,  saibão,  que  recebem  particular 
égano:  porque  Betica,  &  Andaluzia  he  toda  húa  cousa,  &  hú  so  nome.  Betica  foi 
chamada  aquella  prouincia  do  rio  Betis,  q  a  atrauessa,  &  passa  por  Seuilha,  hoie 
Guadalquiuir,  q  por  lingoa  dos  Mouros  quer  dizer,  rio  grande.  Vierão  os  Vuan- 
dalos,  que  a  senhorearão,  &  como  seu  desígnio  era,  como  Godo,  extinguir  as  me- 
morias Romanas,  chamarão  à  Betica,  Vuandalia,  que  depois  corrupto  se  mudou  em 
Andaluzia,  que  se  inclue  des  do  mar  Mediterrâneo,  tè  o  rio  Guadiana,  como  he 
dito».  —  Dr.  João  Salgado  de  Araújo,  Successos  militares  das  armas  porlvgvesas, 
fl.  169  v.°. 


Soo  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

Qual  gafanhota,  que  os  passados  annos 
Vimos  com  tanta  magoa,  que  inda  dura, 
Gastar  os  férteis  campos  Egytanos, 
Hum  fogo  parecendo  da  verdura, 
Que  por  donde  passava  a  nossos  danos 
Pallido  tinha  o  sol,  a  terra  escura, 
E  tudo  quanto  atràz  delia  se  via, 
Húa  tórrida  Lybia  parecia. 

Tal  vão  atraz  deyxando  os  Lusitanos 
Tudo  abrasado  negro,  &  consumido  ; 
Estão-se  cm  stus  presídios  os  Romanos 
Vendo  a  terra  assolada,  o  fumo  erguido. 
Atalhando  cpm  tudo  graves  danos, 
Tem  consigo  o  que  podem,  recolhido; 
Como  quem  na  geral  adversidade 
Se  abriga  em  quanto  passa  a  tempestade. 

Mas  vendo  o  Portuguez,  que  não  podia 

Lélio  a  campo  tirar  por  força,  ou  manha. 

Que  com  sagacidade  prevenia 

Seus  danos,  despejando-lhe  a  campanha. 

Depois  de  saqueada  Andalusia, 

No  fim  do  Outono,  que  o  campear  acanha, 

Por  se  desempachar  de  tantas  presas, 

Se  retira  às  Cidades  Portuguesas  '. 

E,  na  estância  que  a  seguir  transcrevo,  dá-se  o  esboço  do  quadro  final 
da  campanha :  —  as  chuvas  precoces  pondo  termo  precipitado  às  ope- 
rações da  guerra,  o  conde  espanhol  corrido  e  envergonhado,  os  por- 
tugueses retirando  carregados  de  despojos,  os  rios,  engrossados  pelas 
tempestades  outonais,  que  mais  pareciam  inverno  rigoroso,  criando 
dificuldades  à  marcha  do  exército,  e,  finalmente,  as  companhias  alen- 
tejanas divididas  pelos  quartéis  costumados  das  diversas  praças  sitas 
na  região  banhada  pelo  Guadiana. 

Antecipa-se  o  Inverno  rigoroso. 
De  ver  estragos  tais  compadecido ; 
Faz  retirar  ao  Luso  bellicoso, 
Deyxando  a  Lélio  timido,  &  corrido : 
Mas  do  immenso  despojo  embaraçoso, 
E  dos  soberbos  Rios  impedido, 
Junto  a  Guadiana  manda  em  varias  partes 
Alojar  os  guerreyros  Estandartes  ^. 


•  V.  T.y  XIII,  59-62.  —  *  V.  T.,  XIII,  < 


Cap.  VII—  O  poeta-patviota  de  QAvô  3o  i 

Ora  exactamente  nos  cantos  xm  e  xiv  é  que  se  encontra  o  epi- 
sódio em  que  figura 

O  robusto  Apuleo,  que  na  empresa 
Hum  dos  Troços  bolantes  governara  ', 

e  também  a  formosa 

'  Clóride,  que  em  solar  pátrio  vivia*. 

O  desenho  e  o  colorido,  com  que  o  poeta  retrata  Apulêo,  capitão 
e  guerreiro,  são  tão  semelhantes  aos  traços  e  cores  com  que  nestes 
mesmos  cantos  esboça  e  ilumina  a  sua  própria  fisionomia  de  guer- 
reiro e  de  capitão,  que  os  dois  perfis  quase  se  confundem  e  identificam. 
Há,  é  verdade,  na  figura  de  Apulêo  alguns  traços  intencionais  de 
caracterização,  com  que  o  poeta  quis  disfarçar-se,  sem  o  conseguir : 
adornos  de  invenção  poética,  empregados  como  máscara,  mas  tão 
diáfana,  que  deixa  transparecer  as  feições  naturais.  O  mesmo  di- 
zemos do  retrato  de  Clóride,  que,  a-pesar  dos  disfarces,  nos  revela 
a  figura  gentil  de  D.  Maria  da  Costa. 

Não  deixa  também  lugar  a  dúvidas,  sobre  a  identificação  destas 
duas  personagens,  o  modo  por  que  o  autor  introduz  no  poema  o 
episódio  do  seu  encontro  e  do  seu  posterior  casamento. 

Acabava  de  descrever  a  campanha  outonal  dos  lusitanos  ou  por- 
tugueses na  Andaluzia.  Á  aproximação  do  inverno  suspendem-se  as 
operações  de  guerra,  retiram-se  os  portugueses  carregados  de  des- 
pojos, e  alojam-se  os  estandartes  guerreiros  junto  ao  Guadiana;  mas 
Apulêo  cora  os  seus  soldados  não  fica  nesta  região  transtagana,  e  vai 
até  à  terra  onde  é  senhora  proprietária  Clóride.     Ali  se  aloja. 

Há  entre  o  capitão  e  a  donzela  convívio  afectuoso  e  honesto, 
troca  de  amabilidades  e  de  presentes,  até  que,  passado  o  inverno, 
Apulêo  volta  para  a  guerra,  e  Clóride  é  caluniada  pelo  vulgo,  que 
malsinara  e  infamara  as  relações,  aliás  respeitosas  e  honestíssimas, 
que  houvera  entre  os  dois.  Estas  calúnias  chegam  por  fim  aos  ouvidos 
de  Clóride,  que  sofre  grande  mágua  por  se  vêr  injustamente  difamada. 
Um  dia,  junto  de  uma  fonte,  é  consolada  pela  Naiade  que  ali  ha- 
bitava,  a  qual  lhe   descreve   com  cores  carregadas  quanto  é  baixo. 


1  V.  r.,  xm,  99.—'  V-  T.,  XIII,  100. 


3oa  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

infame  e  inconstante  o  vulgo  que  a  calunia,  e  a  cuja  mordacidade 
ninguém  escapa.  Note-se  que,  para  o  poeta,  o  vulgo  infame,  que 
êle,  vítima  largamente  experimentada  da  sua  maledicência,  verbera 
em  vários  lugares  sem  dó  nem  piedade,  não  é  o  povo,  a  mais  humilde 
das  classes  sociais,  a  qual  lhe  merece  niuita  simpatia,  e  para  a  qual 
tem  referências  afectuosas ;  o  vulgo,  que  êle  detesta,  não  passa  de 
ura  composto  híbrido  e  monstruoso  da  ínfima  ralé  de  todas  as  classes, 
clero,  nobreza  e  povo,  constituindo  uma  disforme  &  barbara  canalha, 
que  hè  dos  estados  tre^  escoria  em  bica,  que  de  todos  diriva,  &  se 
baralha  em  mistura  repugnante,  em  hã,  como  composto  de  botica. 

Vejamos  como  a  Naiade  descreve  a  Clóride  o  vulgo  que  a  calu- 
niara e  infamara,  e  que  lhe  apresenta  figurado  na  superfície  do  lago, 
como  em  cristalino  espelho. 

Nas  entranhas  do  lago  transparente 
Outro  mundo  se  via,  outras  Cidades, 
Cutra  terra,  outras  plantas,  &  outra  Gente 
E  outras  tnil  engraçadas  variedades ; 
Tudo  tão  natural,  &  tão  presente 
Que  incitava  as  mais  frivolas  vontades, 
Sem  distinguir  o  príncipe  sentido, 
Qual  era  dos  dous  mundos  o  fingido. 

O  futuro,  &  passado  ali  se  via 
Baralhando  o  presente  de  maneyra, 
Que  todo  o  bom,  &  máo  se  confiandia, 
Qual  faz  grã  belberinho,  &  grã  poeyra. 
Como  era  Vulgo,  não  se  conhecia 
A  si  mesmo,  que  hè  tal  sua  cegueyra. 
Que  ao  Vulgo,  como  a  outro  encosta  o  dano 
Sendo  elle  o  mesmo  vulgo,  o  mesmo  engano. 

Rompe  a  Nayade  em  parte  o  espelho  instável, 
D"entre  cristais  quebrados  levantando 
Hum  braço  de  marfim,  com  que  o  notável 
Do  Vulgo  vay  a  Clòride  explicando. 
Bem  vez  (lhe  diz)  hum  monstro  formidável 
Com  orelhas  de  Midas  escutando. 
Com  olhos  de  importuno  Mono  vendo, 
E  com  lingoa  de  Zoilo  reprehendendo. 

Aquelle  hé  o  Vulgo,  junta  de  ignorantes 
De  mordases,  maganos,  chocarreyros, 
Correyos,  almocreves,  caminhantes 
Vagamundos,  perdidos,  lisongeyros. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  3o3 

Matarizes,  malsins,  rufioens,  bribantes 
Vadios,  mofadores,  embusteyros, 
Moscas  de  feyras,  átrios,  pelourinhos, 
Contrários  de  agoa,  amigos  de  bons  vinhos. 

Esta  disforme,  &  barbara  canalha 
Hè  dos  estados  trez  esccia  em  bica 
Que  de  todos  diriva,  &  se  baralha 
Em  hú,  como  composto  de  botica. 
Attenta  que  se  junta,  &  se  espalha 
Mexe,  remexe,  torna,  vay,  &  fica. 
Como  abelhas  em  torno  do  cortiço 
Susurrando,  &  fazendo  rebuliço. 

Não  vez,  como  accrescenta,  &  como  approva 
As  mentiras,  que  logo  toma  em  grosso  í 
E  como  se  arrerneça  a  qualquer  nova, 
Roendo  nella  como  o  cam  no  osso  ? 
Ali  fabula  hum  Paço  de  bua  alcova 
Acolá  de  hú  Pigmèo  finge  hum  colosso; 
Alem  de  huma  formiga  hum  Elefante, 
Tudo  faz,  &  desfaz  de  instante  a  instante. 

Olha,  como  por  praças,  &  rocios 
Monarchas,  &  Pontífices  reprehende. 
Porque  tam  vários  saó  seus  desvarios 
Que  sem  entender  nada,  em  tudo  entende: 
Nota,  como  a  senhores  de  altos  brios 
Aniquilar,  &  derrubar  pretende  : 
Adverte,  como  os  mais  justos  Prelados 
São  dele  sem  respeyto  murmurados. 

Repara,  em  que  aos  mais  rectos  Julgadores 

Chama  de  sanguinários,  &  velhacos  ; 

E  a  passaculpas  brandos  chupadores 

Adula  de  zeleucos,  sendo  cacos  :  , 

A  Generais  das  pátrias  defensores 

Nas  acções  de  prudência  os  chama  fracos. 

Porque  a  toda  a  virtude  tem  por  vicio, 

E  pêra  todo  o  mal  está  propicio. 

Vès,  que  murmura  aos  Frades  em  suas  cellas, 
As  Freyras  nas  clausuras  dos  Conventos, 
Nos  retretes  as  mais  castas  Donzellas, 
As  Viuvas  nos  tristes  aposentos. 


1  Na  I.*  ed.  está  bita^  erro  tipográfico  já  corrigido  na  2.". 


3o4  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

As  Casadas  nos  Templos,  &  janelas, 
As  Beatas  em  seus  recolhimentos, 
Os  Ermitães  nos  Ermos,  &  na  fama 
Os  defuntos,  que  atè  mortos  mfama  í 

Infama  atè  os  que  inda  estão  no  estado 
Da  innocencia  :  bem  vés  huas  Meninas, 
Que  apanhando  boninas  por  hum  prado 
Parecem  do  tal  prado  outras  boninas : 
Pois  das  tais  Physionomico  malvado 
As  agoura  a  estragadas,  &  mofinas. 
Por  tais,  &  quais  sinais;  tanto  se  inclina 
A  malsinar,  que  até  sinais  malsina  '. 

Continua  a  Naiade  a  fazer-lhe  ver  na  água,  como  em  espelho, 
uma  série  de  representações  do  passado,  presente  e  futuro,  e  vai-Ihe 
apontando  as  vítimas  inocentes  das  calúnias  desse  infame.  Entre  elas 
lá  aparece,  sem  máscara  nem  disfarce  algum,  o  próprio  poeta  Brás, 
que,  esmerando-se  em  prestar  à  pátria  os  mais  relevantes  serviços, 
que  a  Naiade  menciona,  é  logo  acusado  e  caluniado  como  traidor  pelo 
vulgo;  mas  a  diva  aquática  faz  notar  a  Clóride  que  a  caliinia  não 
poude  triunfar,  e  que  aquele  mesmo,  que  o  vulgo  com  as  suas  infâ- 
mias queria  vêr  esmagado,  se  ergue  hoje  mais  honrado  e  triunfante. 

E  nesta  altura  passa  a  Naiade,  sem  solução  de  continuidade,  a 
anunciar  a  Clóride  que  a  sua  mão  vai  ser  pedida  por  aquele  com 
quem  foi  infamada,  e  que  assim  ficará  salva  a  sua  honra.  Aponta-lhe 
uma  nuvem  de  pó  que  se  aproxima :  é  Apulêo,  de  regresso  da  nova 
campanha,  que  vem  repousar  a  esta  mesma  região,  onde  tão  bem 
passara  o  anterior  inverno.  O  capitão  chega;  informado  das  calúnias 
com  que  tinha  sido  conspurcado  o  bom  nome  de  Clóride.  pede  a  sua 
mão,  e  casa  com  ela. 

Esta  aproximação  e  sobreposição  do  poeta-guerreiro  português 
Brás  ao  valente  capitão  lusitano  Apulêo  foi  certamente  propositada. 
Tão  semelhantes  são  em  tudo,  que  ao  ler  estes  cantos  mal  pode 
passar-se  a  deante  sem  notar  tão  estranha  semelhança;  e,  reflectindo 
um  pouco,  chega-se  à  convicção  da  identidade  pessoal  dos  dois. 

Brás  Garcia  quis  deixar  aqui  comemorada  a  história  romanesca 
do  seu  casamento ;  mas  procurou  disfarçá-la  por  forma  que  o  vulgo 
a  não  intendesse,  ficando  decifrável  apenas  para  os  dois  noivos, 
então  recem-casados,  e  para  os  amigos  de  maior  intimidade,  a  quem  o 

1  V.  T,  XIV,  OS-77. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  3o5 

poeta  recitava  os  seus  versos,  entre  buxos  e  Hores,  nesses  frescos 
jardins  e  pátrios  rios,  quando  ali,  sem  a  corte  invejar  passava  os 
Estios  *. 

E  pois  a  este  episódio  do  poema,  que  temos  de  ir  pedir  notícias 
sobre  a  história  do  casamento  de  Brás,  visto  não  as  encontrarmos  em 
outra  fonte. 

Os  amores  clandestinos,  embora  sempre  honestos,  já  tinham  dez 
anos  de  existência  -.  A  barreira  que  separava  os  dois  namorados  era 
alta,  espessa,  e  parecia  insuperável.  D.  Maria  Madeira  lá  estava, 
com  a  sua  antipatia  incoercível,  afastando  de  sua  casa  e  família  o 
poeta,  que  tantos  dissabores  lhe  havia  causado  quando  rapaz.  Mas 
o  nome  de  Brás  Garcia  Mascarenhas  foi-se  honrando  e  cobrindo 
de  glorioso  prestígio,  e  já  não  havia  ninguém,  por  muitas  léguas  em 
redor,  que  tivesse  tão  honrosa  nomeada  e  reputação  como  o  nosso 
poeta-guerreiro.  Isto  deve  ter  quebrado  um  pouco  as  iras  odientas 
da  mulher  do  capitão-mór  de  Avô. 

No  inverno  de  1643-1644  as  circunstâncias,  que  então  se  deram, 
aproximaram,  como  vimos,  as  duas  famílias,  e  mais  estreitaram  as 
relações  ocultas  dos  dois  namorados.  Mútuas  confidências  e  mani- 
festações íntimas  de  afecto;  em  seguida  troca  de  pequenas  prendas, 
penhores  dos  sentimentos  amorosos,  que  mais  e  mais  os  iam  ligando. 

Entra  a  primavera,  a  estação  privilegiada  das  rosas  e  dos  prados 
em  flor,  do  canto  das  rolas  e  do  doidejar  das  borboletas,  do  desabro- 
char das  árvores  e  da  harmonia  das  florestas;  estação  formosíssima, 
em  que  as  fontes  teem  murmúrios  mais  suaves,  as  flores  perfumes 
mais  capitosos,  os  pôres-do-sol  policromias  mais  encantadoras;  estação 
deliciosa,  em  que,  junto  dos  ninhos  dos  seus  amores,  os  rouxinóis 
gorgeiam,  as  pombas  arrulham,  os  tintilhões  e  toutinegras  cantam  as 
suas  endeixas  apaixonadas.  Avô  era  então  um  verdadeiro  ninho  de 
fadas,  cheio  de  encantos. 

Fascinados  pelas  belezas  que  os  envolviam,  e  pelos  estímulos  na- 
turais que  os  excitavam,  os  dois  namorados  iam  pouco  a  pouco  es- 
quecendo as  conveniências,  embora  suposessem  que  o  véu  de  mistério, 
que  envolvia  as  suas  relações,  se  conservava  impenetrável.  Entre 
outras  manifestações  de  afecto,  houve,  de  parte  a  parte,  ofertas  de 
prendas  custosas,  jóias  de  valor,  que  atraíam  as  atenções  das  pes- 


»  V.  T.,  XV,  104.  —  2  V.  r.,  XII,  5. 


3o6  Uras  Garcia  (^Mascarenhas 

soas  íntimas  e  das  criadas.  Em  uma  terra  pequeníssima,  como  Avô, 
não  podia  deixar  de  dar  na  vista  esta  correspondência  amorosa,  re- 
vestida de  circunstâncias  tão  pouco  vulgares.  O  vulgo  principia  a 
murmurar,  e  da  perversidade  da  murmuração  em  breve  passa  à  in- 
fâmia da  calúnia. 

Foi  o  idílio  interrompido  pela  campanha  do  Alentejo  na  segunda 
metade  de  maio  de  1644.  As  cerimónias  de  receber  o  hábito  e  de 
ser  armado  cavaleiro  demoraram  ainda  por  lá  o  capitão  mais  umas 
semanas.  Quando  voltou  à  Beira,  soube  então  das  calúnias  a  que 
havia  dado  ocasião,  e  de  que  era  vítima  D.  Maria  da  Costa,  a  qual 
tinha,  durante  a  sua  ausência,  sofrido  em  silêncio  os  efeitos  da  difa- 
mação e  do  descrédito. 


Se  foy  o  galanteo  dilatado, 

Não  excedeo  de  honesto,  &  comedido ; 

Mas  nenhum  galanteo  se  assegura 

Do  vulgo,  que  o  melhor  peor  murmura. 

Carcomendo-se  andava  temeroso 
Da  soldadesca,  que  na  terra  andava  ; 
Mas  quando  jà  no  fim  do  rigoroso 
Inverno  vio  que  toda  a  despojava, 
O  freyo,  em  que  mordia  malicioso, 
Absenta  de  Apuléo,  o  despresava, 
A  honestíssima  Clòride  infamando. 
Presentes,  &  visitas  murmurando. 

Acrescenta  que  foy  delle  enganada 

De  bayxo  da  palavra  de  Marido, 

E  que  por  fácil  fora  despresgda, 

Porque  era  o  fácil  pouco  appetecido. 

Tarde  foy  da  innocente  magoada 

O  notório  descrédito  entendido, 

Porque  hè  sempre  o  que  chega  a  padecelo 

Injustamente  o  ultimo  a  sabelo. 

Não  se  dá  no  exterior  por  entendida, 
Padece  interiormente  seu  desgosto. 
Mas  payxãO;  que  está  dentro  recosida 
Hé  maleyta,  que  sahe  presto  ao  rosto. 
Confusa,  triste,  pallida,  affligida, 
Tudo  aborrece  quanto  incita  o  gosto ; 
Se  he  pena  a  que  nenhúa  outra  se  iguala, 
Só  quem  a  padeceo  pode  julgala*. 


•  V.  T.,  XIII,  io3-i&6. 


Cap.  VII —  O  poela-patriota  de  oAvô  3o  j 

l  Que  fazer  agora  ?     i  Como  desmentir  a  calúnia,  e  apagar  o  des- 
crédito produzido  pela  difamação  ?     ;  Impossível  ! 

Se  a  honra  da  mulher  hé  vidro  fino, 

Que  não  solda,  húa  vez  que  foy  quebrado  1  ' 

Uma  só  cousa  tinha  a  fazer  Brás  Garcia:  correr  a  casa  de  João 
Manuel  da  Fonseca,  e  pedir  a  mão  de  sua  filha,  que  já  não  podia 
ser-lhe  recusada.     Assim  tudo  ficava  remediado,  pois 

Que  toda  a  nota  purga  hua  Donzela 
Que  se  casa  com  quem  foy  causa  delia  ^. 

Brás  achava-se  em  condições  de  honrar  qualquer  família,  com 
quem  se  ligasse  por  laços  matrimoniais;  viria,  além  disso,  a  ser  um 
marido  exemplar  e  invejável,  pois  as  verduras  da  mocidade  eram 
passadas  há  muito,  e  os  seus  dotes  morais  excelentes. 

Ajustou-se  logo  o  casamento.  O  mesmo  vulgo,  que  difamara  a 
D.  Maria  da  Costa,  a  exaltará  agora. 

Porque  como  peru  de  instunte,  a  instante 
A  todo  o  mal,  &  bem  faz  hum  semblante  '. 

Ninguém  pois  estranhou  vêr  na  quinta  feira,  14  de  julho,  um 
pequeno  grupo  de  damas  e  cavalheiros  das  famílias  avoenses  dos 
Madeiras,  Fonsecas,  Mendonças,  e  Garcias  Mascarenhas,  atraves- 
sarem a  ponte  sobre  o  Alva,  subirem  a  pequena  encosta  do  adro, 
entrarem  na  igreja  colegiada  e  paroquial  de  Nossa  Senhora  da  As- 
sunção, e  ali  assistirem  ao  baptizado  de  um  filho  recem-nascido  de 
Bernardo  Duarte  de  Figueiredo  e  D.  Maria  Jácorae  de  Mendonça, 
prima  inteira  da  namorada  do  nosso  poeta,  sendo  padrinhos  o  próprio 
Brás  Garcia  e  sua  futura  sogra  D.  Maria  Madeira  '*. 

As  pazes  estavam  feitas  e  o  casamento  tratado,  para  o  que  muito 
concorreu  o  vulgo  com  as  suas  infames  calúnias. 

Brás  Garcia  Mascarenhas  era  noivo.  Toda  a  gente  o  sabia  em 
Avô  e  arredores. 

Faziam-se  pelas  províncias  levas  de  soldados  para  acudir  ao  Alen- 
tejo, onde  se  esperava  um  recrudescimento  notável  da  guerra  no  pró- 
ximo outono,  pois  a  Espanha  se  preparava  para  responder  condigna- 
mente ao  desastre  de  Montijo. 


1  V.  T.,  XII,  84.—»  V.  T.,  XIV,  89.  —  '  V.  T.,  XVI,  i5.  — <  Doe.  LXI. 


3o8  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

Brás   Garcia   estava   apalavrado  para  ir  continuar  os   seus  bons 
serviços   em  prol  da  pátria;   não  queria   faltar,  nem  faltaria.     Pre- 
cisava também  de  fazer  a  sua  profissão  religiosa  na  ordem  de  Avis, 
cujo  hábito  de  noviço  e  esporas  de  cavaleiro  recebera  meses   antes 
aproveitaria  para  isso  a  viagem  ao  Alentejo. 

Por  estas  razões,  o  casamento  ficou  aprazado  para  o  regresso 
A  sua  realização  não  obstava  a  profissão  religiosa,  que  Brás  ia  fazer 
Esta  profissão,  em  tempos  idos,  importava,  é  verdade,  os  três  votos 
de  pobreza,  obediência  e  castidade ;  mas  já  de  há  muito  assim  não 
sucedia.  A  bula  de  Alexandre  VI  Romani  Pontijicis  sacri  aposto 
latiis,  de  20  de  julho  de  1496,  concedida  a  instâncias  do  rei  D.  Ma 
nuel  I,  como  grão-mestre  da  ordem  de  Cristo,  e  de  todos  os  comen- 
dadores e  priores  da  mesma  ordem  e  da  de  Avis,  concedeu  aos 
cavaleiros  de  uma  e  outra  a  faculdade  de  casarem '.  Do  voto  de 
pobreza  também  haviam  sido  dispensados  a  12  de  dezembro  de  i5o4 
pelo  papa  Júlio  II. 

Partiu  pois  o  nosso  capitão  para  a  campanha,  que  prometia  ser 
violenta  e  muito  grave.  O  marquês  de  Torrecusa  andava  preparando 
um  grande  exército,  e  propunha-se  entrar  em  Portugal  e  conquistar 
quase  toda  a  província  do  Alentejo,  em  resposta  à  tomada  das  praças 
espanholas  pelos  portugueses. 

No  princípio  do  outono  tinha  o  conde  de  Alegrete  Matias  de 
Albuquerque  um  exército  importante,  para  o  qual  contribuíram  todas 
as  províncias  com  levas  de  cavalaria  e  infantaria.  Achava-se  no 
Alentejo  a  maior  parte  da  nobreza  da  corte.  Todos  os  dias  se  espe- 
rava a  invasão  castelhana,  e  tudo  estava  preparado  para  a  defesa. 

Decorreram  porém  dois  meses  sem  que  se  realizasse  a  esperada  e 
temida  visita. 

Ao  findar  novembro,  o  conde-governador,  vendo  que  a  invernia 
se  desencadeava,  tornando  quase  impossível  a  campanha  por  tal 
tempo,  licenciou  as  tropas.  E  nesta  altura  que,  a  28  de  novembro, 
o  marquês-governador  das  armas  na  Estremadura  espanhola  entra 
com  um  exército  de  12.000  iníantes  e  2.600  cavalos,  10  peças  de 
artilharia,  2  morteiros,  máquinas  de  guerra  e  bagagem,  e  depois  de 
várias  hesitações  vem  sitiar  Elvas,  onde  estava  o  conde  de  Alegrete, 
muita  nobreza  e  guarnição  importante.  Foi  no  i."  de  dezembro,  dia 
em  que  se  celebrava  o  4."  aniversário  da  revolução  restauradora,  que 


'  T.  T.,  maço  i5  de  bulas,  n."  19.  —  Quadro  elementar,  t.  X,  pág.  ii5. 


Cap.  VII—  O  poeta-patriota  de  oAvò  3og 

o  exército  espanhol  chegou  à  praça  portuguesa,  que  se  defronta  com 
Badajoz. 

A  guarnição  de  Elvas  defendeu-se  briosa  e  valentemente  durante 
uma  semana.  No  dia  8  de  dezembro,  em  que  se  celebrava  a  soleni- 
dade da  Imaculada  Conceição,  que  nesse  mesmo  dia  era  em  Lisboa 
declarada  pelo  rei  Padroeira  e  Protectora  de  Portugal,  o  exército 
castelhano  retira  para  Badajoz.  Convencera-se  o  marquês  de  Torre- 
cusa  de  que  a  empresa  era  bem  mais  difícil  do  que  cuidara;  àlêm 
disso,  a  invernia  aturada  prejudicava  muito  as  operações,  e,  sobretudo, 
constou  que  um  grande  reforço  de  tropas  estava  a  preparar-se  em 
Lisboa  para  acudir  à  praça  sitiada. 

Na  ida  ou  na  vinda  o  nosso  Brás  passaria  por  Avis,  e  apresen- 
taria ao  prior-mór  da  ordem  de  S.  Bento  o  alvará  régio  de  14  de 
maio,  que  o  admitia  à  profissão  religiosa.  Entrando  então  para  o 
convento,  nele  deve  ter  pousado  algum  tempo,  assistindo  com  os 
outros  cavaleiros  aos  ofícios  divinos.  Fez  depois  a  sua  profissão, 
ficando  para  todos  os  efeitos  cavaleiro  professo  da  ordem. 


Nos  princípios  do  ano  de  1645  tinha  regressado  a  Avô  o  poeta- 
-guerreiro.  O  casamento,  ajustado  desde  o  verão  anterior,  realizar-se 
ia  em  breve. 

Aproximava-se  a  quaresma,  em  que  as  solenidades  nupciais  eram 
proibidas,  não  podendo  em  caso  algum  os  noivos,  durante  ela, 
receber  as  bênçãos  da  igreja.  Se  chegasse  a  quarta  feira  de  cinza 
sem  estarem  casados,  tinham  de  esperar  pela  segunda  feira  da  Pas- 
coela, 24  de  abril,  em  que  cessava  o  tempo  clauso. 

Casamento  de  tanta  prosápia,  pelas  condições  sociais  dos  noivos, 
devia  ser  dia  de  festa  em  Avô.  Para  maior  solenidade,  e  para  au- 
mentar a  espectaculosidade  do  acto,  esco!heu-se  para  êle  um  dia  san- 
tificado. Foi  no  domingo  da  sexagésima,  que  o  povo  denomina 
domingo-magro,  a  19  de  fevereiro,  que  se  realizou  o  matrimónio  '. 

Frei  Brás  Garcia  Mascarenhas,  levando  aos  ombros  o  seu  manto 
branco  de  cavaleiro  de  Avis,  com  a  elegante  cruz  verde  fiordelisada 
destacando  em  bordadura  sobre  o  lado  esquerdo  do  peito,  j  como  não 
viria  ufano,  de  regresso  da  igreja,  ao  entrar  em  sua  casa,  trazendo 
pelo  braço  a  sua  formosa  e  nobre  consorte  D.  Maria  da  Costa  Fon- 

«  Doe.  LXII. 


3io  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

seca !  Ele  contava  então  49  anos  e  16  dias,  ela  26  anos  e  3  meses. 
Brás  via  finalmente  realizado  o  seu  sonho  de  dez  anos ;  cheio  de 
satisfação  no  presente,  recordando  com  emoção  o  passado,  pensaria 
consigo  mesmo  o  que  pouco  depois  escrevia  no  seu  poema : 

Que  veyo  a  merecer  por  murmurado 
O  que  não  mereceo  por  comedido  *. 

Deve  ter  sido  por  esta  época  que  um  pintor  fixou  na  tela  o  retrato 
do  poeta,  hoje  perdido,  que  durante  dois  séculos  e  meio  esteve  or- 
namentando a  sala  nobre  du  solar  dos  Garcias  Mascarenhas,  de  Avô, 
e  que  foi  muito  infielmente  copiado  na  litografia  que  adorna  a  se- 
gunda edição  do  Viriato  Trágico.     Reproduz-se   aqui  a  referida  es- 


154-5 


Assento  do  casamento  de  Brás  Garcia. 

tampa,  que  o  Dr.  Albino  de  Abranches  Freire  de  Figueiredo  afirma, 
no  Prefácio  à  mencionada  edição,  que  é  o  retrato  do  ai/ctor,  copiado 
daquelle  que  se  conserva  na  sua  casa  ^. 

O  sr.  Visconde  de  Sanches.de  Frias,  estudando  a  estampa,  chega 
à  conclusão  de  que  não  pode  ser  o  retrato  de  Brás  Garcia,  porque 
nem  a  cabeleira,  nem  a  barba,  nem  a  indumentária  correspondem 
aos  usos  da  época,  e  conclue:  —  .4  ejigie  de  Brás  Garcia  Mascare- 
nhas representa  pois  uma  inrenção,  forjada  por  desenhista  insciente 
para  adorno  da  segunda  edição  do  Viriato,  ainda  assim  muito  pobre 
e  contrafeita  ^. 

Tem  razão  o  ilustrado  titular  nestas  considerações  e  conclusão; 
mas  em  que  a  não  tem  é  em  dar  um  desmentido  formal  à  afirmação 


1  7.  T.,  XIV,  95.  —  *  Doe.  CXVIII. 
'  O  poeta  Garcia,  pág.  60. 


Cap.  VII —  O  poeta-patviota  de  oAvô  3i  i 

categórica  feita  por  Albino  de  Figueiredo,  de  que  em  1846,  quando 
escrevia  o  Prefácio,  se  conservava  ainda  na  casa  de  Brás  Garcia,  em 
Avô,  o  seu  retrato.  A  honradez  e  respeitabilidade  deste  cavalheiro 
de  velha  têmpera,  não  pode  deixar  lugar  à  suspeição  de  que,  para 
ornamentar  o  seu  livro,  inventasse  um  retrato  que  não  existia.  E 
indubitável  que  a  litografia  não  reproduz  fielmente  o  retrato,  não 
passando  de  uma  adulteração  fantasiosa  do  desenhista  inábil  e  pouco 
escrupuloso,  encarregado  de  fazer  a  cópia;  mas  o  retrato  existiu,  e 
dá  notícias  precisas  dele  o  sr.  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  actual 
proprietário  da  casa,  solar  dos  seus  antepassados. 

Seu  pai,  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  cedeu  por  empréstimo  o 
retrato  ao  Dr.  Albino  de  Figueiredo,  quando  este  preparava  a  edição 
do  Viriato;  feito  o  desenho  litográfico,  a  tela  com  o  seu  caixilho  oval 
foi  restituída,  e  voltou  para  o  seu  lugar. 

Em  1871  lá  a  viu  o  meu  bom  e  querido  amigo  e  colega  no  pro- 
fessorado universitário,  o  distinto  artista  senhor  António  Augusto 
Gonçálvez.  Depois  disso  porém,  e  ainda  em  vida  do  mesmo  Tomás 
Garcia,  último  administrador  do  vínculo,  e  falecido  em  iSgS,  a  tela 
tornou  a  sair  do  seu  lugar  com  o  fim  de  em  Coimbra  se  lhe  fazer 
e  dourar  nova  moldura.     Não  mais  voltou,  e  desapareceu. 

Pedi  a  A.  Augusto  Gonçálvez  o  obséquio  de  consignar  por  escrito 
as  reminiscências,  que  porventura  conservasse  do  retrato,  e  da  sua 
semelhança  com  a  estampa  litográfica.     Eis  o  seu  testemunho: 

—  «Não  hesito  em  afirmar  que,  por  1871,  vi  em  Avô  uma  tela 
figurando  um  personagem  que  se  dizia  ser  o  poeta  Brás  Garcia  Mas- 
carenhas. 

«O  facto  em  si  é  absolutamente  incontroverso;  na  pormenorizaçao, 
porem,  é  que  as  dúvidas  me  enleiam',  porque  receio  que,  através  de 
quarenta  anos,  o  próprio  esforço  da  evocação  me  induza  em  erro. 

«Pela  vaga  reminiscência,  que  conservo,  a  figura  em  meio  corpo 
estava  inclusa  numa  moldura  oval  pintada,  e  na  parte  inferior  a  le- 
genda confirmando  a  representação,  segundo  a  maneira  vulgar  dos 
meados  do  século  xvii  em  diante. 

«Também  presumo  que  a  litografia,  que  ilustra  a  edição  do  Vi- 
riato Trágico  de  1846,  difere  sensivelmente  desse  quadro.  O  Brás 
Garcia  retratado  não  tinha  elmo  nem  plumas,  e  trajava  gibão  ama- 
relo, que,  entre-aberto,  deixava  vér  a  couraça,  e,  abaixo  do  colar,  a 
fita  com  a  insígnia  pendente. 

«A  nada  mais,  sem  grave  temeridade,  pode  avançar  o  meu  teste- 
munho.» — 


3i2  ^rás  Garcia  oMascarenhas 

l  Virá  ainda  algum  dia  a  aparecer  por  aí,  em  qualquer  recanto 
ignorado,  o  retrato  autêntico  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  facilmente 
reconhecível  pela  legenda  que  o  acompanha  ? 

Seria  um  precioso  achado. 

Tinha  o  nosso  herói  incontestável  direito  a  descansar  das  lides  da 
guerra,  por  largo  período,  na  sua  bela  vivenda  de  Avô,  agora  ador- 
nada com  os  encantos  da  sua  gentil  esposa.  O  temperamento  por- 
tuguês, amoroso  sem  exageros,  ponderado  nos  seus  afectos,  persis- 
tente nas  suas  inclinações,  costuma  dar  um  carácter  de  permanência 
e  fixidez  ao  verdadeiro  amor  conjugal,  pouco  vulgar  em  outros  povos 
mais  volúveis.  E  por  isso  que  a  lime  de  miei  dos  franceses  entre 
nós  aparece  ampliada  no  ano  de  noivado. 

Durante  esse  ano,  não  foi  o  capitão  Brás  á  guerra;  mas  nem  por 
isso  deixou  de  sacrificar  por  algum  tempo  a  companhia  de  sua  mulher 
em  holocausto  à  defesa  da  pátria. 

A  25  de  fevereiro  de  1645  foi  nomeado  governador  das  armas 
da  província  da  Beira  D.  Fernando  Mascarenhas,  pouco  antes  feito 
conde  de  Serem.  D.  Álvaro  de  Abranches  larga  então  aquele  go- 
verno, e,  de  passagem  para  Lisboa,  visita  em  Avô  o  seu  prezado 
amigo  Brás  Garcia,  que  lustrosa  e  amigavelmente  o  hospeda  por 
algum  tempo  *. 

No  próximo  outono  ia  recrudescer  novamente  a  guerra  no  Alen- 
tejo, e  para  isso  mandou  el-rei  aos  governadores  das  províncias,  que 
enviassem  para  aquela  campanha  os  contingentes  de  tropa  de  que 
pudessem  dispor.  O  conde  de  Serem,  para  cumprir  esta  ordem, 
viu-se  obrigado  a  mandar  por  diversas  partes  levantar  gente,  que 
viesse  guarnecer  as  praças  da  sua  fronteira,  enquanto  as  tropas 
pagas  e  exercitadas,  que  nela  tinha,  fossem  ao  Alentejo.  Sabia  da 
habilidade  e  zelo  com  que  o  capitão  Brás  Garcia  tinha  já  prestado 
idêntico  serviço;  escreveu-lhe  a  incumbi-lo  de  levantar  gente,  que  acu- 
disse àquela  necessidade. 

Sucedia  isto  no  verão  de  1646.  Brás  podia  escusar-se,  mas  não 
o  fez.  Deixou  em  Avô  sua  mulher,  já  de  esperanças,  e  foi  exe- 
cutar a  missão  recebida.  Por  tal  forma  se  houve,  que  o  conde  de 
Serem  solicitou  da  corte  uma  carta  régia,  que  veiu  com  data  de  8  de 

1  Doe.  CXII. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  3i3 

novembro,  em  que  D.  João  lhe  agradece  os  serviços  de  tão  bom 
ânimo  prestados  nesses  levantamentos  '. 

A  12  de  outubro  já  Brás  se  achava  em  Avô,  onde  assistia,  como 
testemunha,  ao  casamento  de  sua  cunhada  D.  Isabel  da  Fonseca  da 
Costa  com  Silvestre  Rodrigues,  rico  proprietário  de  Moimenta-da- 
-Serra  ^. 

Não  tinham  ainda  decorrido  dez  meses  completos  depois  do  casa- 
mento, e  já  havia  gente  nova  no  velho  solar,  ora  habitado  por  Marcos 
Garcia  e  família.  No  dia  14  de  dezembro  de  1645  era  baptizado  o 
primeiro  filho  de  Frei  Brás  Garcia  Mascarenhas  e  de  sua  mulher 
D.  Maria  da  Costa,  recebendo  o  nome  de  António. 

A  poética  e  graciosa  capelinha  do  glorioso  taumaturgo  português, 
erguida  no  picoto,  a  meio  do  formoso  lago,  que  separava  do  solar  o 
jardim  dos  Garcias  Mascarenhas,  e  à  qual  tantas  vezes,  durante  o 
verão  transacto,  iriam  de  barquinho  os  dois  noivos,  passar  momentos 
aprazíveis  e  agradecer  ao  santo  casamenteiro  a  graça  da  sua  miítua 
ventura,  deve  ter  sido  o  lugar  em  que  foi  combinado  darem  ao  pri- 
meiro fruto  dos  seus  amores,  se  fosse  um  rapaz,  o  nome  do  milagroso 
santo ;  a  êle,  segundo  a  letra  do  popular  responso,  cedunt  maré,  vin- 
cula, e  Brás  Garcia  por  vezes  tinha  impetrado  o  seu  patrocínio  nos 
perigos  do  mar  e  nas  agruras  das  prisões. 

Foi  baptizante  o  padre  João  Caramelo,  parente  da  mãe  do  neófito 
pelo  lado  paterno.  Se  o  baptismo  foi  ministrado  ao  oitavo  dia  do 
nascimento,  como  era  uso  constante  na  época,  o  primogénito  de  Brás 
nasceu  a  7  do  mês  de  dezembro. 


Brás  Garcia  assistiu  em  Avô  no  ano  seguinte  de  1646  até  princí- 
pios de  agosto.  A  2  de  fevereiro  foi  testemunha  do  casamento  de 
sua  cunhada  D.  Ana  da  Fonseca  da  Costa  com  João  Rodrigues,  irmão 
de  Silvestre  Rodrigues,  há  pouco  matrimoniado  com  a  outra  sua 
cunhada,  Isabel.  Em  carta  régia  de  4  de  agosto  é  êle  encarregado 
de  levantar  na  Beira  uma  companhia,  e  de  passar  com  ela  ao  Alentejo, 
segundo  as  instruções  que  recebeu  do  conde  de  Serem  ^. 

Pela  segunda  vez  abandona  sua  mulher  era  estado  interessante, 
para  acudir  ao  serviço  de  defesa  da  pátria,  i  Em  qual  das  comarcas 
da  Beira,  desde  a  raia  de  Espanha  até  à  orla  marítima,  faria  a  leva  ? 


'  Doe.  LXIV.  — ?  Doe.  LXIII.  — '  Doe.  LXVII. 


3i4  ^rás  Garcia  oMascarenhas 

Ignoro-o.  Na  primeira  metade  de  setembro  lá  estava  nos  campos 
transtaganos  à  frente  da  sua  companhia.  Encontrou  o  exército  bas- 
tante desmoralizado  pelas  dissensões  e  rivalidades  dos  oficiais.  Go- 
vernava-o  o  conde  de  Alegrete,  mas  havia  na  oficialidade  quem 
buscasse  sempre  contrariar-lhe  os  planos,  inutilizar-lhe  as  ordens,  e 
comprometê-lo.  Nos  conselhos  não  havia  meio  de  congraçar  os  con- 
selheiros e  harmonizar-lhes  os  pareceres.  Teve  o  rei  de  intervir, 
dirigindo  cartas  a  impor  a  sua  vontade,  às  quais  acrescentava,  de 
sua  própria  letra,  pedidos  e  rogos  para  que  esquecessem  miituas 
ofensas,  e  sobrepusessem  a  ludu  a  salvação  da  pátria. 

O  nosso  exército  chegou  a  passar  o  Guadiana,  e  a  render  o  forte 
de  Telena ;  mas,  sobrevindo  o  inimigo,  mais  numeroso  e  disciplinado, 
houve  necessidade  de  retirar. 

Do  Alentejo  partiram  nesta  ocasião  reforços  de  infantaria  e  cava- 
laria para  a  província  da  Beira,  a  acudir  a  Salvaterra-do-Extremo, 
sitiada  pelos  castelhanos;  estes  virara-se  obrigados  a  levantar  o  cerco 
e  a  retirar. 

Houve  lembrança  de  atacar  Alcântara,  mas  não  chegou  a  reali- 
zar-se  o  assalto.  Investiu-se  contra  a  praça  de  Valênça-de-Alcân- 
tara,  que  resistiu,  não  podendo  ser  tomada.  Corria  já  o  mês  de 
novembro  quando  se  deram  por  terminadas  as  operações  da  guerra. 

Pode  dizer-se  que  foi  uma  campanha  de  triste  memória,  esta  do 
outono  de  1646  no  Alentejo;  e,  para  cúmulo  de  infelicidade,  apenas 
terminada,  morreu,  golpeado  de  desgostos  e  injustiças,  o  grande  ge- 
neral e  governador  de  armas  Matias  de  Albuquerque,  conde  de  Ale- 
grete. 

Brás,  profundamente  aborrecido  e  desgostoso,  recolheu  a  Avô, 
refugiando-se  no  conchego  e  paz  da  família,  a  acompanhar  sua  mulher 
nos  tiltimos  meses  de  gravidez.  Na  quinta  feira,  28  de  fevereiro  de 
1647,  nascia-lhe  o  segundo  filho,  que  oito  dias  depois,  na  primeira 
quinta  feira  da  quaresma,  a  7  de  Março,  recebia  no  baptismo  o  nome 
de  Tomás  de  Aquino,  em  reverência  ao  santo  Doutor  da  Igreja,  cuja 
festa  se  celebrava  naquele  dia.  Este  apelido  baptismal  foi  depois 
repudiado,  ficando  o  filho  secundogénito  do  poeta  a  assinar-se  Tomás 
Garcia  Mascarenhas. 

Não  foi  por  muito  tempo  que  Brás  Garcia  gosou  no  lar  doméstico 
o  descanso  a  que  tinha  direito. 

O   conde  de  Serem,   desgostoso  e  amargurado   com  a  prisão  do 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  QÃvô  3i5 

pai,  vexame  que  punha  em  risco  a  honra  e  bom  nome  da  sua  famíHa, 
exonerara-se  do  governo  da  Beira.  E  então  esta  província  dividida 
em  dois  partidos  ou  secções:  D.  Sancho  Manuel  fica  incumbido,  como 
capitáogeneral,  do  governo  do  partido  que  compreende  as  comarcas 
de  Castelo-Branco,  Viseu  e  Coimbra;  D.  Rodrigo  de  Castro,  mais 
tarde  conde  de  Mesquitela,  é  nomeado,  com  idêntico  título,  governa- 
dor das  armas  nas  comarcas  da  Guarda,  Pinhel,  Lamego  e  Esgueira, 
abrangendo  este  partido  ainda  a  praça  do  Sabugal,  embora  perten- 
cente à  comarca  de  Castelo-Branco,  por  assim  convir  à  defesa  da 
raia. 

Era  D.  Rodrigo  um  grande  admirador  e  amigo  de  Brás  Garcia; 
mantinha  com  este  correspondência  epistolar  frequente,  e  consultava-o 
muitas  vezes  sobre  assuntos  militares  '.  Apenas  nomeado  governador, 
escreveu  logo  ao  capitão  avoense  a  reclamar  em  nome  da  pátria  e  da 
amizade  a  sua  pessoa  e  serviços  para  a  região  que  ia  governar,  e 
que  êle  tão  bem  conhecia.  Brás  não  se  recusa,  e  vai  nos  fins  da 
primavera. 

O  governador,  que  andava  empenhado  em  organizar  as  suas 
tropas  por  forma  que  satisfizessem  tanto  na  defensiva  como  na  ofen- 
siva, reforça  a  gente  paga  de  mfantaria  e  de  cavalaria  com  alguns 
terços  de  ordenanças,  fazendo  mestre-de-campo  de  um  deles  Brás 
Garcia  Mascarenhas  -. 

Era  uma  grande  honra  que  D.  Rodrigo  dispensava  ao  nosso  herói, 
e  uma  prova  da  grande  confiança  que  nele  tinha ;  suponho  entretanto 
que  de  muito  melhor  vontade  Brás  militaria  no  Alentejo,  continuando 
a  comandar  ali  uma  companhia  de  gente  da  Beira,  do  que  assumiria 
aqui  o  comando  de  um  terço,  composto  de  companhias  recrutadas 
na  própria  província.  A  experiência  lhe  dizia  os  graves  inconvenientes 
que  tinha  o  facto  de  os  soldados  servirem  na  região  donde  eram 
oriundos. 

Quando  a  Guerra  se  faz  em  terra  estranha 
Como  sempre  o  Invasor  hè  mais  potente, 
Posta  húa  vez  a  Gente  na  campanha 
Ajunta  a  dividida  facilmente: 
Mas  à  vista  das  Pátrias  acompanha 
Seus  Estandartes  muyto  mal  a  Gente  ; 
Foge  do  campo,  as  muralhas  salta, 
Acode  às  pagas,  aos  rebates  falta. 


>  Doe.  CXII. 

'  Portugal  Restaurado,  liv.  X,  pág.  625  da  ed.  de  1710. 


3i6  'Brás  Garcia  cMascarenhas 

Quando  a  molesta  o  frio,  ou  calma  abrasa, 
Cada  qual  com  licença,  ou  sem  licença 
Vay,  &  vem  cada  dia  a  sua  casa 
Sem  se  lhe  dar  que  vença,  ou  que  não  vença ; 
Hum  foge  do  castigo,  outro  se  casa, 
Tacha  hè  moderna,  que  o  favor  dispença 
Mal  se  se  sofre,  peor  se  se  castiga, 
Quem  na  Pátria  governa  Armas,  o  diga  '. 


Não  tarda  o  inimigo  a  dar  sinal  de  si,  entrando  umas  tropas 
pelo  lado  de  Alfaiates.  São  imediatamente  afugentadas,  deixando 
alguns  cavalos.  Então  D.  Rodrigo  sai  de  Almeida  na  sexta  feira  23 
de  agosto  do  presente  ano  de  1647  com  600  infantes  pagos,  2.5oo  da 
ordenança,  160  cavalos  e  3  peças  grossas  de  artilharia;  passa  a 
fronteira,  e  marcha  em  direcção  a  Ciudad-Rodrigo,  cautelosamente, 
para  não  ser  presentido  daquela  praça. 

Na  estrada  de  Vimiosa  observou  os  vestígios  de  uma  força  consi- 
derável de  cavalaria  inimiga,  que  por  ali  passara  poucas  horas  antes, 
certamente  para  vexar  e  roubar,  ou  com  o  intuito  de  tomar  de  sur- 
presa alguma  das  nossas  praças'desprevenida.  Exultou  com  o  facto, 
pois  o  que  desejava  era  que  o  inimigo  estivesse  distraido;  e  nada 
receando,  pois  deixara  todas  as  praças  bem  prevenidas  e  guarnecidas, 
e  os  gados  recolhidos,  continuou  a  marcha  até  ao  forte  de  Gallegos  *. 

Chegou  depois  do  meio  dia  de  26.  Gastou  a  tarde  e  noite  em 
preparativos  ostentosos  para  o  ataque  :  uma  plataforma  construída 
primeiramente  a  400  passos  da  muralha,  e  depois  mais  próxima. 

Ao  amanhecer  do  dia  26  principiou  o  ataque  com  grande  estrondo 
de  artilharia  e  arcabusaria,  para  ser  ouvido  na  cidade  próxima.  Pela 
tarde  recebe  aviso  certo  de  que  o  comando  inimigo  expedira  de 
Ciudad-Rodrigo  ordens  urgentes,  a  chamar  as  guarnições  de  todas  as 
praças  da  região,  para  que  se  concentrassem  aceleradamente  naquela 
cidade,  afim  de  marcharem  a  socorrer  Gallegos. 

Era  isto  o  que  D.  Rodrigo  esperava.  Chama  logo  a  conselho  a 
sua  oficialidade  superior,  e  propõe  que  se  corra  a  tomar  de  surpresa 
S.  Felices-de-Ios-Gallegos,  uma  das  vilas  mais  ricas  e  importantes 
que  os  espanhóis  tinham  naquela  província,  e  que  devia  estar,  quando 


»  V.  T.,  XVIII,  18-19. 

*  Vid.  a  carta  em  frente  da  pág.  208  deste  volume. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  dAvô  3i  7 

lá  chegassem,  quase  desguarnecida.  Desta  rendição  resultaria  grande 
crédito  para  o  exército  português  e  grande  proveito  para  os  soldados, 
que  de  lá  retirariam  um  despojo  abundante  e  de  grande  valor.  Foi 
unanimemente  aprovado  este  alvitre. 

D.  Rodrigo  mandou  suspender  o  ataque  ao  anoitecer  e  retirar 
apressadamente  a  artilharia,  que  enviou  logo  para  Almeida,  com- 
boiada por  dois  terços  de  ordenança,  de  que  eram  mestres-de-campo 
Brás  Garcia  Mascarenhas  e  Luís  de  Brito  Saraiva,  com  ordem  de 
seguirem  imediatamente  de  Almeida  para  S.  Felices,  apenas  recolhidas 
as  peças.  Deixou  um  cordão  de  tropa,  afim  de  impedir  que  alguém 
de  Gallegos  saisse  a  levar  a  Ciudad-Rodrigo  a  notícia  do  levanta- 
mento do  cerco,  e  marchou  silenciosamente  para  S.  Felices  com 
1.200  infantes  e  120  cavalos. 

Os  cálculos  em  nada  falharam.  Ao  romper  da  manhã  do  dia 
seguinte,  terça  feira  27,  chegava  àquela  praça  D.  Rodrigo  com  a 
vanguarda  do  exército.  Soube  por  uns  prisioneiros  que  lá  dentro 
estava  D.  António  Isassane,  governador  das  armas  daquele  partido, 
com  pouquíssima  gente  da  guarnição,  pois  o  grosso  dela  tinha  já 
partido  para  Ciudad-Rodrigo. 

Não  quis  atacar  imediatamente,  como  convinha,  porque  aguar- 
dava a  chegada  de  Brás  Garcia  e  dos  terços  que  fizeram  a  volta  por 
Almeida.  Nem  um  tiro  se  deu,  enquanto  aquele  não  chegou.  Só  às 
9  horas  realizou  o  assalto.  A  resistência  foi  viva  e  desesperada,  mor- 
rendo i5o  castelhanos  na  defesa  da  vila,  que  teve  de  se  render;  foi 
saqueada  e  queimada,  recolhendo  os  nossos  soldados  rico  despojo 
nos  1.200  fogos  que  a  constituíam. 


Deve  contar-se  esta  jornada  militar  como  um  feito  de  armas  im- 
portante, que  cobriu  de  brilho  e  glória  o  exército  português,  acusando 
grande  finura  e  tacto  estratégico  em  quem  concebeu  e  executou  o 
plano.  Tudo  isto  se  fez  estando  ali,  a  menos  de  três  léguas  de 
Gallegos  e  a  seis  de  S.  Felices,  a  fortaleza  de  Ciudad-Rodrigo,  onde 
se  havia  concentrado  todo  o  exército,  que  a  Espanha  tinha  à  sua  dis- 
posição para  defender  a  província.  S.  Felices-de-los-Gallegos  foi  to- 
mada e  saqueada  sem  que  daquela  praça  pudessem  acudir,  pois  nem 
sequer  deram  conta  da  marcha  e  do  ataque  a  esta  vila. 

Brás  Garcia  não  foi  estranho,  segundo  creio,  à  elaboração  do 
hábil  plano,   revelador  de  grande   talento  estratégico.     D,   Rodrigo 


3i8  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

consultou-o  certamente,  como  costumava  fazer  nos  casos  de  guerra 
difíceis  ',  sobre  o  que  havia  a  fazer  para  bem  responder  às  con- 
stantes incursões  castelhanas.  No  plano  desta  jornada  revela-se  o 
dedo  de  Brás  a  gizá-lo.  Nós  já  conhecemos  suficientemente  o  feitio 
psicológico  do  nosso  herói,  e  este  conhecimento  nos  habilita  a  dizer 
que  tal  empresa  lhe  está  bem  a  carácter. 

Recorde-se  o  plano  audacioso  apresentado  por  êle,  quando  capitão- 
-governador  de  Alfaiates,  no  conselho  de  guerra  que  nesta  praça  se 
realizou  a  14  de  abril  de  1642,  sob  a  presidência  do  general  Fernão 
Teles  de  Meneses.  Propunha  que  se  atacassem  de  surpresa  simul- 
taneamente três  praças  importantes,  que  estavam  mal  guarnecidas. 
Foi  unanimemente  rejeitado,  por  temerário,  tal  plano ;  mas  verificou-se 
depois  que,  se  tivesse  sido  seguido,  as  três  praças  seriam  nossas. 

No  conselho  realizado  a  26  de  agosto  de  1647  no  arrabalde  de 
Gallegos,  o  plano  para  tomar  de  surpresa  a  praça  de  S.  Felices  ex- 
posto pelo  general  D.  Rodrigo  de  Castro,  não  surgiu  ali  de  momento 
para  aproveitar  circunstâncias  casuais.  Era  bastante  complexo,  e 
muito  habilmente  urdido  antes  da  partida  de  Almeida.  Todos  os 
passos  dados  haviam  sido  previamente  discutidos  e  resolvidos,  e  os 
acontecimentos  previstos  com  clareza. 

Provocar-se  hia  primeiro,  com  o  ataque  à  fortaleza  de  Gallegos,  a 
concentração  das  forças  castelhanas  da  província  em  um  ponto,  para 
acudir  à  praça  sitiada,  desguarnecendo  portanto  as  praças  da  região. 
O  exército  português,  não  aguardando  o  ataque  do  inimigo,  cairia 
então  de  surpresa  sobre  a  rica  vila,  que  em  segredo  fora  para  isso 
escolhida ;  tomada  e  saqueada  rapidamente,  as  nossas  tropas  retira- 
riam sem  demora,  reentrando  em  Portugal,  antes  que  o  exército  es- 
panhol fosse  prevenido,  e  saísse  a  embaraçartnos. 

E  pois  evidente  que  o  ataque  à  praça  de  Gallegos  não  foi  a  sério; 
simulação  apenas,  para  desnortear  o  inimigo.  A  intervenção  da  ar- 
tilharia nesse  ataque  teve  em  vista  simplesmente  tornar  a  simulação 
mais  estrondosa,  de  efeito  mais  completo.  Era  de  prever  que  fariam 
logo  concentrar  em  Ciudad-Rodrigo  com  grande  rapidez,  para  acu- 
direm a  Gallegos,  todas  as  tropas  das  praças  daquela  região,  que 
assim  ficariam  desguarnecidas.  Mas  a  marcha  sobre  a  praça  atacada 
pelo  exército  português,  exército  que  supunham  importante,  a  avaliar 
pelo  estrondo  do  bombardeamento,  não  se  faria  logo,  precipitada- 
mente ;  tinham  de  proceder  com  a  ponderação  e  cautela  que  a  gravi- 

1  Doe.  CXII. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  3ig 

dade  do  caso  pedia,  e  portanto  com  mais  alguma  demora.  Desta 
forma  se  ganhava  tempo  para  realizar  as  quatro  operações  projec- 
tadas:—  o  salto  de  tigre  sobre  S.  Felices,  a  tomada  da  vila,  a  co- 
lheita dos  despojos,  e  por  fim  a  retirada.  Para  tudo  isto  a  artilharia 
era  inútil,  e  tinha  o  inconveniente  grave  de  embaraçar ;  mandar-se 
hia  embora,  apenas  sortisse  o  efeito  desejado. 

A  reunião  do  conselho  de  guerra  não  passou  pois  de  mera  forma- 
lidade, para  sancionar  um  plano  previamente  estudado  e  assente,  e  em 
parte  já  executado  com  muito  bom  êxito.  E  este  plano  que  suponho 
ser  da  autoria  de  Brás;  ou  muito  me  engano,  ou  foi  ele  que  o  ima- 
ginou e  estudou,  discutindo-o  com  D.  Rodrigo,  sendo  por  este  aceite  e 
perfilhado  com  muita  satisfação.  Quando  o  general  apresentou  em 
conselho  a  proposta  para  o  assalto  a  S.  Felices,  tinha  já  a  certeza  de 
que  seria  aprovada  por  unanimidade,  porque  o  estado  em  que  as 
cousas  se  achavam  fazia  prever  com  segurança  o  bom  êxito  final. 

D.  Rodrigo  de  Castro,  que  já  era  amigo  e  admirador  do  mestre- 
-de-campo  Brás  Garcia,  ficou  cheio  de  satisfação  e  reconhecimento 
pelo  excelente  resultado  do  seu  plano,  e  enviou  logo  a  el-rei  um  rela- 
tório sobre  a  feliz  expedição,  no  qual  exalçava  os  serviços  prestados 
por  Brás  Garcia  Mascarenhas,  e  os  seus  grandes  méritos  de  ilustra- 
ção, saber,  engenho  e  valor,  que  o  tornavam  um  capitão  perfeito. 
Este  mesmo  escreveu  no  seu  poema : 

quem  prudente 

As  letras  aprendeo,  &  as  Armas  trata 
Hum  Capitão  perfeyto  em  fim  retrata  '. 

D.  João  IV  dirige  então  a  Brás  uma  honrosíssima  carta-régia,  em 
data  de  i3  de  setembro  de  1647,  a  agradecer-lhe  o  zelo  e  valor  com 
que  procedeu  na  empresa  de  S.  Felices.  Remata  por  estas  palavras: 
—  que  o  seruiço  que  nesta  ocasião  me  fizestes,  me  ha  de  ser  sempre 
presente  para  uos  fa-{er  a  honra  e  mercê  que  houuer  lagar  -. 

No  inverno  seguinte  adoeceu  gravemente  D.  Rodrigo  de  Castro, 
ij  Uma  pneumonia  resultante  do  excessivo  rigor  do  frio  naquela  re- 
gião ?  Talvez.  O  que  é  certo  é  que,  apenas  entrou  em  convales- 
cença, no  princípio  de  1648,  o  general  pediu  e  obteve  licença  para  ir 


«  V.  r.,  IX,  \\.  —  t  Doe.  LXX. 


320  'Brás  Garcia  áMascarenhas 

reparar  a  saúde  ao  clima  suave  de  Monte-mór-o-Novo.  Durante 
a  sua  ausência  foi  encarregado  do  governo  do  partido  da  Guarda 
D.  Sancho  Manuel,  que  assim  ficou  governando  toda  a  província  da 
Beira.  Mas  as  relações  entre  os  dois  generais  não  eram  amistosas, 
pelo  que  D.  Rodrigo  pouco  se  demorou,  regressando  ainda  convales- 
cente ao  seu  partido  '. 

Notícias  vindas  da  Estremadura  espanhola  diziam  que  se  prepa- 
rava ali  gente  para  vir  no  próximo  outono  entrar  pelo  Alentejo,  e 
conquistar  Portugal ;  e  realmente  levantava-se  por  lá  muita  tropa,  e 
faziam-se  vários  preparativos,  que  indicavam  grande  empresa  em 
projecto.  Era  necessário  de  cá  não  haver  descuidos  e  juntar  soldados, 
que  resistissem  à  receada  incursão. 

Como  na  província  da  Beira  havia  duas  comarcas  na  beira-mar, 
cada  uma  pertencente  a  seu  partido,  a  de  Esgueira  e  a  de  Coimbra, 
que  ocupavam  a  facha  ocidental  desde  o  rio  Douro  até  ao  Mondego,  tão 
afastadas  dos  respectivos  governos  com  as  sedes  na  Guarda  e  em 
Castelo  Branco,  e  tão  longe  da  fronteira,  onde  a  guerra  mais  se 
fazia  sentir,  el-rei  encarregou  o  conde  da  Ericeira  D.  Fernando  de 
Meneses  de  ir  lá  pessoalmente  levantar  i.Soo  homens,  mandá-los 
instruir  e  disciplinar  rapidamente  por  oficiais,  que  lhe  seriam  forne- 
cidos pelos  governadores  dos  dois  partidos  da  província,  e  fazê-los 
passar  ao  Alentejo,  já  organizados  em  terços  e  companhias  com 
os  respectivos  comandantes  *. 

Em  seguida  escreveu  também  a  D.  Rodrigo  e  a  D.  Sancho  a  requi- 
sitar-lhes  levantamentos  de  tropas  nos  seus  partidos,  sem  perder  nisto 
hum  só  momento  de  tempo,  prevenindo  D.  Sancho,  mas  esquecendo-se, 
ao  que  parece,  de  prevenir  D.  Rodrigo,  de  que  os  levantamentos  em 
Coimbra  e  Esgueira  estavam  já  a  ser  feitos  pelo  conde  da  Ericeira, 
comissionado  especial  régio  para  este  fim.  Como  o  partido  de 
D.  Rodrigo  era  mais  extenso  e  populoso,  encarregou-o  de  fazer  le- 
vantar nele  2.000  homens,  ou  fossem  quatro  terços,  compostos  de 
cinco  companhias  cada  um ;  a  D.  Sancho  Manuel  pediu  i.5oo  homens, 
ou  três  terços  semelhantes  ^. 

Partiram  logo  pessoas  das  mais  competentes,  uma  para  cada  co- 
marca, enviadas  pelos  governadores  a  fazerem  com  a  maior  diligência 
o  levantamento.  Não  estando  prevenido  de  que  à  comarca  de  Es- 
gueira ia  D.  Fernando  fazer  as  levas,  D.  Rodrigo  pensou  nas  difi- 


•  Portugal  restaurado,  1.  X,  pág.  mihi  656. 

»  Ibid.;  — cf.  Doe.  LXXI  e  LXXIL  — '  Doe.  LXXI. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  32 1 

culdades  e  melindres  muito  especiais  que  oferecia  o  levantamento 
naquela  região,  em  face  da  repugnância  incoercível  da  gente  da  beira- 
-mar  a  alistar- se  no  exército,  e  pela  oposição  dos  maiorais,  persona- 
gens gradas  e  de  influência,  que  não  queriam  que  seus  afilhados  e 
protegidos  pegassem  em  armas.  Por  estas  considerações,  o  general 
escolheu  o  seu  amigo  Brás  Garcia  para  esta  missão  árdua  e  difícil, 
utilizando-se  assim  mais  uma  vez  do  zelo  e  admiráveis  qualidades 
que  nele  reconhecia,  e  de  que  largas  provas  havia  dado  anterior- 
mente, sempre  que  fora  incumbido  do  serviço  de  levantamentos. 

Encarregando-o  da  leva  na  mais  difícil  das  suas  comarcas,  a  de 
Esgueira,  fixou-lhe  em  800  o  número  de  soldados  qu€  dali  devia 
tirar,  isto  é,  dois  quintos  da  totalidade  da  gente  a  levantar  em  todo  o 
partido.  ;  Como  explicar  e  justificar  esta  desproporção  ?  E  que  a 
comarca  de  Esgueira,  sobre  ser  muito  populosa,  achava-se  tão  afas- 
tada da  raia,  que  até  então  havia  sido  muito  poupada  no  fornecimento 
de  contingentes  para  a  defesa  da  fronteira,  enquanto  as  outras  três 
comarcas  do  partido  tinham  sido  muito  oneradas  nos  anos  antecedentes. 
Pedia  por  isso  a  justiça  que,  em  compensação,  fosse  agora  esta  a  que 
mais  contribuísse  ';  mas  tal  circunstância  mais  difícil  ainda  tornava  o 
levantamento,  por  aquela  gente  não  estar  habituada  a  contribuir,  senão 
em  proporção  mínima,  com    oldados  para  a  defesa  da  nação. 

Brás  Garcia  não  se  demora  em  dar  cumprimento  à  comissão  re- 
cebida. Passa  à  comarca  de  Esgueira,  e  ali,  segundo  as  instruções 
que  levava,  e  com  o  zelo  que  lhe  era  habitual,  principia  logo  a 
chamar  toda  a  gente  sem  admitir  excepções  nem  compadrios,  com 
um  rigor  a  que  não  estavam  acostumados,  mas  indispensável  para 
dos  chamados  seleccionar  os  aproveitáveis,  e  elevar  o  contingente  ao 
número  de  800. 

Tinha  por  sistema  não  alistar  toda  a  gente,  mas  observá-la  com 
cuidado,  rejeitar  a  má,  pôr  de  parte  a  que  lhe  parecia  menos  útil, 
e  aproveitar  só  a  boa,  não  dispensando  desta  absolutamente  ninguém, 
quaisquer  que  fossem  os  pedidos]  e  empenhos  que  se  movessem. 
Falava  então  aos  escolhidos,  com  a  eloquência  persuasiva  que  o  carac- 
terizava, sugestionava-lhes  sentimentos  patrióticos,  entusiasmando  os 
e  levando-os  a  acudirem  de  bôa  vontade  à  defesa  do  rei  e  da  pátria, 
pois  sabia,  por  experiência,  que  só  servia  bem,  quem  militava  mo- 
vido por  estímulos  de  ordem  superior. 

As  suas   idéas   e  opinião  sobre  recrutamento  de  novos  soldados 

'  Doe.  LXXII. 
ai 


322  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

deixou  Brás  consignadas  nas  estâncias  seguintes,  em  que  descreve 
um  levantamento  de  gente  lusitana,  realizado  à  pressa,  a  torto  e  a 
direito,  por  Vandermilo,  auxiliado  por  Dictaleão,  Aulaces  e  Minuro : 

Não  se  descuyda  Vandermilo  em  nada 
Do  pertencente  a  tão  árdua  empresa, 
Propondo  a  toda  a  Gente  colligada 
A  importância  do  caso,  &  da  prestesa. 
Alegre  o  segue  a  Gente  exercitada, 
A  bisonha  se  move  com  lentesa, 
Porque  sempre  em  qualquer  marcial  enredo 
Foy  brioso  o  valor,  &  tibio  o  medo. 

Com  Dictaleão,  Aulaces,  &  Minuro 

As  Praças  parte,  por  que  hà  de  ir  marchando ; 

Cada  qual  com  prestesa,  &  com  maduro 

Conselho  a  melhor  Gente  afervorando 

Porque  menos  receosa  do  futuro 

Os  queyra  ir  voluntária  acompanhando, 

Que  em  fim  Gente  que  à  Guerra  vay  forçada 

Nunca  faz  nella  cousa  sinalada 

Listão  presto  a  melhor  Gente  de  quantas 
Terras  tinhão  do  Tejo  pêra  o  Norte, 
E  como  as  hà  de  boas,  &  màs  plantas, 
As  hà  também  de  Gente  fraca  e  forte  : 
Esta  aggregada  de  Cidades  tantas 
Inútil,  boa,  &  mà  de  toda  a  sorte, 
Cada  qual  dos  trez  cabos,  a  recolhe 
Porque  quem  pede,  aceyta,  e  não  escolhe. 

A  quantos  Capitais  principitantes  ' 
A  ignorância  desta  leva  infama  ! 
Jactaõ-se,  fuy,  &  fiz  tantos  Infantes, 
Que  bem  infantes  saõ,  pois  saõ  de  mama ; 
Os  quais  nas  occasioés  mais  importantes, 
Em  que  se  perde,  ou  se  ganha  a  fama. 
Vão,  como  ovelhas,  aonde  presto  acabem, 
Porque  nem  pelejar,  nem  fugir  sabem. 

Se  hum  potro  se  examina  meudamente. 
Antes  de  se  comprar  caro,  ou  barato, 
De  hum  soldado,  primeyro  que  se  assente, 
Porque  se  não  fará  exame  exato  ? 


O  poeta  escreveu  certamente — principiantes. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvô  323 

o  quererem  fazer  niuyta,  &  má  Gente, 
Foy  causa  de  Pompèo  romper  Viriato 
Que  chegando  a  fazer  resenha  delia, 
Do  pouco  em  que  a  reputa  se  acautella. 

Manda  que  seja  a  destra  separada 
Da  bisonha,  pessoa  por  pessoa  ; 
Porque  tal  vez  em  Guerra  bem  regrada 
Faz  a  Gente  ruim  perder  a  boa  '. 

Entretanto  o  conde  da  Ericeira  faz  a  leva  de  Coimbra ;  mas  sabe 
nesta  cidade  que  na  comarca  de  Esgueira  andava  Brás  Garcia  a  levan- 
tar gente  à  pressa,  com  ordem  escrita  do  governador  do  partido  da 
Guarda.  Estranhou  o  caso,  e  teve  dúvidas  em  passar  àquela  comarca 
a  executar  o  mandato  régio.  Obteve  uma  cópia  da  ordem  de  D.  Ro- 
drigo a  Brás  Garcia,  envioua  a  D.  João  IV,  consultando-o  sobre  se 
devia  ou  não  ir  a  Esgueira  cumprir  as  instruções  recebidas. 

Responde-lhe  a  carta  régia  de  24  de  julho,  explicando  que  a  ordem 
dada  a  Brás  deve  ter  sido  motivada  em  um  mandato  expedido  a 
D.  Rodrigo,  para  levantar  mais  gente  no  seu  partido,  pois  toda  a  que 
se  juntasse  era  pouca;  atenta  porém  a  situação  actual,  resolvia  o  rei 
que  fosse  o  conde  à  referida  comarca  cumprir  as  instruções  que  lhe 
dera,  e  que,  apenas  chegado,  mandasse  chamar  Brás,  a  quem  entre- 
garia a  carta  régia  inclusa,  pedindo-lhe  as  listas  dos  homens  que  já 
tivesse.  Com  estes  ou  com  outros,  constituiria  o  conde  um  contin- 
gente, não  de  800  mas  de  5oo  homens,  organizados  em  cinco  com- 
panhias, com  os  capitães  e  oficiais  que  D.  Rodrigo  lhe  enviasse. 
Expediria  para  o  Alentejo  o  mais  urgentemente  que  fosse  possível 
essa  tropa,  já  instruida,  sendo  em  tudo  isto  assistido  pelo  mesmo 
Brás  2. 

A  carta-régia  dirigida  a  este,  datada  também  de  24  de  julho,  é 
quase  afectuosa,  e  procura  evitar  que  êle  se  melindre  com  a  inter- 
venção intempestiva  do  conde  '.  Outra  carta  foi  escrita  na  mesma 
data  a  D.  Rodrigo  de  Castro,  dando-lhe  também  explicações  '*. 

Brás,  apesar  das  satisfações  que  lhe  deram,  não  podia  gostar  do 
ocorrido,  mas  sujeitou-se  como  lhe  cumpria ;  deve  ter  conferenciado 
com  o  conde  da  Ericeira  no  último  dia  de  julho  ou  no  primeiro  de 
agosto,  recebendo  então  das  mãos  deste  a 'carta  del-rei.  Logo  com 
data  de  2  do  mesmo  agosto  escreveu  a  D.  João  IV  dizendo-lhe  o 
que  havia  já  feito  em  execução  das  ordens  do  seu  governador  D.  Ro- 


»  V.  r.,  XVII,  29-34.  — «  Doe.  LXXII.  —  3  Doe.  LXXIV.  —  ^  Doe.  LXXIII. 


324  '^rás  Garcia  ^Mascarenhas 

drigo,  mas  que  suspendera  a  diligência  desde  que  outro  era  o  encar- 
regado; que  êle,  incumbido  por  S.  Magestade  de  assistir  ao  conde 
da  Ericeira,  não  sabia  quais  as  funções  que  lhe  competiam,  por  isso 
pedia  e  aguardava  instruções.  Recebeu  em  resposta  a  carta  de  g 
do  mesmo  mês,  em  que,  mui  simplesmente,  o  rei  lhe  ordena: — q 
nesta  diligencia,  e  assistência  q  haueis  de  fa\er  ao  Conde,  procedaes 
na  conformidade  das  ordens  q  para  isso  se  uos  tem  dadas  '. 

Embora  tudo  isto  o  desgostasse,  obedeceu,  e  continuou  nos  tra- 
balhos da  leva. 

Tinha-se  entretanto  erguido,  como  era  de  esperar,  um  coro  de 
indignações,  queixumes  e  protestos  contra  Brás  Garcia  e  contra  os 
actos  por  êle  praticados. 

Em  nome  do  município  protesta  a  câmara  de  Aveiro,  dirigindo 
uma  representação  ao  monarca,  em  data  de  i  de  agosto,  logo  após 
a  chegada  do  conde  da  Ericeira.  Alegava  que  daquela  vila  e  seu 
termo,  e  bem  assim  dos  lugares  compreendidos  num  circulo  de  duas 
léguas  de  raio,  se  não  devia  tirar  nenhuma  gente  para  a  guerra,  pois, 
havendo  ali  uma  barra  aberta,  sem  fortificação  que  a  defendesse  de 
qualquer  invasão  do  inimigo  por  mar,  era  indispensável  que  os  habi- 
tantes estivessem  sempre  prontos  a  defendê-la.  Rematava  a  repre- 
sentação pelo  pedido  para  que  na  barra  da  vila  se  construísse  um 
forte,  que  satisfizesse  às  necessidades  da  defesa. 

Protesta  também  o  fidalgo  aveirense  Tomás  da  Costa  Côrte-Real, 
queixando-se  dos  abusos  praticados  por  Brás  Garcia  no  levantar  da 
gente,  e  especialmente  na  recondução  dos  soldados  residentes  na  vila, 
que  haviam  desertado  das  bandeiras  do  exército  da  Beira.  Desconhe- 
cem-se  outros  factos  e  alegações  do  protesto;  o  verdadeiro  motivo 
porém  da  desavença  e  dos  queixumes  deve  ter  sido  o  não  se  prestar 
Brás  Garcia  a  injustiças,  e  medir  pela  mesma  bitola  os  afilhados  e 
protegidos  do  fidalgo,  e  os  que  o  não  eram.  A  câmara  respondeu  o 
monarca  dizendo  que,  em  atenção  ao  alegado,  se  reduzira  a  leva  de 
800  a  Soo  homens,  e  que,  apenas  terminasse  a  campanha  daquela 
ocasião  no  Alentejo,  todos  se  recolheriam  a  suas  terras;  quanto  ao 
forte  na  barra  de  Aveiro,  ficava  advertido,  para  tomar  a  resolução 
oportuna  -. 

Em  respeito  à  queixa  de  Tomás  da  Costa  Côrte-Real,  D.  João  IV 


>  Doe.  LXXV.  — 2  Doe.  LXXVII. 


Cap.  VII —  O  poeta-patriota  de  oAvò  325 

mandou-a  remeter  ao  conde  da  Ericeira,  encarregando-o  de  averiguar 
secretamente  o  que  nela  haveria  de  verdade,  e  de  lhe  enviar  as  de- 
vidas informações,  para  mandar  prover  o  que  tivesse  por  mais  serviço 
seu  '. 

Não  encontro  vestígios  do  resuhado  desta  sindicância  secreta; 
muito  provavelmente  o  conde  da  Ericeira  informou  ao  rei,  que  o 
procedimento  de  Brás  Garcia  em  nada  fora  censurável,  pois  só  reve- 
lava espírito  de  justiça  e  muito  zêio  pela  causa  da  pátria. 

Apesar  do  carácter  secreto  da  sindicância,  é  de  crer  que  Brás 
tivesse  dela  conhecimento,  e  que  muito  se  magoasse.  Foi  por  servir 
a  causa  pública  que  o  nosso  herói  se  encarregou  desta  missão  traba- 
lhosa e  cheia  de  perigos  e  melindres ;  o  resultado  que  por  fim  colheu 
foram  dissabores  e  desgostos. 

Decorridos  alguns  lustros,  encontramos  nas  tradições  de  Avô  esta 
comissão,  que  tão  amargurada  foi,  transformada  num  lugar  de  honra, 
dado  ao  cansado  poeta-patriota  para  entreter  e  distrair  os  seus  ócios. 
Superintendente  da  Cavalaria  da  Comarca  de  Esgueira  o  denomina 
Bento  Madeira  de  Castro-,  o  que  é  simplesmente  um  disparate.  Brás 
era  oficial  de  infantaria,  não  de  cavalaria. 

Embora  os  documentos  guardem  silêncio  a  tal  respeito,  creio  que 
Brás  acompanharia  ao  Alentejo  as  tropas  da  província  da  Beira,  en- 
carregado por  D.  Rodrigo  de  comandar  um  dos  terços  como  mestre- 
-de-campo.  ;  O  de  Esgueira  ?  Talvez.  O  capitão,  alferes  e  sar- 
gentos de  cada  companhia  foram  fornecidos  por  D.  Rodrigo,  a  quem 
haviam  sido  enviadas  de  Lisboa  as  patentes  respectivas  '. 

Foi  grande  a  quantidade  de  tropas  concentradas  no  Alentejo. 
Esperava-se  que  o  marquês  de  Lagaíies,  oficial  que  dispunha  de 
grande  fama  de  valentia,  engenho,  coragem  e  experiência,  e  que  por 
esta  fama  fora  enviado  a  governar  as  armas  na  Estremadura  espa- 
nhola, viesse  invadir  Portugal  com  o  intuito  de  o  conquistar,  como 
proclamava  a  todos  os  ventos,  e  como  davam  a  entender  os  grandes 
preparativos  que  fazia,  e  o  importante  exército  de  que  dispunha. 

Quando  chegaram  os  contingentes  da  Beira,  já  o  marquês  de  La- 
ganes  havia  começado  a  pôr  em  execução  o  seu  plano,  sendo  contudo 
muito  infeliz.     Veiu  com  um  exército  de  8.000  infantes   e  3. 000  ca- 


«  Doe.  LXXVIII.  — 2  Doe.  CXII.-   '  Doe.  LXXII. 


320  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

valos  atacar  de  surpresa,  a  20  de  junho,  a  nossa  praça  de  Olivença, 
governada  por  D.  João  de  Meneses.  A  defesa  foi  heróica,  o  gover- 
nador recebeu  três  graves  ferimentos  no  peito,  houve  muita  mortan- 
dade, mas  os  castelhanos  tiveram  de  retirar  para  Badajoz  com  grandes 
perdas. 

Este  desastre  quebrou  bastante  as  fúrias  de  Laganes,  e  desvaneceu 
os  seus  sonhos  de  conquista  de  Portugal.  Por  isso,  na  campanha  do 
outono  os  portugueses  não  tiveram  de  se  bater  em  combate  campal, 
como  esperavam,  nem  sequer  tiveram  de  defender  praças  atacadas 
pelos  espanhóis.  Tudo  se  limitou  a  escaramuças,  em  que  a  adversi- 
dade continuou  a  perseguir  as  tropas  inimigas. 

Numa  entrada  que  os  nossos  fizeram  até  Talavera-la-Real,  sobre 
o  Guadiana,  a  mais  de  três  léguas  da  fronteira,  não  encontraram  re- 
sistência ;  voltaram  carregados  de  grande  presa,  e  passaram  à  vista 
de  Badajoz,  sem  que  daquela  praça  buscassem  embargar-lhes  o  passo. 

Em  breve  começa  a  época  das  chuvas ;  as  tropas  de  socorro,  que 
haviam  vindo  das  outras  províncias,  são  licenciadas,  e  regressam  às 
suas  terras.  Brás  Garcia,  se  é  que  então  acompanhou  ao  Alen- 
tejo, como  creio,  os  contingentes  da  Beira,  foi,  ao  que  parece,  a 
última  vez  que  abandonou  a  sua  terra,  a  família  e  os  amigos,  para 
servir  o  rei  e  a  pátria.  Não  mais  encontro  vestígios  dele  em  cam- 
panha, nem  em  outros  serviços  da  guerra.  Os  desgostos  que  teve 
com  a  leva  de  Esgueira  devem  ter  arrefecido  bastante  os  seus  ar- 
dores. 

Além  disso  ia  fazer  no  próximo  fevereiro  53  anos;  j  mais  de  meio 
século  !  Vida  intensa,  acidentada,  cheia  de  trabalhos  e  de  desgostos. 
As  forças  iam  em  grande  decadência.  Sentia  necessidade,  cada  vez 
maior,  de  descanso. 

Envelhecido  antes  de  tempo,  dá  por  finda  a  sua  vida  pública; 
retira-se  definitivamente  ao  seu  Avô,  consagrando  às  Musas,  à  família 
e  aos  amigos  os  anos  de  vida  que  ainda  lhe  restavam. 


VIII 

No  declinar  da  vida 

Principia  no  outono  de  1648  a  decorrer  o  último  período  da  vida 
de  Brás  Garcia  Mascarenhas. 

Foi  na  sua  vivenda  e  jardim  de  Avô  que  passou  a  maior  parte 
desses  oito  anos  incompletos,  cuidando  da  administração  da  sua  casa, 
revendo-se  na  afectuosa  e  dedicada  esposa  e  nos  filhos,  que  de  tempos 
a  tempos  iam  aumentando  em  taúmero.  A  criançada  punha  uma  nota 
alegre,  viva  e  buliçosa  na  velha  habitação,  cujos  antigos  rnoradores, 
já  bastante  palpados  pela  idade,  pelos  cuidados  e  pelas  agruras  da 
vida,  ouviam  com  prazer  esse  chilrear  da  nova  idade. 

Marcos  Garcia,  o  patriarca  da  família,  soldado  retardatário  duma 
legião  que  passara,  tendo  atingido  em  1648  os  oitenta  e  quatro  de 
idade,  lá  ia  andando  com  passos  vagarosos,  mas  ainda  firmes,  no 
gozo  de  velhice  alegre  e  sadia,  labutando  sempre,  e  sentindo-se  feliz 
no  meio  dos  filhos,  que  o  cercavam  de  carinhos,  e  dos  netos  em 
quem  se  sentia  rejuvenescer.  Continuava  servindo  o  ofício  de  escrivão 
das  cisas  gerais  e  dos  panos,  e  não  sei  se  ainda  teria  por  sua  conta 
a  antiga  fábrica  de  tecidos. 

Dos  irmãos  de  Brás,  só  a  Verónica  é  que  parece  ter  já  a  esse 
tempo  falecido.  A  viltima  referência,  que  a  ela  tenho  encontrado, 
reporta-se  a  4  de  fevereiro  de  i635,  em  que  foi  madrinha  de  um  ba- 
ptizado, servindo  de  padrinho  seu  irmão  Brás  *. 

Continuavam  a  viver  em  comum  o  Dr.  Manuel  e  as  irmãs  Maria, 
Ana,  Isabel  e  Antónia,  na  mesma  casa  onde  residia  seu  pai,  e  o 
nosso  herói. 

0  padre  Pantaleão  lá  proseguia  no  exercício  do  ministério  paro- 
quial, no  seu  priorado  de  Travanca,  donde  raras  vezes  se  afastava. 

1  Doe.  XXX. 


32  S  'Brás  Garcia  õMascarenhas 

Bem  pouca  vocação  sentia  para  a  vida  sacerdotal  o  irmão  Matias. 
Depois  de  ter  recebido  priíiux-tonsura  e  ordens  menores,  quando  já 
se  aproximava  dos  3i  anos  de  idade,  como  dito  fica  *,  passou  a  fazer 
mais  larga  residência  em  companhia  do  Pantaleão  em  Travanca-de- 
-Farinha-Pôdre,  onde,  não  obstante  a  sua  idade  ser  já  bastante  afas- 
tada da  juventude,  ia  dando  desgostos  ao  irmão  com  aventuras  amo- 
rosas. Por  fim,  depois  de  tantos  anos  de  vida  airada,  caiu  em  si,  e 
resolveu-se  a  receber  ordens  sacras,  sendo  a  seguir  encarregado  de 
pastorear  a  freguesia  de  Anceriz,  na  qual  o  vamos  encontrar  a  exercer 
as  funções  de  cura  desde  os  princípios  de  setembro  de  1647  *.  De 
Anceriz  a  Avô  é  perto ;  por  isso  Matias  vinha  muitas  vezes  passar 
dias  inteiros  em  companhia  do  pai  e  irmãos. 

Feliciana  Monteiro  continuava  à  frente  da  sua  casa  em  Anadia, 
com  os  seus  filhos  já  criados,  duas  meninas  e  quatro  rapazes,  o  mais 
novo  dos.  quais  contava,  no  principio  do  período  de  que  nos  ocupamos, 
18  anos,  e  o  antecedente,  com  os  seus  20  anos  feitos,  preparava-se 
para  a  sua  próxima  ordenação,  e  era  já  pelos  patrícios,  com  grande 
satisfação  da  mãe,  denominado  o  senhor  padre  Fernando.  Havia 
anos  que  eia  não  voltara  a  Avô  a  passar  alguma  temporada  em 
companhia  de  seu  pai  e  de  seus  irmãos,  mas  mantinham-se  por 
emquanto  excelentes  relações  eutre  as  duas  famílias. 

A  respeito  de  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  nada  mais  sei  do 
que  deixo  dito  noutro  lugar  ^.  Desde  que  se  fez  frade,  cessaram 
todas  as  referências  a  êle.  Continuo  porem  persuadido  de  que  vivia 
no  ascetério  do  Buçaco;  as  relações  da  família  avoense  dos  Gar- 
cias  Mascarenhas  com  este  convento  mantinham-se  assíduas,  amis- 
tosas, e  tão  íntimas,  que  dão  lugar  a  me  parecer  não  só  verosímil 
mas  bastante  provável  aquela  hipótese.    Alguns  factos,  para  exemplo: 

—  Na  casa  de  Brás  havia  uma  escrava  preta  de  nome  Isabel,  que 
andava  em  constantes  caminhadas  entre  Avô  e  Buçaco,  levando  e 
trazendo  encomendas  e  recados.  Nestas  idas  e  vindas  passava  sempre 
por  Travanca,   onde   se   deixou  seduzir  por  um  rapaz   da  terra,  de 


*  Vid.  supra,  pág.  171. 

*  No  registo  paroquial  de  Anceriz,  o  primeiro  assento,  que  nos  aparece  lavrado 
pelo  padre  Matias,  é  de  um  baptismo  administrado  pelo  padre  João  Caramelo,  por 
doença  do  padre  Francisco  de  Queiroz,  a  18  agosto  1047;  remata  assim:  — «e  eu 
Pfi  Mathias  GrS"  que  ora  siruo  de  cura  fij  este  hoie  des  de  setembro  64-. —  (a)  Ma- 
thias  GrS"». — -Desta  redacção  se  infere  que  ainda  não  tinha  sido  nomeado  cura, 
mas  já  desempenhava  as  respectivas  funções. 

'  Vid.  supra.  págs.  170-171. 


Cap.  VIII —  U^o  declinar  da  vida  32g 

nome  João,  vindo  a  ter  um  filho,  baptizado  na  igreja  de  Avô  em  dia 
de  S.  João  de  1649  com  o  nome  de  Marcelino  '. 

—  Quando  em  i(55g  os  irmãos  de  Brás  Garcia  quiseram  instituir 
uma  capela  para  sepultura  de  família,  e  para  vincularem  os  seus  bens, 
entenderam-se  com  os  frades  do  Buçaco,  e  não  com  outros  (embora 
ali  tivessem  a  dois  passos  o  convento  franciscano  de  Vila-Cova-sob- 
-Avô),  para  eles  lhes  cederem  o  padroado  de  uma  das  capelas  da  sua 
igreja  conventual;  a  esta  capela  vincularam  os  ditos  bens,  instituindo 
com  eles  um  duplo  morgado,  como  a  seu  tempo  se  verá  ^. 

—  Em  fevereiro  de  i6õo,  correndo  um  processo  eclesiástico  em 
que  era  réu  o  padre  Matias  Garcia,  e  havendo  necessidade  de  este 
apresentar  uma  carta  inibitória  na  Relação  metropolitana  de  Braga, 
para  onde  fora  interposta  apelação,  foi  por  intermédio  dos  carmelitas 
descalços  do  Buçaco  remetido  o  documento  aos  carmelitas  de  Aveiro, 
e  por  estes  aos  de  Braga,  para  o  apresentarem  na  Relação  braca- 
rense ^. 

—  O  padre  Pantalcão  escolheu  em  março  de  1660  para  sua  sepul- 
tura a  igreja  do  convento  do  Buçaco,  ao  qual  pagou  logo  6oíí)00o  réis 
por  compra  da  capela  transeptal  do  lado  do  Evangelho,  onde  ficaria 
sendo  a  dita  sepultura,  e  prometeu  dar  mais  20íí'ooo  réis  dentro  de 
um  ano,  para  a  fábrica  da  mesma,  e  bem  assim  o  cálice  de  prata  e 
os  paramentos  da  capela  de  S.  Brás,  de  Avô,  que  seriam  entregues 
depois  da  morte  de  seu  irmão  Dr.  Manuel  Garcia  *. 

Tudo  isto  são  indícios,  simples  indícios  é  verdade,  mas  tão  repe- 
tidos, que  tornam  mais  e  mais  verosímil  a  minha  hipótese. 

Quando  Brás  Garcia,  no  princípio  do  verão  de  1648,  partiu  para 
a  comarca  de  Esgueira  a  organizar  a  leva  de  soldados,  a  pedido 
de  D.  Rodrigo,  governador  da  província  da  Beira,  deixara  sua  mulher 
em  estado  de  gravidez.  Aproximava-se  agora,  ao  regressar  da  cam- 
panha do  Alentejo,  o  nascimento  do  seu  terceiro  filho.  Não  foi 
um  rapaz,  mas  uma  menina,  que  abriu  os  olhos  à  luz  na  véspera  do 


«  Doe.  LXXX.  —  í  Doe.  LXXXIX. 

'  Consta  do  respectivo  processo,  em  que  foi  autor  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo 
e  réu  o  padre  Matias,  por  este  o  haver  chamado ^ui/eií.  Veja-se  o  processo,  exis- 
tente na  Câmara  Eclesiástica  de  Coimbra,  a  foi.  9  e  segg. 

•>  Doe.  XCI. 


33o  'Brás  Garcia  cMascarenhas 

Natal,  sucesso  muito  festejado  de  toda  a  família,  por  ser  a  primeira 
filha. 

Baptizada  segundo  o  uso  ao  oitavo  dia,  foi-lhe  imposto  o  nome  de 
Isabel,  escolhido  talvez  pelo  pai,  recordando  com  saudoso  reconheci- 
mento a  sua  fuga  épica  (j  já  lá  iam  tantos  anos  !),  em  que  escapou 
por  milagre  da  Rainha  Santa  Isabel,  cuja  festa  se  celebrava  naquele 
dia  '.  Quis  assim  mostrar  a  gratidão  piedosa  da  sua  alma  para  com 
a  santa  Esposa  de  D.  Dinis,  a  cuja  intervenção  atribuirá  a  série  de 
circunstâncias  fortuitas,  sem  as  quais  não  seria  possível  a  sua  sal- 
vação. Era  a  primeira  filha  que  lhe  nascia:  deu-lhe  o  nome  da  Santa, 
sua  protectora. 

Ainda  lhe  nasceram  depois  mais  três  crianças,  completando  o 
número  de  seis  filhos:  —  Quitéria,  baptizada  a  29  de  junho  de  i65i  *, 
Brás  a  22  de  março  de  i653  3,  e  Maria  a  20  de  maio  de  i655  *.  Na 
sossegada  e  tranquila  vida  da  família  avoense,  cada  um  destes  nasci- 
mentos era  festejado  como  um  sucesso,  que  nela  vinha  introduzir 
mais  uma  nota  alegre  de  expansão  e  felicidade. 


l  Quais  os  entretenimentos  ordinários  do  poeta  durante  este  último 
período  de  oito  anos  da  sua  vida,  passados  em  Avô  ?  Escusamos  de 
dar  largas  à  imaginação  para  os  conjecturar;  êle  próprio  deixou  isso 
registado  no  seu  poema.  Viriato,  adormecido  naquela  mesma  região, 
sonha ;  e  em  seu  sonhar  maravilhoso,  transpondo  com  vista  profética 
longa  série  de  séculos,  vê  surgir  a  nobre  vila  de  Avô,  e  observa  as 
obras  importantes  nela  realizadas  por  moderno  Jilho,  que  é  o  próprio 
Brás.     Por  último  o  guerreiro  lusitano,  atentando  neste, 

Repara  mais,  &  vè,  que  anda  cantando 
Em  numerosos  versos  seus  louvores 
Entre  jardim,  que  fez,  de  quando  a  quando 
Tosando  as  murtas,  &  compondo  as  flores  *. 

Entram  os  dois  em  conversa.  Viriato,  cheio  de  interesse,  pede 
ao  poeta  que  lhe  conte  a  sua  vida,  o  que  este  faz  prontamente,  e  de 
mistura  com  a  auto-biografia  vai  narrando  os  sucessos  da  restauração 


'  Vid.  supra,  págs.  43  e  seg. 

2  Doe.  LXXXIII.  -  '  Doe.  LXXXVI.  —  ♦  Doe.  LXXXVIII.  —  ^  V.  T.,  xv,  26. 


Cap.  VIII —  Tsj)  declinar  da  vida  33 1 

e  os  serviços  por  ele  mesmo  prestados  nessa  guerra  patriótica.     Ulti- 
mamente acrescenta : 

Retiro-me  a  estes  valles,  a  estas  fontes, 
A  estes  frescos  jardins,  &  pátrios  Rios, 
Quando  vaó  cheos  caço  pellos  montes, 
E  nelles  pesco  quando  vaõ  vasios, 
Contente  destes  ares,  &  orizontes, 
Sem  a  corte  invejar,  passo  os  Estios, 
Pellos  Invernos  canto  teus  louvores, 
De  outra  musa  melhor  merecedores  '. 

Não  podíamos  desejar  testemunho  mais  autorizado  e  fidedigno. 
Os  passatempos  de  Brás  eram  estes:  —  a  caça  no  inverno  e  a  pesca 
no  verão,  os  passeios  pelos  arredores  de  Avô  respirando  os  exce- 
lentes ares  e  admirando  os  belos  horizontes,  a  jardinagem  no  pitoresco 
retiro  que  arranjara  em  frente  da  sua  casa,  alem  do  formosíssimo 
lago,  e,  finalmente,  o  convívio  ameno  com  as  Musas,  recitando  versos 
nos  mesmos /"rescos  jardins,  completando,  retocando  e  aperfeiçoando 
a  sua  obra  poética,  especialmente  o  poema  de  grande  folgo  que  deno- 
minara Viriato  Trágico. 

Mas  nem  assim  deixava  de  relembrar  com  orgulho  as  peripécias 
da  guerra,  os  seus  feitos  patrióticos,  os  serviços  que  prestara.  Fre- 
quentes vezes,  trepando  pela  vereda  íngreme  e  tortuosa  que  dá  acesso 
à  porta  do  castelo  de  Avô,  iria  ali  avivar  saudades  dos  heróicos  tempos 
de  Alfaiates  e  gozar  os  ares  e  lioriíontes,  percorrendo  o  adarve 
circundado  pela  muralha  ameada,  subindo  ao  terraço  da  torre  de 
menagem,  e  contemplando  de  lá,  por  entre  as  ameias,  o  soberbo  e 
encantador  panorama  '^. 


*  V.  T.,  XV,  104. 

*  Aproveito  o  ensejo  para  aqui  publicar,  convenientemente  ampliado,  um  pe- 
queno cliché  fotográfico  do  castelo  de  Avô,  fixado  em  1871  pelo  meu  bom  amigo 
sr.  A.  Augusto  Gonçálvez,  então  estudante  de  preparatórios,  por  ocasião  de  umas 
férias  de  Natal,  passadas  em  casa  de  um  seu  amigo  daquela  vila,  para  onde  levara 
uma  máquina  fotográfica.  Por  um  feliz  acaso  conservava  ainda  esse  cliché,  em- 
bora já  bastante  deteriorado,  e  assim  devo  àquele  distinto  professor  e  excelente 
amigo  a  oferta  desta  preciosa  relíquia,  que,  habilmente  restaurada  e  ampliada 
na  Fotografia  Conimbrigense  do  sr.  José  Maria  dos  Santos,  agora  se  reproduz 
em  gravura.  Já  então  as  ameias  se  achavam  destruídas  em  partes,  e  a  muralha 
tinha  pedaços  demolidos.  Da  torre  de  menagem  nem  vestígios  se  divisam  na 
fotografia,  porque  dela  restavam,  ao  temptf,  pouco  mais  do  que  os  alicerces. 
Depois  tudo  desapareceu,  demolidas  as  muralhas,  já  por  particulares  já  pela  obra- 


S32  'Brás  Garcia  (^Mascarenhas 

Então,  neste  declinar  da  vida,  lamentava  êle  não  lhe  ter  sido 
possível  gozar  m«is  cedo  esta  doce  e  tranquila  existência  no  seu  belo 
cantinho  de  Avô,  e,  sem  dar  por  mal  empregado  o  tempo  que  dedi- 
cara à  defesa  da  pátria,  à  vingança  da  honra  e  autonomia  de  Portugal, 
deplorava  a  má  fortuna,  que  desde  a  juventude  o  levara  para  tão 
longe  da  verdadeira  felicidade.  São-lhe  bem  aplicáveis  as  palavras 
que  põe  na  boca  de  Viriato : 

Ay  quã  tarde  a  fortuna  me  declara 
Que  a  vinganç.i  me  priva  de  alegria  ! 
Quanto  ganhey  em  vos  perder  trocara 
Por  vossa  solitária  companhia. 
O  não  poder  sofrer  na  Pátria  cara 
Jugo  vil,  do  repouso  me  desvia, 
Guiando  as  vagamundas  esperanças 
A  sangue,  estragos,  mortes,  &  vinganças  '. 

Amigos  não  lhe  faltavam :  umas  vezes,  em  correspondência  epis- 
tolar, com  éle  trocavam  impressões,  ou  o  consultavam  sobre  assuntos 
de  guerra;  outras,  vinham  de  lon^e  gozar  a  sua  companhia,  e  deli- 
ciar-se  com  a  sua  conversação  alegre,  erudita,  variada  e  interessante. 


-pública,  para  o  aproveitamento  dos  materiais  em  novas  construções;  esta  aplicou 
grande  quantidade  de  pedras  do  castelo  a  construir  os  muros  de  suporte  da  es- 
trada distrital  n.°  106,  que  atravessa  Avô.  Pode  confrontar-se  o  estado  do  cas- 
telo em  1871  com  o  que  dele  restava  em  1912,  olhando  para  as  estampas  que  se 
defrontam  nas  páginas  78-79  do  presente  livro.  Neste  último  ano  subsistia  o 
arco  ogival  ou  porta  de  ;entrada  apenas,  que  felizmente  ainda  não  foi  demolido 
até  ao  presente,  mas  que  provavelmente  qualquer  dia  desaparecerá.  Já  depois 
de  1912,  em  que  recolhi  várias  fotografias  de  Avó,  algumas  publicadas  neste 
livro,  a  selvajaria  municipal,  conjugada  com  a  inépcia  interesseira  dos  mandantes 
da  vila,  tem-se  deleitado  a  estragar  brutalmente  muitas  das  belezas  daquela  pi- 
toresca povoação.  A  casa  da  câmara,  representada  na  estampa  da  pág.  102, 
foi  desfigurada  ignobilmente,  demolindo-lhe  o  alpendre,  arrancando-lhe  as  in- 
teressantes grades  de  ferro  que  resguardavam  as  duas  varandas,  trabalho  bem 
caraterístico  de  serralharia  do  século  xvi,  estendendo  um  terraço  à  frente,  e  fazendo 
outras  diabruras;  as  fotografias  das  estampas  fronteiras  às  págg.  i56  e  i58 
já  hoje  não  podiam  ser  tiradas,  porque  andam  neste  momento  a  construir 
um  casarão  hediondo,  não  sei  se  armazém  se  fábrica,  na  estreita  faixa  de  terreno 
que  medeia  entre  a  casa  de  Brás  Garcia  e  o  largo  do  Pego  ;  etc,  etc.  ]  Parece 
haver  o  propósito,  não  só  de  destruir  todas  as  belezas  e  atractivos  da  linda  vila, 
mas  também  de  apagar  tudo  quanto  nela  recordava  o  poeta  seiscentista,  que  tanto 
a  amou  e  honrou  !  i  Para  onde  caminhamos  nós  ? 
»  V.  T.,  XIV,  108. 


Cap.  VIU—  7^0  declinar  da  vida  333 

Já  encontrámos  o  general  D.  Álvaro  de  Abranches  em  Avô,  hós- 
pede de  Brás ;  D.  Rodrigo  de  Castro  também  o  honrava  com  suas 
visitas,  quando  os  cuidados  da  guerra  e  do  governo  da  província  lhe 
permitiam  alguns  dias  de  descanso;  e,  como  estes,  outros  dos  muito 
numerosos  amigos,  que  o  admiravam  e  estimavam,  iam  fazer-lhe 
companhia  e  folgar  no  seu  interessante  convívio.  Era  de  vêr  a  hos- 
pedagem afectuosa  e  fidalga  que  o  poeta  lhes  dispensava  no  seu 
solar  *. 

Vários  registos  conheço  da  presença  de  Brás  em  Avô  durante 
este  último  período  da  sua  vida  ^;  uma  só  vez  o  encontro  ausente,  e 
por  pouco  tempo. 

Foi  nos  fins  da  primavera  de  i653.  Teve  casualmente  de  passar 
por  Coimbra,  na  ocasião  em  que  na  Universidade  se  achava  anunciado 
para  muito  breve  um  certame  poético,  em  demonstração  de  pesar 
pelo  falecimento  do  príncipe-real  D.  Teodósio,  ocorrido  a  i5  de 
Maio  '.     O  poeta  deteve-se   na  cidade  universitária,  preparou-se,   e 


»  Doe.  CXII. 

»  Doe.  LXI,  LXII,  1,X1II,  LXVI,  LXXXI,  LXXXII,  LXXXIV,  ete. 

'  B.  Madeira  de  Castro  no  seu  Breve  resumo  da  vida  de  B.  G.  M.,  que  pre- 
cede a  1.'  edição  do  V.  T.,  diz  que  isto  sucedeu  na  morte  do  Senhor  Príncipe 
D.  Duarte;  mas  há  nesta  notícia  êno  evidente.  O  infante  D.  Duarte,  irmão  de 
D.  João  IV,  nunca  teve  o  tratamento  de  príncipe,  que  ilie  não  pertencia,  e  em  1648, 
por  ocasião  da  morte  deste  infeliz  mártir,  vítima  da  fraqueza  criminosa  do  impe- 
rador Fernando  III,  e  da  infâmia  de  ministros  comprados  pelo  ouro  de  Castela,  a 
Universidade  não  fez  demonstrações  públicas  e  solenes,  por  isso  não  estar  nos  usos 
nem  nos  estatutos.  Madeira  de  Castro  equivocou-se  evidentemente  no  nome; 
quis  referir-se  à  morte  do  príncipe-real  D.  Teodósio,  primogénito  de  D.  João  IV, 
ocorrida  a  i5  de  maio  de  i653,  a  qual  foi  profundamente  sentida  pela  corte  e  pela 
nação,  e  comemorada  em  demonstrações  solenes  de  luto  e  de  pesar  pela  Universi- 
dade, segundo  consta  das  actas  dos  claustros-plenos  reunidos  para  este  fim  em 
sessões  sucessivas,  a  primeira  das  quais  foi  a  21  de  maio  e  a  última  a  22  de  julho. 
(A.  U.,  Conselhos,  vol.  23,  liv.  i.°,  íls.  yS  ¥."-76  v.").  O  rei,  logo  no  dia  imediato  à 
morte  do  príncipe,  participou  à  Universidade  o  lutuoso  acontecimento  na  carta 
seguinte:  —  «Reitor  amigo,  lentes,  conselheiros  e  deputados  da  Universidade  de 
Coimbra.  Eu  El  Rey  uos  enuio  muito  saudar. — Ontem  ás  dose  e  meya  do  dia,  foi 
Deos  seruido  leuar  para  sy  o  Príncipe  Dom  Theodosio  meu  sobre  todos  muito  amado 
e  prezado  filho,  de  que  fico  com  sentimento  igual  a  perda  que  recebeo  este  Reino  na 
falta  de  hum  Príncipe  tão  cheo  de  todas  as  uertudes,  de  que  me  pareceo  auizaruos, 
para  que  me  ajudeis  a  encomendar  a  Deos  sua  alma,  e  para  que  conforme  ao  cos- 
tume em  semelhantes  occasiões  ordeneis  se  facão  officios,  sufFragios,  Missas,  E 


334  'Brás  Garcia  cMascarenhas 

apresentou  em  concurso  hiia  nova  esquipação  de  poema  vulgar,  que 
de  todos  os  lados  se  lia  com  diversos  sentidos,  &  todos  certos  Jia  me- 
dida, &  animados  com  epigrama  ao  intento,  que  intitulou  «Laberintho 
do  Sentimento»  —  Pello  qual  poema  lhe  julgou,  sem  opposição  de  outro 
aventureiro,  a  Vniversidade  o  primej-ro,  &  melhor  premio,  sendo 
mayor  o  da  fama,  que  adquiria  excedendo  os  raros  engenhos,  que 
illihtravão  esta  Athenas  Lusitana,  calijicando-se  por  não  menos  fa- 
vorecido de  Marthe,  que  mimoso  de  Apollo  *. 
Vê-se  pois  que  o  poeta,  que  escrevera  — 

Nota  do  Alva  a  trágica  Poesia 

Desprezada  em  sua  margem  deleytosa, 

Porque  entre  variedades  tão  confusas 

Quem  ama  as  armas,  põem  de  parte  as  Musas  *, 

—  agora,  postas  de  parte  definitivamente  as  armas,  consagra-se  prin- 
cipalmente às  Musas,  aproveitando  todos  os  ensejos  para  se  deliciar 
no  seu  convívio. 

Foi  durante  este  período  que  êle  mais  se  ocupou  nos  retoques  do 
Viriato  Trágico,  já  precedentemente  redigido,  para  o  levar  a  estado 
de  merecer  as  honras  da  publicidade. 


orações  pello  bem  de  sna  alma,  E  aos  lentes  e  officiais  dessa  Uniuersidade  deueis 
também  Ordenar  tragão  luto,  roupeta,  carapuça  E  capuz  serrado  por  tempo  de  trinta 
dias,  que  abrirão  passados  elles,  aliuiarão  aos  seis  mezes,  e  tirarão  de  todo  ao  anno ; 
Espero  do  amor  que  tendes  a  meu  seruiço,  e  da  boa  uontade  q  uos  tinha  o  Prín- 
cipe uos  hajais  nesta  occasião  de  man.",  que  tenha  aliuio  de  saber  nella  uosso  pro- 
cedimento. Escrita  em  Alcântara  a  i6  de  Mayo  de  i653.  —  {a)  Rey  ••  -^  — P.*  a  Uni- 
uersidade de  Coimbra»  —  (A.  U.,  Provi joeiís  antes  da  novafund.  da  Univ.,  vol.  Ill, 
foi.  43 1). — As  grandiosas  manifestações  de  pesar  realizadas  pela  Universidade  foram 
agradecidas  na  seguinte  carta  régia :  —  «Manuel  de  Saldanha  Reitor  amigo,  Depu- 
tados, Lentes,  E  conselheiros  da  Uniuersidade  de  Coimbra.  Eu  El  Rey  uos  enuio 
muito  saudar.  —  Pella  uossa  carta  entendi  o  animo  E  a  grandeza  com  que  se  ouue 
essa  Uniuersidade  nas  demonstrações  de  sentimento  pello  falecimento  do  príncipe 
D.  Theodosio  meu  sobre  todos  muito  amado  e  prezado  filho  que  Deos  tem,  e  nos 
officios  e  sutfragios  com  que  ajudou  sua  Alma ;  tudo  lhe  agradeço  muito,  e  tudo  he 
muito  conforme,  ao  que  sempre  experimentei  do  amor  E  lealdade  dos  sojeitos  que 
nella  me  seruem,  ainda  em  menores  occasióes  ;  quando  se  ofFerecerem  de  lhes  fazer 
m",  me  será  muito  prezente  este  seru.'^°,  entre  os  mais  que  tenho  recebido  delles, 
de  que  sempre  terei  a  deuida  lembrança,  E  assy  lho  direis  em  meu  nome  a  todos, 
E  mais  particularmente  aos  que  nesta  acção  tiuerão  mayor  parte.  Escrita  em  Lix.' 
a  10  de  Julho  de  i653.  {a)  Rey-  ->  —  P.«  a  Uniuersidade  de  Coimbra».  —  (A.  U.,  ibid., 
foi.  435). 

1  Doe.  CXII.— 2  V.  r.,  XIV,  81. 


Cap.  VIII—  7-(p  declinar  da  vida  335 

Em  diversos  cantos  se  encontram  vestígios  cronológicos.  Por 
eles  não  só  conhecemos  a  época  em  que  Brás  Garcia  resolveu  escre- 
ver este  poema  heróico,  mas  também  temos  indicações  de  quando 
foram  redigidas  algumas  das  suas  partes,  na  forma  em  que  actual- 
mente se  encontram. 

Quando  preso  no  Sabugal,  isto  é  no  ano  de  1642,  é  que  o  poeta, 
levado  por  inspiração  patriótica,  concebeu  a  ideia  de  o  escrever.  Diz 
êle  na  conversa  que  finge  ter  com  Viriato,  comandante  dos  lusitanos: 

Agradece  a  meu  trágico  Planeta, 
E  a  viis  emulos  meus  este  cuydado, 
De  por  Patrício  teu,  querer  louvarte, 
Pois  quando  prezo,  emprendi  cantarte  '. 

Depois  não  o  escreveu  continuadamente,  mas  aos  poucos  e  com 
largos  intervalos,  ocupados  nos  serviços  da  guerra.  Era  o  seu  agra- 
dável entretenimento  nos  períodos  de  descanso  passados  em  Avô. 
Ele  mesmo  o  diz  ao  caudilho  lusitano: 

Entre  o  rumor  de  Marte  estrepitante 
As  horas,  que  me  deyxa,  te  concedo, 
Que  a  cantarte  na  paz,  mais  elegante 
Estilo  ornara  tão  capaz  enredo  ^. 

As  operações  da  guerra  realizavam-se  geralmente  nas  estações  de 
transição,  primavera  e  outono ;  o  estio  e  o  inverno  passava-os  de  or- 
dinário em  Avô :  mas  era  na  rigorosa  estação  hiemal  que  êle  mais  se 
ocupava  do  poema,  segundo  refere  numa  estância  ■*,  já  há  pouco 
transcrita  *. 

Ia  alternando  esta  ocupação  literária  com  os  cuidados  de  jardina- 
gem próprios  do  inverno  —  tosar  ou  espontar  as  murtas,  plantar, 
podar  e  concertar  as  roseiras  e  outras  plantas  floríferas  —  como  êle 
refere  no  primeiro  quarteto  de  uma  estância  ^,  que  me  dispenso  de 
aqui  copiar,  por  ficar  transcrito  em  dois  lugares  *. 

Fora  nos  anos  de  1644  e  1Õ45,  que  desenvolvera  maior  actividade 
na  elaboração  do  poema.  As  estâncias,  em  que  se  encontram  refe- 
rências a  factos  ocorrentes,  ou  havia  pouco  ocorridos,  mostram  isto 
com  suficiente  clareza. 

No  canto  v,   estância   14,   há  uma   alusão  expressa   ao  livro  III, 

'  V.  r.,  XV,  io5.  — í  Ibid.,  106.  —'  Ibid.,  104.  -♦  Pág.  33i.  — *  V.  T.,  xv,  26. 
^  Vid.  supra,  pág.  i53  posl.  med.,  e  pág.  33o. 


336  Brás  Garcia  cMascarenhas 

cap.  1  da  obra  Successos  militares  das  armas  portuguesas,  do  Dr.  João 
Salgado  de  Araújo,  livro  que  saiu  a  público  depois  do  meado  de  de- 
zembro de  1644,  como  se  vê  das  datas  das  respectivas  licenças,  que 
traz  à  frente.     Essa  estância  é  portanto  posterior  a  esta  época. 
Lêem-se  na  est.  20  do  canto  vii  estes  versos  : 

Marchaõ  daqui  a  Burdua,  agora  Ouguella 
Neste  mez,  em  que  escrevo,  em  vam  tentada 
De  Cario  Carachiola,  porque  delia 
Se  retirou  sua  Gente  destroçada. 

Essa  frustrada  tentativa  castelhana,  para  tomar  de  surpresa  Ou- 
guela,  deu-se  na  manhã  de  9  de  abril  de  1644  * ;  corria  pois  ainda 
este  mês,  quando  Brás  Garcia  escreveu  aqueles  versos. 

Foi  neste  mesmo  ano  de  1644  que  o  poeta  escreveu  a  estância  5 
do  canto  xii,  onde  deixou  consignado  o  enredo  de  amor  e  justiça  em 
que  andava  envolvido  havia  dez  anos,  desde  16.34. 

É  nas  estâncias  bg-Gz  du  canto  xiii,  que  vem  referida,  como  fica 
dito,  a  campanha  da  Estremadura  espanhola  no  outono  de  1643,  no 
fim  da  qual  o  poeta  sofreu  grave  doença ;  não  foram  escritas  portanto 
antes  do  princípio  de  1644. 

A  comemoração  epitalâmica  do  casamento  do  poeta,  que  se  lê  no 
canto  XIV-,  é  sem  dúvida  de  1645.  embora  nesse  canto  se  encontre  ^ 
uma  referência  entusiástica  à  excelente  retirada  de 'Badajoz,  ocorrida 
em  1643. 

Temos  de  atribuir  a  redacção  do  canto  xv,  em  cujas  últimas  três 
estâncias  o  poeta  se  nos  apresenta  a  alternar  os  trabalhos  da  guerra 
com  os  escassos  mas  muito  deleitosos  descansos  de  Avô,  no  período 
que  decorre  de  1644  a  1648. 

Vê-se  pois  que,  ao  principiar  o  período  final  da  vida  do  poeta, 
em  que,  já  livre  das  agitações  intensas  da  guerra,  os  dias  lhe  decor- 
riam tranquilos  e  sossegados,  estava  já  muito  adeantado  o  Viriato 
Trágico.  Os  trabalhos  viriatinos,  nesse  período  realizados  por  Brás, 
terão  sido  passagens  de  lima,  obras  de  retoque  e  aperfeiçoamento, 
mais  do  que  de  redacção  primeira. 

Infelizmente  Brás  Garcia  não  poude  ultimar  este  trabalho  de  cor- 
rigir e  polir  o  seu  poema  para  a  impressão, 

Que  atalha  a  morte  muyto  bons  intentos  ♦. 


1  Successos  militares,  fl.  225  v." ;  —  Portugal  restaurado,  liv.  vii,  pág.  mihi  459. 
»  Est.  43-99.  —  '  Est.  8.  — «  V.  r.,  X,  i3o. 


Cap.  VIII—  7^0  declinar  da  pida  337 

S> 

Náo  se  cuide  porêm  que  tudo  foi  sossego  e  quietação  neste 
declinar  da  vida  do  nosso  Brás  Garcia.  Alguns  desgostos  vieram 
ainda  perturbar  a  sua  tranquilidade.  Mas,  antes  de  falarmos  desses 
dissabores,  temos  de  retroceder  alguns  anos,  para  tomarmos  conheci- 
mento do  que  originou  os  que  mais  o  incomodaram. 

Em  1641,  a  8  de  fevereiro,  celebrou-se  em  Avô,  na  capela  de 
Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  o  casamento  de  D.  Maria  Jácome  de 
Mendonça,  filha  de  Simão  Madeira  da  Costa,  irmão  da  que  veiu  em 
breve  a  ser  sogra  de  Brás,  com  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo, 
sargento-mór  da  vila  de  Pombeiro  '.  Brás  Garcia  não  assistiu  a  este 
casamento,  porque  andava  então,  em  companhia  do  general-gover- 
nador  da  Beira  D.  Álvaro  de  Abranches,  por  Viseu,  Trancoso  e  Pinhel ; 
mas  parece  que  mais  ou  menos  interviera  nas  negociações  prelimi- 
nares, sendo-lhe  atribuída  grande  parte  das  responsabilidades  de  tal 
união. 

Ora,  uma  vez  introduzido  na  sociedade  de  Avô,  Bernardo  Duarte, 
que  era  vivo,  esperto,  gracioso  e  insinuante,  principiou  a  colocar-se 
em  evidência,  a  captar  simpatias,  e  a  apresentar  a  sua  candidatura 
aos  empregos  principais  da  terra,  não  só  aos  de  eleição  popular,  mas 
também  a  alguns  de  nomeação.  Assim  foi  dentro  em  pouco,  àlêm 
doutras  cousas,  alferes  da  milícia  de  Avô,  e  juiz  ordinário  da  vila  e 
seu  termo;  conseguiu  mesmo  servir  alguns  cargos  da  igreja,  reputados 
nobres.  Por  fim  já  era  também  tabelião  do  público  e  judicial  nas 
quatro  vilas  de  Avô,  Vila-Cova,  S.  Sebastião-da-Feira  e  Nogueira- 
-do-Cravo. 

Não  tardou  o  tempo  em  que  algumas  pessoas  das  famílias  prin- 
cipais avoenses  se  sentiram  deprimidas,  vexadas  por  este  ambicioso 
recém-vindo.  Foram-se  avolumando  os  ressentimentos,  e  por  fim  de- 
generaram em  ódios  profundos.  Em  terreno  assim  hostil,  qualquer 
semente  de  descrédito  germinaria  e  não  tardaria  a  frutificar. 

Aí  por  i65o  começou  a  correr  o  boato  de  que  Bernardo  Duarte 
de  Figueiredo  era  cristão-novo,  e  que  alguns  ascendentes  e  colaterais 
seus,  lá  das  bandas  de  Mortágua,  haviam  sido  condenados  pela  Inqui- 
sição por  judaizantes.  Isto,  que  a  princípio  se  murmurava  à  boca 
pequena,  já  por  liltimo  se  dizia  em  alta  voz.    Quando  a  murmuração 


'  'Not.  geneal;  III,  vi  a. 


338  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

se  tornou  pública,  a  prosápia  dos  Madeiras  da  Costa  sentiu-se  ferida 

gravemente  por  ter  caído  tal  labéu  sobre  a  família,  que,  apesar  dos 

boatos  em  contrário,  orgulhosamente  se  jactava  da  limpeza  e  nobreza 

^   fv        éa         C\-  imaculada  do  seu  sangue.    Brás  Gar- 

/^rjvj»   3^i^^^^>^  ^\     '''^'   então  já  casado  com   D.  Maria 

^  &^^-^^^_^      '^'1  Costa  Fonseca,  prima  inteira  da 

Assinatura  mulher  de   Bernardo  Duarte,   sofreu 

de  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo'.  i  i-        i  i       • 

grandes  dissabores  com  tudo  isto, 
especialmente  por  se  lhe  atribuírem  responsabilidades  no  casamento 
deste  ^. 

Nas  acusações  ao  poeta  deve-se  ter  salientado  a  sogra,  cujo  ódio 
velho  andava  um  pouco  atenuado,  mas  que,  reacêso  agora,  não  dei- 
xaria de  se  traduzir  em  remoques  e  censuras  ao  genro,  por  haver 
concorrido  para  lhe  ser  conspurcada  a  família  com  enxertia  tão  da- 
nosa. O  aborrecimento  de  Brás  Garcia,  por  esta  atitude  hostil  e 
impertinente  de  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  revela-se  nos  dois  versos 
seguintes,  introduzidos  no  poema  por  esta  ocasião,  segundo  conjec- 
turo : 


Bella  sem  tacha,  rica  sem  ter  sogra, 
Partes,  que  buscão  mil,  &  nenhum  logra  '. 


Tudo  isto  não  era  segredo  para  Bernardo  Duarte ;  e  bem  sabia 
êle  que  um  dos  principais  e  mais  acirrados  acusadores  da  sua  honra 
era  o  padre  Matias  Garcia. 

No  ano  de  i632  houve  em  Avô  umas  eleições  muito  renhidas, 
em  que  se  interessavam,  por  um  lado  o  Figueiredo,  por  outro  o 
padre  Matias  com  vários  conterrâneos.  Mais  se  azedaram  os  ânimos 
na  luta  eleitoral,  chegando  a  irritação  ao  cúmulo  *.  E  natural  que 
Brás  se  não  envolvesse  em  tais  galopinagens,  que  êle  detestava : 

Já  os  votos  de  então  se  subornavão, 
Pellos  possantes,  em  despreso,  &  dano 
De  muytos  beneméritos  de  fora ; 
Mal  hè  de  então,  que  se  experimenta  agora '. 

Por  essa  ocasião,  quando  mais  exaltadas  andavam  as  paixões,  foi 


'  Na  fôlha-corrida,  junta  ao  processo  para  a  ordenação  de  menores  de  Tomás 
Garcia  Mascarenhas,  na  qual  Bernardo  Duarte,  como  tabelião  de  Avô,  certiíica  a 
ausência  de  culpas  a  9  de  maio  de  1664. 

s  Doe.  LXXXV.  —  3  V.  T.,  iii,  58.  —  i  Doe.  LXXXV.  —  *  V.  T.,  v,  3i. 


Cap.  VI JI —  íTX^o  declinar  da  vida  33 g 

um  dia  o  Bernardo  a  cavalo  à  freguesia  de  Anceris;  ao  chegar  perto 
da  aldeia,  encontrou-se  com  o  padre-cura  Matias,  que,  vindo  para 
Avô,  seguia  o  mesmo  caminho  em  sentido  oposto.  A  explosão  de 
ódios  era  fatal.  Ao  passarem  um  pelo  outro,  aos  ouvidos  do  Figuei- 
redo soou  a  palavra  yz/í^ew,  rosnada  em  tom  abafado  pela  raiva.  Não 
foi  preciso  mais.  Apenas  ouve  tal  epíteto,  salta  do  cavalo  abaixo, 
e  vibra  uma  chicotada  á  cara  do  Matias,  que  era  valente  e  deste- 
mido, e  que  responde  à  violência  com  violência,  desafrontando-se. 
Isto  sucedia  à  vista  de  Anceriz,  sendo  observado  por  gente,  que 
acudiu  logo.  Á  aproximação  de  pessoas  estranhas  apartaram-se,  um 
montou  a  cavalo  e  seguiu  o  seu  caminho,  o  outro,  a  pé,  veiu  para 
Avô,  causando  grande  escândalo  o  vergão  do  chicote  que  se  divisava 
no  rosto  do  padre  '. 

Seguiram-se  dois  processos  eclesiásticos  perante  a  cúria  episcopal 
de  Coimbra:  um  contra  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo  pelo  crime 
de  sacrilégio,  gravemente  punido  pelo  cânon  Si  quis^  suadente  diabolo; 
outro  contra  o  padre  Matias  Garcia  pelo  de  injúria  e  difamação. 

O  escândalo  aumentava,  e  Brás  Garcia  Mascarenhas,  que  se  con- 
servou até  ali  estranho  a  tais  lutas  e  paixões,  interveiu  então,  procu- 
rando evitar  que  as  querelas  prosseguissem  -.  ;  Quem  sabe  se  a 
doutrina  exposta  na  seguinte  estância,  resume  alguma  das  falas  do 
poeta  a  Bernardo  Duarte,  procurando  convencê-lo  a  pôr  ponto  final  no 
processo  e  a  desistir  da  acção,  sob  promessa  de  idêntico  procedi- 
mento de  Matias  ? 

Perdoar  as  injurias,  que  nos  tocão 
Muyto  na  honra,  obra  hè  meritória  ; 
Opiniões  a  vingalas  nos  provocaõ, 
Porque  hé  toda  opinião  comum  vangloria. 
Quantos  descanços  por  trabalhos  trocaõ 
Notoriamente,  os  que  sem  notória 
Afronta,  vingam  os  seus  pontinhos  de  honra  ! 
Que  hà  hum  género  de  honra,  que  deshonra'. 

Mas  o  argumento  não  colhia,  e  tal  desistência  era  impossível. 
Bernardo  Duarte  de  Figueiredo  carecia  de  esclarecer  a  sua  situação, 
para  não  continuar  sob  a  suspeita  formidanda  de  trazer  nas  veias 
sangue  de  infecta  nação;  e  esse  esclarecimento  público  e  solene  tor- 
nava-se  tanto  mais  indispensável,  quanto  era  certo  que  parecia  haver 
fundamento  para  as  acusações  de  seus  inimigos. 


«  Doce.  LXXXV  e  XCVIII.  — '  Doe.  LXXXV.  -  3  V.  T.,  vn,  2. 


340  'Brás  Garcia  óAIascarenhas 

Huuvera  na  sua  família  uma  mulher,  vinda  dos  lados  du  Porto, 
chamada  Ambrósia  de  Figueiredo,  que  tinha  fama  de  cristã-nova,  e 
cuja  filha  Brites  de  Figueiredo,  prima  co-irmã  de  Catarina  Gomes  da 
Silva,  mãe  de  Bernardo  Duarte,  chegou  a  estar  presa  nos  cárceres 
da  Inquisição,  e  saiu  confiscada  e  sambenitada,  assim  como  seu  ma- 
rido Mateus  Fernandes,  de  Vila-Gosendo ;  dois  irmãos  deste  foram 
queimados,  e  Ambrósia  de  Figueiredo,  filha  do  Mateus  e  da  Brites, 
e  portanto  segunda  prima  do  dito  Bernardo  de  Figueiredo,  que  ainda 
continuava  usando  o  mesmo  apelido,  foi  também  queimada  em  um 
auto-de-fé. 

Veja-se  pois  que  sudário  este,  e  se  Bernardo  Duarte  tinha  ou  não 
necessidade  de  se  expurgar  de  tal  labéu.  ;  Era  o  perigo  de,  tanto  êle 
como  os  seus,  de  um  momento  para  o  outro,  se  verem  a  contas  com 
o  tribunal  do  Santo  Oficio,  e,  talvez,  depois  dos  tormentos  do  estilo, 
terem  de  figurar  de  carocha  e  sambenito  em  algum  auto-de-fé;  era  ainda 
o  vexame  de  se  sentirem  segregados  da  bôa  sociedade,  repelidos  por 
toda  a  gente,  <pt\o  foetor  judaicus  que  deles  emanava,  bem  mais  re- 
pugnante do  que  as  pústulas  da  lepra  I  Não  havia  pois  outra  solução, 
que  não  fosse  ir  por  deante  o  processo  contra  o  padre  Matias,  no 
qual  Duarte  de  Figueiredo  trataria  de  demonstrar  a  pureza  e  limpeza 
do  seu  sangue,  por  forma  que  a  sentença,  que  condenasse  o  réu,  fosse 
ao  mesmo  tempo  reabilitadora  do  autor. 

E  assim  sucedeu.  1 

Conheço  todo  esse  processo,  por  se  encontrar  na  câmara  ecle- 
siástica de  Coimbra,  apenso  a  um  outro  processo,  que  correu  para  a 
ordenação  do  Dr.  Matias  Jácome  de  Figueiredo,  que  foi  denunciado 
como  cristão-novo,  impedimento  que  obstava  à  sua  ordenação,  e  de 
que  êle  teve  de  se  justificar  com  as  sentenças  pronunciadas  a  favor 
de  seu  pai  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo.  Provara  este,  como  autor, 
que  a  Ambrósia  de  Figueiredo,  oriunda  das  bandas  do  Porto,  de 
quem  provinha  o  sangue  impuro,  não  era  sua  ascendente,  nem  com 
êle  tinha  relação  alguma  de  consanguinidade,  apesar  da  identidade  do 
apelido.  Fora  casada  (;  infelizmente !)  com  um  irmão  de  sua  avó  ma- 
terna Angela  Gomes,  chamado  Gaspar  Gomes ;  mas  este  seu  tio-avô 
era  de  muito  bom  sangue,  e  tanto  que,  tendo  sido  casado  em  pri- 
meiras núpcias  com  Francisca  de  Frias,  desse  matrimónio  houve  um 
filho,  o  padre  Fr.  António  de  Frias,  franciscano,  pregador  de  grande 
nomeada,  sobre  o  qual  jamais  incidira  suspeita  alguma.  A  infelici- 
dade do  seu  segundo  matrimónio  é  que  lhe  conspurcou  a  descendên- 
cia, sem  que  daí  resultasse  infâmia  para  seus  irmãos,  o  padre  Fran- 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  DA  FAMÍLIA  MATERNA  DE  BERNARDO  DUARTE  DE  FIGUEIREDO,  DE  POMBEIRO, 

ENLAÇADA  COM  A  DOS  FIGUEIREDOS,  CRISTÃOS-NOVOS  DE  VAL-DE- AÇORES,  DONDE  ÀQUELA  RESULTOU  RUMOR,  EMBORA  INFUNDADO,  DE  SANGUE  JUDAICO, 

O  QUE  DEU  LUGAR  A  PROCESSOS  RUIDOSOS,  E  ORIGINOU  GRAVES  DESGOSTOS  A  BRÁS  GARCIA  MASCARENHAS  (Pág.  341) 

Nos  fins  do  século  xv  residiam  em  Santa-Comba-Dão,  donde  eram  naturais,  dois  irmãos : 


João  Gomes,  c.  c.  Maria  Ro- 
drigues, de  Val-de-Açores 
(Mortágua) 


Domingos  Gomes,  c.  c.  ? 


i 
Maria  Gomes,  c.  c.  João  Luís, 

de  Val-de-Acores. 


I  Henrique  Gomes. 


Angela    Gomes,    c. 
Tomé,  de  Poiares. 


P  «  Francisco  Gomes,  pároco 
de  Oliveira  de  Cunhedo. 


Pedro  Gomes  da  Silva.  c.  c.  ? 
de  Val-de-Acores. 


Francisco  da  Silva 


l 
Catarina  Gomes  da  Silva,  c.  c. 

Salvador  Duarte  de  Figuei- 
redo, capitáo-mor  de  Pom- 
beiro. 


i 
Gaspar  Gomes,  casado 

em  I."  núpcias  c.  Francisca   em  1."   c.   Ambrósia   de   Fi- 

de  Frias.  gueiredo,  cristã-nova. 

-  ■  -^ 

Brites  de  Figueiredo,  c.  c.  Ma- 
teus Fernandes,  cristãos- 
-novos. 


1 
Fr.  António  de  Frias,  francis- 
cano. 


Mateus  Duarte  de  Figueiredo,  j  Bernardo   Duarte   de  Figuei-  i  Marcos  Duarte  de  Figueiredo, 
capitão-mór  de  Pombeiro.    I      redo,  c.  em  Avô  c.  D.  Maria  1      c.  na  Covilhã  c.  D.  Ana  Ro-, 
Jácome  de  Mendonça.  drigues. 


Ambrósia  de  Figueiredo,  quei- 
mada pela  Inquisição. 


P.«  Afonso  Gomes. 


L.<'o  João  Soares  da  Silva,  fa- 
miliar e  secretário  da  Inqui- 
sição. 


I  Maria  Gomes,  c.  c.  António 
Fernandes. 

---^  -^^ 

Francisco  Fernandes,  o  Cativo 
(em  Alcásser-Kíbir),  c.  c. 
Leonor  da  Silva. 

1 
Maria  da  Silva,  c.  c.  Jorge  Dias 

de  Oliveira,  familiar  da  In- 
quisição. 


P.«  Manuel  Soares,  jesuita.       |  Fr.  F. .  . .  religioso  franciscano    L.Jo  Francisco  Soares  da  Silva. 


ESQUEMA  GENEALOG. 

ENLAÇADA  COM  A  DOS  FIGUEIREDOS,  CRISTÃOS 

O  QUE  DEU  LUGAR  A  PROCE! 

Nos  fins 


João  Gomes,  c.  c.  Maria 
drigues,  de  Val-de-Aç 
(Mortágua). 

l 
Maria  Gomes,  c.  c.  João  I 

de  Val-de-Acores. 


Angela    Gomes,    c. 
Tomé,  de  Poiares. 


João  I  P  «  Francisco  Gomes,  pál 
de  Oliveira  de  Cunhedc 


Pedro  Gomes  da  Silva.  c.  c.  ? 
de  Val-de-Acores. 


i 
Francisco  da  Silva 


l  .        I 

Catarina  Gomes  da  Silva, 

Salvador  Duarte  de  Fig 

redo,  capicão-mor  de  P 

beiro. 


,       1  ,  4 

Mateus  Duarte  de  Figueiredo,    Bernardo   Duarte  de  Fig 

capitão-mór  de  Pombeiro.    !      redo,  c.  em  Avô  c.  D.  M 

Jácome  de  Mendonça. 


Cap.  VIII —  C\o  declinar  da  vida  341 

cisco  Gomes,  pároco  de  Oliveira-de-Cunhêdo,  e  a  dita  Angela  Gomes, 
avó  dele  autor,  nem  para  os  descendentes  desta  *. 

Podem  lêr-se  algumas  das  principais  peças  do  processo  na  colecção 
de  Documentos,  que  servem  de  apêndice  a  este  trabalho  -.  A  causa 
arrastou-se  pelos  tribunais  eclesiásticos  durante  largos  anos.  Em 
todas  as  três  instâncias  saiu  condenado  o  réu  e  justificado  o  autor; 
mas,  quando  a  última  sentença  foi  pronunciada,  era  março  de  1666, 
Já  o  réu  era  falecido. 

Ora  esta  pendência  tão  grave  entre  seu  irmão  e  o  marido  de  uma 
prima  inteira  de  sua  mulher,  e  as  responsabilidades  que  lhe  eram 
atribuídas,  devem  ter  preocupado  e  magoado  muito  o  nosso  Brás,  nos 
liltimos  anos  da  sua  vida. 

Em  1654  novo  desgosto  o  vem  ferir.  Seu  pai  viera  gozando  ve- 
lhice sadia,  alegre  e  bem  equilibrada,  até  ao  fim  do  verão  deste  ano. 
Seus  filhos  estremeciam-no,  e  o  poeta  não  seria  uma  só  vez  que  lhe 
recitaria  o  elogio  da  velhice,  que  a  propósito  do  ancião  Lícias  inserira 
no  canto  iii  do  \lriato  Trágico.     Diz  assim: 

He  a  velhice  hum  mal,  que  debilita 
A  toda  a  cousa,  que  animada  crece ; 
Ao  rico  enoja,  ao  pobre  necessita, 
Gasta  a  belleza,  as  forças  infraquece : 
As  arvores  robustas  decrépita. 
As  feras  vigorosas  intorpece, 
Erva  lhe  não  escapa,  ou  flor  suave, 
Nadante  peyxe,  ou  volátil  ave. 

He  com  tudo,  por  sabia,  respeytada, 

Que  muyto  importa  do  astuto  velho 

Em  qualquer  occasião  calamitosa, 

Que  se  offreça,  o  maduro,  &  bom  conselho. 

A  idade  respeytada,  a  barba  annosa 

Hè  da  verde  puerícia  claro  espelho 

A  quem  se  humilha,  contra  quem  não  ousa 

O  sangue  pueril,  que  não  repousa. 

O  vinho  velho  sempre  hé  mais  cheyroso, 
Dos  corpos  [não  do  meu]  alegre  amigo : 
Quanto  hé  mais  velho  o  barbo,  mais  gostoso, 
E  do  azeyte  hé  melhor  o  mais  antigo. 


•  Veja-se  a  árvore  genealógica  em  frente. 
2  Doe.  LXXXV. 


34'-i  'Brás  Garcia  oMascar&iihas 

Sempre  Exercito  velho  hè  temeroso, 
Que  velho  Terço  estraga  ao  Inimigo ; 
E  velhos  chama  a  Guerra,  ou  Veteranos 
Aos  expertos,  que  são  moços  nos  annos. 

O  pano,  seda,  ouro,  telaria. 
Que  a  velha  idade  tanto  não  prezava, 
Quando  de  tudo  menor  copia  avia, 
Era  muyto  melhor,  menos  custava  : 
Desce  em  bondade,  sobe  de  valia. 
Quanto  não  basta  hoje,  então  sobrava; 
Porque  exemplo  dos  velhos  não  tomamos 
De  cada  vez  de  mal  em  peor  vamos. 

Era  Lisias  velho,  era  sezudo, 

Que  hà  velhos,  que  caducão  com  a  idade; 

De  robusto  vigor,  de  ingenho  agudo, 

De  pouco  fausto,  &  grande  authoridade : 

Com  ella  o  Auditório  tinha  mudo, 

Quando  com  repousada  gravidade 

A  boca  abrindo,  &  a  cabeça  erguendo, 

Com  voz  clara,  &  pausada  foy  dizendo '.  Etc. 

No  principio  do  outono  deste  ano,  com  grande  sentimento  da 
família,  falece  o  velho  patriarca  dos  Garcias  de  Avô,  quando  ia  fazer 
go  anos  de  idade. 

O  provedor  da  comarca  da  Guarda,  a  cuja  circunscrição  pertencia 
o  concelho  de  Avô,  apressa-se  a  dar  logo  parte,  para  a  corte,  da  vaga 
do  ofício  de  escrivão  das  cisas  gerais  e  dos  panos  desta  vila,  havia 
6o  anos  servido  por  Marcos  Garcia  com  tnuita  satisfação,  sem  nunca 
cometer  erro;  e  propõe  que  no  mesmo  ofício  seja  provido  o  filho  Brás 
Garcia  Mascarenhas.  Não  se  demora  a  expedição  da  carta  régia  de 
provimento  ou  nomeação,  datada  de  2  de  novembro  do  mesmo  ano  *, 
e  o  agraciado  entra  na  posse  do  cargo,  que  bem  modesto  era,  e  que 
pouco  tempo  veiu  a  gozar. 

Com  maus  agouros  entrou  o  ano  de  i656. 

Principiou  ao  sábado,  dia  dominado  pelo  fatídico  planeta  Saturno, 
o  meu  trágico  Planeta,  como  lhe  chamava  o  poeta  Brás  ',  pelo  facto 
de  ter  nascido  ao  sábado.     Pior  do  que  isso:  —  era  ano  bissexto. 

A  1 1  de  janeiro  (terça   feira  —  \  mau  dia  !),   achando-se  o  sol  na 


t  V.  T.  Ill,  3-7.-2  Doe.  LXXXViI.  — 5  V.  T.  xv,  io5. 


Cap.  VIII —  íT^o  declinar  da  vida  343 

casa  do  Capricórnio  (;  tudo  isto  coincidências  funestas  !),  a  lua-cheia, 
pouco  depois  de  nascer,  principiou  a  tornar-se  cris,  e  quase  toda  a 
sua  face  foi  coberta  por  véu  de  sombra  nefasta. 

Como  se  este  sinal  não  fosse  ainda  bastante  para  aterrar  a  gente 
simples,  bem  como  a  naturalmente  predisposta  a  superstições,  de- 
corridos apenas  quinze  dias,  na  quarta-feira  26  de  janeiro,  quando  o 
sol  já  havia  entrado  na  casa  do  Aquário,  eis  que  êle  mesmo,  o  astro 
do  dia,  a  meio  do  seu  curso  sobre  o  horizonte,  oculta  parte  do  disco; 
e  em  Avô  algumas  pessoas  afirmavam  ter  visto  no  interior  das  casas 
pequenas  imagens  da  kia  em  quarto  crescente  ou  minguante  (neste 
ponto  havia  divergência  de  testemunhos),  estampadas  a  luz  onde 
quer  que  um  feixe  de  raios  solares,  penetrando  por  qualquer  orifício, 
fosse  beijar  a  parede  fronteira  ou  o  pavimento.  Triste  ocorrência 
ia  dar-se,  para  assim  se  mostrar  em  parte 

Occulto  o  Rey  dos  lúcidos  Planetas  '. 

i  Maus  sinais  I     ;  maus  agouros  I     ;  Que  desgraça  iria  suceder  ? 

Brás,  espírito  animoso  e  forte,  esclarecido  com  a  ilustração  do 
seu  tempo,  não  devia  deixar-se  avassalar  por  temores  pueris  e  infun- 
dados, nem  dar  a  fenómenos  naturais  significação  de  avisos  sobrena- 
turais de  desgraças  iminentes.  Parece  que  a  superstição  devia  ser 
incompatível  com  a  ilustração;  mas  é  certo  que  muitas  vezes  se  en- 
contram irmanadas  em  convívio  híbrido.  O  nosso  poeta  havia  nos 
últimos  tempos  decaído  muito,  física  e  moralmente.  Quão  diferente 
se  encontrava  do  que  era  na  época  em  que  (já  lá  iam  cerca  de  i5  anos) 
repreendeu  severamente,  no  arrabalde  de  Almeida,  os  seus  soldados, 
por  se  deixarem  assustar  com  um  enorme  meteoro  luminoso,  que 
rasgou  larga  estrada  de  fogo  na  atmosfera,  em  frente  e  muito  perto 
deles  ^. 

A  crença  em  preságios,  em  avisos  do  céu,  em  profecias  populares, 
teve-a  êle  sempre,  como  a  teem  tido  muitos  espíritos  ilustrados  e  su- 
periores, i  Fosse  lá  alguém  dizer-lhe  que  a  restauração  de  Portugal 
não  estava  de  há  muito  predita  nas  profecias  do  sapateiro  Bandarra, 
cuja  sepultura  êle  com  devoção  visitou  em.  Trancoso,  juntamente  com 
o  general  e  restante  oficialidade  do  exército  da  Beira,  consagrando-lhe 
a  memória  com  uma  campa  votiva  !  ^ 


'  V.  T.  X,  66. 

2  Vid.  supra,  pág.  216.  —  ^  Ibid.,  pág.  208. 


34  f  'Brás  Garcia  dMascarenhas 

As  profecias  bandárricas  do  século  xvi,  alusivas  a  D.  fuão,  que 
os  patriotas  do  século  xvii  habilmente  transformaram  em  £).  Joãoy 
encontra-se  referência  clara  e  precisa  nas  estâncias  seguintes: 

Antiguas  prophecias,  bem  que  escuras 
Notadas  '  de  prudentes  curiosos, 
Por  entre  a  confusão  das  desventuras 
Huns  longes  trasluziiiõ  venturosos. 
Porém  sendo  em  propheticas  figuras 
Os  alvos  de  acertar  dificultosos, 
Tendo  perto  de  si  o  a  que  atiravão, 
Como  cegos  sem  luz,  todos  o  erravão. 

Abrio-lhe  os  olhos  a  necessidade, 
Ajudou  a  ocasião  o  intento  honrado, 
Tântalo  a  vista  da  Real  Cidade, 
.    Pondo  o  futuro  Rey  prophetisado. 
Que  a  gosar  agoa,  &  fruta  se  persuade, 
Mas  vendo  seu  intento  mal  logrado, 
Precursor  de  si  mesmo  se  publica, 
O  nome  o  diz,  o  tempo  o  verifica'. 

Acreditava  também  piamente  nos  preságios  ou  sinais  do  céu, 
favoráveis  à  restauração,  cujas  narrativas  corriam  de  boca  em  boca 
e  se  espalhavam  em  folhas  volantes ;  postas  em  versos  de  pé  que- 
brado as  noticias  de  tais  portentos,  os  cegos  cantavam-nas  pelas  pro- 
víncias ao  som  das  suas  violas,  ai  pelos  anos  de  1641  e  seguintes,  o 
que  muito  contribuía  para  levantar  o  espírito  do  povo  e  acender  os 
ardores  patrióticos,    A  tais  preságios  se  refere  o  poeta  nestes  versos: 

Preságios  mil  celestes,  &  terrenos, 
Por  huas,  &  outras  partes  repetidos, 
Estavaõ  prometendo,  quando  menos, 
Grandes  mudanças,  Reynos  divididos  '. 

Antigamente  porém  Brás  Garcia,  embora  acreditasse  nessas  cousas, 
reagia  e  não  deixava  que  a  superstição  se  apossasse  dele  e  o  domi- 
nasse;  mas  agora,  gasto  pela  idade  e  pelos  trabalhos,  achava-se  nesse 
estado  em  que  os  espíritos  mais  fortes  sossobram  e  caem.  Via  por 
toda  a  parte  multiplicarem-se  os  preságios  calamitosos,  sinais  vários, 
insólitos,  de  significação  aterradora ;  e  deixava-se  sucumbir. 


1  Notada,  tem  a  i."  ed ,  erro  manifesto,  emendado  na  2.'. 
i  V.  T.  XV,  74-75.  —  3  F.  T.  XV,  76. 


Cap.  VIII—  UXp  declinar  da  vida  34$ 

Suponho  que  os  sinais  fatídicos,  que  o  poeta  descreve  no  canto 
final  do  Viriato  Trágico,  como  precedendo  a  morte  do  herói  lusi- 
tano, são  os  que  ele,  com  a  sensibilidade  super-exaltada,  com  a 
mente  ofuscada  por  apreensões  indefinidas,  inexplicáveis,  ia  obser- 
vando no  declinar  da  vida,  ia  registando,  e  que  deixavam  no  fundo 
da  sua  consciência  um  receio  vago,  um  mal-estar  incompreensível, 
um  presentimento  doloroso  da  proximidade  da  morte.  Eram  factos 
naturais,  que  em  outro  tempo  não  mereceriam  reparo,  mas  que  agora 
recebiam  essa  interpretação  nefasta;  pois 

Que  de  desditas,  que  inda  estam  secretas, 
Sam  sempre  os  corações  grandes  profetas  '. 

Façamos  uma  leitura  atenta  dessas  passagens,  começando  pela 
invocação  à  Musa : 

Inspira  em  mim,  pêra  chorar  cantando, 
Harmonia  de  Cisne  lastimosa, 
Que  suas  próprias  exéquias  celebrando, 
Morrendo  entoa  musica  saudosa  ^. 


l  Não  parece  que  o  poeta,  indo  falar  da  morte  de  Viriato,  por  um 
fenómeno  que  nele  não  é  raro,  segundo  temos  várias  vezes  notado,  vê 
âobreporem-se  e  confundirem-se  duas  imagens  distintas,  uma  antiga  e 
outra  moderna,  ou,  melhor,  vê  repentinamente  e  sem  transição  substi- 
tuir-se  à  antiga  imagem,  que  estava  focada,  a  moderna,  passando,  sem 
se  saber  como,  a  falar  de  si  mesmo,  para  um  pouco  adeante  se  achar 
novamente,  e  sem  solução  de  continuidade,  a  tratar  do  chefe  lusitano  ? 
l  Pois  não  pede  ele  à  Musa  que  lhe  inspire  um  canto  lacrimoso,  como 
a  harmonia  lastimosa  de  cisne,  que  ao  morrer  celebra  em  música 
saudosa  as  suas  próprias  exéquias  ?  i  Quem  é  aqui  o  cisne  ?  i  quem 
é  que  vai  cantar  essa  harmonia  lastimosa  ?  ,;  não  é  o  poeta  ?  i  mas 
então  as  exéquias  que  vai  celebrar  são  as  de  Viriato,  ou  as  do  pró- 
prio poeta  moribundo  ? 

São  evidentemente  as  de  Viriato ;  há  porem  aqui,  como  em  muitos 
outros  lugares  do  poema,  uma  confusão  propositada  de  pessoas,  do 
tipo  com  o  antítipo,  do  ideal  antigo  com  a  realidade  actual,  da  figura 
com  o  figurado.  Na  vida  e  acções  do  caudilho  dos  lusos  e  dos  seus 
companheiros,  a  defenderem  a  pátria  contra  a  opressão  romana,  o  poeta 


í  V.  T.  XX,  79.  —  2  V.T.  XX,  2. 


346  liras  Garcia  ^Mascarenhas 

quis  celebrar  disfarçadamente  a  sua  própria  vida  e  acções,  e  as  dos 
outros  patriotas,  consagradas  à  defesa  de  Portugal  contra  o  domínio 
castelhano.  Daqui  as  confusões  frequentes,  que  por  vezes  temos 
notado.  Não  é  pois  estranhável  que  o  poeta,  descrevendo  os  presá- 
gios  de  mau  agouro  que  finge  precederem  a  morte  de  Viriato,  fosse 
nessa  descrição  introduzindo  factos  impressionantes  que  ia  observando 
nestes  últimos  anos,  e  aos  quais,  mesmo  sem  querer,  talvez  com  re- 
volta da  sua  razão,  por  uma  obsessão  supersticiosa,  por  uma  fra- 
queza a  que  nem  os  mais  fortes  escapam,  quando  chega  a  decadência 
da  vida,  dava  significação  presaga  da  sua  morte,  cuja  proximidade 
não  via,  mas  presentia.     Ele  mesmo  lamentava : 

Desdita  humana  hé,  que  perto  estejão 
Da  morte  os  homes,  &  que  não  a  vejão  *. 

Se  isto  assim  é,  como  suponho,  Brás  Garcia  nos  líltimos  tempos 
da  existência  passava  uma  vida  triste  e  atribulada,  vendo  no  céu  do 
seu  Avô,  nos  montes  que  o  circundam,  nas  fontes,  vales  e  rios  que 
o  embelezam,  nas  árvores,  nas  flores,  nas  aves,  nas  ovelhas,  que 
tantas  vezes  cantara  em  seus  versos  e  que  tanto  prazer  lhe  davam 
outrora,  nas  pessoas  de  família  e  nos  amigos,  que  muito  estremecia, 
repetidos  avisos  tétricos,  constantes  anúncios  fatais,  de  que  a  vida  lhe 
ia  terminar  brevemente. 

Seja  o  poeta,  quem  fale : 


O  Ceo  cuberto  de  nocturno  luto 
Parece  que  sua  morte  lhe  revela, 
E  que  dela  presago  o  moço  louro 
Avaro  à  terra  occulta  o  monho  de  ouro. 

Os  pátrios  montes,  ásperos  gigantes 
Pellos  olhos  das  fontes  o  choravão : 
As  plantas  braços  seus  tremendo  amantes 
Parece  que  de  longe  lhe  acenavão; 
Entre  seus  pès  nos  valias  retumbantes 
As  agoas  temerosas  se  queyxavão. 
Sendo  agoas,  plantas,  montes,  fontes,  valles, 
Presagios  tristes  dos  futuros  males. 

As  flores,  como  infermas  de  advertidas 
A  se  murcharem  presto  se  condenão; 


'  V.  T.  VII,  97. 


Cap.  VIII — UXp  declinar  da  inda  347 

As  Cáfilas  voláteis  encolhidas 
Com  os  bicos  as  penas  desordenão  ; 
As  ovelhas  das  ervas  esquecidas 
Aos  ares  balão,  porque  não  serenão : 
Que  ares,  ovelhas,  ervas,  flores,  &  aves, 
Retratando-lhe  estaõ  prodígios  graves. 

As  terras,  em  que  mais  o  festejavão, 
Com  tristeza  mayor  o  despedião, 
1'orq^e  todos  os  rostos  se  enfiavaõ, 
Todos  os  olhos  lagrimas  vertião: 
Os  corações  nos  peytos  se  alteravão, 
As  lingoas  ao  falar  lhe  immudecião; 
Que  lingoas,  corações,  olhos  e  rostos, 
Adivinhão  sua  morte,  &  seus  desgostos  *. 


As  apreensões  do  nosso  herói  realizam-se  emfim.  O  sol  entrara 
no  signo  do  Leão;  as  canículas  principiaram  destemperadas,  com 
excessivos  calores,  mais  próprios  da  zona  tórrida,  do  que  daquela 
região  tão  amena. 

Brás  sente-se  doente,  e  recolhe  à  cama. 

E  chamado  o  vigário  Roque  Dias  de  Matos,  para  confessar  e  via- 
ticar  o  doente.  A  família,  assustada,  cerca-o  de  carinhos,  e  aplicalhe 
quantas  mezinhas  a  arte  medicante  aconselha.  Nenhuns  cuidados 
porém  conseguem  suster  o  progresso  da  doença. 

Na  terça  feira  (;  dia  aziago  I)  8  de  agosto  do  referido  ano  da 
Graça  de  i656,  quando  a  lua  caminhava  para  o  quarto  minguante 
(j  péssima  fase  !),  na  sua  casa  de  Avô,  e  no  quarto  cuja  rasgada  ja- 
nela ainda  hoje  se  encontra  guarnecida  com  o  mesmo  parapeito  de 
ferro,  que  nesse  tempo  a  ornava,  contemplando  da  cama,  onde  jazia,  o 
formoso  lago  do  Pego,  que  êle  tanto  amava  e  tão  entusiasticamente 
cantara  em  seus  versos  —  ali,  cercado  de  sua  mulher,  de  seus  cinco 
filhinhos,  pois  o  primogénito  era  falecido,  e  de  suas  quatro  irmãs  que 
viviam  com  êle,  tendo  junto  da  cabeceira  o  irmão  Dr.  Manuel  Garcia, 
que  na  sua  qualidade  de  sacerdote  e  capelão  da  família  lhe  minis- 
trava os  tjltimos  socorros  espirituais  acolitado  pelo  outro  irmão,  o 
padre  Matias,  exalou  o  liltimo  alento  Brás  Garcia  Mascarenhas. 

Assim  desapareceu  desta  vida,  na  idade   de  60  anos,  6  meses  e 

»  V.  r.  XX,  8-11. 


34^  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

5  dias,  o  maior  de  todos  os  filhos  da  fidalga,  pitoresca  e  encantadora 
vila  de  Avô  —  grande  patriota,  grande  soldado,  grande  poeta. 


Saudoso  accento,  grave  retumbando 
Console  com  piedade  artificiosa 
A  viuva  Pátria,  que  tal  filho  perde, 
Convertendo  em  cypreste  o  louro  verde  '. 


Foi  sepultado  na  igreja  paroquial  de  Nossa  Senhora  da  Assunção 
de  Avô,  em  sepultura  rasa  e  comum,  sem  qualquer  sinal  ou  inscrição 
que  a  distinguisse.  Passados  anos  ninguém  podia  informar  onde  pa- 
ravam os  seus  ossos. 

Nem  o  vigário  da  vila  cumpriu  o  dever  de  lavrar  o  respectivo 
assento  de  óbito;  esqueceu-se.  Felizmente  Bento  Madeira  de  Castro 
teve  conhecimento  da  data  da  morte  por  qualquer  nota  particular  da 
família,  e  registou-a^;  se  não  fora  isso,  nem  hoje  saberiamos  essa 
data. 

A  má  sorte,  que  acompanhou  em  vida  Brás  Garcia  Mascarenhas, 
ainda  pois  continuou  a  persegui-lo  na  morte. 


V.  r.  XX,  2.  — í  Doe.  CXII. 


IX 
Factos  póstumos 

■  Por  morte  de  Brás  Garcia  Mascarenhas  ainda  não  se  fez,  que  me 
conste,  a  partilha  dos  bens  do  casal,  que  tivera  por  chefe  Marcos 
Garcia.  D.  Maria  da  Costa  continuou  a  viver  com  seus  filhos  na 
casa  que  agora  era,  indevisamente,  destes  e  de  seus  tios.  As  dívidas, 
noutros  tempos  contraídas  por  Marcos,  também  se  não  tinham  solvido. 
Aparecem-nos  credores  do  casal  os  cunhados  de  Feliciana  Monteiro, 
residentes  em  Anadia  '. 

D.  Maria  Madeira  da  Costa,  a  sogra  de  Brás,  continuava  a  dar-se 
mal  com  a  família  de  seu  genro,  hostilizando-a,  quando  para  isso  se 
oferecia  ocasião. 

Pouco  tempo  sobreviveu  D.  Maria  da  Costa  ao  marido.  Depois 
de  viiiva,  sempre  triste  e  doente,  sempre  inquieta  com  a  preocupação 
do  futuro  dos  filhos,  que  na  morte  do  pai  haviam  perdido  a  melhor 
garantia  de  felicidade.  No  declinar  do  ano  de  ibb^  achava-se  tão 
definhada,  que  não  era  preciso  ser  profeta  para  prever  um  desenlace 
a  curto  prazo. 

Chegam  as  festas  do  Natal.  Em  casa  dos  Garcias  Mascarenhas 
foram  esses  dias  de  tristeza  e  angústias.  Receavam-se  complicações 
desastrosas  na  liquidação  da  herança  pelo  falecimento  de  D.  Maria  da 
Costa,  que  estava  iminente.  Não  era  herdada  de  pai  nem  de  mãe, 
ambos  ainda  vivos.  Seu  falecido  marido  nunca  fizera  partilhas  com 
os  irmãos.  Estava  pois  bastante  embrulhada  a  situação  do  casal. 
Por  parte  da  sogra  havia  a  temer  todas  as  hostilidades,  pelo  ódio 
que  tinha  a  esta  família,  não  exceptuando  os  próprios  netos,  pois 
todas  as  suas  simpatias  iam  para  os  nascidos  de  suas  filhas  Isabel 
e  Ana,  ambas  casadas  em  Moimenta  da  Serra  2.  Temia-se,  pelo  menos, 


>  Doce.  LXXXIX  e  CVII.  — *  Not.  geneal.  III,  v  b.  2  e  4. 


3So  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

que  viessem  demandas  longas,  intermináveis,  que  devorariam  parte 
dos  bens  do  casal. 

Ponderada  a  situação  numa  espécie  de  conselho  de  família,  to- 
mou-se  uma  resolução,  cujas  vantagens  e  eficácia  não  posso  aquilatar. 
A  viiiva,  apesar-de  doente  in  extremis,  foi  decerto  conhecedora  e 
conivente.  Assentou-se  no  seguinte: — que  os  irmãos  e  as  irmãs  sol- 
teiras de  Brás  Garcia,  isto  é,  Manuel,  Pantaleão  e  Matias,  Ana,  An- 
tónia e  Isabel,  fizessem  um  testamento  de  máo-comum,  em  que 
instituíssem  uma  capela,  à  qual  ficassem  vinculados  todos  os  seus 
bens,  que  seriam  administrados  por  eles  enquanto  vivos,  revertendo 
os  direitos  dos  que  fossem  morrendo  para  os  sobreviventes.  Por 
morte  do  último,  seriam  os  bens  divididos  em  duas  partes  iguais,  e 
ficaria  com  a  administração  de  uma  das  metades  seu  sobrinho  Tomás 
Garcia  Mascarenhas,  filho  do  seu  falecido  irmão  Brás,  e  na  da  outra 
metade  sua  sobrinha  Maria  Monteiro,  filha  de  sua  irmã  Feliciana, 
residente  em  Anadia;  com  a  cláusula  porem  de  que,  se  em  algum 
tempo  os  tios  paternos  da  dita  sua  sobrinha  viessem  a  exigir  alguma 
dívida  contraída  por  seu  pai  Marcos  Garcia,  de  que  eles  fossem  cre- 
dores, tal  dívida  seria  paga  somente  pela  referida  Maria  Monteiro, 
ou  por  seus  herdeiros  nos  bens  do  vínculo.  Acautelar-se  hiam  todas 
as  hipóteses  sobre  sucessão  em  cada  uma  das  partes  dos  bens  vincu- 
lados, como  costumava  fazer-se  ordinariamente  em  semelhantes  in- 
stituições *. 

Havia  porém  uma  dificuldade  a  vencer  na  execução  deste  plano. 
Era  preciso  que  de  tudo  se  guardasse  completo  segredo,  e  por  isso 
não  podiam  pensar  em  fazer  a  escritura  em  Avô,  onde  não  seria  fácil 
obter  inteiro  silêncio  das  testemunhas  ;  ;  e  quem  lavraria  a  escritura  ? 
;  o  tabelião  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo,  cuja  causa  criminal 
contra  o  padre  Matias  andava  então  correndo  pelos  tribunais  eclesiás- 
ticos ? 

Pretextou-se  qualquer  motivo  para  irem  todos  em  certo  dia  a 
Travanca-de-Farinha-Pôdre,  e,  deixando  em  Avô  a  cunhada  com 
seus  filhos,  partiram  em  direcção  ao  priorado  do  Pantaleão;  mas  a 
certa  altura  enveredaram  para  Norte,  passaram  o  Mondego,  e,  en- 
trando no  termo  da  vila  de  Ovoa,  foram  até  ao  fundo  do  Vale  do 
Castitiçal,  junto  ã  estrada  que  vem  do  lugar  do  Sobral.  Aí  os 
aguardava  Manuel  de  Lindos  {?),  tabeUao  do  piiblico,  judicial  e  notas 
daquela  vila  e  seu  termo,  para  isso  prevenido,  e  mais  ^eis  testemu- 


»  Doe.  LXXXIX. 


Cap.  IX  —  Factos  póstumos  35 1 

nhãs,  trazidas  ad  hoc  de  Travanca  pelo  padre  Pantaleão.  Logo 
ali  em  continente,  aos  3o  de  dezembro  de  1659  ',  foi  lavrada  a  escri- 
tura. 

Voltando  para  Avô,  ainda  assistiram  à  cunhada  nos  seus  últimos 
dias,  pois  veiu  a  falecer  a  4  de  janeiro  de  1660,  depois  de  ter  rece- 
bido os  sacramentos,  sem  fazer  disposição  alguma  testamentária  2. 

D.  Maria  da  Costa  Fonseca  tem  sido  injustamente  acusada  de  não 
haver  salvado  pela  publicação  as  obras  de  seu  marido,  j  Pobre  se- 
nhora !  Só  poderá  cometer  tal  injustiça,  quem  desconheça  as  condi- 
ções de  vida  da  infeliz  viúva  durante  esses  atribulados  três  anos  e 
alguns  meses,  que  sobreviveu  ao  poeta. 

A  capela  em  que  foi  instituído  o  vínculo  pelos  Garcias  Mascare- 
nhas em  seu  testamento,  era  sita  na  igreja  do  convento  do  Buçaco, 
tendo  por  contrato  verbal  sido  cedido  pelos  carmelitas  o  respectivo 
padroado.  A  escritura  desta  cedência  veiu  a  ser  feita  3  meses  de- 
pois, a  3o  de  março,  e  nela  figura  como  comprador  o  padre  Pantaleão 
apenas,  que  reservou  o  direito  de  ali  ser  sepultado  êle  e  os  seus  su- 
cessores no  vínculo  ^ 

E  não  tiveram  os  bons  dos  frades  de  esperar  muito  pelo  cadáver 
do  Pantaleão,  que  faleceu  em  Travanca-de-Farinha-Pôdre  a  14  de 
outubro  imediato,  sendo  logo  transportado  para  o  dito  convento  *. 

A  seguir  foram  desaparecendo  deste  mundo  os  irmãos:  —  Manuel 
a  21  de  janeiro  de  1662  ^  Ana  a  10  de  fevereiro  de  i663*,  e  Matias 
a  23  de  dezembro  de  1664  '.     Só  restavam  a   Isabel   e   a   Antónia, 


'  Diz  o  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias  que  o  referido  testamento  se  lavrou 
em  3o  de  dezembro  de  1660.  (O  Poeta  Garcia,  pág.  24,  nota).  —  Esta  asserção  re- 
pousa sobre  um  equívoco,  havendo  erro  de  um  ano  na  interpretação  da  data  da 
escritura,  que  constitue  o  doe.  LXXXIX.  Escreveu  o  tabelião:  —  no  anno  do  na- 
cimento  de  noso  Senhor  Jesus  Cristo  de  mil  e  seis  centos  e  sesenta  amws  por  ser 
pasado  dia  de  natal  em  os  trinta  dias  do  mes  de  desembro  etc.  A  redacção  desta 
última  parte  nos  revela  claramente  que  o  tabelião  seguia  o  uso,  que  não  era  raro, 
de  antecipar  uma  semana  o  começo  do  ano,  principiando  a  25  de  dezembro,  dia  da 
festa  do  Natal,  a  datar  do  novo  ano  do  Nascimento  de  nosso  Senhor  Jesus  Cristo. 
Se  a  escritura  fosse  de  3o  de  dezembro  de  16G0,  não  podia  figurar  nela  como  parte 
o  padre  Pantaleão  Garcia,  falecido  em  outubro  precedente  (Doe.  XCII). 

'  Doe.  XC  — í  Doe.  XCI.-*  Doe.  XCII.  — ^  Doe.  XCIV.  —  «  Doe.  XCV. — 
'  Doe.  XCVII. 


ÇJ/Cm^<^cia94^^^ 


352  Uras  Garcia  ^Mascarenhas 

sôbre  as  quais  ticou  impendendo  o  pesado  encargo  de  cuidarem 
da  educação  e  do  futuro  dos  sobrinhos,  que  viviam  na  sua  compa- 
nhia. 

Tomás   Garcia,   o  mais   velho   destes,   pois   o   António   morrera 
de  tenra  idade,  foi  destinado  à  car- 
reira   eclesiástica,   por   melhor   lhe 
garantir    uma    colocação    honrosa, 
,       .      j  T-        r-        „         ,     ,      sem  grandes  despesas.     Lá  ia  estu- 

Assinatura  de  Tomas  Garcia  Mascarenhas  '.  O  r 

dando  o  latim,  a  lógica  e  a  retó- 
rica; em  1664  habilitou-se  para  a  recepção  át  prima-tonsura  e  or- 
dens menores  *.  Então  reaparecem  neste  processo  de  inquirição  de 
genere  os  rumores  de  impureza  de  sangue,  que  acompanhavam  a 
família,  dos  quais  já  noutro  tempo  se  fizera  éco  o  vigário  da  vila, 
Roque  Dias  de  Matos,  chamando  judeu  (ou  cristão-novo)  ao  padre 
Simão  Madeira,  eremitão  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  de  Avô  '; 
mas  fazendo  duas  testemunhas  referência  a  esses  rumores,  acres- 
centaram que  eram  infundados,  como  Simão  Madeira  demonstrara 
em  juizo,  sendo  o  vigário  condenado  por  sentença  pelo  crime  de 
caluniador  *. 

Arranjaram  os  amigos  de  Brás  Garcia  para  dote  de  Isabel,  a 
mais  velha  das  filhas  do  poeta,  a  propriedade  do  ofício  de  escrivão 
geral  das  cisas  e  panos,  que  havia  sido  desempenhado  por  seu  avô  e 
por  seu  pai,  e  que  agora  seria  servido  pela  pessoa  que  viesse  a  casar 
com  ela.  Tem  o  diploma  régio  a  data  de  6  de  agosto  de  1670^. 
Assim  se  ia  procurando  providenciar  sôbre  o  futuro  dos  órfãos. 

Entretanto  o  jovem  Tomás  aspira  a  mais  alguma  cousa  do  que 
ser  simples  padre  de  Reqitiem;  sente-se  com  forças  para  conquistar 
os  pergaminhos  universitários.  Prepara-se,  faz  o  seu  exame  de  su- 
ficiência, e  matricula-se,  em  outubro  de  1672,  nos  cursos  de  Instituta, 
que  constituíam  o  primeiro  ano  comum  das  faculdades  jurídicas  de 
Cânones  e  de  Leis.     Durante  este  ano  trava  relações  amorosas  com 


1  A.U.  —  Esta  assinatura  firma  a  sua  matrícula  na  cadeira  de  Instituta. —  A/<7- 
triculas,  vol.  16,  1.  3,  fl.  log  v.°. 

2  Doe.  XCVI. 

5  Vid.  supra,  pág.  16,  nota  4,  e  pág.  166  e  segs. 

*  Doe.  XCVI.  —  Vê-se  claramente  no  processo  de  habilitação  para  familiar  do 
Santo  Oficio  do  padre  António  Madeira  (iSçi),  que  o  fundamento  desses  rumores 
estava  apenas  no  facto  de  ser  baça  ou  mestiça  Leonor  Fernandes,  mulher  de  Hen- 
rique Madeira  Arrais,  tronco  da  família  materna  do  poeta  e  da  de  sua  mulher. 

s  Doe.  XCIX. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  353 

uma  menina,  de  quem  nada  mais  sei  do  que  o  nome  de  Comba  da 
Conceição,  e  casa  com  ela  nos  fins  daquele  ano  lectivo  de  1672-1673. 
Provou  ter  frequentado  as  quatro  cadeiras  de  Instituía  desde  o  prin- 
cipio de  outubro  até  ao  fim  de  maio;  provou  mais  assistir  na  Univer- 
sidade aos  exames  dos  bacharéis  nos  meses  de  junho  e  julho,  e  assim 
ficou  com  a  frequência  do  i ."  ano  jurídico  validada  •. 

Mas  a  infelicidade,  que  acompanhou  o  poeta  durante  quase  toda 
a  vida,  continuou  ainda  depois  da  morte  a  perseguir-lhe  os  filhos. 
Brás  falece  a  25  de  novembro  de  ibyS  *;  Tomás,  minado  pela  doença, 
não  pode  prosseguir  nos  seus  estudos,  recolhe  a  Avô,  onde,  sem 
deixar  geração,  termina  os  seus  dias  a  9  de  abril  de  1674  3;  é  seguido 
de  perto  ao  túmulo  pela  irmã  mais  nova,  Maria,  a  20  de  julho  de 
1675';  a  mais  velha,  Isabel,  pouco  sobrevive,  expirando  a  8  de  ja- 
neiro de  1Ó76  ^:  e  assim,  em  pouco  mais  de  dois  anos,  morrem  quatro 
dos  cinco  filhos  que  Brás  Garcia  deixara,  restando  apenas  a  Quitéria. 
O  oficio  de  escrivão  das  cisas  e  dos  panos,  reservado  para  o  futuro 
marido  de  Isabel,  não  passou  em  dote,  por  nova  mercê  régia,  á  irmã 
Quitéria,  como  era  razoável;  apenas  aquela  morreu,  foi  dado  a  pessoa 
estranha  à  família  ^. 

Em  princípios  do  ano  de  1676,  a  casa  dos  Garcias  Mascarenhas 
de  Avô  era  pois  habitada  somente  por  duas  pobres  velhas,  Isabel  e 
Antónia,  irmãs  do  poeta  Brás  Garcia,  contando  uma  71  e  a  outra 
68  anos,  e  pela  única  filha  existente  do  mesmo,  D.  Quitéria,  senhora 
de  24  anos  e  meio. 

,;  Só  por  estas  três  mulheres  ? 

Não,  infelizmente.  Havia  um  quarto  morador,  a  quem  D.  Qui- 
téria tratava  por  primo  Manuel.  ;  Donde  lhe  viera  este  priminho  ? 
Vamos  sabê-lo. 

Quando  Matias  Garcia  habitava  na  residência  paroquial  de  Tra- 
vanca, aí  pelos  anos  de  1645-1(346,  seduziu  uma  rapariga  do  lugar, 
bem  reputada,  que  então  contava  23  anos.  Chamava-se  Ana  Duarte, 
e  era  filha  de  João  Jorge  e  Maria  Duarte,  lavradores  abastados, 
muito  bem  vistos  e  queridos  na  terra  '. 

Procuraram  encobrir  quanto  possível,  aos  olhos  de  todos,  as  re- 
lações que  mantinham;  mas  nos  fins  do  ano  de  1646  não  podia  ela  já 


»  Doe.  C.  —  z  Doe.  Cl.  —  J  Doe.  CII.  —  ♦  Doe.  CHI.  —  »  Doe.  CIV.  —  «  Doe.  CV. 
— '  Doe.  XXV. 

23 


354  ^rás  Garcia  Mascarenhas 

ocultar  por  mais  tempo  a  sua  falta.  Para  evitar  o  escândalo,  e  o 
descrédito  da  rapariga,  foi  o  Matias  a  Bobadela  falar  com  sua  tia 
paterna  Isabel  Antunes,  e  fez-lhe  confissão  sincera  do  ocorrido ;  então 
esta  dispôs  tudo  para  que  a  Ana  Duarte  fosse  recatadamente  reco- 
lhida em  casa  de  família  discreta,  onde  deu  à  luz  uma  criança  do  sexo 
masculino,  a  quem,  a  i8  de  fevereiro  de  1647,  foi  no  baptismo  im- 
posto o  nome  de  Manuel"',  sendo  padrinho  José  Marques,  de  Olivei- 
rinha, primo  inteiro  do  pai  da  criança  ^,  e  madrinha  a  dita  Isabel 
Antunes,  sua  tia  ^.     As  relações  entre  os  dois  jovens  tinham  cessado. 

Depois  disto,  Matias  recebeu  ordens  sacras,  e  foi  paroquiar  An- 
ceriz;  passado  algum  tempo,  trouxe  o  filho,  ainda  criança,  para  Avô, 
e  entregou-o  a  suas  irmãs,  em  cuja  companhia  cresceu,  até  ser 
homem  *. 

Viviam  juntos  e  na  maior  intimidade  os  dois  primos,  intimidade 
inconveniente  e  cheia  de  perigos.  Vm  dia,  em  1674  ou  1675,  tendo 
D.  Quitéria  de  23  para  24  anos  e  o  Manuel  cerca  de  28,  esquece- 
ram-se  do  que  deviam  à  sua  honra  e  ao  bom  nome  da  família. 

;  Pode-se  imaginar  o  enorme  desgosto  que  este  desastre  causou 
às  duas  pobres  velhinhas  e  à  parentela  mais  chegada  ! 

O  mal  estava  feito;  era  necessário  saná-lo.  Mas  não  podiam 
casar  sem  dispensa  do  impedimento  que  havia:  o  próximo  parentesco 
de  2."  grau  de  consanguinidade.  Escreveu-se  para  Roma  a  pedi-la 
com  urgência,  e,  quando  veiu,  obteve-se  do  bispo-conde  D.  Fr.  Álvaro 
de  S.  Boaventura  um  despacho,  em  que  permitia  que  o  casamento  se 
fizesse  na  igreja  paroquial  de  Galizes,  recatadamente,  longe  da  fa- 
mília e  dos  vizinhos,  para  se  evitarem  novos  ditos,  comentários  e 
vexames. 

Ali  se  realizou  efectivamente  o  matrimónio  a  1 1  de  fevereiro  de 
1677  s. 

É  uma  página  bem  triste  da  história  da  família  dos  Garcias  Masca- 
renhas de  Avô,  esta  que  acabo  de  esboçar;  nem  eu  teria  coragem  para 
tocar  em  tal  assunto,  se  ainda  fosse  inédito.  Por  um  bem  natural 
sentimento  de  piedade  e  comiseração,  e  pela  simpatia  e  respeito  que 
nos  merece  a  memória  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  eu  deixaria 
esta  folha  em  branco  e  passaria  adeante,  sem  que  a  consciência  me 


1  Doe.  LXVIII;  — cf.  doe.  CXVI.— 2  Notas  geneal.  I,  iii,  c,  3. 
'  Notas  geneal.,  I,  ui,  c,  8.  —  ■•  Doe.  CXIII.  —  5  Doe.  CVI. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  355 

acusasse  de  ter  faltado  ao  dever  de  cronista.  Mas  o  caso  deu  em 
Avô  e  cercanias  tal  brado  e  causou  tanto  escândalo,  que  a  sua  me- 
mória transpôs  as  gerações  e  os  séculos  e  chegou  até  nós.  A  culpa 
desta  longa  notoriedade  e  retumbância  cai  principalmente  sobre  a 
avó  de  D.  Quitéria,  a  velha  odienta  e  rancorosa,  que  até  á  morte 
mostrou  a  preversidade  que  lhe  ia  na  alma. 

No  testamento  de  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  aprovado  em 
i6  de  dezembro  de  1680,  achando-se  já  sanada  pelo  matrimónio 
aquela  desgraça,  lê-se  um  trecho  repugnante,  reproduzido  pelos 
genealogistas  que  se  ocupam  do  ramo  avoense  dos  Garcias  Masca- 
renhas, e  já  publicado  no  seu  livro  O  poeta  Garcia  pelo  sr.  Vis- 
conde de  Sanches  de  Frias  '.  ;  Aquela  mulher,  no  referido  testa- 
mento, desherda  sua  neta,  contando  ao  vivo,  em  termos  despejados 
e  repelentes,  a  desgraçada  falta  em  que  ela  caíra,  embora  o  casa- 
mento houvesse  legalmente  apagado  essa  nódoa  I  ;  É  um  período 
infame,  que  define  bem  o  ódio  vesgo  da  megera  desnaturada  que  o 
ditou  I  Se  não  fora  essa  declaração  testamentária,  ninguém  hoje 
saberia  de  tal  episódio  doloroso  de  família;  passaria  sem  reparo  o 
facto  de  haver  nascido  o  primogénito  antes  do  casamento  dos  pais, 
porque,  de  certo  propositadamente,  para  evitar,  quanto  possível,  que 
ficassem  para  o  futuro  vestígios  daquela  irregularidade,  deixou  de  se 
lavrar  o  assento  do  seu  baptismo. 

Mas,  àlêm  de  ser  infame,  esta  denúncia  está  cheia  de  falsidades 
para  mais  denegrir  a  falta.  Dá  o  Manuel  Garcia  Mascarenhas 
por  filho  espúrio  do  Padre  Matinas,  o  que  é  falso,  porque  foi  ge- 
rado sendo  este  ainda  leigo  -,  ou,  mais  rigorosamente,  quando  era 
simples  minorista.  Afirma  que  a  mãe,  Ana  Duarte,  então  ainda  viva, 
alem  de  ser  de  gente  vil  e  baixa,  é  molher  de  ruim  fama;  o  que  não 
passa  de  flagrante  mentira,  pois  os  pais,  embora  fossem  de  categoria 
social  modesta,  eram  contudo  lavradores  dos  principais  da  terra, 
gente  honrada  e  de  vergonha.  Ana  Duarte  nunca  foi  molher  de  ruim 
fama,  apesar  de  haver  tido  a  infelicidade  de  cair  naquela  falta,  que 
se  tornou  do  domínio  piiblico;  depois  desta  infelicidade,  ela,  pelo  seu 
bom  comportamento  e  pelas  suas  estimáveis  qualidades,  continuou  a 
ser  bem  vista  de  toda  a  gente  ^.  Apareceu-lhe  mais  tarde,  ao  fim  de 
14  anos  de  vida  irrepreensível,  um  bom  homem  de  Travanea-de-Fa- 
rinha-Podre,  também  lavrador,  viúvo,  de  nome  Sebastião  Marques, 


'  Pág.  27,  nota  I. 

»  Doe.  CXIII.  —  5  Doce.  CXIII  e  CXV, 


356  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

a  pedi-la  em  casamento  a  seu  pai  João  Jorge,  a  esse  tempo  também 
já  viúvo.  Casaram  a  5  de  outubro  de  1661  ',  e  alguns  meses  depois, 
a  17  de  fevereiro  de  1662,  morreu-lhe  o  dito  pai;  a  1 1  de  agosto  deste 
último  ano  foi-lhe  baptizada  uma  filha  com  o  nome  de  Maria  ^.  Ficou 
viúva  a  16  de  maio  de  1674^,  e  veiu  a  morrer  a  i5  de  novembro  de 
1684  *,  sem  que  nesse  período  de  87  anos,  decorridos  depois  do 
nascimento  do  seu  filho  bastardo,  houvesse  alguma  nota  a  macular-lhe 
a  reputação.  E  o  que  resulta  da  leitura  dos  processos  de  inquirição 
de  genere,  que  correram  para  as  ordenações  de  Brás  Garcia  Masca- 
renhas e  MarRjel  Garcia  Mascarenhas,  filhos  de  D.  Quitéria,  e  por- 
tanto netos  paternos  de  Ana  Duarte  ^. 

Nasceram  a  D.  Quitéria  três  filhos  e  uma  filha: — José,  ai  por 
cerca  de  1676;  Manuel,  que  foi  baptizado  a  8  de  setembro  de  1678; 
Brás  a  9  de  fevereiro  de  1680;  e  Maria  a  7  de  Março  de  i685. 

Em  1681,  quando  dos  irmãos  do  poeta  Brás  Garcia  só  restavam 
Isabel  e  Antónia,  estas,  por  escritura  de  27  de  janeiro,  lavrada  pelo 
tabelião  Alexandre  de  Figueiredo  Jácome  ^,  revogaram  o  testamento 
de  mão-comum  que  com  seus  irmãos  haviam  feito  em  lõSg,  e  funda- 
ram um  novo  vínculo'.  Nomearam  administradores  deste,  depois  da 
morte  da  última  delas,  seus  sobrinhos  D.  Quitéria  e  marido,  devendo 
suceder  a  estes  o  filho  mais  velho.  A  sucessão  continuaria  sempre 
na  linha  da  primogenitura  legítima  masculina,  e  na  falta  de  descen- 
dência legítima  masculina  passaria  à  feminina,  igualmente  legítima. 
Faz-se  nesta  escritura  menção  de  todos  os  prédios  compreendidos  na 
instituição,  que  são  trinta  e  dois,  figurando  em  piimeiro  lugar  a  casa 
de  habitação  onde  residiam,  e  que  ainda  hoje  é  habitada  por  um  dos 
netos  do  último  administrador  do  vínculo.  Explicam  a  revogação  da 
primitiva  instituição  vincular,  de  metade  da  qual  deveria  ser  adminis- 
tradora sua  sobrinha  Maria  Monteiro,  de  Anadia,  e  sua  descendência. 


'  Doe.  XCIII. 

'  C.  S.,  Registo  paroquiai  de  Travanca-de-Farinha-Podre,  1.  1,  cad.  2,  fl.  14. 

'  Ibid.,  cad.  5,  fl.  inumer. 

«  Ibid.,  cad.  final,  fl.  78. 

5  Arquivados  na  C.  E. 

*  Filho  de  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo.  —  Notas  geneal.  III,  vi,  a,  3. 

1  Doe.  CVII. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  35  j 

A  explicação  c  esta:  —  havia  sido  na  escritura  testamentária  posta  a 
cUlusula  de  que  ficaria  a  cargo  desta  pagar  quaisquer  dividas,  que 
restassem  das  que  seu  avô  Marcos  Garcia  contraíra  com  os  cunhados 
de  sua  filha  FeUciana,  tios  da  dita  Maria  Monteiro;  ora,  em  vez  de 
assim  se  fazer,  vieram  os  ditos  tios  vexar  com  uma  execução  os 
herdeiros  de  Marcos  pela  dívida  de  lyo-Tíooo  reis,  ou  mais.  Des- 
gostos e  aborrecimentos  de  família,  que  deram  em  resultado  ficarem 
todos  os  bens  do  casal  reunidos  e  vinculados  em  posse  da  única  filha 
do  poeta,  que  teve  descendência. 


Brás  deixou  inéditas  as  suas  obras  literárias  todas.  Estafam  es- 
critas em  cadernos,  que  êle  guardava  cuidadosamente,  fechados  talvez 
na  gaveta  do  bufete  de  castanho,  que  ainda  hoje  se  conserva  na  sala 
nobre  da  sua  casa  de  Avô,  com  a  restante  mobília  do  século  xvii, 
grandes  cadeiras  de  braços,  de  carvalho,  substituído  vergonhosa- 
mente o  antigo  estofo  de  damasco  por  tábuas  de  pinho. 

Nem  um  só  dos  versos  de  Brás  Garcia  chegou  a  ser  impresso  em 
vida  do  autor;  e,  depois  da  sua  morte,  a  má  fortuna  perseguiu-lhe  a 
família,  como  acabamos  de  ver,  não  havendo  ocasião  asada  para  em 
tal  se  pensar. 

Em  1671  publicou-se  um  livru,  em  cujo  frontispício  se  lê:  —  A 
destruiçam  I  de  Espanha,  /  reslaiiraçam  siimmaria  /  da  mesma.  /  Ao 
Princepe  /  Dom  Pedro  /  nosso  Senlioi;  /  Governador,  &  legitimo  Siic- 
cessor  do  Reyno  /  de  Portugal,  j  (Armas  reais,  encimadas  pelo  dragão 
em  timbre) /Por  o  Doutor  André  da  Sf  Iva  I  Mascarenhas,  do  De- 
sembargo do  dito  Senhor.  /  lÀsboa.  Com  as  licenças  necessárias,  j 
Por  António  Craesbeeck  de  Mello,  Impressor  do  /  Princepe  N.  S. 
Anno  i6ji.  —  As  licenças,  que  traz  no  fim  e  no  princípio,  são  da- 
tadas, a  primeira  de  1  de  setembro  de  1669,  a  última  de  5  de  junho 
de  1671. 

É  um  poema  em  oitava  rima,  distribuído  em  9  cantos,  denomina- 
dos livros;  tem  por  assunto  a  queda  do  reino  visigótico  pela  invasão 
muçulmana,  e  o  começo  da  restauração  pelo  início  da  reconquista 
cristã.  Vem  antecedido  de  um  prefácio  do  autor  ao  leitor,  e  de  vários 
elogios  encomiásticos  em  versos  portugueses,  latinos  e  espanhóis, 
assinados  por  diversos,  entre  os  quais  figura  a  M.^  Violante  do  Céu. 

Pois  nesse  livro  encontra-se  o  corpo  de  delito  de  um  estupendo 
roubo   literário,   descarado   e   escandalosíssimo.     De   plagiato  se  lhe 


358  ^rás  Garcia  ^Mascarenhas 

tem  dado  o  nome;  é  certo  porêm  que  uma  grande  parte  do  poema 
não  passa  de  simples  cópia  de  longas  séries  de  estâncias  do  Viriato 
Trágico.  Confronte  quem  quiser  os  dois  poemas,  e  encontrará, 
entre  várias  outras  transcrições,  as  seguintes:  só  no  livro  III  da  Des- 
triiiçam  de  Espanha,  a  série  de  onze  estâncias  compreendendo  os 
n."*  26-36  são  cópia  da  série  n."*  2-12  do  canto  iv  do  Viriato  Trágico; 
as  trinta  e  uma  que  teeni  os  n."*  39-69  reproduzem  a  n.°  6  e  de  8  a  37  do 
canto  u;  finalmente  as  dezasseis  que  vão  do  n."  71  a  86  lêem-se  no 
canto  IV,  onde  teem  os  n."*  14-32.  K  não  se  diga  que  foi  só  neste 
livro  III  que  o  desembargador  se  apropriou  da  fazenda  alheia.  No 
livro  IV  as  nove  estâncias  98-106  são  trasladadas  do  canto  v,  estân- 
cias 2-10;  no  livro  V  lemos,  sob  os  n."'  7-8,  as  estâncias  1-2  do 
canto  XX,  e  com  os  n."^  q-i3  as  cinco  de  igual  numeração  do  mesmo 
canto;  na  que  tem  o  n."  16  lá  estão  engastados  cinco  versos  da  es- 
tância 7.*  do  canto  xv.     E  assim  por  deante. 

Mas  i  quem  era  este  extraordinário  gatuno  literário,  que  se  enco- 
bria com  a  beca  de  alto  magistrado  judicial  ?     Vamos  sabê-lo. 


O  Doutor  Aucire  da  Sylra  Mascarenhas,  do  Desembargo  do  Prin- 
cepe  D.  Pedro,  nosso  Senhor,  Governador,  6'  legitimo  Successor  do 
Rejno  de  Portugal,  na  interdição  del-rei  D.  Afonso  VI,  tem  sido  até 
hoje  um  desconhecido  para  toda  a  gente.  Sabia-se  apenas  que  figu- 
rava como  autor  do  poema  .1  Destruiçam  de  Espanha.  ;  Qual  a  sua 
família  e  naturalidade,  as  suas  carreiras  académica  e  judicial  .'  Nada 
se  sabia. 

O  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias  apenas  diz  a  tal  respeito  que 
êle  —  ,  pelo  apelido  e  vizinhança  da  sua  naturalidade,  parece  apa- 
rentado dos  Mascarenhas,  de  Ai'ó  •.  Mas  i  qual  era  a  sua  naturali- 
dade ? 

Inocêncio  Francisco  da  Silva  escreveu  a  respeito  deste  publicista  : 
—  Doutor  em  Leis  pela  Universidade  de  Coimbra,  Desembargador 
da  Relação  do  Porto,  de  que  tomou  posse  a  20  d' Agosto  de  i6y3.  — 
Consta  que/ora  natural  de  um  logar  da  Beira  alta,  nos  limites  do 
bispado  de  Lamego;  —  e  mais  adeante,  referindo-se  aos  furtos  por 
êle  feitos  à  obra  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  acrescenta  —  que  pa- 


'  O  poeta  Garcia,  pág.  64. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  35 g 

rece  seria  até  seu  próximo  parente,  a  julgarmos  pela  identidade  dos 
appellidos  e  proximidade  das  pátrias  d'ambos  *. 

Antes  destes,  Barbosa  Machado  referiu  que  André  da  Silva  Masca- 
renhas foi  —  natural  de  hum  lugar  da  Beira  entre  os  limites  do  Bis- 
pado de  Lamego,  Doutor  na  faculdade  de  Direito  Cesáreo  ^.  —  Eis  a 
fonte  onde  todos  foram  beber.  De  um  modo  vago,  Barbosa  Machado 
disse  que  ele  era  do  bispado  de  Lamego.  Não  foi  preciso  mais  :  era 
da  província  da  Beira,  usava  o  apelido  de  Mascarenhas,  logo,  inferi- 
ram os  outros,  deverá  ser  parente  do  poeta. 

A  averiguação  precisa  e  séria  destes  dois  pontos  — naturalidade  e 
suposto  parentesco  —  tem  muito  interesse  para  se  vêr  como  é  que 
André  da  Silva  conseguiu  apropriar-se  de  um  exemplar  do  Viriato 
Trágico,  poema  cuja  existência  era  conhecida  apenas  de  uma  roda 
muito  restrita  de  amigos  do  poeta,  e  de  que  pouquíssimas  cópias  se 
tiraram,  talvez  somente  aquela  que  pelo  desembargador  foi  aprovei- 
tada. Este  viveu  na  persuasão  de  que  nenhum  outro  exemplar  sub- 
sistia; aliás  não  se  atreveria  a  trazer  à  publicidade  com  o  seu  nome 
de  autor  á  frente,  um  poema,  que  em  grande  parte  não  passava  de 
obra  alheia.  Era  preciso  que  estivesse  bem  seguro  de  não  poder  ser 
desmascarado;  que  supusesse  com  sério  fundamento  hão  existir  outro 
exemplar  àlêm  do  seu. 

Se  êle  pertencia  realmente  a  família,  compreende-se  que  obtivesse 
por  empréstimo  da  mulher  do  poeta,  ou,  mais  verosimilmente,  do 
irmão  Dr.  Manuel  Garcia,  o  próprio  autógrafo,  que  o  conservasse 
em  seu  poder  algum  tempo,  até  morrer  quem  lho  emprestara,  e  mais 
tarde,  seguro  de  que  já  lho  não  exigiam,  e  supondo  de  todo  o  ponto 
inverosímil  que  alguém  o  tivesse  copiado,  realizasse  então  o  latrocínio 
e  a  publicação,  persuadido  de  que  não  poderia  jamais  ser  descoberto. 

A  hipótese  porem  cai  pela  base.  Arquitectou-se  este  castelo  de 
cartas,  que  um  sopro  faz  vir  abaixo.  André  da  Silva  nem  era  da 
Beira,  nem  tinha  parentesco  algum  com  os  Garcias  Mascarenhas  ; 
também  não  pode  ser  contado  entre  os  doutores  em  leis  pela  Univer- 
sidade de  Coimbra.     Tudo  pura  fantasia  dos  biógrafos. 

Vejamos  o  que  consegui  averiguar. 

Fazendo  parte  da  magistratura  judicial,  André  da  Silva  tinha, 
sem  dúvida,  um  curso  universitário  jurídico,  probabilissimamente  na 


'  DiccioiíLirio  bibliographico  portugue:^. 
^  Bibliotheca  lusilana. 


36o  ^rás  Garcia  ^Mascarenhas 

Universidade  de  Coimbra,  como  refere  Inocêncio  da  Silva.  Foi 
para  aqui  que  dirigi  as  minhas  primeiras  investigações. 

Rebusquei  no  Arquivo  desta  Universidade  os  termos  de  Matrículas 
nos  cursos  de  Institiita.  comuns  às  duas  faculdades  jurídicas,  e  nos 
de  Cânones  e  de  Leis,  e  bem  assim  os  assentos  de  Provas  de  curso 
e  os  de  Autos  e  graus,  retrogradando  de  i665  para  trás.  Entre  os 
estudantes  que  frequentaram  as  faculdades  de  Cânones  e  de  Leis  e 
que  nelas  fizeram  actos  e  se  graduaram  nos  48  anos  decorridos  de 
1(322  a  i665,  não  encontrei  nenhum  André  da  Silva  Mascarenhas, 
nem  André  Mascarenhas ;  mas  achei  um  único  André  da  Silva. 
l  Seria  este  ? 

Reparei  no  nome  do  pai,  constante  dos  termos  de  matricula:  não 
usava  nem  o  apelido  Silva,  nem  Mascarenhas,  pois  se  chamava  muito 
chãmente  Manuel  P^ernandes  Camarena.    Percorri  os  livros  de  Provas 


Assento  de  malriculd  de  André  da  Silva  na  faculdade  de  Leí>,  a  i3  out.  1(340  *. 

de  curso  respeitantes  ao  período  em  que  este  André  da  Silva  foi 
aluno  da  Universidade;  só  ali  é  que,  por  acaso,  poderia  aparecer 
a  sua  assinatura,  como  testemunha  abonatória  da  frequência  de  algum 
condiscípulo.  Esta  indagação  deu  resultados  completos  para  a  iden- 
tificação. Encontrei  três  assinaturas  suas:  a  i.*  diz  simplesmente 
André  da  Silua-;  a  2."  e  3.*  estampam  um  segundo  apelido  —  André 
da  Silua  M\q^^  abreviatura  bem  conhecida  de  Mascarenhas. 

Encontrara  pois  o  nosso  homem  a  frequentar  a  Universidade ;  e 
de  todos  os  termos  que  dele  rezam,  com  excepção  de  um,  consta 
qual  a  sua  naturalidade :  era  de  Lisboa.  Andam  por  tanto  erradas 
as  notícias  transmitidas  por  Barbosa  Machado,  Inocêncio  da  Silva  e 
Sanches  de  Frias. 

Apurei  o  curriculum  uitac  academicae  do  autor  do  furto  literário 
a  Brás  Garcia. 

Frequentou  o  primeiro  curso  de  Artes  no  convento  de  S.  Domin- 


1  kM.  — Matriculas,  vol.  8,  1.  G  fl.  38  v.°. 
'  Provas  de  curso,  vol.  21,  1.  i,  fi.  i5  v.". 
3  Ibid.,  1.  2,  fl.  i5  e  H.  3i  v.". 


Cap.  IX — Factos  póstumos  36i 

gos  em  Lisboa  *,  e  depois  apresentou-se  na  Universidade  de  Coimbra 
em  outubro  de  1634,  a  fazer  a  sua  primeira  matrícula,  com  certidão 
de  suficiência  nos  conhecimentos  preparatórios,  datada  de  14  do 
mesmo  mês  ^.  Neste  ano 
lectivo  de  i634-35  frequen' 
tou  as    quatro  cadeiras  de  4 

Instituta^;  em  1 635-36  cur-   (  '/^9,,'n^^Lc^ 
sou  seis  cadeiras  de  Leis  *; 
em   i636-37   seis  de  Câno- 
nes^;   em    1637-38   quatro  .   .         ^    »  ^  .  j   c,     „         ,     • 

'  '  '  Assinatura  de  André  da  Silva  Mascarenhas  ■. 

de  Leis^;  em  i638-39  ma- 

triculou-se  em  Leis  a  16  de  outubro*,  não  ficando  registo  da  sua 
prova  de  curso,  entretanto  a  17  de  maio  deste  ano  fez  o  seu  acto 
de  bacharel  e  recebeu  o  grau  em  Leis''*;  em  1639-1640  frequentou 
duas  cadeiras  de  Cânones*'';  em  1640-41  duas  de  Cânones**,  e 
concluiu  pelo  respectivo  acto,  a  27  de  maio,  a  sua  formatura  na  fa- 
culdade de  Leis  **.  Saiu  pois  de  Coimbra  em  maio  de  1641,  levando 
as  suas  cartas  de  bacharel  formado,  e  não  mais  voltou  à  Universidade 
como  candidato  aos  graus  superiores. 


Assim  caiu  por  terra  quanto  se  tinha  dito  e  escrito  para  explicar 
o  facto  de  ter  ido  parar  às  mãos  deste  Mascarenhas  de  contrabando 
o  manuscrito  do  poema  composto  pelo  outro  Mascarenhas,  esse 
autêntico.     Nem  eram  da  mesma  região,  nem  tinham  laços  de  paren- 


•  Obteve  depois  uma  provisão  régia,  mandando  levar  em  conta  este  curso,  a 
qual  foi  apresentada  na  secretaria  da  Universidade  no  ano  lectivo  de  i636-37,  onde 
ficou  registada.  — A.U.  —  Provas  de  curso,  vol.  22,  1.  i,  fl.  ty. 

2  Matriculas,  voi.  7,  1.  5,  fl.  42  v.". 

'  Provas  de  curso,  vol.  21,  1.  1,  fl.  i5  v.°. 

•  Matriculas,  vol.  8,  1.  1,  fl.  33  ;  —  Provas  de  curso,  vol.  21,  1.  2,  fl.  14  v.». 
^  Matriculas,  vol.  8,  1.  2,  fl.  19  v.°;  —  Provas  de  curso,  vol.  22,  1.  1.  fl.  i5. 
'•  Matriculas,  vol.  8,  1.  3,  fl.  3j;  —  Provas  de  curso,  vol.  22,  I.  2,  fl.  i5. 

"  Provas  de  curso,  vol.  21,  1.  2,  fl.  52  v.". 

'  Matriculas,  vol.  8,  1.  4,  fl.  Sg  v.°. 

'  Autos  e  graus,  vol.  3i,  1.  3,  fl.  69  v.°. 

'"  Matriculas,  vol.  8,  1.  5,  fl.  39  v.»;  —  Provas  de  curso,  vol.  23,  I.  2,  fl.  10  v.». 

"  Matriculas,  vol.  8,  1.  6.  fl.  38  v.";  —  Provas  de  curso,  vol.  24,  1.  1,  fl.  7  v.«. 

'2  Autos  e  graus,  vol.  32,  1.  2,  fl.  76  v.°. 


302  'Brás  Garcia  Mascarenhas 

tesco,  nem,  provavelmente,  se  conheciam.  Havia  um  fortuito  en- 
contro do  mesmo  apelido  nos  dois,  mas  Brás  usava-o  jure  hereditá- 
rio, enquanto  que  em  André  o  Mascarenhas  não  passava  de  um 
anagrama,  de  ares  afidalgados,  do  Camarena,  plebeíssimo  apelido 
(se  não  era  alcunha)  do  pai.  Dando  outra  disposição  às  letras,  e 
introduzindo  dois  ss,  que  lá  não  existiam,  arranjou  para  si  o  apelido 
Mascarenas  ou  Mascarenhas,  de  famílias  nobres  de  Portugal  e  Es- 
panha. Vê-se  que  desde  novo  o  acompanhou  a  mania  de  cobiçar 
nobreza  que  não  tinha,  e  de  se  apropriar  do  que  não  era  seu;  de 
eugenetómano  passou  a  cleptómano. 

l  Como  poude  êle  então  obter  o  manuscrito  do  Viriato  Trágico, 
não  tendo  laços  alguns,  nem  de  família,  nem  de  província  com  os 
Garcias  Mascarenhas  de  Avô,  para  quem  era  um  estranho,  um  des- 
conhecido ? 

As  investigações  ainda  não  estavam  concluídas.  Talvez  o  curri- 
culum uitae  iudiciariae  do  nosso  desembargador  fornecesse  algum 
elemento  para  a  solução  do  problema. 

F^screvi  ao  meu  bom  e  velho  amigo  sr.  Pedro  de  Azevedo,  i."  con- 
servador da  Torre  do  Tombo,  a  pedir-lhe  noticias,  e  em  breve  recebi 
da  sua  incansável  amabilidade  esclarecimentos  preciosos,  acompa- 
nhados de  cópias  diplomáticas  de  vários  registos  das  Chancelarias  de 
D.  João  IV  e  D.  Afonso  VI. 

O  licenciado  '  André  da  Silva  Mascarenhas,  depois  de  ter  servido 
o  cargo  de  juiz-de-fora  na  vila  de  Chaves,  e  em  seguida  o  de  corre- 
gedor da  comarca  da  cidade  de  Miranda  ^,  foi  nomeado  por  diploma 
régio  de  17  de  novembro  de  lõSg  para  o  logar  de  corregedor  da 
cidade  da  Guarda,  por  tempo  de  três  anos  ^.  Mais  tarde  foi  provedor 
da  comarca  e  vila  de  Santarém*;  em  1671  já  êle  se  decorava,  no 
frontispício  do  seu  livro,  com  o  título  de  desembargador;  no  ano  de 
1673  foi  provido  em  um  logar  de  desembargador  extravagante  da 
relação  e  casa  do  Porto  ^;  finalmente  em  1694  passou  ao  de  desem- 
bargador dos  agravos  da  mesma  casa  *. 


'  Era  o  tratamento  que  geralmente  se  dava  naquela  época  aos  bacharéis  for- 
mados. 

2  Chancelaria  de  D.  João  JV,  1.  22,  fl.  i63. 

'  Chancelaria  de  D.  A/onso  VI,  1.  21,  fl.  92. 

♦  Ibid.,  1.  37,  fl    "37, 

^  Ibid. 

6  Ibid.,  I.  46,  fl.  i3o  V.». 


Cap.  IX — Factos  póstumos  363 

Ora,  durante  a  sua  estada  de  três  anos  na  Guarda,  era  bem  pos- 
sível que  lhe  chegasse  às  mãos  o  ]'iriato  Trágico.  Brás  Garcia, 
apenas  terminado  o  seu  poema,  naturalmente  enviaria  uma  cópia  a 
qualquer  dos  generais  ou  oficiais,  seus  amigos  e  admiradores,  que 
militavam  na  fronteira,  com  o  qual  mantivesse  correspondência  afec- 
tuosa; e  esse  exemplar,  por  uma  série  de  circunstâncias  fortuitas, 
poderia,  decorridos  anos,  ir  parar  às  mãos  do  corregedor  da  Guarda. 
E  perfeitamente  verosímil  esta  hipótese. 

Apresenta-se-me  porem  uma  outra,  do  mesmo  modo  verosimil,  e 
talvez  mais  provável  ainda. 

André  da  Silva  Mascarenhas  tinha  um  irmão,  militar  aguerrrido, 
e  patriota  cheio  de  serviços,  que  se  chamava  Manuel  da  Silva  Boto. 
Em  1641  a  conspiração  contra  D.  João  IV,  em  que  se  acharam  im- 
plicados alguns  fidalgos  da  primeira  nobreza,  foi  descoberta  e  denun- 
ciada por  um  Manuel  da  Silva  Mascarenhas.  ;  Haverá  entre  eles 
alguma  relação  ?     Ignoro-o. 

Manuel  da  Silva  Boto  residia  na  vila  de  Moimenta  da  Beira,  bis- 
pado de  Lamego,  onde  era  capitão-mór  havia  muitos  anos  ',  e  onde 
tinha  gente  miliciana  sempre  equipada  e  pronta  a  combater  à  pri- 
meira voz.  Todas  as  vezes  que  se  dava  alguma  invasão  castelhana 
nos  territórios  de  Riba-Côa,  ou  que  ali  se  realizava  qualquer  operação 
militar  ofensiva  ou  defensiva,  êle,  ao  mais  leve  rebate,  ao  mais 
simples  aviso,  reunia  logo  a  gente  do  seu  distrito  armada,  corria  a 
Pinhel,  juntava-se  com  a  tropa  paga  que  guarnecia  esta  praça,  e  dali 
ia  combater  com  denodo  o  inimigo,  entrando  várias  vezes  por  terras 
de  Espanha.  Assim  é  que  tomou  parte  activa  nos  sucessos  de  Aldeã 
do  Bispo,  castello  da  Guarda  e  outros  muitos  de  incêndios  de  villas 
e  lugares  de  Castella,  sendo  dos  que  milhor  Ji~erão  sua  obrigação  e, 
também  não  faltou  no  incêndio  da  villa  de  Albergaria  -. 

Tudo  isto  foi  alegado  e  provado  por  seu  irmão  o  licenciado  André 
da  Silva  Mascarenhas.  Em  virtude  disso  foi  concedida  ao  dito  Ma- 
nuel da  Silva,  por  diploma  de  28  de  abril  de  167 1,  em  satisfação 
de  tudo,  uma  renda  de  20^000  reis,  assinados  no  almoxarifado  da 
Guarda  ^. 

Deve  notar-se  que  Aldea-del-Obispo  foi  tomada  e  queimada  por 
D.  Sancho  Manuel  em  1642;  o  assalto,  saque  e  incêndio  na  vila  de 
Albergaria,  sem  se  conseguir  tomar  o  castelo,  realizou-se  sob   o  co- 


'  Daqui  resultou  o  atribuir-se  esta  naturalidade  ao  irmão 
'  Chancelaria  de  D.  Afonso  V,  1.  43,  fl.  179  v.'  — '  Ibid. 


304  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

mando  de  D.  Álvaro  de  Abranches  a  3o  de  agosto  de  1643,  tendo 
nesta  empresa  parte  importante  a  tropa  auxiliar,  entre  a  qual  a  de 
Moimenta,  que  foi  retida  perto  de  vinte  dias  em  Alfaiates  pelo  general, 
imaginando  viria  o  inimigo  tomar  satisfação  da  queima  de  Altter- 
garia  *. 

Militaram  pois  na  mesma  região  e  serviram  com  dedicação  e  pa- 
triotismo a  causa  da  pátria,  combatendo  por  ela  na  mesma  fronteira 
e  pela  mesma  época,  os  dois  capitães,  Brás  Garcia  e  Manuel  da 
Silva.  E  pois  bem  natural  que  tivessem  travado  relações  de  bôa 
amizade,  e  nada  inverosímil  que  o  poeta  brindasse  o  capitão-mór 
com  uma  cópia  do  Viriato  Trágico,  se  porventura  este  fosse  um 
intelectual,  e  nada  nos  diz  que  o  não  era.  i  Seria  da  mão  de  seu 
irmão  que  André  da  Silva  recebeu  o  exemplar  do  poema  ?  E  pos- 
sível. 

Fosse  porém  como  fosse,  o  que  é  certo  é  que  o  manuscrito  caiu 
em  poder  do  juiz,  e  que  este,  sabendo  que  o  autor  era  já  falecido,  e 
supondo  que  ninguém  mais  conhecia  o  poema,  persuadido  leviana- 
mente de  que  o  poeta  não  deixara  outro  exemplar,  entendeu  que 
podia  aproveitar  dele  tudo  aquilo  que  lhe  conviesse,  e  apresentar, 
como  obra  sua,  bôa  parte  dele,  sem  perigo  de  jamais  ser  descoberto 
o  latrocínio. 

|j  E  seria  de  entre  os  manuscritos  de  Brás  Garcia,  somente  o  Vi- 
riato Trágico,  que  chegou  às  mãos  do  desembargador  ?  ,;  Não  iria 
junta  cópia  do  Tomo  de  Saneias  &  Remanses  vários,  ou  dos  versos 
em  que  celebrou  a  festa  das  40  horas,  ou  finalmente  das  Comedias  cÕ 
que  festejou  muytos  Santos?  Levantaram-se  no  meu  espírito  algumas 
suspeitas  ao  reler  a  declaração  com  que  André  da  Silva  remata  o 
prefácio  de  A  Destruiçam  de  Espanh  x  nos  termos  seguintes: — «Outra 
mais  alta  historia,  que  a  da  Destruição  de  Espanha  tenho  eu  proposto 
de  compor  dos  milagres,  que  em  húa  Lapa  obrou  aquella  soberana 
Princesa,  que  em  outra  Lapa  nos  deu  o  Rey  do  Ceo,  &  da  Terra ; 
mas  como  esta  divina  Historia  procedeu  da  Destruição  de  Espanha, 
foi  conveniente  primeiro  tratar  da  dita  Destruição:  que  sendo  aceita 
(como  confio)  em  breve  com  o  favor  de  Deos,  darei  satisfação  ao  que 
nesta  prometo».  —  Certamente  que  entre  as  poesias  sacras  de  Brás 
haveria  muitas  tendo  por  objecto  as  excelências  e  milagres  da  Virgem 
santíssima. 

Estava  o  desembargador  tão  cônscio  do  excelso  merecimento  das 


'  Sttccessos  militares,  fl.  172. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  365 

poesias  religiosas  que  tencionava  publicar,  e  que  haviam  de  dar 
grande  brado  no  mundo  literário  e  fa^er  espanto  a  todo  o  universo, 
que  não  duvida  coroar  o  seu  poema  heróico,  estampando-lhe  as  se- 
guintes duas  estâncias  finais,  dirigidas  ao  príncipe  regente: 

Por  Tymbre  as  Armas  tendes  do  divino 
Capitão,  que  por  nós  morreo  na  Cruz, 
Que  Rey  pode  no  mundo  aver  tão  dino, 
Que  na  stemma  logre  as  chagas  de  Jesus: 
Com  tal  escudo  mais  que  adamantino. 
Mandado  pello  Rey  da  eterna  luz. 
Podeis  bem  segurar  vossa  clemência, 
Que  armas  de  Deos  naõ  sofrem  resistência. 

Nas  armas  de  Jesus,  &  vossas,  paraõ, 

Alto  senhor  meus  versos  numerosos; 

Em  quanto  as  Mundas  outros  me  preparaõ, 

Para  vossos  louvores  gloriosos: 

Se  Apolo,  &  as  nove  Irmaãs  me  não  reparaõ 

Nas  audácias  de  feitos  tão  famosos, 

Ei  de  formar  de  vós  taõ  raro  canto. 

Que  a  todo  o  universo  faça  espanto  '. 

Prometia  cantar  os  louvores  gloriosos  do  príncipe,  que  no  escudo 
tinha  as  próprias  armas  de  Jesus,  Deus  e  Rey  da  eterna  lii\;  ma* 
Brás  já  tinha  cantado  as  grandezas  d  o  Monarcha  da  celeste  glória, 
quando  anualmente  em  sua  honra  juntava  nos  valles  de  Avô  cortes 
bellas,  nas  quais  sua  divina  Majestade  assistia  quarenta  horas,  cer- 
cado de 

applausos  grandiosos. 

Que  inda  estão  repetindo  eccos  saudosos  * 

l  Estaria  André  da  Silva  de  posse  taníbêni  duma  cópia  do  caderno 
dos  persas  com  que  o  poeta  avoense  celebrou  a  festa  das  40  horas,  e 
tencionaria  aproveitá-los  também  para  a  projectada  publicação  ?  Que 
andava  entusiasmado  com  a  excelência  das  espécies  poéticas  de  ca- 
rácter religioso,  que  possuía  armazenadas  para  um  dia,  em  momento 
oportuno,  com  elas  causar  o  espanto  do  universo,  não  resta  diivida. 
,1  Seriam  elas  de  lavra  própria  ou  alheia  ? 

Isto  não  passa  de  uma  suspeita,   infundada  talvez;   é  entretanto 


1  A  Destr.  de  Esp.  ix,  62-63. 
»  V.  T.  XV,  63. 


366 


'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 


bem  certo  o  anexim  popular:  —  Cesteiro  que  fa^  um  cesto,  também 
fa\  um  cento ;  o  caso  é  ter  madeira  e  tempo  *. 


^ 


Felizmente,  na  casa  dos  Garcias  Mascarenhas,  de  Avô,  ainda  con- 
tinuavam a  esse  tempo  guardados  os  copiosos  cadernos  e  tomos  de 
poesias  de  Brás,  avultando  entre  eles  os  volumes  que  continham  o 
]'iriato  Trágico  e  as  Ausências  Brasilicas.  Nos  fins  do  século  xvii 
foram  esses  manuscritos  lidos  e  saboreados  por  Bento  Madeira  de 
Castro,  que  em  1699  afirmava:  —  que  ainda  existem  pêra  credito  de 
seu  engenho ;  —  que  de  sua  letra  hoje  existem,  dignos  de  áureos  Ca- 
racteres, —  desses  copiosos  cadernos,  que  durão ;  —  Finalmente  este 
Tomo  de  Viriato  como  morgado  de  sua  affeyção,  tendo-o  composto 
quando  militava,  o  pretendia  dar  à  estampa,  &  purificar,  se  a  morte 
lhe  não  atalhasse  os  intentos,  que  agora  em  parte  logramos  na  publi- 
cação deste  seu  volume  -. 

Não  era  pois  único  o  exemplar  do  Viriato  Trágico,  aproveitado 
por  André  da  Silva  Mascarenhas.  Havia  outro,  o  que  Brás  deixara 
em  sua  casa,  e  que  foi  aproveitado  e  editado  pelo  referido  Bento 
Madeira  de  Castro,  a  quem  se  deve  o  altíssimo  serviço  de  evitar 
que  desaparecesse  integralmente  a  obra  poética  do  nosso  biografado. 

l  Quem  era  este  benemérito  das  letras  pátrias  ?    Um  rico  morgado 

da   região,  senhor  de  importantes   vínculos  herdados  de  seus   pais, 

bisneto  de  Gaspar  Dias  da  Costa  avô  da  mulher  de  Brás  Garcia;  era 

portanto  segundo  primo  de  D.  Quitéria  Garcia,  como  se  pode  vêr  no 

seguinte  esquema : 

Gaspar  Dias  da  Costa 
c.  c.  Susana  Manuel 


D.  Maria  Madeira  da  Costa  c. 
c.  João  Manuel  da  Fonseca 


António  Madeira  da  Costa  c. 
c.  D.  Maria  de  Brito  Barreto 


D.  Maria  da  Costa  Fonseca  c. 
c.  Brás  Garcia  Mascarenhas 

D.  Quitéria  G.'  Mascarenhas 


Manuel  de  Brito  Barreto  c.  c. 
D.  C.na  Bg.'  de  C.ro  e  Abreu 

Bento  Madeira  de  Castro 


1  É  esta  a  forma  que  tem  na  Beira-alta,  referente  ao  material  de  que  ali  se 
fazem  os  cestos  —  madeira  de  castanho,  devidamente  preparada  em  tiras  delgadas 
como  correias.    Noutras  partes  o  anexim  fala  de  verga  e  tempo. 

í  Doe.  CXII. 


Cap.  IX — Factos  póstumos  36^ 

Correspondeu  realmente  a  um  grande  serviço  a  publicação  do 
Viriato  Trágico.  Infelizmente  porém  a  edição  saiu  muito  imperfeita 
e  errada  •. 

O  poeta  ainda  não  tinha  dado  por  detinitivamente  pronto  e  devi- 
damente limado  o  seu  poema;  trabalhava  em  o  purijicar,  quando  a 
morte  o  surpreendeu.  Mas  são  nele  frequentes  os  erros  de  linguagem 
e  de  métrica,  as  passagens  obscuras  ou  sem  sentido,  que  não  pode 
admitir-se  haverem  saído  assim  da  pena  do  escritor,  ainda  mesmo  na 
sua  primitiva  redacção, 

Sabemos,  por  Bento  Madeira  no-lo  dizer,  que  os  cadernos  poéticos 
do  seu  parente  por  afinidade  eram  autógrafos ;  autógrafo  devia  ser 
pois  o  original  do  Viriato,  lido  e  relido  muitas  vezes  pelo  autor,  que 
corrigiria  logo  á  primeira  leitura  qualquer  lapsus  calanii  que  tivesse 
escapado.  Não  é  portanto  admissível  que  esses  erros  da  edição  do 
Viriato  Trágico  sejam  devidos  á  ignorância  ou  descuido  do  escre- 
vente. 

São  resultantes  sim,  já  de  equívocos  de  leitura  do  tipógrafo,  que 
mal  entenderia  a  letra,  aliás  suficientemente  clara,  do  poeta,  já  de 
lapsos  tipográficos  ou  erros  de  caixa  cometidos  no  acto  da  composi- 
ção. Todos  eles  se  corrigiriam,  se  houvesse  uma  boa  e  acurada 
revisão  de  provas,  conferindo-as  com  o  original  e  emendando  as  gra- 
lhas existentes.  Mas  Bento  Madeira  de  Castro  não  reviu,  nem  para 
isso  teria  a  indispensável  competência  técnica.  Mandou  para  Coim- 
bra o  manuscrito,  que  foi  entregue  na  oficina  tipográfica  de  António 
Simões,  privilegiado  da  Universidade.  Ali  se  compôs  e  imprimiu  o 
•poema,  entregando-se  depois  os  exemplares  do  livro  já  estampado, 
com  o  recheio  de  erros  que  o  conspurcam.  Do  manuscrito  original 
não  torna  a  aparecer  notícia.  "^ 

De  muitos  versos  errados  é  fácil  reconstituir  o  texto,  sem  hesita- 
ções e  sem  receio,  pois  através  da  lição  viciada  transparece  clara- 
mente o  que  o  poeta  escrevera.  Sirva  de  exemplo  o  seguinte  facto. 
No  canto  xv  descreve  Brás  a  revolução  restauradora  de  1640  triun- 
fante em  Lisboa,  e  a  aclamação  do  duque  de  Bragança,  repetida  de 


'  Publicamos  na  página  seguinte  uma  reprodução  do  frontispício  desta  pri- 
meira edição. 


VIRIATO 

TRÁGICO 

E  M 
POEMA     HERÓICO 

•      .•  ESCRITO  TOR 

BRÁS    GARCIA  MASCARENHAS 

natural  da  f^illa  de  Avo  na  Premiada  da  Bejra,  (^ 

Governador,  que  foy  da  Praça  de^/^lfajates 

na  mefma  Provinda. 

OBRA     POSTHUMA. 

OFFERECIDA  AO  SERENÍSSIMO  PRÍNCIPE 

DOM    lOAM 

QUE  DEOS  GUARDE. 

BENTO  MADEYRA  DE  CASTRO 

Cavaleyro  Profeíío  da  Ordem  de  Chrifto. 

<§|»  «||(><í|^  «1^  ^^|o  ^|9-4|o  (41»  «H»  «lio.  «||o.«|§o  fo 

EM  COIMBRA,  Com asUcen^as necejfdrias. 

NaOfficinade  A  N  TON  lO^SIMOENS  ImpreíTordaUni- 

verfidade  Anno  deM.DC.LXXXXlX. 


(Reprodução,  um  pouco  reduzida,  do  frontispício  da  i.'  edição  do  poetní). 


Cap.  IX  —  Fados  póstumos  36 g 

terra  em  terra,  de  fortaleza  em  fortaleza,  por  todo  Portugal,  de  forma 

que 

Em  todas  as  mais  Praças  Portuguesas, 
Foy  com  pressa  tão  celebre  acclamado, 
Que  em  dez  dias  não  fica  ao  que  bravea 
Palmo  de  terra,  nem  de  muro  amea  '. 

Conta  a  saída  rápida  de  todos  os  espanhóis  do  solo  portu- 
guês, e  o  amor,  a  quase  adoração,  que  os  nacionais  tributam  a 
D.  João  IV.  A  narrativa  conclue  com  estas  duas  estâncias,  em  que 
refere  como  foi  a  bôa-nova  recebida  nas  nossas  possessões : 

Nas  mais  partes  do  Império  dilatado 
Por  ultra  mar  aonde  a  nova  soa, 
Hè  logo  Rey  legitimo  acclamado, 
Sem  discrepar  a  voz  de  húa  pessoa : 
Porque  o  propinquo,  ou  longínquo  Estadb 
Observa  sempre  a  grimpa  de  Lisboa  ; 
Mas  que  os  ventos  lhe  dem  de  vários  modos, 
Pêra  donde  ella  vira,  viram  todos. 

Só  a  Terceyra  pessoa,  força  de  grã  nome, 
Depois  de  largo  cerco  foy  tomada 
Ao  contrario,  que  a  vio  a  pura  fome, 
Inda  que  inexpugnável,  espugnada. 
Se  há  força,  que  por  força  se  não  tome, 
Por  fome  a  mais  difficil  hè  tomada. 
Esta,  que  de  grã  fama  o  mundo  enchia, 
Oppiimida  se  vio  dos  que  opprimia  2. 

O  primeiro  verso  desta  segunda  estância,  não  só  é  horrorosamente 
hipermétrico,  mas  não  faz  sentido.  Temos  aqui  erro  graúdo.  Não 
haverá  porem  indivíduo  tão  pouco  atilado,  que  não  veja  logo  à  pri- 
meira vista  que  o  tipógrafo,  ao  compor,  fez  a  intercalação  absurda  da 
palavra  — pessoa  —  lembrando-se  talvez  da  terceira  pessoa  da  Santís- 
sima Trindade ;  eliminado  este  vocábulo,  fica  o  texto  com  a  pureza 
nativa  que  lhe  deu  o  poeta,  ao  descrever  a  rebeldia  da  ilha  Tercej-ra, 
que  só  pela  força  das  armas,  e  depois  de  largo  cerco,  foy  tomada  ao 
contrario. 

Como  este,  outros  muitos  versos  há  no  poema,  errados  na  gra- 
mática, no  sentido,  ou  na  métrica,  que  facilmente  se  restauram ;  mas 
j  quantos  não  se  lêem  por  todo  o  poema  que,  reconhecidos  como 


«  t^.  T.  XV,  96.  — «  F.  r.  XV,  99-100. 


3']  o  Brás  Garcia  <£Mascarenhas 

deturpados  na  composição  tipográfica,  não  podem  emendar-se  sem 
grave  risco  de  se  adulterar  por  nova  forma  o  que  o  poeta  escrevera ! 
Tenho-me  abstido  quanto  possível,  sistematicamente,  de  transcrever 
estes  versos;  quando  porém  a  isto  tenho  sido  forçado,  por  conterem 
notas  auto-biográficas  interessantes,  uso  sempre  a  cautela  de,  ao 
propor  qualquer  emenda  hipotética,  a  indicar  como  tal,  pois  pode  não 
corresponder  ao  manuscrito  do  autor. 

Segunda  edição  do  Viriato  Trágico  saiu  em  1846,  dirigida  e  cus- 
teada pelo  Dr.  Albino  de  Abranches  Freire  de  Figueiredo.  Também 
foi  um  bom  serviço  prestado  por  este  benemérito  beirão,  natural  de 
Côja:  concorreu  para  se  divulgar  o  poema,  que  era  ainda  pouco 
conhecido,  pela  gi'ande  raridade  dos  exemplares  da  i.*  edição.  Mas, 
infelizmente,  o'Dr.  Albino  de  Figueiredo  não  cuidou  de  fazer  uma 
edição  crítica,  nem  sequer  de  procurar  restaurar  o  texto,  até  onde  é 
realizável  com  segurança  esta  operação;  na  2.*  edição  aparecem,  em 
regra,  os  mesmos  erros  da  i.*,  aumentados  com  algumas  novas  gra- 
lhas tipográficas.  Houve  porém  a  infeliz  idea  de  lhe  moderniiar  a 
ortografia,  e  assim  aparece  o  texto  bem  mais  viciado  a  este  respeito 
do  que  na  editio  princeps. 

Jus  a  grande  reconhecimento  alcançará  quem,  dispondo  de  com- 
petência, cuidado  e  amor,  tomar  sobre  si  a  empresa,  que  demanda 
largo  folgo,  de  produzir  3.*  edição,  esta  crítica,  da  qual  resulte,  até 
onde  puder  ser,  o  restabelecimento  do  texto  na  sua  forma  primitiva. 
Quem  a  tal  se  abalançar,  tem  de  proceder  previamente  a  um  estudo 
confrontado  do  poema  Destrinçam  de  Espanha  com  o  Viriato  Trá- 
gico, pois  estou  convencido  de  que  algumas  das  lições  variantes  que 
encontramos  nos  versos  furtados  por  André  da  Silva,  serão  apro- 
veitáveis para  corrigir  deturpações,  que  o  tipógrafo  introduziu 
nos  versos  de  Brás.  É  muito  delicado  e  melindroso  esse  trabalho, 
que  se  impõe,  de  uma  edição  crítica;  mas  não  é  isso  razão  para 
que  o  não  tente  alguém,  que  por  suas  superiores  qualidades  esteja 
em  condições  de  o  fazer. 


Voltemos  a  Avô,  e  vejamos  o  que  entretanto  sucedia  em  casa  doS 
Garcias  Mascarenhas. 


Cap.  IX — Fados  póstumos  3ji 

A  18  de  agosto  de  1686,  coni  39  anos  de  idade  e  9  de  casado, 
falecia  Manuel  Garcia  *,  deixando  viuva  D.  Quitéria.  Decorridas 
pouco  mais  de  duas  semanas,  morrem  no  mesmo  dia,  a  1 1  de  se- 
tembro, as  duas  únicas  irmãs  do  poeta  que  restavam  ^,  causando  sen- 
sação na  vila  as  duas  urnas  funerárias,  levadas  uma  junto  da  outra 
no  saimento  para  a  igreja,  e  nesta  colocadas  a  par  sobre  a  essa  du- 
rante as  exéquias.  Quatro  anos  depois  expira  D.  Quitéria  Garcia, 
a  i3  de  abril  de  i6go^,  deixando  os  quatro  órfãos  todos  menores:  — 
José,  Manuel,  Brás  e  Maria  '.     Ignoro  quem  foi  o  tutor  deles. 

Em  1Õ97  casou  o  primogénito  José  da  Costa  Mascarenhas  com 
D.   Joana    Gomes   de   Mi- 
randa, irmã  do  vigário  de 
Avô,  Luís  Velho  de  Miran- 
da, e  filha  do  capitão  de  Mi- 

'  Assinatura  de  José  da  Costa  Mascarenhas  ■. 

randa  do  Corvo,  João  Ve- 
lho de  Miranda  •*.     Contava  ela  3b  anos  e  meio,  êle  cerca  de  21. 

O  mais  novo  dos  rapazes,  o  Brás,  ao  atingir  a  maioridade  dos 
21,  passou  para  a  companhia  de  um  tio  materno  de  sua  mãe,  o  padre 
Matias  Quaresma  da  Fonseca,  licenciado  na  faculdade  de  Cânones,  o 

Assinatura  do  licenciado  Matias  Quaresma  da  Fcnseca'. 


último  dos  filhos  de  D.  Maria  Madeira  da  Costa  *.  Tinha  sido  reitor 
da  igreja  de  S.  Paio  de  Fão  até  1692,  em  que  veiu  para  reitor  do 
Espinhei,  comarca  de  Esgueira,  hoje  concelho  de  Águeda,  igreja 
esta,  que  era  do  padroado  dos  duques  de  Bragança. 

Foi  em  1701  que  Brás   Garcia  Mascarenhas  (3.°  do  nome  na  fa- 
mília avoense),  neto  do  poeta,  foi  viver  com  seu  tio-avô  para  o  Es- 


«  Doe.  CVIII.  — 2  Doce.  CIX  e  CX.  — 3  Doe.  CXI. 

*  A'oí.  geneal.  IV,  11. 

*  CE.  — Firma  o  depoimento  que  fez  como  testemunha,  em  Avô,  a  23  fev.  1701, 
no  processo  para  a  ordenação  de  diácono  de  Manuel  Nunes. 

''  Not.  geneal.  IV,  111. 

1  C.E.  —  Em  um  processo  para  a  ordenação  de  diácono  de  António  Ribeiro, 
subscrevendo  uma  declaração  datada  em  Avô  a  6  jun.  1672. 
'  Not.  geneal.  III,  v  t  8. 


3t2  "Brás  Garcia  oMascarenhas 

pinhel.  Ordenou-se  de  menores  em  1702  '  e  de  ordens  sacras  em 
1710,  sendo  o  seu  património  eclesiástico  constituído  em  bens,  que 
para  este  efeito  lhe  doou  por  escritura  de  2  de  dezembro  de  lyoS 
D.  Susana  Manuel  da  Costa,  irmã  do  licenciado  Matias  Quaresma  2. 
Vê-se  pois  que  os  filhos  de  D.  Maria  Madeira  não  herdaram  os  ódios 
desta  ao  poeta  Brás  e  à  sua  descendência,  antes  pelo  contrário  iam 
reparando,  quanto  podiam,  os  males  por  ela  causados.  Em  1710  toi 
o  padre  Brás  apresentado  pelo  tio  como  cura  da  igreja  de  S.  Simão 
de  O  vã,  anexa  à  de  Espinhei;  ali  se  conservou  até  12  de  março  de 
1714,  em  que  faleceu,  deixando  em  testamento  todos  os  seus  bens 
ao  irmão  Manuel.  Seu  lio  e  protector  Matias  Quaresma  havia  mor- 
rido em  Avô,  a  14  de  abril  de  17 13. 

Lembrou-se  então  o 
Manuel  Garcia  Masca- 
renhas de  se  ordenar,  o 
que  fez  em  1715-1717', 
constituindo  o  patrimó- 
nio eclesiástico,  por  escritura  de  3  de  março  de  17 17,  nos  próprios 
bens  que  herdara  do  irmão. 

Quanto  à  irmã  Maria  Garcia  Mascarenhas  nada  sei,  senão  que 
morreu  nova  e  solteira. 

José  da  Costa  Mascarenhas  teve  apenas  um  filho,  Brás  Garcia 
Mascarenhas  (4."  do  nome  na  descendência  de  Marcos  Garcia,  de 
Avô),  o  qual  veiu  a  casar  com  a  sua  conterrânea  D.  Maria  da  Costa 
de  Mesquita,  com  quem  se  achava  ligado  por  duplos  laços  de  con- 
sanguinidade, pois  seu  bisavô,  o  poeta  Brás  Garcia  Mascarenhas,  era 
primo  inteiro  da  bisavó  dela.  que  se  chamava  Maria  de  Mesquita,  e 
a  bisavó  dele,  D.  Maria  da  Costa  Fonseca,  era  sobrinha  do  bisavô 
dela,  Francisco  Dias  da  Costa,  como  se  vê  no  esquema  da  página 
fronteira. 

Tiveram  quatro  filhos  e  sete  filhas.  Dos  rapazes  houve  dois,  a 
quem  foi  dado  o  nome  de  Brás,  o  primeiro  dos  quais  morreu  criança, 


Assinatura  de  Manuel  Garcia  Mascarenlias  * 


«  Doe.  CXIII. 
>  Not.  genel.  III,  v  b  6. 
»  Doe.  CXV. 

*  CE. —  A  autenticar  o  depoimento  que  fez  na  vila  de  Avô  era  1701,  sendo 
então  estudante,  no  citado  processo  para  a  ordenação  de  Manuel  Nunes. 


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3'j4  'Brás  Garcia  (^Mascarenhas 

assim  como  o  José;  subsistiram  o  segundo  Brás  (6."  do  nome  na  fa- 
mília) e  o  Tomás  Caetano,  de  todos  o  mais  novo.  As  irmãs  chama- 
vam-se  —  Quitéria-Angélica,  Mariana,  Josefa,  Maria,  Joana  (única 
que  tomou  estado),  Antónia,  e  Tomásia  '. 

Brás  Garcia  Mascarenhas  (6.°)  recebeu  ordens  menores  em  1763 
para  obter  o  privilégio  do  foro  eclesiástico,  sem  intenção  de  ascender 
às  sacras,  por  ser  o  morgado  da  casa.  Formou-se  em  Cânones  em 
1768,  e  por  morte  de  seu  pai,  ocorrida  a  24  de  novembro  de  177 1, 
sucedeu-lhe  na  admmistração  do  vínculo,  que  possuiu  apenas  21  dias, 
pois  foi  surpreendido  por  morte  prematura  a  i5  de  dezembro  ime- 
diato, sendo  ainda  solteiro. 

Passou  o  vínculo  para  o  mais  novo  de  todos  os  irmãos,  Tomás 
Caetano,  único  subsistente  do  sexo  masculino.  Contava  então  i5  anos, 
ficando  sob  a  tutela  de  sua  mãe  até  atingir  a  maioridade.  Nunca 
lhe  deixaram  vêr  a  escritura  de  instituição  do  vínculo,  cuja  adminis- 
tração lhe  pertencia ;  ocultaram-lha  por  tal  forma,  que  muito  mais 
tarde,  em  1824,  se  queixava  ele  deste  facto,  e  declarava:  —  quero 
saber  em  que  Lej  jhvo,  e  se  o  tal  vinculo  deve  ser  ou  não  reputado 
tal  ^.  Se  tivesse  visto  essa  escritura,  ficaria  sabendo  que,  conquanto 
fosse  êle,  enquanto  vivo,  o  administrador  dos  bens  vinculados,  por 
sua  morte  passaria  o  vínculo  à  linha  feminina,  revertendo  para  a  des- 
cendência legítima  de  sua  irmã  Joana,  pois  os  filhos  que  êle  tinha 
eram  excluídos  da  sucessão  por  serem  bastardos.  Talvez  (;  quem 
sabe  ?)  se  êle  conhecesse  as  condições  dos  bens  que  administrava, 
tivesse  dirigido  a  sua  vida  de  outra  maneira,  por  forma  que,  tendo 
prole  legítima,  esses  bens  ficassem  na  sua  descendência.  Em  carta 
escrita  a  um  sobrinho  *,  queixa-se  das  tias  deste,  suas  irmãs,  atri- 
buindo-lhes  o  terem  sumido  a  escritura  de  instituição,  sem  deixarem 
traslado  algum. 

Contou-me  o  meu  velho  amigo  António  da  Costa  Mesquita,  de 
Avô,  parente  dos  Garcias  Mascarenhas  e  conhecedor  das  tradições 
da  sua  casa  *,  que  as  irmãs  de  Tomás  Caetano,  quando  esconderam  o 
traslado  da  escritura,  por  forma  que  o  irmão  não  tivesse  conhecimento 
das  suas  disposições,  ao  mesmo  tempo  queimaram  toda  a  papelada 
antiga  da  casa,  receando,  na  sua  ignorância,  que  entre  ela  houvesse 
algum  documento  de  que  o  irmão  pudesse  aproveitar-se  para  desviar 


1  Not.  geneal.  IV,  iv. 

2  Doe.  CXVII.-J  Ibid. 
*  Not.  geneal.  II,  xiii  c". 


Cap.  IX — Factos  póstumos  3-/ 5 

para  os  seus  filhos  ilegítimos  os  bens  vinculados,  em  detrimento  do 
fílho  legítimo  de  sua  irmã  Joana.  Mais  informava  António  da  Costa, 
que  foi  nesse  auto  de  fé  aos  documentos  e  papelada  antiga  da  casa, 
que  desapareceram  os  cadernos  com  a  obra  poética  do  nosso  herói. 
Ignoro  qual  a  fonte  de  informação  daquele  meu  amigo,  infelizmente 
já  falecido,  e  qual  o  grau  de  credibilidade  dessa  fonte. 


D.  Joana  Margarida  de  Mesquita  Mascarenhas,  irmã  de  Tomás 
Caetano  Garcia  Mascarenhas,  nascera  em  lybo  e  casou  em  1789  com 
Antóniç  da  Gama  e  Gouveia  de  Abreu  Leitão,  já  viúvo,  senhor  de 
casa  abastada,  residente  em  S.  Martinho-da-Cortiça  *.  Em  Avô 
nasceu  seu  filho  único,  Brás  Garcia  Mascarenhas  (7.°  do  nome).  A 
mãe  de  António  da  Gama  era  natural  do  Casal-do-Fundo,  freguesia 
de  S.  Miguel  de  Rio-de-Moinhos,  hoje  concelho  do  Sátão,  onde  pos- 
suía bens ;  foi  ali  que  Brás  casou  com  D.  Maria  Albina  de  Lucena 
Cardoso,  e  teve  dois  filhos,  Tomás  e  José  Maria,  e  uma  filha,  D.  Maria 
Amália  -.  Não  chegou  a  entrar  na  posse  da  administração  dos  bens 
do  vínculo  de  Avô,  porque  faleceu  em  i838,  sendo  ainda  vivo  seu  tio 
Tomás  Caetano. 

O  primogénito,  Tomás  Garcia  Mascarenhas  ^,  casou  na  terra  da 
naturalidade  de  sua  mãe,  Sarrazela,  hoje  freguesia  de  Vila-de-Igreja, 
concelho  do  Sátão.  Houve  sete  filhos,  nascidos  uns  em  Casal-do- 
Fundo,  outros  em  Sarrazela.  Comu  por  morte  de  seu  tio-avô  Tomás 
Caetano,  o  Tomás  Garcia  lhe  sucedeu  no  vínculo  dos  Garcias  Mas- 
carenhas, transferiu  a  residência  para  a  vila  de  Avô,  onde  ficou  vi- 
vendo com  seus  filhos,  dos  quais  é  actualmente  vivo  apenas  um,  o 
senhor  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  cujo  filho  único,  senhor  Tomás 
Brás  Garcia  Mascarenhas,  é  quem  hoje  habita  com  sua  esposa  o  solar 
onde  nasceu  e  viveu  o  capitão-poeta,  seu  8."  Avô.  Dos  filhos  falecidos 
de  Tomás  Garcia  deixaram  descendência :  —  João  Tomás  Garcia 
Mascarenhas,  na  freguesia  dos  Olivais,  aros  de  Lisboa;  António 
Garcia  Mascarenhas  em  Decermilo,  concelho  do  Sátão ;  Luís  Augusto 
Garcia  Mascarenhas  em  Avô. 

José  Maria  de  Mesquita  Garcia  Mascarenhas,  filho  segundo  de 
Brás   Garcia  e   irmão  de  Tomás  Garcia  *,  casou  em  Rio-de-Moinhos 


»  Not.  gcneal.  IV,  v. — 2  ;v'oí.  geneal.  IV,  vi.  —  '   Not.   geneal.  IV,  vii  a. 
♦  Not.  geneal.  IV,  vii  b. 


3j6  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

com  D.  Ventura  de  Jesus  de  Almeida  Souto-Maior,  de  quem  teve  uma 
filha  e  um  filho.  Aquela,  de  nome  D.  Constança  Garcia  de  Mesquita 
Mascarenhas  ',  casou  com  o  Dr.  Luís  Xavier  do  Amaral  Carvalho,  e 
houve  deste  consórcio  duas  filhas,  ambas  ainda  vivas,  —  a  senhora 
D.  Júlia  Xavier  de  Carvalho  Mascarenhas,  viúva  do  juiz  de  direito 
Dr.  Francisco  Soares  de  Albergaria,  sem  geração;  e  a  senhora 
D.  Leonor  Xavier  Garcia  Mascarenhas,  casada  com  o  senhor  An- 
tónio Cardoso  de  Meneses,  director  da  Escola  Agrícola  Morais 
Soares,  que  residem  em  Coimbra  a  educar  seus  filhos,  duas  meninas 
e  um  rapaz,  ainda  menores. 

São  estes  dois  ramos,  nos  quais  seguem  a  linha  de  Tomás  Garcia 
e  a  de  José  Maria  de  Mesquita,  os  únicos  que  hoje  representam  a 
descendência  directa  do  poeta  avoense  Brás  Garcia  Mascarenhas. 


*  Not.  geneal.  IV,  vm  b. 


SEGUNDA  PARTE 
Estudo  critico-literário 

PELO 

Prof.  Dr.  Carlos  de  Mesquita 


Agradece  a  meu  trágico  IManeta, 
E  a  viís  emulos  meus  este  cujdado, 
De  por  Patrício  teu,  querer  louvartc. 
l'ois  quando  preso,  emprcndí  cantarte. 

Entre  o  rumor  de  Marte  estrepitante 
As  lioras,  que  me  deyxa,  te  concedo, 
Que  a  cantarte  na  paz,  mais  elegante 
Estilo  ornara  tão  capaz  enredo. 

Brás  Garcia  Mascarenhas,  Viriato 
Trágico,  xv,  io5-io6. 


ADVERTÊNCIA 


Inctimbiu-se  de  escrever  esta  segunda  parte  do  estudo  sobre  o 
poeta  Brás  Garcia  Mascarenhas,  com  a  alta  competência  que  todos 
lhe  reconheciam,  o  tioss»  distinto  colega  no  professorado  da  Facul- 
dade de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra,  Dr.  Carlos  de  Mes- 
quita. 

Um  estudo  critico-literário  sobre  o  poema  Viriato  Trágico  era  o 
assunto  preciso,  de  que  se  encarregara.  Nele  pensava  com  amor  e 
entusiasmo,  quando  a  morte  o  surpreendeu  a  g  de  maio  de  igi6. 
Nada  chegara  a  escrever;  mas  os  poucos  amigos,  com  quem  trocava 
impressões  a  tal  respeito,  tiveram  ocasião  de  admirar  várias  ve\es  a 
agude'{a  de  engenho,  a  profundidade  de  vistas  e  a  originalidade  de 
apreciações  da  sua  crítica,  ao  apreciar  o  poema  viriatino.  Era 
um  trabalho  de  largo  folgo,  cheio  de  interessantes  aspectos. 

Em  homenagem  ao  grande  professor,  aqui  publicamos  um  artigo 
sobre  o  mesmo  assunto,  que  êle  em  tempo  escreverá  despretenciosa- 
mente,  currente  calamo,  —  confiando  na  sua  grande  memória,  sem 
dispor  de  recursos  alguns  bibliográficos,  tendo  à  mão  apenas  um 
e\emplar  truncado  do  Viriato  Trágico, — para  ser  estampado  em  um 
modesto  jornal  de  pr.ovíncia,  A  Gazeta  da  Beira,  que  se  publicava 
em  Oliveira  do  Hospital.  Saiu  em  o  n.°  iii,  correspondente  a  do- 
mingo 3  de  março  de  igo'j,  sem  que  o  autor  sequer  revisse  as  provas 
tipográficas. 

Ainda  então  não  cogitava,  que  viria  a  tentar  fa'{er  um  estudo 
especial  do  assunto.  Não  pode  pois,  em  face  deste  rápido  esboço, 
ajui\ar-se  dos  méritos  e  desenvolvimento  que  teria  o  trabalho,  que 
ultimamente  o  preocupava. 

Coimbra,  21  de  abril  de  igsi. 

A.  DE  Vasconcelos. 


o  Viriato  Trágico 

A  velha  alegoria  da  Ocasião,  que  c  preciso  agarrar  pelos  cabelos, 
sendo  calva  da  nuca  e  fugindo  com  coturnos  alados,  que  se  encontra 
logo  nas  primeiras  páginas  do  Viriato  Trau;ico,  tem  uma  rigorosa 
aplicação  ás  condições  históricas  dos  monumentos  literários.  A  His- 
tória tem  instáveis  momentos  de  crise  que,  fazendo-se  consciência  no 
cérebro  dum  homem  de  génio,  desabrocham  nos  Lusíadas,  no  D.  Qui- 
xote, na  Comédia  Humana.  Passados  eles,  debalde  se  tenta  igualar 
essas  imagens,  que  a  onda  grava  do  seu  equilíbrio,  em  chapas  de 
excepcional  sensibilidade,  durante  a  inapreciával  tracção  de  segundo 
que  medeia  entre  a  ascenção  e  o  espraiamento.  Depois  da  sazão 
épica,  as  epopeias,  embora  às  vezes  tenham  excelentes  trechos  líricos 
e  descritivos,  não  passam  de  pachorrentos  exercícios  de  retórica.  E 
na  calmaria  morta  dos  tempos,  o  esforço  impotente  para  atingir  o 
clangôr  da  «tuba  canora  e  belicosa»,  em  vez  de  «acender  o  peito»  e 
de  «mudar  a  côr  ao  gesto»,  só  produz  a  compaixão  por  quem  se 
mostra  assim  incapaz  de  compreender  a  sua  época,  e  de  se  resignar 
sensatameníe  às  condições  dela.  E  o  que  acontece  a  todas  as  nossas 
pseudo-epopeias  posteriores  aos  Lusíadas,  as  nossas  epopeias  de  es- 
tufa, podemos  assim  chamar-lhes. 

Os  autores  delas  não  tinham  o  génio  de  Camões,  nem  para  lá 
caminhavam,  porque,  como  todas  as  excepções  humanas,  mantendo  o 
génio  com  a  população  uma  relação  numérica  aproximadamente  con- 
stante, e  sendo  exígua  a  sua  percentagem,  não  era  natural  que  o 
mesmo  século  visse  nascer  dois  Camões  num  país  de  dois  milhões 
de  habitantes.  Mas  ao  próprio  Camões,  com  as  mesmíssimas  qua- 
lidades individuais,  teria  sido  impossível  alguns  anos  mais  tarde  es- 
crever os  Lusíadas. 

Nesse  livro  maravilhoso,  o  mundo  moderno,  atingindo  a  plenitude 
da  força,  toma  consciência  da  sua  grandeza,  e  compara-se  com  or- 
gulho ao  mundo  antigo,  e  é  isto  que  constitue  o  interesse  universal  c 


38o  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

eterno  do  poema.  Ele  é  a  epopeia  da  civilização  moderna,  da  Re- 
nascença, cantada  pelo  Poeta  supremo  de  uma  das  duas  nações,  que 
vão  na  frente  do  movimento,  não  já  da  romanização  de  uma  faixa  da 
Europa,  mas  da  arianização  do  globo.  Camões  apareceu  no  momento 
preciso,  apareceu  mesmo  quando  a  onda.  continuando  'com  a  compa- 
ração de  há  pouco,  já  se  precipitava  para  se  espraiar  e  desfazer.  Ele 
bem  sentia  em  volta  de  si  a  «austera,  apagada  e  vil  tristeza»,  que  ia 
avassalando  tudo.  Mas  a  grandeza  ainda  estava  muito  próxima, 
ainda  lhe  permitia  crer  na  possibilidade  de  suspender  o  desabamento, 
na  possibilidade  de  um  Portugal  que  fosse,  como  outra  Roma,  a 
metrópole  dum  império  imenso,  não  se  limitando  como  o  dela  a  en- 
volver o  Mediterrâneo,  mas  abrangendo  dentro  de  si  os  grandes 
mares  «nunca  dantes  navegados». 

O  momento  duma  vasta  epopeia  moderna  passara,  e  o  espirito 
público  em  Portugal,  na  época  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  pode 
exprimir-se  por  uma  palavra  :  o  sebastianismo. 

O  profeta  desta  interessante  religião  nacional  fora,  todos  o  sabem, 
Gonçalo  Anes  Bandarra,  sapateiro  de  correia,  natural  de  Tran- 
coso, que  a  Dedução  Cronológica  decidiu  não  passar  dum  embuste 
dos  jesuítas,  mas  cujo  processo  inquisitorial  existe  na  Torre  do 
Tombo.  Bandarra  era  como  Bunyan,  o  escritor  caldeireiro  da  Ingla- 
terra, um  homem  do  povo  exaltado  pela  leitura  da  Biblia,  a  que  se 
entregara  durante  oito  anos,  segundo  a  sua  confissão  no  processo, 
em  1641.  As  suas  trovas  vagamente  proféticas,  inspiradas  em  remi- 
niscências bíblicas,  falavam  de  grandes  desgraças  e  da  aparição  dum 
príncipe,  que  lhes  poria  fim.  um  príncipe  cujo  nome  era  «Dom  foam»  *, 

que 

Tirará  toda  a  Erronia, 
Fará  Paz  em  todo  o  mundo, 


'  Eis  o  tento  bandárrico  : 


•  S.iya  ?    Saya  esse  Infante 
Bem  andante  ? 
O  seu  nome  he  Dom  foam: 
Correrlheam  o  Pendam, 
£  o  Guiam, 
Poderoso  e  triumphante. 

Virlheam  noúas  num  instante 
DaqucMas  terras  pres.idas. 
As  quaes  estam  derramadas, 
E  declaradas 
Por  seu  Rey  dally  a  diante». 

(Parapkrase  et  concordância  /  de  algvas  Prophe- ,'  cias  de 
Bandarra,  capateiro  j  de  l  rançoso.  /  Por  Dom  Ioah  Dt 
Castro.  /  Gravura  tosca  /  ióo3  —  na  fl.  ii3)- 


Tarte  II —  O  «  Uiriato  Trágico-»  38 1 

De  quatro  Reys_o  segundo 
Averii  toda  a  vitoria  '. 


O  comentador  e  parafraseador  destes  enigmas  proféticos,  D.  João 
de  Castro,  explicava  em  iCo3  que  este  príncipe  era  D.  Sebastião, 
como  numerosíssimas  pessoas  acreditavam,  e  que,  se  a  trova  lhe 
chamava  o  segundo  dos  quatro  grandes  reis,  é  porque  considerava  o 
papa  como  o  primeiro. 

Um  homem  de  génio,  para  compreender  e  encarnar  este  espírito 
colectivo,  devia  participar  do  misticismo  do  seu  país,  ter  um  espírito 
filosófico  que  tirasse  ao  objecto  dele,  o  príncipe  encoberto^  a  signi- 
ficação estreitamente  individual,  alargando-o  em  símbolo,  e  um  forte 
saber  para  lhe  insuflar  a  autoridade  das  «letras  sagradas  e  profanas», 
dando-lhe  aos  olhos  dos  cultos  o  prestígio,  de  que  pela  sua  humilde 
origem  carecia. 

Para  agarrar  esta  Ocasião  pelos  cabelos,  faltavam  quase  total- 
mente as  qualidades  a  Brás  Garcia  Mascarenhas,  que  o  seu  poema 
nos  mostra  como  um  espírito  liícido,  sem  grande  profundidade  e  sem 
complexidade,  ponderado,  são,  e  vendo  no  mundo  apenas  os  aspectos 
exteriores,  como  um  pintor  ou  um  escultor.  O  homem  da  Ocasião 
foi  o  padre  António  Vieira,  já  Oliveira  Martins  o  disse. 

Ao  contrário  porem  do  autor  da  História  de  Portugal,  eu  ouso 
considerar  a  nação  sebastianista,  não  como  o  cadáver  dum  povo,  mas 
como  uma  nação  empobrecida,  inculta,  ignorante,  meio  despovoada, 
sim,  mas  conservando  o  fecundo  núcleo  essencial  duma  nacionalidade ; 
um  espirito,  um  ideal  colectivo,  i  Como  se  pode  dizer  que  estivesse 
morto  um  povo,  cuja  poesia  consistia  precisamente  na  fé  inabalável 
no  próximo  advento  duma  grandeza  politica,  que  eclipsaria  as  mais 
brilhantes  épocas  da  sua  história  ?  Eu,  pela  minha  parte,  considero 
morto  um  povo  quando  ele  se  reduz  a  urna  massa  amorfa,  sem  outro 
elemento  de  coesão  àlêm  do  território  e  da  língua,  e  não  quando  os 
espíritos  apresentam  esta  perfeita  convergência,  que  foi  o  misticismo 
sebástico, 

O  padre  António  Vieira  fez,  com  esse  misticismo  político  do  poVO 
português,  o  que  todo  o  homem  de  génio  capaz  de  compreender  o 
seu  tempo  e  o  seu  país  e  de  influir  neles  faz  com  os  fecundos  germens 

'  Ibid,,  fl.  123  V.». 


3S2  ^rás  Garcia  ãAIascavenhas 

da  alma  colectiva.  O  seu  papel  é  semelhante  ao  de  Garrett  na  época 
do  romantismo.  Sim,  dizia  êle,  o  rei  esperado,  o  Encoberto,  voltará, 
já  mesmo  voltou,  mas  feito  carne  em  D.  João  IV:  —  e,  talvez  por  in- 
dústria sua,  o  príncipe  Domfoam  das  trovas  do  Bandarra  aparecia 
agora  transformado  em  Dom  João.  O  glorioso  império  profetizado 
virá;  —  e  a  sua  erudição  em  letras  sagradas  desenterrava  incansavel- 
mente, dos  profetas  e  dos  escritores  eclesiásticos  dos  primeiros  sé- 
culos, predições  que  os  feitos  já  passados  dos  portugueses  tinham 
realizado  em  parte,  o  que  era  um  seguro  penhor  da  realização  das 
outras.  Em  i83i  foi  pela  primeira  vez  publicada  uma  carta  dele  ao 
conde  de  Cantanhede,  que  diz  dos  sebastianistas : 

«...  São  os  sebastianistas  uma  sorte  de  gente,  que,  quanto  em 
si  há,  faz  este  reino  seguro  e  feliz;  ...  se  vêem  prosperar  as  armas 
de  Sua  Majestade,  ostentam  aplausos  e  júbilos  maiores,  porque  teem 
por  certo  que  principia  ali  a  sua  desejada  monarquia;  se  vêem  mur- 
murar da  frouxidão  e  descuidos  da  defensa,  não  presumem  culpa  dos 
ministros,  mas  misteriosa  disposição  da  Providência  Divina ;  porque 
teem  por  infalível  que  não  serve  mais  Portugal  a  Castela». 

A  resignação  passiva  perante  as  desgraças  e  o  contentamento 
inerte  perante  os  triunfos  não  eram,  como  se  vê,  do  seu  agrado.  As 
profecias,  diz  a  História  do  Fiiiuro,  asseguram-nos  o  Quinto-lmpério, 
mas  é  necessário  que  sejamos  instrumentos  dos  decretos  divinos. 
Levando  essas  profecias  como  divisa  nos  escudos,  os  nossos  soldados 
seriam  invencíveis  nas  batalhas.;  —  mas  era  preciso  batalhar.  Com- 
pare-se  o  tom  quase  de  gracejo  da  carta  transcrita  com  a  arguta 
dialéctica  da  História  do  Futuro  e  com  o  ardor  de  convicção  dos 
sermões  políticos,  compare-se  a  sua  fé  mística  no  Quinto-lmpério 
com  o  espírito  pratico  revelado  na  sua  vida  de  conselheiro  pohtico  e 
de  diplomata,  e  ver-se-há  que  mixto  (mas  mixto  coerente  e  organizado) 
de  ironia,  de  simpatia,  de  sinceridade  e  de  astiicia  era  o  homem  a 
quem  verdadeiramente  só  cabe  o  nome  de  poeta,  ou,  melhor,  de  pro- 
feta do  Portugal  restaurado. 

Desta  exaltação  mística  da  alma  portuguesa  no  tempo  de  Brás 
Garcia  Mascarenhas  apenas  se  encontra  um  frouxo  reflexo  no 
canto  XV  do  seu  poema.  Por  ai  se  vê  que  o  poeta  conhecia  as  trovas 
em  que  o  sapateiro  de  Trancoso  profetizava  grandes  e  jubilosos  acon- 
tecimentos para  a  era  de  40  '.     Esta  data  não  fora  forjada  depois  da 


*  0iz  assim  a  trova : 

«È  depois  dá  embaixada 

Declarada 


'Parte  II — O  a  Viria  lo  Trágico  ^^  383 

Restauração  para  pôr  o  facto  consumado  de  acordo  com  a  profecia. 
Já  em  i6o3  D.  João  de  Castro,  na  sua  Paráfrase  e  Concordância 
dava  tratos  à  imaginação  para  a  aplicar  ao  século  que  começava,  o 
que  conseguia  elevando  ao  quadrado  o  número  40,  e  obtendo  assim 
1600  *.  Vê-se  bem  pela  palidez  das  oitavas  de  Brás  Garcia,  que  êle  as 
escreveu  apenas  por  dever  patriótico  e  por  gratidão  para  com  o  mo- 
narca, a  quem  devia  o  governo  de  Alfaiates  e  a  liberdade,  depois  da 
sua  prisão  no  Sabugal,  e  não  porque  se  sentisse  sinceramente  arras- 
tado pelo  espírito  sebástico  da  época. 

Quem  não  conhecesse  outro  documento  dela,  nem  suspeitaria 
sequer  que  alguém  então  sonhasse  com  um  império  mais  quimérico 
do  que  a  Ilha  das  Sete  Cidades,  que  procuravam  os  nossos  navega- 
dores do  século  XV,  munidos  do  pergaminho  régio,  que  lhes  assegurava 
a  capitania  dela,  com  toda  a  jurisdição  civil  e  criminal  sobre  os  en- 
cantados que  a  povoavam.  Todavia  o  Viriato  Trágico  é  um  poema 
da  Restauração.  Mas  o  espirito  positivo  do  seu  autor  apenas  encarou 
a  conjuntura  sob  o  ponto  de  vista  prático  e  restrito  da  defesa  do 
território,  que  simbolizou  na  resistência  dos  antigos  lushanos  á  con- 
quista romana. 

Ele  próprio  o  dá  a  entender  no  começo  do  canto  n,  quando  diz; 

Se  assumpto  fora  muito  mais  honrado, 
O  que  a  presente  Guerra  me  offrecia 
Hé  melhor,  por  frustar  Zoilos  nocivos,' 
Cantar  aos  mortos,  que  adular  aos  vivos  '. 


Agora  que  correm  corenta, 
Erguersea  gram  tormenia 
No  que  atenta, 
Mas  logo  9era  amansada. 
E  tomaram  a  estrada 
Da  cilada: 

Nam  auera  quem  os  acotitei 
Darlheam  aquella  noute 
Tal  açoute, 
Que  a  Fe  seja  eXalçaJa». 

(Ibid.,  fl.  87). 

'  «Comecemos  pois  a  interpretaçam  &  a  declâfar  os  Corenta:  os  quaes  se  há 
de  entender  quadrados,  quero  dizer,  multiplicados  em  si,  que  somam  mil  &  seis 
centos.  O  qual  numero  quadragenario  nam  he  pouco  mysterioso  na  Escritura 
sagrada^  de  que  se  Deos  tem  por  muytas  veze«  seruido  em  castigos,  como  tambe 
agora  aquy  delle  se  serue  pêra  o  mesmo  fira.  AlgCas  cousas  ha  que  fazem  o  prin* 
çipio  desta  profecia  muy  escuro  ou  mais  propriamente  fallando,  muy  escuras  d( 
diíRceis  de  alcançar»,  —  (Ibid.  fl.  88). 

»  V.  T.  11,  1, 


384  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

Muito  verosimilmente  o  poema  foi  concebido  durante  o  curto  pe- 
ríodo em  que  o  autor  comandou  a  Companhia  dos  Leões,  Não  podia 
deixar  de  dar-se  em  Brás  Garcia  Mascarenhas,  simultaneamente  le- 
trado e  homem  de  acção,  um  facto  tão  velho,  não  direi  como  o 
mundo,  mas,  sem  dúvida  alguma,  como  a  literatura:  o  hábito  de, 
mesmo  nos  momentos  de  mais  febril  actividade,  contemplar  como 
um  espectador  estranho  os  próprios  actos,  aferindo-os  pelos  padrões 
literários.  D.  Quixote,  recitando  pelos  campos  sobre  o  rocinante  um 
começo  de  capítulo  imaginário,  em  que  a  sua  primeira  sortida  à 
procura  de  aventuras  heróicas  é  descrita  no  estilo  das  suas  leituras 
cavalheirescas,  é  uma  caricatura  desta  prática,  aconselhada  pelo 
Dr.  António  Ferreira,  como  meio  de  estimular  a  bravura,  numa  epís- 
tola ao  seu  amigo  João  Lopes  Leitão,  que  militava  na  índia: 

Ou  teu  armado  braço  este  no  que  usa, 
Com  Marte  contendendo  em  fortaleza 
Sem  ao  Rume  acceitar  ouro,  ou  escusa, 

Ou  rompendo  com  fúria,  e  com  braveza 
As  escumosas  ondas,  vás  levando 
Soccorro  á  quasi  entrada  Fortaleza, 

Não  deixes  de  ir  cos  olhos  só  passando 
Estes  versos,  verás  quanto  ás  trombetas 
Mais  animoso  som  estaram  dando 


As  Musas  ouve  sempre,  acendem  fogo 
Nos  altos  corações,  e  o  mór  perigo 
Te  fazem  parecer  prazer,  e  jogo  '. 


Servindo-se  dum  daqueles  símiles  frequentes  no  seu  estilo  e  tão 
cheios  da  frescura  das  cousas  realmente  vistas,  que  às  vezes  não  é 
excessivo  dizer  deles,  aplicando  a  frase  de  A.  de  Vigny,  que  enter- 
necem como  uma  criança  afirmando  simplesmente  o  que  viu,  conta-nos 
Brás  Garcia  que  construiu  o  seu  poema  sobre  o  testemunho  insu- 
speito das  «extranhas  penas», 

Como  quem  pela  praya  vae  pisando 
Pisadas  que  outro  deyxa  nella  impressas. 

E  mais  que  possível  que  já  então  tivesse  lido  nos  historiadores 
latinos  as  referências  a  Viriato,   que  lhe   serviram  mais   tarde  de 


»  poemas  lusitanos  do  Dr.  António  Ferreira,  5.'  ed.  (iSag),  t.  II,  pág.  ii5. 


"Parte  II—  O  ^^  Viriato  Trágico»  385 

guia,   e   que   essas  passagens  já  se  misturassem  na  sua  memória  às 
poucas  oitavas  dos  Lusíadas,  de  que  é  assunto  o  pastor, 

que  no  seu  nome 

Se  vê  que  de  homem  forte  os  feitos  teve '. 

As  reminiscências  literárias  acordadas  pela  analogia  das  situações 
deviam  acender  nele  «o  fogo»  de  que  fala  António  Ferreira,  e  fazê-lo 
sentir-se  como  que  possesso  pelo  espírito  do  remoto  chefe  lusitano. 
Para  nos  convencermos  de  que  o  Viriato  do  poema,  pelo  menos  na 
fase  ainda  regional  e  guerrilheira  da  sua  história,  é  o  autor  transpor- 
tado para  os  tempos  pre  romanos,  basta  comparar  o  feito  de  armas, 
que  rendeu  a  Brás  Garcia  a  prisão  no  Castelo  do  Sabugal,  com  um 
dos  primeiros  actos  de  bravura  do  seu  herói,  o  que  começa  na  es- 
tância 58  do  canto  ii.  São  perfeitamente  idênticos  tanto  no  objecto 
como  na  estratégia. 

O  objecto  do  primeiro  foi  o  destroço  duma  força  espanhola,  que 
levava  consigo  boas  prezas  feitas  áquem  fronteira;  o  do  segundo  o 
ataque  duma  força  romana,  que  escoltava  as  bagagens  dum  forte  exér- 
cito, ainda  distante.  A  estratégia  de  ambos  é  a  das  guerrilhas:  a 
emboscada  num  desfiladeiro  de  passagem  forçada  em  país  monta- 
nhoso, o  ataque  imprevisto,  a  retirada  pronta.  A  teoria  dessa  tática 
é  eloquentemente  feita  nesta  oitava,  que  o  poeta  pÕe  na  boca  de  Vi- 
riato: 

A  princesa  das  Aves  nos  insina, 

Como  ha  de  ser  a  guerra  executada : 

Nam  vedes  como  dece  repentina, 

Sobre  a  caça,  que  pasce  descuydada  ? 

E  que  não  pára  nunca  em  tal  rapina. 

Senão  que  pello  ar  arrebatada 

A  vem  comer  sobre  um  penhasco  duro, 

Que  inda  que  bruta,  juiga-o  por  seguro  ?  ^ 

Neste  poema  a  expressão  directa  dos  sentimentos  —  o  amor  do 
território,  a  revolta  perante  a  invasão,  a  indignação  contra  os  actos 
cruéis  e  traiçoeiros  dos  inimigos  —  é  sempre  breve,  e,  quando  o  não 
é,  é  frouxa  e  convencional.  Na  pintura  animada  dos  actos,  por  que 
se  traduzem  esses  sentimentos,  é  que  consiste  a  verdadeira  superiori- 
dade deste  poeta.     E  assim  deve  ser,  tratando-se  duma  epopeia  bár- 


'  Lusíadas,  m,  aa. 
í  V.  T.  u,  5i. 

35 


386  'Brás  Garcia  '^Mascarenhas 

bara.  Em  espíritos  simples,  tendo  ao  seu  serviço  músculos  fortes  e 
ágeis,  não  há  intervalo  sentimental  entre  a  impressão  e  a  reacção. 
Por  isso  as  decisões  do  herói  e  do  seu  cortejo  de  figuras  secundárias 
são  frequentemente  comparadas  aos  impulsos  das  aves  de  rapina, 
dos  lobos,  dos  cães  de  caça.  As  scehas  de  bravura  e  violência  orga- 
nizam-se  quase  sempre  em  imagem  nítida  no  espirito  do  leitor.  Mas 
um  episódio  então,  que  para  mim  é  encantador,  é  o  de  Serralvo,  es- 
pécie de  Caliban  gigantesco,  informe  e  inconsciente  da  própria  força, 
que  num  recontro  se  esconde  detrás  das  bagagens,  amedrontado 
como  um  javardo.  Uma  repreensão  do  chefe  prestigioso,  que  êle 
recebe  tremendo,  fá-lo  partir  numa  explosão  de  furor  súbito,  que  o 
torna  irresistível  e  destruidor  como  um  ciclone. 

Desejava  poder  copiar  aqui  todas  essas  oitavas  *,  porque  esse  admi- 
rável quadrinho  é  feito  com  tal  sobriedade,  e  reduzido  de  tal  forma 
aos  traços  essenciais,  que  é  impossível  dar  uma  idéa  dele  e  fazer 
compreender  porque  é  que  a  figura  e  a  ferocidade  cega,  como  a 
duma  força  da  natureza,  desse  monstro  e  o  seu  ar  grotesco  de  urso 
domado,  depois  de  vestido  com  os  ricos  despojos  dum  legionário,  se 
nos  gravam  tão  profundamente  na  visão  interior. 

Ao  passo  que  a  área  das  façanhas  de  Viriato  se  vai  alargando,  e 
que  o  seu  prestígio  e  poder  vão  aumentando,  fazendo-o  passar  de 
simples  chefe  de  montanheses,  amantes  da  independência,  a  um  ver- 
dadeiro general  e  monarca,  a  epopeia  bárbara  vai-se  transformando 
num  poema  de  cavalaria,  com  amores,  descantes  nocturnos,  desafios 
e  torneios. 

Quando  Viriato,  fatigado  da  guerra  e  sentindo  a  sua  gente  e  os 
seus  cavalos  igualmente  fatigados,  resolve  ir  passar  umas  festivas 
férias  às  suas  montanhas  natais,  aparece  metamorfoseado  num  cortês, 
magnânimo  e  faustoso  rei  Artur.  A  pintura  do  acanhamento  rústico 
dos  serranos  á  chegada  do  seu  antigo  companheiro,  no  meio  dum 
deslumbrante  cortejo,  é  um  dos  mais  breves,  mas  sem  dúvida  um  dos 
mais  admiráveis  quadros,  que  o  poeta  traçou: 

A  turba  pastoral,  que  prevenida 
Estava,  para  seu  recebimento, 
Quando  vio  tanta  Gente,  &  taõ  lusida, 


*  Encontram-se  transcritas  nas  págs,  207-398. 


"Vavte  11— O  »  Viriato  Tranco»  387 

Tão  Guerreyro,  &  pomposo  ajuntamento ; 
Pellos  altos  penhascos  dividida 
Com  mudo,  &  vergonlioso  acatamento, 
Encolhida  entre  os  rústicos  penedos, 
Seu  Pastor  sinalavão  com  os  dedos  '. 

Antes  de  partir  para  a  serra,  Viriato  mandara  espalhar  por  toda 
a  Península  cartéis  convidando  a  um  torneio  todos  os  cavaleiros  que 
quisessem  mostrar  o  seu  valor,  prometendo  aos  vencedores  grandes 
prémios.  Assim  costumava  fazer  o  grande  rei  Artur.  Acodem  ao 
•  convite  cavaleiros  de  todo  o  mundo  então  conhecido,  que  viajavam 
pela  Espanha  buscando  glória  e  instrução,  e  trazem  brasonadas  nos 
escudos  alusões  a  seus  passados  feitos,  a  suas  mágoas  amorosas,  e, 
por  baixo  das  insígnias,  divisas,  ora  lastimosas,  ora  arrogantes. 

Milhares  de  operários,  erguendo  torres,  anfiteatros,  circos,  con- 
struindo barcos  para  regatas  nas  lagoas,  transformam  magicamente  a 
áspera  e  selvagem  serrania  numa  cidade  maravilhosa.  Além  do 
torneio  e  da  regata,  as  festas  compõem-se  também  duma  tourada, 
do  jogo  das  canas,  de  combates  de  feras  com  cativos.  Quase  todo 
este  canto  é  admirável,  e  sem  diívida  o  melhor  do  poema.  A  tou- 
rada, o  torneio,  a  regata,  são  obras  primas  de  colorido  e  de  movi- 
mento. As  descrições  de  cavalos  soberbos  e  garbosos  são  verda- 
deiros modelos  de  precisão  de  termos,  e  de  justeza  de  ritmo.  Uma 
pequena  amostra : 

Soprando  aqui,  &  ali  fogo  evapora, 
Com  húa,  &  outra  maõ  bate  na  silha, 
Com  tanta  força  as  desce,  que  sonora 
Cayxa  parece  a  terra  quando  a  trilha '. 

Este  poema  de  cavalaria,  enxertado  na  rude  epopeia  da  indepen- 
dência, e  que  com  ela  se  mistura,  não  descende  directamente  da  lite- 
ratura cavalheiresca  anónima,  neni  mesmo  das  novelas  portuguesas 
que  nela  se  filiam.  E  um  fruto  tardio,  talvez  até  o  liltimo,  do  inte- 
ressante ramo,  que  a  Itália  dos  séculos  xv  e  xvi  fez  brotar  da  velha 
árvore  épica  com  Boiardo  e  com  o  seu  grande  continuador  Ariosto. 
Os  elementos  dos  dois  ciclos  épicos  medievais,  o  carolingio  ou  franco 
e  o  arturiano  ou  bretão,  fundem-se.  Do  primeiro  aproveitam  o 
pessoal  e  a  localização  histórica,  do  segundo  o  maravilhoso  e  a  parte 


>  V.  T.  XI,  i5.  — J  V.  T.  XI,  III. 


388  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

do  pessoal  destinado  a  manobrá-lo:  —  o  sábio  Muerlin  com  o  seu  nu- 
meroso cortejo  de  encantadores  e  feiticeiras,  e  com  o  seu  material  de 
anéis  mágicos,  de  lanças  encantadas  e  outros  talismans.  A  colossal 
e  justíssima  popularidade  dessa  incomparável  obra-prima  de  poesia 
fantástica,  humana  e  maliciosa,  que  é  o  Orlando  Furioso,  deteve 
cerca  de  meio  século  os  modelos  clássicos  e  a  poética  clássica  em 
respeito  perante  os  domínios  da  poesia  narrativa.  Por  cerca  de  meio 
século  se  sucederam  as  tentativas  infelizes,  para  conciliar  os  elementos 
clássicos  da  epopeia  com  os  elementos  cavalheirescos,  que  a  influência 
dos  dois  Orlandos,  principalmente  do  segundo,  tornara  inabaláveis.. 
Mascaravam-se  de  pares  de  Carlos  Magno  os  heróis  de  Homero,  e 
pregavam-se  asas  de  anjo  aos  deuses,  que  na  Ilíada  descem  do  Olimpo 
para  tomar  parte  nos  combates  em  frente  das  muralhas  de  Tróia. 
Prolongaram-se  estes  artifícios  para  resolver  o  conflito  até  que,  já  no 
último  quartel  do  século  xvi,  um  grande  poeta,  não  se  pode  bem 
4  dizer  que  concihasse,  mas  forçou  pela  autoridade  do  seu  génio  as 
duas  tendências  antagonistas  a  uma  trégua  mais  duradoura,  com  mais 
aparências  de  paz  definitiva  aos  olhos  da  sua  geração  e  da  geração 
seguinte.  Reíiro-me  ao  Tasso  e  à  Jerusalém  Libertada,  de  que  de- 
riva imediatamente  a  estrutura  fundamental  do  Viriato  Trágico. 

A  actualidade,  que  acontecimentos  contemporâneos  davam  aos 
assuntos  remotos  dos  dois  poemas  —  a  atitude  ameaçadora  dos  turcos 
no  tempo  de  Tasso,  a  guerra  da  restauração  no  tempo  de  Brás  Garcia 
—  torna  ainda  maior  a  analogia  dos  dois  poemas,  apesar  da  grande, 
da  enorme  diferença  de  valor  que  os  separa.  No  Viriato  Trágico 
a  supressão  de  todo  o  maravilhoso  medieval  aproxima  mais  este  poema 
da  epopeia  neo-clássica,  embora  também  o  maravilhoso  pagão  nele 
se  ache  reduzido  às  modestíssimas  proporções  de  ornato  literário,  em 
uma  pálida  alegoria,  no  canto  i  *,  e  a  poucas  referências  a  divindades 
antigas.  E  é  precisamente  por  esse  aspecto  mais  clássico  e  também 
pelo  grande  afastamento  da  época  em  que  se  passa  a  acção,  que  a 
parte  cavalheiresca,  sendo  nesta  obra  muito  mais  atenuada  que  no 
seu  modelo  italiano,  tem  nela  um  destaque  muito  mais  violento. 

A  influência  directa  de  Ariosto,  alêm  desta  pelo  intermédio  de 
Tasso,  é  reconhecível  até  na  creação  da  amazona  Ormia,  que  é  a 
Bradamante  do  Orlando  (o  poeta  chama-lhe  mesmo  uma  vez  «a  nossa 
animosa  Bradamante»  -)  apenas  com  os  vários  auxiliares  mágicos  da 


>  Estâncias  Sz-gt. 
«  V.  T.  IX,  io6. 


Tarte  II —  O  « Viriato  Trágico  >^  38(j 

sua  força  invencível  racionalmente  substituídos  por  uma  ginástica 
adequada : 

Era  quanto  bellissima,  animosa 
Ormia,  e  tanto  na  caça  exercitada, 
Que  a  pê  corria  a  serra  mais  fragosa, 
E  a  cavallo  a  campanha  dilatada '. 

O  enxerto  cavalheiresco  da  obra  é  quase  sempre  incomparavel- 
mente superior  à  epopeia  fundamental;  depois  da  leitura,  esta  empa- 
lidece em  grande  parte  na  memória,  ao  passo  que  aquele  fica  gravado 
com  um  relevo  nitidíssimo. 

Nas  boas  passagens  do  poema  a  narrativa  tem  o  andamento  ini- 
mitável da  convicção.  Essas  boas  passagens  são  as  evoluções  de 
forças,  os  duelos,  os  recontros,  os  galopes  ã  rédea  solta.  Vê-se  que 
o  espadachim  e  cavaleiro  precoce,  que  dizia.de  si  próprio  com  visível 
indulgência  — 

Entro  na  adolescência,  ponho  espada, 

E  delia  aprendo  huma,  &  outra  regra, 

Ramo  não  fica,  em  que  não  vá  provada. 

Nem  cabello,  em  que  não  me  dem  com  a  negra. 

O  tanger,  &  dançar  nnuto  me  agrada. 

Mais  o  cavallo  brincador  me  alegra  ', 

—  que  o  defensor  das  colónias  americanas,  que  o  reconquistador  pelas 
armas  da  igreja  usurpada  do  irmão  clérigo,  que  o  valente  guerrilheiro 
da  Restauração,  aposentado  agora  na  sua  casa  de  Avô,  se  exaltava 
até  á  alucinação  perante  os  fantasmas  creados  pelo  seu  próprio  cé- 
rebro, como  D.  Quixote  a  vêr  galopar  Gaifeiros,  com  sua  esposa 
Melisendra  à  garupa,  deante  duma  nuvem  de  mouros,  num  teatro  de 
títeres.  E,  arrebatada  por  esses  sonhos  heróicos,  a  sua  pena,  com  a 
agilidade  que  tinha  outrora  a  espada  deposta,  a  aparar  os  golpes  e  a 
abrir  caminho  por  entre  uma  muUidão  de  inimigos,  voava  ritmica- 
mente de  verso  para  verso,  deixando  presa  em  cada  curva  airosa 
uma  rima  excelente  e  naturalissima.  A  sua  forma  poética  tinha  então 
os  movimentos  infaUveis,  o  equilíbrio  prodigioso  de  gamo  do  sonâm- 
bulo, que  percorre  píncaros  escarpados,  que  desce,  a  correr,  estreitos 
carreiros  à  beira  de  precipícios,  que  atravessa  rios  em  pedras  onde 
mal  há  logar  para  firmar  os  pés.     Veja-se  o  combate  de  Silo  com 

>  V.  T.  VI,  8i.  — 2  V.  T.  XV,  34. 


3go  'Brás  Garcia  dMascareuhas 

Ormia.     O  cavaleiro  e  a  amazona  partem  em  direcções  opostas  para 
ganhar  velocidade  e  aumentar  assim  a  violência  do  choque : 

Tão  velloses  hum  de  outro  se  partirão 
Que  apenas  sobre  a  terra  os  cascos  soaõ 
Tão  valentes  se  encontrão 

;  Lá  se  esbarrondou  o  sonâmbulo  !  exclama  o  leitor  neste  ponto, 
sem  compreender  como  eles  se  «encontram»  tendo  «partido  um  do 
outro». 

i  Qual  !  As  três  sílabas,  que  faltam  para  acabar  o  verso,  bas- 
tam-lhe  para  fazer  dar  a  volta  aos  cavalos,  sem  afrouxar  o  galope, 
aproveitando  ainda  esse  vacilante  ponto  de  apoio  para  uma  rima,  que 
dá  à  descrição  toda  a  naturalidade  sintática,  a  rima  dum  presente 
com  um  pretérito: 

Tão  valentes  se  encontram,  quando  viraõ, 
Que  as  lanças  pello  ar,  em  rachas  voaõ  '. 

São  assim  sempre  os  seus  bons  trechos;  não  há  neles  uma  palavra 
inútil,  e  as  rimas  são  invariavelmente  palavras  sem  as  quais  a  frase 
ficaria  sem  sentido.     Outra  descrição  de  galope : 

Sobre  um  Ginete  tal,  que  parecia 
A  todos,  que  no  ar  as  maós  dobrava ; 
E  tão  somente  o  secco  pó,  que  erguia, 
Insinava  aos  de  longe  que  o  tocava  '. 

Espadachins  e  guerreiros  tem  havido  muitos  em  todas  as  litera- 
turas; basta  citar  um,  que  um  drama,  de  que  êle  é  protagonista,  tornou 
conhecido,  mesmo  aos  que  nunca  leram  as  suas  obras :  Cyrano  de 
Bergerac. 

Mas  em  Cyrano  o  espadachim  c  o  escritor  estão  inteiramente  des- 
ligados, e  é  impossível  através  deste  adivinhar  aquele.  O  que  eu 
acho  um  caso  fisiológico  interessantíssimo,  é  esta  coincidência  exacta 
dos  dois,  que  se  dá  em  Brás  Garcia  Mascarenhas;  é  sobrepòr-se  ao 
complexo  sistema  de  reflexos,  que  constitue  o  espadachim,  um  outro 
sistema,  em  que  aos  incidentes  reais  se  substituem  as  imagens,  e  à 
faculdade  de  actuar  com  precisão  um  dom  de  expressão  não  menos 

i  V.  T.  IX,  2  1.  — 2  V.  T.  VI,  39, 


Tarte  II — O  ^í  Viriato  Trágico»  3gi 

preciso  e  o  sentimento  do  ritmo.  Um  creador  de  caracteres  pode 
inventar  um  organismo  destes;  de  carne  e  osso  não  me  consta  que 
tenha  havido  outro  exemplar  em  literatura  alguma. 

E  por  isto  que,  estudando-se  atentamente  a  obra  de  Brás  Garcia, 
desaparece  toda  a  estranheza  de  êle  ter  escapado  aos  arrebiques  con- 
ceitistas.  i  Como  se  havia  de  divertir  a  brincar  com  as  palavras  um 
homem,  que  escrevendo  obedecia  a  uma  alucinação  ?  Quando  ela  o 
abandonava,  adeus  concisão  maravilhosa,  movimento,  quadro  visível. 
Nas  scenas,  que  pretendem  ser  corhoventes,  como  a  morte  de  Flora 
abandonada  pelo  amante  e  o  suicídio  do  assassino  de  Viriato,  é  em 
vão  que  êle  afecta  a  voz  para  fingir  lágrimas.  O  seu  talento,  forte 
mas  estreitamente  limitado,  não  lhe  permitia  realizar  o  patético.  H 
nessas,  e  noutras  passagens  análogas,  que  êle  remenda  a  falha  da 
imaginação  com  as  peores  extravagâncias  de  linguagem.  A  pintura 
da  noite,  em  que  Viriato  é  traiçoeiramente  assassinado,  constitue  uma 
excepção,  talvez  única.  Aí  a  linguagem  é  sóbria  e  sã,  e  o  colorido 
trágico,  sem  ser  extraordinário,  é  ainda  assim  intenso.  Mas  há  nessa 
passagem  uma  parte,  em  que  a  imaginação  dos  conflitos  humanos 
honraria  um  romancista  de  hoje,  provando  que  em  Brás  Garcia  o 
moralista,  o  conhecedor  dos  homens  e  da  sociedade,  era  muito  supe- 
rior ao  trágico.  K  a  recepção  glacial  de  Cepião  aos  assassinos  de 
Viriato,  que  antes  instigara  com  lisonjas  e  promessas  de  prémio: 

Chegados  a  Scipíão,  grande  alegria 
Tal  nova  em  todo  o  Exercito  causava  : 
Todos  applaudem,  elle  só  fingia 
Que  de  tal  feyto,  &  morte  lhe  pezava. 
Com  differente  rosto  os  recebia, 
Desabrido,  &  pesado  se  mostrava, 
Por  não  mostrarse  complice  no  feyto, 
Que  todo  o  medo  lhe  tirou  do  peylo. 


Porem,  como  a  Scipião  importunassem 
Pellas  promessas  vãas,  lhes  respondia. 
Que  os  cargos  lhos  daria,  se  vagassem, 
O  dinheyro  que  dalo  não  podia  '. 


1  V.  T.  XX,  5o  e  52, 


3g2  ^rás  Garcia  ^Mascarenhas 


As  duas  parcelas  do  composto  híbrido,  que  é,  como  já  disse,  o 
Viriato  Trágico,  prejudicam-se  reciprocamente.  O  leve  e  gracioso 
poema  de  cavalaria  tira  à  epopeia  bárbara  a  magestade  severa,  e  esta, 
por  sua  vez,  amortece  o  encanto  daquele,  i  Como  pode  a  imaginação 
abandonar-se  a  um  poema  de  cavalaria,  desenvolvendo-se  num  sce- 
nário  tão  rigidamente  histórico,  a  que  os  nomes  de  pretores  e  funcio- 
nários romanos,  a  escrupulosa  cronologia  e  a  geografia  irrepreensível 
dão  a  nitidez  brutal  de  contornos,  que  tomam  as  montanhas  escalvadas 
sob  a  crueza  da  luz,  e  na  secura  excessiva  do  ar  ?  Não  há  maneira 
de  transformar  a  Lusitânia  do  século  ii  antes  de  Christo,  lutando 
pela  sua  independência  e  pela  sua  originalidade  bárbara  contra  a 
prosaica  e  administrativa  Roma,  no  pais  de  neblina  impalpável,  em 
que  só  é  possível  a  cavalaria.  Modernamente  Tennyson  fez  uma 
série  de  deliciosos  poemas  do  ciclo  arturiano,  e  é  certo  que  a  rude 
Britânia  prè-saxónica  não  obscurece  neles  o  brilho  dos  palácios  de  As- 
tolat,  capital  do  rei  Artur,  nem  cobre  de  nevoeiro  negro  o  deslum- 
brante Montsalvat,  cujo  cimo,  duma  alvura  celeste  e  mística,  serve  de 
trono  ao  Santo  Graal.  Mas,  entre  a  antiga  Lusitânia  e  a  Britânia 
antiga,  a  diferença  é  —  para  o  caso  —  enorme.  Nós  só  conhecemos  a 
Lusitânia  prè-romana  pelos  historiadores  clássicos  e  pelos  arqueólogos 
modernos;  ao  passo  que  o  império  do  rei  Artur,  que  vemos  nos  Idylls 
ofthe  King,  não  é  a  Britânia  da  arqueologia. 

O  fecundíssimo  ciclo  da  Távola  Redonda  encantou  dentro  da  ilha 
bárbara  um  mundo  quimérico,  que  lhe  repassa  a  aspereza,  como  um 
espaço  suspenso,  no  fundo  do  qual  passara  as  nuvens,  imaterializa  a 
espessura  dum  penedo,  quando  numa  pequena  depressão  dele  a  água 
da  chuva  para  lá  projecta  uma  imagem  do  céu.  No  poema  de  Brás 
Garcia  Mascarenhas,  por  mais  que  se  admire  a  execução,  é  impossível 
impedir  um  desencanto  profundo  perante  aqueles  desafios  a  combate 
em  honra  duma  dama,  aqueles  torneios,  aqueles  pundonorosos  cava- 
leiros, aqueles  escudos  brasonados  e  devisados,  —  da  Lusitânia  de 
Viriato. 

Mas  uma  cadeia  de  antecedentes  históricos  privava  o  poeta  da 
liberdade  de  compor  por  outra  forma  a  sua  obra.  Ele  escreveu-a 
assim  em  virtude  duma  pressão  do  passado,  tão  irresistível  como  por 
exemplo  aquela  que  nos  faz  falar  português  em  vez  do  latim  que  fa- 
lavam os  vencedores  e  os  descendentes  romanizados  de  Viriato. 


'Parte  II — O  «Viriato  Trágico^*  3g3 

Camões  referira-se  com  desdém  aos  heróis  de  Ariosto,  opondo- 
Ihes  as  figuras  da  história  nacional 

Que  excedem  Rodamonte,  &  o  vão  Rugeiro, 
E  Orlando,  inda  que  fora  verdadeiro '. 

Tasso  dava-lhe  o  exemplo  duma  verdadeira  epopeia  cavalheiresca, 
baseada  na  história  das  cruzadas,  e  com  uma  população  histórica  e 
inventada  substituindo  a  população  tradicional  do  género.  Mas  Brás 
Garcia  Mascarenhas  podia,  sem  deixar  de  obedecer  a  esta  corrente, 
ter  escolhido  para  assunto  do  seu  poema  histórico  um  episódio  da 
reconquista  do  território  português  aos  muçulmanos,  e  aí  achar-se  ia 
na  verdadeira  Terra-da-Promissáo  do  romanesco.  As  paixões  por 
princesas  mouras,  a  conversão  delas  por  amor  de  cavaleiros  christãos, 
as  maravilhas  dos  palácios  mouriscos,  que  os  jardins  de  Armida  do 
seu  mestre  autorizariam  e  ajudariam  a  edificar,  os  encantamentos  dos 
heróis,  os  tesouros  encantados,  tudo  isto,  apoiado  por  uma  forte  tra- 
dição do  «tempo  dos  mouros»,  reforçada  pelo  romantismo  e  pela 
imensa  popularidade  das  Mil  e  uma  noites,  faria,  sem  dúvida,  do 
poema  uma  das  obras  portuguesas  hoje  mais  conhecidas,  mais  lidas 
e  mais"  amadas. 

Não  nos  iludamos  porem.  Pedir  isto  ao  século  xvii  seria  den- 
unciar um  grande  desconhecimento  da  história  literária,  ou  uma 
absoluta  falta  de  senso  histórico.  Aí  mesmo  a  força  da  torrente  des- 
viá-lo hia  de  fazer  o  poema,  em  que  lastimamos  não  vêr  empregado 
o  seu  talento.  Entre  o  Orlando  Furioso  e  o  Viriato  Trafico  apa- 
recera um  livro  genial,  que  não  só  acabara  de  dissipar  às  gargalhadas 
o  já  abalado  maravilhoso  da  Távola  Redonda,  mas  formulara  mesmo 
o  plano  a  que  devia  obedecer,  para  ser  aceitável,  todo  o  livro  de  ca- 
valaria.   Escusado  é  dizer  que  me  refiro  a  D.' Quixote. 

;  Como  teria  podido  o  então  obscuro  poeta  da  Beira,  se  pensasse 
(admitamos  por  um  momento  a  hipótese  absurda)  em  pintar  um 
cavaleiro  detido  por  sortilégios  num  palácio  encantado,  como  teria  êle 
podido,  digo,  resistir  ao  pavor  do  ridículo,  lembrando-se  de  scena 
análoga  descrita  com  entusiasmo  pelo  próprio  herói  de  Cervantes, 
mas  na  qual  o  cavaleiro,  no  meio  das  maravilhas  que  se  ocultam  no 
fundo  dum  lago,  ao  fim  dum  banquete  servido  por  donzelas  formo- 
síssimas, —  palita  os  dentes ! 


'  Lusíadas,  I, 


3g4  'Brás  Garcia  óMascarenhas 

Uma  outra  personagem  de  Cervantes,  um  cónego  letrado,  deplorando 
a  loucura  do  fidalgote  manchego,  e  amaldiçoando  as  novelas  de  cava- 
laria, cheias  de  impossíveis,  de  maravilhas  irrisórias,  de  anacronismos 
grosseiros  e  duma  geografia  fantástica,  louva  contudo  o  género  cava- 
lheiresco, que,  podado  desses  absurdos,  achava  altamente  próprio 
para  pôr  em  evidência  as  mais  nobres  virtudes  militares  e  políticas, 
e  para  o  autor  se  mostrar  consumado  humanista,  excelente  cosmó- 
grafo e  homem  versado  nos  negócios  do  Estado.  Este  cónego,  para 
mim  simbólico  do  amanhecer  triste  e  cinzento  da  sensata  idade  clás- 
sica, oprimia  Brás  Garcia  Mascarenhas  com  todo  o  peso  da  sua  au- 
toridade de  erudito.  No  seu  discurso  a  D.  Quixote  para  o  chamar  à 
razão,  entre  os  modelos  de  perfeitos  cavaleiros,  que  lhe  cita  como 
devendo  substituir  os  desprezíveis  heróis  da  epopeia  medieval,  figura 
precisamente  Viriato.  Se  já  então  existisse  o  poema,  que  lhe  celebra 
os  feitos,  seria  sem  dúvida  citado  com  louvor,  porque  o  Viriato  Trá- 
gico é  um  poema  de  cavalaria  com  qualidades  para  cair  no  agrado 
do  douto  eclesiástico.  Foi  em  sua  homenagem  que  o  poeta  escreveu 
as  longas  dissertações  sobre  a  organização  militar  dos  romanos,  sobre 
geografia,  sobre  as  instituições  políticas  de  quase  todas  as  nações, 
ocupando  com  elas  talvez  um  terço  da  ubra. 

Esses  tratados,  sendo,  como  não  podiam  deixar  de  ser,  poetica- 
mente nulos,  literariamente  são  quase  sempre  excelentes.  Realmente, 
não  é  possível  escrever  melhor  em  verso  sobre  assuntos  daqueles. 

A  vivacidade  do  estilo,  devida  ao  interesse  real  pelas  matérias 
tratadas,  aligeira  consideravelmente  a  leitura.  ;  Como  ali  se  está  longe 
dos  circunlóquios  descritivos,  substituindo  os  nomes  das  cousas,  e  de 
todo  o  arsenal  da  futura  poética  de  Boileau  1  Os  termos  técnicos 
ainda  se  chocam  em  rimas  a  cada  passo,  dando  às  oitavas  sabor  e 
animação.  Alem  disso,  essas  dissertações  suprem  a  falta  de  notícias 
contemporâneas  sobre  o  autor,  e  apresenlam-no  como  um  espírito 
cultíssimo,  amadurecido  pela  experiência  e  pelas  viagens,  decerto  um 
dos  portugueses  mais  instruídos  do  seu  tempo.  E  no  decorrer  delias, 
como  também  na  parte  auto-biográfica  do  canto  xv,  encontram-se 
frequentes  reflexões  sobre  a  vida,  sobre  os  preconceitos,  sobre  o  sé- 
culo, que  colocam  Brás  Garcia,  como  moralista,  á  altura  do  seu  grande 
contemporâneo  D.  Francisco  Manuel  de  Melo. 

Apesar  de  tudo  que  lhe  afrouxa  o  efeito  poético,  e  apesar  da  insu- 
portável mediocridade  de  certas  personagens,  como  são  as  cartas  de 
amor  com  oitavas  bombásticas  em  rimas  exdrúxulas,  o  Viriato  Trá- 
gico  é   ainda   assim  um  dos  pouquíssimos   livros  interessantes  que. 


Tarre  II —  O  «  Viriato  Trágico:'^  3g5 

fora  da  literatura  de  claustro  e  de  púlpito,  nos  legou  o  século  xvii,  e 
o  seu  autor  é  uma  das  quatro  ou  cinco  sérias  figuras  literárias  dessa 
época  triste,  e  intelectualmente  miserável,  da  nossa  história. 

l  Antes  de  Brás  Garcia  Mascarenhas,  já  algum  escritor  português 
teria  localizado  no  Hermínio  a  pátria  de  Viriato,  contribuindo  assim 
para  que  essa  figura  se  lhe  imposesse  como  modelo  de  bravura  du- 
rante sua  obra  patriótica  de  defesa  da  Beira,  e  como  herói  do  poema, 
cuja  primitiva  intenção  foi  sem  dúvida  simbolizá-la  ?  A  estreiteza 
do  tempo  não  me  consente  agora  pacientes  pesquisas  bibliográficas 
para  o  apurar.  Mas,  tanto  quanto  me  é  lícito  fiar-me  na  memória, 
estou  convencido  de  que  essas  buscas  são  tão  escusadas,  como  esca- 
vações arqueológicas  na  Serra  da  Estrela,  para  encontrar  relíquias 
das  construções  sumptuosas,  que  Viriato  lá  fez  erigir  para  recreio  da 
sua  corte  e  dos  seus  antigos  companheiros.  A  suposta  tradição, 
quer-me  parecer,  data  apenas  da  publicação  do  poema  '.  Se  assim  é, 
a  sua  influência  indirecta  tem  sido  larguíssima.  Conhecimento  directo 
dele  raríssimas  pessoas  o  teem;  e  dessas  ainda  uma  bôa  parte  só  leu 
as  passagens,  que  os  compiladores  de  selectas,  com  o  seu  infalível 
faro  para  descobrir  num  livro  precisamente  a  página  mais  medíocre, 
mais  incaracterística  e  mais  enfadonha,  teem  servido  aos  estudantes 
de  literatura  portuguesa. 

Resta-me  agora  falar  do  Brás  Giwcva  filósofo,  na  acepção  popular 
dá  palavra,  isto  é,  despido  de  ambições  de  glória  e  mergulhado  com 


•  Apesar  da  sua  memória  tenaz  e  pronta,  e  da  vasta  leitura  que  possuía,  o 
autor  enganou-se  neste  ponto.  Se  ao  escrever  este  artigo  tivesse  à  mão  (que  não 
tinha)  a  primeira  parte  da  Monarquia  Lusitana,  não  deixaria  de  recorrer  a  ela, 
como  uma  das  fontes  do  Viriato  Trágico,  para  verificar  a  exactidão  desta  sua  su- 
speita. Abrindo  o  primeiro  volume  daquela  obra,  1.  Ill,  cap.  i,  na  foi.  209,  col.  i.'  da 
edição  princeps,  leria  o  seguinte:  —  «...  o  insigne  Capitão  Viriato,  nacido  pêra 
terror  dos  Romanos,  &  pêra  gloria,  &  liberdade  do  pouo  Lusytano.  Foy  este  sin- 
gular Capitão,  como  diz  Alladio,  nacido  na  Lusitânia  interior,  que  he,  conforme 
nosso  estillo  de  faliar  moderno,  a  que  agora  chamamos  Beyra,  filho  dos  Lusytanos 
antigos,  verdadeyros  moradores  da  terra,  sé  mestura  de  nenhiía  outra  nação,  das 
muytas,  que  vierão  pouoar  esta  prouincia :  e  como  tal  he  necessário  confessarmos 
ser  da  casta  dos  bárbaros,  moradores  entre  as  brenhas,  &  asperezas  da  Beyra, 
cujos  costumes,  &  modo  de  viuer,  deyxamos  declarado  no  primeiío  liuro».  —  É  o 
que  sobre  o  assunto  escreveu  o  Dr.  Fr.  Bernardo  de  Brito  no  dito  volume,  publi- 
cado em  1597,  quando  Brás  tinha  de  idade  um  ano.  —  A.  de  V 


3q6  'Brás  Garcia  oMascareiíHas 

delícia  na  paz  do  seu  retiro,  á  beira  do  Alva,  fase  esta  de  que  há 
diversos  reflexos  espalhados  pelo  poema. 

Quando  os  lemos  pensamos  em  Sá  de  Miranda,  refugiado  na  sua 
comenda  do  Minho,  celebrando  lá  os  encantos  da  vida  rural  e  falando 
com  horror  na  da  corte,  cujas  intrigas  conhecia  demasiadamente. 
Mas  ocorre-nos  então  esta  pregunta:  j  Porque  é  que  Brás  Garcia, 
desiludido  do  mundo  e  celebrando  o  viver  de  fidalgo  aldeão,  apesar 
de  ter  um  maior  domínio  da  forma,  de  exprimir  não  raro  muito  mais 
plenamente  o  seu  pensamento,  de  ser,  mais  escritor  do  que  Sá  de 
Miranda,  nos  interessa  muito  menos  ?  Parte  da  explicação  deve  ser 
outra  vez  pedida  à  divindade  calva  da  nuca  e  de  pés  alados,  que  o 
poeta  celebrou.  Ela  andava  distante  do  seu  tempo  nada  menos  dum 
século. 

Sá  de  Miranda  escrevera  as  églogas  filosóficas  e  a  carta  a  António 
Pereira,  senhor  de  Basto,  numa  época  de  transformação  da  vida  por- 
tuguesa, quando  o  comércio  da  índia  e  a  consequente  atracção  da 
vida  de  Lisboa  arrancavam  aos  seus  solares  a  nobreza  da  província, 
fazendo  dos  antigos  chefes  do  país  rural  simples  figurantes  de  corte. 
A  sua  voz  era  a  duma  minoria  da  nação,  terrivelmente  lúcida  no 
meio  da  embriaguez  geral,  e  clamando  contra  a  loucura  da  índia, 
contra  a  loucura  de 

Lisboa, 

Que  ó  cheiro  desta  canelia 
O  reino  nos  despovoa  '. 

Ele  era,  usando  da  sua  própria  alegoria,  o  homem  enxuto  no  meio 
de  todos  os  que  molhara  a  chuva  no  primeiro  de  Maio,  que,  segundo 
uma  crença  popular,  enlouquece.  Por  isso  via  tão  bem  a  insânia  dos 
outros,  mas  em  vez  de  se  banhar  numa  poça  da  chuva  mágica,  como 
a  personagem  da  sua  fábula,  para  ficar  semelhante  aos  mais,  preferia 
conservar  estoicamente  a  sua  lucidez,  e,  do  isolamento  em  que  se 
confinara,  enviava  aos  loucos  correndo  alegremente  para  o  abismo  o 
seu  brado  triste  e  solene. 

O  caso  de  Brás  Garcia  é,  pelo  contrário,  individual.  A  revoltante 
injustiça  de  que  foi  vítima,  e  que  o  desgostou  para  sempre  da  vida 
pública,  não  tem  significação  histórica;  com  aspectos  diversos,  segundo 
as  épocas,  é  de  todos  os  tempos.    Leia-se  esta  observação  do  Viriato 


'  Poesias  de  F.  de  Sá  de  Miranda,  carta  v  .4  António  Pereira,  in  ediç.  de  Ca- 
rolina MiCHAELis,  pág.  aSy. 


^arte  II — O  <<  Viriato  Trágico»  3g7 

Trágico  sobre  o  servilismo  da  vida   da  corte,  que  abate  o  orgulho 
aos  mais  soberbos : 

Hé  mar  a  Corte,  &  rios  os  senhores, 
Que  entrando  nella,  como  nelle  os  rios, 
Os  que  se  tem  cá  fora  por  mayores, 
Perdem  lá  dentro  a  fúria,  nome,  &  brios  '. 


Sá  de  Miranda  não  escreveu  nada  mais  eloquente  nas  suas  poesias 
de  carácter  social,  j  E  todavia  estes  versos,  tão  finos,  estão  bem  longe 
de  ter  o  interesse  histórico  dos  conselhos  ao  senhor  de  Basto  !  É 
que  isto  é  uma  rellexao  abstrata,  universal,  de  moralista  desse  árido 
século  XVII,  que,  depois  da  agitação  e  das  transformações  profundas 
da  Renascença,  dá  a  impressão  dum  convento,  cheio  de  quietação 
monótona,  e  estudioso. 

O  Jilósofo  de  Avô  é,  mais  do  que  outra  coisa,  um  homem  fatigado 
duma  vida  aventurosa,  e  que  resolve,  como  Candide,  cultirer  son 
j  ardi  II. 

Esta  particularidade  é-nos  fornecida  por  ele  próprio  em  versos 
melodiosos  e  cheios  de  frescura,  ao  descrever  o  sonho  profético  de 
Viriato,  que  se  estende  até  á  vila  de  Avô  do  século  xvii,  onde  o  poeta 

anda  cantando 

Em  numerosos  versos  seus  louvores 
Entre  jardim,  que  fez,  de  quando  a  quando 
Tosando  as  murtas  &  compondo  as  flores  *. 

Alêm  das  causas  históricas,  há  uma  causa  individual  para  a  subal- 
ternidade de  Brás  Garcia,  poeta  da  paz  rural,  relativamente  a  Sá  de 
Miranda. 

O  autor  do  ]'iritiío  Trágico  não  via  nos  aspectos  da  natureza  «a 
túnica  viva  da  Divindade»  como  dizia  Goete ;  para  êle  só  existiam  no 
mundo  belas  formas,  belas  atitudes,  belos  movimentos.  Do  mesmo 
modo,  no  remanso  da  sua  aldeia  e  do  seu  jardinzito,  só  sentia  agra- 
dáveis emoções,  puramente  orgânicas,  de  paz.  E  a  linguagem  gráfica 
e  luminosa,  que  tinha  ao  serviço  desta  mediania  de  espirito,  era  como 
uma  água  transparente,  deixando  ver  o  fundo  próximo,  em  que  se 
toma  pé.    Esta  referência  à  música  é  uma  prova  tirada  ao  acaso, 


»  V.  r.  XV,  47,  — í  r.  r.  XV,  a6. 


3gB  Èrás  Garcia  oAIascarenhas 

de   entre  muitas  ouiras,  da  superficialidade  e  materialidade  do  seu 

sentir: 

Amante  foy  sem  falta  o  cuiioso, 
Que  a  musica  chamou  d'alma  igoaria: 
Não  tem  o  mundo  prato  mais  gostoso 
ctc.  K 

Sá  de  Miranda,  pelo  contrário,  elevava-se  à  contemplação  pan- 
teista.  Na  sua  obra  encontram-se  frequentemente  frases,  como  esta 
da  carta  a  António  Pereira,  falando  da  Natureza : 

Deixais  esta  madre  antiga', 

que,  pelo  menos  aos  meus  ouvidos,  ecoa  gravemente  nas  naves  do 
mistério.  Até  a  evocação  das  merendas  de  agosto  na  fonte  da  Bar- 
roca teem  nele  uma  gravidade,  um  tom  de  veneração,  vizinho  da 
religiosidade.  A  sua  obscuridade  resultava  dum  desiquilíbrio  entre  a 
profundidade  da  visão  e  o  poder  de  a  traduzir;  e  as  incessantes  cor- 
recções dos  seus  versos,  que  ás  vezes  os  punham  ainda  mais  obscuros, 
representam  a  luta  com  a  forma  rebelde,  para  exprimir  o  inefável. 

Voltando  a  Brás  Garcia  Mascarenhas. 

É  altamente  louvável  que  se  assinale  por  uma  lápide,  se  não  a 
sua  casa,  pelo  menos  o  sitio  onde  ela  existiu  ^.  Ali,  sem  a  menor 
esperança  de  glória  nem  de  publicidade,  sem  mesmo  ter  provavel- 
mente um  auditório  culto,  a  quem  lesse  o  que  escrevia,  passou  esse 
admirável  artista  os  tiltimos  anos  da  sua  vida  a  compor  os  seus  qua- 


'  V.  T.  VIU,  I20.  —  2  Loc.  cit.,  pág.  248. 

>  Ao  escrever  este  período,  supunha  o  autor  que  já  não  existia  a  própria  casa 
onde  o  poeta  nasceu,  viveu  e  morreu.  Esta  persuasão  era  comum  em  Avô ;  e  foi 
pelos  estudos  feitos  sobre  os  documentos  da  família  Garcia  Mascarenhas,  em  que 
muito  me  auxiliou  Carlos  de  Mesquita,  que  um  e  outro  chegámos  à  conclusão,  se- 
gura e  indiscutível,  de  que  essa  tradição  era  errónea,  e  que  a  primitiva  casa  dos 
Mascarenhas  de  Avô  nos  séculos  xvi  e  xvii  era  a  mesma  que,  descrita  em  primeiro 
lugar  na  escritura  de  instituição  do  vínculo  (doe.  CVII),  sempre  foi  e  ainda  hoje  é 
possuída  e  habitada  pelos  descendentes  do  poeta.  A  ela  nos  referimos  já  larga- 
mente nas  págs.  9,  18,  3;,  106,  etc,  explicando  a  origem  do  erro  vulgar  na  pág.  112 
e  segs.  Acha  se  hoje  signalada,  segundo  o  desejo  do  autor,  aqui  expresso,  por 
uma  bela  lápide  de  mármore,  esculpida  por  João  Augusto  Machado,  comemorando 
que  ali  nascera  o  poeta  a  3  de  fevereiro  de  1596.  —  A.  de  V, 


'Parte  II — O  •■(.'Viriato  Trágico»  3gg 

drinhos,  no  género  incomparáveis,  só  para  se  dar  o  prazer  de  os  vêr 
ir  nascendo,  como  as  Bores  do  jardim  «que  lez»,  de  vêr  a  beleza  ir 
saindo  debaixo  da  sua  pena.  Grande  parte  dos  papéis  escritos  com 
tão  verdadeiro  amor,  em  obediência  a  uma  vocação  tão  nobremente 
desinteressada,  foram  aplicados  em  embrulhar  semente  de  repolho, 
melão  e  outros  mimos  de  horta,  de  que  descendem  talvez  muitos  dos 
que  ainda  hoje  se  comem  em  Avô  e  cercanias.  Basta  porém  o  que 
escapou  aos  embrulhos  de  sementes  e  aos  recheios  de  novelos,  para 
exigir  mais  que  essa  lápide  à  região,  que  tem  a  honra  de  ser 
pátria  desse  grande  homem,  pessoal  e  literariamente  tão  simpático. 

Gustavo  Flaubert  teve  a  ideia  de  fazer  erigir  em  Rouen  ao  seu 
amigo  Luís  Bouilhet  um  monumento,  que  consistiria  em  uma  fonte 
simples  e  graciosa,  encimada  pelo  busto  do  poeta.  Se  não  houvesse 
este  precedente,  eu  não  me  atreveria  a  arrostar  com  os  gracejos  dos 
espirituosos,  alvitrando  um  monumento  semelhante  ii  memória  de 
Brás  Garcia  Mascarenhas.  Forte,  porém,  com  o  exemplo  dum  homem, 
que  tão  alto  sentimento  teve  da  beleza,  e  tão  grande  horror  ao  ridí- 
culo, pregunto:  —  ,1  Tendo  de  se  fazer  uma  fonte  na  sede  do  concelho 
de  Oliveira  do  Hospital,  a  que  pertence  a  terra  onde  nasceu,  tra- 
balhou e  morreu  o  poeta,  porque  se  não  há  de  aproveitar  esta  ocasião, 
e  dar  à  parte  ornamental  dessa  fonte  o  carácter  dum  monumento 
modesto,  mas  artístico  ?  Bastava  um  pedestal,  encimado  por  um 
busto,  e  tendo  uma  inscrição,  para  que  não  seria  difícil  encontrar 
no  Viriato  Trágico  uma  sentença  apropriada.  Podia  também  ser 
o  pedestal  rodeado  das  armas  das  famílias,  de  quem  descendia  o 
poeta,  com  os  patjuifes  no  estilo  das  ornamentações  heráldicas  do 
século  XVII.  Para  o  projecto  está  naturalmente  indicado  um  distin- 
tíssimo artista  e  arqueólogo  da  capital  da  região,  o  sr.  António  Au- 
gusto Gonçálvez. 

l  O  acréscimo  da  despesa,  embora  pequeno,  c  excessivo  para  os 
modestos  recursos  do  município  ?  Abra-se  uma  subscrição.  E  a 
região  da  Beira,  onde  o  poeta  estava  enraizado  por  muitas  gerações  e 
por  muitas  linhas  (como  se  vê  do  excelente  trabalho  biográfico  e  ge- 
nealógico do  sr.  Visconde  de  Sanches  de  Frias),  considerando  que 
um  grande  homem  é  a  líôr  em  que  se  concentra,  de  longe  a  longe,  a 
seiva  dispersa  duma  população,  saberá  mostrar-se  digna  de  quem 
tão  brilhantemente  a  representa  na  literatura  nacional. 

Carlos  de  Mh:sQt;itÂ. 


APÊNDICES 


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APÊNDICES 


a)  —  Documentos 

b)  —  Notas  genk.m.ógicas 

c)  —  Esquemas  genealógicos 


DOCUMENTOS 


ALVARÁ  DE  D.  JOÃO  III  NOMEANDO  ESCRIVÃO  DAS  CISAS  GERAIS 

E  DOS  PANOS  DE  AVÔ  E  DE  S.   SEBASTIÃO  A   SIMÁO  GARCIA, 

AVÔ  MATERNO  DE  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS 

fj  janeiro  i55j) 

Dom  Joham  etc.  aos  que  esta  mjnha  carta  virem  face  saber  que  cõfiamdo  eu  de 
symaão  guarcia  morna  villa  dauoo  que  nos  ofícios  de  scr/puam  das  sysas  geraees  e 
dos  panos  da  d'a  villa  e  de  são  sebastiam  seu  Ramo  me  serujra  bem  e  ffielm'«  como 
a  meu  serujço  compre  e  por  elle  ser  examjnado  e  auydo  per  auto  pêra  me  nos  d>os 
oficjos  serujr  pio  barão  dallujto  vlor  de  mjnha  faz'Ja  tenho  per  bem  e  me  praz  de 
lhe  fazer  delles  Mercê  os  quaees  tinha  per  mjnha  carta  fernaão  giz  mor  em  olyu"  do 
esprítall  e  os  Renúciou  em  mjnhas  maãos  per  aniRique  madra  crjado  de  Joham 
gomez  th»  do  dro  da  casa  da  Jmdia  seu  ppdor  per  vertude  de  sua  ppam  bastamte  que 
parecia  ser  fia  e  asynada  per  ao  Rõiz  tam  do  ppi^o  e  judiciall  na  villa  de  bobadella  aos 
xxbj  d.  do  mes  de  dezo  que  ora  pasou  deste  ano  presemte  de  b<:  Ibij  e  a  RenO- 
çiação  do  dito  amRique  madr*  parecia  ser  sobscrípta  e  asynada  per  Jorge  píriz  f"" 
das  notas  desta  cidade  de  lix^  e  seus  termos  e  casa  do  ciuel  aos  ij  d.  do  mes  de 
janeyro  deste  dto  ano  cõ  testas  nelle  nomeadas  etc.  E  os  d'os  ofícios  serujraa  o  d'o 
symaão  guarcia  emquamto  eu  ouuer  per  bem  e  não  mãdar  o  comtro  e  auera  cõ  elles 
o  mãtymfo  abayxo  declarado  ss.  cõ  ho  das  sysas  geraees  a  Rezão  de  sesemta  rs  per 
mjlheyro  ate  cheguar  a  cõthya  de  mill  rs  per  ano  e  mais  não  posto  que  as  d'as  sysas 
mais  Remdão  e  cõ  o  dos  panos  aueraa  dozentos  rs  per  ano  e  mais  não  que  são  ao 
todo  per  ano  mill  e  dozemtos  rs  que  he  outro  tamto  como  tynha  e  auya  o  d'o  fernão 
giz  pia  dta  mjnha  carta  os  quaees  serão  paguos  ao  d'o  symão  guarcia  a  custa  dos 
Remdros  das  d'as  sysas  quamdo  forem  aRemdadas  e  quamdo  não  ha  custa  de  mjnha 
faz^a  e  asy  auera  os  proees  e  percallços  que  lhe  drtamtf  pertencerem  e  forem  orde- 
nados aos  d'os  ofícios  os  quaees  elle  será  obrjguado  a  serujr  jumtamt^  e  não  ser- 
ujmdo  ho  das  sysas  geraees  lhe  não  será  esta  carta  guardada  E  Mamdo  ao  comtador 
da  comarqua  e  a  quaees  qr  outros  oficiaees  a  que  o  c'o  desto  pertemcer  que  lhe 
dem  a  pose  dos  dtos  ofícios  e  lhos  deyxem  serujr  e  aver  o  dto  mátym'o  proees  e  per- 
callços pia  man"  que  dito  he  sem  duujda  nem  embarguo  que  lhe  a  isto  seja  posto 
porque  asy  he  mjnha  merçe  E  elle  jurara  em  mjnha  choa  aos  samtos  euangelhos 
q  bem  e  verdadramte  syrua  os  d'os  ofícios  guardamdo  em  todo  meu  serujço  e  as 
partes  seu  dr'o  e  paguou  dordenado  delles  na  dta  cho*  mill  quatro  cemtos  vjmte  rs 
que  se  careguarão  ê  Rp'a  sobre  o  Ror  delia  segdo  se  vyo  per  hú  seu  c'o  em  forma 
que  se  Rompeo  ao  asynar  desta  carta  cõ  ha  outra  que  dos  dws  ofícios  tynha  o  dto 


(4)  'Brás  Garcia  de  SMascarenhas 

fernão  giz  e  estrom'"  de  Renuciação  el  Rcy  noso  sõr  ho  mamdou  per  dom  R°  lobo 
barão  dallujto  do  seu  coHiselho  v^or  de  sua  fazíia  Joham  esteuão  ha  fez  é  lix"  a  bij  d. 
do  mes  de  Janeyro  ano  do  nacimto  de  noso  sõr  Jhu  xpo  de  jm  b":  Ibij. 

iT.T.  —  Cli.ii:.-c:!.uia  de  D.  João  III,  1.  liv,  fl.  187). 

II 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  MARCOS  GAKCIA,  PAI  DO  POETA 

(i-  novembro  i564) 

Ano  de  1564.  cura  ãtonjo  frz'. 

Em  hos  dezasete  dias  do  mes  de  novembro  baptizei  marcos  fo  dantonjo  alúiz  e 
de  sua  molher  Ana  marquez  foj  padrinho  gaspar  fr^o  i  madrinha  florentina  de 
lourejro  apresetado  per  marta  de  fig.^o  todos  m"'es  nesta  vila. 

Antonjo  frz'. 
{i.C  — Registo  paroquial  Ja  Bobadella,\.  i,  cad.  i.°,  fl.  39  v."). 

III 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  SUSANA  MANUEL,  AVÓ  MATERNA  DA  MULHER  DE  BRÁS 

fijlll.ho   l56') 

Jo  de  1567 
no  primro  dia  de  Junho  bautizey  eu  fernã  Rõiz  cura  (.'')  a  susana  f^  de  manoel 
Joã  e  m3  digo  C'»  Rõiz  m^es  nesta  vila  e  fora  padrinhos  s»  frz'  e  a  ca  nuiz  desta 
vila  daboo  hoje  o  primeiro  de  Junho  1567  anos. 

(CS.  —  Registo  paro^iiia!  de  Avó,  \.  i,  cad.  2.",  fl.  3) 

IV 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  HELENA  MADEIRA,  MAE  DO   POETA 

(26  setembro  i568) 
Hera  de  i568 

ao  26  de  setembro  bautizei  a  ilena  fa  de  Simão  gracia  mor  nesta  vila  e  sua 

molher  forão  padrinhos  anto  de  gouueia  mor  em  galizes  e  a  molher  de  iõm  frz'  o 

preto  *  m<""  nesta  vila  '. 

(CS.  —Registo  paroquial  de  Avó,  1.  i,  cad.  2.°,  fl.  8  v.'). 


'  Casado  com  Maria  .Marques,  tia  materna  do  neófito  íVid.  \ot.  geneat.  1,  11,  5). 

2  Consta  do  registo  paroquial  de  Avô  que  naquela  época  residiam  na  referida  vila  nada  menos 
de  cinco  indivíduos  de  nome  João  Fernandes,  os  quais  se  distinguiam  uns  dos  outros  pelas  designações 
seguintes :  —  o  velho  —  o  moco  —  o  preto  —  do  íen-eiro  —  da  escada,  —  N'ote-se  que  a  alcunha  o  preto 
não  indica  de  modo  algum  que  a  pessoa  a  quem  era  applicada  fosse  da  raça  negra.  Contemporâneo 
deste,  havia  em  Avô  um  outro  homem  de  alcunha  semelhante,  que  figura  em  vários  assentos  de  baptismos 
com  o  nome  de  João  Affonso  o  negro. 

3  Não  é  assinado  íste  termo,  mas  pela  caligrafia  reconhece-se  ter  sido  lavrado  pelo  padre 
Pedro  Nunes,  cura  de  Avô. 


I 


'Documentos  (5) 


V 

ALVARÁ   DE    D.   FILIPE   11   DE    CASTELA    PERMITINDO    A    SIMÃO    GARCIA, 

AVÔ  DO  POETA,  QUE  CONTINUE  FABRICANDO  PANOS  COMO  ATÉ  ALI, 

APESAR  DO  SEU  CARGO  DE  ESCRIVÃO  DAS  CISAS 

(6  julho  158-2) 

Eu  el  Rej  faço  saber  aos  q  este  alu."  vire  que  eu  ej  por  be  e  me  prnz  que  sjmão 
garcia  m'"'  na  villa  de  voo  posa  por  tenpo  de  três  annos  fazer  panos  de  lã  como  os 
ate  ora  fez  caregandosse  os  panos  que  asj  fizer  e  liuro  pello  escrjuão  da  camará 
da  dita  villa  como  os  dantes  caregaua  pa  q  os  dr"»»  q  delles  deuer  possão  vir  ê  boa 
aRecadação  o  q  assj  ej  por  bê  sê  embargo  de  o  dito  sjmão  garcia  ser  escrjuão  das 
sjsas  da  mesma  vila  vista  a  êformação  atras  escrjta  q  me  deste  caso  mandou  o 
prouedor  da  comarca  da  cidade  da  guarda  e  o  que  os  oíficiais  da  camará  da  dita 
vila  sobre  jso  apontarão  pello  q  mando  ao  dito  prouedor  e  a  todas  mjnhas  Justiças 
Officiais  e  pas  a  q  este  allu^  for  presentado  q  deixe  ao  dito  sjmão  garcia  fazer  os 
tais  panos  pH"  dito  tempo  de  três  annos  pondose  ê  aRecadação  no  modo  sobredito 
e  cumpra  e  guarde  este  allua  como  se  nelle  contem  e  ej  por  bê  que  valha  etc 
djo  lopez  o  fez  c  lix»  a  bj  de  julho  de  mil  b<:  Ixxxij  e  eu  dj»  velho  o  fiz  escrever. 

IT.T.  —  Chanceltaria  Je  D.  Filippc  I,  1.  5,  fl.  5.) 

VI 

ASSENTO  UO  CASAMENTO  DE  GASPAR  DIAS  DA  COSTA  COM  SUSANA  MANUEL, 
AVÓS  MATERNOS  DA  MULHER  DO  POETA 

(1 6  fevereiro  i586) 
Do  Anno  de  86. 
Aos  16.  de  feuero  recebi  a  gaspar  diz  filho  de  fcrnão  gil  de  villa  Cova  com  su- 
zana  m«'  fa  de  AU'  Joani  e  de  c^  rõiz  desta  villa.  tesl"  o  prior  de  villa  Cova  Marcos 
frz'  e  go  m^i. 

Anto  Diaz 

(CS.  —  Registo  paro^uiíil  Jc  Avó,  1.  i,  cad.  i.",  II.  lo  v.°). 

VII 

ASSENTO  DO  CAS.AMENTO  DE  MARCOS  GARCIA  CO.M  HELENA  MADEIRA, 
PAIS  DO  POETA  BRÁS 

(ii)  acosto  iSgiJ 
Do  Anno  de  i5qi 

Aos  dezanoue  de  Ag,io  recebi  eu  Ant."  diaz  Vig.ro  a  Marcos  gracia  filho  de 
Ant.o  alúz  e  de  sua  molher  Anna  marques  iá  defunta  '  m.ois  na  bobadella  com  Ilena 


í  L  inexacta  esta  declaração.  Quando  se  Invrou  o  presente  assento  eram  vivos  ambos  os  pais  do 
noivo,  que  residiam  na  Bobadela.  António  Alves  Abranches  faleceu  passado  ano  e  meio,  a  21  fevereiro 
iSgB,  e  Ana  Marques,  sua  mulher,  só  veiu  a  morrer  quási  centenária,  e  caquética,  a  18  abril  1619.  (CS.  — 
Registo  paroquial  da  Bobadela,  1.  i,  cad.  1, 111.  14?  e  147  v."). 


(6)  Uras  Garcia  de  oMascarenhas 

mad.ra  filha  de (está  roto  o  fundo  da  Jolha,  onde  continuava  a  linha,  e  acham-se 

intercaladas  do^ie  folhas  com  outros  assentos;  na  iS."  folha,  depois  desta,  vem  o  resto 
do  assento,  assim:)  e  de  sua  molher  Varoniqua  nunez  ia  defuncta  m.<"'s  em  esta 
d'»  villa  de  Auo.  Forão  tas  os  p.^s  Christouão  giz'  e  diogo  piz'  beneficiados  nesta 
lg."  e  o  p.e  p.o  nunez  cura  em  aldeã  das  dez,  e  o  p.«  bernardo  caramello  cura  em 
Villa  pouqua  ',  e  outros  m'os. 

Ant.o  diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  i,  cad.  i.°,  fl.   i3+  v,"  e  147). 

VIII 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  FELICIANA  MONTEIRA,  IRMA  DO  POETA   BRÁS 

(11  junho  i5g2) 
Do  Anno  de  i.ígi 

Aos  onze  de  junho  baptizei  eu  Ant.o  diaz  vig.ro  a  feliciana  filha  de  Marcos  gra- 

cia,  e  de  sua  molher  Ilena  mad.ra  desta  villa  foi  padrinho  o  s.or  João  freire  da 

bobadella^,  madrinha  Joana  pegada  molher  de  simão  g.''"'. 

Ant.o  Diaz. 

(CS.  —Registo  paroquial  de  Avô,  I.  1,  cad.  2.°,  fl.  370). 

IX 

assento  do  baptismo  de  MANUEL  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(10  fevereiro  i5g4) 
Do  Anno  de  94 

Aos  dez  dias  do  mes  de  feuero  baptizei  eu  Ant.o  Diaz  vig.ro  a  Manoel  f.o  de 

Marcos  graçia  e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  m.ors  nesta  uilla  foj  padrinho  João 

peres  m.or  em  oliueirinha,  e  madrinha  Maria  Jacome^  molher  de  Ant.o  Simões  desta 

mesma  uilla. 

Anto  diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  1,  cad.  2  °,  fl.  39). 

X 

alvará  de  d.  FILIPE  II  DE  CASTELA  PROVENDO  MARCOS  GARCIA,  PAI  DO  POETA, 

NO  OFÍCIO  DE  ESCRIVÃO  DAS  CISAS  GERAIS  E  DOS  PANOS  DE  AVÔ, 

VAGO   PELA    RENÚNCIA   FEITA    POR    SIMÃO    GARCIA,    SOGRO    DAQUELE 

{4  setembro  i5g5) 

Dom  filipe  etc  faço  saber  aos  que  esta  carta  uijrem  q  hauemdo  Resp'o  a  symão 
guarcia  Renuciar  ê  mjnhas  mãos  o  oficio  de  scripuão  das  sysas  geraees  e  dos  Panos 


1  Parente  dos  Madeiras  Arrais  de  Avô. 

2  Representante  da  casa  dos  Freires  de  Andrada,  senhores  da  Bobadela,  iiltimaniente  representada 
pela  condessa  de  Camaride,  ha  poucos  anos  falecida. 

3  Avô  materno  da  neófita,  ora  casado  em  2.**  núpcias. 

<  Era  prima  coirmã  de  Helena  Madeira,  mãe  do  neófito   (Vid.  NoI.   geiíeal.  II,  ni  f,  iv  h  e  n  c,  1 
e  }.  —  Esq.  gencal.  II,  11,   i3,  54  e  Cg). 


'Documentos  (7) 

da  uilla  (iauoo  e  seu  Ramo  pa  delle  fazer  mercê  a  quem  me  aprouuese  como  se  vijo 
per  huú  estrom'o  da  d'a  Renúciação  que  dizija  ser  fto  per  paulo  joão  tam  do  ppi^o  e 
judiciall  na  villa  de  coja  e  fto  é  ella  aos  xiiijo  do  mes  de  Janeyro  deste  ano  preséte 
de  bc  IRb  cõ  tas  nelle  nomeadas  comfiamdo  de  marcos  guarcia  que  me  serujraa 
bem  e  fielmts  como  a  meu  serujco  cumpre  ey  por  bem  e  me  praz  de  lhe  fazer  mercê 
do  dto  oficio  de  scrípuão  das  sysas  geraees  e  dos  Panos  da  d'»  villa  da  voo  e  seu 
Ramo  asy  e  da  maneyra  que  os  seruja  o  d'o  sjmáo  guarcia  seu  sogro  e  as  mães 
pas  que  delle  forão  proujdas  o  q'  oficio  elle  marcos  guarcia  teraa  e  syrujraa  êquãto 
o  eu  ouuer  por  bem  e  não  mãdar  o  comtro  e  cõ  declaração  que  tyramdose  ou  ex- 
tjmguvndo  se  ê  allgú  tpo  per  ql  qr  causa  que  seja  lhe  não  fique  mjnha  faz^a  por 
iso  hobrjguada  a  satysfação  allgúa  cõ  os  quaees  haueraa  o  mãtym'o  habayxo  decla- 
rado ss.cõ  o  das  sysas  geraees  a  Rezão  de  Ix  rs  por  mjlhr.o  te  cheguar  a  comtya 
de  mill  rs  ê  cada  ano  e  mais  não  e  cõ  o  dos  panos  ij<:  rs  por  ano  q  lhe  serão  paguos 
ha  custa  dos  Remdr»*  quãdo  as  d'as  sysas  forem  aRemdadas  e  quãdo  não  ha  custa 
de  mjnha  faz^a  que  he  outro  tamto  como  tynha  e  auya  o  dto  seu  sogro  pio  que 
mamdo  ao  prouevdor  da  comarqua  da  guarda  que  lhe  dee  a  pose  do  dto  oficio  e 
lhe  deyxe  auer  o  mãtymto  acima  declarado  e  o  dto  marcos  garcia  foy  examjnado  e 
auydo  por  auto  pa  os  serujr  e  jurara  ê  mjnha  ch^ya  aos  sãtos  euamgelhos  que  bem  e 
verdadramte  os  syrua  guardamdo  ê  tudo  meu  serujco  e  o  dirto  das  partes  e  paguou 
dordenado  delles  ao  thro  da  dta  cho»  biijc  rs  como  se  vyo  per  seu  cto  é  forma  fto 
pio  scrípuão  delia  que  os  sobre  elle  careguou  ê  Repta  e  asynado  por  ambos  q  foy 
Roto  ao  asynar  desta  que  por  firmeza  de  todo  mãdey  dar  ao  dto  marcos  guarcia 
selado  do  selo  pemdemte  dado  ê  a  cidade  de  lixa  a  iiij  de  setro  el  Rey  o  mãdou  per 
fernão  da  syllua  do  seu  coHiselho  do  estado  e  v<lor  Je  sua  faz^a  mel  vaaz  a  fez  de 
jm  b<;  IRb  sebastyão  perestrello  a  fiz  screpuer. 

(T.T.  -  ChancelUria  de  D.  Filipre  I,  1.  38,  fl.  3o2). 

XI 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DO  POETA 

(10  fevereiro  i5r)6) 
Do  Anno  de  96 

Aos  dez '  de  feuero  baptizou  o  p.«  Diogo  p/riz  a  bras  filho  de  Marcos  gracia 
e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  foi  padrinho  gaspar  diaz  ^  e  madrinha  Joana  pe- 
gada molher  de  Symão  gri,7c;a '  todos  desta  uilla. 

Ant.o  Diaz 

iC.S.  —  Registo  paroquial  de  .Avó,  I.  1,  cad.  2.',  fl.  43  v.°). 


1  Tinha  sido  escrita  a  palavra  noue,  qiie  em  seguida  foi  riscada,  escrevendo  a  mesma  mão,  em 
entrelinlia,  de^. 

2  Casado  com  D.  Susana  Manuel,  avós  que  vieram  a  ser  de  D.  Maria  da  Costa,  mulher  do  poeta. 

3  Avó  materno  do  neófito,  com  cuja  madrinha  era  casado  em  segundas  núpcias. 


(8)  'Brás  Garcia  de  cMascarcii/ias 

XII 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  VERÓNICA  NUNES,  IRMÃ  DO  POETA 

(6  de^ewbro  ligjj 
Do  Anno  de  97 

Aos  seis  de  Dezembro  o  p.e  Dioguo  píz  com  minha  licença  baptizou  a  Varo- 

niqua  filha  de  Marcos  gracia  e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  foy  padrinho  felippe 

madr.a  filho   de  Symão  g  •■•'  '   e   madrinha  suzana  Manoel  molher  de  g.ir  díz  ^ 

todos  desta  villa  e  por  uerd.  etc. 

Ant.o  Diaz. 

(CS.  —  Regislo  paroquial  de  Avó,  1.  i,  cad.  2.",  fl.  46I. 

XIII 

ASSENTO  DO  CASAMENTO  DE  GASPAR  GARCIA,  IRMÃO  GERMANO  DA  MAE  DO  POETA 

f.So  dezembro  iSgj-j  janeiro  i5gH) 
Do  Anno  de  98. 

Aos  sete  dias  do  mes  de  Janr.o  eu  Ant.o  Diaz  vig™  fiz  as  bênçãos  a  porta  da 
igr.a  a  g.^r  gracia  filho  legitimo  de  Symão  g."  e  de  sua  molher  Joana  pegada  ja 
defunta  m.ors  nesta  villa,  e  a  Maria  manoel,  filha  legitima  de  M.ei  João  m.or  em 
buarcos  e  de  sua  molher  Cfi  vou  ia  defunta  m.or  q  foy  nesta  villa.  Forão  test.as 
destas  bênçãos  Symão  madr"  Thisour.o  nesta  ig."  D.os  pTz.  João  lopez,  g.ir  díz' 
Juiz  ordinário  e  outros  m.'"* 

E  em  o  penúltimo  de  Dezembro  do  anno  passado  de  97.  recebi  em  face  da  ig." 

aos  sobre  ditos  sem  serê  corridos  os  banhos  por  assi  o  mãdar  o  l.do  g.lo  do  quintal 

uisitador  por  lhe  constar  per  test.as  q  perguntou  q  maliciosa  m.t«  se  podia  impedir 

este  matrimonio,  e  estando  apartados  se  correrão  os  banhos  e  por  não  auer  impe- 

dimto  lhe  fiz  as  sobridas  (?)  bênçãos.    Forão  test.as  do  casam.to  em  face  da  ig.ra 

antes  dos  banhos  o  dito  Symão  mad.""»  Thisour.o  p.o  carualho  g.ar  João  ferrador 

Ant.o  Marques,  Symão  pTz  Alu.o  anes.  Ant.o  frz'  çapatr.o  Ant.o  frz'  do  outr.o  todos 

desta  villa  e  outros  m.tos  E  por  verd.  etc. 

Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  I.  1.  cad.   1.",  fl.   i3S  v."). 


1  Portanto   tio   materno  dn   baptizada,  a   quem   deu  o  nome   de  sua  mác,  Verónica  Nunes   (JVo(. 
geitenl.  II,  me,  4). 

2  Avós  maternos  de  D.   Maria   da   Costa,  que    veiu   a   ser  mulher  do  poeta  Hrás   Carcia    (No/. 
gencal.  Ill,  11). 

3  É  o  mesmo  Gaspar  Dias  da  Costa,  avô  materno  da  mulher  do  poeta. 


documentos  Cg) 

XIV 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  MARIA  GARCIA,  IRMA  DO  POETA 

(21  dezembro  iSfjç)) 


Do  Anno  de  qo 


Aos  21.  de  Dezembro  baptizei  eu  Ant."  Diaz  vig.™  a  Maria  filha  de  Marcos  g." 

e  de  llena  madr^  sua  mol  desta  villa  foy  padrinh.  o  p.c  Ant."  gomez  vig  ro  do  Er- 

uedal,  e  madrinha  Isabel  nunez  filha  de  Symão  g." ' 

Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Rej^isto  paioquial  de  Avó,  1.  1,  cad.  2.°,  11.  5o). 

XV 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  PANTAI.EÃO  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(5  agosto  1601) 
Anno  de  1601 

Aos  sinquo  de  Agto  baptizey  eu  Ant.o  Diaz  vig.ro  a  Pantalião  filho  da  Marcos 
g.ra  e  de  sua  mol.  llena  madr.a  foy  padrinho  Symão  g.ra  2  madrinha  Agost.a  lou- 
renço  mol.  de  fi-.™  marquez  da  bobadella  ^  e  por  verdade  fiz  este  assento. 

Ant.o  Diaz 
(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  1 ,  cad.  2",  fl.  53). 

XVI 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  ANA  MONTEIR.\,  IRMA  DO  POETA 

(i5  setembro  i6o3) 


Anno  de  ôo3 


Aos  quinze  de  septembro  baptizei  eu  Ant.o  Diaz  vig.™  a  Anna  filha  de  Marcos 
gracia,  e  de  sua  molher  llena  madr»  desta  uilla.  forão  padrinhos  assignados  na 
forma  do  s.to  Concilio  Affonso  Vas  m.or  em  Ansariz*  e  madrinha  suzana  manoel 
molher  de  gaspar  diaz  desta  dita  villa  =,  e  por  verd.  fiz  e  assiney  este  assento. 


Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  i,  cad.  2.°,  fl.  58). 


1  Tia  materna  da  neófita  {Not.  geneal.  II.  iii  c,  2; —  Esq.  geneal.  II,  (Si- 

2  Avô  materno  do  neófito.  « 

3  Irmão  de  Marcos  Garcia,  por  isso  tio  paterno  do  baptizado  {Not.  geneal.  I,  lii,  2). 

4  Casado  com  Leonor  Jácome,  segunda  prima  da  mSe  da  neófita  í.Voí.  geneal.  II,  111  b,  11  c,  e  iii  c). 
^  Avós  matemos  da  mullicr  do  poeta. 


(lo)  lirds  Gil r cia  de  ^Mascarenhas 

XVII 

ASSENTO  DO   BAPTISMO  DK  ISABEL  GARCIA,  IRMA  DO  POETA 

(6  março  i6o5) 
Anno  de  i6o5 

Aos  seis  de  Março  baptizei  eu  Ant."  Diaz  Vig.ro  a  Isabel  filha  de  Marcos  g."  e 

de  sua  molhar  Ilena  madr.a  desta  uilla,  forão  padrinhos  assignados  na  forma  do 

s.io  Concilio  João  madr.»  '  e  madrinha  Eufemea  paez  de  mesquita  -  molher  de  fe- 

lippe  madr.a  todos  desta  dita  villa,  e  por  verd.e  fiz  este  assento. 

Ant.o  Diaz 

CS.  —  Registo  paroquial  de  Ai>ô,  1.  i,  cad.  2.°,  fl.  6i  v."). 

XVIII 

ASSENTO  DO  B.\PTISMO  DE  .MATIAS  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(3  março  i6oj) 
Anno  de  607 

Aos  3.  de  Março  baptizou  o  p.^  M.«i  Simois  cura  em  Ansaris  a  Mathias  filho 
de  Marcos  gracia  e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  desta  villa  forão  padrinho,  e  ma- 
drinha assignados  na  forma  do  s.to  concilio  o  p.e  João  nunez  cura  em  Aldeã  das 
dez  e  Arina  gracia  sobrinha  do  dito  Marcos  g.^a '  e  pêra  lembrança  fiz  eu  Ant.»  Diaz 

vig.ro  este  termo. 

Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  I.  1,  cad.  2.°,  fl.  65  v.°). 

XIX 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  ANTÓNIA  GARCIA,  IRM.\  DO  POETA  BRÁS 

(2  novembro  1608) 
Anno  de  ôo& 

Aos  dous  de  Novembro  baptizei  eu  Ant.o  Diaz  vigr.o  a  Antónia  filha  de  Marcos 

g.ra  e  de  Ilena  madr.a  desta  villa  forão  padrinho  e  madrinha  assignados  na  forma 

do  s.to  concilio  felippe  madr.a  *   e  Antónia  curada  molher  de   Symâo   de   freitas 

desta  uilla. 

Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Ayó,  1.  1.  cad,  2.',  fl.  68  v.°). 


1  Marido  de  Joana  Garcia  .\ntunes,  tia  paterna  da  neófita  i\ot.  geneal.  I,  111,  9). 

1  Tia  por  afinidade  da  neófita,  pois  seu  marido  era  irmão  de  Helena  Madeira  (.Voí.  geneal.  II,  111  c,  4). 

3  Filha  de  sua  irmãJMaria  Garcia,  residente  na  Bobadela  i.Vo/.  geneal.  I,  111,  4). 

'  Tio  materno  da  criança  [Sot.  geneal.  II,  nic,  4). 


T)ocume)Uos  (i  i) 

XX 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  FRANCISCO  GARCIA,  IRMÃO  DO    POETA 

(g  março  1612) 


Anno  de  1612 


Aos  noue  de  Março  baptizei  eu  Ant.»  Diaz  Vig.r»  a  fr.co  filho  de  Marcos  gracia 

e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  desta  villa.  forão  padrinho  e  madrinha  assignados 

José  Marques  m.or  em  oliuejrinha'  e  Antónia  Curada  molher  de  Sjmáo  de  freitas 

desta  mesma  villa,  e  por  verd.e  fiz  e  assinei  este  termo. 

Ant.o  Diaz 

{C.%.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  I.  i,  cad.  2.°,  ti.  73). 

XXI 

matrícula  na  UNIVERSIDADE  DE  COÍMBRA   E  FREQUÊNCIA 
DE  MANUEL  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(Anno  lectivo  de  i6i6-i6ij) 

MATRÍCULA  NO  CURSO  DE  INSTITUTA 

^  m«l  gracia  f."  de  marcos  gracia  de  Auo  vinte  c  hum  de  outubro  com  certidão 

(A.U.  —  Matriculas,  vol.  4, 1.  5  [1616-17],  11.  35). 

FREQUÊNCIA 

^  Manoel  garçia  de  Auo. 

prouou  cursar  de  uinte  e  hum  de  Outubro  de  616.  te  o  fim  de  maio  de  617.  as 
4.0  de  Instituta  t.^s  Miguel  peixoto  E  Martim  da  costa. 
E  eu  sobred.o  o  escrevi. 

D.or  Anto  L<-o  Miguel  Peixoto  Martim  da  Costa 

(A.U. —  Proras  lie  curso,  vol.  11,  1.  1.°  [1616-17I,  fl.  128  v."). 

XXII 

assento  do  casamento  de  fei.iciana  monteira,  irmã  do  poeta 

(21  agosto  i6i~) 
Anno  de  1Õ17 

Aos  21.  de  Ag.'"  Recebeo  o  p^  feliciano  gomes '  m.T  na  villa  da  Nadia  estãodo 
nesta  Villa  de  Auo  com  minha  licença  dada  in  scriptis  e  em  face  da  ig."  a  sebas- 
tião gomes  filho  de  João  gomez  ia  defuncto  e  de  felippa  barosa  m.o"  na  dita  villa 
dí  Nadia  freg.a  de  São  paio  de  Argos  e  de  são  tiago  da  Mouta  com  Feliciana  Mon- 
tr.a  f.a  de  Marcos  g."  e  de  Helena  madr.a  m.cs  nesta  villa  de  Auo.  forão  test.as 
deste  casam.io  eu  Ant.o  diaz  vig.™  e  o  XA"  Ant.o  Diaz  meu  sobrinho,  e  os  p.«s  Sjmão 


Suponho  que  era  (illio  de  Francisco  Marques,  irmão  de  .Marcos  Garcia,   casado   em  Oliveirinha 
com  Agostinha  Lourenço  \Not.  geiíeal.  I,  iii,  2). 
2  Irmão  do  noivo. 


(i2)  'Brás  Garcia  de  S\/lascarenhas 

mad."  beneficiado  nesta  ig."  e  o  p.^  Sjmão  mad.ra  cura  de  pumares '  e  felippe 

madr.a  tabalião  nesta  villa^  e  outros  m.'os.    E  por  uerd.«  eu  sobredito  Ant.o  Diaz 

vigjo  fiz  e  assinej  este  termo. 

Ant.o  Diaz 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  i,  cad.  i.°,  fl.  i5o  v."). 

XXIII 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  D.  MARIA  DA  COSTA,  MULHER  DO  POETA 

(i8  novembro  i6iS/ 
Anno  de  iói8. 

Aos  dezoito  dias  do  mes  de  oIto  da  mesma  era  sendo  eu  o  padre  Simão  frz? 
cura  nesta  jgr.a  de  nossa  srá  da  uilla  de  Auoo,  com  minha  licensa  baptizou  o  padre 
joam  núz  cura  de  Anseris,  A  maria  filha  de  Joam  m^'  e  de  maria  madr^  da  Costa 
forão  padrinhos  bernardo  caramelo  beneficiado  de  ArganiP,  e  cesilia  madr:»  soltr^ 
filha  de  gaspar  dias*  e  por  tudo,  passar  na  uerdade  fiz  este  termo  e  o  Asiney. 

Simão  frz 

(CS.  —  Registo  parochial  de  Avô,  I.  i,  cad.  2.»,  fl.  81  v."). 

XXIV 

REQUERIMENTO  DE  MANUEL  GARCIA,  IRM.\0  DO  POETA, 

PARA  SER  ADMITIDO  A  CONCLUIR  A  SUA  ORDENAÇÃO  DE  MENORES, 

E  A  RECEBER  O  GRAU  DE  SUBDIÁCONO 

(Novembro  de  1621) 

Diz  Manoel  Guarçia  f.»  legitimo  de  marquos  Guarçia  e  de  sua  molher  Hiena 
madeira  m.or  em  a  uilla  de  Auo  deste  Bispado  de  Coimbra;  q  elle  esta  ordenado  de 
prima  tonsura,  e  primeiro  Grão  no  ano  de  6i5  =,  e  que  ora  com  o  fauor  deuino  se 
quer  ordenar  dos  outros  três  Graus,  e  de  ordens  de  Epistula  nestas  têmporas  q 
uem.     E  porq  nelle  concorrem  as  partes  nececarias  pêra  as  dd.  ordens. 

(Acrescentamento  da  mesma  letra :) 
declara  q  os  auos  da  parte  de  seu  pai 
forão  Ant.o  alz'  e  ana  marqz  m.ors  na 
villa  de  bobadella  e  da  mai  Simão  guarçia 
e  varonica  nunes  m.ors  em  Auo. 

P.  a  V.  S.  q  dispensando  com  elle 
o  admita  e  lhe  mande  fazer  as  deli- 
gencias  nececarias. 

E.  R.  M. 

(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Manuel  Garcia). 


•  Estes  dois  padres  homónimos  eram  ambos  parentes  da  noiva. 

2  Tio  ma'erno  da  noiva  INot.  geneal.  II,  111  c,  4). 

3  Da  família  dos  .Madeiras  Arrais  de  Avò. 

i  Tia  materna  da  neófita  (jVoí.  geneal.  Ill,  11.  6). 

5  Foi  engano  de  guem  escreveu  o  requerimento,   que  não  é  autógrafo.     Manuel   Garcia  recebeu 
prima  tonsura  e  o  grau  de  ostiârio  a  18  fev.  1617,  como  dei.xamos  dito  no  texto. 


'Documentos  (í3) 


XXV 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  ANA  DUARTE, 
MÃE  DE  MANUEL  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  SOBRINHO  E  GENRO  DO  POETA 

.  (14  agosto  1622) 

As  quatorze  dias  do  mes  de  Agosto  de  seis  cétos  e  uinte  dous  annos  o  P.e  M.e' 
da  ponte  capellão  desta  Igr»  de  Santiago  de  Trauãqua  baptizou  a  Anna  f  de  João 
Jorge  e  de  sua  molher  M.a  Duarte  foráo  padrinhos  Dos  João  de  quintella  freg.a  de 
S.  Po  de  farinha  podre  e  frca  simõis  desta  freg.a  e  assinei. 

O  Po''  Amador  Vieira 
(CS.  —  Registo  paroquial  de  Travanca  de  Farinha  Podre,  1.  1,  caJ.  1.",  ti.  5?  v.°). 

XXVI 

informação  DO  CURA  DE  AVÔ, 
RELATIVA  AO  ORDINANDO  MANUEL  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(2í  fevereiro  1626) 

Certefiquo  eu  o  P.^  Ignacio  Rõiz  Cura  q  ora  sou  nesta  Igr.»  da  villa  de  Auô  que 
he  verdade  que  eu  publiquei  e  li  o  mandado  do  sõr  Bispo  Conde  da  Cidade  e  Bis- 
pado de  Coimbra  á  estação  da  missa  em  como  o  P.«  M.ei  gr.c»  natural  desta  Villa 
Clérigo  de  ordiís  de  euangelho  se  queria  ordenar  de  ordiís  de  missa,  o  qual  mãdado 
li,  e  publiquei  Domingo  passado  que  forão  quinze  dias  deste  mes  de  feuer.o  e  o  li 
em  vos  alta  e  entelegivel  estado  todo  o  pouo  junto  o  qual  li  de  verbo  ad  verbum, 
&  ate  oie  nao  saio  impidimt»  algú  dos  cõtheudos  no  dito  mdo  nê  outro  algú:  em 
comprim'o  do  qual  digo  que  m'o  bé  conheço  ao  sobre  dito  P.e  ser  fo  legitimo  de 
Marcos  gracia  e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  Christaós  velhos  dos  principais  da 
terra,  &  sendo  eu  Cura  nesta  mesma  Igra  lhe  fiz  as  deligencias  por  onde  o  dito 
Pe  se  ordenou  de  ordiís  de  euãgelho,  o  qual  sempre  regedio  nesta  Vila  frequentado 
suas  ordfis  nesta  Igr.a  e  nas  mais  annexas  a  ella  com  mto  bom  exemplo  de  sua  pa, 
e  home  de  m.to  boa  vida  e  custumes,  mt»  virtuoso  cõfessasse  e  commúga  mias  vezes 
nesta  Igra,  he  m'o  bom  latino,  he  mto  bõ  casuista,  &  entendo  em  minha  conçiencia 
que  são  mto  bem  empregadas  nelle  as  ordfis  que  pertéde  por  entender  &  conhecer 
delle  ter  todas  as  partes  requisitas  pa  sacerdote  de  missa. 

E  no  toquãte  aos  signais  do  rosto  e  home  aluo  do  rosto,  os  dentes  aluos,  a 

testa  grJe,  não  mto  gordo;  no  toquãte  aos  signais  do  corpo  não  he  mto  alto,  o  corpo 

bê  feito;  de  sua  Idade  achei...  (transcreve  o  assento  de  baptismo).  E  feita  assi  esta 

carta  e  certidão  com  a  deligéncia  e  segredo  nescessario  com  forme  ao  mandado  do 

Snõr  Bpõ  a  cerrei  e  selei,  &  a  entregei  a  um  fiel,  pa  que  a  entregasse  ao  Arcipres 

de  trauãqua  pa  que  elle  a  inuiasse  ao  Sõr  Doctor  Berndo  da  fonssequa  saraiua  Pro- 

uisor  na  Cidade  e  Bispado  de  Coimbra,  oie  aos  uinte  e  um  dias  do  mes  de  feur.o  da 

era  de  mil  e  seis  centos  &  uinte  e  seis  annos. 

O  P.«  Ignacio  Rõiz 

(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Manuel  Garcia). 


(i4)  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 


XXVII 

INFORMAÇÃO  DO   CURA  DE  AVÔ,  RELATIVA  AO  ORDINANDO 
PANTAI.EÂO  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(ij  fevereiro  1628) 

Certifico  eu  o  P.e  Ignacio  Rõiz  Cura  q  ora  sou  na  Igr.a  desta  Villa  de  Auo,  q 
he  Verdade,  q  por  pe  do  P"-"  Pantaleão  gja  Clérigo  de  ordens  de  Euãgelho  meu 
freiges  me  foi  dado  hú  mãdado  do  Sõr  Dom  João  Manoel  Bispo  de  Cidade  &  Bis- 
pado de  Coimbra  pa  q  o  desse  sua  devida  execução,  o  qual  recebi  com  o  acatam'" 
devido,  e  loguo  na  segúda  DomTga  deste  mes,  q  forão  aos  onze  dias  deste  mes  de 
feuero  á  estação  da  missa  conuentual  q  disse  a  meus  freigeses  estado  todo  o  powo 
junto  li  e  publiquei  o  sobredito  mãdo  em  vos  alta  e  inteligiuel  em  forma  q  todos 
ouuirão  ler,  o  qual  li  de  verbo  ad  verbú  e  não  sahio  ate  oie  impidim'»  algú  de  todos 
os  contheudos  no  dito  mãdado,  &  de  ferindo  ao  que  nelle  me  em  carregão  digo  e 
dou  minha  fé  q  a  seis  annos,  que  nesta  terra  sou  cura,  &  em  todo  este  tempo 
conheci  sempre  ao  ordinãdo  Pantaleão  gr.  a,  o  qual  he  f»  legitimo  de  Marcos  gr. a, 
e  de  sua  molher  Ilena  madr.a  Christãos  velhos  dos  prlcipais  desta  terra ',  o  qual 
ordinãdo  foi  sempre  e  he  ao  presente  m.'o  virtuoso,  paciffiquo,  quieto,  m'°  frequete 
na  Igr.í>  exercita  m.to  bê  suas  ordns  confessasse  m'as  vezes,  e  comúga  pello  discurso 
do  anno,  &  entoda  esta  terra  não  da  escandallo  algií  ^,  he  m'o  curioso  de  apréder, 
e  saber  casos  de  conciencia,  e  outras  cousas,  que  pertécé  o  seu  officio ',  E  em 
minha  conciencia  digo  e  afirmo,  q  as  ordens,  q  pertende  são  mto  bé  empregadas 
nelle  por  q  da  mostras  de  ser  sacerdote  de  m'"  Virtude.  No  que  toqua  aos  signais 
do  rosto  he  home  alto  do  corpo,  ainda  sé  barba  *  a  barba  a  modo  de  aguda  o  rosto 
comprido  não  m.'o  aluo  *,  os  olhos  fermosos,  as  mãos  grades  e  brado  da  fala  *  e  não 
mostra  quãto  ao  aspecto  do  rosto  ser  de  tãta  Idade  quanta  té'.  Acerqua  de  sua 

Idade. . .  (transcreve  o  assento  de  baptismo) O  que  tudo  passo  na  uerdade  oie 

em  os  dezassete  de  feuereiro  da  era  de  mil  e  seis  centos  e  uinte  e  oito  annos. 

O  P.e  Ignacio  Róiz 
(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Pantaleão  Garcia). 


<  e  núqua  ouue  nelles  raça  algúa  de  algúa  Infecta  nação,  acrescentava  o  mesmo  cura  na  infor- 
mação para  a  ordenação  de  menores  do  mesmo,  escrita  a  i5  setembro  1025. 

2  não  resediofora  desta  villa  tempo  algú  senão  quãdo  estudou  nessa  Cidade.  (Informação  para  a 
ordenação  de  diácono,  escrita  a  7  setembro  1627). 

3  Na  informação,  a  que  se  refere  a  nota  anterior,  o  elogio  do  ordenando  era  feito  nos  termos  seguin- 
tes :  —  he  mãcebo  m.lo  hórrado  e  de  m.to  boa  vida  e  costumes,  e  de  m.to  entédim.lo  e  sabe  m.to  bê  latim 
{e  algfís  casos  de  conciencia,  diz  outra  informação  de  1  março  1626),  m.to  teméle  a  Deus  m.to  coniinoo  na 
Ig.ra  dado  sempre  dessi  m.lo  bõ  exéplo,  núqua  casou  né  he  casado,  né  ate  oie  lhe  sei  falta  algúa  antes  da 
dessi  mostras  de  m.ta  virtude.     (Informação  cit.  de  i5  setembro  lôsSj. 

4  algúa  cousa  lhe  apúta  ia  pello  beiço  de  cima.     ( Ibid.) 
^  as  macans  das  faces  sobre  o  uermelho.     (Ibid.) 

6  os  deles  aluos,  sempre  resedio  nesta  villa.     (Informação  do  mesmo  cura  datada  de  i  março  1626). 

7  No  toquãle  aos  signais  do  corpo  he  home  alto  não  mto.  grosso  o  rosto  algú  tanto  aluo,  os  dentes 
aluos  as  mãos  grades,  os  olhos  garços  e  bé  proporcionado  en  tudo.  (Informação  do  mesmo  para  a  orde- 
nação de  subdiácono,  escripta  a  11  fevereiro  1627}. 


1>ociimeiiíos  fiSJ 


XXVIIl 

PRIMEIRO  ASSENTO  DO  REGISTO  PAROQUIAL  DE  TRAVANCA  DE  FARINHA  PODRE, 
EM  QLE  FIGURA   COMO  PÁROCO  MANUEL  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

fS  outubro  l63o) 

Aos  outo  de  Outubro  de  mil  e  seiscentos  e  trinta,  eu  o  P.e  Pantaleão  Garcia 

com  licença  do  K.à°  Prior  M.«'  Garcia,  bautizei  a  Anna  f.^  de  Ant.»  Rúiz  e  Anna 

ferreira  dos  Couais  forão  padrinhos  P.»  Giz'  e  Luzia  Cordeira  deste  lugar  de  Tra- 

vanqua. 

Pantaleão  Garcia 

(CS.  —  Registo  paroquial  Je  Travanca  Je  Farinha  Podre,  1.  i,  cad.  i.',  fl.  66  v.'). 

XXIX 

primeiro  documento  em  que  figura  COMO  presente  em  avô 

o  poeta  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  DEPOIS  DO  SEU  REGRESSO  DO  BRASIL 

(21  novembro  lôSsj 
Anno  de  632. 

Aos  uinte  e  hu  dias  de  Nouembro  baptizei  a  António  filho  de  Migel  Núz  '  e  de 
Maria  de  Cáceres,  forão  padrinhos  assignados  bras  Garcia  Mascarenhas,  e  Maria 
Gomes  m.^r  de  p."  de  Matos'  por  uerdade  fiz  e  assinei  no  mesmo  dia  era  atras. 

Roque  dias  de  Mattos 
IC.S.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  1.  i,  cad.  2.",  fl.  gg  v.°). 

XXX 

assento  de  um  baptismo  em  que  foi  padrinho  o  poeta  BRÁS 

(4  fevereiro  i635) 
i635 


Aos  4.  dias  de  feuer.»  era  presente  baptizei  a  bras  í.°  de  Migel  Núz  do  casal  da 
moura  e  de  sua  m.«'"  q  ueyo  da  Serd^^"  forão  padrinhos  assignados  bras  GvS'^  mas- 
charenhas,  e  sua  irmão  Varonica  Núz  por  lembr.^a  fiz  e  assinei  no  mesmo  dia. 

Roque  dias  de  mattos 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  \.  r,  cad.  2.°,  fl.  101  v.*). 


*  Miguel  Nunes,  irmão  do  L.do  António  Dias,  e  do  baptizante  Roque  Dias  de  Matos,  então  cura  e 
mais  tarde  vigário  de  Avô  (Vid.  p.  25,  nota). 

2  Pedro  de  .Matos,  irmão  dos  três  a  que  se  refere  a  nota  antecedente.  Eram  todos  sobrinhos  do 
velho  LM  António  Dias,  vigário  de  Avô,  de  quem  nos  ocupámos  no  cap.  II  (vid.  loc.  cit.). 


(i6)  ^ràs  Garcia  de  ^Mascarenhas 


XXXI 


ASSENTO  DE  01  TRO  BAPTISMO  EM  QUE  FOI  PADRINHO  O  MESMO 


(4  fevereiro  i635) 
i635 


No  mesmo  dia  !4  de  feuereiro)  baptizei  a  Anna  filha  de  Gp.ar  da  Silua  e  de  sua 
m.c"  luisa  Núz.  forão  padrinhos  assignados  bras  Gr.^a  Mascharenhas  e  Anna  madJ» 
m.«r  de  Miguel  Núz.  de  Campos  de  q.  fiz  e  assinei  eodé  die. 

Roque  dias  de  mattos 

CS.  —  Registo  farvquial  de  Avó,  I.  i,  cad.  2.",  ti.  lol  v.*), 

XXXII 

informação  do  vigário  de  avô,  rel.\tiva  ao  ordenando 
francisco  garcia,  irmão  mais  novo  do  poeta 

(•2-j  fevereiro  i635) 

O  P.«  Roque  dias  de  mattos  vig.ro  em  a  parrochial  íg."  de  nossa  Srã.  da 
Assumpção  da  uilla  de  Avo.  Certefiquo  q  hé  uerdade  me  foi  appresentado  hú  m.do 
do  Sõr.  Deão,  e  mais  dignidades  do  Cabido  da  s.""  Sé  de  Coimbra  pêra  ser  publicado 
nesta  ditta  ig."  á  stação  da  missa,  em  como  fr.co  Gare."  desta  mesma  uilla  filho  de 
Marcos  Garcia  e  sua  m."  Hiena  Mad."  se  queria  ordenar  de  ordens  menores,  ao  q 
satisfiz  como  nelle  se  continha,  lendo  o  de  uerbo  ad  uerbum  em  o  dominguo  da 
sexagessima  onze  dias  de  feuer.o  presente,  E  certefiquo  não  auer  impedimto  algum, 
antes  todos  una  uoce  (ao  publicar  do  TnA°)  disserão  ser  o  ditto  ordinando  fr."> 
Gar."  mancebo  benemérito,  por  ser  honrado  de  sangue,  pessoa,  uirtude  e  bons 
costumes,  e  eu  assi  o  certefico  na  uerdade,  Certefiquo  mais  ser  o  ditto  fr.™  Garcia 
nacido  nesta  ditta  uilla  e  na  pia  baptismal  da  ig.ra  baptisado,  e  de  quatorze  anos 
pêra  sima  de  idade,  e  na  mesma  ig.ra  foi  chrismado  como  tudo  consta  do  liuro  dos 
baptisados  e  chrismados  q  ha  na  ditta  ig.ra  e  em  poder  meu  está  a  q  me  reporto  e 
por  uerdade  passei  a  presente  q  fiz  e  assinei  hoie  22  de  feuer.°  de  635  anos. 

Roque  dias  de  mattos 

Declaro  q  o  ditto  fr."^»  Gar.<^a  ordinando  he  mancebo  alto  do  corpo  idade  22 

Snos  (como  ui  do  liuro)  corado  da  cara,  olhos  baxos  e  inquietos,  ou  espertos,  socioso 

em  p.te  da  falia  gentil  home,  sem  barba,  começa  o  buço  por  uerdade  fis  e  assinei 

eodé  die. 

Roque  dias  de  mattos 

;C.E.  —  Processo  fará  a  ordenação  de  Francisco  Garcia,  de  Avô). 


^Documentos  (i  7) 

XXXIII 

ASSENTO  DE  UM  BAPTISMO  EM  QUE  FOI  PADRINHO  O  POETA 

(j3  outubro  i635) 
1635 

A  i3  dias  de  8.t'i'o  baptizou  o  p.^  Simão  mad.'-'  de  !.<;"  minha  João  f.o  de  J.o  Go- 
mes e  de  m.a  misquitta '  sua  m.«r  forão  padrinhos  Brás  Gr.ca  M.^s  e  Catherina  ba- 

ratta  pêra  lembr.ca  fiz  eodem  die. 

Mattos 

(CS.  —  Registo  pnroqttial  de  Avó,  1.  i,  cad.  2.»,  ti    102). 

XXXIV 

assento  de  outro  baptismo  em  que  foi  padrinho  o  mesmo 
(2u  abril  i636) 


Aos  20  dias  de  Abril  baptisei  Ageda  filha  de  Migel  Núz  da  Moura  e  de  sua  m.er 
Isabel  gr.ca  forão  padrinhos  assignados  bras  Gr.<^a  m.as  e  híía  tia  da  baptisada  do 
lugar  da  Serdr.a  cuio  nome  me  não  constou  de  q  fis  este  termo  eodem  die. 

Mattos 
(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  1,  cad.  2.»,  íl.  102  v.  ). 

XXXV 

assento  de  outro  baptismo  com  o  mesmo  padrinho 

(2^  setembro  iG3g) 

Anno  de  ibSij 

Aos  28  de  7.t"'o  baptizei  a  Isabel  f.a  de  Ant.o  ferrão  e  de  sua  m."  m.»  peres, 
forão  padrinhos  assignados  bras  Gr.ca  m.a*  e  m.a  de  mesquitta  *  m."  de  J."  Gomes 
botelho  por  lembr.ca  fis  e  assinei. 

Roque  dias  de  mattos 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  I.  i,  cad.  2.",  fl.  lOí  v."). 


*  Prima  inteira  do  poeta,  por  ser  filha  de  Filipe  .Madeira,  tio  materno  deste  (Notas  geiíeal.  II,  m  c,  4, 
e  IV  c" ;—Esquem.  geneal.  II,  d). 
2  Vid.  a  uota  antecedente. 


(i8)  ''Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

XXXVI 

ASSENTO  DE  UM  CASAMENTO  EM  AVÔ,  NO  QUAL  FIGURA 
COMO  TESTEMUNHA  BRÁS  GARCIA 

(KJ  maio  il)4'j) 
Anno  de  Uqo 

Aos  dez  dias  de  mayo  se  receberão  nesta  ig."'"  marcos  Rõiz.  com  C.na  Gomes, 
elle  f.o  de  Ant."  marques,  e  m.»  Gomes,  e  ella  f.»  de  m.sl  frz'.  e  m.a  Gomes,  o 
p.<=  Migel  frz'.  do  emparo  prior  da  feira  lhe  fez  as  bencõens  nuptiais.  forão  test.^s 
Ant.o  Rõiz  Migel  Núz.  mathias  frz'.  maicos  Gr.<;a  bras  (jr.<^a  e  outros  m.''s  por  uer- 

dade  fiz  e  assinei  eodem  die. 

Roque  dias  de  mattos 
(CS.  —  Regiíto  faroquial  Je  Avó,  1.  i,  cad.  i,  fl.  161  v.°). 

XXXVII 

resposta    de    d.    .TOÃO    IV 

A    CONSULTA    DO    CONSELHO    DE    GUERRA    DE    23    DEZ.     164O, 

QUE  FORA  DE  PARECER  QUE  SE  NOMEASSEM  DESDE  LOGO 

OS  OFICIAIS  NECESSÁRIOS  PARA  O  EXERCITO  QUE  SE  IA  CONSTITUIR 

(2rj  dezembro  i^>40) 

Por  as  considerações  que  se  tem  appontado  ao  Cons.o  em  resposta  de  outras 
consultas,  parece  que  por  agora  ate  ver  o  numero  de  gente  q  se  poderá  leuantar 
no  Reino  E  adonde  conuira  accudir  primeiro  com  ella,  se  pode  dilatar  o  prouimento 
de  tantos  ofíiciais  como  ha  de  hauer  em  três  exércitos,  E  a  grande  despesa  q  será 
forçoso  fazer  com  elles,  consumindo  o  cabedal  q  se  ha  de  hauer  mister  para  ao 
diante;  com  este  supposto  me  proponha  o  Cons.o  de  nouo  sogeitos  para  escolher 
ate  doze  Capitães  q  se  enuiem  a  differentes  lugares  a  leuantar  gente  declarando  per 
maior  os  seruiços  e  partes  de  cada  hum;  E  segundo  a  quantidade  de  gente  q  se 
for  leuantando,  e  o  que  pedirem  as  occasiões  se  prouera  no  de  mais.  Em  Lisboa 

a  29.  de  Dez.ro  de  640. 

(Rubrica  del-rei) 
(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  março  1,  n.**  12). 

XXXVIII 

CARTA   RÉGIA  NOMEANDO  D.  ÁLVARO  DE  ABRANCHES  DA  CAMARÁ 

PARA  O  CARGO  DE  CAPITÃO-GERAL 

DE  TODAS  AS  COMARCAS  DA  BEIRA,  E  DOS  SEUS  EXÉRCITOS 

(jS  janeiro  1641) 

D.  João  &.  faço  saber  aos  que  esta  minha  carta  patente  virem,  que  pela  con- 
fiança que  tenho  de  D.  Álvaro  d' Abranches  da  Gamara,  fidalgo  da  minha  casa,  do 
meu  Conselho  de  guerra,  governador  e  capitão  geral  de  Mazagão,  pela  particular 
confiança  que  delle  faço,  tendo  respeito  as  partes,  calidades,  valor  e  merecimentos 


'Documentos  (ig) 

que  concorrem  em  sua  pesson,  e  á  experiência  que  tem  dáj  coisas  da  guerra,  e  que 
em  tudo  em  que  o  encarregar  me  servirá  a  todo  meu  contentamento  e  satisfação 
e  procederá  com  o  mesmo  zelo,  e  amor  e  fidelidade  que  procedeo  na  ocasião  pre- 
sente e  em  tudo  o  mais  de  que  foi  encarregado,  e  da  mesma  maneira  procederá  na 
guarda  e  defensa  das  Comarcas  da  Beira  e  dos  logares  da  raia  delia,  de  que  ora  o 
encarrego,  e  por  folgar,  por  todos  estes  respeitos,  de  lhe  fazer  honra  e  mercê :  Hej 
por  bem  e  me  praz  de  o  prover  do  cargo  de  Capitão  geral  de  todas  as  Comarcas 
da  Beira  e  dos  exércitos  que  nella  se  levantarem,  para  que  me  sirva  na  forma  dos 
regimentos  e  ordens  do  dito  cargo.  Pelo  que  mando  a  todos  os  Alcaides  mores, 
donatários,  e  fidalgos.  Corregedores,  Provedores,  e  Ouvidores,  juizes,  e  justiças  e 
mais  pessoas  das  ditas  Comarcas,  mestres  de  campo,  sargentos  mores,  capitães  assi 
de  infantaria,  como  de  cavallo  e  mais  officiaes  e  soldados  e  exércitos  das  ditas 
partes,  a  todos  em  geral  e  cada  um  especial,  que  obedeçam  em  tudo  ao  dito 
D.  Álvaro  d'Abranches  da  Camará,  como  a  seu  capitão  geral,  e  cumpram  suas 
ordens  e  mandados,  como  são  obrigados  e  tão  inteiramente  como  devem,  sob  pena 
de  minha  desgraça.  E  por  esta  carta  o  hei  por  metido  de  posse  do  dito  cargo,  e 
por  fiimeza  de  tudo  lhe  mandei  dar  esta  carta  por  mim  assinada  e  selada  com  o 
selo  grande  de  minhas  armas.  Dada  na  cidade  de  Lisboa  aos  quinze  dias  do  mes 
de  janeiro.  Domingos  Luis  a  escreveu,  anno  do  nacimento  de  Nosso  Senhor  Jhús 
Cristo  de  mil  e  seiscentos  e  quarenta  c  um  annos.  António  Pereira  a  fez  escrever 

Rej 

(T.T.  —  Si/c rclaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  111.  iti  c  25). 

XXXIX 

CARTA  RÉGIA  PROVENDO  BRÁS  GARCIA  NO  CARGO  DE  CAPITÃO  DE  INFANTARIA 

(24  janeiro  i>)4i) 

Dom  João.  etc.  faço  saber  aos  que  esta  minha  carta  patente  virem  que  pella 
confiança  que  tenho  de  braz  gracia  mass.  e  auendo  resp.to  a  suas  partes  e  mere- 
cim.'os  seruicos  e  experiência  que  tem  das  cousas  de  guerra  e  per  confiar  delle 
que  en  tudo  o  de  que  o  emçnregar  me  seruira  con  toda  satisfação  ej  por  bem  e  me 
praz  de  o  prouer  do  cargo  de  capitão  de  hila  conpanhia  de  infantaria  do  exercito 
das  comarcas  da  beira  de  que  he  capitão  geral  don  aluaro  dabramches  da  camará 
do  meu  conss.o  de  guerra  pêra  cora  ella  me  seruer  a  sua  ordem  aonde  comvier  e 
isto  emquanto  eu  ouuer  por  bem  e  não  madar  o  cont.o  com  o  qual  cargo  auera  o 
soldo  que  lhe  pertence  e  gozara  de  todos  preuelegios  liberdades  jzencões  franquesas 
que  dr.'-im.i«  lhe  tocarem  e  de  que  gosão  os  mais  capitães  de  infanteria  e  a  dita 
companhia  terá  senpre  prestes  pêra  acoder  com  ella  aonde  se  lhe  ordenar  como 
espero  delle  que  o  fará  E  per  esta  carta  o  ej  per  rnitido  de  posse  do  dito  cargo 
jurando  pr.o  em  minha  Chr."  que  conprira  intr.^m.te  as  obrigacois  delle  E  mando 

Rtj 

(T.T.  -  Chanccllaria  de  D.  João  IV,  1.  12,  (I.  i3.  >). 


i  A  fl.  21  do  !.  3  da  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra  eticontra-ae,  em  seguida  ao  registo  de  uma 
outra  carta  do  capitão,  a  nota  seguinte :  —  outra  tal  patente  Como  a  de  cima  de  cap.m  de  infanteria  pr.a 
a  beira  a  Brás  garcia  inaacarenhas. 


f2oJ  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

aos  officiães  e  soldados  da  dita  companhia  que  o  tenhão  per  seu  capitão  e  lhe  obe- 
decão  e  guardem  suas  ordens  como  são  obrigados  E  per  firmeza  de  tudo  lhe  made) 
dar  esta  carta  per  ml  asinada  e  selada  cõ  o  sello  grande  de  minhas  armas  Dada  na 
cidade  de  Is. a  a  uinte  quatro  de  jan.™  António  marques  a  fez  ano  de  mil  e  seis- 
centos quarenta  e  hú  eu  ant."  pja  a  fiz  escreuer  diz  o  emmendado  —  António. 

XL 

CARTA  REGIA  A  D.  ÁLVARO  DE  ABRANCHES  DA  CAMARÁ, 

RECOMENDANDO-LHE  QUE  NÃO  CONSINTA   QUE  SE  PONHA  INCÊNDIO 

NOS  LOGARES  DO  INIMIGO,  A  NÁO  SER  QUE  ESTE,  DEPOIS  DE  POUPADO, 

INCENDEIE  O  QUE  É  NOSSO;  DEVENDO,  EM  TODO  O  CASO, 

POUPAR-SE  SEMPRE  AS  IGREJAS,  AS  MULHERES  E  AS  CRIANÇAS 

fig  setembro  16J./J 

Dom  Álvaro  de  Abranches  e  Camará,  amigo.  Eu  el  Rei  vos  envio  muito 
saudar.  Considerando  os  grandes  inconvenientes  que  trás  consigo  o  modo  de 
guerrear  pondo  o  fogo  e  queimando  os  logares,  experimentando  sempre  este  dano, 
pela  maior  parte  os  mais  pobres  e  miseráveis  de  cada  parte,  fui  servido  resolver 
que  quando  se  offereça  e  haja  occasiáo  de  se  entrar  em  terras  do  inimigo,  toman- 
do-se  alguns  lugares  seus  que  não  se  possam  guarnecer  para  me  ficarem,  sejam 
saqueados,  mas  que  não  se  queimem,  porem  se  depois  de  feita  desta  parte  esta 
demonstração,  que  se  hade  procurar  seja  notória  nos  lugares  dos  inimigos,  e  se 
elles  da  sua  proseguirem  o  modo  de  guerrear  dos  incêndios,  em  tal  caso  se  fará  o 
mesmo  com  todo  o  rigor,  guardando-se,  porem,  sempre  as  ordens  dadas  acerca  das 
Igrejas,  molheres  e  meninos.  Do  que  me  pareceu  avisar-vos,  para  que  tendo  en- 
tendido o  que  se  refere  nesta  carta,  façaes  que  em  conformidade  delia  se  proceda 
pelas  partes  a  que  abranger  a  vossa  jurisdição.    Escrita  em  Lisboa  19  de  setembro 

de  1641  1. 

Rej 

(T.T.  —  Sccrelaría  do  Conselho  de  Guerra,  1.  i,  ti.  102  v.°). 

XLI 

CARTA  RÉGIA  EXONERANDO,  POR  MOTIVO  DE  DOENÇA, 

D.  ÁLVARO  DE  ABRANCHES  DA   CAMARÁ, 

DO  CARGO  DE  CAPITÃO-OERAL  DA  BEIRA, 

E  COMUNICANDO  QUE  ERA  NOMEADO  PARA  ESSE  CARGO 

FERNÃO  TELES  DE  MENESES 

(■25  outubro  1641) 

Dom  Álvaro  d'Abranches  amigo.  Eu  el  Rei  vos  envio  muito  saudar.  Tendo 
entendido  que  vos  achaes  muito  enfermo  e  impossibilitado  de  acudir  ás  obrigações 
desse  cargo  e  que  tendes  precisa  necessidade  de  vos  curar  houve  por  bem  con- 
cedervos  licença  para  o  fazerdes  e  nomeio  para  o  cargo  de  capitão  geral  dessa 
província  da  Beira  a  Fernão  Telles  de  Meneses  do  meu  Conselho  de  Guerra.  E 
para  que  possaes  logo  usar  da  licença,  sem  esperar  que  chegue  antes,  mando  en- 
carregar a  João  de  Saldanha,  tenente  geral  da  cavallaria  dessa  província,  em  quanto 


<  Idênticas  se  expediram  aos  outros  governadores  das  fronteiras,  com  as  datas  de  18  e  19. 


'Documentos  (21) 

Fernão  Telles  não  chega,  que  governe  as  armas.  E  vos  fazendolhe  entrega  de 
tudo  o  que  tocar  a  ellas,  e  está  por  vossa  conta,  com  toda  a  boa  razão  e  fazendolhe 
as  advertências  necessárias,  para  melhor  cumprir  com  a  obrigação  de  meu  serviço, 

vos  podereis  vir.     Escrita  em  Alcântara  a  25  de  outubro  de  641  '. 

Rej 
(T.T.  —  Secrelaria  do  Conselho  da  Guerra,  1.  i,  11.  112  v.°l. 

XLII 

CARTA  RÉGIA  NOMEANDO  O  CAPITÃO  K  SARGENTO-MÓR  D.  SANCHO  MANOEL 
MESTRE  DE  CAMPO  DO  EXERCITO  DA  BEIRA 

(i3  novembro  1  f')4i) 

D.  João  etc.  faço  sab:-r  aos  qu;  esta  minha  carta  patente  virem  que  pella  con- 
fiança que  tenho  do  Capitão  e  Sargento  mor  Dom  Sancho  Manoel  fidalgo  de  minha 
casa  e  por  esperar  delle  que  no  de  que  o  encarregar  me  servirá  com  toda  a  satis- 
fação tendo  respeito  a  suas  partes  qualidade  merecimentos  experiência  e  serviços 
feitos  por  discurso  de  algús  annos  em  Milaõ  Lombardia  e  flandes  achandosse  em 
muitas  ocasiões  de  guerra  e  particularmte  na  tomada  de  Belsuert  donde  sahio 
muito  mal  ferido  c  alem  disto  embarcarse  para  o  Brasil  na  armada  de  que  foi  ge- 
neral o  Conde  da  torre  aonde  assistio  dous  annos  e  achar  se  nas  quatro  batalhas 
que  teue  com  a  armada  de  Olanda  sobre  a  Ilha  de  Tamaraca  peleijando  com  muito 
uaior  Hey  por  bem  e  me  praz  por  todos  estes  respeitos  de  o  prouer  do  cargo  de 
mestre  de  campo  da  gente  de  guerra  paga  que  ouuer  na  prouincia  da  Beira  aonde 
vay  seruir  com  o  qual  auerá  o  soldo  que  lhe  pertencer  e  gosará  de  todas  as  pre- 
minencias  graças  priuilegios  isenções  e  franquesas  que  direitamente  lhe  tocarem  e 
de  que  gosaõ  os  mais  Mestres  de  campo  de  meus  exércitos  pello  que  mando  ao 
meu  capitão  geral  da  dita  prouincia  o  tenha  conheça  honre  e  respeite  como  a  tal 
mestre  de  campo  e  lhe  deixe  seruir  e  exercitar  o  dito  cargo  e  ao  Sargento  mor 
capitães  ajudantes  officiaes  e  soldados  do  dito  terço  lhe  obedeção  cumpraõ  e  guar- 
dem suas  ordens  como  deuem  e  saó  obrigados  e  por  esta  o  hey  por  metido  de 
posse  do  dito  cargo  jurando  primeiro  na  forma  costumada  que  cumprirá  inteira- 
mente as  obrigações  delle  e  por  firmesa  de  tudo  lhe  mandei  dar  esta  carta  por 
mim  assinada  e  sellada  com  o  sello  grande  de  minhas  armas.  Dada  na  cidade  de 
Lisboa  aos  treze  dias  do  mes  de  nouembro  Domingos  Luis  a  fez  anno  do  nacimento 
de  nosso  senhor  Jesu  Xpo.  de  Í64Í. 

Rej 

iT.T.  —Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  III,  fl.  112). 

XLIII 

RESPOSTA  DE  EL-REI   A  DUAS  CARTAS  DE  JOÃO  DE  SALDANHA,  SOBRE  A  URGÊNCIA 
QUE  HAVIA  DE  CONCLUÍR    AS  REPARAÇÕES  DAS  PRAÇAS  DA  FRONTEIRA. 

(3  dezembro  1641J 

Joaõ  de  Saldanha  Ev  El  Rej  vos  emuio  muito  saudar  receberão  se  duas  cartas 
vossas  de  12.  e  i5.  do  mes  passado  em  que  auisais  da  necessidade  que  ha  de  se 

I  Semelhante  se  escreveu  a  João  de  Saldanha. 


f22)  Ur  ás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

concertarem  e  repararem  os  muros  das  praças  dessa  fronteira  que  falta  gente  para 
as  acabar  de  prisidiar  por  naõ  hauer  mais  de  1400  infantes  e  faltar  dinheiro  para 
continuar  as  leuas,  que  se  tomem  por  empréstimo  3á  e  tanto  cruzados  tocantes  ao 
Inquisidor  geral  que  estaó  na  maó  do  Corregedor  da  Guarda  em  deposito  e  o  que 
mais  se  ouuer  de  cobrar  delias  pello  natal  e  4Íí>  cruzados  que  estaó  em  Viseu  de- 
positados do  Duque  de  pestrana  e  vendo  tudo  e  o  que  mais  aduertis  me  pareçeo 
dizeruos  que  Cbtas  dua<;  partidas  de  dinheiro  que  appontais  se  ordene  as  pessoas  em 
cujo  poder  está  que  o  tenha  em  deposito  prompto  para  quando  se  lhe  pedir  que 
será  quando  se  ouuerem  de  continuar  leuas  de  gente  por  se  ter  por  bastante  a  que 
agora  ha,  e  os  dous  Engenheiros  que  pedis  se  enuiaraó  para  se  acabarem  as  for- 
tificaçois  começadas  e  anisarem  de  outras  que  mais  sejaó  necessárias.  E  por  onde 
toca  se  tem  ordenado  que  o  dinheiro  das  3. as  se  naõ  diuirta  das  despezas  das  for- 
tificaçois  a  que  está  aplicado,  de  armas  se  tem  mandado  prouer  essa  prouincia 
com  as  mais  que  ha  sido  possivel,  e  das  que  mais  forem  vindo  se  acudirá,  e  em 
quanto  esse  gouerno  estiuer  por  vossa  conta  espero  naõ  faltareis  com  o  zello  e 

cuidado  deuido  a  quem  sois  Escrita  em  Lixboa  a  3  de  dezembro  de  1641. 

Rej 
iT.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  I,  H.  114  v.°). 

XLIV 

CARTA  RÉGIA  A  FERNÃO  TELES  DE  MENESES  COMUNICANDO  A  IDA  DE 

DOIS  ENGENHEIROS  PARA  VEREM  AS  PRAÇAS  E  DESENHAREM 

AS  OBRAS  QUE  HAVIA    A  FAZER 

(■/fevereiro  1642) 

Fernaõ  Telles  de  Meneses  amigo  Ev  El  Rej  vos  enuio  muito  saudar  a  Pêro 
Girles  Sam  Paulo  e  Nicolas  de  lile  engenheiros  enuio  a  essa  prouincia  para  verem 
as  fortificaçois  que  está  feitas  nas  praças  delia,  e  desenharem  as  mais  que  forem 
necessárias  para  sua  defenssa  e  segurança,  encomendouos  que  com  toda  a  breui- 
dade  procureis  por  em  execução  a  obra  que  elles  desenharem  fazendo  que  se  tra- 
balhe nella  com  toda  aplicação  para  que  se  acabe  antes  que  entre  o  veraõ  e  que 
com  as  pessoas  destes  engenheiros  se  tenha  toda  a  boa  correspondência  que  se 
lhes  deue  para  que  obrem  em  tudo  o  que  estiuer  por  sua  conta  com  gosto  e  von- 
tade.    Escrita  em  Lisboa  a  7  de  fevereiro  de  i»)42. 

Rej 

iT.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  1,  li.  140). 

XLV 

EXCERPTO  DE  UMA  CARTA  DE  FERNÃO  TELES  DE  .MENESES  A  D.  JOÁO  IV 

PEDINDO  A  NOMEAÇÃO  DE  PESSOA  COMPETENTE  PARA  GOVERNADOR 

DA  PRAÇA  DE  ALFAIATES  ;  PARECER  DO  CONSELHO  DE  GUERRA  E  RESOLUÇÃO  RÉGIA 

(Maio-junho  1642) 
De  uma  carta  de  Fernão  Telles  de  Meneses  de  23  de  May  o  de  1642. 

Senór.  A  Praça  de  Alfayates  he  a  chaue  de  toda  esta  prouincia  da  Beira,  ne- 
cessita para  a  gouernar  de  húa  pessoa  de  grande  experiência  e  de  grande  talento. 


'Documentos  (23) 

porque  nella  se  manda  pôr  o  mavor  golpe  de  gente  que  ouuer  paga,  por  que  ademais 
de  ser.  necessário  para  sua  defensa  delia  se  acode  a  muitos  legares  uisinhos  quando 
necessitaõ  de  socorros,  o  que  soe  ser  muitas  uezes  por  naõ  se  poderem  deffender 
de  outra  maneira,  e  asy  se  V.  Mg.de  for  seruido  mandar  sogeito  para  ella  tal  que 
possa  ocupar  bem  este  lugar,  entendo  que  será  muito  conueniente  a  seu  seruiço. 

Portaria 

Manda  elRej  nosso  Siínhor  que  se  ueja  logo  no  Conselho  de  Guarra  e  se  con- 
sulte o  que  p;ireccr.  Em  Alcântara  2  de  Junho  de  642. 

Francisco  de  Lucena. 

Conniilta  do  Conselho  de  Guerra 

Snor  , 

Aduerte  o  General  Fernaõ  Telles  de  Meneses  no  Capitulo  da  c.irta  sua  incluso, 
que  V.  Mgd«  manda  se  veja  e  consulte,  quanto  convém  enuiarselhe  hií  sogeito  de 
grande  experiência  e  talento  que  gouerne  a  praça  de  Alfayates  por  ser  a  chaue  de 
toda  a  Prouincia  da  Beira,  e  hauer  de  assistir  nella  o  mavor  golpe  de  gente  paga 
que  ouuer  nella. 

O  Conselho  entendendo  a  grande  importância  de  que  he  assistir  naquella  praça 
hum  soldado  de  experiência,  valor,  e  toda  a  confiança  e  de  quem  ;  2  possa  fiar  a 
segurança  e.  detTensa  dell.i,  e  considerando  em  quais  dos  que  de  pre.;ente  se  achaõ 
nesta  corte  concorrem  estas  partes  propõem  logo  por  ganhar  tempo  para  o  posto 
de  Capitão  mor  de  Alfayates  ao  Sargento  mór  Diogo  Gomes  de  Figueiredo  que  o 
he  do  terço  da  nobreza  que  gouerna  o  Marques  de  Montaluaõ,  o  capitão  Fran- 
cisco Barroso,  e  ao  Capitão  João  Babilão  de  Sousa  todos  três  sogeitos  de  muitos 
annos  de  seruiço  em  guerra  viua,  e  que  nos  postos  que  occuparaõ  nella  deraõ  in- 
teira satisfação,  e  o  que  V.  Mg^^  escolher  deue  uençer  o  soldo  que  lhe  tocar  pelo 
ultimo  posto  que  ouuer  tido,  pagandosselhe  conforme  as  ordens  di  V.  Mgde  por 
serem  todos  três  soldados  de  fortuna  e  naõ  terem  cabedal  para  se  sustentar  sem 
soldo,  e  naõ  se  poder  escusar  dalo  aos  Capitães  mores  que  o  forem  de  praças  que 
ficaõ  taó  vezinhas  a  Raya  como  Alfayates.     Lisboa  21  de  Junho  de  642. 

CTrés  rubricas  V 
Resolução  da  Consulta 

Nomeo  ao  Capitão  João  Babilaõ  de  Sousa  e  o  soldo  seja  com  >  parece.  Em 
Alcântara  21  de  Junho  de  642. 

(Rubrica  del-rei) 
íT.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra  maço  2,  n."  180). 


1  Ue  D.  João  de  .Meneses,  do  Conde  de  Penaguião,  e  de  D.  Joáo  da  Gosta,  conselliciros  presentes. 


(24)  ^rás  Garcia  de  éMascaren/ias 

XLVI 

RELATÓRIO  DIRIGIDO  A  D.  JOÁO  IV  POR  FERNÃO  TELES  DE  MENESES 

SOBRE  ASSUNTOS  DA  GUERRA,  EM  QUE    REFERE  TER  PRESO 

POR  INCONFIDENTE  O  CAPITÃO  BRÁS  GARCIA   DE  MASCARENHAS,  COM  UM  OUTRO; 

CONSULTA  DO  CONSELHO  DE  GUERRA 

(Jiilho-agosto  1642) 

Relatório 

S.o» 

Duas  Cartai  de  VMgde  recebi  com  este  correo  húa  escrita  pella  secretaria  de 
estado,  e  outra  pella  do  Cons.°  de  guerra,  e  a  data  de  ambas  em  hú  mesmo  dia, 
pella  p.a  me  manda  V  Mgde  que  faça  com  breuidade  segar  o  pam  que  ouuer  por 
esta  aRaya  naó  admitindo  pratica  que  o  inimigo  intente  fazer,  em  rezão  de  se 
poderem  Recolher  os  trigos  de  húa  e  outra  parte  sem  perigo,  e  que  eu  lhe  precure 
fazer  a  guerra  em  toda  a  ocaziaó  que  se  me  offerecer  com  todo  o  rigor,  e  trás  disto 
me  faz  V  Mg^e  na  dita  carta  as  honrras  que  costuma  fazer  aos  que  o  seruem  com 
o  zello  e  amor  que  em  mf  Reconhesse  ter  a  seu  Real  seruisso,  e  pella  segunda  feita 
pelo  Cons.o  de  guerra  me  faz  V  M^e  ni.  de  me  dizer  que  pella  experiência  ter  mos- 
trado que  nas  emtradas  que  pellas  fronteiras  se  tem  feito  he  maior  o  dano  que  se 
recebe  que  a  utilidade  que  se  consegue  e  que  o  que  couem  sobre  tudo  he  tratar 
de  fortificar  e  ter  as  prazas  -em  estado  defensiuel  e  que  conuinha  ao  seruisso  de 
V  Mgáe  que  asim  como  se  lhe  da  conta  das  emtradas  que  se  fazem  nas  terras  do 
inimigo  e  do  dano  que  recebe  se  lhe  desse  também  dos  que  elle  fes  neste  Reyno 
e  dos  danos  que  delle  se  recebe  mandandome  fizesse  rolação  por  menor  das  em- 
tradas e  danos  que  o  inimigo  tem  feito  nesta  Prouincia  e  por  que  partes  e  a  que 
luguares  chegou  e  o  que  obrou  nelles  asi  de  mortes  como  de  roubos  e  insendios 
por  ser  seruido  de  querer  ter  de  tudo  inteira  noticia,  e  satisfazendo  ao  que  V.  Mgde 
me  manda  nesta  parte,  digo  que  desdo  pr."  dia  que  cheguei  a  esta  Prouincia  ate 
hora  prezente  cm  que  faço  esta  dei  conta  a  V  Mg.^e  mui  por  menor  de  tudo  o  que 
nella  sucedeo  pello  gouerno  e  como  me  não  descuidey  desta  obrigação  o  fazello  por 
Duplicadas  uias  me  não  pareceo  necessário  por  não  cansar  a  V  Mg.de  a  quem  sem 
embargo  de  ter  dado  conta  de  tudo  o  torno  a  fazer  agora  como  mo  manda  fazendo 
relação  de  todos  os  sucessos,  e  así  digo  que  cheguando  aqui  em  3o  de  Março,  tra- 
tei logo  de  sabjr  o  estado  em  que  o  inimigo  estaua  de  forças  e  auendo  conhecido 
seu  poder  que  se  não  hera  maior  que  o  nosso  não  hera  menor  e  mouido  da  rezão 
que  logo  reprezentei  a  V  Mgd^  aiuntei  a  gente  que  pude  q  ao  todo  entre  gente 
paga  e  da  ordenãça  faria  mil  e  quoatro  sentos  infantes  e  com  elles  entrei  a  serra  da 
gatta  tomei  o  Castello  d'Elges  a  uilla  de  Valuerde  e  a  uilla  d'Elges,  fazendo  lhe 
tomar  a  estas  duas  Villas  a  uos  de  V  Mgd^  clamando  o  por  Rey  e  s.or  pella  qual 
rezão  os  liurei  de  serem  saqueados  obrigandosse  as  ditas  duas  villas  por  este  be- 
neficio a  dar  cada  somana  o  pão  aseite  e  uinho  necessário  p.^  sustentação  do  presidio 
que  hauia  metido  no  Castello  E  nesta  entrada  morrerão  do  inimigo  8,  ou  9,  pessoas 
e  da  nossa  parte  nem  morto  nem  ferido  algú,  e  no  Castello  deixei  ao  Mestre  de 
Campo  D.  Sancho  M.^i  com  Soo  infantes  e  me  retirei  a  uilla  de  penamacor  aonde 
comesei  a  tratar  da  fortificação  delia  por  ser  fronteira  tão  importante  e  4  dias 


J 


*  1 


l^ociuncntns  (2S) 

depois  de  minha  cheguada  me  ueo  noua  como  o  inimigo  tinha  sitiado  o  dito  Cas- 
tello  e  tendo  asim  entêdido  tratei  de  lhe  fazer  leuantar  o  serquo  aiuntando  p.a  este 
effeito  a  gente  que  pude  que  foi  m.to  menos  que  a  da  pr.-i  entrada,  marchei  na  uolta 
do  dito  Castello  ao  qual  fiz  logo  leuantar  o  serquo  que  o  inimigo  fez  sem  esperar 
m.'3s  horas  e  perdeo  nesta  refrega  5,  ou  6  soldados  e  da  nossa  parte  não  ouue  perda 
algúa  e  somente  o  inimigo  matou  nos  dias  que  teue  sercado  o  dito  Castello  ao  ca- 
pitão João  Corrêa  de  Sousa  q  por  húa  torneira  lhe  entrou  hua  bala  perdida  e  na 
mesma  noute  q  seguio  o  dia  que  fiz  leuantar  o  serquo  me  aloiei  na  Villa  de  Valuerde 
com  toda  a  gente  q  leuaua.  Em  o  outro  dia  auistei  a  uilla  de  são  Martinho  con 
tenção  de  acometer  como  fiz  occupando  três  postos  por  onde  enuisti  suas  trinchei- 
ras conbatendo  as  e  dando  lhe  grandes  cargas  de  mosquetaria  por  mais  de  4  horas 
porem  o  tempo  me  aiudou  tão  mal  que  depois  de  estar  arrimado  as  ditas  trincheiras 
choueo  tanta  agoa  en  tanta  cantidade  e  tão  continuada  q  molhou  a  poluora  murão 
e  casoletas  de  sorte  q  não  tomauão  fogo  e  asim  foi  forcado  uisto  cheguarsse  a 
noute  e  não  ter  aonde  me  acortelar  retirarme  como  fiz  deixando  morto  ao  inimigo 
120  homens  e  queimadas  alguas  cazas  na  mesma  villa  e  estando  o  socorro  q  de 
Cidaud  Rodrigo  uinha  p»  a  dita  villa  a  minha  uista  e  constando  de  caualharia  e 
infantaria  não  som.te  me  não  busquarão  uendo  o  dano  q  lhe  estaua  fazendo  ao 
dito  luguar  mas  nem  me  impedirão  o  passo  na  retirada  e  da  nossa  parte  so  ouue 
perda  de  8  soldados  e  três  ou  quoatro  feridos  e  naquella  noute  me  tornei  aloiar  na 
Villa  de  Valuerde  e  no  outro  dia  auendo  reconhecido  hú  Padrasto  que  o  Cas- 
tello de  Elges  tinha  de  q  se  não  auia  dado  ja  por  estar  na  serra  cuberto  com 
algu  mato  e  que  uoltando  me  eu  a  Portugal  o  inimigo  poderia  tornar  a  serqualo 
e  não  ser  posiuel  ir  cada  dia  aleuantar  serquos  por  não  ter  gente  necessária  me 
resolui  a  desmantelar  o  dito  Castello  como  logo  fis  queimando  a  maior  parte  delle 
e  a  uilla  de  Elges  por  auer  quebrado  a  palaura  que  tinha  dado  de  reconhecer 
sempre  a  V.  Mg.de  por  seu  Rey  e  s.o""  foi  saqueada  e  abrazada  e  com  isto  me 
uoltei  outra  ues  a  Penamacor  aonde  me  detiue  algús  dias  continuando  com  a  for- 
tificação e  passados  elles  me  fui  a  Almeida  aonde  logo  tratei  de  tomar  AJdea  Do 
Bispo  por  ser  luguar  mui  uezinho  e  auendo  no  dito  luguar  200  soldados  pagos  e  200 
moradores  q  com  elles  tomarão  armas  estando  bem  forteficados  foj  Ds.  seruido  de 
q  conseguisse  o  intento  entrando  o  dito  luguar  e  matando  lhe  ao  inimigo  mais  de 
123  homens  e  trasendo  prisioneiros  146  e  o  gouernador  da  Praça  e  2  Alferes  e  2 
sargentos  e  outras  pessoas  particulares,  e  da  nossa  parte  não  ouue  mais  que  dous 
(á  margem:  o  luguar  de  Casteleio  queimei  neste  mesmo  dia)  feridos  e  morto  o  Ca- 
pitão alonso  de  touar  e  como  o  dczeio  de  seruir  Mg.de  me  não  deixaua  descuidar 
de  o  fazer  despois  deste  dia  fiz  fazer  4  entradas  das  quais  se  trouxerão  cantidade 
de  gado  e  trás  destas  se  fez  outra  em  Villar  de  porquo  de  donde  se  trouxe  outra 
preza  e  com  ella  a  dous  clérigos  q  no  dito  luguar  se  acharão  sendo  hii  delles  degni- 
dade  da  See  de  Cidad  Rodrigo  e  outro  benefeciado  daldea  do  Bispo  e  saindo  o  ini- 
migo a  querer  resgatar  a  dita  preza  com  caualharia  e  infantaria  lhe  forão  tomados 
doze  caualos  com  seus  soldados  e  armas  e  se  trouxe  a  preza  tanto  a  seu  pezar  q 
dahi  a  pouquos  dias  fiz  arazar  a  fontes  luguar  de  Castella  húa  cazaforte  na  qual  se 
recolhia  gente  p.a  fazer  correr  a  Raya  e  como  esta  caza  p.a  elles  hera  de  tanta  im- 
portância em  breues  dias  a  tornarão  a  reedifiquar,  e  así  me  resolui  acabar  aquelle 
luguar  de  húa  ves  e  sahi  de  Almeida  com  a  pouqua  cavalharia  q  ali  tinha  e  com 
5oo  infantes  sabendo  q  o  inimigo  estaua  com  golpe  de  gente  lhe  amanhasi  sobre 


(26)  ^rás  Garcia  de  oMascareiíhas 

o  dito  luguar  e  comesando  a  bater  a  dita  caza  com  2  peças  que  leuei  me  ueio  auizo 
q  o  inimigo  por  três  partes  o  uinha  socorrer  como  de  feito  fes  porem  succedeu  lhe 
tão  mal  que  iuntandosse  todo  seu  socorro  em  que  uinha  o  seu  mestre  de  campo 
general  e  lho  rompi  matando  lhe  m.">  gente  e  tomando  lhe  cantidade  de  armas 
seis  caualos  6.  prizioneiros  4.  tambores  e  emtre  os  seus  mortos  hú  capitão  de  que 
fizerão  grande  sintim.to  e  fiquei  s.or  do  campo  e  com  este  sucesso  me  recolhi  outra 
ues  a  Almeida  sem  da  minha  parte  auer  mais  q  3  feridos  e  nenhií  morto  e  com  isto 
o  inimigo  despegou  o  lugar  e  eu  lhe  mandei  arazar  a  cazaforte  dali  a  huns  dias  de 
maneira  fiquou  que  a  não  tornarão  a  leuantar  mais,  e  em  3  de  julho  indo  comesar 
a  tratar  da  sega  do  pam  sahio  o  inimigo  do  guardão  com  600  infantes  e  m.ta  caua- 
Iharia  e  em  campanha  raza  se  cõbateo  cón  nosco  e  da  nossa  parte  aueria  400  in- 
fantes e  80  caualos  e  durou  a  resfregua  quazi  três  horas  e  resultou  delia  o  matar 
lhe  ao  inimigo  2  capitõis  e  a  m.tos  soldados  e  trazer  prezo  hu  sargento  mor  e  a  des 
soldados  e  lhe  tomarão  m.tas  armas  que  deixarão  no  campo  auendo  o  desemparado 
cõ  grande  desordem  que  foy  cauza  de  lhe  matarem  tanta  gente  sem  da  nossa  parte 
auer  morto,  nem  ferido  mais  que  dous,  e  hú  caualo  morto  e  depois  deste  sucesso 
se  fes  outra  entrada  junto  a  gualheguos  em  que  se  tomou  ao  inimigo  boa  cantidade 
de  gado,  e  agora  ultimam.'^  em  22  do  prezente  se  fez  híía  entrada  em  o  pinhal  de 
Cidad  rodrigo  4  legoas  a  dentro  de  Castella  de  donde  se  trouxe  450  cabeças  de 
gado  uacão  e  alguns  prizioneiros,  e  nas  distancia  destas  4  legoas  saquearão  os  sol- 
dados alguns  luguares  q  acharão  despelados  e  este  he  o  dano  q  ao  inimigo  tenho 
feito  q  não  ha  sido  pouquo  porque  em  espaço  de  3  mezes  q  ha  q  comessei  a  guerra 
lhe  tomei  hu  castello  e  o  fis  des  serquar  e  o  arazei  e  hua  cazaforte  e  destruy  as 
Villas  d'Elges  Valuerde  Aldeã  do  Bispo  Casteleio  e  fontes  e  lhe  tenho  morto 
mais  de  quinhentos  homens  e  prezo  mais  de  duzentos  com  tantas  prezas  de  gado 
como  se  ue  per  esta  carta  coraprindo  mui  inteiram.te  a  ordem  q  V.  Mg.Je  me  tem 
dado  p.a  q  faça  a  guerra  con  todo  o  rigor  encontrandome  c5  o  inimigo  tantas  uezes 
ficando  eu  sempre  s.or  do  campo  com  tanta  reputação  das  armas  de  V.  Mg  de  O 
dano  que  elle  nos  tem  feito  relatarei  eu  agora  a  V.  Mg.d^. 

Estando  em  Penamacor  aonde  me  recolhi  da  pr.a  entrada  que  fiz  em  Castella 
como  tenho  relatado  me  ueio  auizo  q  descarigo  auião  fogido  pêra  Castella  2  ca- 
pitõis hú  pago  que  ahi  estaua  de  gornição  com  huma  companhia  e  outro  da  orde- 
nança con  quoatro  ou  sinquo  pessoas  das  mais  nobres  do  dito  luguar  de  cuios 
nomes  e  sua  fugida  dei  logo  conta  a  V.  Mg.d«  e  depois  de  estarem  em  Castella  com 
informação  q  delles  deuia  tomar  o  inimigo  e  com  o  fauor  que  achou  em  Brás  gra- 
cia  mascarenhas  gouernador  de  Alfaiates  que  eu  tenho  prezo  por  pouquo  confidente 
porq  quando  menos  lhe  queria  emtreguar  a  praça,  como  consta  de  sua  deuassa, 
ueio  por  aquella  parte  da  nossa  aRaya  e  achando  resistência  em  aldeã  da  ponte 
de  donde  Brás  gracia  tinha  tirado  a  gornição  q  ali  estaua  porq  milhor  pudesse  con- 
seguir seu  intento,  e  uendo  com  isso  não  podia  passar  adiante  pêra  se  meter  em 
Alfaiates  como  lhe  tinha  prometido  o  dito  Brás  gracia  se  foi  fazendo  algú  dano 
nas  aldeãs  daquella  arava  como  são  forcalhos  fuinhos  lagioza  aldeã  uelha  quei- 
mando em  cada  hua  destas  aldeãs  algumas  cazas,  e  seya  lhe  a  V.  Mg.de  prezente 
como  cada  aldeã  destas  consta  hua  de  trinta  cazas  e  outras  de  uinte  e  sinquo 
e  que  p.a  lhe  fazer  este  pouquo  dano  bastauão  seis  ou  sete  homens  porque  não 
tem  nem  pode  ter  nenhua  resistência  e  se  eu  quisera  queimar  em  Castella  lugua- 
reios  semelhantes  o  tiuera  feito  a  mais  de  sinquoenta  mas  não  me  pareceo  que 


"Docuiuenlos  f2j) 

seria  facão  de  estima  obrar  nada  em  couza  tão  uil  da  mesma  maneira  pello  fauor 
que  o  inimigo  achou  em  Rodrigo  soares  pantoia  gouernador  de  Almeida,  e  prezo 
por  mim  por  esta  cauza  como  do  auto  de  sua  prizão  e  deuassa  se  uera,  ueio  no 
mesmo  tempo  a  uai  de  la  mula  húa  aldeã  nossa  bem  no  estremo  da  Raya  q  não 
chega  a  35  cazas  cuios  moradores  uierão  a  Almeida  q  dista  so  meia  legoa  da  dita 
aldeã  a  pedir  socorro  q  o  dito  R.o  soares  lhe  não  quis  dar  pella  qual  rezão  pegou 
fogo  o  inimigo  a  esta  aldeã  e  hera  tão  pouquo  o  seu  poder  q  resoluendosse  des 
soldados  q  na  Praça  de  Almeida  asistião  a  socorrer  a  dita  Aldeã  uendo  q  Ro  soares 
lhe  negaua  o  socorro  bastarão  elles  só  p.=>  fazerem  retirar  o  inimigo  e  trazer 
alguns  despoios  que  os  moradores  tinhão  deixado  antes  de  se  sairem  deste  luguar 
como  fizerão  tanto  q  auistou  o  inimigo,  os  moradores  de  freneda  e  de  escarigo 
e  de  são  p.o  de  rio  sequo,  sem  o  inimigo  lhes  fazer  dano  algú  obrigados  do  te- 
mor por  estarem  tão  perto  da  Raya  despelarão  os  luguares  recolhendosse  ao  certáo, 
como  também  em  Castella  os  Castelhanos  despeiarão  villar  de  seruo,  e  uilar  de 
la  egeia  Alameda  Barquilho  espcia  Tontes  uilar  de  porco  obrigados  do  temor  q  lhe 
cauzou  a  minha  uinda  de  Penamaquor  a  Almeida  aonde  logo  uim  em  socorro  das 
nossas  aldeãs  fazendo  m.'as  prizóes  em  pessoas  pouquo  confidentes  de  q  logo  fiz 
relação  a  V  Mg.<i^  E  este  he  o  dano  q  o  inimigo  tem  feito  fiandosse  no  fauor  q 
achou  nos  seus  confidentes,  agora  seia  V  Mg.de  seruido  de  julguar  se  he  maior  o 
dano  q  o  inimigo  nos  tem  feito  que  a  utilidade  q  se  consegtiio  nas  emtradas  e  danos 
q  lhe  tenho  contado,  como  consta  da  relação  q  nesta  carta  faço  tão  aiustada  com 
os  sucessos  q  tem  passado  pellos  quais  V  Mg.de  por  tantas  cartas  suas  q  em  meu 
poder  estão  me  tem  honrado  fazendo  me  a  m  q  de  sua  grandeza  podia  esperar 
Nosso  s.or  G.de  a  católica  pessoa  de  V.  Mg.de  como  seus  vazalos  auemos  mister. 
Guarda  25  de  julho  642. 

FERNÃO  TELLES  DE  MENESES  ' 

Consulta  do  Conselho  de  Guerra 

Refere  o  General  da  Beira  Fernão  Telles  de  Meneses  na  carta  inclusa  que  re- 
cebeo  duas  de  V  Mg.de  húa  escrita  pela  secretaria  destado  e  outro  pela  do  Conso 
de  guerra.  Na  i'  lhe  manda  V  Mg.de  que  com  toda  a  breuidade  faça  segar  o  pão 
que  ouuer  junto  á  raya  não  admittindo  pratica  q  o  inimigo  intente  fazer  em  rasão 
de  se  poderem  recolher  os  trigos  de  hua,  e  outra  parte  sem  perigo,  e  q  procure  fa- 
zer lhe  guerra  em  toda  a  occasião  com  todo  o  rigor.  Na  2.'  Que  pella  experiência 
ter  mostrado  que  nas  entradas  que  pellas  fronteiras  se  tem  feito  he  major  o  dano 
que  se  recebe,  que  a  vtilidade  q  se  consegue,  conuem  sobretudo  tratar  de  fortificar, 
e  ter  as  praças  em  estado  defensauel;  E  que  assim  como  da  conta  das  entradas 
que  tem  feito  nas  terras  do  inimigo,  e  dos  danos  que  lhe  tem  dado,  a  dee  também 
das  que  elle  fez  neste  reyno,  e  dos  danos  que  delle  se  recebeo,  mandando  de  tudo 
relação  por  menor,  para  V  Mg.de  ter  inteira  noticia  do  q  nesta  matéria  ha  passado. 
—  Ao  que  Fernão  Tellez  satisfaz  na  carta  inclusa  particularizando  os  successos,  e  os 
dannos  q  o  inimigo  tem  recebido  em  espaço  de  três  meses  que  ha  que  gouerna  a 
guerra  naquella  Prouincia,  fazendo  entradas  em  Castella,  nas  quais  tomou  hum 
Castello  ao  qual  sitiando  despois  o  inimigo,  o  fez  descerquar,  e  o  arrazou  e  a  hua 
caza  forte,  destruindo  lhe  as  villas  de  Elges,  Valuerde,  Aldeã  do  Bispo,  Castellejo, 


<  Esta  carta  relatório  é  toda  autografa. 


(28)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas'' 

e  Fontes  matando  lhe  mais  de  quinhentos  homés,  prisionando  mais  de  duzentos, 
tomando  lhe  m.'o  gado,  encontrandosse  m.ws  ueses  com  o  inimigo  ficou  sempre 
senhor  do  campo  com  muita  reputação  das  armas  de  V  Mg.<i«  E  posto  q  do  inimigo 
se  tem  recebido  também  algum  dano  nas  entradas  que  fez  nas  Aldeãs  da  Ponte, 
Forcalhos,  Lagiosa,  e  Aldeã  Velha  queimando  algúas  casas,  (dando  causa  a  isto  a 
infidelidade  dos  Capitães  Brás  Garcia  Mascarenhas,  e  Ro  Soarez  Pantoja  com  que 
tinha  trato,  que  por  esta  rasão  os  tem  prezos)  com  tudo  foi  de  tão  pouca  conside- 
ração, a  respeito  do  que  tem  recebido,  como  se  pode  ver  mais  particularmente  da 
relação  que  faz  por  menor  na  carta  inclusa. 

Ao  Cons.o  pareceu  dizer  a  V  Mg.de  que  a  carta  que  pella  Secretaria  deste 
Cons.o  se  escreueo  a  Fernão  Tellez,  que  se  encontra  com  a  que  lhe  foi  da  mesma 
datta  pia  do  Estado  procedeo  da  resolução  que  V  Mag.de  tomou  em  hua  cons.w,  e 
sempre  conuira  que  quando  succeder  escreuer  aos  Generais  e  frontr.os  sobre  hSa 
mesma  matéria  por  differentes  uias,  não  se  diffira  na  sustançia  por  não  causar  en- 
leos,  e  o  descontentamento  que  Fernão  Tellez  mostra  ter  de  que  hauendosse  lhe 
escrito  pela  secretaria  destado  com  fauor,  e  agradecimento,  fazerse  pella  de  guerra 
com  aduertencias  do  q  deuera,  e  ha  de  fazer.    Lxa  8  de  Agosto  de  1642. 

(Duas  rubricas  V 
Resolução  à  tnargem 

Fiquo  aduertido  do  q  se  contem  nesta  consulta.  Em  Lx.a  a  i3  de  Agosto  de  642. 

(Rubrica  del-rei) 
(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  março  2,  n.°  r43. 

XLVII 

CARTA  DE  D.  SANCHO  MANOEL  A  EL-REÍ  PEDINDO  LICENÇA  PARA    SE  RETIRAR 

DA  CAMPANHA,  POR  NÃO  PODER  CONTINUAR  A  SUSTENTAR-SE  SEM  RECEBER    DINHEIRO, 

E  POR  LHE  SER  DIFÍCIL  SERVIR  COM  O  GENERAL  FERNÃO  TELES  ;  RESOLUÇÃO   REGIA 

(■-  novembro  1642) 
Snr 

Bem  notório  será  A  Vmag.de  ho  animo  E  zelo  q  Ei  mostrado  em  todas  as  ho- 
casihõis  q  se  ão  hoferesido  do  Real  seruiso  de  Vmg.de  nesta  fronteira  comrespõ- 
dêdo  A  minhas  hobrigasõis.  Agora  se  me  hoferese  Representar  a  Vmg.de  A  inposi- 
bilidade  con  que  me  Acho  de  poder  Comtinuar  ho  que  tãto  dezeio  nesta  fróteira  E 
É  deuerêseme  oito  mezes  de  soldo  q  pa  quem  E  tão  pobre  como  Vmg.de  sabe  que 
Eu  sou  me  parese  que  não  A  sido  pouca  fineza  ho  sustétarme  todo  este  uerão  sendo 
sépre  em  tudo  ho  que  se  emprêdeo  ho  primeiro  E  se  as  posibilidades  de  uma  mai 
pobre  e  uiuua  forão  bastãtes  continuara  por  diante  como  atéqui.  Ademais  Siõ 
que  nesa  Corte  tenho  negosios  así  meus  como  de  minha  may  q  nesesitão  de  minha 
Assistésia  e  sê  ela  pereserão  e  o  inuerno  q  inposibilita  cõ  seu  rigor  as  entradas 
de  Castela  pode  fasilitar  A  Vmg.de  ho  fazerme   merse  de  cõsederme  lisensa  polo 


1  Do  Conde  de  Penaguião  e  de  Joanne  .Mendes  de  V.isc.»',  que  foram  os  conselheiros  presentes 
neste  Conselho. 


T>ocitmcntos  (sg) 

têpo  limitado  que  for  seruido  E  quando  Vmg.d"^  não  seya  seruido  de  comsederme 

esta  merse  ma  fasa  dando  me  lisensa  que  me  recolha  este  inuerno  a  uma  comêda 

de  que  me  fes  merse  porq  ale  de  não  ter  conq  me  sustétar,  com  lio  general  fernão 

telles  me  é  mui  dificultoso  seruir  por  uer  quão  pouca  conta  fas  dos  soldados  hóra- 

dos  e  ualentes  e  quam  remisso  é  no  inportãte  do  seruiso  de  Vmg.^^^  cuia  Católica 

e  Real  pesoa  Ds'  guarde  largos  e  felizes  anos  como  a  cristãdade  a  mister.  Guarda 

7  de  nouêbro  642. 

Dom  Sancho  Manoel  ' 

Resolução  regia 

Veja-se  e  consulte-se  no  Conselho  de  guerra  —  I.isboa  a  28  de  nouembro  642. 

(Rubricii  del-rei) 

XLVIII 

CONSULTA  DO  CONSEI  HO  DE  GUERRA  SOBRE  ACUSAÇÕES 
FEITAS  POR  FERNÃO  TELES  DE  MENESES  CONTRA  D.  SANCHO  MANOEL 

(ly  novembro  164-2) 

Snor.  —  Na  carta  inclusa  que  V.  Magestade  manda  se  lhe  logo  dá  conta  a  V. 
Magestade  o  general  fernão  Telles  de  meneses  do  motivo  que  o  Mestre  de  Campo 
Dom  Sancho  Manoel  tomou  para  se  descontentar  e  se  retirar  do  exercício  do  seu 
cargo  e  seruiço  de  V.  Mag.de  q  em  sustancia  vem  a  ser  que  mandando  o  general 
prender  hum  capitão  de  infanteria  por  haver  afrontado  a  outro  scandalosamente, 
e  havendo  primeiro  que  procedesse  á  prisão  tirado  devassa  o  Auditor  do  exercito 
da  pendência,  lhe  hir  pedir  o  Mestre  de  Campo  que  lhe  desse  menagem  em  sua 
casa,  o  que  elle  fez  e  tornando  lhe  a  pedir  de  ali  a  três  dias  q-.e  lhe  desse  o  lugar 
por  prisão  lho  negou  por  evitar  inconvenientes  porque  ou  este  capitão  havia  de 
ser  julgado  (suposto  q  a  parte  o  acusasse)  ou  hauia  ella  de  desistir  e  fazerem  se 
amigos  para  o  poder  soltar  e  que  constaua  de  muitas  testemunhas,  como  só  por 
esta  cauza  deixou  o  Mestre  de  Campo  o  quartel  e  se  foy  para  a  Guarda  donde 
está,  deixando  o  seruiço  de  V.  Magestade  porque  mandando  lhe  elle  o  general  hum 
papel  de  hum  soldado  para  informar  como  he  costume  respondeu  que  não  hera 
Mestre  de  Campo  e  não  exercita  o  officio  má  acção  para  este  tempo  em  que  o  ini- 
migo anda  tão  inquieto  e  os  soldados  com  pouco  gosto  por  falta  das  pagas  e  lhe 
parece  que  o  seruiço  de  V.  Magestade  se  atrasa  muito  por  não  hauer  ali  Thenente 
general  da  Cavallaria  despois  que  se  veo  João  de  Saldanha  nem  agora  hauerá 
Mestre  de  Campo  e  em  toda  a  parte  he  costume  serem  os  supperiores  respeitados 
quando  obrão  bem  no  que  fazem  em  ordem  ao  seruiço  de  seus  Reis  que  de  tudo 
dá  conta  a  Vossa  Magestade  para  que  sobre  esta  matéria  mande  V.  Magestade  or- 
denar o  que  mais  conuier  a  seu  seruiço  que  sempre  deve  ser  de  modo  que  fique 
com  satisfação  quem  serve  a  Vossa  Magestade  bem.  Vendosse  e  considerandosse 
tudo  Pareçeo  ao  Conselho  dizer  a  V.  Magestade  que  o  delicto  que  cometteo  o 
Mestre  de  Campo  he  grave  e  de  muito  ruim  exemplo  e  que  he  de  parecer  que  se 
responda  ao  General  que  elle  o  deuerá  mandar  prender  logo  que  ser  provido  quar- 


1  Toda  a  carta  é  autografa, 


(3o)  'Brás  Garcia  de  oAIascarenhas 

tel,  e  que  o  prenda  logo  e  depois  de  estar  preso  poderá  V.  Magestade  usar  de  sua 
clemência  conforme  elle  o  merecer  nos  termos  com  que  conhecer  o  erro  que  fez 
que  sem  duvida  foi  grande  e  a  razão  de  estar  tão  vezinho  ao  inimigo  e  a  gente  de 
V.  Magestade  falta  de  cabos  fazer  mayor  a  sua  culpa  e  delicto  e  a  prisão  vem  a 
ser  hum  castigo  publico  e  exemplar  para  dar  satisfação  também  publicamente  a 
desobediência  feita  ao  general;  e  se  a  demonstração  não  passasse  da  reprehensão 
a  poderá  elle  fazer  secreta  ficando  com  o  exemplo  a  porta  aberta  para  os  que  qui- 
serem desobedecer  aos  generaes  o  fazerem  sem  nenhum  respeito  nem  receio  de 
castigo. 

Dom  José  de  Meneses  diz  que  he  do  mesmo  parecer  porem  que  visto  o  gene- 
ral o  não  prender  logo  como  pudera  e  se  houuer  metido  tempo  em  meio,  não  ha- 
uendo  hoje  naquella  província  Thenente  General  da  Cauallaria  nem  outro  Mestre 
de  campo  e  Dom  Sancho  segundo  as  noticias  que  ha  he  bom  e  valente  soldado, 
ainda  que  se  entende  que  não  sabe  muito  estando  a  guerra  tão  viua  de  presente 
naquella  fronteira  entende  elle  Dom  Joseph  que  será  justo  mandar  V.  Magestade 
reparar  nestas  razões  e  considerar  se  bastará  dar-se  huã  reprehensão  a  Dom  Sancho 
visto  também  não  hauer  sido  ainda  ouuido  nem  se  saber  a  razão  que  poderá  ter  e 
dar  em  desculpa  do  que  fez.     Lx.a  17  de  Novembro  de   1642. 

(Com  três  rubricas). 

Nota  do  secretário 

Também  foy  voto  Dom  Aluaro  de  Abranches. 

Resolução 

Tenho  defirido  em  outra  consulta  da  data  desta.    Lx.a  1 1  de  Dez.o  de  Õ42. 

(Rubrica  del-rei). 
(1,7.  — Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n.°  4i3). 

XLIX 

REL.\TÓRIO  DIRIGIDO  A  D.  JOÃO  IV  FOR  FERNÃO  TELES  DE  MENESES, 

SÔBRE  ASSUNTOS  DA  GUERRA,  EM  QUE  REFERE   QUE  D.  S.^NCHO  MANOEL 

ABANDONARA  O  SERVIÇO.  PARTINDO  DE  ALFAIATES  PARA  A  GUARDA, 

E  DALI  PARA  PARTE  INCERTA 

(21  novembro  1642) 

Snõr 

Com  este  Correio  recibi  húa  carta  V.  Mg.d^  pella  qual  se  seruiu  V.  Mg.<ie  de 
me  mandar  aduertir  que  despois  de  aueré  marchado  p.^  esta  Prouincia  os  cauallos 
que  uierão  da  Ilha  como  se  me  tinha  auizado,  se  considerou  que  no  estado  da  fra- 
queza em  que  se  achauão  se  podia  temer  que  morreçem  no  caminho,  e  que  soçe- 
deria  o  mesmo  aos  que  aqui  chegasem  por  cauza  da  destemperança  e  frialdade  da 
terra,  que  este  dano  se  poderia  remediar  com  os  inuiar  a  alojar  a  terra  menos  fria 
p.a  se  refazerem  e  por  em  estado  de  poderem  com  o  trabalho  da  Guerra  e  que  com 
estes  supostos  fora  V.  Mg.de  seruido  de  mandar  ordenar  aos  capitães  das  compa- 
nhias que  do  lugar  em  que  os  achaçe  esta  ordem  Marchassem  pêra  Évora  e  aloja- 
cem  naquella  cidade  e  lugares  de  seu  termo  pêra  se  repararem  ate  Março  e  despois 


'Documentos  '  (3i) 

seruirem  na  fronteira  de  Alemtejo  ou  donde  a  necessidade  o  pedir,  que  dos  cauallos 
que  ha  nesta  Prouinçia  se  podia  ella  remediar  milhor  e  com  menos  despeza  reco- 
lhendo aos  i5o  cauallos  que  D.  Alu."  de  Avranches  tinha  alistado  e  que  sendo  ne- 
cessário mais  caualr."  nesta  mesma  Prouinçia  se  podião  leuantar  e  fazer  ate  Soo 
cauallos  de  mais  dos  i5o  e  que  serião  de  mais  préstimo  e  proueito,  e  se  seruia  V. 
Mg.íi^  de  me  mandar  auizar  pêra  que  o  tiuesse  assi  entendido  e  procurasse  que  logo 
se  recolhecem  os  i5o  cauallos  e  fizesse  alistar  os  mais  que  entendesse  herão  neces- 
sários p.a  que  haja  os  que  baste  p.->  a  defença  destas  Praças,  e  que  p."  se  conser- 
uarem  huns  e  outros,  e  se  lhes  acudir  pontualm'^  com  seus  socorros  se  me  man- 
daria o  dinheiío  necessário.  E  auendo  uisto  tudo  o  que  V.  Mg.<i«  se  serue  de  me 
mandar  per  esta  carta  Digo  que  suposto  auer  ja  escrito  a  V.  Mg.de  sobre  a  caualaria 
que  se  mandou  retirar  e  hir  p."  Alemtejo  não  direy  sobre  esta  matéria  mais  nada, 
sem  embargo  do  m.'o  que  esta  Prouinçia  necessitaua  delia  pois  V.  Mg.<ie  assi  foi 
seruido ;  E  emq.'o  aos  i5o  cauallos  que  V.  Mg.de  rne  manda  que  faça  recolher,  e 
são  os  que  D.  Alu.»  de  Avranches  tinha  alistado  acho  que  delles  se  seruiu  V.  Mg.de 
ategora  nesta  fronteira  porque  estes  tais  alistados  por  não  virem  a  ella  derão  ca- 
uallo  e  armas  e  dr."  p.-'  os  soldados  que  em  seu  lugar  se  montarão,  de  modo  que  a 
caualr.í»  que  eu  açhev  q  do  vim  a  esta  Prouinçia  em  todas  as  companhias  foi  feita 
por  este  modo,  e  com  ser  tão  pouca  que  não  chegaua  a  140  cauallos  mais  da  me- 
tade anda  auzente  por  f^ilta  de  soccorros,  e  alguns  cauallos  morrerão  com  o  exces- 
siuo  trabalho  q  tinhão,  a  falta  delles  nesta  Prouinçia  he  grande  mas  sem  embargo 
disso  farey  Diligencia  que  V.  Mg.de  nie  manda  em  que  se  continue  com  a  lista  das 
comarcas  fazendo  a  de  todos  os  que  tiuerem  fazenda  p.»  ter  cauallo  na  forma  do 
regim.to  aduertindo  lhes  a  M.  que  V.  Mg.de  lhes  faz  de  que  p.a  a  conseruarée  se 
serue  de  mandar  com  que  sejáo  socorridos  sendo  isto  assim  e  achandosse  cauallos 
poderão  estar  as  frontr.as  como  conué  sem  embargo  de  q  auera  Dillação  no  effeito 
da  execução  desta  Diligencia,  e  do  q  delia  resultar  darey  cont  1  a  V.  Mg.de  O  ene- 
migo  tem  alojado  a  sua  caualr."  pellos  lugares  vezinhos  á  Raya,  e  faz  outra  Praça 
de  armas  a  de  mais  da  que  tinha  em  Cidad  R."  em  Alcântara  auizao  assi  M.el  Lopez 
brandão  que  esta  em  Saluaterra  :  Crece  lhe  o  poder,  e  a  mim  se  me  deminue  o  que 
tinha  pella  Rezão  que  tantas  vezes  tenho  reprezentado  a  V  Mg.de  for  seruido  de 
que  esta  gente  seja  socorrida  estarão  as  Praças  seguras  e  sem  isso  reçeyo  lhe 
grande  trabalho  porque  ja  auizei  a  V  Mg.de  como  os  soldados  que  estauão  em  Vil- 
ar mayor,  chegarão  a  dezemparar  a  villa  e  o  casstello  de  sorte  que  soo  oito  ficarão 
naquella  praça,  e  os  quatro  mil  cruzados  que  agora  aqui  remeteo  o  o  Th."  dos  três 
estados  forão  a  mayor  p.a  delles  em  Realles  singellos  castelhanos  moeda  que  esta 
prohibida  per  húa  Ley  de  V  Mg.de  com  penna  de  que  a  pessoa  que  for  com  ella 
achada  emcorrera  na  que  se  dà  a  quê  faz  moeda  falça,  e  assi  ande  ter  trabalho  os 
pobres  soldados  em  a  passar  porq  não  auera  quê  lha  tome,  eu  ordeney  como  ja 
tenho  auizado  que  deste  dr.o  que  V  Mg.de  se  seruiu  de  mandar  se  fosse  dando  cada 
dia  a  cada  soldado  jnfante  e  de  cauallo  o  que  lhe  tocasse  a  Rezão  de  seu  soldo 
p."  que  com  isso  os  tiueçe  sertos  esses  dias  que  o  dmheiro  durasse  suposto  que 
não  hera  bastante  p.a  fazer  pagas ;  do  descontentamento  que  sobre  isso  ouue  entre 
elles  dey  eu  conta  ja  a  V  Mg.de  e  do  estado  de  tudo  tão  meudam.'e  que  me  parcsse 
que  poderia  ser  mollesto  se  o  tornaçe  a  referir  tudo  consiste  em  andar  a  gente 
paga  como  isto  seja  terá  V  Mg.de  soldados  e  as  Praças  seguras  que  tanto  importa 
pois  o  enimigo  anda  vigillante. 

Mandame  V.  Mg.de  comforme  as  ordens  que  tinha  sua  difira  ao  que  M.el  Lopez 


(32)  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

brandão  gou.o"'  de  Saluaterra  pede  em  a  sua  carta  que  juntamente  com  a  de  V 
Mgde  me  veyo,  e  m.tos  dias  ha  que  eile  poderia  estar  prouido  de  tudo  o  que 
pede  se  ouuera  dr."  e  â  falta  delle  não  tem  esta  Praça  e  as  demais  o  necessário, 
não  faitãodo  elle  nesta  Prouinçia  mas  ouue  ordens  p.í"  todo  se  remeter  a  essa  ci- 
dade e  sobre  esta  matéria  tenho  dado  larga  conta  a  V  Mg.de  e  poucos  dias  ha  que 
ordenãodo  ao  Juiz  de  fora  de  Castello  br.™  q  serue  de  C.<""  fizesse  mantim.tos  p.a 
meter  na  fortaleza  de  Saluaterra  me  respondeu  que  pedindo  ao  Prouedor  dr  "  p.a 
os  fazer  lhe  dissera  que  tinha  ordem  expreça  de  V  Mg.de  p.a  mandar  todo  o  que 
inha  a  essa  cidade,  e  algu  Pão  que  em  ocazioens  apertadas  que  aqui  ouue  se  to- 
mou a  Particullares  se  lhes  esta  ainda  deuendo  por  não  auer  com  que  lho  pagar  e 
elles  clamão  e  com  isso  nem  a  elles  nem  a  outros  se  lhes  pode  pedir  mais,  assi 
que  V  Mg.de  se  deuia  seruir  de  mandar  se  satisfizesse  a  estes  p.es  e  sobre  tudo  to- 
mar contas  como  tantas  vezes  hey  pedido  p."  que  o  Pagador  as  possa  dar,  e  com 
isso  lhe  ser  a  V  Mg.de  prezente  o  que  elle  tem  recebido,  e  despendido,  e  assy  mais 
o  que  se  deue  aos  Particullares  como  tenho  referido. 

O  Mestre  de  Campo  D.  Sancho  M.el  tem  deixado  o  seruiço  de  V  Mg.de  a  cauza 
de  o  fazer  foi  que  mandando  eu  prender  a  hú  Cap.nm  por  auer  afrontado  a  outro, 
pediu  me  que  lhe  desse  omenajê  em  sua  caza  o  que  logo  fiz  sem  embargo  de  ter 
parte  por  mo  elle  pedir,  e  dahi  a  dous  dias  me  pediu  o  ditto  Mestre  de  Campo  que 
lhe  desse  o  lugar  por  prizão,  isto  me  pareseu  que  não  deuia  fazer  sem  o  ditto  Ca- 
pitão ser  julgado  ou  a  p.e  dezistir  da  acusassão  que  lhe  fazia  porque  como  se  sentia 
aggrauada  puderia  rezultar  mayor  incõuiniente  de  se  soltar  o  prezo  a  de  mais  de 
que  fazello  não  hera  Justissa,  por  isto  se  foi,  sem  l.Ç»  de  Alfayates  a  donde  eu  me 
auia  recolhido  o  dia  em  que  desbaratey  ao  enemigo  em  Aldeã  da  Ponte  pêra  a 
guarda,  e  mandando  lhe  hú  papel  p.a  imformar  sobre  hu  sarjento  respondeo  que 
ja  não  hera  Mestre  de  Campo,  e  da  Guarda  se  foi  e  delle  não  tiue  mais  noua :  se 
esta  acssão  foi  boa,  e  se  aos  Generais  de  V  Mg.de  he  justo  que  os  inferiores  lhe 
tenhão  resp.t»  V  Mg.de  o  mande  julgar,  e  se  conuê  tão  bem  a  seu  real  seruiço  que 
as  pessoas  de  semelhantes  postos  o  deixe  andando  o  enimigo  tão  inquieto  como 
ategora  andou  por  estas  arayas,  e  prezéte  lhe  será  a  V  Mg.de  que  em  todas  as  rel- 
lacões  que  mandey  dos  bons  suceços  que  nosso  s.cfoi  seruido  de  dar  as  armas  de 
V  Mg.de  por  estas  p.es  aboney  nellas  a  pessoa  do  Mestre  de  Campo  D.  Sancho  M.  el 
e  se  elle  quiser  fazer  boa  informação  com  verdade  poderá  asegurar  que  não  poderia 
topar  com  General  que  tão  bem  lhe  diferisse  a  tudo  o  que  elle  queria  como  eu,  e 
q.io  mais  isto  asim  he  tãoto  menos  disculpa  terá  no  que  fez  mas  eu  nisto  ssô  quero 
que  o  seruiço  de  V  Mg.de  se  respeite,  e  assim  mandara  V  Mg.de  ordenar  o  que  for 
seruido  sobre  este  Particullar. 

Thenente  General  p.a  a  Caualr.a  não  ha  nesta  Prouinçia  despois  que  se  foi 
João  de  Saldanha  bem  pudera  fazer  este  ofíiçio  P.o  de  Souza  de  Castro  que  de 
prezente  rezide  em  Vizeu  por  Cap.am  mòr  he  fidalgo  de  vallor,  tem  seruido,  e  sobre 
tudo  a  sua  callidade :  tãobem  ha  m.ta  falta  de  cabos,  e  os  demais  dos  Cap.^ms  e  go- 
uernadores  das  Praças  me  pede  l.ca  p.a  se  hirem  eu  lha  tenho  negado  pella  falta 
que  vejo  ficão  fazendo  ao  seruiço  de  V  Mg.de  a  quê  me  paresse  que  alguns  deué 
de  recorrer  p.a  a  pedir;  se  a  alcançarê  não  ha  pessoas  que  possão  suprir  a  sua  pre- 
zença  V  Mg.de  fará  o  que  for  seruido  cuja  católica  pessoa  nosso  s.o""  g.de  como 
seus  vassallos  auemos  mister.    Guarda  21  de  nou.™  1642. 

Fernão  Telles  de  Meneses 
^.1,— Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n.°  456). 


^ociímenlos  .  (3SJ 


REQUERIMENTO    DE  D.  SANCHO  MANUEL   A  EL-REI,    EM    QUE    ALEGA    OS    SERVIÇOS    VALIOSOS 

PRESTADOS  NA  GUERRA,  EXPLICA  A  RAZÃO  PORQUE  SE  AUSENTARA  DURANTE  UNS  DIAS 

E  PORQUE  EXIGIRA  DINHEIRO  AO  PAGADOR  SEM  ORDEM  DO  GENERAL, 

E  SE  QUEIXA  DE  ESTE  O  MANDAR  PRENDER, 

REMATANDO  POR  PEDIR  UMA  DEVASSA  AO  SEU  PROCEDIMENTO 

(Fins  de  novembro  1642) 

Dom  Sancho  Manoel  representa  a  V.  Mag.^ie  que  elle  esta  seruindo  a  V.  Mg.de 
no  cargo  de  Mestre  de  campo  do  Exercito  da  Beira  de  que  V.  Mg.de  Jhe  fez  mercê, 
com  o  zelo,  cuidado  e  desejo  de  asertar  no  seruiço  de  V.  Mg.de  que  espera  seja 
(iresente  a  V.  Mg.de  não  só  pelas  cartas  e  informações  do  general  daquella  provín- 
cia Fernão  Telles  de  Meneses,  mas  ainda  por  todas  as  pessoas  daquellas  partes,  de 
que  V.  Mg.de  fosse  servido  querer  se  mandar  informar,  e  até  o  presente  assistiu 
sempre  naquellas  fronteiras,  tendo  com  os  inimigos  delias  os  recontros  e  pelejas 
que  são  notórias  a  V.  Mg.de  e  de  maneira  que  nunca  chegou  a  ter  vista  delles,  sendo 
muitas,  que  os  não  pusesse  em  desbarato  e  alcançasse  delles  muitas  vitorias  com 
que  as  armas  de  V.  Mg.de  tem  nellas  a  reputação  que  se  sabe;  e  porque  com  a 
entrada  do  inverno  e  neves  que  naquellas  partes  fazem  a  campina  intratável,  lhe 
pareceu  não  poderia  fazer  falta  qualquer  ausência  que  fizesse,  e  se  achou  cançado 
da  continua  assistência  passada,  se  foi  estar  sete  ou  oito  dias  descançando  do  tra- 
balho delia  em  húa  aldeã,  sete  ou  oito  léguas  da  Guarda,  continuando  até  li  nella 
com  o  exercício  de  seu  officio,  de  que  algCas  pessoas  pouco  amigas  do  serviço  de 
V.  Mg.de  tomaram  occasiâo  para  dizerem  ao  General  que  elle  largaua  o  posto  e  de- 
sobedecia a  suas  ordens  por  haver  feito  esta  jornada  sem  lha  communicar,  o  que 
não  fez,  por  ella  ser  por  tão  poucos  dias,  e  em  que  se  não  necessitava  de  sua  pre- 
.sença.  Persuadido  o  Geral  destas  razões  se  queixou  a  V.  Mg.de  parecendolhe  que 
elle  Dom  Sancho  não  queria  exercitar  seu  cargo,  o  que  nunca  deixou  de  fazer,  nem 
se  podia  esperar  de  seus  procedimentos  e  qualidade,  nem  da  larga  experiência  que 
tem  da  milicia,  em  que  sempre  se  criou;  antes  tornou  logo  para  a  Guarda,  e  sem 
saber  da  queixa  que  o  General  havia  feito  a  V-  Mg.de,  pois  não  havia  dado  causa 
para  ella,  pediu  ao  seu  pagador  lhe  mandasse  dar  seus  soldos,  por  não  ter  outra 
cousa  para  continuar  o  serviço  de  V.  Mg.de,  e  por  que  com  elles  sustentava  e  dava 
mesa  a  muitos  soldados  que  o  ajudam  a  servir  a  V.  Mg.de;  e  porque  o  pagador  lhos 
não  quis  dar,  tendo  dinheiro  para  o  fiizer,  foi  a  sua  casa,  e  elle  reconhecendo  a 
razão  que  para  isso  havia  lhe  pagou,  e  por  que  o  fez  sem  ordem  do  General,  que 
para  este  caso  não  era  necessária,  o  Geral  julgando  por  culpa  a  instancia  que 
elle  fez  para  se  lhe  pagarem  seus  soldos,  o  mandou  logo  prender  e  fica  na  cadea 
publica  da  Cidade  da  Guarda,  com  tão  grande  escândalo  e  sentimento  do  povo  e 
soldados,  que  teve  grande  trabalho  em  os  aquietar  de  fazerem  um  grande  motim. 
O  que  tudo  sofreu  com  o  animo  que  tem  de  não  dar  occasiâo  a  que  se  perca  ou 
arrisque  o  serviço  de  V  Mg.de,  mormente  estando  avista  do  inimigo;  e  porque  sua 
honra  e  a  reputação  com  que  até  gora  serviu  a  V.  Mg.de  e  venceo  tantas  vezes  os 
inimigos,  está  tão  arriscada,  núa  prisão  tão  afrontosa,  quando  devera  esperar  gran- 
des satisfações  da  grandesa  de  V.  Mg.de  merecidas  por  seus  serviços  e  animo  com 

c 


(34)  ^ras  Garcia  de  (P^Iascarenhas 

que  tantas  vezes  offereceu  a  vida  pela  honra  e  reputação  das  armas  de  V.  Mg. de  e 

de  novo  as  arriscara  outras  tantas  pela  mesma  causa. 

P.  a  V.  Mg.de  lhe  faça  mercê  mandar 
por  um  Ministro  de  grande  confiança  e 
inteireza  devassar  dos  procedimentos  com 
que  elle  tem  servido  a  V.  Mg.de  e  achan- 
do-se  que  cometeu  culpa  algua  o  mande 
V.  Mg.de  castigar  com  todo  o  rigor  de 
justiça,  e  quando  conste  o  zelo,  lealdade 
e  riscos  com  que  tem  continuado  até  o 
presente  o  serviço  de  V.  Mg.de  lhe  faça  V. 
Mg.de  mercê  de  mandar  dar  satisfação  de- 
vida a  prisão  tão  afrontosa  e  em  que  tem 
padecido  tanto  sua  honra  e  reputação,  e 
não  pede  melhoramento  de  prisão,  para 
que  achandose-lhe  culpa,  o  tenha  V.  Mg.de 
mais  pronto  para  o  castigo,  e.  R.  m. 
(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  3,  n.°  36). 

LI 

RELATÓRIO  DO  GENER.\L  FERN.lo  TELES  DE  MENESES  EXPLICANDO  O  SEU  PROCEDIMENTO 
COM  D.  SANCHO  MANUEL,  E  AFEANDO  O  1'ROCEDKMENTO  DESTE 

(i  dezembro  1642) 

Senhor  —  Tenho  dado  conta  a  V.  Magestade  dos  excessos  de  D.  Sancho  Ma- 
noel e  de  como  per  elles  estaua  prezo  na  Caza  da  Camera  d3  Cidade  da  Guarda 
sendo  assi  que  seu  Procedimento  meressia  outra  prizão  diferente  perque  até  dali 
está  encontrão  do  o  seruiço  de  V.  Magestade  de  modo  que  sendo  tão  necessário  nas 
fronteiras  que  os  Capitães  e  officiaes  assistão  nellas  assi  para  segurança  das  mes- 
mas Praças  como  para  que  os  soldados  com  esse  exemplo  as  não  dezemparem 
mandou  ao  Capitão  Manuel  Teixeira  de  Macedo  e  ao  Alferez  Flami  Pertal  que  o 
he  da  Companhia  do  ditto  D.  Sancho  e  a  híi  soldado  de  a  cauallo  que  veio  com 
Sebastião  de  Mahe  a  essa  cidade  sem  1.?^  minha  sendo  assy  que  V.  Magestade  tem 
ordenado  que  todo  o  official  ou  soldado  que  se  for  sem  ella  lhe  não  admittirá  Pe- 
tição algOa  em  rezao  de  seus  requerimentos  alem  de  que  estas  companhias  total- 
mente faltão  todas  de  todo  assi  per  ficarem  sem  capitão  e  officiaes  que  os  detiuessera 
como  pello  dito  D.  Sancho  lhe  dar  ocasião  a  isso  pello  que  faz  porque  pubhca  que 
se  os  soldados  não  são  pagos  como  quizerão  he  porque  eu  faço  tramoyas  com  o 
dinheiro  de  V.  Magestade  e  como  baste  pouco  para  que  os  soldados  se  persuadão 
mayormente  quando  he  dito  por  hú  mestre  de  Campo  andão  de  sorte  que  os  não 
posso  aquietar  e  muitos  se  tem  ido  Particularmente  da  Companhia  do  ditto  Mestre 
de  Campo,  e  primeiro  que  se  fossem  vierão  vinte  sinco  delles  a  Guarda  armados; 
a  tenção  não  sej  qual  fosse,  mas  sei  que  alguns  faltarão  com  o  dito  D.  Sancho  e 
porque  eu  os  mandaua  prender  per  aueré  deixado  seu  quartel  se  forão  da  cidade, 
toda  a  diligencia  que  pode  fazer  per  me  malquistar  com  elles  faz,  e  não  he  isto  em 
pouco  prejuizo  do  seruiço  de  V.  Magestade  mayormente  em  tempo  em  que  o  ene- 


Dociímenlos  (35) 

migo  anda  tão  solicito  per  se  aproueitar  da  ocazião  quando  se  lhe  offerecer ;  e  estas 
inquietações  e  sizania  que  anda  metendo  pode  ser  muita  parte  disso  o  que  Deos 
não  quererá  e  para  que  em  parte  pudesse  encubrir  suas  demazias  andão  solicitando 
por  sua  via  que  todas  as  Cameras  das  cidades  e  lugares  desta  Província  escrevão  a 
V.  IMagestade  em  abonação  sua,  mas  os  que  procurão  isto  são  duas  pessoas  grandes 
suas  amigas  paressendo  lhe  que  com  isso  poderá  sahir  dali  melhor  do  que  merece. 
O  que  eu  escrevo  a  V.  Magestade  he  mui  ajustado  com  a  verdade  e  não  tão  so- 
mente não  conuem  que  esteja  ocupado  em  Seu  Real  Seruiço  mas  que  ainda  se  faça 
com  elle  hO  tal  exemplar  castigo  que  sirua  de  exemplo  para  que  outros  se  não  de- 
maziem  pois  por  tão  leue  ocazião  como  a  que  teue  de  que  ja  dei  conta  a  V.  Ma- 
gestade tem  feito  taes  couzas  como  as  que  já  tenho  referido  por  outras  cartas,  e 
faço  per  esta  tanto  contra  seu  Real  Seruiço,  e  respeito  que  deuia  ter  ao  seu  Gene- 
ral, pello  que  V.  Magestade  se  deue  seruir  de  mandar  tomar  com  elle  a  rezolução 
que  seu  procedimento  merece,  e  emquanto  o  eu  não  conheci  bem  sabe  o  mundo 
toda  a  estimação  que  fazia  delle,  e  quanto  abonaua  suas  couzas  porem  agora  des- 
pois  de  se  descobrirem  seus  excessos  não  fazia  o  que  devia  senão  desse  de  tudo 
conta  a  V.  Magestade  nem  se  conservará  em  nenhuma  parte  pois  em  nenhuma  das 
em  que  esteue  deixou  de  fazer  taes  couzas  que  foi  força  deixar  o  seruiço  como  foi 
em  Malta,  flandes,  Itália  e  o  Brazil.  Sobre  o  que  conuem  á  defença  destas  Praças 
e  dotação  que  V.  Magestade  me  auizou  tinha  feito  para  ellas  e  o  quanto  importa 
acudir  a  estes  soldados  com  suas  pagas  tenho  escrito  pello  Correio  desta  somana 
e  por  não  paresser  importuno  o  não  torno  a  repetir  nesta,  ssó  digo  que  a  defença 
desta  Província  está  nisto  porque  se  se  lhe  faltar  a  estes  soldados  com  suas  pagas 
ou  de  dezemparar  as  Praças  como  jà  fizerão,  e  agora  suposto  o  que  tenho  referido 
o  farão  mais  facilmente  nem  a  dotação  bastará  para  a  metade  do  que  he  necessário 
para  a  guarnissão  das  fronteiras  como  bem  declaro  pella  carta  que  mandej  a  V. 
Magestade  no  Correio,  e  se  eu  me  aproveito  ou  faço  tramoyas  do  dinheiro  co  diz 
D.  Sancho  couza  he  esta  que  se  pode  saber  bem  depreça,  e  bem  de  vezes  tenho 
pedido  a  V.  Magestade  de  mercê  se  seruice  de  mandar  tomar  contas  ao  pagador 
porque  com  isso  se  saberá  o  dinheiro  que  entrou  em  seu  poder  despois  que  eu 
estou  nesta  Prouinçia  e  b  como  e  em  que  se  gastou;  e  paresse  que  os  que  se  forão 
para  essa  corte  sem  licença  mayormente  avendo  culpas  contra  elles  como  ha  do 
ditto  Manoel  Teixeira  de  Macedo  e  Flami  Pertal  que  os  deue  V.  Magestade  de 
mandar  prender  porque  se  não  for  assy  todos  se  hirão,  e  os  francezes  que  aqui 
andão  trazem  o  mesmo  pençamento  de  se  hirem  porque  dizé  que  ou  lhe  an  de 
arrematar  contas  ou  se  an  de  hir  couza  que  nunca  disserão  mas  os  ruins  exemplos 
podem  muito.  Nosso  Senhor  guarde  a  católica  pessoa  de  V.  Magestade  como  seus 
vaçallos  auemos  mister.  Villa  5  de  Dezembro  de  1G42. 

Fern.Io  Telles  de  Meneses 
(T.T.  —  Consuluis  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n.°  448). 


(36)  ^Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


LII 

CONSULTA  DO  CONSELHO  DE  GUERRA  SOBRE  DUAS  CARTAS 

DE    FERNÃO    TELLES    DE    MENESES,    NAS    QUAIS    RELATAVA    ASSUNTOS    DA    GUERRA, 

SENDO  UM  DESTES  O  ABANDONO  DE  D.   SANCHO  MANOEL.  —  RESOLUÇÃO   REGIA 

(i5  dezembro  1642) 
Consulta 

Snor 

Escreue  fernão  Telles  outras  duas  cartas  a  V.  Mg.de  ambas  de  21  do  mesmo 
mes  de  Nou.ro  Em  húa  delias  diz  q  não  tem  que  dizer  acerca  da  ordem  per  q  V 
Mg.d«  mandou  ir  para  Euora  a  cauallaria  q  veyo  da  Ilha  terceira.  E  que  a  q  V.  Mg.<'« 
lhe  da  para  aleuantar  cauallaria  naquella  Prouincia  a  seguira:  q  dos  cento  e  sin- 
coenta  cauallos  q  deixou  Dom  Alu.o  de  Abranches,  alguns  morrerão,  e  outros  se 
forão  por  falta  de  soccorros,  e  torna  a  reprezentar  sua  necessidade  estando  a  vista 
do  inimigo  e  com  tanto  poder,  para  q  V.  Mg.de  o  mande  considerar  e  accudir  com 
o  remédio.  Da  conta  de  como  o  Mestre  de  Campo  Dom  Sancho  Manoel  deixou  o 
seruiço  de  V.  Mag.de  e  se  auzentou  sem  sua  licença,  e  ser  a  causa  por  não  conceder 
a  hum  capitão,  que  elle  G.»'  mandou  prender,  o  lugar  por  prisão,  e  que  V.  Mg.de 
mande  julgar  se  conuem  de  pessoas  de  semelhantes  postos  os  deixem  estando  o 
inimigo  tam  inquieto  e  o  resp.to  que  os  inferiores  deuem  ter  aos  superiores. 

Na  outra  representa  as  mesmas  necessidades  com  q  se  acha  de  cauallaria  e 
infantaria  por  falta  de  dr.o  sê  o  q  he  im.possiuel  conseruaremsse.  Repete  a  auz.a  de 
Dom  Sancho  Manoel  e  as  causas  delia  atras  referida  e  q  as  fortificacois  se  não 
acabão  pella  mesma  falta  de  dr.o. 

Ao  Cons.o  pareceo  remetter  a  V.  Mag.de  as  três  cartas  referidas  do  G.^l  Fernão 

Telles  com  relação  em  sustancia  do  q  contem  para  q  seja  prezente  a  V.  Mag.de  os 

termos  com  que  reprezenta  as  necessidades  com  q  se  acha  sobre  as  quais  tem  o 

Cons.o  dito  a  V.  Mag.de  em  outras  muitas  consultas  o  que  se  lhe  offerece  e  V.  Mg.de 

mandara  se  acuda  a  ellas  na  forma  q  entender  conuê  para  q  se  possáo  reparar,  e 

remediar.  Lx.a  a  i5  de  Dez.o  de  642. 

(Três  rubricas  ^) 

Resolução  da  Consulta 

Escreua  o  cons.»  a  fernão  telles  que  a  Rui  correa  se  tem  dado  a  ordem  ne- 
cessária p."  o  prouer  das  municois  que  for  pusiuel,  e  q  se  lhe  enuiou  o  dinheiro  q 
sofreo  a  estreitesa  do  tempo  e  q  se  lhe  não  faltara  com  sua  consignação  emq.'o  se 
não  cobrão  os  efeitos  das  cortes  e  q  sobre  Dom  Sancho  se  tem  deferido.  Lx."  i5 
de  dez.o  de  642.  E  o  Cons.o  me  proponha  pesoa  p.a  ocupar  o  posto  de  Dom  Sancho. 

(Rubrica  del-reij 
(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  j,  n.°  456). 


'  Do  Conde  de  Penagulio,  de  D.  Gastão  Continlio  e  de  D.  José  de  Meneses. 


T>ocinnentos  (Sj) 


LIII 

CONSULTA  DO  CONSEI,HO  DE  GUERRA  PROPONDO   A  EI,-REI  PESSOAS  QUE  ESTEJAM 

NAS    CONDIÇÕES    DE   OCUPAR   O   POSTO    DE   MESTRE   DE    CAMPO   DO    EXÉRCITO    DA   BEIRA, 

ATÉ   AGORA  EXERCIDO  POR  D  SANCHO  MANOEL. RESOLUÇÃO    REGIA 

(if)  dezembro  1642-4  fevereiro  1643) 

Consulta 

Snor 

V.  Mg.de  em  resposta  de  outra  Consulta  que  este  Conselho  havia  feito  a  V  Magde 
em  i5  do  presente  sobre  as  necessidades  com  que  se  acha  o  general  da  Beira 
manda  se  lhe  proponham  pessoas  para  o  posto  de  mestre  de  Campo  em  que  se 
exercitou  até  agora  Dom  Sancho  Manoel. 

Satisfazendo  a  esta  ordem  propõe  dom  Gastão  Coutinho  a  VMg.de  para  este 
cargo  ao  Sargento  mor  Manoel  de  Sousa  de  Abreu  que  ha  trinta  e  quatro  annos 
que  serve  na  guerra,  e  feito  no  discurso  delles  serviços  mui  particulares  e  sinalados, 
e  de  presente  está  ocupado  no  governo  das  armas  de  Villa  nova  de  Cerveira  exer- 
citando o  cargo  de  Capitão  mor  daquella  praça,  e  diz  dom  Gastão  que  dando  elle 
conta  do  préstimo  e  experiência  deste  sujeito  e  terem  habilitado  para  maiores  ocu- 
pações V  Mg.de  lhe  mandou  responder  avisasse  em  que  poderia  ser  melhorado/ 
Roque  de  Barros  Rego  Superintendente  das  armas  em  Valença,  sujeito  também  de 
muitos  serviços,  valor  e  experiência,  e  que  ha  perto  de  dous  annos  serve  em  Va- 
lença á  sua  custa,  e  Diogo  de  Mello  Pereira,  Capitão  mor  de  Barcellos,  um  dos 
governadores  das  armas  da  província  de  Entre  Douro  e  Minho,  fidalgo  de  valor  e 
que  tem  servido  e  serve  mostrando  zelo  do  serviço  de  V.  Mg.de. 

O  Conde  de  Penaguião  propõe  a  Francisco  de  Mello,  que  sérvio  de  Capitão 
mor  de  Olivença,  fidalgo  sizudo  e  de  bons  procedimentos,  e  que  tem  noticia  e  pra- 
tica da  arte  da  fortificação./  Ao  Sargento  mor  Fernão  Telles  Cotão  que  tem  ser- 
vido com  satisfação  exercitando  este  cargo  no  Castello  de  S.  Jorge  e  na  Beira,  e 
sobre  tudo  é  rico  e  poderá  com  isso  luzir  mais  o  posto/  E  ao  tenente  de  Mestre 
de  Campo  general  Manoel  Lopes  Brandão,  que  tem  trinta  e  três  annos  de  serviço 
de  Frandes,  e  actualmente  está  servindo  de  Capitão  mor  da  praça  de  Salvaterra. 

Dom  José  de  Meneses  a  Francisco  de  Mello  pelas  mesmas  razões  que  o  Conde 
refere  em  seu  favor,  a  F"ernão  Telles  Cotão,  e  ao  tenente  de  Mestre  de  Campo  ge- 
neral Manoel  Lopes  Brandão  que  ambos  saõ  práticos  das  cousas  da  Beira. 

Jorge  de  Mello  e  Dom  Álvaro  dAbranches  a  Francisco  de  Mello,  julgando-o 
por  sujeito  capaz  de  maiores  postos  por  suas  boas  partes/  ao  tenente  de  Mestre 
de  Campo  general  Manoel  Lopes  Brandão,  e  a  Fernaõ  Telles  Cotaõ  que  ha  muitos 
annos  que  serve,  e  o  fez  no  exercício  do  cargo  de  Sargento  mor  no  Castello  e 
na  Beira  na  forma  que  fica  referida.  Lisboa  19  de  dezembro  Ó42. 

(Três  rubricas  V 
Nota  do  secretário 

Também  foraõ  votos  o  Conde  de  Penaguião,  e  Dom  Álvaro  de  Abranches  e 
naõ  rubricaram  por  naõ  estarem  presentes. 

•  De  Jorge  de  .Mello,  de  D.  Gastaó  Coutinho,  e  de  D.  José  de  Meneses. 


(38)  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

ResoluçM 

Sentenceada  a  culpa  de  D.  Sancho  se  poderá  tratar  deste  posto.  Lisboa  4  de 

fevereiro  de  643. 

(Rubrica  del-rei) 
(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  maço  2,  n.  4Ó3). 


LIV 

REQUERIMENTO  DE  D.   SANCHO  MANOEL,  EM  QUE  SE  QUEIXA  DE   HAVER  SIDO  PRESO 

POR  ORDEM  DE  FERNÃO  TEI.ES  DE  MENESES,  E  DE  HAVER  SIDO  TRANSPORTADO 

DA  GUARDA  A  LISBOA  ENTRE   SOLDADOS  COM  GRANDE  RIGOR, 

SEM     SE    LHE    DIZER    DE    QUE    É    ACUSADO;    NELE    PEDE    A    EL-REI    QUE    LHE    MANDE 
DECLARAR  AS  CULPAS  POR    QUE  ESTÁ  PRESO,  A  FIM  DE  PODER  JUSTIFICAR-SE 

(Principio  de  março  de  i643) 

Requerimento 

Sr. 

Diz  Dom  Sancho  Manoel  Mestre  de  Campo  do  Exercito  da  Beira  que  V.  Mg  «i' 
pelas  razões  que  se  lhe  representaram  por  parte  do  general  Fernaõ  Telles  de  Me- 
neses, foi  servido  de  mandar  que  viesse  preso  da  Guarda  a  esta  Cidade,  sem  ser 
ouvido,  nem  elle  Supp.^  saber  até  o  presente  as  causas  que  o  dito  General  teve  para 
o  mandar  prender  e  lhe  formar  taes  culpas,  que  obrigassem  a  V.  Mg.de  a  mandar 
fazer  com  elle  taó  grande  demonstração  de  castigo,  como  trazerem-no  preso  a  esta 
cidade  com  des  homens  de  guarda  um  juiz,  e  um  meirinho  e  um  escrivão  com 
muito  maiores  preços  á  sua  custa  do  que  se  custumam  dar  aos  ministros  de  justiça 
que  saem  de  suas  casas,  parecendo  esta  demonstração  aos  que  o  viam  por  essas 
estradas  que  era  elle  um  delinquente  mui  facinoroso,  ou  que  havia  cometido  alguã 
culpa  de  traição  contra  o  Real  serviço  de  V.  Mg.^e  e  havendo  elle  Suppe  servido 
naquella  fronteira  a  V.  Mg. de  com  tantos  riscos  de  sua  vida,  taõ  grande  e  taõ  con- 
tinuado trabalho  e  alcançando  taõ  bons  successos  e  victorias,  como  deve  ser  pre- 
sente a  V.  Mg.de  e  constará  geralmente  em  toda  aquella  província,  e  porque  dese- 
jando tanto  continuar  o  Real  serviço  de  V.  Mg.de  e  mostrar  o  zelo,  amor  e  fideli- 
dade com  que  atégora  se  empregou  nelle,  sente  muito  achar-se  nesta  corte  ocioso : 

P.  a  V.  Mg.de  lhe  faça  mercê  man- 
dar declarar  as  culpas  porque  está  preso, 
porque  espera  de  sua  inocência  mostrar 
em  continente  a  V.  Mg.de  Je  serem  falsas 
todas  as  que  lhe  puseram. 

Despacho 

Veja-se  e  consulte-se  logo  no  Conselho  de  Guerra  e  a  Consulta  me  virá  por 

mão  de  Pedro  Vieira.  Lisboa  10  de  Março  de  643. 

(Rubrica  del-rei) 

(T.T.  —  Consultai  do  Concelho  de  Guerra,  maço  3,  n.°  36|. 


'Docmneiitos  (3g) 

LV 

REQUERIMENTO  DE  D     SANCHO  MANOEL  A    D.  JOÃO  IV,  DECLARANDO   SLISPEITO 

O  AUDITOR  DO  EXÉRCITO  QUE  LHE    FEZ  A  DEVASSA,  POR  SER   SEU  INIMIGO  FIGADAL, 

E  FEITURA  DO  SEU  PERSEGUIDOR  FERNÃO  TELES  DE    MENESES 

(Abrili  164'^ 
Dom  Sancho  Manoel  representa  a  V.  M.gde  que  havendo  mais  de  oito  meses 
que  está  preso  por  ordem  de  Fernão  Telles  de  Meneses,  sendo  General  da  provín- 
cia da  Beira,  sobre  haver  servido  a  V.  M.g^^^  com  a  lealdade,  valor  e  bons  sucessos 
que  a  V.  Mg.íie  lhe  foram  notórios,  até  pelo  mesmo  Fernão  Telles,  seu  inimigo  capital, 
a  pedindo  por  alguas  vezes  a  V.  Mg.de  instantemente  lhe  fizesse  mercê,  que  man- 
desse  devassar  de  seus  procedimentos  por  todo  o  ministro  que  V.  Mg.i^^  fosse  ser- 
vido, excepto  só  o  Auditor  do  seu  exercito,  com  quem  havia  tido  grandes  desa- 
venças, pelo  serviço  de  V.  Mg.<i«  e  era  feitura  do-dito  General,  e  entendendo  que 
V.  Mg.de^  como  Rei  e  Senhor,  mandaria  fazer  a  justiça  que  faz  a  todos  neste  parti- 
cular,_lhe  veio  ora  a  sua  noticia  que  o  dito  Auditor  tirara  com  effeio  devassa  delle 
Supp.e  ,  e  a  remettera  ao  Conselho  de  Guerra,  onde  elle  Supp.«  fez  a  mesma  suplica 
que  se  consultou  a  V.  Vi^A^  por  constar  que  o  Auditor  era  seu  inimigo  capital. 
Pela  dita  devassa  mandava  V.  Mg.de  proceder,  e  inda  que  elle  Supp.«  espera  de  sua 
innocencia  e  do  zelo  e  fidelidade  com  que  sempre  serviu  e  V.  Mg.de  não  possa  re- 
sultar contra  elle  Supp.<í  culpa  contra  o  serviço  de  V.  Mg.de  com  tudo  sendo  a  dita 
devassa  tirada  por  um  inimigo  seu  tão  conhecido  e  com  assistência  do  mesmo  Ge- 
neral que  faria  tudo  o  que  pudesse  pelo  culpar,  o  representa  assi  a  V.  Mg.di^  e  em 
consideração  do  referido  e  do  que  a  V.  Mg.d<^  lhe  tem  constado  de  seus  serviços  : 

P.  a  V.  Mg.de  lhe  faça  mercê  mandar 
tomar  nesta  matéria  a  resolução  que  for 
servido,  sendo-lhe  a  V.  Mg.d«  presente  o 
pouco  credito  que  se  deve  dar  a  devassa 
processada  por  um  inimigo  por  ordem  e 
com  assistência  do  mesmo  General,  que 
se  empenhou  em  suas  cousas  na  forma 
que  a  V.  Mg.de  lhe  é  notório 
E.  R.  M. 

(T.T,  —  Consultas  do   Conselho  de  Guerra,  maço  3.°,  11.°  36). 

LVI 

CONSULTA  DO  CONSELHO    DE  GUERRA  FAVORÁVEL  A  REINTEGRAÇÃO  DE  D.  SANCHO 

NO  POSTO  DE  MESTRE  DE  CAMPO  DE  UM  DOS  TERÇOS  DO  EXÉRCITO  DA  BEIRA. 

EL-REI,  ANTES  DE  RESOLVER,  PEDE  RELAÇÃO  POR  MENOR  DAS  SUAS  CULPAS  :   E  DEPOIS 

MANDA  QUE  O  PRESO  PASSE  PARA  O  LIMOEIRO,  ONDE  COM  SUMO  SEGREDO 

SE  LHE  DARÁ  NOTA  DAS  CULPAS,  E  VISTA  DA  DEVASSA 

(2g  abrU-2g  maio  1643) 
Snõr 
V.  Mag.e  tem  resoluto  que  haja  dous  terços  na  Beira,  e  que  delles  sejam  mes- 
tres de  Campo  Dom  Sancho  Manoel  e  Manoel  Lopes  Brandão,  e  ainda  se  naõ  de- 


(40)  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

clarou  a  Dom  Sancho  a  resolução  de  V.  'ÍA^A^  por  naõ  vir  deferido  ao  que  em 
razaõ  deste  particular  se  consultou  a  V.  Mg.J«  em  outra  consulta  deste  Conselho 
de  17  do  presente ;  e  porque  a  pessoa  de  D.  Sancho,  por  seu  valor  e  experiência  e 
zelo  com  que  tem  servido  a  V,  Mg.d^  é  justo  naõ  esteja  sem  ocupação,  e  o  veraó 
é  entrado,  tendo  os  terços  necessidade  de  quem  os  governe,  e  a  causa,  havendo-se 
de  tratar  ordinariamente,  será  dilatada,  e  os  moradores  dos  logares  da  província 
pedem  com  instancia  se  lhes  envie  a  Dom  Sancho,  lembra  o  Conselho  a  V.  Mg.d^ 
mande  declarar  se  ha  por  bem  que  se  avise  a  Dom  Sancho  da  resolução  de  V.  Mg.de 
para  ir  servir  na  forma  delia  e  naõ  perca  tempo  no  serviço  de  V.  Mg.de 

O  Conde  de  Penaguião  diz  que  a  culpa  que  Dom  Sancho  cometeu  em  se  fazer 
pagar  por  si  é  uã  das  maiores  que  se  cometem  na  milicia,  que  a  devassa  que  V.  Mg.de 
mandou  tirar  de  seus  procedimentos  é  vinda  com  úa  carta  do  juiz  que  a  tirou  e  outra 
de  Fernaõ  Telles,  que  ambas  vaó  inclusas,  e  que  é  de  parecer  que  Dom  Sancho 
naõ  deve  tornar  á  Beira  sem  se  livrar,  ou  V.  Mg.de  mandar  pôr  perpetuo  silencio 
na  causa,  o  que  elle  ficará  devendo  á  grandeza  de  V.  M.de  e  que  sempre  será  de  pa- 
recer que  V.  Mg.de  lhe  perdoe  polo  que  merece  por  seu  valor  e  experiência. 

Dom  Gastão  Coutinho,  o  Bailio  e  o  Conde  da  Torre  acrescentam  que  da  queixa 
que  se  fez  de  Dom  Sancho  se  fazer  pagar  naõ  consta  que  quebrasse  arca  nem  fe- 
chadura nem  puchasse  por  arma  alguã,  mais  que  o  medo  que  o  pagador  quis  ter. 

Lisboa  29  de  abril  de  648. 

(Com  três  rubricas  y 
Nota  do  secretário 

O  da  Torre  naõ  rubricou  por  se  sair  antes  de  se  acabar  de  escrever  a  consulta. 

Resolução 

O  doutor  João  Pinheiro  me  faça  relação  por  menor  do  que  constar  das  culpas 
de  Dom  Sancho,  vendo  para  isso  a  devassa  e  mais  papeis  que  delias  houver  e  me 
diga  seu  parecer  e  com  isso  me  torne  esta  Consulta.  Lisboa  8  de  maio  de  643. 

(Rubrica  del-rei) 
Consulta 

Snõr 
Em  cumprimento  da  ordem  dada  na  resposta  da  Consulta  que  torna  com  esta 
se  remeteram  ao  Dr.  João  Pinheiro  a  devassa  e  mais  papeis  que  vieram  da  Beira 
sobre  os  procedimentos  do  Mestre  de  Campo  Dom  Sancho  Manoel ;  e  João  Pi- 
nheiro satisfaz  com  a  relação  que  fez  e  vai  juntamente  com  esta  Consulta.  Lisboa 

28  de  maio  de  643. 

(Com  duas  rubricas  y 
Resolução 

Seja  Dom  Sancho  levado  ao  Limoeiro  desta  cidade,  onde  estará  preso,  e  se  lhe 

darão  em  cargo,  as  culpas  referidas  na  informação   do  dr.  João  Pinheiro  que  se 

guardará  com  summo  segredo,  e  na  descarga  que  der  Dom  Sanho  poderá  alegar  a 

suspeição  que  dis  tem  ao  Ministro  que  tirou  a  devassa  e  o  mais  que  lhe  parecer, 

e  com  os  cargos  que  fará  o  fiscal  ira  ao  Reo  vista  da  devassa :  Alcântara  29  de 

maio  de  643. 

(Rubrica  del-rei) 

<  Do  Bailio,  de  D.  Gastão  Coutinho  e  do  Conde  de  Penaguião. 
-  Do  Conde  de  Penaguião,  e  de  Jorge  de  Mello. 


'Documentos  (41) 

Nota  do  secretário 

Em  virtude  desta  resolução  remetti  a  devassa  a  António  de  Beja  com  papel 
meu  que  está  registado  a  f. 

(T.T.  —  Consultas  do  Conselho  de  Guerra,  mai,'o3.°  n.'*3ò). 

LVII 

OFÍCIO  DO  SECRETÁRIO  DO  CONSELHO  DE  GUERRA  A  MATIAS   DE  ALBUQUERQUE, 
COMUNICANDO-LHE    A  ORDEM    REGIA    PARA    D.   SANCHO  SER  LEVADO    AO  LIMOEIRO. 

(3  junho  1643) 
Para  Matias  d'Albuquerque 

Sua  Magestade,  que  Deus  guarde,  em  resposta  de  uma  Consulta  do  Conselho  de 
Guerra  de  24  de  maio  passado,  manda  que  o  mestre  de  campo  dom  Sancho  Ma- 
noel seja  levado  ao  Limoeiro  desta  cidade,  onde  estará  preso  para  se  lhe  darem 
cargos  de  suas  culpas  e  aviso  a  V.  S.»  desta  resolução  de  Sua  Magestade  para  que 
mande  executar.  Guarde  Deus  a  V.  S.a  como  desejo,  do  Paço  3  de  junho  de  643. 

António  Pereira 
(T.T.  —  Secretaria  do  Coiisellw  de  Guerra,  1.  v,  (1.  87). 

LVIII 

PORTARIAS  reconhecendo  E  ENUMERANDO  OS  SERVIÇOS  VALIOSOS 

PRESTADOS  NA  GUERRA  PELO  CAPITÃO  BRÁS  GARCIA    DE  MASCARENHAS, 

E  DECLAR.INDO  QUE  EL-REI  D.  JOÃO  IV  LHE  FAZ  MERCÊ  DA  PROMESSA  DE  20ÍÍÍ>000  REIS, 

COM  O  HÁBITO  DE  S.  BENTO  DE  AVIS 

(5  abril  1 644) 

El  Rey  noso  Senhor  tendo  respeito  aos  seruiços  que  despois  de  sua  fellice 
aclamação  lhe  fez  Brás  garçia  de  Mascarenhas  natural  da  Villa  de  Auo  nos  lugares 
da  prouincia  da  Beira  e  Alemtejo  fronteiras  de  Castella  até  o  anno  de  643  em  praça 
de  Capitão  de  Infantaria  leuantando  gente  e  reconhecendo  dentro  das  terras  do 
inimigo  os  paços  mais  arriscados  nos  quaes  ajudou  aobraralguas  facções  rendendo 
com  valor  muita  gente  que  por  vezes  trouxe  prisioneira,  assi  no  tempo  que  gouer- 
nou  as  armas  na  villa  de  Alfaiates  a  que  fortificou  e  pos  em  estado  de  defençavel 
por  meio  de  seu  zelo  e  cuidado,  como  nas  mais  ocasiões  de  guerra  que  se  offere- 
ceram  em  que  se  achou  correndo  por  sua  via  e  inteligência  matérias  de  importân- 
cia que  os  ministros  superiores  fiavam  de  sua  lealdade,  para  se  poderem  alcançar 
os  desenhos  do  contrario;  e  passandosse  despois  no  anno  de  643  a  servir  na  pro- 
víncia do  Alemtejo  donde  sahiu  a  campanha  seguindo  o  exercito  em  praça  de  ca- 
pitão reformado  a  principio  e  ultimamente  de  capitão  vivo,  governando  com  sua 
companhia  e  outras  de  capitães  feridos  na  guerra  se  achar  em  todos  os  assaltos  e 
recontros  que  houve  na  Villa  de  Valverde  e  nas  mais  praças  de  Andaluzia  que  o 
verão  passado  se  renderam  à  força  de  armas  sem  receber  naquelle  tempo  cousa 
algCa  da  fazenda  real,  até  que  do  trabalho  e  rigor  da  campanha  veio  a  adoecer  gra- 


(42)  'Brás  Garcia  de  (£Mascarenhas 

vemente,  procedendo  nas  occasiões  referidas  sempre  com  a  devida  satisfação  : 
Ha  por  bem  de  lhe  fazer  merca  de  promessa  de  vinte  mil  reis  de  pensão  em  huã 
comenda  das  que  se  houverem  de  pensionar  da  ordem  de  S.  Bento  de  Avis,  para  os 
ter  com  o  habito  delia,  que  S.  Mg.'''^  lhe  tem  mandado  lançar.  Em  Lisboa  a  5  de 
abril  de  644 

El  Rey  noso  Senhor  ha  por  bem  de  mandar  lançar  o  habito  de  S,  Bento  de 

Avis  a  Brás  Garcia  Mascarenhas  para  o  ter  com  vinte  mil  reis  de  pensão  em  huã 

comenda  da  ordem,  dos  quais  lhe  tem  feito  mercê  de  promessa  e  manda  que  para 

haver  de  receber  o  habito  se  lhe  façam  as  provanças  e  habilitações  de  sua  pessoa, 

na  forma  dos  estatutos  e  definições  da  mesma  ordem.  Em  Lixboa  a  5  de  abril  de 

Ó44. 

(T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  1  das  Portarias,  fl.  |58  v.") 


LIX 

CARTA   RÉGIA    E    DOIS    ALVARÁS    DE    D.    JOÃO    IV,    COMO  GOVERNADOR   E  GRÃO-MESTRE 

DA  ORDEM  DE    S.  BENTO  DE  AVIS,  MANDANDO  LANÇAR  O  HABITO  DE  FREIRE  NOVtÇO, 

AUMAR  CAVALEIRO,  E  RECEBER  A  PROFISSÃO,  A  BRÁS  GARCIA 

(14  maio  1O44J 

Dom  João  etc.  Como  Gou.or  etc.  faço  saber  a  uos  RA°  Dom  fr.  Bento  Pr.a  de 
Mello  Prior  mor  da  d.  ordem  e  do  meu  Cons.°  q  Eras  graçia  Mãz  me  pedio  por 
m.«  q  porq.io  elle  desejaua  e  tinha  deuaçáo  de  seruir  a  nosso  s.or  e  a  mim  na 
mesma  ordem,  ouuesse  por  bem  de  o  receber  E  mandar  p'uer  do  habito  delia  E 
antes  de  lhe  fazer  a  d.  m.<:«  E  o  receber  a  Ordem,  habilitou  sua  p.a  diante  do  Pre- 
zidente  E  Deputados  do  desp."  do  meu  Tribunal  da  meza  da  Cons.cia  E  ordens  E 
Juis  delia  E  per  que  me  Constou  pela  habilitação  que  se  lhe  fez  segundo  forma  das 
difíiniçóes  E  estatutos  da  mesma  ordem  o  d.  Braz  Gracia  maz.  ter  as  qualidades 
p.'«s  pessoaes,  e  a  limpeza  necess."  Conforme  a  ellas  p^  ser  recebido  E  prouido  do 
habito  da  d.  ordem,  E  por  Esperar  que  nella  poderá  fazer  m.tos  seru.os  a  nosso  s.<"' 
E  a  mim.  Hey  por  bem  E  me  praz  de  o  receber  a  d.  ordem  e  per  esta  vos  mando 
dou  poder  e  Comissão  q  lhe  lanceis  o  habito  dos  freires  nouiços  delia  nesse  Conu.to 
com  todos  os  actos  E  serimonias  q  a  Regra  dispõem  E  tanto  q  o  dito  habito  lhe 
for  lançado  o  fareis  assentar  no  1."  da  matricula  dos  Caualr.os  nouiços  com  decla- 
ração do  dia,  mes  E  anno  E  esta- carta  mandareis  guardar  na  arca  das  semelhantes 
que  esta  nesse  Conu.to  de  que  lhe  passareis  certidão  có  o  traslado  delia  pa  sua 
guarda,  E  se  cumprira  sendo  passada  p^^  chra  da  ordem  Esteuã  tauares  a  fez  em 
Lx'  a  14  de  Majo  de  1644  Christouáo  de  Sousa  a  fez  escreuer. 

El  Rey 


Ev  El  Rey  como  Gou-or  etc  Mando  a  ql  quer  Caualr»  pfesso  da  d.  ordem  a 
que  este  alua  for  apresentado  que  dentro  da  minha  Cap.a  ou  na  Igr.a  de  nossa  s" 
da  Encarnação  da  mesma  ordem  armeis  Caualr.o  a  Braz  graçia  Mãz  a  quem  ora 
Mando  lançar  o  habito  delia  E  pa  seus  padrinhos  nisto  ajudarem,  podereis  mandar 
requerer  a  dous  Caualeiros  mores  da  d.  ordem,  E  de  como  asy  o  armardes  Caualr" 


'Documentos  (48) 

lhe  passareis  Certidão  na  forma  Costumada  e  se  cumprira  sendo  passado  pella 
Chra  da  ordem  Esteuão  Tauares  a  fez  cm  Lx»  a  14  de  Mayo  de  1644  Christouão  de 
Sousa  o  fez  escrever 

Rey 


Ev  El  Rey  Como  Gou»""  etc  faço  saber  a  uos  Rdo  Dom  fr.  Bento  pra  de  Mello 
Prior  Mor  da  d.  ordem  E  do  meu  Cons°  q  Braz  Graçia  Maz  a  quem  ora  mando  lan- 
çar o  habito  da  mesma  ordem  nesse  Conu'o  me  enuiou  a  dizer  que  dezejaua  e 
tinha  deuação  de  viuer  Em  toda  sua  vida  e  permanecer  na  d.  ordem  e  nella  queria 
façer  p'fissáo  E  Renunciar  o  anno  e  dia  de  seu  nouiçiado  E  aprovação  na  forma  das 
diffinições  ouuesse  por  bem  de  o  receber  a  ella,  perq.'»  tinha  Corrido  folha,  E 
vendo  Eu  sua  deuação  e  como  he  pessoa  q  a  ordem  e  a  mim  pode  bem  seruir  me 
praz  de  o  admitir  a  profissão,  E  por  este  vos  Mando  dou  poder  E  Comissão  q  o 
Recebais  a  ella  com  todos  os  actos  E  serimonias  q  a  regra  dispõem,  pa  o  q  lhe 
mando  resida  nesse  Conu'"  o  t.po  q  ella  ordena,  assistindo  aos  officios  diuinos  q  nella 
se  fizerem  aprendendo  as  cousas  q  os  Caualr.os  p'fessos  da  d.  ordem  são  obrigados 
saber.  E  passado  o  d.  t.po  querendo  elle  permanecer  na  Ordem  e  fazer  expreza 
p'fissão  vos  lha  fazey  na  man."  q  acima  se  Refere  parecendouos  q  sua  vida  e  costu- 
mes são  taes  per  que  lhe  deua  ser  feita  E  se  outra  cousa  vos  parecer  mo  fareis  a 
saber  p"  Eu  mandar  o  q  ouuer  por  meu  seru."  E  tanto  q  a  d.  profissão  lhe  for 
feita  o  fareis  assentar  no  1."  da  matricula  dos  Caualr.os  pTessos  com  declaração  do 
dia  mes  E  anno  E  o  seu  assinado  delia  mandareis  guardar  no  Cofre  dos  semelhan- 
tes q  esta  nesse  Conu.to  de  q  lhe  passareis  certidão  nas  costas  deste  na  forma  cos- 
tumada.    E  se  cumprira  sendo  passado  p'a  chr.a  da  ordem.  Esteuão  Tauares  o  fez 

em  Lx.a  a  14  de  Mavo  de  1644.  Chritouão  de  Sousa  o  fez  escreuer 

Rey 

(T.T.  —  Chancellaria  antipa  cia  Ordem  de  Avis,  1.  xiv,  11.  166  e  166  v.°). 


LX 

ALVARÁ  DO  MESMO  REI,  COMO  GOVERNADOR  E  GR.\0-MESTRE  DA  ORDEM 

DE  S.  BENTO  DE  AVIS,  EM  QUE  SE   REFEREM  OS  GRANDES   SERVIÇOS  PRESTADOS 

rOR  BRÁS  GARCIA  NA  GTERRA  COM  ESPANHA,  E  SE  LHE  FAZ  MERCÊ  DA  PROMESSA 

DE  PENSÃO  DE  20íí)000  REIS  EM  UMA  COMENDA  DA  DITA  ORDEM 

(14.  maio  1644) 

Ev  El  Rey  Como  Gou.or  etc  faço  saber  aos  q  este  alu.a  virem  q  tendo  respeito 
aos  seru.os  q  depois  de  minha  feliçe  aclamação  me  fes  Braz  Graçia  Mãz  natural  da 
V.a  de  Auo,  nos  lugares  das  Prouincias  da  Beira,  E  Alentejo  fronteiras  a  Castella 
ate  o  anno  de  seis  centos  E  quarenta  e  três  Em  praça  de  Capitão  de  jnfantaria, 
leuantando  gente  E  Reconhecendo  dentro  das  terras  do  inimigo  os  paços  mais 
aRiscados  nos  quais  ajudou  a  obrar  algCias  facções  Rendendo  com  ualor  m.ta  gente 
q  por  vezes  trouxe  prisioneira  asy  no  t  po  q  gouernou  as  armas  na  V.-''  de  Alfaiates 
a  q  fortificou  e  pos  em  estado  defensauel  por  meio  de  seu  zello  E  Cuidado  como 
nas  mais  occasiois  de  guerra  q  se  offerecerão  em  q  se  achou  correndo  por  sua  via 
e  intelligencia  matérias  de  importância  q  os  ministros  superiores  fiauão  de  sua 
lealdade,  p"  se  poderem  alcançar  os  desenhos  do  Contrario  e  passandosse  depois 


(44) 


'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


no  anno  de  seis  sentos  E  quarenta  e  três  a  seruir  na  Proua  de  Alentejo  donde  saio 
a  Campanha,  seguindo  o  exercito  em  praça  de  Capam  reformado  a  principio,  E  vi- 
timam '«  de  Capam  viuo,  gouernando  a  sua  Compa  e  outras  de  Capitães  feridos  na 
guerra,  se  achar  em  todos  os  asaltos  e  Recontros  q  ouue  na  V.^  de  Valuerde,  E 
nas  mães  praças  de  Andaluzia  que  o  verão  passado  se  Renderão  a  força  de  Armas 
sem  receber  naquelle  t.P»  Cousa  algúa  da  faz.a  Real  ate  q  do  trabalho  E  Rigor  da 
Campanha  veo  adoecer  grauem.te  procedendo  nas  ocasiões  referidas  sempre  Com  a 
deuida  satisfação  Hey  p'  bem  de  lhe  fazer  m^e  de  promesa  de  vinte  Mil  rs  de  pen- 
ção  em  húa  Comda  das  q  se  ouuerem  de  pensionar  da  d.  ordem  de  São  Bento  de 
Auis  pa  os  ter  com  o  habito  delia  q  lhe  tenho  m^o  lançar  E  pa  sua  guarda  e  minha 
lembrça  lhe  mandej  dar  este  alu.a  que  lhe  mandarey  inteiramtc  Comprir  E  guardar 
sendo  passado  pela  chra  da  Orden  E  valera  como  Carta  supposto  q  seu  Effeito  aja 
de  durar  mães  de  hú  anno  sem  embargo  de  q'  quer  prouizão  ou  regim."»  en  confo 
Esteuão  Tauares  o  fez  em  Lxa  a  14  de  Mayo  de  644  Christouão  de  Sousa  o  fiz 
escreuer. 

Rey 

(T.T.  —  Oiancetaria  antiga  da'Ordem  de  Anis,  1.  xiv,  fl.  i66  v.°)' 

LXl 

ASSENTO  DUM  BAPTISMO  EM  AVÔ,  NO   QUAL  FOI  PADRINHO  O  POETA 

(14  julho  1644J 

1644 

Aos  14  de  Julho  baptizei  mathias  filho  de  bernardo  duarte  de  fig.do  e  de  sua 
mer  m.a  Jacome '  forão  padrinhos  o  Capitão  bras  GrJa  M.as  e  m.a  madr.a  m."  de 
João  m.*:'  -  todos  desta  uilla  por  lembr.i:^  fis  e  assinei 

Mattos 
(CS.  —  Registo  paroquial  de  Apó,  I.  i,  cad.  2.°,  fl.  107  v."). 

LXII 

assento  do  casamento   do  poeta  BRÁS  GARCIA  r>E  MASCARENHAS 

fig  fevereiro  1645) 

1645 

Aos  19  de  feuer.o  se  receberão  em  minha  presença  (feitas  2  denunciaçóes  de 
l.ça  do  ordinário)  frei  Bras  Gr.ca  M.as  filho  de  marcos  Gr."  e  de  Ilena  madr.a  cõ 
dona  m.a  da  Costa  filha  de  J.»  m.e'  de  da  fonseca,  e  de  m.»  mad.ra  da  Costa,  forão 
test.as  marcos  gr.cai  J.o  m.eH  o  D.  m  « '  gr. ca  5  mathias  frzí  e  outros  da  mesma  uilla 
de  q  fiz  e  assinei  eodem  die. 

Roque  Dias  de  Mattos 

(CS.  — Registo  paroquial  de  Avó,  1  i,  ead.  1.",  fl.  i63  v.*). 


1  Maria  Jacome  de  Mendonça,  prima  inteira  da  muUier  de  Bras  (.Vol.  geneal.  III,  iii,a  4 ;  —  Esq. 
geneal.  11,  a. 

i  Pais  da  que  veiu  a  ser,  poucos  meses  depois,  molher  de  Brás. 

3  Pai  do  noivo.  — *  Pai  da  noiva.  —  5  0  Ur.  Manoel  Garcia,  irmSo  do  noivo. 


documentos  (4^) 

LXIII 

ASSENTO  DE  UM  CASAMENTO  DE  QUE  FOI  TESTEMUNHA  O  POETA 

(12  outubro  1645) 

Em  dose  dios  de  8>ro  de  645  se  receberão  em  minha  presença  e  fiz  as  benções 

nuptiais  a  Siluestre  RÓiz  filho  de  João  Rõiz  e  de  m.^  J.o  sua  m.e.'  m.ors  no  lugar  de 

moimenta,  e  a  Isabel  da  fons.ca  da  Costa  '  filha  de  J.o  m.ei  da  fons.ca  e  de  m.a  mad.ra 

da  Costa  desta  uilla  a  que  forão  test.a^  frei  bras  Gr.ca  m.as  mathias  frz:  Ant.o  da 

Costa   m  «1  Aiurzí  todos  desta  uilla  de  q  fis  e  assinei  eodem  die. 

'  Mattos. 

(CS.  —  Registo piito^iiúil  de  Avô,  vol.  i,  cad.  i,  fl.  i63  v."). 


LXIV 

carta  DEL  REI  D.  JOÃO  IV  .AGRADECENDO  A  BRAS  GARCIA 

OS  SERVIÇOS    PRESTADOS,    E  A  BOA    VONTADE  COM  QCE    OS  PRESTOU, 

NO  LEVANTAMENTO  DE  GENTE  DE  VARIAS  PARTES,   PARA    O  GUARNECIMENTO 

DAS  PRAÇAS  DA  FRONTEIRA 

(8  novembro  ifj^S) 

Bras  Garcia  Mascarenhas.  Ev  El  Rey  vos  enuio  muito  saudar.  O  Conde  de 
Serem  Gouernador  das  armas  nessa  prouincia  me  deu  conta  das  Ordens  q  vos 
tinha  dado  para  fazerdes  conduzir  gente  de  differentes  partes  para  guarnecer  as 
praças  da  fronteira  dessa  prouincia  em  quanto  a  gente  paga  q  tenho  mandado  ve- 
nha de  socorro  a  esta  não  se  torne  a  recolher,  e  do  bom  animo  com  q  vos  despu- 
sestes  a  me  seruir  nesta  ocasião  o  que  vos  agradeço  muito,  tendo  por  certo  q  no 
comprimento  das  ordens  q  vos  tiuer  dado  e  der  o  Conde  e  em  tudo  o  mais  q  con- 
uenha  a  meu  seruiço  obrareis  com  tal  cuidado  e  deligencia  q  comprindo  com  vossa 
obrigação  folgue  eu  de  vos  fazer  a  honra  e  mercê  q  tenho  por  certo  me  sabereis 

merecer.  Escrita  em  Aldeã  galega  a  8  de  novembro  de  1645. 

Kej 

(T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  I.  vu,  H,  41  v."). 


LXV 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  ANTÓNIO  GARCIA  DE  MASCARENHAS,   FILHO  DO  POETA 

(14  dezembro  164Í) 

1645  — 

Baptisou  o  p.e  João  Caramello  de  minha  1."  Ant.o  filho  de  frei  bras  Gr.ca  m.as 

e  de  sua  m."  D.  M.a  em  os  14.  dias  de  lo.^ro  foi  padrinho  taõ  som.te  Steuão  Soares 

de  Melo.  per  lembr.i^a  fis  eodem  die. 

'  Mattos 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  1.  1,  cad.  2.°,  fl.  108  v.'). 


•  Cunhada  do  poeta. 


{46)  ^rás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

LXVI 

ASSENTO  DE  UM  CASAMENTO  EM  QUE  FOI  TESTEMUNHA  O  POETA 

(2  fevereiro  1646) 

1Õ46 

Aos  i)  de  feuer.o  se  receberão  em  minha  presença  e  fiz  as  benções  nuptiais  a 
J.o  Rõiz  filho  de  João  Rõiz  e  de  maria  João  m.o^s  no  lugar  de  mo\(menta)  e  a  Anna 
da  fons."  da  Costa  '  f."  de  J.o  m.":!  e  de  m.a  mad."  àtslz  (villa)  &  q  forão  test.as  frei 

bras   Gr.ca   m.^s  Siluestre   Rõiz  *  i.°  m.e'  3   m.'os  por  lembr.<:a  fis  e   assinei 

eodem  die. 

Mattos 

iC  S.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  vol.  i,  cad.  i,  fl.  i63  v."). 

LXVII 

carta   régia  de  d.  JOÃO  IV  A  BRAS  GARCIA,  ENCARREGANDO-0  DE  LEVANTAR 
NA  BEIRA    UMA  COMPANHIA,  E  PASSAR  COM  ELLA  AO  ALENTEJO 

(4  agosto  1646) 

Capitão  Bras  Garcia  Mascarenhas.  Ev  El  Rej  vos  enuio  m.to  saudar  Tenho 
mandado  preuenir  nessa  prou.^  da  beira  mil  homes  para  passarem  a  reforçar  o 
Exercito  de  Alentejo  tanto  q  haja  recado  do  Conde  de  alegrete  para  isso  E  por  fa- 
zer toda  a  deuida  estimação  de  vossa  pessoa  e  do  com  q  tendes  acudido  sempre 
as  obrigacõis  de  meu  seruiço  me  pareceo  encarregaruos  leuantardes  hua  das  com- 
p.as  que  se  hão  de  formar  e  passardes  com  ella  a  Alentejo  na  forma  em  q  mais 
particularm."  o  entendereis  do  Conde  de  Serem  q  vos  dará  ordem  do  q  haueis  de 
seguir  em  tudo  e  poderes  estar  certo  q  sempre  me  será  presente  o  seruiço  que 
nesta  occasião  me  fizerdes,  e  particularm.'^  nas  de  vossos  acrescentam. tos  escrita 
em  Lx.a  a  4  de  agosto  de  1646. 

Rej 
(T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  vii,  fl.  i32  v."). 

LXVIII 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  MANUEL  GARCIA   DE  MASCARENHAS, 
FILHO    NATURAL    DE    MATIAS    GARCIA    E    DE    ANA     DUARTE 
DE  TRAVANCA  DE  FARINHA  PODRE 

(:8  fevereiro  l64j) 
Enos  dezouto  dias  do  mes  de  feu.ro  bautizei  da  mesma  era  (1647)  m.e'  f.o 
dAnna  solteira  forão  padr.os  Joseph  marques  doliveirina  »  e  Isabel  Antunes  desta 
uilla  K 

G.AR  FR.CO 
(CS.  —  Registo  paroquial  da  Bobadela,  I.  1,  cad.  2.°  fl.  i5) 

1   Cunhada  do  poeta. 

!  Irmão  do  noivo,  e  casado  com  uma  irmã  da  noiva  (doe.  l.XIII). 

3  Pai  da  noiva. 

<  Era  primo  inteiro  do  pai  da  criança,  por  ser  filho  de  Francisco  Marques,  irmão  de  Marcos  Gar- 
cia. Este  Francisco  Marques  era  casado  em  Oliveirinha  com   Agoslinha  Lourenço. 

6  Esta  Isabel  Antunes  também  era  irmã  de  Marcos  Garcia,  e  por  isso  tia  paterna  do  pai  da  criança. 
Nascera  na  Bobadela,  e  casara  com  António  .Madeira,  de  Avò,  residindo  ambos  naquella  freguesia. 


T>ocumentos  (47) 


LXIX 

ASSENTO  DO  DArTISMO  DE  TOMAS   d'aQUINO  GARCIA  DE  MASCARENHAS, 
FILHO  DO  POETA 

(j  março  1641) 
1647  — 
Aos  7.  dias  de  Março  baptizei  Thomas  q  loguo  ao  baptizar  foi  nomeado  Tho- 
fnas  de  aQuino  filho  de  frei  Brás  Garcia  M.as  e  de  D.  M.a  da  Costa  forão  padrinhbs 
J.o  m.el  o  moço',  e  Isabel  Garcia  2  f."  de  Marcos  Gr.cia  per  lembr."  fiz  eodem  die. 

Mattos 

(í:..%.  —  Registo  paroquial  de  .\vò,\.  1,  cad.  2.»,  fl.  110). 


LXX 

carta  DE   D.  JOÃO  IV  AGRADECENDO  A  BRÁS  O  ZELO  E  VALOR  COM  QUK   SE  HOUVE 
NA  TOMADA  DE  S.  FELICE  DE  LOS  GALLEGOS 

(i3  setembro  1647J 

Bras  Garcia  Mascarenhas.  Eu  el  Rei  uos  enuio  muito  saudar.  O  Gouernador 
das  armas  Dom  Rodrigo  de  Castro  me  significou  o  zelo  e  ualor  com  que  proce- 
destes na  ocasião  da  entrepresa  da  praça  de  S.  Felices  de  los  Galhegos  e  pareceome 
agradeceruolo  como  por  esta  carta  o  faço  e  dizeruos  que  o  seruiço  que  nesta  oca- 
sião me  fizestes  me  hade  ser  sempre  presente  para  uos  fazer  a  honra  e  merçe  que 

ouuer  lugar.  Escrita  em  Lisboa  a  i3  de  setembro  de  16./7. 

Rey 

(T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  I.  xii,  fl.  11). 


LXXI 

CARTA  DE  D.  JOÃO  IV  A  D.  SANCHO  MANOEL,  CAPITÃO  GENERAL 

DAS  ARMAS  NO  PARTIDO  DE  CASTELO  BRANCO,  ORDENANDO-LHE  QUE  LEVANTE 

MIL  E  QUINHENTOS  HOMENS    NAS  SUAS  COMARCAS,  POIS  A    D.  RODRIGO  DE  CASTRO, 

CAPITÃO  GENERAL  NO  PARTIDO  DA  GUARDA,  MANDARA  FAZER  OUTRA  LEVA 

DE  DOIS  MIL  HOMENS  NAS  SUAS  QU.\TRO  COMARCAS 

(i  5  junho  1648J 

P.a  Dom  Sancho  m.el 

Dom  Sancho  m.ei  Ev  el  Rej  uos  enuio  m.w  saudar  Do  que  me  escreuestes  em 
carta  de  26  do  passado  entendi  a  diligencia  que  tínheis  feito  em  ordem  a  formatura 
dos  três  terços  de  infantaria  que  me  otTerecestes  fazer  nessa  prou.ca  e  de  nouo  uos 
torno  a  agradecer  o  bom  animo  com  que  uos  tendes  disposto  e  dispondes  a  fazer 
me  este  seruiço,  e  dizer  uos  que  será  elle  neste  tempo  e  ocasião  o  mais  agradauel 
e  de  major  importância  que  de  uos  posso  receber  e  que  me  ha  de  ser  sempre  prez'e 


1  Era  filho  de  Joáo  Manuel  da  Fonseca,  e  por  Í3so  tio  materno  da  criança. 

2  Tia  paterna  do  neófito. 


(48)  'Brás  Garcia  de  óMascaretihas 

para  folgar  de  uos  fazer  por  elle  toda  a  honra  e  m.<:^  que  ouuer  lugar  e  porque 
conuem  não  se  perder  nisto  hum  so  momento  de  tempo  para  que  se  consiga  com 
breuidade  o  que  tanto  importa  e  se  reparta  o  trabalho  entre  uos  e  dom  R.o  a  quem 
encarrego  que  nas  quatro  com.cas  do  seu  partido  leuante  dous  mil  homés  e  que 
uos  nas  três  do  uosso  leuanteis  mil  e  quinhentos  vos  encomendo  e  mando  que  logo 
façais  alistar  estes  mil  e  quinhentos  que  hao  de  ser  dos  mais  nobres  afazendados 
desobrigados  e  que  tiuerem  mais  préstimo  p.a  o  seruico  que  se  acharem  e  hão  de 
seruir  so  nesta  ocasião  e  o  Conde  de  São  Ls°  tem  ordem  minha  para  que  acabada 
ella  despida  esta  gente  e  a  deixe  ir  p.^  suas  terras  a  qual  fareis  também  armar  e 
separar  formando  as  comp.as  com  capitães  alferezes  e  sargentos  que  hão  de  uencer 
o  mesmo  soldo  que  gosao  os  dos  terços  pagos  e  auisarmeheis  em  toda  a  dilig.ca 
logo  que  tenhais  isto  desposto  e  executado  para  se  uos  remeter  logo  dinheiro  para 
ser  socorrida  esta  gente  e  marchar  porque  segundo  os  auisos  que  se  tem  a  saida 
do  inimigo  esta  tão  próxima  que  não  poderá  dar  lugar  a  elle  se  auer  de  aquartelar 
como  uos  na  vossa  carta  acertadamente  aduertis  se  deuia  fazer  p.a  se  exercitarem 
os  soldados  e  torno  uos  a  encomendar  m.'o  o  effeito  deste  neg.o  e  a  dizer  uos  que 
com  o  cuidado  com  que  estou  certo  o  aueis  de  dispor  e  executar  deponho  a  major 
parte  do  a  que  me  obriga  o  grande  poder  que  o  inimigo  tem  preuinido  e  uay  jun- 
tando em  dano  deste  Reino  aduertindo  uos  lambem  que  o  Conde  da  Ericeira  com 
ordens  minhas  tem  partido  a  fazer  400  infantes  socorridos  para  esta  mesma  oca- 
sião as  com.i^as  de  Coimbra  e  Esgueira  p.a  que  tendo  a  entendido  não  haja  emba- 
raço p.lo  que  toca  aos  que  o  Conde   tirar  da  com.<^a  de  Coimbra  que  he  do  uosso 

partido  Escrita  em  Lx.a  a  i5  de  junho  de  1648. 

Rey 
iT.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  xii,  fi.  57  \.°). 

LXXII 

CARTA  DE  D.  JOÃO  IV  AO  CONDE  DA    ERICEIRA,  DANDO-LHE  INSTRUÇÕES 
SOBRE  UMA  LEVA  QUE  BRÁS  GARCIA  ANDAVA  ORGANIZANDO  NA  COMARCA  DE  ESGUEIRA 

(24  julho  1648J 

Conde  amigo.  Eu  el  Rej  vos  enuio  muito  saudar,  como  aquelle  que  amo.  Re- 
cebeuse  a  uossa  carta  de  18  do  presente  com  copia  da  ordem  com  que  o  gouerna- 
dor  das  armas  Dom  Rodrigo  de  Castro  mandou  ao  capitão  Brás  Garcia  Mascarenhas 
aleuantar  oito  centos  infantes  á  Comarca  de  Esgueira,  avisandome  que  tinheis  re- 
metido a  Estremoz  hua  tropa  de  vinte  e  oito  cauallos  e  quarenta  soldados  pagos, 
e  que  os  duzentos  socorridos  da  Comarca  de  Coimbra  partirão  logo  que  vos  che- 
gue resposta  do  que  me  tinheis  escrito  em  razão  da  duuida  que  se  vos  offereceu 
acerca  dos  Capitães^  e  officiaes  que  hauiam  de  leuar  esta  gente,  a  que  se  vos  tem 
deferido,  e  persuadome  que  ja  iria  marchando  esta  infantaria,  e  tornandouos  a  agra- 
decer muito  o  zelo  e  cuidado  com  que  em  tudo  tendes  procurado  abreuiar  esta 
leua,  que  é  mui  conforme  a  grande  confiança  que  faço  do  zelo  e  amor  com  que 
vos  empregais  em  meu  seruico.  Emquanto  a  duuida  que  se  vos  offerece  em  ha- 
uerdes  de  passar  de  Esgueira,  assistindo  nella  Brás  Garcia  fazendo  outra  leua,  me 
pareceu  dizervos  que  despois  de  vos  passarem  as  ordens  e  vos  partirdes  desta  corte 
a  fazerdes  a  leua  que  vos  encarreguei,  pela  continuação  dos  avisos  que  se  tiveram 
do  maior  poder  com  que  o  inimigo  se  está  preuenindo  em  Badajos  e  sendo  precisa- 


'Documentos  (4g) 

mente  necessário  acrecentar  o  do  meu  exercito,  para  se  lhe  opor  e  obviar  os  danos 
de  seus  designios,  foi  necessário  expediremse  nouas  ordens  aos  dous  Gouernadores 
das  armas  da  Beira  para  fazerem  leuantar  nos  seus  partidos  três  mil  e  quinhentos 
infantes  socorridos,  para  os  enuiarem  a  Alemtejo  e  seruirem  alli  nesta  occasião, 
que  devia  ser  o  motiuo  com  que  Dom  Rodrigo  mandou  a  Brás  Garcia  à  Comarca 
de  Esgueira  a  leuantar  oitocentos  homens,  persuadindose  que  como  aquella  Co- 
marca fica  mais  apartada  da  raia  e  menos  sujeita  por  esta  causa  a  acudir  a  ella 
nas  ocasiões  de  rebates  se  poderiam  tirar  dalli  estes  oitocentos  homens;  mas  por- 
que eu  quero  e  sou  seruido  que  o  que  nella  obrar  seja  por  ordem  vossa,  fui  ser- 
uido  resoluer  que  agora  que  vos  tendo  expedido  o  soccorro  de  Coimbra,  passeis 
logo  a  Esgueira  e  chamando  a  Brás  Garcia  e  mandando  lhe  dar  a  carta  que  com 
esta  será  para  elle,  lhe  peçais  as  listas  da  gente  que  tiver  alistada  e  precedendo  as 
diligencias  que  julgardes  por  necessárias  dos  que  houuer  alistados  ou  de  outros,  se 
entenderdes  que  os  hauerá  mais  desobrigados  e  capazes  para  ir  seruir  nesta  oca- 
sião fazei  separar  quinhentos  infantes  ajustando  vos  para  isto  as  ordens  que  leuas- 
tes  e  formando  cinco  companhias  com  os  Capitães  e  officiaes  que  vos  enuiará 
Dom  Rodrigo  com  as  patentes  que  se  lhe  remeteram,  e  socorrendoos  do  dinheiro 
que  se  vos  proveu  e  do  mais  que  vos  enuiará  Dom  Rodrigo  ireis  expedindo  estas 
companhias  íía  e  úa  ou  na  forma  que  vos  parecer,  e  Brás  Garcia  vos  assistirá  a 
tudo  o  que  lhe  ordenardes  como  lhe  mando  aduertir  e  encarregar;  e  a  Dom  Ro- 
drigo de  Castro  mando  também  avisar  desta  minha  resolução  e  encomendar  que 
vos  faça  prover  o  dinheiro  que  faltar  e  enuie  os  officiaes  e  capitães  para  estas  com- 
panhias, e  vos  lhe  avisareis  da  quantia  de  dinheiro  que  pode  faltar  para  que  elle 
vola  enuie  do  que  lhe  está  consignado  para  a  leua  que  se  lhe  encarregou.  E  em 
tudo  o  mais  que  se  ofFerecer  tocante  a  esta  matéria,  vos  correspondereis  com  o 
dito  Dom  Rodrigo,  para  facilitar  e  expedir  mais  breuemente  este  socorro,  e  fio  de 
vossa  prudência  e  zelo  que  tudo  disporeis  e  encaminhareis  como  mais  convenha  a 

meu  seruico.  Escrita  em  Lisboa  a  24  de  Julho  de  648. 

Rey 

íT.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  I.  x,  fi.   121  v.°). 

LXXIII 

CARTA   RÉGIA  A  D.  RODRIGO  DE  CATRO  SOBRE  O  MESMO  ASSUNTO 

(24  julho  164S) 

Dom  Rodrigo  de  Castro.  Eu  el  Rey  vos  enuio  muito  saudar.  Como  ja  uolo 
mandei  auisar  se  tinha  dado  ordem  ao  Conde  da  Ericeira  para  leuantar  400  Infan- 
tes socorridos  nas  comarcas  de  Coimbra  e  Esgueira  para  o  socorro  de  Alentejo  e 
tendo  o  Conde  concluída  a  leua  que  tocaua  a  Coimbra  reparou  agora  em  passar  a 
Esgueira  em  razão  de  hauerdes  enuiado  aly  a  Brás  Garcia  Mascarenhas  a  leuantar 
800  Infantes  para  se  prefazerem  com  elles  os  dous  mil  que  tocão  a  uossa  repartição 
e  não  ser  possiuel  tirarse  de  húa  ues  de  hfia  comarca  tão  pequena  tam  grande  nu- 
mero de  gente ;  e  porque  persuadindome,  que  cõ  a  authoridade  e  zelo  do  Conde 
se  fará  aly  melhor  esta  leua  lhe  mando  ordene  que  logo  passe  a  Esgueira  e  pe- 
dindo a  Brás  Garcia  as  listas  que  tiuer  feitas  da  gente  delia,  ou  de  outra  se  lhe 
parecer  que  na  Comarca  hauera  homens  mais  desobrigados  e  capazes  para  hirem 


(5o)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

seruir  nesta  ocasião  aliste  800  infantes  e  que  destes  forme  sinco  companhias  e  cõ 
os  capitães  e  officiaes  que  llie  haueis  de  enuiar  as  faça  marchar  para  Alentejo  na 
forma  em  que  expedio  as  duas  Companhias  de  Coimbra,  ou  como  melhor  lhe  pa- 
recer auisandouos  do  dinheiro  que  demais  do  que  leuou  lhe  faltar  para  socorrer 
esta  gente,  para  que  uos  da  consignação  que  se  uos  tem  dado  lho  prouejaes  como 
uos  encomendo  o  facaes  para  que  por  hila  e  outra  parte  se  procure  que  esta  gente 
marche  cõ  a  maior  breuidade  que  for  possiuel.  E  a  Brás  Garcia  mando  escreuer 
e  ordenar  que  assista  ao  Conde  e  guarde  as  ordens  que  elle  lhe  der  tocantes  a  esta 
leua  de  Esgueira  e  de  tudo  me  pareceo  mandaruos  auisar  para  o  terdes  entendido. 
E  destes  800  infantes  os  3oo  hão  de  fazer  por  conta  da  uossa  repartição  e  fio  do 
uosso  zelo  e  cuidado  procurareis  que  não  haja  dillação  nenhúa  no  que  tanto  con- 
ucm  a  meu  seruiço  abreuiarse  por  todas  as  partes.  E  ao  Conde  da  Ericeira  aduerti 
daquillo  que  se  uos  offerece  para  melhor  se  encaminhar  o  que  se  pertende.  Escrita 

em  Lisboa  24  de  Julho  de  1648. 

Rey. 

(T.T.  —  Secretariei  do  Conselho  Je  Guerr.1,  I.  xii,  fl.  55). 


LXXIV 

CARTA  RÉGIA   A  BRÁS  GARCIA  AINDA   SOBRE  O  MESMO  OBJECTO 

(24  julho  1648J 

Bras  Garcia  Mascarenhas.  Eu  el  Rej  vos  enuio  muito  saudar.  Eu  mando 
ordenar  ao  Conde  da  Ericeira,  que  se  acha  em  Coimbra,  passe  logo  a  essa  Comarca 
de  Esgueira  para  que  dos  soldados  que  com  a  ordem  que  vos  deu  o  Governador 
das  Armas  Dom  Rodrigo  de  Castro  tendes  alistado  nella,  ou  de  outros,  se  lhe  pa- 
recer que  os  hauerá  mais  desobrigados  e  mais  capazes  para  o  exercício  da  Guerra, 
faça  formar  cinco  companhias  de  quinhentos  infantes  que  são  os  mais  que  segundo 
o  aviso  que  tenho  se  podem  tirar  nesta  ocasião  dessa  comarca  para  o  socorro  do 
Alentejo,  e  o  Conde  estando  formadas  e  ajustadas  estas  companhias  com  seus  ca- 
pitães e  officiaes  hade  fazer  marchar  para  Alentejo  na  forma  que  lhe  mando  orde- 
nar e  agradecemdouos  a  vos  a  boa  diligencia  que  tendes  feito  na  leua  de  que  me 
tinha  avisado  o  Governador  das  Armas  Dom  Rodrigo  de  Castro,  vos  encomendo  e 
mando  que  entregando  logo  as  listas  que  tínheis  feitas  ao  Conde,  lhe  assistais  em 
tudo  o  que  elle  vos  ordenar  para  que  a  gente  se  ajuste  e  se  formem  e  marchem  as 
companhias  com  a  breuidade  que  tanto  conuem  a  meu  seruiço,  e  para  isto  guar- 
dareis em  tudo  as  ordens  que  o  Conde  vos  der,  assegurandouos  que  heide  ter  mui 
particular  lembrança  do  seruiço  que  me  fizerdes  nesta  ocasião,  para  folgar  de  vos 
fazer  por  elle  toda  a  mercê  e  honra  que  houuer  logar.  E  ao  Gouernador  das  ar- 
mas Dom  Rodrigo  de  Castro  mando  auisar  desta  minha  resolução,  para  ter  enten- 
dido a  forma  delia.     Escrita  em  Lisboa  a  24  de  Julho  de  1648. 

Rey 

(T.T.  —  Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  I.  x,  fl.  122). 


'Documentos  (5i) 

LXXV 

NOVA  CARTA  RÉGIA  A  BRÁS  GARCIA 
EM  RESPOSTA  A  UMA  DKSTE,  VERSANDO  A  MESMA  MATÉRIA, 

(g  agosto  1641^) 

Bras  gracia  Mãrz.  Ev  El  Rey  vos  inuio  mto  saudar  Recebeosse  a  uossa  carta 
de  2.  do  presente  em  que  me  daes  conta  do  modo  em  q  hieis  obrando  na  diligen- 
cia da  leua  de  q  vos  hauia  encarregado  o  gou.of  das  armas  dessa  prou.^a  Dom  R.o 
de  Castro  fizésseis  na  Com*^"  de  Esgueira  e  de  como  a  hauieis  suspendido  cm  re- 
zão  de  se  hauer  encarregado  esta  diligencia  ao  Conde  da  Ericeira  c5  ordem  q  lhe 
assistísseis  nella,  E  hauendo  uisto  tudo  o  q  sobre  este  particular  appontacs  na  uossa 
carta,  me  pareceo  dizeruos  q  nesta  diligencia,  e  assistência  q  haueis  de  fazer  ao 
Conde  procedaes  na  conformidade  das  ordens  q  para  isso  se  uos  tem  dadas.  Es- 
crita em  Lx.3  9.  de  Agosto  de  1648. 

Rey 
(T.T,~  Secretaria  do  Conselho  Je  Guerra,  I.  ix,  II.  139). 

LXXVI 

OUTRA  CARTA  REGIA   A  D.   RODRIGO  DE  CASTRO  A  RESPEITO  DA  MESMA   LEVA 

fí4  agosto  1648) 

Dom  Rodrigo  de  Castro.  Eu  el  Rej  uos  enuio  muito  saudar.  Em  carta  de 
3o  do  passado  me  daes  conta  das  deligencias  que  tínheis  feito  para  se  cobrarem  os 
(Joo^ooo  reis  que  Dom  Sancho  Minoel  uos  hauia  de  remeter  para  a  leua  que  corre 
por  uossa  conta  e  que  estes  aplicareis  a  gente  que  na  comarca  de  Esgueira  alistaua 
Braz  Garcia,  e  que  tanto  que  chegasse  o  mais  dinheiro  se  expediria  o  mais  de  que 
hade  constar  o  socorro  que  corre  por  uossa  conta,  perguntando  se  o  conto  oitenta 
e  quatro  mil  oitenta  e  sete  reis  que  hú  comissário  hauia  entregue  ao  Pagador  em 
25  do  mesmo  são  para  a  leua  ou  para  que  outro  effeito.  E  pareceome  dizeruos 
que  como  ja  uolo  aduertio  António  Pereira  remetendouos  a  resposta  de  hú  escrito 
que  de  minha  parte  se  escreueo  ao  Bispo  eleito  do  Porto,  este  dinheiro  era  para  a 
leua,  e  espero  de  uosso  cuidado  e  zello  que  quando  chegar  a  uossas  mãos  esta  carta 
se  terá  expedido  toda  a  gente  da  uossa  repartição  e  não  tardara  muito  em  chegar 
a  Alentejo.    Escrita  em  Lisboa  a  n  de  Agosto  de  1648. 

Rey. 
(T.T.  —  Secretaria  do  Conselfio  de  Guerra,  1.  xii,  li.  &5). 

LXXVII 

CARTA   RÉGIA  Á  CAMARÁ   DE  AVEIRO  TRATANDO  DO  MESMO  OPJECTO 

(30  agosto  1648) 

Juiz  vreadores  e  Procurador  da  Camará  da  Villa  de  Aueiro.  Ev  El  Rey  vos 
enuio  m.to  saudar.    Hauendo  uisto  tudo  o  q  na  uossa  carta  do  prim.»  deste  appon- 


(SsJ  'Brás  Garcia  de  <£Mascarenhas 

taes  em  ordem  a  se  tirar  gente  dessa  Villa,  e  seu  termo,  nem  dos  lugares  duas  le- 
goas  ao  redor  por  rezão  de  ter  essa  uilla  porto  de  mar,  com  húa  barra  aberta  sem 
fortificação  q  possa  impedir  ao  inimigo  a  entrada  delia  quoando  o  intente  ;  me  pa- 
receo  dizeruos  q  cõ  attenção  a  tudo  o  q  aduertis  e  appontaes  na  uossa  carta,  e  a 
estarem  os  lugares  dessa  Comarca  tam  uesinhos  do  mar,  se  reduzio  o  numero  de 
oitocentos  homens  que  hauia  de  leuantar  nella  Brás  gracia  Mãrz  a  quinhentos  q 
hade  fazer  o  Conde  da  Ericeira  para  hirem  seruir  nesta  occasiáo  a  Alentejo  e 
passada  ella  se  hão  de  recolher  as  suas  terras  para  cujo  effeito  foy  necess.o  e  pre- 
ciso puxar  por  esta  gente.  E  no  q  toca  ao  forte  que  se  deue  fazer  na  barra  dessa 
V."  para  sua  deffensa  fico  aduertido  e  cõ  cuidado  p.a  tomar  nisso  a  resolução  que 
mais  conuenha  a  meu  seru.o  e  a  segurança  da  mesma  barra.  Escrita  em  Lx.a  20  de 

Agosto  de  1G48. 

Rey 

\l.T.—Seerelaria  do  Conselho  de  Guerra,  1.  ix,  fl.  141  v."). 

LXXVIII 

CARTA  RÉGIA  AO  CONDE  DA  ERICEIRA,    COMUNICANDO-LHE  UMA  QUEIXA 

FEITA    CONTRA    BRÁS   GARCIA    POR    TOMAS   DA    COSTA    CÔRTE-REAL,   DE    AVEIRO, 

A  RESPEITO  DA  LEVA,  E  ENCARREGANDO-O  DE  SYNDICAR  EM  SEGREDO 

E  INFORMAR  SOBRE  O  ASSUNTO 

(IO  setembro  1648) 
Conde  da  Ericeira 

Conde  amigo  Ev  El  Rej  vos  enuio  mw  saudar  como  aquelle  que  amo.    Com 

esta  carta  vos  mando  remetter  outra  que  me  escreueo  de  Aueiro  Thomas  da  Costa 

Corte  Real  em  q  me  faz  queixa  dos  procedim">s  do  capitão  bras  guarcia  mãrz  q  a 

comarca  de  Esgueira  foi  com  ordem  de  dom  Ro  de  castro  gouor  das  armas  da  beira 

a  reconduzir  os  soldados  fogidos  de  suas  bandeiras,  e  a  q  Ev  também  vos  hauia 

mãdado,  e  a  leuantar  outros.     E  pareceome    remeteruola,   E  encomendaruos   q 

vendo  a  e  fazendo  com  todo  o  segredo  as  deligencias  que  vos  parecer  e  tiuerdes 

por  mais  acertadas  para  alcansar  o  que  passa  nisto  me  informeis  de  q  na  verdade 

achardes  para  mandar  prouer  o  que  tiuer  por  mais  seruiço  meu.     Escrita  em  Lx.a 

a  10  de  Sefo  de  1648. 

Rej 

(T.T.  —Secretaria  do  Conselho  de  Guerra,  \.  viu,  H.  i33). 


LXXIX 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  ISABEL  GARCIA,  FILHA  DO  POETA  BRAS 

(3i  dezembro  1Ò4S) 
1648  — 
Aos  trinta  e  hú,  uel  ultimo  dia  de  lo.tro  baptizei  Isabel  filha  de  frei  bras  Gr.ca 
M.as  e  de  sua  m."  dona  M.a  ,  forão  padrinhos  assignados  Luis  de  Mello  e  sua  m.^r 

dona  Maria  de  Villa  Coua  por  lemb.ra  fiz  eodem  die. 

Mattos 

(CS.  Registo  paroquial  de  Anô,  1.  i,  cad.  2.',  fl.  II  v.°). 


^Documentos  (53) 


LXXX 

ASSENTO  DO  BAPTISMO   DO  FILHO  DE  UMA  ESCRAVA  PRETA, 
QUE  TINHA  BRÁS  GARCIA 

(24  junho  1640) 

1649  — 

Aos  24  de  Junho  baptizei  Marcelino  filho  de  húa  pretta  cativa  de  bras  Garcia 

M.as  nomine  Isabel,  filho  q  disse  ser  de  hu  mácebo  de  Trauãqua  de  farinha  podre 

por  nome  J.»  forão  padrinhos  o  p.^  fr.<-o  frzí  e  maria  pretta  desta  uilla  de  q  fiz  e 

assinei  eodem  die. 

Mattos 

(CS.  —  Registo  paroquial  Je  Avó,  I.  i,  cad.  2.»,  fl   112). 


LXXXI 

assento  dum  baptismo  em  que  foi  padrinho  o  poeta 

(25  junho  i64g) 

1649 

Em  25  de  Junho  baptisei  Anna  filha  de  Miguel  Núz  de  Campos  e  de  Anna 

mad.ra  sua  m.er  forão  padrinhos  frei  bras  Gr."  m.as  e  sua  ra."  D.  M.»  por  lemb.  fis 

eodê  die 

Mattos 

íC.S.  —  Registo  paroquial  de  Avó,\  .  1,  cad.  2.»,  li.  ii2| 

LXXXII 

assento  de  outro  baptismo  com  o  mesmo  padrinho 

(4  setembro  i64gj 

1649 

Aos  4.  dias  de  jMo  baptisou  o  p.«  m.^l  Garcia'  de  minha  l.ca  Ant.o  filho  de  J.» 

Gomes  botelho,  e  de  sua  m.er  m.a  de  misquitta^  forão  padri.  frei  bras  Gr.ca  M.as  e 

sua  m."  D.  M.a  por  lembr.ca  fiz  eodem  die. 

Mattos 

{CS.  —  Registo  paroquial  Je  .ivô,  1.  1,  cad.  2.°,  H.   112). 


^  Irmão  de  Brás  Garcia. 

s  Filha  de  Felipe  Madeira,  tio  materno  do  poeta. 


(54)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

LXXXIII 

ASSENTO  DE  BAPTISMO  DE  QUITÉRIA  GARCIA  DE  MASCARENHS,  FILHA  DO  POETA  BRÁS 

(2g  junho  i65i) 
i65i  — 
Hoje  29  de  Junho  (Appostolorum  die)  baptizei  Quitéria  filha  de  frei  bras  Gr.ca 
e  de  Dona  Maria  sua  m."  forão  padrinhos  o  R.do  p.e  M.cl  Gr^a  '  e  susana  filha  de 

J  o  m.el  2  por  lembr'»  fiz  eodem  die 

Mattos 
(CS-  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1.  1,  cad.  2.",  fl.  ii3  v.°) 

LXXXIV 

assento  dum  baptismo  em  que  foi  padrinho  o  poeta 

(í8  outubro  i65'j) 

i652 

Aos  desoito  dias  do  sobre  dito  mes  (outubro)  Baptisou  o  dito  M.«l  Graçia  a  João 
filho  de  Migel  nQz.  Campos  e  sua  m.er  Ana  mad.a  forão  padrinhos  bras  Gr.ca  M.as 
e  Ceçilia  madr.a  soltr.a  todos  desta  uilla  de  que  fis  e  assinei  eodem  die. 

Mattos 

(CS.  —  Registo  paroquia!  de  Aró,  1.  1,  cad.  2.",  fl.  ii5). 

LXXXV 

processo  crime  instaurado  contra  o  P.e  MATIAS  GARCIA, 
POR  TER  chamado  «JUDEU»   A  BERNARDO  DUARTE  DE  FIGUEIREDO,  AUTOR  NESTE  PROCESSO 

(Principiado  em  j65'j) 
Artigos  do  libelo 

Piouaria  que  sendo  o  Reo  inimigo  capital  e  descuberto  delle  autor  por  duvi- 
das e  differencas  que  tinha  tido  asim  com  elle  Reo  como  com  seus  Irmãos  pella 
qual  rezam  andava  o  Reo  buscando  todas  as  ocasiois  que  podia  pêra  o  afrontar  e 
injuriar  em  resam  de  lhe  ter  ódio  por  ser  Respeitado  na  dita  villa  sendo  que  tinha 
uindo  hauia  pouquo  tempo  pêra  ella  de  morada  de  sorte  que  asim  o  Reo  como  seus 
Irmãos  por  seus  inimigos  herão  tidos  hauidos  e  conhesidos  no  que  não  hauia  du- 
uida,  e  sendo  isto  asim  — 

Prouaria  que  o  Reo  em  resam  do  dito  ódio  que  tinha  a  elle  autor  pellas  Resois 
presedentes  que  com  elle  tinha  tido,  e  com  seus  Irmãos  aonde  quer  que  se  achaua 
em  luguares  públicos  soo  a  fim  de  injuriar  e  afrontar  a  elle  autor  desia,  e  publicaua 
que  elle  hera  hum  judeu  uindisso  de  fora,  o  que  desia  e  Repetia  muitas  e  uarias 
ueses,  aonde  quer  que  se  achaua  chamandolhe  de  judeu,  e  que  nas  Eleissois  dos 


*  Tio  paterno  da  baptizada. 
2  Tia  materna  da  baptizada. 


'Dociiinenlus  (55) 

carregos  da  dita  uilla  não  emtrasse  ellc  autor  que  emtrasse  quem  quer  que  tosse,  e 
perguntandolhe  algumas  pessoas  o  porque,  e  porquem  o  desia,  elle  Respondia  que 
pello  autor  em  Resão  de  ser  judeu,  e  o  mesmo  Reo  se  gabaua  a  muitas  pessoas  ter 
chamado  a  elle  autor  judeu  na  cara  — 

Prouaria  que  elle  autor  cm  Resão  de  ser  assim  tam  publica  mente  de  ordinário 
afrontado  e  injuriado  pio  Reo  com  elle  lhe  chamar  judeu  que  sempre  se  dera  por 
muito  injuriado  e  afrontado,  e  tomara  antes  perder  ou  deixar  de  ganhar  quatro  mil 
cruzados  que  serlhe  feita  tal  injuria  e  afronta  e  dita  por  uarias  uezes  pello  fico, 
aqual  injuria  c  difamasão  que  o  Reo  fazia  da  pessoa  delle  autor  lhe  fora  por  elle 
feita  de  outo  meses  a  esta  parte  como  também  — 

Prouaria  que  elle  autor  hera  filho  legitimo  de  legitimo  matrimonio  de  Salua- 
dor  Duarte  de  figueiredo  e  de  sua  molher  Catherina  Gomes  que  Deus  tem,  e  o 
dito  seu  paj  hera  Sargento  mor  na  uilla  de  Pombeiro  aonde  hera  morador  e  nella 
fora  Capitão  e  ouuidor  do  Senhor  da  dita  uilla  e  asim  os  parentes  da  parte  do  dito 
seu  paj  como  da  dita  sua  may  herão  dos  milhores  da  dita  uilla,  e  das  mais  uillas 
aonde  uiuião  os  quais  todos  seruião,  e  seruirão,  os  carguos  nobres  da  guouernanca 
delias  assim  na  Republica  como  nas  Igreias  — 

Prouaria  que  a  maj  delle  autor  hera  filha  de  João  Thome  que  Deus  tem  mora- 
dor que  foj  em  uai  de  asores  termo  da  uilla  de  Mortagoa,  e  filha  de  Angela  Gomes 
os  quais  herão  dos  principais  da  dita  uilla  e  fora  Capitão  toda  a  sua  uida  no  dito 
comselho  como  de  presente  também  o  herão  dous  Irmãos  da  maj  delle  autor  na 
dita  uilla,  e  comselho  de  mortagoa,  e  todos  seus  parentes  seruirão,  e  seruião  na  dita 
uilla  e  comselho  todos  os  carguos  nobres  na  guouernanssa  delia  — 

Prouaria  que  elle  autor  tinha  dous  Irmãos  dos  quais  hum  delles  estaua  actual 
mente  seruindo  de  Capitão  de  Infantaria  na  uilla  de  Pombeiro,  e  outro  seruira  de 
Alfes,  e  de  Almotasel  nella  :  sendo  como  hera  huma  uilla  notauel,  e  elle  autor 
tinha  seruido  na  dita  uilla  de  Auo  de  Alfes,  e  juis  ordinário  por  uerdadeira  elleisão 
de  Pelouro  e  os  mais  carguos  nobres  da  igreia,  e  actual  mente  estaua  seruindo  de 
tabalião  de  notas  publico  e  judisial  em  quatro  uillas  de  propriedade,  como  hera  auó, 
uilla  coua  de  sob  auo,  nogueira,  e  São  Sebastião  da  feira  — 

Prouaria  que  asim  os  parentes  da  parte  do  Paj  delle  autor  como  de  sua  maj 
nunqua  tiuerão  nem  forão  infamados  de  terem  Raça  alguma  de  mouros  nem  judeus 
nem  de  outra  infecta  nasção  antes  sempre  de  todos,  e  das  pessoas  mais  uelhas  das 
uillas,  e  dos  ditos  luguares  forão  sempre  tidos  e  hauidos,  e  conhessidos  por  chris- 
tãos  uelhos  de  todos  os  quatro  costados  sem  nunqua  hauer  fama  alguma  de  em 
huma  ou  outra  gerasão  auer  Raça  alguma  de  judeu  nem  de  outra  infecta  nasção,  e 
essa  hera  a  fama  publiqua  que  sempre  ouuera  assim  nas  ditas  uillas  como  luguares; 
e  sem  nunqua  em  comtrario  que  uerdadeira  fosse,  pella  qual  Rezam  ficaua  sendo 
muito  major  a  injuria  feita  a  ellc  autor  — 

Prouaria  que  o  Reo  hera  hum  saserdote  muito  soberbo  e  aRogante  c  de  muito 
Ruim  lingoa  que  se  presaua  de  vallente,  e  useiro,  e  ueseiro  em  afrontar  c  injuriar 
pessoas  honrradas  pello  que  ett.^  fama  publica  ad  nesessaria  tantum.  — 

Artigos  de  comtrariedade 

Prouaria  que  o  Reo  nem  seus  Irmãos  forão  nunqua  inimigos  do  autor  antes 
Brás   Grasia  mascharenhas  Irmão  delle  Reo  o  casara,  e  lhe  fizera  dcspois  de  ca- 


(56)  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


sado  emprestar  dinheiro  a  Pedro  de  Afonseca  de  Arganil  pêra  comprar  o  offisio 
de  Tabalião,  e  sempre  o  autor  Resebera  boas  obras  delle  Reo  e  de  seus  Irmãos  e 
por  amor  delles  se  fizera  Respeitado  e  estimado  na  uilla  de  Auô  e  auendo  isto  feito 
falço  dizer  que  herão  seus  inimiguos  e  que  disião  delle  mal  — 

Prouaria  que  fasendosse  publico  e  notório  a  todos  na  dita  uilla  de  Auo  que  o 
autor  hera  christão  nouo  sem  o  autor  nem  seus  Irmãos  comsentirem  nisso  por  ser 
grande  meixilhão,  e  se  emtrometer  nos  prouimentos  dos  carguos  do  conselho  se 
escandalisara  a  gente  muito  delle  e  se  desia  que  hera  mal  feito  emtrar  elle  autor 
nas  eleissois  — 

Prouaria  que  despois  de  se  saber  na  dita  uilla  que  o  autor  estaua  notado  e  em- 
famado  de  ser  Christão  nouo  os  parentes  de  sua  molher  se  queixaram  muito  do 
Irmão  do  Reo  os  mesturar  com  elle,  e  de  os  fazer  uir  em  tão  Roim  casamento,  e 
elles  mesmos  o  tem  por  Christão  nouo  e  lho  chamão  na  presença,  e  na  absensia, 
sem  elle  autor  se  afrontar  disso  nem  se  defender  porque  — 

Prouaria  que  Catherina  Gomes  cujo  filho  o  autor  dis  que  he  fora  filha  de  An- 
gella  Gomes  moradora  que  fora  no  luguar  de  uai  de  Asores,  a  qual  Angella  Gomes 
fora  filha  de  Henrique  Gomes  natural  e  morador  que  fora  em  uilla  gosendo,  e  com- 
forme  a  estes  grãos  ficaua  elle  autor  sendo  legitimo  netto  da  dita  Angella  Gomes 
nem  elle  o  nega,  e  bisnetto  do  dito  Henrique  Gomes  — 

Prouaria  que  a  dita  Angella  Gomes  auo  do  autor  fora  sempre  tida  nomeada  e 
tratada  no  logar  de  uai  de  Asores,  uilla  de  mortagoa,  e  por  todos  seus  arre- 
dores por  Christam  noua,  e  o  dito  Henrique  Gomes  seu  bisauo  por  elle  o  tratauão, 
e  nomeauão  em  uilla  gosendo  donde  fora  natural,  e  não  ouuera  nunqua  outra  fama — 

Prouaria  que  do  dito  Henrique  Gomes  bisauo  do  autor  pella  parte  de  sua  maj 
nasceo  também  Gaspar  Gomes  morador  que  fora  em  mortagoa,  e  deste  nascera 
Brites  de  figueiredo,  presa  que  fora  nos  carseres  do  sancto  ofisio  por  Christam 
noua,  e  sahira  comfiscada,  e  sambenitada,  e  desta  Brites  de  figueiredo  nascera  Am- 
brósia de  figueiredo,  a  qual  fora  também  presa  e  sahira  a  queimar  — 

Prouaria  que  tam  publico  hera  ser  o  autor  da  nassão  hebrea  que  Bertholameu 
da  guerra  filho  de  Dominguos  da  guerra  tio  do  autor  estando  no  nouisiado  de 
sancto . . .  pêra  frade,  o  lansarão  fora  da  Rellegião  pello  defeito  de  Christão  nouo 
que  padesia,  e  querendo  Pedro  Gomes,  e  António  Gomes  Capitais  e  tios  do  autor 
nomeados  no  quinto  artiguo  de  seu  libello  fazer  seus  filhos  Clérigos  se  lhe  pos  im- 
pedimento de  Christãos  nouos,  e  os  purgarão  no  dito  juiso  sem  parte  pello  que  — 

Prouaria  que  o  autor  motejaua  muito  das  uidas  alheas,  e  disso  hera  muito  no- 
tado, e  de  faser  escarninhos  e  zombarias  comtra  as  uidas  alheas,  e  com  isso  fasia 
apurar  a  fama  que  tinha.  O  Reo  hera  saserdote  de  boa  fama  uida  e  costumes,  e  que 
não  afrontara  ninguém  nem  dissera  nunqua  mal  de  pessoa  alguma  e  a  todos  daua 
bom  exemplo  com  seus  prossedimentos  pio  que  deuia  ser  absoluto.  E  assim  se 
deuia  julgar  ett.a  , 

Sentença  na  ifl  instancia  (14  nov.  iG52) 

Vistos  estes  autos,  libello  do  autor,  comtrariedade  do  Reo  mais  artigos  Rese- 
bidos,  proua  por  parte  do  autor  somente  dada,  papeis  juntos:  mostrasse  que  sendo 
o  Reo  inimiguo  do  autor  publica  mente,  e  com  animo  de  o  injuriar  e  afrontar  em 
toda  a  parte  e  luguares  públicos  e  perante  muita  gente  chamaua  a  elle  Reo  de 
judeu  uindisso  de  fora  Repetindo  a  dita  afronta  por  muitas  vezes  em  toda  a  parte 


'Documentos  (5  7) 

que  se  achaua  dizendo  mais  que  nos  carguos  dos  eleitos  não  emtrasse  o  dito  autor, 
e  que  emtrasse  quem  quer  que  fosse,  de  sorte  que  de  lhe  chamar  tais  nomes  se 
andaua  gabando  a  toda  a  pessoa  e  as  mais  que  lhe  perguntauão  por  quem  o  desia 
da  qual  injuria  se  deu  loguo  o  autor  por  muito  afrontado  por  quanto  he  filho  le- 
gitimo de  Saluador  duarte  de  figueiredo  e  de  Catherina  gomes  sua  molher,  e  que 
o  dito  seu  paj  he  sargento  mor  na  uilla  de  Pombeyro,  onde  foy  Capitão,  e  ouuidor 
do  senhor  da  dita  uilla,  e  que  todos  seus  parentes  asim  da  parte  do  dito  seu  paj 
como  da  dita  sua  maj  são  dos  milhores  da  dita  uilla  e  das  mais  aonde  uiuem  ser- 
uindo  nellas  todos  os  cargos  nobres  asim  das  igreias  como  do  guoucrno.  Outro 
sim  se  mostra  que  a  maj  do  autor  he  filha  de  João  Thome  de  uai  de  Asores  termo 
da  uilla  de  Mortagoa  e  de  Angella  gomes  que  foj  Capitão  no  dito  Comselho  aonde 
ainda  o  são  dous  Irmãos  da  dita  sua  maj,  e  que  o  dito  autor  tem  dous  Irmãos  dos 
quais  hum  serue  de  Capitão  na  uilla  de  Pombeyro  e  outro  de  Alfes  na  uilla  de 
Couilham  onde  tem  seruido  de  Almotasel ;  e  que  final  mente  o  autor  tem  seruido 
de  Alfes  e  de  juis  ordinário  na  dita  uilla  de  Auó  e  que  he  tabaliam  proprietário  do 
auto  publico  judisial  nas  quatro  uillas,  de  Auó,  uilla  coua,  nogueira,  e  São  Sebas- 
tião da  feira.  Mais  se  mostra  que  assim  os  parentes  da  parte  do  Paj  do  autor 
como  de  sua  maj  são  todos  Christãos  uelhos  e  sem  Raça  de  mouros  judeus  nem 
mulatos  nem  disso  forão  difamados,  e  por  tais  forão  sempre  tidos  e  hauidos.  Mos- 
trasse outro  si  que  suposto  do  dito  autor  ouuesse  fama  de  Christão  nouo  ella  foj 
pello  Reo  e  seus  Irmãos  inimigos  do  dito  autor  o  deuulgarem  pêra  assim  o  infama- 
rem porquanto  Catherina  gomes  maj  do  mesmo  autor  de  quem  o  Reo  lhe  impõe 
nota  de  Christão  líouo  nasseo  de  João  Thome  e  Angella  Gomes  moradores  que 
forão  no  uai  de  Asores,  aqual  Angella  Gomes  foi  filha  legitima  de  João  luis  e  de 
sua  molher  maria  Gomes  moradores  que  forão  no  mesmo  luguar  que  todos  forão 
tidos  e  hauidos  e  conhecidos  por  Christãos  uelhos  sem  nenhum  outro  Rumor  em 
comtrario  de  sorte  que  a  dita  Angella  gomes  auo  do  autor  por  parte  da  dita  sua 
maj  não  foj  filha  de  Henrique  gomes  de  uilla  gozando  por  quanto  nasseo  e  foj  mo- 
radora em  uai  de  Asores  donde  falesseo,  e  prosedeo  de  sancta  Comba  dão.  Mais 
se  mostra  que  o  dito  João  luis,  e  Maria  Gomes  uisauos  delle  dito  autor  que  herão 
todos  Christãos  uelhos  inteiros  e  que  suposto  Brites  de  figueiredo  nasesse  do  dito 
Gaspar  gomes  foj  comtudo  de  sua  segunda  molher  de  quem  lhe  uejo  a  Rassa  que 
tinha  de  Christã  noua  e  não  pella  do  dito  seu  paj  que  era  Christão  uelho  inteiro,  e 
porque  também  a  dita  Brites  de  figueiredo  foj  casada  com  Matheus  fernandes  de 
uilla  gosendo  que  hera  Christão  nouo,  e  foj  preso,  e  comfiscado  pello  sancto  ofisio, 
e  dous  Irmãos  seus  que  forão  queimados  e  que  suposto  Ambrósia  de  figueiredo 
sobrinha  dos  sobreditos  fosse  queimada  não  prejudica  a  geração  do  autor  que  he 
limpa  e  sem  Raça  de  judeu  mouro,  ou  mullato.  Mostrasse  outrosi  que  Berthola- 
meu  da  guerra  não  emtrou  numqua  em  Relligião  alguma  de  que  fosse  lanssado  fora 
pello  dito  effeito,  porque  se  nella  entrara  fora  Rellegioso  como  o  foj  frej  António 
de  frias  frade  de  sancto  António  filho  do  dito  Gaspar  gomes,  e  que  na  gerasão  do 
autor  assi  por  parte  do  dito  seu  paj  como  da  dita  sua  maj  ha  muitos  frades  Relle- 
giosos  clérigos,  e  Priores  de  authoridade  grande,  e  que  dado  sahissem  com  empe- 
dimento  de  Raça  de  Christão  nouo  a  francisco  da  silua  filho  de  Pedro  Gomes  de 
uai  de  Asores  tio  do  autor  esse  o  purgou  pella  dita  Resam  de  parentesquo  que  lhe 
não  prejudicou  de  que  ouue  sentença  cujo  treslado  anda  junto  nestes  autos.  E 
finalmente  proua  o  autor  que  o  Reo  he  muito  soberbo  e  aRogante  e  que  solta  pa- 


(58)  'Brás  Garcia  de  cMascarenhas 

lauras  bem  estranhadas,  e  descandallo  grande  emtendendo  com  todos  e  em  tudo 
molestando  a  muitos  e  aos  melhores  sempre  afronta.  O  que  tendo  uisto  e  consi- 
derado a  qualidade  do  autor  e  de  soltura  costumada  do  Reo  palauras  injuriosas 
que  lanssou  Repetida  mente  inconsideradas  comtra  o  autor,  e  por  sua  parte  não 
fazer  proua  alguma,  disposissão  de  Direito  em  tal  caso.  Comdeno  ao  Reo  em  uinte 
mil  rs'  pêra  o  autor  de  emmenda  e  satisfasão,  e  nas  custas  destes  autos.  Em  Rella- 
ssão  quatorze  de  nouembro  de  seis  santos  sincoenta  e  dous. 

Monteiro    Ribeiro 

Sentença  na  2.^  instancia  (g  março  i655) 

Accordao  em  Rellassão  etc.a  bem  julgado  foj  pello  vigairo  geral  do  Bispado 
juis  a  quo  em  comdenar  ao  Reo  em  pena  pecuniária  pêra  o  autor  porem  em  ser  em 
tam  pouqua  quantia  foj  por  elle  menos  bem  Arbitrado.  Reformando  nesta  parte  sua 
sentença  cumprasse  o  comfirmado  por  seus  fundamentos  e  o  mais  dos  autos,  os 
quais  uistos,  e  como  por  parte  do  autor  se  proua  ser  pessoa  nobre  Christão  uelho 
sem  Raça  alguma  por  seus  auos  paternos  e  maternos,  e  ser  seu  paj  sargento  mor 
na  uilla  de  Pombeiro,  e  hum  Irmão  Capitão,  e  elle  auer  seruido  os  carguos  nobres, 
e  como  outrosi  se  mostra  não  ser  o  autor  bisnetto  de  Henrique  gomes  como  o  Reo 
articullou,  mas  antes  ser  bisnetto  de  João  luis  e  sua  molher  Maria  Gomes  christãos 
uelhos  inteiros,  e  como  final  mente  se  mostra  insistir  o  Reo  em  seus  artiguos 
nestes  autos  nesta  instansia  em  faser  o  autor  Christão  nouo,  e  não  o  prouar,  com 
que  lhe  ficou  fazendo  major  injuria,  e  mostrou  o  animo  que  tinha  de  o  injuriar  e 
afrontar,  o  que  tudo  uisto,  auendo  Respeito  a  qualidade  da  pessoa  do  autor  e  da 
injuria  que  o  Reo  repetiu  nos  últimos  artiguos  dos  embargues  com  o  mais  que  dos 
autos  consta  Comdenão  ao  Reo  em  mais  sincoenta  mil  rs'  de  emjuria  emmenda 
e  satisfasão  pêra  o  autor,  e  em  hum  anno  de  degredo  pêra  a  cidade  de  Euora  que 
hira  cumprir  dentro  de  trinta  dias,  e  pague  as  custas  dos  autos  prinsipais  em 
ambas  as  instansias,  e  dos  últimos,  e  dos  últimos  embarguos  de  premeio.  Bragua 
noue  de  março  de  seis  sentos  sincoenta  e  sinco. 

Mourão  —  Olheira  —  Ferreira  —  Rebello 

Libcllo  appellatorio  em  um  incidente  da  causa ' 

Por  uia  de  libello  apellatorio  nesta  Instancia,  ou  como  em  direito  melhor  haia 
luguar  diz  o  P.«  Mathias  Gracia  Cura  da  3'greia  de  Ançeris  deste  bispado  contra  o 
apellado  Bernardo  Duarte  de  figr.d»  da  villa  de  Auo  q  semdo  nesesario  — 

Pr.a  —  I  — Que  o  d.  Bernardo  duarte  apellado  demandou  a  elle  aPellante  ante 
o  R.do  Vigr.o  geral  deste  Bispado  de  Coymbra  por  huma  jmjuria  uerbal  dizemdo  q 
elle  decendia  de  nação  hebrea  nam  auendo  tal  nem  elle  apelante  lhe  disse  tais  pa- 
llauras  — 

Pr. a  —  2  —  Que  pondosse  a  dita  cauza  da  primeira  jnstançia  em  proua  tratou 
o  appellado  composiçam  na  cauza  com  Eras  graçia  mascarenhas  Irmão  delle  appel- 
lante  para  q  a  sobra  do  femgido  concerto  elle  dar  sua  proua  muito  a  seo  guosto  e 
sem  parte  como  foj  e  elle  se  descudase  em  dar  proua  em  sua  defeza  como  suçedeo 


1  foi  apresentado  pelo  procurador  do  appellanle  padre  Mulhias  Garcia,  o  licenciado  Luis  Cor 
Jeiro,  a  i3  de  maio  de  itíOj. 


documentos  (5g) 

em  boa  fee,  e  tanto  q  teue  seu  negocio  preparado  fes  sentensear  os  auttos  em  q 
elle  appellante  sahio  comdenado  em  vinte  mil  rs.  e  por  lhe  pareser  a  comdenacam 
piquena  appellou  para  a  Rellacam  de  Bragua  onde  elle  appellante  sahio  comdenado 
em  quorenta  mil  reis  e  hum  anno  de  degredo  ou  o  q  na  verdade  se  achar  — 

Pr.a — 3  — Que  desta  exçeciua  comdenacam  appellou  elle  appellante  ad  sanctam 
sedem  apostollicam  em  tempo  hahel,  de  que  jmpetrou  rescripto  em  q  ueio  nomeado 
por  juis  oRd.o  uigr.o  geral  deste  Bispado  que  no  tal  tempo  hera  o  D.o'  João  Alures 
Brandão  o  quoal  por  se  sintir  peiado  na  cauza  em  Rezam  de  ser  parente  delle 
appellante  sobdeleguou  no  D.ur  Dionyzio  Rebello  de  gondim  que  aceitou  a  subdel- 
legação,  e  mandou  pasar  ynhibitoria  compulsória  e  citatoria  em  forma  — 

Pr.»  —  4  —  Que  semdo  ella  imtimada  aos  dezembarguadores  da  Rellação  de 
bragua  a  mandaram  dar  vista  ao  appellado  Bernardo  Duarte,  e  elle  por  seo  procurador 
a  embarguou  jmpedindo  que  os  autos  se  compulsasem,  e  pello  q  articuUou  lhe  foram 
Recebidos  seus  emb.os  e  auidos  por  prouados  na  dita  Rellação  thomando  os  dezem- 
barguadores delia  por  fumdamento  q  no  dito  rescripto  uinha  imserta  a  clauzulla  •/. 
ser uata  relleguatione  /,  e  que  em  quoanto  elle  appellante  não  podia  ser  ouuido 
emquoanto  não  estiuesse  no  degredo  e  que  aliem  disso  a  dita  cauza  hera  criminal 
da  quoal  o  dito  Doutor  nam  podia  conhecer  por  nam  ser  uiguayro  geral  — 

Pr.a  —  5  —  Que  tendo  elle  appellante  noticia  deste  despacho  pedio  segunda  jnhi- 
bitoria  em  que  mostrou  por  direito  e  Rezullução  dos  Doutores  que  a  dita  clauzulla 
se  punha  por  estillo  e  q  somente  en  três  cazos  se  goardaua  a  saber  quoando  o 
apellante  se  acha  no  degredo  ou  quoando  he  comfesso  ou  quoando  ha  três  sen- 
tenças comformes  e  fora  delles  nam  tem  efeito  e  que  a  cauza  de  q  se  trataua  hera 
meramente  siuel  e  que  nam  tinha  a  callidade  de  creminal  e  sem  emb.o  disto  não 
quizeram  obedecer  a  esta  segumda  inhibitoria  nem  a  terceira  que  outrosim  se 
pasou  — 

Pr.!"  —  6  —  Que  uendose  elle  appellante  sem  Remédio  Recorreu  a  dispoçissão  do 
Comcillio  tridentino  que  em  cazo  semelhante  manda  anullar  os  autos  e  sentença 
appellada  e  condenar  a  parte  nas  custas  e  hasim  o  Requereo  elle  appellante  ao 
R.do  juis  a  quo  como  dos  autos  appencos  largamente  consta  — 

Pr.a  —  7  —  Que  deuendo  o  Reuerendo  juis  a  quo  deferir  a  elle  appellante  e  dar 
a  execução  os  decretos  do  dito  comcillio  sahiu  com  despacho  que  se  louuaua  no 
ponto  da  jurisdição  semdo  que  por  direito  se  mostrou  diante  delle  que  a  elle  per- 
tencia conhecer  delia  e  nam  a  outro  nem  por  allgúa  das  partes  lhe  foj  Requerido 
q  se  procedesse  o  tal  louuamento  do  quoal  decrecto  appellou  elle  appellante  ad 
sanctam  sedem  apostollicão  em  que  se  pasou  o  rescripto  de  que  voça  merçe  he 
yuis  nesta  instancia  — 

Pr.»  — 8  —  Que  elle  appellante  foy  muito  aggrauado  pello  KA"  juiz  a  quo  por 
muitas  Rezois.  Primr.»  porq  comforme  a  direito  todo  o  juis  Regullarmente  he 
competente  para  julguar  se  lhe  pertence  a  jurisdição  da  cauza  de  q  se  trata  o  que 
elle  não  foj.  Segumda  em  querer  Reduzir  esta  cauza  a  louuam.'"  na  jurisdição 
nam  hauendo  cauza  p.»  hisso  por  quoanto  histo  so  tem  lugar  quoando  dous  juizes 
ecc.os  ambos  pertendem  ser  competentes  na  mesma  jnstancia  e  não  quoando  esta 
controuerçia  sucede  entre  o  juiz  a  quo  e  o  juis  ad  quem.  Terceira  em  se  louuar 
em  juis  arbitro  sem  elle  appellante,  e  app.<io  serem  citados.  Quoarta  em  não 
goardar  a  dispoçição  do  comcillio  Tridintino  que  em  termos  próprios  falia  a  fauor 
delle  appellante,  semdo  lhe  pedida  sua  execução  — 


(6o)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Pr.a  —  9  —  Que  o  appellado  não  somente  Impedio  o  compulso  dos  autos  ao  juizo 
do  Reuerendo  juis  a  quo,  mas  também  nesta  o  empede  como  consta  da  certidão 
que  anda  nestes  autos  foi.  21.  ibi  com  o  q  ham  por  difirido  a  Rezão  ofrecida  por 
emb.os  e  isto  so  defejto  de  se  não  saberem  as  jmjustiças  que  os  desembargadores 
da  Rollacam  de  Bragua  tem  feitto  a  elle  appellante. 

P.  R.to  e  prouado  o  q  baste  integrum  sibi  fieri  iustitiíe  complementum, 

quod  cum  expencis. 

(CE.  —  Documentos  apensos  ao  processo  para  a  ordenação  do  Dr.  Matias  Jácome  de  Figueiredo 
Jilho  de  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo). 

Sentença  Jinal  (16  março  1666J 

Dei  no;ni;ie  inuocato.  Vistos  estes  auttos  e  forma  do  rescripto  por  Sua  Santidade 
a  mim  commetido,  em  que  sua  S.  me  commete  o  conhecimto  e  discisão  dos  Inci- 
dentes de  q  se  appellou  contheudos  no  mesmo  rescripto  e  juntam'«  a  discisão  da 
cauza  principal  entre  partes  appellante  o  Reo  originário  o  R.<lo  P«  Mat^s  G"  olim 
cura  de  Anceris  e  appellado  Bernardo  Duarte  de  fig.do  m.or  na  v."  davô  e  nesta 
Sarg.to  major,  tudo  do  Bispado  de  Coimbra ;  E  uisto  como  ja  não  ha  q  differir  aos 
jncidentes  sobre  o  compulso  dos  auttos  pois  a  morte  do  juis  sobdeleguado  e  a  do 
Reo  originário  lhe  differiOj  e  com  effeito  os  auttos  estão  compulsados  nem  menos 
ao  jnçidente  sobre  o  Vigro  Geral  de  Coimbra  querer  tornar  a  rezumir  a  si  a  luris- 
diçam  q  seu  antessesor  subdellegara  com  clausula  reasumendi  pois  com  este  re- 
scripto passou  toda  a  cauza  a  este  meu  Juizo  e  só  fiqua  q  defferir  as  appellaçõis  q 
o  Reo  originário  interpôs  em  a  Cúria  de  Bragua  de  lhe  não  auerem  os  artiguos  de 
noua  Rezam  e  do  conserto  per  prouados  por  quem  da  prim.ra  foj  uisto  dezistir  em 
uir  com  segundos  embarguos  e  bem  diffamatorios  que  também  lhe  não  foram  re- 
cebidos e  se  sentensiou  a  cauza  final  e  desta  interlucutoria  não  nos  consta  q  appel- 
lasse,  e  q  offizesse  hera  injusta,  porquãto  o  chamado  concerto  se  não  prouou, 
ainda  q  duas  test.as  tiradas  subrepticiam.'^  diserão  q  o  ouuirão  ao  Autor  appellado, 
q  são  P.o  Fran.>:o  e  Fran™  Pires  em  casa  de  Brás  Graçia  mascarenhas  parenta  sua 
da  molher  do  Reo '. . .  nisso  pio  modo  q  depõem  não  he  verisimil  o  q  dizem,  que 
vinha  a  ser,  q  offaria  excuzar  de  ter  cauallo  auxiliar  se  elle  comprisse  o  q  tinha 
prometido  ao  vigro  de  Farinha  Podre  sobre  este  conserto,  e  desistimento  desta 
cauza;  e  o  dito  viguajro  diz,  que  neste  conserto  não  affectuara  nada,  e  mais  q  o 
Autor  dissera  q  se  sentensiaria  a  cauza,  e  que  então  não  faltarião  homens  honrados 
q  se  metessem  de  premejo  e  uinha  a  ser  estipuUar  pêra  outrem  quãto  mais  q  as 
d.íis  test.as  dizem  fora  pia  Senhora  de  março  e  consta  pio  escrito  do  Gouernador 
das  Armas  estar  o  Autor  ja  escuzo  do  cauallo  em  feuerejro  do  mesmo  anno  e  por 
isso  os  R.dos  Juizes  aqq.  não  fizerão  cazo  do  chamado  conserto;  no  q  tudo  con- 
fforme  o  ness.™  proçedim.to  e  sn.ca  e  sendo  isto  antes  do  Reo  appellante  contrariar 
não  oppos  do  tal  conserto,  q  hauia  de  alleguar  antes  de  contestar  pois  p.ro  tiuera 
nascim.to  se  fora  verdad.ro.  E  deferindo  a  cauza  principal  da  jnjuria  declaro  q  foj 
mal  appellado  pio  appellante  e  bem  julguado  pios  Rdos  Juizes  a  qq.  confirmo  a  sua 
sentensa  por  seus  fundam.tos  e  pios  mais  dos  auttos  de  q  consta  a  Iniuria  não  só 


<  Houve  aqui  evidente  lapso  do  copista  que  escreveu  o  traslado.   Na  sentença  original  devia  estar 
escrito:  «parente  da  sua  molher  e  irmão  do  Reo». 


^Documentos  (6i) 

ser  uerbal  e  mais  uezes  em  publico  repetida  com  animo  de  afrontar  e  injuriar,  mas 
tãobem  de  inhabilitar  ao  Autor  e  seus  f.os  e  descendentes  p.-!  os  cargos  e  officios 
e  postos  nobres  mas  p.^  não  poderem  ter  estado  e  dignidades  eclesiásticas,  afron- 
tando uiuos,  mortos  e  por  nascer.  E  o  pior  foj  confirmar  por  escrito,  c  por  arti- 
guos  o  mesmo  q  tinha  dito  in  varias  instancias,  mostrando  a  sua  pertinácia  e  obsti- 
nado ódio  com  q  foj  com  o  libello  diffamatorio,  q  em  drt.o  tem  graues  pennas. 
E  o  peior  ja  depois  de  ter  uista  a  largua  proua  do  Autor  appellado  porq  se  mostra 
por  grande  numero  de  testemunhas  ser  Xpão  uelho  int.™  sem  raça  alguma  infecta 
e  homem  nobre  e  seus  antepassados  e  q  seruião  os  carguos  nobres  nas  terras 
aonde  uiuião  asi  da  milliçia  como  da  justiça  e  nas  Ig.^s  e  o  mesmo  fazem  oje  o 
Autor  e  seus  Irmãos  e  parentes,  e  ja  hú  seu  primo  foj  por  tal  iulgado  e  de  puro 
sangue  por  esta  mesma  parte  e  descendência,  q  o  Reo  appellante  quis  diffamar,  the 
cheguar  a  dizer  que  alcansará  sn.ca  por  negociação  com  os  ministros  q  tâo  terri- 
bele  atreuido  e  aperfiado  hera  o  Reo  q  ja  terá  dado  conta  disso  a  Deus  e  dos  m'os 
guastos  q  fez  fazer  ao  Autor  com  diilação  de  dezojto  annos  nesta  cauza  q  uejo  a 
ser  segundo  laberinto  de  Creta,  e  mal  compensará  com  a  condenação  os  guastos 
das  ferraduras  dos  cauallos  conq  fes  tantas  jornadas.  Visto  como  Man.^'  soltr.o 
está  habilitado  por  único  e  universal  erd.ro  do  Reo  originário  e  como  tal  contra 
elle  passou  a  Auçam  por  ja  estar  a  demanda  contestada  quando  seu  pay  falleçeo  e 
ja  sentenciada,  julguo  que  contra  elle  pasou  a  Aução  no  tocante  a  penna  pecuniária 
dos  70  mil  reis  na  segunda  snça  julguados  e  por  esta  confirmada  e  pague  elle  as 
custas  na  forma  da  mesma  sns'^  segunda  e  as  mais  dos  jncidentes  na  forma  das 
sn.cas  nelles  dadas  e  as  dos  autos  q  nesta  Instancia  acrescerão.  Viseu  16  de  m.™ 
de  666. 

Duarte  Pachequo  de  Abreu 

(Traslado  que  aiuiava  na  posst.'  Ja  família  Garcia  Je  Mascarenhas,  de  .4i'ô,  e  hoje  esla  em  meu  poder), 

LXXXVI 

assento  do  baptismo  de  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DO  FOETA 

(2-j  março  i653) 

i653  — 

Em  OS  22  de  março  baptisou  de  minha  l.ca  o  d.tor  M.el  Garcia  bras  filho  de  bras 
Gr.ca  M.as  e  de  sua  m.sr  dona  M.»  forão  padrinhos  o  l.do  prior  de  S.  Romão,  e 
Anna  montr.a  '  filha  de  Marcos  Gr.i-n  por  lembr.<;a  fiz  eodem  die. 

Mattos 

[C%.  — Registo  paroquial  de  Avô. \.  i,  cad.  2.°,  fl.  ij5  v.»). 


I  Tia  paterna  do  neõfilo 


(^62)  ^rás  Garcia  de  óMascarenhas 

LXXXVII 

CARTA  RÉGIA,  PELA  QUAL  D.  JOÂO  IV  PROVK  BRÁS  GARCIA  NO  LUGAR  DE  ESCRIVÃO 
DAS  SISAS  GERAIS  E  DOS  PANOS  NA  VILA  DE  AVÔ,  VAGO  POR  MORTE  DE  SEU  PAI 

f-j  novembro  i054> 

Dom  João  etc.  faço  saber  aos  questa  minha  carta  virem  que  tendo  resp'o  a 
Marcos  gracia  ia  falecido  que  foi  proprietário  do  oficio  de  escriuão  das  sisas  geraes 
e  dos  pannos  da  villa  davoo  e  seu  ramo  e  seruio  sesenta  annos  com  m'»  satisfação 
sen  nunca  cometer  ero  e  bras  gracia  más  seu  filho  ter  as  p'^s  nesesarias  pêra  o 
seruir  como  se  uio  por  informação  do  prouedor  da  comida  da  cidade  da  guarda; 
hei  por  bem  fazerlhe  m."  da  propriedade  do  dito  oficio  de  escriuão  das  sisas  geraes 
e  dos  panos  da  dita  Villa  davoo  e  seu  ramo  asi  e  da  man.ra  que  o  seruia  o  dito  seu 
pai  e  as  mais  pessoas  q  delle  fora  prouidas  o  qual  oficio  terá  e  seruira  enq.'o  eu 
ouuer  por  bem  e  não  mandar  o  cont™  con  declaração  que  tirando  lho  en  algú 
tenpo  minha  faz.da  lhe  não  ficara  obriguada  a  satisfação  algOa  com  o  qual  hauera 
de  mantim'o  a  saber  con  as  sisas  geraes  a  rezão  de  sesenta  rs  por  milheiro  te  chegar 
a  quantia  de  mil  rs  cada  anno  e  mais  não  e  con  os  panos  dusentos  rs  por  Anno 
que  lhe  serão  pagos  a  custa  dos  Rendeiros  quando  as  ditas  sisas  forem  arendadas 
e  quando  não  a  custa  de  minha  faz^  q  he  outro  tanto  como  tinha  e  hauia  o  dito 
seu  pai  pello  que  mando  ao  prouedor  da  Comida  da  guarda  lhe  de  a  posse  do  dito 
oficio  e  lhe  deixe  hauer  o  mantimto  asima  declarado  e  juramto  dos  santos  euan- 
gelhos  q  bem  e  uerdadra  mte  o  sirua  guardando  en  tudo  meu  seruiso  e  as  p'"  seu 
dirto  de  q  se  fará  asento  nas  costas  desta  q  por  firmeza  de  tudo  lhe  mandei  dar 
sellada  do  meu  selo  pendente  e  pagara  os  direitos  q  deuer  e  o  nouo  conforme  o 
Regim.io  el  Rei  nosso  snor  o  mandou  por  Ruj  de  Moura  telles  do  seu  conselho 
de  estado  e  do  de  guera  e  ueedor  de  sua  faz."  João  da  silua  a  fez  en  Ix»  a  dous  de 
nou.ro  de  seis  centos  cincoenta  e  quatro  Eu  fran.co  guedes  pereira  a  fis  escreuer. 

(T.T.  —  Chancellaria  de  D.  João  IV,  1.  27,  f .  ^5  v.») 


LXXXVIII 

ASSENTO  DO  BAPTISMO  DE  MARIA  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHA  DO  POETA 

(20  maio  if')55) 

Era  de  655  — 

Aos  20  do  sobreditto  fmjyo)  baptisei  M.a  filha  de  bras  Gr  .ca  M.as  e  de  sua  m." 

dona  M.a  forão  assignados  padrinhos  o  p.^  M.el  Gr."  e  Isabel  fr.^a  todos  desta  uilla 

de  q  fiz  eodem  die 

Mattos 

t,C.i.  — Registo  paroquial  de  Avô,  1.  i,  caj. :.°  ti.  117). 


documentos  (63) 


LXXXIX 

ESCRITURA  DE  INSTITUIÇÃO  DE  UM  VÍNCULO,  PELOS  IRMÃOS  E  IRMÃS  DO  POETA, 

PARA,  POR  MORTE  DO  ÚLTIMO  DELES, 

SER  ADMINISTRADO  E  POSSUÍDO  POR  SEUS  DOIS   SOBRINHOS, 

TOMÁS,  FILHO  DE  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS  jÁ  FALECIDO, 

E  MARIA,  FILHA  DE  FELICIANA  MONTEIRO, 

E    PELOS    LEGÍTIMOS    DESCENDENTES    DESTES 

(3o  dezembro  idS^)) 

Saibam  quantos  este  publiquo  instromento  de  teslamento  e  doacam  e  insti- 
tuição de  Capella  e  Morguado  na  milhor  forma  e  uia  de  direito  que  ser  posa  e 
milhor  aja  luguar  uiiem  como  no  anno  do  nacimento  de  noso  Senhor  Jesus 
Cristo  de  mil  e  seis  centos  e  sesenta  annos  por  ser  pasado  dia  de  natal  em  os  trinta 
dias  do  mes  de  desembro  no  fundo  do  uai  do  Castincal  junto  a  estrada  que  uem 
do  luguar  do  Sobral  do  termo  da  uilla  de  Ouoa  estando  ahi  presentes  o  Doutor 
Manoel  gracia  e  seu  hirmão  pantaliam  gracia  prior  de  trauanqua  e  o  Reuerendo 
padre  Matias  gracia  seu  hirmão  e  bem  asim  suas  hirmãs  Maria  gracia  e  ana  mon- 
teira  Isabel  gracia  e  Antónia  gracia  naturais  da  uilla  de  auo  todos  maiores  de  uinte 
e  cinquo  annos  todos  pesoas  reconhecidas  de  mim  tabaliam  loguo  por  elles  todos 
juntos  e  cada  hum  de  per  si  foi  dito  perante  mim  tabaliam  e  testemunhas  todas  ao 
diante  nomiadas  e  asignadas  que  elles  em  nome  da  santisima  trindade  padre  e 
filho  e  espirito  santo  trcs  pesoas  e  hum  so  deos  uerdadeiro  em  cuja  fee  protesta- 
uam  uiuer  e  morer  asim  como  o  tem  e  defende  a  santa  madre  jgra  de  Roma  e  seja 
notório  a  todos  os  que  este  instromento  uirem  que  estando  todos  elles  sobreditos 
jrmaos  e  hirmãs  de  pai  e  mai  naturais  da  dita  uilla  de  auo  e  por  nam  terem  her- 
deiros forcados  queriam  e  hera  sua  uontade  instetuir  e  faser  de  todos  seus  bens 
de  Rais  auidos  e  por  auer  huma  Capella  e  morguado  como  em  direito  melhor  se 
possa  diser  com  obriguacam  de  cinqia  misas  que  se  ham  de  diser  por  suas  almas 
e  de  seus  defuntos  no  Conuento  de  Santa  Cruz  de  busaquo  he  isto  em  cada  anno 
e  emquanto  o  mundo  durar  em  altar  preuillegiado  ou  na  sua  Capella  delles  insti- 
tuidores que  he  da  inuocacam  de  sam  Joseh  sita  no  mesmo  Conuento  por  estarem 
contratados  com  o  Reuerendo  prior  e  padres  do  dito  mosteiro  no  padroado  delia 
em  as  quais  misas  se  dirá  hum  responso  sobre  a  sua  sepultura  que  Ha  tem  pellas 
almas  delles  instituidores  disendo  mais  elles  ditos  instituidores  que  faziam  inReuo- 
guauel  doacam  dos  ditos  seus  bens  huns  aos  houtros  e  a  dita  Capella  e  instituíam 
por  administradores  delia  huns  aos  houtros  sobreditos  instituidores  e  o  que  delles 
ultimamente  fiquar  uiuo  será  o  ultimo  adeministrador  com  obriguacam  das  ditas 
misas  e  por  morte  do  ultimo  que  delles  fiquar  socedera  em  ametade  dos  ditos  seus 
bens  tomas  gracia  mascarenhas  filho  de  seu  hirmão  bras  gracia  que  deos  tem  e  na 
houtra  ametade  sua  sobrinha  Maria  monteira  filha  de  sua  hirmã  feleciana  monteira 
moradora  na  anadia  e  sendo  caso  que  se  peca  em  algum  tempo  alguma  diuida  que 
seu  pai  Marquos  gracia  que  deos  tem  deuese  aos  absentes  tios  da  dita  sua  sobrinha 
Maria  monteira  será  hella  obriguada  ou  seus  sucesores  a  paguar  a  dita  diuida 
toda  e  por  sua  morte  delles  ditos  administradores  tomas  gracia  Mascarenhas  e  Maria 
monteira  sucederam  na  dita  Capella  seus  filhos  machos  mais  uelhos  legítimos  auidos 
de  legitimo  matrimonio  e  nam  tendo  filhos  machos  sucederam  a  filha  mais  uelh:i 


(G4) 


'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


legitima  de  legitimo  mntrimonio  cada  hum  na  sua  miacam  como  dito  tem  e  nam 
tendo  a  dita  filha  filhos  ou  faltando  em  algum  tempo  em  sua  decendencia  sucesor 
legitimo  sucedera  na  dita  admenistracam  o  parente  mais  cheguado  de  cada  hum  dos 
ditos  sucesores  sucedendo  sempre  em  macho  e  nam  no  auendo  a  femia  sendo  sem- 
pre de  legitimo  matrimonio  indo  sempre  em  nossa  linha  direita  e  sendo  caso  que 
algum  dos  ditos  sucesores  seus  sobrinhos  primeiros  instituidores  digito  primeiros 
adeministradores  nam  tenham  erdeiros  de  sua  linha  direita  em  tal  caso  a  sua  ame 
tade  sucedera  ao  outro  admenistrador  que  uiuo  for  e  pêra  que  fique  a  dita  Capella 
sempre  conjunta  em  seus  direitos  sucesores  com  declaracam  que  qualquer  dos 
sucesores  e  admenistradores  seram  sempre  Cristãos  uelhos  sem  raça  de  mouro  ou 
judeu  ou  de  outra  nacam  infecta  e  cometendo  algum  delles  crime  de  lesa  magestade 
diuina  ou  humana  hum  dia  dantes  que  o  cometa  o  ham  elles  doadores  por  priuado 
da  dita  admenistracam  e  ham  por  chamado  e  metido  de  pose  delia  o  que  auia  de 
suceder  como  se  elle  naturalm'«  morrera  e  querem  que  em  nenhum  tempo  o  fisquo 
entre  nella  nem  leue  emolumento  algum  e  sendo  caso  que  algum  dos  que  nella 
entrar  legitimamente  dispois  diso  casar  com  alguma  pesoa  infamada  de  decender 
de  alguma  infecta  nacam  pello  mesmo  caso  ham  por  priuado  de  todo  o  direito  que 
na  dita  Capella  e  bens  a  ella  auinculados  tinham  e  ham  por  metido  de  pose  delles 
o  que  lhe  auia  de  suceder  se  elle  morrera  e  outrosi  querem  que  nesta  Capella 
nam  suceda  frade  nem  freira  e  se  algum  suceder  porfesar  em  alguma  Religiam 
ainda  que  se, faca  pas  de  bens  em  comum  loguo  pase  ao  legitimo  sucesor  e  que 
houtro  sim  queriam  que  na  dita  Capella  nam  sucedese  pesoa  douda  ou  de  tal  modo 
desatinada  que  nam  tiuesse  admenistracam  de  seus  bens  próprios  mas  isto  se  nam 
entendera  no  que  o  nam  tiuer  por  defeito  de  idade  porque  este  a  terá  e  admenis- 
trara  por  seu  tutor  ou  curador  ate  cheguar  a  sua  legitima  idade  nem  outrosim  su- 
cedera nella  surdo  ou  mudo  ou  mudo  somente  nem  cego  de  ambos  os  olhos  nem 
coxo  de  ambos  os  pes  poremse  depois  de  suceder  legitimamente  lhe  suceder  diguo 
lhe  sobreuier  alguma  das  sobreditas  aleijois  ou  todas  nam  será  delias  priuado  se 
ainda  fiquar  com  juiso  em  forma  pêra  admenistrar  seus  bens  por  seus  procuradores 
e  he  sua  uontade  que  o  segundo  que  delles  dotadores  suceder  faca  inuentario  de 
todos  os  ditos  seus  bens  de  Rais  dentro  de  hum  anno  depois  de  qualquer  delles 
falecer  do  qual  se  mandara  hum  treslado  autentico  aos  Religiosos  do  dito  Con- 
uento  de  busaquo  e  se  guardara  pêra  sempre  em  seu  Cartório  os  quais  bens  an- 
daram sempre  conjuntos  sem  se  poderem  uender  aliar  nem  escambar  por  modo 
algum  nem  outro  sim  se  poderam  danefiquar  e  sendo  caso  que  algum  dos  adme- 
nistradores danefique  os  ditos  bens  e  fazenda  ou  alguma  delia  ou  deixar  de  re- 
parar os  detrimentos  que  naturalmente  ou  por  obra  de  mãos  sobreuierem  se  refa- 
ram  a  sua  custa  por  conta  dos  bens  próprios  que  deile  fiquarem  e  bem  assim  as 
aruores  que  cortarem  pêra  isto  se  fazer  milhor  cada  hum  que  suceder  dispois  do 
ultimo  delles  doadores  dará  fiança  na  uilla  de  auo  a  entreguar  a  dita  fazenda  mi- 
Ihorada  ao  que  lhe  ouuer  de  suceder  e  será  obriguado  a  guastar  do  rendimento  da 
dita  fazenda  no  primeiro  anno  no  reparo  e  acrecentamento  delia  e  será  outrosim 
obriguado  a  mostrar  todos  os  annos  aos  uisitadores  da  dita  uilla  certidam  do  prior  do 
dito  conuento  em  como  tem  paguo  a  esmoUa  das  misas  naquelle  anno  e  o  tratado 
e  dará  ao  dito  uisitador  duas  gualinhas  ou  sua  justa  ualia  por  tomara  dita  conta  e 
sendo  caso  que  se  descude  hum  anno  a  satisfaser  a  paguar  a  dita  esmolla  o  dito 
uisitador  ou  uiguario  geral  deste  bispado  faram  soquesiro  nos  ditos  rendimentos 


^Documentos  (65) 

da  dita  fasenda  e  pelo  faserem  com  efeito  na  forma  ordinária  teram  mais  houtras 
duas  gualinhas  que  uem  a  ser  quatro  duas  polia  conta  que  ham  de  tomar  e  duas 
por  porem  o  dito  soquestro  em  efeito  o  qual  se  nam  leuantara  sem  primeiro  se 
paguar  tudo  o  que  se  estiuer  deuendo  e  desta  Capella  nam  poderam  ministro 
algum  secular  tomar  conta  saluo  os  eclesiásticos  forem  negligentes  por  tempo  de 
dois  annos  porque  em  tal  caso  o  corregedor  ou  prouedor  da  guarda  poderam  cons- 
tranger o  dito  admenistrador  e  fazer  o  dito  soquestro  e  aueram  a  pitança  que  os 
menistros  eclesiásticos  aueriam  se  o  formasem  e  constrangesem  na  forma  que  fiqua 
dito  e  sendo  caso  que  o  pam  do  cerco  auincullado  a  esta  Capella  se  rima  será  o 
admenistrador  obriguado  a  empreguallo  dentro  em  seis  meses  em  fazenda  bem 
parada  que  nam  seiia  de  pesoa  mais  poderosa  que  elles  e  morrendo  sem  o  empre- 
guar  dentro  em  os  ditos  seis  meses  seus  erdeiros  o  empreguaram  dentro  em  três 
immediatamente  seguintes  e  toda  a  perda  que  nesta  parte  ouuer  se  auera  por  seus 
bens  propios  e  fiança  e  querem  e  sam  contentes  que  as  ditas  misas  se  diguam  loguo 
e  comecem  a  correr  da  feitura  desta  em  diante  por  tencam  delles  doadores  e  de 
seus  erdeiros  em  fee  e  testemunho  de  uerdade  asim  o  outorguaram  e  de  tudo  man- 
daram ser  feito  este  ínstormento  nesta  nota  que  todos  asignaram  ao  que  foram 
testemunhas  presentes  IVIanoel  pires  morador  em  laguares  do  termo  da  uilla  de 
pena  coua  que  asignou  pellas  ditas  doadoras  a  seu  Roguo  e  foram  mais  testemu- 
nhas presentes  An'o  fran^  e  Melchior  Rõiz  e  bertolameu  í\a.n<:°  e  acenso  Rõiz  e 
domingos  duarte  todos  moradores  no  luguar  de  trauanqoa  que  todos  nesta  nota 
asignaram  sendo-lhe  primeiro  lido  e  declararam  mais  elles  doadores  que  os  adme- 
nistradores  da  dita  Capella  uisto  serem  dois  paguaram  cada  hum  ametade  da  es- 
moUa  das  misas  que  daixam  em  cada  hum  que  se  diguam  no  dito  Conuento  de 
Santa  Crus  de  busaquo  e  eu  Manoel  de  lindos  (?)  tabaliam  que  o  escreui  e  desta 
nota  pediram  os  trasllados  necesarios  e  eu  sobredito  o  escreui  —  O  P.e  Matias  gra- 
cia  —  pantaliam  gracia — Manoel  gracia  —  Manoel  pires  —  melchior  róis  t.a — 
Acenso  róis  t.a  —  An. 'o  fran.co  t.a  —  Dos  duarte  ta  —  bertolameu  fran.co  ta.  =  he  eu 
Joam  fran  co  taballiam  do  publiquo  judisiall  he  notas  nesta  uilla  de  sam  joam  da- 
reias  seu  termo  por  el  rei  noso  S.or  etc.  treslladei  de  meu  lliuro  de  notas  ben  he 
fiel  m.'«  he  asinei  de  meu  sinall  publico  e  raso  que  tall  he  oje  uinte  he  três  de 
agosto  de  mill  he  seis  semtos  nouenta  he  sinco  annos  he  asinei  de  meu  p<;o  sinall . . 
meu  publiquo  j  o  raso  que  tall  he 


Joam  fran<:o 
fLogar  do  y^  signat  público; 

/Traslado  autêntico  existente  em  meu  poder.  As  repetições  extravagantes  que  se  encontram  na 
subscrição  do  tabelião,  que  autenticou  o  traslado,  explicamse  pela  conveniência  de  completar  a  pá- 
gina, onde  já  não  cabia  o  aparatoso  sinal  público,  que  por  este  artificio  tabeliónico  passou  para  a 
página  imediata. 


(66)  'Brás  Garcia  de  <£Mascareiihas 

XC 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  D.  MARIA  DA  COSTA,  MULHER  DO  POETA 

(4  janeiro  1660J 

Dona  Maria  molher  de  Brás  gracia  desta  Villa  faleceu  em  os  mesmos  4  dias 
do  mes  de  Janr.o  da  ditta  era  de  1660  esta  enterrada  dentro  Igr.a  Recebeu  todos 
os  sacram.ws  não  fes  manda  dia  mes  era  ut  supra. 

O  P.C  Gaspar  nunez 

(Cota  marginal)  —  tense  satisfeito  com  todos  os  off.os 
misa  prezen'^  dita.         I    I \__ 


I    I    I 


(CS.  —  Registo  faroquial  de  Avô,  1.  i ,  cad.  3.°,  fl.  Io5). 


XCI 


escritura  de  compra  de  uma  capela,  existente  dentro  do  convento  do  BUÇACO, 

FEITA  AO  PRIOR  E  RELIGIOSOS  DAQUELE  ERMITÉRIO 

PELO    PADRE    PANTALE.\0    GARCIA,   PARA    SUA  SEPULTURA 

(3o  março  1660J 

Saibaõ  quantos  este  publico  Instrumento  de  Carta  de  venda  de  Capella,  ou 
como  em  Direito  melhor  sepossa  diser  ou  chamar  de  hoje  para  todo  o  sempre 
virem  que  no  anno  do  Nascimento  de  nosso  Senhor  Jesus  Christo,  de  mil  seis 
centos  e  sessenta  annos,  aos  trinta  dias  do  mes  de  Março  do  mesmo  anno  em  o 
Comvento  de  Santa  Cruz  do  Bussaco  na  Gaza  da  Hospedaria  adonde  Eu  Taballiáo 
fui,  e  estando  ahi  presentes  o  Muito  Reverendo  Padre  Frei  Sabastião  de  Santa  Maria 
Prior  do  dito  Comvento  e  os  mais  Relligiosos  abaixo  assignados.  e  bem  assim  es- 
tando ahi  prezente,  o  Reverendo  Padre  Pantelliaõ  Gracia  Prior  da  Igreja  de  Sam 
Thiago  de  Travanca,  Logo  pelo  dito  Padre  Prior  Frei  Sabastião  de  Santa  Maria, 
emais  Relligiosos  do  dito  Comvento,  que  elles  tinhaõ  concertado  com  o  dito  Padre 
Pantelliaõ  Gracia  Prior  da  dita  Igreja  de  Sam  Theago  deTravanca  de  lhe  venderem 
huma  Capella  que  tem  no  dito  Convento  que  está  a  banda  do  Evangelho  com  res"- 
pondente  a  Capella  dos  Reis  para  sempre  e  em  quanto  o  Mundo  durar  aqual  lhe 
vendiaõ  deste  dia  para  todo  o  sempre  como  fica  dito  e  lhe  davam  o  Padroado  delia 
para  elle  comprador  e  as  pessoas  que  sucederem  pelo  tempo  adiente  na  forma 
de  huma  Escriptura  de  Doaçaó  que  entre  ele  Comprador  e  sseus  Irmaons,  e  Irmaã 
tem  feito  em  que  ordenaõ  que  no  altar  Privelligiado  ou  nesta  Capella  se  lhe  digaõ 
sincoenta  Missas  em  cada  hum  anno  as  quaes  o  Admenistrador  da  dita  Capella  será 
obrigado  a  pagar  em  cada  hum  anno  ao  dito  Convento  pelo  niez  de  Dezembro 
a  sessenta  reis  por  cada  Missa,  e  a  dita  Capella  lhes  vendiaõ  em  preço  de  sessenta 
mil  reis  os  quaes  logo  receberão  da  maõ  do  comprador  em  dinheiro  de  contado 
moeda  ora  corrente  neste  Reyno  sem  faltar  nada  perante  mim  Taballiaõ,  e  Teste- 
munhas ao  faser  desta  Escriptura  com  o  que  se  deraõ  por  pagos  intregues  e  satis- 
feitos e  por  todo  davaõ  ao  comprador  e  seus  sucessores  por  quites  e  livres  de  hoje 
para  todo  o  sempre,  e  que  dimitiaõ  de  si,  e  trespassavaõ  nas  maons  e  poder  delle 
comprador  todo  o  Direito  que  tem  e  podiaõ  ter  na  dita  Capella  e  nella  seria  sepul- 


'Dociiiueiitos  (^7) 

tado  o  corpo  delle  comprador  se  elle  assim  o  ordenar,  e  todos  o  mais  seus  descen- 
dentes com  a  obrigação  delle  dito  comprador  e  os  ditos  seus  descendentes  serão 
obrigados  a  toda  a  fabricada  dita  sua  Capella  para  a  qual  fabrica  dará  elle  compra- 
dor vinte  mil  reis  os  qiiacs  os  ditos  relligiozos  poderão  dar  a  rasaõ  de  juro  para 
renderem  para  a  dita  fabrica  e  estes  por  huma  vez  somente  com  aquelle  comprador 
e  sseus  descendentes  ficaõ  desobrigados  da  dita  Fabrica  para  sempre;  outrosim  por 
morte  do  Padre  o  Doutor  Manoel  Garcia  Irmaõ  delle  comprador  hum  cálix  deprata 
com  mais  ornamento  que  tem  em  a  ssua  Capella  de  Avó,  e  os  vinte  mil  reis  da  fa- 
brica dará  elle  comprador  dentro  em  hum  anno  para  se  darem  a  razaõ  de  Juro  como 
fica  dito,  e  pelos  ditos  Padres  Prior,  e  mais  religiosos  foi  dito  que  elles  se  obriga- 
vaõ  em  seu  nome  e  de  seus  sucessores  a  sempre  terem  a  dita  Capella  livre  e  fabricada 
na  forma  que  fica  dito,  o  que  tudo  o  dito  Comprador  dice  aceitava  com  todas  as 
clauzullas,  e  obrigaçoens  aqui  declaradas;  e  em  ffé  e  testemunho  de  verdade  assim  o 
quiseram  e  outorgarão,  e  de  tudo  mandarão  fazer  este  Instrumento  de  carta  de 
venda  de  capella  neste  Livro  de  Nottas  aonde  asegnaraõ,  e  delle  mandarão  dar  ao 
comprador  hum  histrumento  deste  Theor;  Testemunhas  que  a  tudo  foraõ  pre- 
sentes Leonardo  da  Silva  murador  em  villa  nova  de  Monssarros,  e  António  Antunes 
morador  em  luzo,  e  Joaõ  Francisco  da  Pampilhosa  que  todos  aqui  asignaraó  com 
o  dito  comprador  e  os  relligiosos  vendedores,  e  Eu  Miguel  Ribeiro  Taballiaó  que  o 
escrevi. 

Frei  SabastiJvo  de  Santa  Maria  Prior 

Frei  Mauro  de  Santa  Isabei, 

Frei  João  do  Espirito  Santo 

Freí  Vallekio  do  Espirito  Santo 

Frei  José  dos  Santos 

Pantauâo  Garcia 

Frei  Inocêncio  i  e  Santo  Alberto 

Frei  Manoel  da  Açumpssáo 

Frei  João  da  Trindade 

Frei  André  de  SA^TO  Angelo 

Frei  ThomXs  dos  Reis 

Leonardo  da  Silva 

António  Antunes 

João  Francisco 

iDuma  certidão  passada  a  2^  set.  1S24  por  José  da  Costa  de  Carvalho  e  Lemos,  escrivão  proprietá- 
rio dum  dos  ofícios  da  Correição  e  chanceler  da  comarca  de  Viseu,  cm  face  de  outra  certidão  passada  a 
20  maio  1737  por  José  de  Morais,  público  tabelião  de  notas  no  couto  de  Vacariça,  em  face  do  respec- 
tivo livro  existente  no  seu  cartório,  onde  se  encontrava  esta  escritura,  a  ti.  109  v,°  —  Pertence  ao 
sr.  António  da  Costa  Mesquita,  de  Avô). 


XCII 

assento  do  Óbito  do  padre  pantai.eâo  garcia,  irmão  do  poeta 

(j  j.  tnitiibro  I  GGo) 

Aos  quatorze  dias  do  mes  de  Sbr.o  de  (úto  annoí  faleçeo  o  R.J'  Ps  P.mtaLiU) 
Garcia   Prior   desta  Igr.a  de  Santiago   de  Travanca   rccebeo   os   sacramentos   por 


(68)  'Brás  Garcia  de  óMascarenhas 

mim   o  p.e  Manoel  giz'  está  sepultado  no  mostr.o  de  Busaco  em  húa  Capella  de 
.  Joseph  que  elle  comprou  ao  prior  e  mais  religiosos  fes  testamento  in  scriptis. 

(Cota  marginal)  —  Estão  feitos  os  offisios  todos, 
e  seis  mezes  de  estassão. 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Travanca-de-Farinha-Pódre,  1.  i,  cad.  5.°,  fi.  inumer.). 


XCIII 

ASSENTO  DO  CASAMENTO  DE  ANA  DUARTE,  MAE  DE  MANUEL  GARCIA  DE  MASCARENHAS, 
SOBRINHO  E  GENRO  DO  POETA 

(5  outubro  i66r) 

Em  OS  sinquo  dias  do  mes  de  8bro  de  i66i  annos  feitas  as  denunciacois  pre- 
mitidas  em  três  dias  santos  continues  próximos  a  este  e  não  auendo  impedimto  algú 
eu  o  P.«  Ant  o  da  fon.^a  cura  nesta  Igr.a  de  S.  Tiaguo  de  Trauanqua  perguntei  a 
Sebastiam  Marques  homem  ueuuo  morador  neste  luguar  de  trauanqua  e  Anna 
duarte  f.a  de  João  gorge  e  de  sua  m.^r  Maria  Duarte  deste  lugar  de  de  Trauanqua 
desta  freg3  e  con  consentim'o  de  ambos  em  face  da  Igr.a  em  minha  prensença 
comforme  ao  concilio  tridentino  e  constituicois  deste  Bispado  se  receberam  por 
marido  e  m^r  aos  quais  dei  as  bençõns  matrimoniais  de  q  forão  mais  t^s  Grabiel 
Leitam  de  Magualhães  e  Gil  de  fgdo  de  Castro  morador  em  Loruão  e  m.t^s  mais 
pessoas,  e  eu  Ant.o  da  fon^a  que  o  escreui  hoje  era  ut  supra. 

Ant.o  da  fon.ca 

(C%.  —  Registo  paroquial  de  Travanca-de-Farinha-Põdre,  I.  i,  cad.  4.°,  ti.  4(  v.°). 


XCIV 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DO  DR.  MANUEL  GARCIA,  IRMÁO  DO  POETA 

(21  janeiro  1662J 

Anno  de  1662  — 

O  D.or  M.el  Gracia  faleceo  em  21  de  Janeiro  da  era  sobredita  recebeo  todos  os 
sacramentos  esta  enterrado  dentro  da  ig.ra  desta  u.a  iunto  ao  altar  de  nossa  Se- 
nhora do  pranto,  e  não  fez  manda  de  q.  fiz  este  no  mesmo  dia  ut  supra. 

O  P.E  M.EL  Dias 

(Cota  marginal)  —  missa  presente  dita. 
feitos  off.os       I    I    I 

I    I    I 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  1.  i,  cad.  3."^,  fl.  108  v.'). 


^Documentos  (6g) 


XCV 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  ANA  MONTEIRA,  IRMA   DO  POETA 

(lO  fevereiro  1663) 

Anna  montr.a  f.a  de  marcos  Garcia  desta  uilla  faleceo  em  os  dez  dias  de  feue- 
reiro  da  era  de  i663  Annos.  ias  enterrada  dentro  da  ig."  iunto  da  porta  principal, 
a  parte  do  norte,  e  por  verdade,  asinei,  ut  supra,  recebeo  os  sacram.to^. 

Mattos 
(Cota  marginal)  —  missa  presente  dita. 

ofRcios  de  noue  licoís    _l I    I     3. 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  I.  i,  cad.  3.",  fl.  log). 

xcvi 

DEPOIMENTOS   DE  DUAS  TESTEMUNHAS,  E  INFORMAÇÃO  DO  VIGÁRIO  DE  AVÔ, 

NA  INQUIRIÇÃO  de  genere,  vila  et  moribus, 

PARA  A  ORDENAÇÃO  DE  TOMAS  DE  AQUINO  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DO  POETA 

(8  maio  1664) 

Em  OS  outo  dias  do  mes  de  Maio  da  era  acjma  declarada  (1664)  nas  pousadas 
e  moradas  do  Reverendo  prior  de  Couas  '  ahi  em  lugar  secreto  e  apartado  tiramos 
as  testemunhas  abaixo  assinadas  cuiios  ditos  e  nomes  sam  os  seg.'«s  de  que  elle  me 
mandou  fazer  este  termo  de  asentada  que  assinou  e  Eu  o  padre  gaspar  nunes  es- 
criuão  que  o  escreuj. 

Costa 


Bento  de  paiua  homem  cassado  e  offisial  de  çapateiro  morador  em  a  uilla  de 
Avó  testemunha  nomeada  pelo  parrocho  do  ordinando... 

E  perguntado  elle  testemunha  pello  contheudo  no  mandado  atras  que  lhe  foi 
lido  e  declarado  pello  Reuerendo  Arcipreste  disse  elle  testemunha  quera  uerdade 
que  elle  conhecia  muito  bem  ao  dito  ordinando  thomas  gracia  o  qual  he  filho  legi- 
timo de  Brás  gracia  e  de  sua  molher  Dona  Maria  ia  defunctos  moradores  que  forão 
da  uilla  de  Auó  e  outrosi  disse  que  também  conhecera  os  Auos  paternos  do  dito 
ordinando  assaber  Marquos  gracia  e  sua  molher  ilena  madeira  ia  defunctos  mora- 
dores que  forão  da  dita  villa  e  outrosi  disse  elle  testemunha  que  também  conhece 
os  Auos  Maternos  assaber  ioão  Manoel  da  fonsequa  e  sua  molher  Maria  madeira 
moradores  da  dita  uilla  de  Auo  e  que  todos  estam  tidos  e  auidos  por  christãos 
uelhos  e  elle  testemunha  por  tal  os  tem  sem  auer  fama  nem  Rumor  em  contrario 
e  so  disse  elle  testemunha  que  sendo  vigairo  da  igreiia  de  Avó  Roque  dias  de 
mattos  tiuera  duuidas  com  o  padre  ermitão  Simão  madeira  e  lhes  chamara  chris- 


1  O  licenciado  Manuel  da  Costa  Brandão,  arcipreste  do  distrito. 


(70) 


'Brás  Garcia  de  oMascareií/ias 


tão  nouo  de  que  elle  lhe  leuou  huma  iniuria  e  prouou  ser  christão  uelho  e  o  dito 
vigairo  desia  que  no  dito  Simão  madeira  auia  a  dita  Raça  por  decender  de  huma 
molher  que  uiera  de  Tomar  que  chamauão  a  Regateira  da  qual  também  era  decen- 
dente  o  dito  bras  gracia  mas  elle  testemunha  sabe  que  o  dito  bras  gracia  tinha  três 
irmos  clérigos  e  hu  frade  e  elle  era  caualeiro  professo  da  ordem  de  Sam  Bento  por 
donde  a  dita  fama  ser  falsa  e  o  dito  ordinando  e  seus  ascendentes  serem  christãos 
uelhos  como  dito  tem. 

E  perguntado  elle  testemunha  pellos  mais  interrogatórios  do  mandado  que 
todos  lhe  forão  lidos  e  declarados  pello  Reuerendo  Arcipreste  disse  elle  teste- 
munha que  era  uerdade  que  ella  não  sabia  impedimento  algum  por  donde  o  dito 
ordinando  deixasse  de  ser  promouido  as  ordens  que  pertendia  e  mais  nam  disse  e 
assinou  com  o  Reuerendo  Arcipreste  e  Eu  o  padre  gaspar  nunes  escriuão  que  o 
escreuj. 

Costa 
Bento  de  Paiua 


Pedro  Fernandes  o  gaio  por  alcunho  uiuuo  e  morador  en  a  uila  de  Auó. . . 

E  perguntado  elle  testemunha  pelo  contheudo  no  mandado  que  todo  lhe  foi 
lido  e  declarado  pelo  Reuerendo  Arcipreste  disse  elle  testemunha  que  hera  uer- 
dade que  elle  conhece  muito  bem  o  ordenando  Thomas  gracia  o  qual  he  filho 
legitimo  de  Bras  gracia  e  de  sua  molher  Dona  maria  ia  defunctos  moradores  que 
foram  da  uilla  de  Auo  deste  Bispado  e  por  tal  estaua  tido  e  auido  e  Reputado  e 
outrosi  disse  elle  testemunha  que  também  conhecera  muito  bem  os  Auos  paternos 
do  ordinando  assaber  Marquos  gracia  e  a  sua  molher  ilena  madeira  ia  defunctos 
moradores  que  forão  na  dita  uilla  de  Auó  e  outrossj  disse  que  também  conhece 
os  Auos  maternos  do  dito  ordinando  assaber  ioam  Manoel  da  fonsequa  e  a  sua 
molher  Maria  madeira  moradores  da  dita  uilla  de  Auó  aos  quais  todos  elle  teste- 
munha conhece  e  conheceu  por  christãos  uelhos  limpos  de  boa  geração  somente 
disse  elle  testemunha  que  no  tempo  que  o  vigairo  Roque  dias  de  mattos  era  uiuo 
que  foi  vigr.o  na  uilla  de  Auó  chamara  iudeu  a  hu  clérigo  por  nome  Simão  madeira 
que  era  parente  do  dito  ordinando  mas  que  sabe  elle  testemunha  que  o  dito  clérigo 
Simão  madeira  tiuera  sentença  contra  o  dito  vigairo  e  lhe  fizera  pagar  as  custas  e 
ficara  o  dito  clérigo  com  sentença  por  sua  parte  e  alem  de  que  o  pai  do  dito  ordi- 
nando era  caualleiro  professo  de  Sam  bento  e  tinha  três  irmãos  clérigos  em  que 
ellé  testemunha  pelo  que  sabe  sempre  teue  aos  sobreditos  assi  a  huns  como  outros 
por  christãos  velhos  e  dos  principais  destes  pouos  o  que  elle  testemunha  sabe  por 
ser  seu  natural  e  uisinho  e  sempre  desde  o  tempo  de  que  tem  lembra  a  esta  parte 
nunqua  uiu  nem  ouuiu  diser  que  os  sobreditos  fossem  com  uerdade  enfamados  de 
Raça  de  iudeu  ou  de  mulato  ou  de  outra  qualquer  infecta  nação  e  por  serem  todos 
vesinhos  e  naturais  tem  elle  este  conhecimento  e  sempre  assi  o  uiu  e  ouuiu  sempre 
desçr. 

E  perguntado  elle  testemunha  pello  mais  contheudo  no  mandado  que  todo  lhe 
foi  lido  e  declai'ado  pelo  Reuerendo  Arcipreste  disse  elle  testemunha  quera  uerdade 
que  cllc  não  sabia  cmpedimcnto  algum  por  donde  o  dito  ordenando  deixasse  de 


'Documeníos  (j  i) 


ser  promouido  as  ordens  que  pertendia  e  mais  não  disse  e  assinou  com  o  R.d"  Ar- 
cip.'«  e  Eu  o  padre  gaspar  nunes  escriuão  que  o  escreuj. 

Costa 

Po  f  NZ 


Certefiquo  eu  Gaspar  dias  de  mattos  vigro  em  a  parochial  Igr.a  da  V.»  de  Auo 
que  sendo  em  os  27  do  mes  de  abril  de  664  annos  em  a  Estacam  da  missa  da  terça 
publiquei  a  meus  fregueses  hum  m.'^"  q  me  apresentou  Thomas  Garcia  p.»  ordens 
menores  e  nam  me  sahio  empcdimento  algum  mas  antes  conheço  do  ordinando 
ser  Benemérito  das  ordens  q  pretende  christam  uelho  sem  Raça  de  mouro  nem 
Judeo  nem  de  outra  infecta  naçam  de  boa  vida  e  costumes  e  frequente  na  Igr.a  e 
os  sinais  sam  os  seg."^s  cabello  crespo  e  castanho  sobrancelha  cerrada  Buxigoso.  e 
do  meu  liuro  dos  bautizados  consta. .  •  (transcreve  o  assento  de  batismo).  E  tudo  o 
sobredito  passo  asi  e  o  iuro  in  uerbo  sacerdotis  e  por  uerdade  assinei  oie  8.  dias 
de  maio  da  era  de  664.  Annos. 

Gaspar  dias  de  mattos 
(CE,  —  Processo  para  a  ordenação  de  Tomás  Garcia), 

XCVII 

assento  do  óbito  do  padre  MATIAS  GARCIA,  IRMÃO  DO  POETA 

(23  dezembro  1664J 

O  P.«  Mathias  Garcia  cura  que  foi  em  Anceris  faleceu  em  os  23  dias  de  de- 
zembro de  664  Annos.  recebeu  os  cram.'os  da  s.'a  madre  igr.a  não  fes  manda  e  ias 
emterrado  dentro  da  igr.a  na  cepultura  de  seus  irmãos  e  para  lembrança  fiz  e  aci- 
nei,  em  fe  de  verdade  oie.  24  dias  do  dito  mes  em  que  recebeu  sepultura,  dia  mes 
e  anno  ut  supra. 

Mattos 
(Cota  marginal)  —  missa  presente  dita 

eitos  officios     _l I    I 

I    I    I 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Am,  1.  i,  cad.  3.°,  fl.  ii3). 

XCVIII 

DEPOIMENTO  DUMA  TESTEMUNHA  SOBRE  O  CONFLITO 
HAVIDO  ENTRE  O  PADRE  MATIAS  GARCIA  E  BERNARDO  DUARTE  DE    FIGUEIREDO 

{16  março  1668) 

Pedro  Dias  Escrivão  das  cizas  e  décimas  de  sua  magestade  nesta  dita  villa  de 
Avo  junto  ao  hjrol  testemunha  nomeada  pelo  Parocho  a  quem  o  Reuerendo  Se- 
nhor Commissario  (Dr.  João  Ferreira  Barreto,  Desembargador  da  Relação  Ecle- 
siástica de  Coimbra,  Jiii^  Comissário  da  Inquirição  sabre  a  pureza  de  sangue  do 
dr.  Matias  Jácome  de  Figueiredo,  filho  de  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo)  deu 


(12) 


'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 


juramento  dos  santos  Euangelhos  em  que  pos  sua  mão  E  prometeo  dizer  uerdade, 
e  de  sua  idade  disse  ser  de  sincoenta  e  três  Annos  pouco  mais  ou  menos. 

E  perguntado  elle  testemunha  se  conhecia  ao  Justificante  IVlathias  Jacome  de 
figueiredo  e  seus  pais  e  Auos  donde  erão  naturais  e  moradores,  disse  elle  teste- 
munha q  conhece  muito  bem  ao  dito  Justificante  Mathias  Jacome  de  figueyredo,  e 
sabe  q  he  filho  legitimo  de  Bernardo  Duarte  de  figueiredo  Sargento  major  desta 
villa,  e  nella  morador,  e  natural  da  de  Pombeiro,  e  de  Maria  Jacome  natural  e  mo- 
radora nesta  dita  villa ;  E  perguntado  se  conhecera  aos  Auós  paternos  do  Justifi- 
cante disse  que  somente  conhecera  a  Saluador  Duarte  pai  do  dito  Bernardo  Duarte, 
o  qual  Saluador  Duarte  vinha  a  esta  terra  algumas  vezes  por  ser  rendejro  do  Reue- 
rendo  Cabido  de  Coimbra,  e  quando  o  dito  seu  filho  tam  ao  b  diguo  também 
nesta  cazara  com  a  dita  Maria  Jacome'  E  perguntado  elle  testemunha  pia  limpeza 
do  sangue  do  dito  Justificante  pia  parte  parte  paterna  disse  que  elle  testemunha 
teue  e  tem  por  Christão  uelho  ao  dito  Bernardo  Duarte;  e  somente  sabe  que  o  dito 
Bernardo  Duarte  indo  para  Ansaris  se  encontrara  com  o  Padre  Mathias  Graçia 
cura  do  dito  lugar,  e  com  elle  tiuera  differenças  sobre  humas  EUeisois  q  se  tinhão 
tratado  nesta  dita  villa  de  Auó  das  quais  difFerensas  resultou  chamar  o  dito  Padre 
Judeu  ao  dito  Bernardo  Duarte,  o  qual  se  apeou  e  deu  alguns  cintarasos  em  o  dito 
Padre,  e  offerio  de  q  resultou  demandar  o  dito  Padre  ao  dito  Bernardo  Duarte  em 
Coimbra  pio  sacrilégio,  e  o  dito  Bernardo  Duarte  ao  dito  Padre  pia  dita  Injuria,  o 
qual  teue  sentenças  contra  o  dito  Padre,  e  a  ultima  deu  o  uigario  geral  de  Vizeu, 
o  que  elle  testemunha  sabe  por  ver  a  dita  Sentença,  e  noteficar  por  ella  ás  Irmáas 
do  dito  Padre  Mathias  Graçia ;  E  perguntado  pia  rezam  do  seu  dito  no  tocante  a 
briga  q  disse  tiuera  o  dito  Bernardo  Duarte  de  figueiredo  com  o  dito  Padre  Mathias 
Graçia  disse  q  estando  em  Ançaris  na  dita  occasião  ouuira  rumor  e  bulha  dizen- 
dosse  q  o  pai  do  Justificante  e  o  dito  Padre  brigauão,  e  acodindo  elle,  uira  ao  pai 
do  Justificante  porse  a  caualo  e  o  dito  Padre  uir  apee  pêra  Auó,  e  logo  ahi  se  disse 
publicam.te  q  elles  brigarão,  e  tiuerão  rezois  na  forma  q  dito  tem ;  E  que  outro 
sim  sabe  q  o  dito  Bernardo  Duarte  teue  hum  Irmão  Inteiro  que  chamauão  Marcos 
Duarte  o  qual  Marcos  Duarte  tem  hum  filho  cleriguo  sacerdote  q  esta  em  Lisboa 
em  caza  do  Conde  de  Pombejro,  e  tem  outro  filho  frade  de  samfran.™  q  foi  tomar 
o  Abito  a  figueira  o  que  elle  testemunha  por  conhecer  aos  sobreditos  e  os  uer 
nesta  terra;  E  perguntandolhe  testemunha  pios  Auos  maternos  do  Justjficante  disse 
q  os  conheçeo  munto  bem  e  se  chamauão  Simão  Madeira  e  Isabel  Nunes,  naturais 
e  moradores  nesta  dita  villa,  E  que  também  conheçeo  aos  pais  dos  ditos  auos  ma- 
ternos q  se  chamauão  Gaspar  Dias  da  Costa,  o  qual  ouuio  dizer  uiera  de  villa  coua 
de  sob  Auo  para  esta  villa  e  nella  cazara  com  Susana  Manoel  natural  e  moradora 
nesta  villa;  E  que  também  conhessera  a  dita  diguo  a  Maria  Jacome  a  uelha  uisauo 
do  Justificante  natural  desta  villa,  e  q  a  maj  do  dito  Justificante,  e  seus  Auos  ma- 
ternos na  forma  que  declarado  tem  sam  e  foram  todos  Christãos  velhos  intejros 
sem  raça  alguma  de  Judeu,  mouro  ou  mulato,  nem  de  outra  infecta  nação,  e  que 
por  tais  foram  sempre  tidos  e  reputados  geralmente  de  todos  nesta  dita  villa  e  seus 
arredores,  sem  fama  nem  rumor  em  contrario,  e  que  erão  dos  principais  desta  villa, 
e  q  seruirão  nella  os  cargos  honrrosos  da  Igreja,  e  Republica,  o  que  elle  testemunha 
disse  q  sabia  por  ser  natural  e  morador  em  esta  dita  villa,  e  conhesser,  e  tratar  as 
sobreditas  peçoas  na  forma  q  tem  declarado.  E  ai  não  disse  nem  do  costume  sen- 
dolhe  perguntado.  E  sendolhç  lido  seu  testemunho  pio  dito  reuerendo  Senhor  Co- 


1)ociimentos  (j3) 

missario  disse  estaua  escripto  na  uerdade.  E  assinou  com  o  dito  Senhor  Juis  Co- 
missário, E  eu  João  Perejra  notário  Apostólico  o  escreuj. 

Ferreira  Pedro  Diaz 

(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Matias  Jácome  de  Figueiredo,  cad.  final,  fl.  55  v.^-Sól. 

XCIX 

ALVARÁ  DO  PRÍNCEPE-REGENTE  D.  PEDRO, 

CONCEDENDO  A  D.  ISABEL  DE  MASCARENHAS  DA  FONSECA,  FILHA  DO  POETA, 

A  PROPRIEDADE  DO  OFÍCIO  DE  ESCRIVÃO  DAS  CISAS  E  PANOS  DE  AVÔ, 

PARA   SER  EXERCIDO  PELA  PESSOA  COM  QUEM  ELA  VIER  A  CASAR 

(6  agosto  i6yo) 

Eu  O  Princepe  como  regente  e  gou-or  destes  Rejnos  de  Portugal  e  dos  Algarues 
faco  saber  aos  que  este  meu  Aluara  uirem  que  temdo  Respeito  a  vagar  por  faile- 
cimento  de  Brás  garcia  o  officio  de  escriuão  das  sisas  e  dos  pannos  geraes  da  villa 
do  Auo  o  qual  seruio  com  satisfação  alguns  annos  e  por  sua  morte  lhe  ficarem 
sinco  filhos  dous  machos  e  três  fêmeas,  e  ser  a  mais  velha  Dona  Izabel  Mascarenhas 
da  fonsequa  com  pouco  Remédio :  Hey  por  bem  de  lhe  faser  m.ce  da  propriedade 
do  d. o  officio  de  escriuão  das  sisas  geraes  e  pannos  da  uilla  de  Auo,  a  d. a  Donna 
Izabel  Mascarenhas  da  fonsequa  pêra  a  pessoa  que  com  ella  cazar,  e  para  minha 
lembrança  e  sua  goarda  lhe  mandey  dar  este  Aluara  que  se  inteiramente  como 
nelle  se  comtem  pello  coal  se  pacara  carta  a  pessoa  que  cazar  com  a  d.»  Donna 
Izabel  Mascarenhas  sendo  auta  para  o  seruir  e  este  não  pacara  pia  chans.»  sem 
embargo  da  ordenação  em  contrario  e  ualera  como  carta  posto  que  seu  effeito  aja 
de  durar  mais  de  hum  anno,  e  pagou  de  dir.'os  nouos  trinta  rs  que  se  carregarão 
ao  Thez.ro  delles  Aleixo  pr.a  a  fl.  287  do  liuro  de  sua  R.>a  pio  escriuão  de  seu 
cargo,  Manoel  gomes  de  oliu."  o  fes  em  lisboa  a  seis  de  Ag.  °  de  seis  centos  e 
setenta  annos:  Seb.í""  da  gama  lobo  o  fes  escreuer. 

Princepe 
IT.T.  —  Chancelaria  de  D.  Afonso  VI,  1.  29,  fl.  i53). 


MATRICULA  E  FREQUÊNCIA  UNIVERSITÁRIAS  DE  THOMAS  DE  AQUINO  GARGIA  DE  MASCARENHAS, 
FILHO  DO  POETA  BRÁS 

(Anno  lectivo  de  i6j2-i6y3) 

MATRÍCULA  NO  CURSO  DE  INSTITUTA 

^  Thomas   gracia  M.as  f.o   Je  Brás  gracia  M.as  do  V.a  de  Auo  consertidão   do 
p.ro  dSiTO 

Thomas  Garcia  MAsq. 
Thomas  Garcia  iMAsq.  Thomas  Garcia  MAsq. ' 

(A.U.  —  Matriculas,  vol.  16.  1.  3."  (1672-73),  fl.  109  v."). 

*  Estas  três  assinaturas  correspondem  âs  três  épocas  do  ano,  em  que  os  alunos  eram  obrigados  a 
ir  assinar  o  termo  de  matrícula,  para  assim  provarem  a  sua  residência  em  Coimbra. 


(■]4)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Frequência 

^Thomas  gracia  Mascarenhas  de  auóo 

prouou  cursar  com  sertidáo  do  pfo  dSbro  de  672  ate  fim  de  Mayo  de  678 
4  enstituta  t^s  Ant."  frasão  e  Fr.co  de  serq.ra—  João  Corrêa  da  Sylua  o  fiz. 
O  G.o« 
Fr.co  Cerq.Ra  António  Frazão 

%  O  Mesmo  Thomas  gracia  Mascarenhas  de  auoo 

prouou  Resedir  aos  bb.  os  meses  de  Junho  e  Julho  de  673.  t.^s  Roque  Rib.° 
E  M^i  Alz' — João  Corrêa  da  Silua  fiz. 
O  G.o« 
Roque  Rib.Ro  de  Aureu  M.el  Alz'  Bramdão 

{\.V.  —  Proi>as  de  curso,  vol,  37,  1.  i.°  (1672-73).  fl.  223  v."). 

Cl 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  BRÁS   GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DO  POETA 

faS  novembro  i6j3) 

Em  os  uinte  e  sinco  de  nouembro  de  678  anos  faleseu  bras  grasia  marquare- 

nhas  moso  solteiro  não  fez  testam. t"  de  q  fiz  este  termo  q  asinei  dia  mes  era  ut 

supra. 

Luís  Velho  Miranda 

(Cota  tnarginal) 

Officios      1    I    I 

I    I    I 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avó,  1-  i,  cad.  3.°,  fl.  123). 

CII 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  THOMAS  DE  AQUINO  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DO  POETA 

fg  abril  i6j4) 

Em  OS  noue  de  Abril  Da  era  674  Annos  faleseu  tomas  grasia  mascarenhas  ca- 
sado q  era  em  Coimbra  teue  todos  os  sacram.tos  e  por  uerdade  pasei  esta  q  asinei 
dia  mes  era  ut  supra. 


(Cota  marginal) 
fes  hu  oficio  os  mais 
em  Coimbra. 


Luís  Velho  de  Miranda 


[CS.  —  Regislo  paroquia!  de  Avô,  1.  i,  cad.  3."  fl.  124). 


'Documentos  (75) 

cm 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  D.  MARIA  DE  MASCARENHAS,  FU.HA  DO  POETA 

(20  julho  167  5) 

Aos  20'  de  julho  de  1675  Annos  faleseu  M.a  mascarenhas  desta  villa  resebeu 
todos  os  sacram.tos  não  fcs  testam.'»  e  por  uerdade  fis  esta  lembransa. 

Miranda 
(Cota  marginal) 
Ofisos 
feittos 


((,.%.  — Registo  paroquial  de  Avô,  1.  i,  cad.  3.»,  (1.  124  v."). 

CIV 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  D.  ISABEL  DA  FONSECA  DE  MASCARENHAS,  FILHA  DO  POETA 

(8  janeiro  i6-]6) 
Era  de  1676 

Em  OS  oito  dias  do  mes  de  janeii'o  era  asima  faleseu  isabel  da  fonsequa  mas- 
carenhas fes  testam.'"  esta  en  terada  nesta  ig."  e  por  uerdade  fis  esta  lenbransa 
dia  mes  era  ut  supra. 

(Cota  marginal) 
Ofícios 
feitos 


Miranda 

(C%.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  \.  i,cad.3.<>,  fl.  I25). 

cv 

alvará  do  PRÍNCEPE  REGENTE  D.  PEDRO, 

PROVENDO  O  LOCAR  DE  ESCRIVÃO  DAS  CISAS  GERAIS  E  PANOS  DE  AVÔ, 

VAGO  POR  TER  FALECIDO  SEM  DESCENDÊNCIA  D.  ISABEL  DA  FONSECA  DE  MASCARENHAS, 

FILHA   DO  POETA 

(in  julho  l6-]6) 

Dom  Pedro  etc.  faco  saber  aos  q  esta  minha  carta  virem  q  tendo  resp.'»  a 
estar  vago  of.»  de  escriuão  das  sisas  geraes  e  panos  da  V.a  davó  por  falecim.to  de 
D.  Izabel  Mascarenhas  a  quem  não  ficarão  f.os  como  constou  por  jnformação  do 
Prou.oi"  da  Com.a  da  Ci.dc  da  guarda  e  cofiar  eu  de  fran.co  do  couto  frz.  q  níquillo 
em  q  o  emcarregar  me  seruira  bem  e  fiehn.ie  como  cumpre   a  meu  seruiso...  hej 


I  O  vigário  Luís  Velho  de  Miranda,  ao  exarar  o  assento,  deixou  um  espaço  em  branco  paia  depois 
acrescentar  o  dia  do  falecimento.  O  número  20  foi  depois  escrito  por  mão  diferente. 


(•j6)  ^rás  Garcia  de  oMascarenhas 

por  bem  faser  lhe  m.«  da  propi.de  do  d.»  oíT.o  o  qual  terá  e  seruira  emq.ío  eu  ouuer 
por  bem  e  não  m.dar  o  contr.o  con  declaração  q  hauendo  de  lho  tirar  ou  estinguir 
em  algú  tempo  por  qual  cazo  q  seia  minha  faz."  lhe  não  ficara  por  isso  obrigada  a 
satisfação  algúa  co  o  qual  off.o  hauera  de  mantim.to  a  elle  ordenado  em  cada  hú 
anno  1200  q  he  o  mesmo  que  tinhão  e  auião  as  mães  pessoas  q  antes  delle  o  sir- 
uião  q  lhe  erão  pagos  a  custa  dos  rend.os  das  áfi^  sisas  q.do  forem  arend.as  e  q.d" 
não  a  custa  de  minha  faz.a  e  todos  os  proes  e  precalsos  q  dir.iam.te  lhe  pertenserem. 
Pello  q  m.do  a  uos  prou  or  da  com. a  da  d.a  ci.de  lhe  deis  a  posse  do  d.o  of.o  e  lho 
deixeis  siruir  e  delle  uzar  e  auer  o  d."  ordenado  proes  e  precalsos  como  d."  he 
dando  lhe  prim.ro  juram.'»  dos  santos  avang.os  q  bem  e  uerdadeiram.te  o  sirua 
guardado  em  tudo  meu  seruiso  e  as  p.t«  seu  dir.t"  de  q  se  fará  asento  nas  costas 
desta  q  se  conprira  tão  intr.am.te  como  nella  se  contem  e  não  pagou  nouos  dir.fs 
por  ser  hu  dos  cau.os  do  despelo  de  tangere  como  se  uio  por  certidão  dos  ofif."  da 
Chr.a  que  foi  roto  ao  assinar  desta  minha  Carta  q  por  firmesa  de  tudo  lhe  m.dei 
dar  ao  d.to  fran.co  do  couto  sellada  cõ  o  meu  sello  pemdente.  o  Prinsepe  nosso  snõr 
o  mandou  pello  Conde  de  villar  major  do  seu  cons.»  gentilhomen  da  sua  cam.a 
vedor  de  sua  faz.a  M.ei  da  Silua  pinh."  a  fis  em  Ix.a  a  dez  de  julho  de  1676  SeB.ão 

da  gama  lobo  a  fis  escreuer. 

O  Conde  de  Vii.lar  Major 
P.»  Marchão  Themudo 
(T.T.  —  Chancelaria  de  D.  Afonso  VI,  1.  42,  fl.  362  v.°). 

CVI 

assento  do  casamento  de  d.  QUITÉRIA  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHA  DO  POETA 

(II  fevereiro  i6~j) 

Aos  onze  dias  do  mes  de  feu.fo  de  mil  e  seis  centos  e  setenta  e  sete  annos  em 
presença  de  mim  o  p.e  cura  abaixo  asinado,  e  de  Miguel  Marques,  e  de  sua  m." 
Maria  Brandoa,  e  de  João  pegado  e  de  sua  m.er  e  de  outras  pesoas  se  Receberão 
Manoel  gracia  mascarenhas  e  Qiteria  gracia  mascarenhas  moradores  na  villa  de 
Avô,  por  húa  ordem  q  me  mostrarão  do  Sr.  Bispo  p.a  q  em  minha  presença  se 
pudesem  receber  de  q  fiz  este  asento  q  asinei  dia  e  era  ut  supra. 

O  P.e  Mel  da  Costa  Botelho 

(CS.  —  Registo  paroquia!  de  Gali\es,  1.  i,  cad.  2.0,  fl.  102  v."). 

CVIl 

escritura  de  instituição  dum  vínculo 

PELAS  DUAS  ÚNICAS  IRMÁS  DO  POETA  SOBREVIVAS  AO  TEMPO, 

COM  REVOGAÇÃO  DE  SEMELHANTE  ESCRITURA  ANTERIOR,  DE  3o  DE  DEZEMBRO  DE    i65q, 

DEVENDO  ESTE  VINCULO  SER  POSSUÍDO  E  ADMINISTRADO 

POR    QUITÉRIA    GARCIA    DE    MASCARENHAS,    FILHA    DE   BRÁS, 

E  POR  SEUS  DESCENDENTES  LEGÍTIMOS 

(2-^  janeiro  1681J 

Saibam  quantos  este  publico  Instrumento  de  Instituição  perpetum  fidei  co 
misso,  ou  como  em  Direito  melhor  lugar  haja,  virem  que  no  Anno  do  Nascimento 


1>ocwttetítos  ('/']) 

de  nosso  Senhor  Jezus  Christo  de  mil  e  seis  centos  oitenta  e  hum,  sendo  em  os  vinte 
e  sete  dias  do  mez  de  Janeiro  do  dito  anno  em  esta  villa  de  Avo  casas  e  muradas 
de  Isabel  Garcia  e  Antónia  Garcia  muradores  em  a  dita  villa  que  hé  correição  da 
cidade  da  Guarda,  e  pessoas  conhecidas  de  mim  Taballiam  e  por  elles  e  por  cada 
hum  delles  foi  dito  perante  mim  Taballiam  e  das  testemunhas  ao  diente  nomeadas 
e  asignadas  que  que  elles  ambos  juntos  com  sseus  Irmaons  Manoel  Garcia,  e  Ma- 
thias  Garcia  e  Pantellião  Garcia  e  Anna  Monteira  e  Maria  Garcia  tinhaõ  feito  hum 
testamento,  e  Doaçam  de  mam  comum  em  o  qual  avinculavaõ  todos  seus  bens  em 
dois  vincules  e  que  por  morte  do  ultimo  que  delles  ficasse  testador  e  Duadores 
sucederia  em  hum  dos  vínculos  os  filhos  de  Brás  Garcia  Mascaranhas  e  ssua  Irmaã' 
murador  que  foi  nesta  uilla  de  Auô;  e  no  outro  vinculo  sucederiaõ  nos  filhos  de 
Felliciana  Monteira  morador  em  Anadia,  e  porque  estas  Instituiçoens  foram  feitas 
por  via  de  testamento  e  ella  dita  Antónia  Garcia  e  Isabel  Garcia  podiaó  revogar 
a  dita  Instituição  e  testamento  e  o  podem  todas  aveses  que  o  quiserem  revogar  e  for 
sua  vontade  como  também  a  podiaó  revogar  se  fora  feita  por  Doacçaõ  porquanto 
naõ  foi  aceita  pelas  partes  nem  por  Taballião  que  fez  a  dita  Instituição,  ou  por 
outra  alguma  pessoa  que  tivesse  direito  poder  para  o  aceitar  digo  para  o  poder 
aceitar  em  nome  das  ditas  partes,  e  para  discargos  de  ssuas  consciências  e  de  suas 
próprias  e  livres  vontades  no  que  toca  as  suas  partes  de  todos  os  seus  bens  revo- 
gavaõ  a  dita  Instituiçam  na  melhor  forma  que  haja  lugar  e  em  dereito  ser  possa 
de  sser  fasiaõ  de  novo  nova  Instituição  de  vinculo  e  perpeto  fidei  comisso  por  Doação 
entre  vivos  valledoru  na  forma  e  maneira  seguinte=Diceraõ  elles  ditos  Isabel  Garcia 
e  Antónia  Garcia  maiores  de  vinte  e  sinco  annos  pessoas  que  Eu  Taballião  reco- 
nheço que  ellas  em  nome  da  Santíssima  Trindade  Padre  filho  e  Espirito  Santo  três 
pessoas  e  hum  so  Deos  verdadeiro  em  cuja  tVé  protestavam  viver  e  morrer  assim 
como  o  tem  e  dependem  ^  a  Santa  Madre  Igreja  de  Roma  e  seja  notório  a  todos  que 
este  Instrumento  virem  que  estando  ellas  sobre  ditas  duas  Irmans  de  Pay  e  May 
naturais  e  por  naõ  terem  Erdeiros  forçados  dispunhaõ  dos  seus  bens  na  forma  se- 
guinte =  Primeiramente  diceram  que  reservavam  para  si  de  todos  os  seus  bens  os 
uzos  e  frutos  que  ao  presente  avinculaváo  a  este  Morgado  em  ssuas  vidas  a  dez  mil 
reis  para  cada  huma  para  delles  poder  testar  e  que  nomeavam  por  admenistrador  do 
dito  vinculo  e  perpeto  fidei  comisso  por  morte  da  ultima  que  ficar  a  Quitéria  Gar- 
cia Mascaranhas  sua  sobrinha  filha  de  Brás  Garcia  Mascaranhas  seu  Irmaõ  e  mulher 
de  seu  sobrinho  Manoel  Garcia  Mascaranhas  muradores  em  esta  villa  de  Avó,  e  por 
morte  delia  administradora  sucederá  em  ella  seu  filho  varaõ  mais  velho,  e  dahi  por 
diante  hira  correndo  a  dita  sucessão  na  forma  que  sucedem  os  mais  Morgados, 
e  bens  avincuUados  perferindosse  sempre  os  machos  as  femias,  e  andara  sempre 
na  famillia,  e  Jeracaõ  delias  Isabel  Garcia,  e  Antónia  Garcia  para  consservacam  e 
memoria  de  geracam  delias  Isabel  Garcia,  e  Antónia  Garcia  e  os  ditos  bens  andarão 
sempre  avincuUados  comjuntos  e  sem  se  poderem  alienar  nem  vender  somente  se 
poderão  trocar  com  condição  que  sempre  o  dito  Morgado  fique  melhorado,  e  não 
peiorado  com  a  dita  troca,  mas  que  naõ  poderá  ser  vendido,  qualquer  peça  delle 
por  via  alguma  e  que  naõ  sucederá,  este  vinculo  por  pessoa  fidei  comisso  senam  os 
filhos  de  legitimo  matrimonio,  e  declararão  ellas  Isabel  Garcia  e  Antónia  Garcia  que 
neste  vinculo  Frades  nem  clérigos  havendo  filhos  legítimos  de  legitimo  matrimonio 


1  Aliás  %eu  Irmão.  —  2  Aliás  defende. 


Í'j8)  'Brás  Garcia  de  óMascarenhas 

nem  fosse  digo  matrimonio  nem  sucederão  Judeos  nem  Mouros,  nem  outras  qual- 
quer pessoas  de  enfeta  Naçaõ  nem  os  que  sucederem  em  este  vinculo  poderão  casar 
com  pessoa  da  sobredita  raça,  e  fazendo  o  contrario  perderão  o  dito  vinculo  e  pas- 
sará a  pessoa  que  por  direito  havia  de  passar  por  ssua  morte,  e  sendo  caso  que  alguns 
dos  sucessores  deste  cometam  algum  crime  por  donde  seus  bens  hajam  desser 
confiscados  passará  logo  ao  futuro  sucessor  por  que  as  suas  vontades  delia  Isabel 
Garcia  e  Antónia  Garcia  he  averemno  por  excluído  dois  dias  antes  de  cometerem 
o  tal  crime,  e  serem  os  ditos  seus  sobrinhos  primeiro  nomeados  como  as  mais  pes- 
soas que  suscederem  em  o  dito  vinculo,  e  lhe  mandarão  diser  pelas  almas  sobre- 
ditas Isabel  Garcia  e  Antónia  Garcia  como  desseus  Irmaons,  e  Irmans  ja  defuntos 
sincoenta  Missas  cada  hum  anno  em  quanto  o  Mundo  durar  em  assua  Capella  que 
he  da  invocassaõ  de  Sam  José  sita  em  o  Comvento  de  Santa  Cruz  do  Bussaco,  e 
aonde  tem  sua  sepultura;  e  outro  sim  diceraó  ellas  sobreditas  Izabel  Garcia,  e  An- 
tónia Garcia  que  os  sucessores  do  dito  Morgado  traram  os  bens  melhorados  e  não 
peiorados;  e  por  estar  presente  a  dita  Quitéria  Garcia  de  Mascaranhas,  e  sseu  Marido 
Manoel  Garcia  de  Mascaranhas  foi  dito  que  aceitavaõ  o  vinculo  asima  na  forma  dita 
por  si,  e  em  nome  de  sseus  filhos  prezentes,  e  mais  futuros  sucessores  do  dito  Mor- 
gado a  quem  aceitação  do  dito  Morgado  tocasse  e  aceitavam  na  melhor  forma  que 
em  direito  podiam  e  lugar  ouvesse,  e  declararão  ellas  Izabel  Garcia,  e  Antónia  Gar- 
cia que  logo  ademetiam  todo  o  domínio  que  tinhaó  nos  ditos  bens  e  toda  a  posse 
actual,  e  corporal  para  que  os  ditos  seus  sobrinhos  primeiro  nomeados  neste  vin- 
culo possam  tomar  por  si,  ou  por  autoridade  de  Justiça  qual  mais  quiserem  posse 
e  que  em  quanto  a  naõ  tomarem  se  constituiaõ  por  suas  simples  Colonas  e  Inclinas, 
por  quanto  para  sim  só  transferiaõ  todo  o  domínio  e  posse  que  tinhaó  em  os  ditos 
bens ;  E  declararão  ellas  mais  ditas  Izabel  Garcia,  e  Antónia  Garcia  que  quando 
fizeraõ  a  primeira  Instituição  com  os  ditos  seus  Irmaons  Manoel  Garcia  Mathias 
Garcia  Pantellíaó  Garcia  e  Anna  Monteíra  e  Maria  Garcia  ja  defuntos  fizeraó  a  dita 
nomeação  filha  de  sua  Irmãa  Fellíciana  Monteíra  foi  com  a  condição  que  ella  no- 
meada havia  de  pagar  toda  a  dívida  que  seu  Pay  Marcos  Garcia  devia  a  seus  filhos 
digo  a  seus  thíos  absentes  d'Anadia,  e  por  quanto  naõ  cumprirão  a  dita  condiçam  mas 
antes  os  avexaram  e  executarão  por  cento  e  setenta  mil  reis,  ou  mais  na  melhor 
forma  que  em  direito  melhor  lugar  tiver,  e  possa  ser  revogavaõ  também  a  dita  Ins- 
tituição nos  que  podíaõ  acontecer  dos  ditos  seus  Irmaons  Manoel  Garcia  Pantellíaó 
Garcia  Mathias  Garcia,  e  Anna  Monteíra  ja  defuntos  e  todos  anexavaõ  a  esta  nova 
Instituição  e  os  anexavaõ  pela  qual  haõ  por  revogada  a  primeira  e  só  esta  querem 
que  valha  na  melhor  forma  que  em  Direito  haja  lugar  com  as  condicoens  asima 
recontadas  e  ao  todo  cumprirem  em  Juiso  e  fora  delle  ao  que  obrigaram  suas  pes- 
soas e  bens  e  de  tudo  mandarão  fazer  este  publico  Instrumento  na  nota  de  mim  Ta- 
ballíam  como  pessoa  publica  stipuUante  e  aceitante  Estípullei,  e  aceitei  era  nome 
de  quem  tocar  aceitação  dos  bens  do  dito  Morgado  aquém  tocar;  E  outro  sim  di- 
ceraó e  declararão  que  os  bens  que  nomeavam  e  avínculavão,  e  obrigavam  a  esta  Ca- 
pela ou  Morgado  ou  como  em  Direito  melhor  se  deva  chamar  e  lugar  haja  heraõ 
os  seguintes  =  Porquanto  nas  Instituiçoens  que  tinhaó  feito  os  naõ  tinhaó  no- 
meados— primeiramente,  as  cazas  em  que  vivem  que  partem  com  João  Gomes  Bo- 
telho e  Rua  publica,  —  E  assim  mais  outras  cazas  que  tem  e  parte  defronte  das  em 
que  vivem  que  partem  com  Manoel  Garcia  Madeira  com  sseu  quintal,  e  com  Damá- 
sio Madeira  deVíseu — E  assim  mais  hum  cham  pumarque  tem  defronte  das  nossas 


'Documentos  (jg) 

casas  que  parte  com  João  Gomes  Botelho,  e  Maria  Madeira  da  Costa,  e  caminho 
que  vae  para  a  fonte  dos  piolhos  —  E  assim  mais  huma  orta  que  está  por  baixo  da 
ponte  nova  a  porta  de  Sam  Braz  que  parte  com  o  Rio  Alva  e  casal  de  António  Fran- 
cisco— E  assim  mais  um  soito  que  está  a  fonte  dos  piolhos  que  parte  comigo  Tabal- 
liaõ,  e  com  António  Francisco  Thomé  Chicharro  de  Villa  pouca — E  assim  mais  outro 
soito  que  esta  por  sima  da  fonte  que  parte  comigo  Tabailiaõ  onde  chamaõ  ao  co- 
vam,  e  com  Maria  Madeira  da  Costa,  e  com  João  Gomes  Botelho — E  assim  mais  outro 
soito  que  está  aonde  chamaõ  as  Moutas  que  parte  com  Passais  da  Igreja  desta  villa, 
e  com  o  Rio  Alva  e  com  Erdeiros  de  Joaõ  Rodrigues  de  Moomenta — E  assim  mais 
outro  soito  que  está  aonde  chamaõ  ao  Sarrilho  que  parte  com  os  Erdeiros  de  Ma- 
noel Luis  Guerra  e  com  António  Matheus  —  E  assim  mais  outro  soito  que  está 
aonde  chamaõ  a  Filgueira  que  parte  com  Maria  Madeira  da  Costa,  e  com  Erdeiros 
de  Manoel  Alves  Ferreiro — E  assim  mais  outro  soito  que  está  aonde  chamaõ  as 
Infestas  com  ssuas  terras  que  partem  com  Manoel  de  Brito  Barreto  de  Pomares  e 
António  Afonsso  —  E  assim  mais  hum  soito  que  está  aonde  chamaõ  ope  deira  que 
parte  com  António  de  Moraes  e  António  Nunes  do  fundo  do  lugar  de  Aldeia  —  E 
assim  mais  hum  soito  ao  Porto  do  Mosteiro  que  parte  com  Domint;os  Antunes 
desta  villa  e  caminho  que  vae  para  a  Aldeã  —  Mais  hum  olival  que  está  aonde  cha- 
maõ avajum  que  parte  com  Erdeiros  de  Isabel  da  Fonsseca  e  Matheus  Fernandes 
desta  villa  —  E  assim  mais  outro  digo  mais  nove  oliveiras  que  estam  no  Tapado  de 
nossa  Senhora  do  Rosário  aonde  chamaõ  a  do  Pereiro  —  Mais  hum  olival  tapado 
sobre  sim  que  está  onde  chamaõ  a  do  Pereiro  que  parte  com  Erdeiros  de  Isabel  da 
Fonsseca,  e  olival  da  Confraria  do  Senhor  desta  villa  —  Mais  hum  olival  que  está 
aonde  chamaõ  a  Siseira  que  parte  com  António  da  Costa  desta  villa  e  com  Manoel 
de  Brito  Barreto  de  Pomares  —  Mais  hum  olival  a  de  Marianes  no  mesmo  sitio  que 
parte  com  Erdeiros  de  Joaõ  Rodrigues  de  Moumenta  e  Manoel  de  Brito  de  Poma- 
res— Mais  hum  olival  as  quelhas  que  parte  com  Erdeiros  de  Pedro  Gomes  e  Erdeiros 
de  Domingos  Antunes  —  Mais  sinco  oliveiras  aos  Mullatos  que  partem  com  Maria 
Madeira  da  Costa  e  com  João  Dias  de  Asanha — Mais  hum  olival  ao  porto  das  Noivas 
que  parte  com  António  Dias  Madeira  e  passal  da  Igreja  —  Mais  hum  cham  aonde 
chamaõ  ao  Cabreiro  que  parte  com  António  Francisco,  e  Erdeiros  de  Joaõ  Rodri- 
gues de  Momenta  —  Mais  hum  cham  aonde  chamaõ  aos  chapeleiros  a  do  carvam 
com  outro  pedaço  de  cham  que  esta  por  sima  do  caminho  que  vae  para  o  cabreiro 
pegado  ao  sobredito  que  partem  com  Manoel  Barata  de  Gois  e  com  o  Doutor;  Pedro 
Madeira- — Mais  hum  Tapado  aonde  chamaõ  a  Santo  André  com  ssuas  terras  de  fora 
que  partem  com  o  caminho  que  vae  para  Santa  oVaija,  e  Damazio  Madeira  de  Viseu 
Mais  huma  orta  tapada  com  suas  terras  de  fora  que  está  ao  Loureiro  que  parte 
com  Manoel  Madeira  desta  villa,  e  com  Fellipe  Madeira  de  villa  pouca— Mais  hum 
Tapado  aonde  chamaõ  a  Barranha  que  parte  com  Erdeiros  de  Joaõ  Rodrigues  de 
Moumenta  e  Miguel  Nunes  Ribeiro  desta  villa — Mais  humas  terras  que  estaõ  aonde 
chamaõ  a  dona  Maria  que  partem  com  Erdeiros  de  António  do  Abrantes  de  Aldeã  e 
caminho  que  vae  para  o  dito  Lugar  —  Mais  hum  tapado  aonde  chamaõ  a  Portella 
que  parte  com  Manoel  Lopes  desta  villa,  e  Joaõ  Alves  de  villa  cova — Mais  humas 
terras  a  Matosa  que  partem  com  António  Alves  desta  villa,  e  com  Francisco  Fer- 
nandes Tareco — Mais  hum  Forno  com  ssua  caza  junta  que  está  nesta  villa  que  parte 
com  Erdeiros  de  Joaõ  Alves  e  Praça  publica — Mais  hum  carvalhal  que  esta  aonde 
chamaõ  a  Larangeira  que  parte  com  Manoel  Madeira,  e  Joaõ  Gomes  Botelho,  e 


(8o)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

Erdeiros  de  Braz  Garcia  Mascaranhas — E  assim  mais  huma  orta  com  suas  terras  de 
fora  aonde  chamaõ  ao  Casal  que  partem  com  Manoel  Garcia  Madeira  e  Maria  Ma- 
deira da  Costa.  ^  Os  quaes  bens  asima  nomeados  e  declarados  e  Comfrontados  estaõ 
no  limite  desta  dita  villa  e  diceram  serem  se  digo  e  diceraõ  heraõ  seus  livres  sem 
foro  ou  senssus,  sem  encargo  algum  o  vinculavaõ  ao  Morgado  digo  algum  ónus 
o  vinculavaõ  ao  Morgado  asima  com  a  obrigação  declarada  e  sollemnidades  em  Di- 
reito necessárias,  e  requesitos,  e  que  alguma  fazenda  que  ao  presente  naó  especifi- 
caõ  nem  fazem  menssaõ  delia  em  esta  Epoteca,  he  que  a  deixaõ  de  fora  para  delia 
poderem  testar  na  condicçaõ  declarada  dos  dez  mil  reis  a  cumprimento  de  ssuas 
almas,  e  que  crescendo  alguns  dos  bens  de  que  ao  presente  naõ  fazem  menssaõ, 
por  seus  fallescimentos  pagos  os  Legados  pios  o  que  acrescer  se  acumulle  a  este 
Morgado;  E  por  de  tudo  serem  contentes  assim  o  quezeraõ  e  outorgarão,  ouvirão  ler 
e  por  ellas  asignaraõ  Manoel  Garcia  Madeira  o  qual  asignou  a  rogo  de  Isabel  Gar- 
cia, e  Domingos  Pinto  Ribeiro  de  Pomares  que  asignou  a  rogo  de  Antónia  Garcia, 
e  Simão  Madeira  da  Costa  que  asignou  arogo  da  dita  Quitéria  Garcia  como  aceita- 
vam, de  que  foram  mais  testemunhas  a  tudo  prezíntes,  Manoel  da  Costa  e  Gaspar 
Garcia  todos  desta  villa,  e  Eu  Alexandre  de  Figueiredo  Jacome  publico  Taballião 
oEscrevi. 

Domingos  Pinto  Ribeiro 

Manoel  da  Costa 

Manoel  Garcia  Madeira 

Simão  Madeira  da  Costa 

(Duma  certidão  passada  a  24  set.  1824  por  José  da  Costa  de  Carvalho  e  Lemos,  escrivão  proprie- 
tário dum  dos  ofícios  da  Correição  e  clianceler  da  comarca  de  Viseu.  —  Pertence  ao  sr.  António  da 
Costa  Mesquita,  de  Avô). 


CVIII 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  MANUEL  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  GENRO  DO  POETA 

(18  agosto  1686) 

Em  dezouto  de  Agosto  da  era  de  mil  e  seis  centos  e  outenta  e  seis  annos  fa- 
leceo  manoel  gracia  mascarenhas  desta  villa  jas  sepultado  dentro  desta  igr.a  e  por 
verdade  fiz  este  assento  era  ut  suprí7. 

Luís  Velho  de  Miranda 

(Cota  marginal) 
officios  feitos 

(CS.  —  Registo  paroquia!  de  Avô,  I.  i,  cad.  3.,  fl.  i3i). 


T>()ciimentus  (Si) 

CIX 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  ANTÓNIA  GARCIA,  IRMA  DO  POETA 

(II  setembro  1686) 

Em  onze  de  setembro  da  era  de  mil  e  seis  centos  e  outenta  e  seis  faleceo 
Ant.a  gracia  mosa  soltr.'  '  desta  uilla  foj  sepultada  dentro  desta  Igr.a  iunto  ao  altar 
da  sr.a  da  piedade  e  por  uerdade  fis  este  asento,  era  ut  sup'. 

Luís  Velho  de  Miranda 

(CS.  Registo  paroquial  de  Avô,  1.  1,  cad.  3.°,  fl.  i3i  v."). 

cx 

assento  do  óbito  de  ISABEL  GARCIA,  IRMA  DO  POETA 

(11  setembro  i686j 

Em  onze  de  setembro  da  era  de  mil  e  seis  centos  e  outenta  e  seis  annos  fa- 
leceo Isabel  gracia  mosasoltr.'^  desta  villa  jas  sepultada  dentro  desta  Igr.a  junto  ao 
Altar  da  sr.a  da  piedade,  e  por  uerdade  fis  este  asento,  era  ut  sup' 

Luís  Velho  de  Miranda 

(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  I.  i,  cad.  3.°,  fl.  i3i  v.»). 

CXI 

ASSENTO  DO  ÓBITO  DE  D.  QUITÉRIA  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHA  DO  POETA 

(i3  abril  i6go) 

Quitéria  Garcia  Mascarenhas  desta  uilla  faleceo  ab  intestada  aos  treze  dias  de 
abril  de  seiscentos  e  nouenta  annos  ias  sepultada  dentro  da  igr.a  ao  pe  da  porta 
traves  da  porta  do  norte  de  q  fiz  este  termo  q  assinei  hera  ut  supra. 

O  p.«  Affonso  RÍz  Aluarez 
(CS.  —  Registo  paroquial  de  Avô,  1.  1 ,  cad.  3.°,  fl.  i38  v.'). 


1  Não  se  estranhe  que  seja  denominada  wóca  uma  dama  de  78  anos  de  idade  como  Antónia  Gar- 
cia,  ou  de  81  como  sua  irmã  Isabel  Garcia,  de  quem  fala  o  documento  CX.  E:ntre  os  variados  sentidos 
êm  que  se  empregava  nos  documentos  antigos  a  palavra  moça,  não  liá,  por  vezes,  referencia  à  idade, 
mas  à  condição,  ao  estado  e  á  reputação.  Assim  encontramos  designadas  mulheres  que  por  serem  soltei- 
ras, e  gozarem  boa  reputação  de  honestidade,  se  consideravam  virgens  ou  donzelas.  E  íste  o  caso  pre- 
sente. 

"SVid.  nota  precedente. 


(82)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


CXII 

NOTAS  BIOGRÁFICAS  SOBRE  BRÁS  GARCIA  PELO  SEU  AFIM  BENTO  MADEIRA  DE  CASTRO, 
PUBLICADAS  Á  FRENTE  DA  PRIMEIRA  EDIÇÃO  DO  VIRIATO  TRÁGICO 

O  699) 

BREVE  RESUMO 

DA  VIDA  DE 

BRÁS  GARCIA  MASCARENHAS 

AUTHOR  DESTE  POEMA 

A  Pátria,  q  nos  deu  este  Homero  Poituguez^  he  a  nobre,  &  antiga  Villa  de  Avó 
não  longe  da  Serra  de  Estrella  na  Provincia  da  Beyra,  Bispado  de  Coimbra,  emno- 
brecida  cõ  hum  Castello,  &  duas  Pontes  fabrica  primorosa  do  Senhor  Rey  D.  Diniz: 
he  retalhada  de  dous  rios  o  Alva,  &  o  Rio  de  Pomares,  como  a  ambos  chama 
Abraham  Ortelio  em  suas  taboas  geográficas,  &  muyto  mimosa  de  excellentes 
frutas.  Aqui  a  3.  de  Fevereyro  na  era  de  ligõ.  nasceo  Brás  Garcia  Mascarenhas, 
seu  pay  se  chamava  Marcos  Garcia  ;  —  &  sua  Mãy  Helena  Vladeyra  —  gente  nobre, 
&  da  principal  da  terra.  Passada  a  infância,  &  puericia,  em  companhia  de  outros 
seus  Irmãos,  que  estudavaó  tomou  algúas  noticias  da  lingoa  Latina,  que  ao  depois 
soube  com  perfeição  por  sua  muyta,  &  natural  curiosidade,  &  prompto  engenho, 
que  certo  foy  muyto  particular,  &  pêra  tudo  universal.  Vindo  a  Coimbra  assistir  a 
hOas  festas  celebradas  no  terreyro  de  Sãosam  por  correspõdencias  com  húa  Dalila 
perdeo  a  liberdade  sendo  prezo  na  cadea  da  Portajem,  da  qual  depois  de  algils 
mezes  de  prizão  ao  recolher  de  hú  grande,  &  industrioso  presente  se  escapou  entre 
muyta  gente  deixando  mal  ferido  o  Carcereiro;  &  bem  montado  na  Ponte  por  não 
voltar  ao  Cativeiro  de  ambas  as  liberdades  se  passou  a  Madrid  Corte  de  Hespanha, 
&  também  nesse  tempo  de  Portugal;  &  passado  hú  anno  neste  Empório  do  mundo, 
enfadado  já  da  estancia,  ou  a  instancia  da  bolsa  se  partio,  &  se  embarcou  em  o 
porto  mais  vesinho  em  hum  Pata.\o,  que  fazia  viagem  a  Lisboa :  Apenas  se  tinhaõ 
feito  ao  largo  quando  deo  sobre  elles  húa  forçosa  Nao  de  Turcos,  &  pondo-se  em 
resistência  tão  desiguaes  no  partido  em  pouco  tempo  forão  mortos  quasi  todos,  & 
desforçado  o  Pataxo;  Eisque  antes  de  se  renderem  lhes  assoma  por  barlavento  húa 
poderosa  Fragata  de  Hereges  Cossarios,  à  vista  da  qual  fugirão  os  Turcos,  &  elles 
ficando  preza  dos  Hereges,  que  os  roubarão,  &  finalmente  expuzeraõ  em  húa  praia 
de  Itália :  Aqui  à  custa  de  suas  perigrinações  tomou  muytas  noticias  da  Itália, 
França,  &  Hespanha  pêra  onde  voltou  por  mar,  &  terra,  até  que  outra  vez  chegou 
à  sua  pátria  aonde  ainda  não  esquecerão  suas  juvenilidades,  &  não  se  dando  ainda 
por  seguro,  nem  cabendo  seu  animo  em  taõ  curtos  limites  se  passou  á  Cidade  do 
Porto,  &  deahi  ao  novo  mundo,  &  ambicioso  de  noticias,  &  gloria  militar  discorreo, 
naó  sem  naufrágios,  por  todo  o  Brasil,  &  ahi  por  espaço  de  nove  annos  militou 
contra  Olandeses  servindo  de  Alferes  reformado,  &  obrando  sempre  como  esfor- 
çado, &  ardiloso:  Porem  vencido  ja  do  amor  da  Pátria  pêra  se  achar  presente  á 
Restauração  do  Reyno  remeou  outra  vez  o  Oceano,  &  a  pezar  de  tormentas,  &  ini- 
migos tomou  Lisboa,  &  voltou  à  Pátria  aonde  ja  era  esquecido,  mas  logo  se  fez 
lembrar  rebatendo  húa  briga  em  que  ouve  mortos,  &  feridos  por  conservar  hum 
seu  Irmaõ  no  Priorado  de  Travanqua;  Porém  como  neste  comenos  se  levantasse  o 


i 


T>ucumetitos  (83) 

Reyno  reconhecendo  a  seu  legitimo  Rev  o  Senhor  D.  João  o  Restaurador,  teve 
occasião  com  esta  revolta  de  se  fazer  esquecido  ao  crime,  &  lembrado  na  guerra; 
por  quanto  ajuntou  húa  Companhia  de  mancebos  nobres,  &  lusidos  das  terras 
circunvesinhas,  que  levados  de  ambição  da  honra,  &  gloria  militar,  que  elle  lhes 
persuadia  espontaneamente  se  apresentarão  em  a  Praça  de  Pinhel,  &  o  tomarão 
por  seu  Capitão  como  experto,  &  practico  na  guerra,  &  com  tanto  esforço,  brio, 
&  generosidade  se  portarão  nas  emprezas,  que  por  abono  lhe  chamarão  a  Compa- 
nhia dos  Leoens,  como  ainda  hoje  testemunhão  esses  poucos,  que  ainda  vivem. 
Deste  posto  foi  assumpto  pêra  Governador  da  Praça  de  Alfayates  em  que  se  ouve 
com  muyto  acerto,  &  aceitação,  não  sem  utilidade  da  Praça,  que  fortificou  na 
forma,  que  hoje  permanece  eternisando-se  em  seus  mármores  por  Amphion  desta 
Thebas.  Mas  nesta  mayor  prosperidade  voltou  a  fortuna  a  roda,  &  cahio  no  antigo 
fado  sendo  a  causa,  que  entrando  pellas  nossas  terras  um  trosso  de  Cavallaria,  & 
Infantaria  Castelhana  depois  de  feitas  muytas  hostilidades  se  retiravão  carregados 
de  despojos,  &  com  mais  de  vinte  mil  cabeças  de  gados;  Chegou-Ihe  ordem  de 
Dom  Sancho  Manoel,  que  não  sahisse  da  Praça  pella  não  expor  a  perigo,  por 
quanto  logo  chegaria  com  socorro ;  &  no  mesmo  dia  chegou  recomendação  de 
Fernando  Telles  de  Meneses,  que  de  outra  parte  o  avizava  visse  se  podia  impedir 
o  passo  ao  inimigo ;  a  esta  segunda  ordem,  como  mais  gloriosa,  se  lhe  acomodou 
o  animo,  &  deixadas  algúas  Companhias  de  presidio,  sahio  com  duzentos  mosque- 
teiros, &  os  dispoz  de  emboscada  sobre  o  rio  Águeda  em  o  porto  de  S.  Martinho 
dividindo-os  em  dous  montes,  que  abrião  o  valle  por  donde  necessariamente  avião 
de  passar  os  Inimigos,  os  quais  sendo  ja  chegados  passarão  diante  todos  os  gados, 
&  entrados  ja  no  valle  lhes  sobrevierão  tais  cargas  de  mosquetaria,  que  se  derão 
por  obrigados  a  virar  as  costas  persuadidos  ser  muyto  numeroso  o  poder  contrario, 
&  deixando  muytos  mortos,  &  toda  a  preza  se  retirarão  fugitivos:  com  taõ  glorioso 
successo  se  voltou  o  nosso  Governador  triunfante  à  sua  Praça  de  Alfayates,  aonde 
logo  chegou  (como  prometera)  D.  Sancho  Manoel,  &  achando  jà  a  empreza  ven- 
cida, sentindo,  ou  a  perca  desta  gloria  em  que  também  hia  enteressado,  ou  naõ  se 
guardar  a  sua  ordem,  quando  o  Governador  se  saboreava  nas  esperanças  do  pre- 
mio, de  improviso  se  achou  prezo  na  Torre  do  Sabugal,  &  accusado  a  El  Rey  por 
falsario,  que  tinha  tratos  occultos  com  Castella,  allegando  por  fundamento  húa 
correspondência  urbana,  que  tinha  com  hum  seu  grande,  &  antigo  amigo  chamado 
vulgarmente  o  Maçacam  Governador  de  hQa  fortaleza  fronteyra;  nesta  prizão  soli- 
tária o  privarão  de  toda  a  communicação,  &  subtrahindolhe  pouco  a  pouco  o  man- 
timento, lhe  pretendiáo  abriviar  os  dias;  atèque  vendo-se  ja  desemparado  de  todo 
o  favor  humano  se  valeo  de  sua  industria  mandando  pedir  pello  seu  servente,  que 
ao  menos  lhe  mandassem  hú  livro  seu  ordinário  alivio,  jà  que  lhe  não  consentião 
o  devertimento  de  escrever,  &  juntamente  que  pêra  seus  achaques  lhe  mandassem 
farinha,  &  linhas,  &  tisoura  pêra  refazer  seus  vestidos :  logo  lhe  mandarão  hum 
Fios  Sanctorum  dizendo,  que  era  o  que  mais  lhe  servia  pêra  se  encomendar  a 
Deos,  &  com  o  livro  lhe  mandarão  as  mais  miudezas  que  pedia,  &  pegando  da  ti- 
soura foi  cortando  as  letras  húa  a  hua  as  que  lhe  servião  do  livro;  fez  cola  da  fa- 
rinha com  a  qual  unindo-as  com  niuyto  vagar,  &  industria  compaginou  húa  discreta 
carta  em  verso  muy  limado  pêra  o  Senhor  Rey  D.  João  o  IV,  em  que  relatava  sua 
prizão,  &  innocencia.  &  dependurando-a  pellas  linhas  da  muralha  no  escuro  da 
noute  falou  a  hum  soldado  da  guarda  seu  confidente,  que  a  entregasse  a  seu  Irmaõ 


(84) 


'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


pêra  que  logo  n  levasse  a  Lisboii,  como  succeJeo;  &  lendo  o  paternal  Rey  a  carta 
também  lançada,  despedio  logo  hum  decreto  em  q  ordenava  aparecesse  sem  demora 
em  Lisboa  Brás  Garcia  Mascarenhas.  Chegou  à  Corte  rodeado  de  guardas,  &  quando 
todos  agouravâo  final  sentença  a  sua  vida,  lhe  deu  o  piadosissimo  Rey  audiência 
affavel,  na  qual  de  tal  sorte  se  limou,  &  inteirou  o  seu  negocio,  que  sahio  despa- 
chado com  Abito  de  Avis,  &  boa  tença,  &  restituído  por  entre  tanto  ao  seu  Go- 
verno de  Alfayates.  Voltou  a  Lisboa  triunfando  da  inveja,  &  do  ódio,  &  repetida  a 
posse  do  seu  Governo  a  pezar  de  seus  emulos,  aconselhandose  consigo  se  retirou 
á  pátria,  assim  por  não  irritar  mais  a  impaciência  de  seus  adversos,  como  também 
pêra  lograr  algum  descanso  devido  a  sua  idade,  &  muytas  perigrinações  por  mar, 
&  terra  em  que  os  trabalhos  sempre  acompanharão  a  este  Hercules;  &  pêra  q  o 
ócio  fosse  divertido  o  fizerão  Superintendente  da  Cavallaria  da  Comarca  de  Es- 
gueyra,  que  rectamente  administrou.  Finalmente  ordenada  sua  familia  se  consagrou 
todo  às  Musas,  sendo  também  oráculo  nas  emprezas  de  seus  Comilitoens,  que  ve- 
neravão  seu  parecer  por  muyto  acertado,  &  em  especial  seus  grades  amigos  D.  Ro- 
drigo de  Castro  D.  Álvaro  de  Abranches,  que  alem  de  o  buscarem,  por  carta, 
quando  a  campanha  permitia  ferias,  afroixavão  o  arco  em  companhia,  &  casa 
deste  seu  prezado  amigo,  que  lustrosa,  &  amigavelmente  os  hospedava.  Aqui  in- 
stituio,  &  celebrou  có  versos  a  festa  das  40.  horas,  qhoje  logramos  em  Avò,  &  fes- 
tejou muytos  Santos  cõ  Comedias,  que  ainda  existem  pêra  credito  de  seu  engenho; 
mais  deu  a  luz  hú  Tomo  de  Sanctos,  &  Remanses  vários  dignos  de  áureos  Cara- 
cteres, que  da  sua  letra  hoje  existem;  sobre  tudo  suspira  nosso  affecto  por  \\\x 
Tomo,  que  cõpoz  quando  se  voltou  do  Brasil,  intitulado  Ausências  Brasílicas,  pois 
nesses  copiosos  cadernos,  que  durão,  nos  excita  as  saudades  do  que  quasi  gastou 
o  tempo,  &  o  descuido.  Finalmente  este  Tomo  de  Viriato  como  morgado  de  sua 
affeyção  tendo-o  composto  quando  milita\'a  o  pretendia  dar  à  estampa,  &  purificar, 
se  a  morte  lhe  não  atalhasse  os  intentos,  que  agora  em  parte  logramos  na  publi- 
cação deste  seu  volume.  Não  refiro  outras  particulares  poesias,  &  que  passando 
de  caminho  por  Coimbra  em  occasião  que  se  publicarão  prémios  aquém  melhor 
expressasse  o  sentimeto  Portuguez  na  morte  do  Senhor  Príncipe  D.  Duarte  de 
saudosa  memoria,  se  deteve  algum  tempo,  &  sahio  cõ  hiáa  nova  esquipação  de 
poema  vulgar,  que  de  todos  os  lados  se  lia  com  diversos  sentidos,  &  todos  certos 
na  medida,  &  animados  com  epigrama  ao  intento,  que  intitulou  —  Laberintho  do 
Sentimento  —  Pello  qual  poema  lhe  julgou,  sem  opposição  de  outro  aventureiro,  a 
Vniversidade  o  primeyro,  &  melhor  premio,  sendo  mayor  o  da  fama,  que  adquirio 
excedendo  os  raros  engenhos,  que  illustravão  esta  Athenas  Lusitana,  calificando-se 
por  não  menos  favorecido  de  Marthe,  que  mimoso  de  Apollo.  Finalmente  em  ma- 
dura, &  robusta  velhice  faltou  aos  dias  na  era  de  i656.  a  8.  de  Agosto  sem  faltar 
às  eternas  memorias,  que  seu  valor,  &  poemas  enthesourou  no  archivo  de  toda  a 
posteridade  mais  entendida,  q  desapaixonada  o  venera  immortalisado  em  suas 
Obras,  &  animado  em  seus  escriptos,  que  o  zelo  pátrio,  &  affinidade  propinqua 
agora  nos  dà  a  estampa  pêra  eterno  obelisco  do  Heroe  decantado,  &  credito  im- 
mortal  do  engenhoso  Author  desta  Lusiada  Viriatina. 


T>ociimL'ntos  (85) 

CXIII 

EXCERPTOS  DOS  DEPOIMENTOS  DE  ALGUMAS  TESTEMUNHAS 

NA  INQUIRIÇÃO  de  genere,  vila  et  moribus, 

PARA  A  ORDENAÇÃO  DE  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DE  D.   QUITÉRIA, 
E  NETO  DO  POETA 

(3  e  4  março  i~02) 

Em  OS  tres  dias  do  mes  de  Março  de  mil  sette  centos  e  dous  annos  nesta  villa 
de  Auo  e  na  capeilade  Santo  António  da  dita  villa  ahi  em  segredo  o  Reverendo 
Arcipreste  ',  comigo  escriuam  perguntou  as  testemunhas  que  pelo  Parocho  desta 
villa  foram  dadas  a  Rol  para  a  inquiriçam  de  genere  vita  &  moribus  do  ordinando 
Brás  garcia  Mascarenhas  natural  desta  villa  cuius  ditos  nomes  e  sobre  nomes  sam 
os  que  ao  diante  se  seguem  de  que  mandou  fazer  este  termo  de  asentada  que  asinou. 
Manoel  Godinho  da  Costa  escriuam  -  que  o  escreui. 

M.ei  Nunes  Marques 


Lourenço  Nunes  homem  casado  que  vive  de  sua  fazenda  natural  c  morador 
nesta  villa  testemunha  dado  a  rol  pello  Parocho. . . — Ao  segundo  disse  que  conhece 
ao  ordinando  Brás  garcia  Mascarenhas  natural  desta  villa  filho  legitimo  de  Manuel 
garcia  Mascarenhas  e  de  Domna  Quitéria  garcia  Mascarenhas  e  por  seu  filho  legi- 
timo esta  tido  e  havido  e  de  todos  geralmente  reputado  sem  cousa  em  contrario 
e  o  dito  seu  Paj  Manoel  garcia  Mascarenhas  nasceu  em  o  lugar  de  trauamca  de 
farinha  podre  e  sendo  menino  uejo  para  casa  de  suas  tias  e  aqui  se  criou,  e  a  dita 
Donna  Quitéria  garcia  he  natural  desta  villa  aos  quais  todos  conheceu  e  uiuiam  de 
sua  fazenda  e  eram  dos  principais  desta  villa  e  mais  nam  disse  a  este.  —Ao  terceiro 
disse  que  o  ordinando  é  netto  dos  Auos  que  nomeja  em  sua  petiçam  a  saber  pella 
parte  de  seu  Paj  e  netto  de  Mathias  garcia  natural  desta  villa  e  teue  o  Paj  do  or- 
dinando asistindo  em  trauanca  de  farinha  podre  sendo  ainda  leigo  e  dipois  se  or- 
denou e  fez  sacerdote  de  Missa  porem  nem  conheceu  a  molher  de  quem  o  teue, 
porem  por  seu  filho  foi  tido  e  hauido  e  reputado  de  todos  o  que  he  publico,  e  sabe 
por  uer  que  o  dito  Mathias  garcia  fazia  caso  dclle  e  o  criou  e  sempre  o  teue  em 
casa  de  suas  tias  Maria  garcia,  e  Isabel  garcia  Irmãs  do  dito  seu  Paj  e  por  morte 
lhe  deixaram  seus  bens  cre  que  he  seu  Auo  paterno  e  declarado  na  petição.  E  pella 
parte  Materna  he  o  ordinando  netto  de  Brás  garcia  Mascarenhas  e  de  Donna  Maria 
da  Costa  naturais  e  moradores  que  foram  nesta  villa  aos  quais  conheceu  e  com 
elles  tratou  por  mais  de  trinta  annos  indo  a  sua  casa  algumas  vezes  e  eram  os 
principais  desta  villa,  e  elle  foj  gouernador  nos  tempos  da  guerra  '  e  conhecido  por 
homem  de  grande  préstimo,  e  delles  nasceu  a  dita  Donna  Quitéria  garcia  Mascare- 
nhas Maj  do  ordinando  e  sam  seus  Auos  Maternos  declarados  na  petiçam  o  que 
n.im  tem  duuida  e  também  conheceu  o  Paj  de  Brás  garcia  que  se  chamou  Marcos 


!  Manoei  Nunes  Mai-queâ,  arcipreste  de  Galizes  e  seu  distrito. 

2  Escrivão  do  arciprestado. 

3  «e  foi  capitam  de  infantaria'),  acrescenta  no  seu  depoimento  a  testemunha  PaJre  António  Ribeiro. 


(86)  'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 

garcia,  e  também  conheceu  o  Paj  de  Donna  Maria  que  se  chamou  João  Manoel  de 
Affonseca  que  sam  os  Bis  Auos  do  ordinando  e  todos  eram  dos  principais  desta 
villa  e  mais  nam  disse  a  este.  —  Ao  quarto  disse  que  o  ordinando  por  si,  seus  Pais, 
Auós  e  Bis  Auos  que  conheceu  he  legitimo  e  inteiro  Christam  uelho  limpo  e  de 
limpo  sangue  e  geraçam  sem  raça  de  ludeu,  mouro,  mourisco,  mulatto,  herege  ou 
de  outra  nassam  infecta  das  reprouadas  em  direito  contra  nossa  santa  fee  catholica 
e  por  legitimos  e  inteiros  e  inteiros  Christãos  velhos  sam  e  foram  sempre  tidos 
hauidos  e  de  todos  geralmente  reputados  sem  fama  ou  rumor  em  contrario,  e  elle 
testemunha  por  tais  os  conhece  e  conheceu  seu  Pae  porque  sendo  de  tanta  idade 
e  criandosse  e  uiuendo  sempre  nesta  villa  nunca  ouuiu  o  contrario  do  que  tem  dito 
e  mais  não  disse  a  este  — 

/Sam  contestes  com  este  os  depoimentos  das  testemunhas  Bento  Nune^,  Pedro  Goncalve\,  Afonso 
Gonçalves,  Estevão  Alvarez  de  Siqueira,  Padre  Amónio  Ribeiro,  e  Miguel  Simões,  todos  de  Avô,  que 
depuseram  neste  dia). 


Aos  coatro  dias  do  mes  de  Março  de  mil  e  sete  centos  e  dous  nesta  casa  de 
Nossa  Senhora  das  ermidas  (em  Travanca-de- Farinha- Podre)  aonde  estaua  o  KA'> 
Arcipreste  Manoel  Nunes  Marques  para  tirar  a  inquirição  do  ordinando  Brás  Gracia 
Masquarenhas  pella  parte  de  sua  auo  Anna  Duarte  natural  do  luguar  de  Trauanca 
e  por  estar  empedido  o  seo  escriuão  com  legitimo  impedimento  me  elegeo  a  mim 
o  P.e  João  Ribeiro  natural  e  morador  em  farinha  podre  para  escriuão  desta  deli- 
gencia  e  para  isso  me  deu  juramento  dos  Santos  Euangelhos  sob  cargo  do  qual 
me  encarregou  escreuesse  na  uerdade  tudo  o  que  por  elle  me  fosse  dito  e  man- 
dado o  que  prometti  cumprir. . . 

Sendo  no  mesmo  dia  asima  dito  elle  R.do  Arcipreste  comigo  escriuão  preguntou 
as  testemunhas  que  lhe  forão  dadas  a  rol  pello  KA°  Prior  de  Trauanqua  cujos  ditos 
e  nomes  são  os  que  adiante  se  seguem  de  que  mandou  fazer  este  termo  de  asen- 
tada  que  assinou  e  eu  o  P.e  João  Ribeiro  escriuão  que  o  escreui. 

M.el  Nunes  Marques 


Manoel  Gonsalves  home  uiuuo  que  uiue  de  sua  fazenda  natural  e  morador  no 
luguar  de  Trauanqua...  —  Ao  terceiro  diçe  que  munto  bem  conhesera  Anna  Duarte 
natural  do  luguar  de  Trauanqua  como  também  conheceo  seo  pai  João  Jorge  e  sua 
mai  Maria  Duarte,  e  esta  Anna  Duarte  teue  hum  filho  de  Mathias  Garcia  da  Villa 
de  Auo  sendo  ainda  leigo,  e  asistindo  no  dito  luguar  em  casa  do  Prior  Pantalião 
Gracia  seo  Irmão  e  ouuio  diser  que  este  tal  casara  com  huma  sua  prima  direita 
filha  de  Brás  Gracia  e  que  tiuerão  filhos  e  hum  delles  he  o  ordinando  com  que  he 
esta  sua  auo  paterna  e  a  mesma  nomeada  na  petição,  e  hera  dos  bons  do  dito 
luguar  e  mais  não  diçe  a  este. —  Ao  quarto  diçe  que  o  ordinando  por  seu  pai  e  sua 
auo  paterna  que  tem  dito  he  legitimo  e  inteiro  Christão  uelho  sem  rasa  de  mouro, 
mulato,  mourisco,  judeo,  herege,  ou  outra  nação  infecta  reprouada  em  direito 
contra  nossa  santa  féé  catholica  e  por  legitimos  e  inteiros  christãos  uelhos  são  e 
forão  sempre  tidos  e  reputados  sem  fama  nem  rumor  em  comtrario  e  mais  não  diçe 
a  este.  — : 

(São  contestes  com  este  os  depoimentos  das  testemunhas  António  Rodrigues,  João  Henrique^,  e 
António  Francisco,  todos  de  Travanca-de-Farinha-Pódre,  que  depuseram  neste  segundo  dia). 

(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Brás  Garcia  de  Mascarenhas\ . 


documentos  (S7) 


CXIV 

APONTAMENTOS  ESCRITOS  POR  LETRA  DO  PRIOR  DE  TRAVANCA-DE-FARINHA-PÔDRE 

ANTÓNIO  MARTINS  GOULÃO,  NO  FIM  DUM  LIVRO  DE  BAPTISMOS. 

DELES  CONSTÃO  OS  USOS  E  COSTUMES  DAQUELA  FREGUESIA 

SOBRE    O    QUE    ERA    O    PRIOR    OBRIGADO    A     FORNECER    Á    IGREJA, 

E    O    QUE    PERCEBIA    DE    OFERTAS,    DÍZIMOS    E    PRIMÍCIAS, 

E  BEM  ASSIM  QUAIS  OS  BENS  ECLESIÁSTICOS  IMÓVEIS  DA  PAROQUIA, 

TODOS    OU    QUÁSI    TODOS    USUFRUÍDOS    PELO    PÁROCO 

fiyii,  OU  um  pouco  posterior) 

Tem  obrigação  o  RA°  Prior  de  por  o  Cirio  e  Candieiro  das  treuas,  e  a  Can- 
della ;  e  por  duas  uellas  no  altar  todos  os  Domingos  e  Santos  excepto  na  festa  do 
Natal  athe  a  segunda  oitaua  e  a  Semana  Santa  e  Domingo  de  Páscoa  e  a  primeira 
oitaua  e  Domingo  do  Spirito  S.to  e  a  primeira  oitaua. 

Dia  de  S.<a  Anna,  e  também  excepto  todos  os  domingos  terceiros  dos  Mezes. 
Tem  obrigação  o  R.do  Prior 

Ao  reparo  da  Capella  Mor,  e  a  Samcristia  me  diçe  o  Rà°  Vizitador  q  perten- 
cia ao  pouo  sem  embargo  q  todos  os  Priores  a  vam  reparando. 
O  Rdo  Prior  tem  obrigação 

de  dar  seis  alqueires  de  azeite  todos  os  annos  p."  a  Lâmpada,  e  se  faltar  algú, 
o  darão  os  Mordomos  do  Senhor;  e  anda  com  quem  cobra  a  renda.  E  isto  despom 
hú  Statuto  da  confraria  moderno,  que  fez  Lourenço  de  Albuquerque,  Prior  q  foi 
desta  Igr.»  e  o  aprouou  pello  Senhor  Bispo  sem  ter  breue,  nem  bulia  apostólica  p.  a 
por  esta  pensão  á  Igr.a 

Do  pr. o  domingo,  de  Majo  athe  o  S.  .loão  se  pagam  todos  os  domingos  dizimo 
de  lejte. 

—  Usos  e  custumes  nesta  Ig.ra  de  S.  Tiago  da  Trau.a  de  Farinha  Podre. 

De  pam  trigo,  vinho  e  azeitona,  e  castanhas,  linho,  gado,  bácoros,  lentilhas  e 
granis  fruta  de  maçans,  peras,  de  cada  dez  se  paga  hum.  e  também  de  cebollas, 
alhos,  &  milho,  feijão  e  boletas. 

Do  gado  huns  Priores  do  q  não  chega  a  sinco  accejtam  almoedas  4  reis  (?)  de 
cada  cabeça,  outros  as  ajuntam  de  huns  anos  p.»  outros  e  tanto  q  fazendo  o  nu- 
mero de  5  desimão  meja  cabeça.  EUes  não  querem  estar  quietos  mas  p.a  se  defê- 
derem  tem  a  posse  quebrada,  q  lhe  era  necessário  continuada. 

Custumão  ajuntar  bácoros  enxames  ao  gado  e  intão  dezimão. 

Mas  melhor  dezimarião  se  fosse  na  forma  da  Constituição. 

Em  os  baptizados  custumão  dar  sua  vela  e  offerta  voluntária  em  dinheiro. 

Q.<Jo  nos  Offos  sendo  de  9  licois  tem  os  clérigos  de  cantoria  em  cada  hum  i5o 
e  o  mesmo  tem  o  Parocho  tem  mais  as  offertas  q  se  podem  uer  na  Sn.^  •  junta  q 
esta  junta  em  o  liuro  q  estaua  p.a  seruir  do  inuentario  dos  bens  e  moueis  &c.  mas 
não  seruio. 


(88)  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

Tem  cazas  de  residência  e  hoje  não  estão  más  e  reparadas. 

Hija  vinha  m.'o  boa  com  chans  e  hum  oliual  e  pomar  em  o  assento  da  IgT^. 

Tem  húa  courella  de  terra  entre  os  bens  do  KA°  Miguel  Cord  fo  q  sahe  la  fora 
a  portella,  e  pella  outra  parte  fora  da  vinha  athe  a  fazenda  de  Fran.™  João  o  Mo- 
rejra. 

Também  hum  oliual  ou  oliu.ras  em  o  cham  da  bica,  cujo  cham  he  também  da 
Ig.ra  e  de  assento,  como  também  a  tem  aonde  esta  o  Pombal  e  quasi  por  toda  a 
parte  marquado  mas  não  ha  Tombo,  mas  a  posse  he  immeraorial. 

Hum  oliual  com  sua  terra  em  Lagares. 

Húa  orta  pequena  entre  o  chão  do  R.Jo  Miguel  Cord.™  p.»  o  verão  com  poço 
dentro. 

E  tem  mais  húa  vinha  aqual  dejxou  perder  M.":'  Cord.™  e  húa  tem  junto  que 
a  dej  de  graça  por  quatro  annos  a  João  Rõiz  da  Portella  aonde  chamão  a  Serra, 
na  Portella. 

Tem  mais  húa  oliuejra  cam.o  da  Fonte. 

Tem  mais  hum  cazal  q  possuem  os  goncalues,  e  pagam  todos  os  anos  dous 
alq.r«s  de  trigo. 

Tem  mais  outro  cazal  que  paga  M.e'  Cord.™  cujdo  (?)  chamado  da  Rione- 
qua  (?)  de  q  paga  M.e'  Cord.™  também  dous  aiq.res  de  trigo,  e  consta  q  o  R.do 
Prior  João  Philippe  mandava  cobrar  pellas  ejras  os  cabaços. 

Os  herd.ros  do  R.^o  Prior  João  Philippe  de  S.  Pajo  derão  as  madejras  e  taboas 
de  pinho  p.a  as  alcobas,  e  dezasete  mil  reis  para  o  reparo  Jas  cazas,  com  o  q  en- 
tendo q  so  o  D.or  Fajardo  deu  o  sustento  p.a  os  officiais,  e  não  tratou  de  reparar 
as  cazas. 

Tem  mais  três  casas  hua  serue  de  adega,  outra  de  palhejro,  e  outra  onde  esta 
o  lagar  com  uara,  fuso  a  pezo,  e  húa  dorna  de  pedra. 

Declaro  q  toda  a  fazenda  q  esta  pegada  com  a  Ig.ra  se  chama  assento,  e  sam 
necessários  cem  annos  p.a  prescreuer. 

A  fazenda  q  tem  fora  do  assento  se  chamão  passais,  e  p.a  prescreuer  bastam 
40  anos  assim  se  pratica  na  prouincia  do  Minho. 

Pagasse  primícia  do  uinho  mejo  almude  de  pam  trigo  de  cada  des  húa  4.^  e 
chegando  a  40  hum  alq.r^  e  dahi  p.i"  não  paga  cousa  algúa. 

No  cazal  da  Aguiejra  tem  assim  de  ojtauo  como  o  do  foro  de  sinco  tem  o 
morgado  do  Alborge  três  e  a  Ig.ra  dous  e  sempre  esteue  a  Ig.ra  de  posse  ha  mais 
de  400  anos.  e  não  ha  memoria  em  contrario  o  foro  o  seu  dizimo. 

Esta  Ig.ra  cobra  o  dizimo  por  intejro  dizem  elles  q  se  fizer  a  cobrança  em 
azeite  q  pagam  de  12  hum  alq.re  e  assim  o  fazem  os  de  fora  da  freg.a. 

Agora  os  lagarejros  querem  uintena  e  cujdo  se  pagam  de  cada  uinte  hum  e  so 
este  ano  o  dizem  mas  eu  não  estiiia  quieto  e  não  consentj. 

O  lagar  do  porteilo  paga  hum  alq.re  de  azejte  de  auença  todas  as  uezes  q  chega 
a  lancarse  a  moer. 

O  lagar  nouo  mejo  alq.re  de  azejte  no  ãno  q  se  lança  a  moer. 

Fazendose  hum  off.o  so  de  corpo  de  presente  he  mais  offertado  e  prefere  a 
todas  as  diuidas,  como  a  sepultura  e  habito. 

{C.%. —Registo  paroquial  de  Travanca-deFarinhaPódre,  I.  i,  cad.  3."  fl.  41  e  segg.). 


i 


Documentos  (8g) 

cxv 

EXCERPTOS   DOS    DEPOIMENTOS    DE    ALGUMAS    TESTEMUNHAS    NA    INQUIRIÇÃO    dc   gClíCre 

PARA  A  ORDliNAÇÃO  DE  MANUEL  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  FILHO  DE  D.  QUITÉRIA, 

E  NETO  DO  POETA 

(n  janeiro  ijiS) 

Aos  honze  dias  do  mes  de  Janeyro  de  mil  e  sete  sentos  e  quinze,  nesta  Igreja 
de  Samtiago  de  Trauanca  de  Farinha  podre  adonde  veyo  com  migo  escriuam  o 
Rd.o  Ld.o  Juliam  Ribeyro  pêra  com  migo  escriuam  preguntar  as  testemunhas  dadas 
em  Rol  pelo  Rd»  Prior  desta  Igreya  pêra  a  Inquiricam  do  Habilitando  Manoel  gar- 
cia  Mascarenhas  pela  parte  de  sua  avo  paterna  Anna  Duarte  natural  e  moradora, 
que  foj  deste  dito  lugar  e  freguesia,  os  quais  notificados  por  mim  escriuam  mandou 
uir  a  noca  prezemca  pêra  por  elle  serem  preguntadas,  na  forma  da  commissam  as 
quais,  e  seus  testemunhos,  sam  os  que  ao  diente  se  seguem,  de  que  mandou  fazer 
este  termo  de  asentada,  que  eu  o  P.^  Domingos  de  Oliueyra  escriui. 


António  Francisco  laurador,  natural  e  morador  deste  lugar,  e  freguesia  dé 
Santiago  de  Trauanca  de  farinha  podre...  — Ao  quarto  interrogatório  dice  que  co- 
nheseu  muto  bem  a  Anna  Duarte  avo  paterna  que  se  diz  ser  do  Habilitando  Ma- 
noel Garcia  Mascarenhas  da  Villa  de  Avo,  a  qual  dita  Anna  Duarte  sabe  asim  se 
chamaua,  e  que  nesta  freguesia  viueu  dos  rendimentos  de  suas  fazendas  como  la- 
uradora  e  filha  de  lauradores  dos  principais  desta  freguesia  donde  também  foi  na- 
tural, e  Batizada  nesta  Igreya  de  Santiago  aqual  sobredita  Anna  Duarte,  diz  elle 
dito  testemunha,  que  conheseu  ja  casada  com  Sebastião  Marques  seu  marido  tam- 
bém desta  freguesia  natural,  e  ao  dipois  de  viuva  sempre  nesta  freguesia  moradora 
e  com  ella  falou  e  comversou  por  tempo  de  quinze  annos  pouco  mais  ou  menos 
athe  seu  falecimento  por  serem  anbos  vizinhos  da  mesma  freguesia  por  cuya  causa 
sabe  o  q  dito  tem  e  mais  nan  dice  deste  —  Ao  seisto  artigo  dice  q  sabe  q  a  dita 
Anna  Duarte  foj  por  sim,  seus  pais,  e  todos  seus  assendentes  intejra  e  legitima 
Christam  velha  limpa  e  de  limpo  sangue  e  geracam  sem  raça  ou  descendência  al- 
guma de  Christam  noua  judia  negra  mulata,  moura  ou  de  outra  alguma  infecta 
nacam  das  reprouadas  indirejto  contra  nosa  santa  ffe  Catholica,  nem  de  pesoas  a 
ella  noua  mente  conuertidas ;  e  também  dice  elle  testemunha,  que  sabe  que  sendo 
o  dito  Habelitando  Manoel  gracia  Mascarenhas  seu  neto  como  alega  he  por  esta 
parte  digno  das  ordens  q.  pertende  sem  impedimento  algum  na  limpeza  do  sangue 
e  procedimentos  destes  seus  Ante  pasados  porq  todos  e  cada  um  de  percim  foram 
sempre  muj  tementes  a  Ds'  e  zelosos  da  Igreya  e  de  todos  geralmente  tidos  e 
auidos  nomiados,  conhecidos  e  estimados  por  intejros  e  legitimes  Christans  velhos 
e  por  tais  os  tem  e  teue  sempre  elle  dito  testemunha  sem  fama,  noticia,  suspejta, 
ou  rumor  algum,  em  contrario  o  que  tudo  neste  seu  testemunho  declarado  dice 
elle  testemunha  que  sabe  he  uerdade  por  ser  homem  velho  noticioso  natural  e 
sempre  moradoi-  deste  lugar  e  freguesia  donde  o  foj  a  dita  avo  paterna  do  ordi- 
nando  per  cuya  cauza  sabe  o  q  dito  tem  e  tinha  rezam  de  saber  o  comtrario  se  o 
ouuera,  e  mais  não  dice. . . 


(go) 


'Brás  Garcia  de  ^Mascarenhas 


Miguel  Francisco  laurador,  natural  e  morador  deste  lugar  e  freguezia  de  Sam- 
tiago  de  Trauanca... —  Ao  tercejro  interrogatório  dice  que  muto  bem  conheseu 
a  Manoel  Garcia  Mascarenhas,  paj  que  se  diz  ser  do  Justificante  Manoel  garcia 
Mascarenhas,  o  qual  asim  se  chamou,  e  sabe  que  foi  natural  deste  lugar  e  fregue- 
zia de  Trauanca,  e  Balizado  nesta  Igreia  de  Samtiago  de  Trauanca,  adonde  asistiu 
mutos  annos  com  hum  seu  tio  Pantaliam  garcia  Prior  desta  dita  Igreya  e  daqui  foj 
pêra  a  uilla  de  avo  ser  morador,  adonde  também  cazou  ao  qual  elle  testemunha 
conheseu  pois  com  elle  tratou,  e  conversou  asim  no  tempo  que  aqui  asistio  soltejro, 
como  no  tempo  de  cazado  em  avo  asistente  por  tempo  de  mais  de  trinta  annos  ate 
seu  falecimento,  por  elle  dito  testemunha  Ir  mutas  vezes  a  Villa  de  Avo,  e  o  dito 
M.el  Gracia  vir  mutas  vezes  a  esta  freguezia,  e  mais  nam  dice  deste.  —  Ao  quarto 
Interrogatório  dice  que  sabe  que  sendo  o  dito  Habilitando  filho  do  dito  Manoel 
Gracia  Mascarenhas  como  alega,  he  nepto  pela  parte  paterna  de  Anna  Duarte  desta 
freguezia,  e  por  tal  tido  e  auido  a  qual  Anna  Duarte  asim  se  chamou,  e  teue  este 
dito  Manoel  gracia  Mascarenhas  seu  filho  sendo  soltejra  de  hum  Matias  gracia 
Mascarenhas  Irmam  de  Pantaliam  gracia  Prior  desta  Igreya  adonde  asistia,  sendo 
natural  da  vila  de  Avo,  e  ao  dipois  de  ter  o  dito  filho  cazou  com  Sabastiam  alves 
deste  mesmo  lugar  e  freguezia  donde  hera  natural  e  sempre  foj  moradora,  e  nesta 
Igreya  batizada,  e  viveo  sem  outro  algum  oficio  mais  que  so  o  dos  rendimentos  de 
suas  fazendas  como  lauradora  e  filha  de  lauradores,  e  dos  principais  desta  freguezia 
adonde  elle  testemunha  a  conheseu  soltejra,  e  cazada,  e  depois  viuua,  por  tempo 
de  vinte  annos  pouco  mais  ou  menos  e  pelo  mesmo  tempo  com  ella  falou  e  com- 
versou  como  vizinha  sua,  e  mais  nam  dice  deste.  —  Ao  seisto  Interrogatório  dice 
que  sabe  que  o  dito  Justificante  pelo  dito  seu  Pai  e  avo  Paterna  asima  nomeados 
he  legitimo  Christam  velho,  limpo  e  de  limpo  sangue  e  geraçam  sem  raça  de 
Christam  nouo,  ludeu,  negro,  mulato,  mouro,  mourisco  nem  de  outra  alguma  im- 
feta  nasam  das  reprovadas  imdirejto  contra  nosa  santa  ffe  Catholica  nem  de  pesoas 
a  ella  noua  mente  comuertidas ;  e  também  dice  que  sabe  que  nenhum  assendente 
do  dito  Justificante  por  esta  parte  foj  preso  pelo  Santo  Oficio,  nem  lhe  pagou  finta 
ou  pedido  lançado  a  gente  de  nacam  ebrea  nem  commeteu  crime  de  erezia  comtra 
leza  Maestade  Deuina,  nem  emcorreo  em  imfamia  publica  de  fejto  ou  de  direjto, 
nem  de  tais  cousas  foram  os  desta  geraçam  em  tempo  algum  imfamados;  mas  sim 
foram  sempre  todos  e  cada  hum  de  per  cim  tidos  e  auidos,  nomeados  conhecidos 
e  geralmente  de  todos  estimados  por  imtejros  e  legítimos  Christans  velhos,  e  por 
tais  os  tem  e  teue  sempre  elle  dito  testemunha  sem  fama  noticia  ou  rumor  algum 
em  comtrario.  o  que  e  tudo  o  mais  que  dito  tem  neste  seu  testemunho  dice  sabe 
he  uerdade  por  ser  homem  velho  natural  e  sempre  morador  desta  freguezia  donde 
o  foram  os  assendentes  do  Justificante  por  esta  parte  por  cuya  cauza  sabe  ser  uer- 
dade o  que  dito  tem  e  tinha  rezam  de  saber  o  Comtrario  se  o  ouuera  e  mais  não 
dice. . . 

(São  contestes  com  estes  dois  depoimentos  os  das  testemunhas  Matheus  Goncalve\,  Úrsula  Dia\, 
e  Isabel  Simóe^,  todos  da  freguesia  de  Travancade-Farinha-Pódre) . 

(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Manuel  Garcia  de  Mascarenhas). 


T>ocumcntos  (9 1) 


CXVI 

CERTIDÃO  PASSADA  PELO  PRIOR  DE  S.  TIAGO  DE  FARÍNHA-PÔDRE, 

DONDE  CONSTA  QUE  MANUEL  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  GENRO  DO  POETA, 

NASCEU  E  FOI  BAPTIZADO  NA  FREGUESIA  DA  BOBADELA 

(2  março  lyrSJ 


O  D.of  Manoel  Mor.a  Rebello,  Prothonotr.o  Ap>o  de  Sua  Sanctid.e  Juiz  dos 
cazam.'os  habilitacoins  de  Gr.e  e  Provisor  em  esta  Cid.e  e  Bispado  de  Coimbra  pello 
lil.mo  Snr.  Bispo  Conde  &c.a  Mando  em  virtude  de  S.  obediência,  e  sob  pena  de 
excomunhão  mayor  ao  R.<^°  Parocho  de  Travanca  q  sem  a  p."  intervir  nem  outrem 
q  por  elle  o  fassa  no  q  m.t°  lhe  encarrego  sua  conciencia  fassa  exacta  delegencia 
nos  liuros  dos  baptizados  dessa  freguezia  e  delles  tire  por  certidam  jurada  o  thior 
do  assento  do  Baptismo  de  Manoel  Garcia  Mas."'  Pay  dohabelitando  Manoel  Gar- 
cia Mas.cas  n.al  da  V."  de  Avó  o  qual  M.el  Garcia  Mascarenhas  pay  do  d.»  habeli- 
tando  foi  í.°  de  Mathias  Garcia  Mas.cas  da  d.a  V.a  de  Avo  e  de  Anna  Duarte  dessa 
freg.a  de  Trauanca  de  Farinha  podre,  a  qual  certidam  passara  nas  costas  desta  que 
em  carta  fechada  remetera  por  via  segura  ao  Escrivam  da  Camera  do  Bispado  e 
delle  hauera  seu  sellario  p.a  o  q  o  declarara  ao  pe  da  mesma  certidão.  Dada  em 
Coimbra  sob  o  meu  signal  som.te  ao  prim.»  de  M.™  de  171 5.  Francisco  Maciel  Ma- 
lheiro Escriuáo  da  Camr.a  Ecclez."  o  sobscreuj. 

Rebello 

Ordem  secreta  p.a  o  RA°  Pr.co  de  Travanca  de  Farinha  podre  satisfazer  ao  q 
nella  se  lhe  ordena  &c.n. 


Obedecendo  hordem  do  m.to  Rd."  S.r  D.or  Prouisor  deste  Bispado  de  Coimbra 
certifico  eu  António  Míz  goulaõ  Prior  de  S.  Tiago  da  Trau.a  de  farinha  Podre, 
que  eu  ui  de  uagar  e  con  toda  a  exação  os  assentos  dos  baptizados  q  fizeram  M.«l 
Gracia,  e  Pantaliam  Gracia  Priores  q  foram  nesta  Igreja,  e  não  achej  o  assento  que 
se  me  pede,  so  me  informej  q  Mathias  Gracia  sobro  do  Prior  Pantaliam  Gracia  digo 
Irmão  do  Prior  tiuera  hum  {.°  chamado  M.d  Gracia  de  Anna  Duarte  desta  freg.^ 
a  qual  foj  parir  a  Boadeila  que  esta  junto  a  Oliuejrinha  dizem  deste  Bispado,  onde 
presumo  estará  o  assento  pedido,  por  esta  cauza  não  estará  o  assento  no  l.o  dos 
baptizados  desta  Ig  "  e  o  d."  M.e'  Gracia  se  criou  em  caza  do  R.do  Prior  depois  de 
andar.  O  que  tudo  juro  in  uerbo  sacerdotis.  S.  Tiago  da  Trau.a  2  de  Marco  de  1715. 

O  Prior  An.™  Míz  GoulaÕ 
(CE.  —  Processo  para  a  ordenação  de  Manoel  Garcia  de  .Mascarenhas). 


f()2j  'Brás  Garcia  de  SMascarcnhas 


CXVII 

CARTA  DE  TOMÁS  CAETANO  GARCIA  DE  MASCARENHAS, 

A   SEU  SOBRINHO  BRÁS  GARCIA  DE  MASCARENHAS,  QUARTO  NETO  DO  POETA, 

EM  QUE  SE  FAZ  REFERENCIA  AO  DESAPARECIMENTO  DE  PAPEIS  DE  FAMÍLIA 

(14  setembro  1824) 

Sobrinho  e  amigo 

Desejo  te  fFellecidades,  e  a  toda  a  tua  famillia;  Como  ha  muito  tempo  naõ 
sahio  de  caza  nem  faço  jornadas  que  excedaõ  a  huma  ou  duas  Legoas,  por  isso 
naó  vou  verte  e  dizerte  pessoalmente  os  meus_  sentimentos,  mas  vou  por  este 
modo  exporte  que  tenho  quebrado  a  cabeça  para  alcançar  a  Instituição  do  vinculo 
desta  casa,  porem  nem  trasUado,  nem  própria  aparece  e  porque  tuas  Thias  ma  su- 
mirão, e  naõ  deixarão  Trasllado  algum  e  foi  o  motivo  porque  requeri  hum  Alvará 
a  Sua  Magestade  para  abollição  delle  de  que  juntei  huma  Rellaçaõ  dos  bens,  que 
por  tais  sempre  foraõ  tidos,  naõ  tenho  empenho  em  o  abolir,  só  quero  saber  em 
que  Ley  vivo,  e  se  o  tal  vinculo  deve  ser,  ou  não  reputado  tal,  podes  responder  o 
que  quizeres,  porque  a  nada  me  oponho  e  fico  pela  decisão  do  Tribunal  muito  sa- 
tisfeito, seja  qual  for  o  Despacho,  porque  como  já  dice  quero  saber  em  que  Ley 
vivo.  e  vé  se  te  sirvo  de  alguma  cousa  nestas  terras  que  hei  de  mostrar,  que  sou 

teu  Thio,  e  amigo. 
Thomás  Garcia  Mascarenhas 

Avó  de  Setembro  quatorze  demil  oito  centos  vinte  e  quatro. 

SOBESCRITO 

A  Braz  Garcia  Mascarenhas  meu  Sobrinho  goarde  Deos  muitos  annos.  Rio  de 
Moinhos. 

iDuma  certidão  passada  a  24  set.  1S24  por  José  da  Costa  de  Carvalho  e  Lemos,  escrivão  proprie- 
tário dum  dos  ofícios  da  Correição  e  chanceler  da  comarca  de  Viseu,  em  face  do  próprio  original, 
—  Pertence  ao  sr.  António  da  Costa  Mesquita,  de  Avô). 


CXVIII 

NOTAS  BIOGRÁFICAS  DE  BRÁS    GARCIA,  ESTAMPADAS  Á  FRENTE  DA  SEGUNDA  EDIÇÃO 

DO  Viriato  Trágico  pelo  dr.  albino  de  Abranches  freire  de  figueiredo, 

PARENTE  DA  MULHER  DO  POETA 
(1^46) 

,  Na  antiga  villa  d' Avó,  a  3  de  fevereiro  do  anno  de  1396,  e  de  paes  nobres, 
nasceu  Braz  Garcia  Mascarenhas,  na  casa  que  elle  descreve  na  est.  29  do  canto  XV 
deste  poema.  A  qual  foi  propriedade  daquelle  famoso  pagem  do  Sr.  D.  Fernando 
(como  se  vè  de  papeis  antigos  de  sua  familia,  descendente  deste  pagem)  que,  ser- 
vindo d"arraes  na  linda  barca  em  que  o  inonarcha  portuguez  foi  ao  encontro  do 
hispanhol,  pela  elegância  da  sua  figura,  concorreu  para  a  exclamação  do  monarcha 
estrangeiro,  referida  pelos  nossos  historiadores. 


^Documentos  (g3) 

Nas  estancias  seguintes  á  que  acima  retiro  dá  o  poeta  alguma  noticia  da  sua 
vida;  e,  porisso,  sobre  este  objecto  só  direi  o  necessário  para  melhor  inteliigencia 
delias. 

Indo  a  Coimbra  por  occasião  de  festas  publicas,  entrou  em  uma  correspon- 
dência amorosa  de  que  lhe  resultou  ser  preso  na  cadea  da  Portage.  Seus  irmãos, 
que  então  frequentavam  a  universidade,  fingiram  um  grande  presente  para  o  preso. 
Ao  abrir-se  a  porta  para  entrar  o  presente,  sahio  o  preso,  á  força,  deixando  o  car- 
cereiro perigosamente  ferido,  montou  em  uma  cavalgadura  que  estava  para  isso 
preparada  na  ponte  e,  pôde  assim  evadir-se  á  multidão  que  o  seguia  Daqui  prin- 
cipiaram as  suas  longas  viagens  (a  parte  das  quaes  elle  se  refere  neste  poema)  pelo 
Brazil,  Itália,  França,  Flandres  e  Hispanha. 

Já  elle  estava  em  Avô  quando  um  seu  irmão,  que  era  prior  do,  então,  rendoso 
priorado  de  Travanca,  recolhendo  de  uma  viagem  que  fizera  a  Roma,  achou  na  sua 
egreja,  que  era  d'alternativa,  um  intruso,  appresentado  na  sua  ausência,  por  diflFe- 
rente  donatário. 

Esta  appresentação  deu  origem  ao  pleito,  e  rixa  de  que  falia  o  poeta  na  est.  67 
e  seguintes  do  canto  XV,  e  maiores  trabalhos  lhe  produziria,  se  por  esse  tempo 
não  occorresse  a  revolução  de  1040,  e  se  não  houvesse  conhecimento  e  necessidade 
dos  seus  talentos  e  serviços  militares. 

Depois  de  conquistada  a  egreja  de  seu  irmão  veiu  á  corte,  e,  com  franqueza 
de  soldado,  expoz  o  succedido  ao  Sr.  D.  João  IV,  que  lhe  respondeu :  —  «Faze 
tu  pela  minha  coroa,  como  fizeste  peia  egreja  de  teu  irmão,  e  ficaremos  recon- 
ciliados». 

Voltou  á  pátria,  e  inspirando  á  mocidade  luzida  delia  e  suas  visinhanças  am- 
bição pela  honra  e  gloria  militar,  a  persuadiu  a  formar  uma  companhia  de  cavalla- 
ria,  para  que  elle  foi  escolhido  commandante,  honra  esta  que  lhe  era  affiançada 
pela  sua  reconhecida  valentia  e  experiência  militar. 

Esta  companhia  occupou  a  praça  de  Pinhel,  e  deu  do  seu  grande  valor  tão 
claras  provas  que  mereceu  ser  reconhecida  pelo  nome  de  companhia  dos  leões. 

Existiam  no  cartório  do  convento  das  freiras  daquella  cidade  (onde  então  estava 
uma  parente  de  Braz  Garcia  Mascarenhas)  esclarecimentos  relativos  a  esta  com- 
panhia, que  foram  recolhidos,  segundo  me  constou,  pelo  curioso  antiquário,  bispo 
que  foi  daquella  cidade,  D.  José  de  Mendonça  Arraes,  parente  do  poeta,  e  de 
alguns  dos  que  então  militavam  com  elle. 

Fiz  por  obter  estes  esclarecimentos,  dirigindo-me  ao  meu  amigo  o  Sr.  Joaquim 
Pinto  de  Mendonça  Arraes,  sobrinho  daquelFe  illustre  prelado,  porém  não  appare- 
ceram,  talvez  que  por  estarem  nessa  occasião  em  desordem  os  papeis  pertencentes 
ao  esm."  bispo. 

Do  commando  desta  companhia  foi  Braz  Garcia  Mascarenhas  mandado  para 
governador  da  praça  de  Alfaiates,  que  logo  fortificou  com  obras  novas;  e  neste 
logar  foi  victima  da  prepotência  do  general,  governador  das  armas  da  província, 
D.  Sancho  Manuel. 

Entrando  pelas  nossas  terras  um  trosso  de  cavallaria,  e  infantaria  castelhana, 
depois  de  feitas  muitas  hostilidades,  se  retiravam  carregados  de  despojos,  e  com 
mais  de  vinte  mil  cabeças  de  gados;  chegou-lhe  ordem  de  D.  Sancho  Manoel,  que 
não  sahisse  da  praça  pela  não  a  expor  a  perigo,  por  quanto  logo  chegaria  com 
soccorro;  e  no  mesmo  dia  chegou  recomendação  de  Fernando  Telles  de  Menezes, 


(g4)  'Brás  Garcia  de  oMascarenhas 

que  de  outra  parte  o  avizava  visse  se  podia  impedir  o  passo  ao  inimigo.  A  esta 
segunda  ordem,  como  mais  gloriosa,  se  lhe  acommodou  o  animo,  e,  deixadas  algumas 
companhias  de  presidio,  sahio  com  duzentos  mosqueteiros,  e  os  dispoz  de  embos- 
cada sobre  o  rio  Águeda  em  o  porto  de  S.  Martinho,  dividindo-os  em  dois  montes, 
que  abriam  o  valle  por  onde  necessariamente  haviam  de  passar  os  inimigos,  os  quais 
sendo  ja  chegados  passaram  diante  todos  os  gados,  e  entrados  já  no  valle  lhes 
sobrevieram  taes  cargas  de  mosquetaria,  que  se  deram  por  obrigados  a  virar  as 
costas  persuadidos  ser  muito  numeroso  o  poder  contrario,  e,  deixando  muitos 
mortos,  e  toda  a  pressa,  se  retiraram  fugitivos. 

Com  tão  glorioso  successo  se  voltou  o  nosso  governador  triunfante  á  sua  praça 
de  Alfayates,  aondo  logo  chegou  (como  promettêra)  D.  Sancho  Manoel,  e  achando 
já  a  empreza  vencida,  sentindo,  ou  a  perda  desta  gloria  em  que  também  ia  enteres- 
sado,  ou  não  se  guardar  a  sua  ordem,  quando  o  governador  se  saboreava  nas  espe- 
ranças do  premio,  de  improviso  se  achou  prezo  na  torre  do  Sabugal,  e  accusado  a 
el-rei  por  falsario,  que  tinha  tractos  occultos  com  Castella,  allegando  por  funda- 
mento uma  correspondência  urbana,  que  tinha  com  um  seu  grande  e  antigo  amigo 
chamado  vulgarmente  o  Macacão  governador  de  uma  fortaleza  fronteira. 

Nessa  prizão  solitária  o  privaram  de  toda  a  communicação,  e,  subtraindo-lhe 
pouco  a  pouco  o  mantimento,  lhe  pertendiam  abreviar  os  dias.  Até  que  vendo-se 
já  desemparado  de  todo  o  favor  humano  se  valeu  de  sua  industria  mandando  pedir 
pelo  seu  servente,  que  ao  menos  lhe  mandassem  um  livro,  seu  ordinário  alivio,  já 
que  lhe  não  consentiam  o  devertimento  de  escrever;  e  junctamente  que  para  seus 
achaques  lhe  mandassem  farinha,  e  linhas  e  tisoura  para  refazer  seus  vestidos. 
Logo  lhe  mandaram  um  Fios  Sanctorum  dizendo,  que  era  o  que  mais  lhe  servia 
para  se  encomendar  a  Deus,  e  com  o  livro  lhe  mandaram  as  mais  miudesas  que 
pedia.  Pegando  da  tisoura  foi  cortando  as  lettras  uma  a  uma  as  que  lhe  serviam 
do  livro ;  fez  cola  da  farinha  com  a  qual  unindo-as  com  muito  vagar,  e  industria 
compaginou  uma  discreta  carta  em  verso  mui  limado  para  o  senhor  rei  D.  João,  IV 
em  que  relatava  sua  prizão,  e  innocencia,  e  dependurando-a  pelas  linhas  da  muralha 
no  escuro  da  noite  fallou  a  um  soldado  da  guarda  seu  confidente,  que  a  entregasse 
a  seu  irmão  para  que  logo  a  levasse  a  Lisboa,  como  succedeu.  Lendo  o  rei  a 
carta  tão  bem  lançada,  despediu  logo  um  decreto  em  que  ordenava  aparecesse  sem 
demora  em  Lisboa  Brás  Garcia  Mascaranhas. 

Chegou  á  corte  rodeado  de  guardas,  e  quando  todos  agouravam  final  sentença 
á  sua  vida,  lhe  deu  o  rei  audiência  affavel,  na  qual  de  tal  sorte  se  limou,  e  inteirou 
o  seu  negocio,  que  saiu  despachado  com  habito  de  Avis,  e  boa  tença,  e  restituído 
por  entre  tanto  ao  seu  governo  de  Alfayates. 

Voltou  de  Lisboa  triunfando  da  inveja,  e  do  ódio,  e  repetida  a  posse  do  seu 
governo  apezar  de  seus  emulos;  aconselhando-se  comsigo  se  retirou  á  pátria, 
assim  por  não  irritar  mais  a  impaciência  de  seus  adversos,  como  também  para 
lograr  algum  descanço  devido  á  sua  idade,  e  muitas  perigrinaçóes  por  mar,  e  terra 
em  que  os  trabalhos  sempre  o  acompanharam;  e  para  que  o  ócio  fosse  divertido  o 
fizeram  super-intendente  da  cavallaria  da  comarca  de  Esgueira,  que  rectamente 
administrou.  Finalmente  ordenada  sua  familia  se  consagrou  todo  ás  Musas,  sendo 
também  oráculo  nas  emprezas  de  seus  commilitões,  que  veneravam  seu  parecer 
por  muito  acertado,  e  em  especial  seus  grandes  amigos  D.  Rodrigo  de  Castro,  e 
D.  Álvaro  de  Abranches,  que,  além  de  o  buscarem  por  carta,  quando  a  campanha 


documentos  fgS) 

permittia  ferias,  afrouxavam  o  arco  em  companhia,  e  caza  d'este  prezado  amigo, 
que  lustrosa  e  amigavelmente  os  hospedava. 

Foi  zeloso  pelas  coisas  da  egreja,  como  provam  as  obras  e  festas  a  que  allude 
nas  est.  62  e  63  do  cit.  canto, —  as  comedias  que,  segundo  o  gosto  do  seu  tempo, 
fez  a  vários  santos,  —  e,  por  ventura,  a  capella  que  os  administradores  do  vinculo 
da  sua  familia  possuíam  no  exemplar  convento  do  Bussaco,  instituída  por  esses 
tempos. 

Falleceu  a  8  d'agosto  de  i655  na  mesma  villa  em  que  nascera.  Entre  os  seus 
manuscritos  appareceu  este  poema  que  o  auctor  pretendia  publicar,  logo  que  o 
tivesse  revisto  e  corrigido.  A  morte  lhe  frustrou  os  intentos,  no  que  muito  perdeu 
a  obra  não  sò  na  falta  das  correcções  que  o  auctor  lhe  pretendia  fazer,  mas  por 
ficar,  assim,  sugeita  aos  defeitos  d'uma  edição  descuidada. 

Bento  Madeira  de  Castro,  capitão-mór  d' Avô,  senhor  da  casa  que  hoje  possua 
seu  bisneto,  o  sr.  António  de  Brito,  de  Coimbra,  próximo  parente  do  auctor  foi 
quem  publicou  o  poema  em  Coimbra  no  anno  de  1699. 

Apezar  de  todos  os  defeitos  da  edição,  em  que  visivelmente  se  mudaram  al- 
gumas palavras  como  no  verso  5.°  da  est.  5.'  do  canto  G,  em  que  se  escreveu 
«Ataide»  em  vez  «d'alcaide,>)  na  primeira  palavra  da  est.  71."  em  que  se  escreveu 
«escuta»  em  vez  de  «escusa,»  em  outra  parte  «camas»  em  vez  de  «Canas»  etc. ; 
apezar,  digo,  de  todos  estes  defeitos,  e  d'outros  em  que  abunda  a  edição,  é  certo 
que  muito  se  deve  ao  primeiro  editor.  Sem  elle,  ter-se-ia  perdido  este  poema, 
assim  como  se  perderam  as  Ausências  Brazilicas  e  outros  manuscriptos  do  mesmo 
auctor.  Mas  a  edição,  além  de  tudo  o  mais,  foi  escassa,  e  o  poema  estava  outra 
vez  em  risco  de  se  perder,  se  não  fosse  este  meu  esforço,  inspirado  pelos  estímulos 
de  patrício  do  auctor,  e  pelos  do  sangue,  á  similhança  do  primeiro  editor  (como 
elle  nos  diz  no  fim  do  que  escreve  sobre  a  vida  do  poeta),  e  animado  por  alguns  a 
quem  movem  iguaes  razões. 

Vai  esta  edição  adornada  com  duas  estampas.  A  que  reprezenta  o  juramento 
de  Viriato  depois  da  traição  de  Galba,  referido  na  est.  102  e  seguintes  do  canto  VI, 
é  copia  d'outra  muito  conhecida,  estimada  e  rara;  a  segunda  é  o  retrato  do  auctor, 
copiado  daquelle  que  se  conserva  na  sua  casa. 

Desejava  ter  enriquecido  mais  esta  edição,  porém  corre-se  em  taes  publicações 
risco  de  grandes  perdas,  em  um  paiz  que  contem  tão  poucos  leitores,  como  muito 
bem  conhecem  os  que  d'ellas  tem  practica. 


NOTAS  GENEALÓGICAS 


NOTAS  GENEALÓGICAS 


As  uotas,  que  i'ão  seguir-se  em  Apêndice  ao  nosso  2."  estudo, 
representam  uma  não  pequena  soma  de  trabplho  em  colheita  de  no- 
ticias pelos  nobiliários  e  árvores  genealógicas,  e  em  buscas  e  veri- 
Jicações  persistentes  e  conscienciosas,  durante  largos  anos,  pelos 
arquivos.  Assim  conseguimos  corrigir  e  ampliar  muitas  árvores  e 
notas  genealógicas,  que  existiam  em  poder  de  algumas  famílias  nobres 
da  proi'íncia. 

Prestaram-nos  grandes  e  importantíssimos  materiais  para  a  or- 
ganização deste  trabalho:  —  i.")  o  registo  paroquial,  posterior  ao 
meado  do  século  'xvi,  arquivado  no  Seminário  de  Coimbra  e  nas  Câ- 
maras Eclesiásticas  da  Guarda  e  de  \'iseu;  — 2.")  a  colecção,  de  alto 
valor,  de  processos  de  genere  para  ordenações,  que  se  guardava  na 
Câmara  Eclesiástica  de  Coimbra,  e  remontava  aos  princípios  do  refe- 
rido século" XVI ;  —  3.")  os  processos  de  habilitação  para  familiares  do 
Santo  Ofício,  no  Arquivo  Nacional  da  Torre  do  Tombo;  —  4°)  os 
processos  de  habilitação  para  profissões  nas  Ordens  militares,  no 
mestno  Arquivo;  —  5°)  a  muito  interessante  e  riquíssi/na  colecção 
alfabética  de  certidões  de  idade  para  as  /natrículas  na  Universidade 
de  Coimbra,  existente  no  respectivo  Arquivo;  eic. 

As  indicações  genealógicas  dos  nobiliários  e  árvores  de  famílias 
foram  verificadas  e  emendadas  em  face  dessas  fontes  documentais, 
até  onde  isso  nos  foi  possível.  O  leitor  desculpará  benevolamente  as 
inevitáveis  incorrecções  deste  modestíssimo  ensaio. 

Coimbra,  iH  de  junho  de  igsi. 

A.  DE  Vasconcelos. 


NOTA   I 
FAMÍLIA  PATERNA  DE  liRÁS  GARCIA  MASCARENHAS 

Tronco 

1)  —  Marcos  Garcia  Mascarenhas,  tidalgo  vindo  de  Espanha,  que  os 
genealogistas  dizem  pertencer  à  primeira  nobreza  da  nação 
vizinha,  casou  em  Valezim,  depois  do  meado  do  século  xv, 
com  uma  filha  de  Martim  Anes,  pessoa  principal  da  terra,  e 
dela  houve  um  único  filho,  de  nome  igual  ao  seu, 

11)  —  Marcos  Garcia  Mascarenhas  (2."j,  casado  em  Folhadosa  com  Brites 
Marques,  senhora  nobre  e  rica,  da  qual  teve  dois  filhos  e 
cinco  filhas,  ignorando-se  a  ordem  cronológica  dos  seus  nas- 
cimentos, e  até  os  nomes  de  três: 

I  (III).  Marcos  Garcia,  que  segue  (III  a). 

■1  (III).  /•.,  tilho  segundo,  que,  ao  que  parece,  não  teve  prole. 

3  (111).  Brites  Marques,  que  segue  (111  b). 

4  (111).  Alta  Marques,  que  segue  (III  c). 

5  (III).  Maria  Marques,  que  segue  (111  d). 
(">  tlll).  A-.  e 

7  (III).  -V.  Estas  duas  filhas  de  Marcos  Garcia  casaram  em  Sandomil,  lá 
liveram  prole,  existindo  ainda  hoje  descendência,  pelo  menos  de 
uma  delas  —  uma  família  de  apelido  Fernando,  que  nuns  aponta- 
mentos do  genealogista  Nicolau  Pereira  de  Mendonça  do  Amaral 
e  Vasconcelos  Falcão,  da  casa  de  Girabolhos,  existentes  no  car- 
tório da  casa  de  Folhadosa,  é  denominada  a  F ernandagem  de 
Sandomil.  Estes  apontamentos,  que  são  muito  interessantes, 
foram-me  amavelmente  facultados  pelo  último  possuidor  da  casa 
de  Folhadosa,  meu  primo  o  senhor  António  Vieira  de  Tovar  e 
Albuquerque,  há  pouco  falecido. 

Ramo  primário  a) 
III  a)  —  Marcos  Garcia  Mascarenhas  (3.°),  casado  no  Ervedal  da  Beira 


100  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

a  14  de  janeiro  de  042  com  Helena  Esteves,  filha  legí- 
tima de  Catarina  Luís  e  de  seu  marido  F.,  já  falecido  ao 
tempo  em  que  se  celebrou  este  casamento.  A  noiva  tinha 
dois  irmãos,  António  Esteves  e  Tomé  Esteves,  pessoas 
muito  consideradas  no  Ervedal.  Além  de  outros  filhos, 
este  casal  teve 

IV  .7)  —  António  Garcia,  que  casou  em  Folhadosa  com  sua  prima  Ana 
Marques,  neta  de  sua  tia  Brites  Marques  (vid.  infra  III  b  i,  1) 
e  irmã  do  padre  João  Marques  ;  vieram  a  falecer  em  Fo- 
lhadosa —  o  António  Garcia  a  i  jul.  1645,  e  sua  mulher  a 
1 1  fev.  i6óq.     Tiveram: 

1  (V).  L.^^o  João  Garcia  Mascarenhas,  baptizado  a  i5  jun.  i6i3.   Depois 

de  formado  em  Cânones,  foi  prior  da  igreja  de  Folhadosa  e 
da  sua  anexa  de  S.  Paio  de  Gramaços,  ordenando-se  em  se- 
guida de  ordens  sacras  em  1646. 

2  (V).  Aiilóiiio  Garcia,  b.  28  set.  1G16. 

3  (V).  Domingos  Garcia,  b.  1  abr.  ló.g,  que  segue  (V  íi'). 

4  (V).  Maria,  b.  19  out.  1621,  que  faleceu  criança. 

5  (V).  D.  Maria  Mascarenhas,  b.  24  ag.  1624,  c.  em  Trevões  c.  Manuel 

de  Afonseca  de  Almeida,  filho  de  Gaspar  de  Anciães  da  Costa, 
familiar  do  5.'°  Ofício  ',  e  de  Isabel  Caiado  de  Almeida,  de  Tre- 
vões.   Teve  os  filhos  seguintes  : 

1  (\'l).  Dr.  Francisco  Je  AlmeiJj  CaiaJo  e  Gamboa,  cónefjo  doutoral,  depu- 

tado do  Santo  Oficio,  leme  de  Cânones  da  Universidade; 

2  (VI).  LA"  Nicolau  de  Almeida  Mascarenhas,  cavaleiro  da  Oídem  de  Cristo, 

familiar  do  Santo  Oficio,  juiz  de  fora  em  Coimbra; 

3  (Vn.  Manuel  da  Fonseca  de  Almeida,  c.  c . .  ?,  de  quem  nasceram : 

—  ti  (Vil).  Domingos  Caiado,  que  casou  com  uma  senhora  da  família 

dos  .\Imeidas  e  Vasconcelos,  da  quinta  de  Santo  Estêvão, 
juntfi  de  Viseu  (cf.  infra  VI  a"  ..  i) ;  * 

-  b  (Vil)  t).  Pauta  de  Almeida  Caiado,  c.  c.  Mateus  Correia  de  Sei- 

xas, capitão  mor  da  Fonte-Arcada,  de  quem  teve— (VIII). 
Carlos  Correia  de  Almeida. 

6  (V).  P«  Marcos  Garcia,  b.  7  out.  1627. 

7  (V).  Manuel  Garcia  Mascarenhas,  n.  em  i63o,  que  segue  (V  a"). 

8  (V).  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  b.  9  maio  i633,  que  segue  (V  a"'). 

9  (V).  Dr.  Simão  Garcia  Mascarenhas,  b.  5  set.  i636,  que  segue  (V  a"")- 


i  Nunca  deixo  de  mencionar  esta  qualidade  de  familiar  do  S.'"  Oficio,  como 
indicação  ao.";  que  desejem  esmiuçar  mais,  ou  verificar  a  árvore  genealógica,  pois 
assim  ficam  sabendo  que  no  Arquivo  da  Torre  do  Tombo,  na  secção  dos  processos 
de  habilitação  para  familiares,  que  se  acha  muito  bem  organizada  com  índice  alfa- 
bético, encontram  excelentes  elementos  de  estudo. 


C^ota  I — Família  paterna  do  poeta  (^oi) 

Ramo  secundário  cC) 

V  a')  —  Domingos  Garcia  c.  c.  D.  Maria  Ferrão,  filha  do  capitão-mór 
Francisco  de  Abranches  Ferrão,  de  Torrosêlo,  e  de  sua 
mulher  e  prima  D.  Luísa  Ferrão,  e  neta  de  Mateus  de 
Abranches,  filho  segundo  da  casa  da  Bòa-Vista,  de  Sa- 
meice,  sobrinho,  afilhado  e  legatário  do  inquisidor  MateUs 
de  Abranches.     Tiveram: 

1  (VI).  Marcos  Giirci.i  .^íjscjreií/ias,  que  segue. 

2  (VI).  D.  Mitria  Ferrão  de  Abmitches  c.  c.  o  juiz  dos  órfãos  António 

Mendes  de  Abreu,  de  S.  Romão,  de  quem  teve 

—  (VU).  António  Mendes  de  Abreu  M,jscarenlh7s,  tanibím  juiz  dos  órfãos  da 
mesma  vila  e  de  outras,  que  casou  em  Valezim  com  D.  Teresa  Rosa 
Freire  de  Figueiredo,  filha  do  Dr.  João  Nunes  de  Figueiredo  e 
I.ima,  cavaleiro  professo  da  Ordem  de  Cristo,  corregedor  de  Porta- 
legre, e  de  L).  Maria  Freire  da  Cunha  Castelo-Branco.    Tiveram : 

—  a  (Vlll).  D.  Maria  Rila  Bárbara  Freire  Mascarenhas,  que  fa- 

leceu solteira; 

—  *  |\'lll|.  Manuel   Freire    Mascarenhas     Caslelo-Branco,    que 

casou  na  Lageosa  de  Celorico  com  1).  Maria  Clara 
.Mendes  Escobar,  filha  do  Sargento-mór  António 
-Mendes  e  de  D.  Ana  Escohar,  e  teve,  àlêm  de  ou- 
tros que  morreram  crianças,  quatro  filhos  e  duas 
filhas,  uma  das  quais 

—  (IX).  U.  Ana  Cândida  Freire  Mascarenhas  Cas- 
teloBranco,  casou  em  Valezim  com  Joa 
quim  .'Vntónio  Calheiros,  de  quem  teve: 
—  (X).  António  Mascarenhas  Calheiros, 
bacharel  formado  em  Leis  c.  c  D.  Henri- 
queta de  Oliveira  Sá  Prego;— |X).  P.'  José 
Freire  Calheiros;  —  (X).  Augusto  Freire 
Mascarenhas  de  Calheiros;  —  (X).  Albino 
Freire  Mascarenhas ;  —  e  (X).  Alexandre 
Augusto  Freire  de  Calheiros  c.  c.  D.  Ma- 
ria Vilhena  do  Quental  e  Câmara,  da  ilha 
de  S.  Miguel  (Açores). 

3  (VI).  P.^  Manuel  Garcia  Mascarenhas,  b.  i  nov.  i6ó3,  ordenou-se  em 

lóyS-iõSi),  e  foi  beneficiado. 

4  (VI).  Fr.  Nuno  Mascarenhas,  cistercien-Je,  professou  em  S.  João  de 

Tarouca  em  1694.  Ocupou , os  cargos  mais  elevados  e  hon- 
rados da  sua  Ordem,  chegando  a  ser  eleito  em  1729  Dom 
Abade  do  R.  Mosteiro  de  Ceiça,  em  t732  Prior  do  R.  Mos- 
teiro de  Alcobaça,  e  em  1735  Dom  Abade  geral  e  Esmoler- 
-mór  do  reino.  Foi  em  1744  nomeado  definidor  da  sua  Ordem 
por  molu  próprio  do  papa  Benio  XIV,  cargo  que  pouco  tempo 
poude  desempenhar,  por  falecer  a  2  de  junho  do  mesmo 
ano  '. 


'  Encontram  se    noticias    minuciosas  de    Fr.    Nuno   Mascarenhas    no    códice 


102  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

b  (VI).  Soror  F.,  religiosa  de  Semide. 

VI  a)  —  Marcos  Garcia  Mascarenhas,   cavaleiro   professo  da  ordem 

de  Cristo,  moço-fidalgo  com  exercício,  c.  c.  D.  Maria  de 
Elvas  de  Abreu,  de  Penamacor,  filha  de  Belchior  Ferreira 
da  Costa,  moço  da  câmara  de  D.  João  IV  por  alvará  de 
14  fev.  1647,  e  de  D.  Felipa  de  Abreu;  neta  paterna 'de 
António  Simões,  cavaleiro-fidalgo  por  alvará  de.  3o  mar. 
iõi5.     Tiveram: 

1  (VII).  Dr.  João  de  Elvas  Mascarenhas,  que  segue 

2  (VII).  P.e  Marcos  António  Garcia  Mascarenhas,  que  se  ordenou  em 

1732-1737. 

3  (VII).  P.e  Luís  de  Abranches. 

4  (VII).  D.  Maria  Mascarenhas. 

5  (VII).  D.  Felipa  de  Elvas  Mascarenhas. 

6  (VII).  D.  Micaela  de  Elvas  Mascarenhas. 

7  (VII).  D.  Bernarda  de  Elvas  Mascarenhas. 
S  (VII).  D.  Rosa  Perpétua  Mascarenhas. 

VII  a)  —  Dr.  João  de  Elvas  Mascarenhas,  moço-fidalgo,  c.  em  primei- 

ras núpcias  em  Travanca  de  Lagos,  com  D.  Ana  de  . . 
(tia  de  D.  Bernarda  Umbelina,  de  Midões,  mãe  de  Sebas- 
tião de  Albuquerque,  do  Krvedal),  que  faleceu  sem  gera-, 
ção,  deixando  ao  marido  a  sua  casa  de  Travanca ;  casou 
em  segundas  niipcias  em  Vila-Pouca  com  D.  Josefa  Maria 
de  Figueiredo,  de  quem  teve : 

1  (VIII).  Luís  de  Elvas  Mascarenhas,  que  segue. 

2  (VIII).  João  de  Elvas  Mascarenhas. 

3  (VIII).  José  António  de  Elvas  Mascarenhas.,  c.  em  Vila-Cova  com 

D.  Maria  da  Conceição,  de  quem  teve  três  filhos  :  —  (IX). 
João,  José  e  D.  Ludovina. 

4  (VIII).  D.  Rita  de  Elvas  Mascarenhas  c.  c.  Rafael  José  de  Abran- 

ches, filho  de  João  de  Abranches  da  Gosta,  e  de  D.  Ana 
de  Brito  da  Fonseca. 

VIII  tj')  —  Luís  de  Elvas  Mascarenhas  c.  em  Sandomil  c.  D.  Ana  Joa- 


manuscrito  intitulado  —  Catalogo  dos  Dons  .ibbades  Triennaes  do  Real  Mosteiro  de 
Ceiça.  ■ .  por  Fr.  Manoel  de  FiGUEiREfjo  Chronisia  Mor  dos  Cisiercienses  de  Por- 
tugal. Anno  de  iy63—a  fl.  232.  (Bibl.  Nacional  de  Lisboa,  Fundo  geral,  cód.  1485).    A 
amabilidade  do  muito  zeloso  e  obsequiador  funcionário  daquela  Biblioteca,  sr.  No- • 
gueira  de  Brito,  devo  a  comunicação  de  uma  cópia  do  parágrafo  relativo  a  Fr.  Nuno. 


Trotai — Família  paterna  do  poeta  (jo3) 

quina  Mendes  de  Abreu,  filha  de  Domingos  Mendes  de 
Abreu,  de  S.  Romão,  e  de  D.  Maria  Alves  da  Fonseca, 
de  Sandomil.     Tiveram: 

1  (IX).  João  de  Elvas  Mascarenhas,  que  segue. 

2  (IX).  D.  Maria  Rosália  de  F.lvas  Mascarenhas,  c.  c.  Francisco  An- 

tónio Jácome  cie  Gouveia  Freire  e  Vasconcelos,  filho  de 
Francisco  Jácome,  de  Paranhos,  e  de  D.  Antónia  Caetana, 
de  S.  Romão,  senhor  dos  vínculos  da  antiga  casa  de  Para- 
nhos de  Cima.     Tiveram  : 

1  iXj.  i).  .l/;i/-.\i /l«iíi/;'j -j- solteira; 

2  (\\.  D.  Ana  Casimira  Freire  f  soUeira  em  18)5 ; 

3  (X).  0.  Francisca  de  Vasconcelos  Jácome ; 

)  IX).  D.  Antónia  Luduvina  Freire  e  Vasconcelos; 

5  (Xí.  Francisco  Jácome  Freire  de  Gouveia  e  Vasconcelos,  que  seguiu  a 
Mitgistratuia  judicial,  sendo  juiz  de  fora  em  ÀldiaGalega,  mas 
abandonou  a  vida  pública  em  1834.  Casou  com  sua  parenta 
D.  Ana  Carolina  de  Abreu  Magalhães  e  Figueiredo,  filha  do  de- 
sembargador do  I*aço  João  de  Figueiredo  de  iVloura,  Fid.  da  C. 
K  ,  e  de  D.  .loaquina  de  Magalhães  e  Abreu,  de  quem  se  falará 
adeanlc  (inTra,  VH  a"."  2,  2),  e  teve: 

—  a  (XI).  D.  Maria  Carolina  Jácome  Freire  de  Gouveia  e  Vas- 

concelos, n.  em  Lisboa  a  25  jan.  i83o,  c.  c.  .loão  de 
Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  filho  segundo  de 
António  José  de  Albuquerque,  de  Viseu  (X  a""  3),  e 
teve :  —  (XII).  Afonso  de  Albuquerque  do  Amaral  Car- 
doso, c.  c.  D.  .Maria  Inácia  de  Utcslre  de  Auvergne 
Soares  de  Albergaria,  filha  de  .Miguel  Aquiles  Soares 
de  .\lbergaria,  senhor  da  casa  de  Vila-do-.Mato  (.Mi- 
dóes),  com  três  filhas  ;  — (XII).  P.'  João  de  .Albu- 
querque do  Amaral  Cardoso,  da  Companhia  de  .lesus, 
falecido;  — (XII).  /).  Maria  Emilia  de  .Albuquerque do 
.Imaral  Cardoso,  solteira;  —  (XII).  />.  Maria  de  la 
.Salteie  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  solteira ; 
—  (XII).  b.  .Maria  das  Dores  de  .Albuquerque  do  .ima- 
ral 6'arJoso,  falecida;  —  (XII)'  D.  ...,  falecida;  — 
(XII).  /).  Maria  da  Conceição  de  .Albuquerque  do 
.hnaral  Cardoso,  c.  c.  Nicolau  Nunes  Ferreira,  com 
quatro  filhos  ;  —  (XII).  D.  Maria  Ana  de  .Albuquerque 
do  .Amaral  Cardoso,  c.  c.  António  Carneiro  de  Sousa 
Lara,  com  quatro  filhos ; 

—  b  (.\I|.  D.  .Maria  .Augusta  Jácome  Freire  de  Gouveia  e  Vascon 

celos,  n.  em  Lisboa  a  27  fev.  i836. 

IX  a'j  — João  de  Elvas  Mascarenhas  c.  na  Lageosa  (Oliveira  do  Hos- 
pital) c.  D.  Mana  Rita  Pinto  de  Figueiredo  e  Castro,  de 
quem  houve : 

/ 

i  (X).  D.  Maria  Amália,  freira  no  convento  do  Desagravo  em  Vila- 
-Pouca-da-Beira; 

2  (X).  A).  Maria  Pulquéria,  idem. 

3  (X).  Z,i/t.ç  de  Elvas  .Mascarenhas,  que  sutiue. 


(104)  'Brás  Garcia  <£Mascar enfias 

4  (X).  Francisco  Maria  de  Elvas  Mascarenhas,  militar. 

5  (X).  José  Maria  de  Elvas  Mascarenhas,  idem. 
D  (X).  P.^  João  de  Elvas  Mascarenhas. 

7  (X).  D.  Ana  Emília  de  Elvas  Mascarenhas. 

8  (X).  D.  Rosa  de  Elvas  Mascarenhas. 

9  (X).  D.  Inês  de  Elvas  Mascarenhas. 

X  a)  —  Luís  de  Elvas  Mascarenhas  foi  oficial  de  voluntários  de  Ar- 
ganil, e  c.  c.  D.  Maria  Emília  Xavier  de  Pina,  filha  de 
Kstanislau  Xavier  de  Pina,  de  Várzea  de  Meruge,  que 
veiu  a  ser  assassinado  a  8  jan.  i85o,  junto  de  Lourosa, 
pela  quadrilha  dos  Brandões. 

Ramo  secundário  'i") 

V  a"}  —  Manuel  Garcia  Mascarenhas,  filho  de  António  Garcia  (IV  a  7), 
c.  c.  D.  Maria  da  Mota  Godinho,  de  Midões,  filha  de  Je- 
rónimo Godinho  da  Costa,  de  Midões,  e  de  Ana  Pais  da 
Veiga,  de  Gavinhos,  freguesia  de  Oliveira  do  Hospital. 
Teve: 

1  (VI).  D.  Amónia  Godinho  Mascarenhas,  que  segue  (VI  a'\). 

2  (VI).  D.  Maria  da  Mota  Godinho  Mascarenhas,  que  segue  (VI  a'\J. 

Ramo  terciário  a'\) 

VI  a'\)  —  D.  Antónia  Godinho  Mascarenhas  c.  em  Seia  c.  o  L.-^"  Ma- 
nuel de  Magalhães  Basto  de  Castelo-Branco,  cavaleiro  da 
Ordem  de  Cristo,  corregedor  de  Santarém,  bisneto  por 
sua  avó  materna  de  Atanásio  Ribeiro  de  Abreu,  gover- 
nador de  Cascais,  fid.  da  C.  R.  por  alvará  de  i583,  ano 
em  que  também  lhe  foi  concedida  carta  de  brasão  de  ar- 
mas dos  apelidos  de  Abreus  e  Regos  (cf.  infra  V  a'"). 
Teve  entre  vários  filhos,  que  desempenharam  elevados 
cargos : 

1  (Vil).  Inácio  de  Magalhães  Castelo-Branco,  que  segue  (VII  íj",  *). 

2  (VII).  D.  Josefa  de    Magalhães  Castelo-Branco,   que    segue    (VII 


Ramo  quaternário  '^  "i*) 
VII  a"\*)  —  Inácio  de  Magalhães  Castelo  Branco,  cavaleiro  da  Ordem 


C\pta  I —  Família  paterna  do  poeta  (i  o5) 

de  Cristo,  familiar  do  S.'"  Ofício,  viveu  em  Seia  cer- 
cado de  grande  fausto  e  aparato,  e  c.  c.  D.  Josefa 
Caetana  da  Mota  Veiga,  de  Farinhão,  filiia  de  José 
Cardoso  Coelho  e  de  D.  Maria  da  Mota  Veiga.  Ti- 
veram, entre  outros  filhos, 

VIII  a'\  *)  —  Manuel  Carlos  de  Magalhães  Castelo-Branco  e  Vasconcelos, 

cavaleiro  da  Ordem  de  Cristo,  c.  c.  sua  prima  D.  Isa- 
bel Antónia  Pinto  de  Sequeira  Cabral,  filha  de  Manuel 
Pinto  Monteiro,  de  Folhadosa,  de  quem  adeante  fala- 
remos (VI  a'\    3),  e  de  sua  2.*  mulher.     Teve 

IX  a'\  *)  —  Inácio  de  Magalhães  Pinto  de  Sousa  Ferrão  Castelo-Branco 

(■i-4  abr.  1801),  c.  c.  sua  prima  D.  Clara  Maria  Pinto 
Boto  Machado  (  t  27  mar.  1801),  filha  de  Jorge  Boto 
Machado,  de  S.  Romão,  e  de  D.  Maria  Mendes  Pinto 
de  Gouveia,  de  Vila-Cova-à-Coelheira  (VIIí,t"\^  i),  e 
teve 

Xa'\*)  — D.  Maria  Máxima  Pinto  Boto  de  Castelo-Branco,  n.    i3 

uut.  1772,  c.  22  abr.  1792  c.  Francisco  de  Paula  Vieira 
da  Silva  Tovar,  n.  8  fev.  1774,  i."  Barão  de  Molelos 
por  decr.  17  dez.  181 5,  i.°  Visconde  do  mesmo  título 
por  decr.  6  fev.  1826,  môço-fid.  com  exercício  por  al- 
vará 14  fev.  1779,  do  Cons.  de  El  Rei  D.  João  VI, 
comendador  das  Ordens  de  S.  Tiago  e  da  Torre  e 
Espada,  brigadeiro  dos  reais  exércitos  em  1826,  con- 
decorado com  a  cruz  da  Campanha  n."  3  da  guerra 
peninsular,  deputado  às  cortes  em  182 1  e  1822,  aju- 
dante-general  do  exército  de  observação  na  guerra 
contra  os  franceses,  secretário  militar  do  Infante  co- 
mandante-em-chefe  do  exército  em  1823,  governador 
das  armas  da  Beira,  tenente-general,  bacharel  formado 
em  matemática  e  filosofia,  -J-  7  dez.  i852,  tendo  sua 
esposa  falecido  a  24  out.  1834.     Tiveram 

XIíi'\*)  — D.  Maria  Carlota  Vieira  de  Tovar  Pinto  de  Magalhães,  n. 

8  março  1800  {•{•  em  1872),  c.  8  ag.  1824  c.  seu  tio 
paterno  António  Vieira  de  Tovar  e  Albuquerque,  n. 
i5  maio  178(5  ( •;-  14  jun,  i838),  môço-fid.  com  exerci- 


(io6)  Uras  Garcia  éMascarenhas 

ciô,  comendador  da  Ordem  de  S.  Tiago,  desembar- 
gador da  Casa  da  Suplicação,  fiscal  das  matas,  etc. 
Tiveram : 

1  (XII).  Francisco  de  Paula  de  Tovar  de  Magalhães  e  Albuquer- 

que, n.  ir)  mar.  1826,  f  maio  1847. 

2  (XII).  José  Mari.7,  n.  2  jan.  1827,  f  em  t8?i. 

3  (XII).  AiUónio  Vieira  de  Tovar  de  Magalhães  e  Albuquerque, 

que  segue. 

XII  a'\  *)  —  António  Vieira  de  Tovar  de  Magalhães  e  Albuquerque,  n. 

póstumo  a  19  ag.  i838,  7  a  5  mar.  1020,  bacharel 
formado  em  Direito,  c.  7  set.  i8õi  c.  D.  Maria  dos 
Prazeres  de  Magalhães  Perfeito,  n.  14  abr.  1887,  filha 
de  José  de  Magalhães  de  Meneses  Vilas-Bôas  Sampaio 
de  Barbosa  (môço-fid.,  alferes  de  cavalaria  em  1827, 
coronel  do  regimento  de  milícias  de  Barcelos  em  i83i, 
comendador  da  Ordem  de  Cristo,  cavaleiro  da  Torre 
e  Espada,  senhor  da  Casa  de  Vilas-Bôas  em  Barcelos; 
e  da  casa  de  Alvelos  em  Amarante,  deputado  ás  Cortes 
em  1857,  -|-  em  24  out.  1870),  e  de  sua  molher  D.  Ana 
Adelaide  Perfeito  de  Aragão  Sousedo,  senhora  da  casa 
da  Corredora  e  da  de  Mesão-Frio.  Teve  uma  única 
filha, 

—  (XIII).  D.  Maria  dos  Prazeres,  n.  25  nov.  i865,  f  24  fev.  1869. 


Ramo  quaternário  a  "  **) 

VII  a'\  **)  —  D.  Josefa  de  Magalhães  Castelo-Branco,  filha  de  D.  An- 
tónia Godinho  de  Mascarenhas  e  de  seu  marido  o 
L.'^°  Manuel  de  Magalhães  Basto  de  Castelo  Branco 
(supra,  VI  a",),  c.  c.  o  capitão  Roque  de  Abreu,  des- 
cendente legítimo  dos  Abreus  de  Vila-Pouca  (cf.  infra 
VI  è'\  **  I,  e  Not.  geneal.  Ill,  IV  2,  e  VI  c),  filho  de 
Luís  de  Abreu  e  de  sua  mulher  D.  Maria  do  Amaral, 
a  qual  descendia  de  um  ramo  da  família  Garcia  Mas- 
carenhas, como  a  seu  tempo  diremos  (infra  VI  b''\  **  i), 
que  tinha  fixado  residência  em  Sandomil,  onde  pos.suia 
uma  importante  casa.     Teve: 

i  (VIU).  Luís  de  Abreu  Magalhães,  que  segue. 


T^ota  I — Família  paterna  do  poeta  (loy) 

2  (VIU).  D.  Teodora  de  Abreu  Magalhães,  que  casou  cm  Sando- 
mil  com  João  Félix,  e  teve  : 

1  (IX).  D.  Maria  de  Magalhães  Abreu,  casada  contra  vontade  da  fa- 

mília em  Saiidomil  com  Félix  Nunes  Macliado.  de  quem 
houve  três  filhas :  —  a  Oí).  D.  Maria  Amália  de  Magalhães, 
c.  c.  Joaquim  Pereira  Maciel,  de  Faro,  com  ger.,  — i  (X). 
D.  Rita  Valentina  de  Abreu  Magalhães,  c.  c.  António  de 
Sousa  Sobral,  de  Sandomil.  sem  g.-r.,  —  c  (X|.  D.Joaquina 
de  Abreu  Magalhães  c.  c.  Manuel  Nunes  Machado,  de  San- 
domil, com  ger.,  —  as  quais  todas  casaram,  como  sua  mãe, 
com  desgosto  e  reprovação  da  família. 

2  (IX).  1).  Joaquina  de  Magalhães  e  Abreu  c.  c.  .loão  de  Figueiredo 

de  Moura,  de  Sandomil,  (id.  da  i;.  K.,  cavaleiro  da  Ordem 
de  Cristo,  disemhargador  da  Relação  do  Rio  de  Janeiro,  e 
ali  provedor  da  ('asa  da  moeda,  falecido  em  Lisboa  em  i834. 
Tiveram : 

—  o  (X).  Manuel  Luciano  de  Magalhães  de  Abreu  e  Figuei- 

redo, n.  no  Rio  de  Janeiro  a  22  jan.  i8oo,  seguiu  a 
magistratura  judicial,  sendo  já  desembargador  efe- 
ctivo da  Casa  da  Suplicação  aos  24  anos  de  idade; 
foi  môço-íid.  com  exercício,  cavaleiro  da  Ordem 
de  Oisto,  e  desempenhou  várias  comissões  impor- 
tantes com  grande  rectidão  e  desinteresse  ;  exilado 
em  i834,  só  voltou  à  pátria  em  i85o,  falecendo 
pouco  depois,  a  i3  dez.  do  mesmo  ano  ; 

—  b  (X).  b.  .ina  Carolina  de  Abreu  Magalhães  e  Figueiredo, 

n.  também  no  Rio  de  Janeiro,  sucedeu  na  casa  de 
Sandomil  a  seu  pai  e  a  seu  irmão  ;  casou  com  seu 
parente  Francisco  Jácome  Freire  de  Gouveia  e 
Vasconcelos,  juís  de  fora  de  .Mdeia-Galega,  senhor 
da  casa  e  morgado  de  Paranhos  de  Cima,  no  termo 
de  Seia,  de  quem  já  nos  ocupámos  e  cuja  descen- 
dência apontámos  (supra  VIII  a'  2,  5). 

VIII  a\  **)  —  Luís  de  Abreu  Magalhães  c.  c.  sua  prima  D.  Antónia  de 

Barros,  tilha  de  Mateus  Garcia  Lobo  e  de  D.  Fran- 
cisca de  Barros  e  Oliveira  (infra  VIII  b'\^  2),  e  teve, 
àlêm  de  outros  filhos: 

1  (IX).  José  Cíilisto  de  Abreu  Magalhães,  c.  c, . . ,  ? 

2  (IX).  D.  Maria  Rita  de  Magalhães  e  Barros,  que   casou  em 

S,  Gião. 

3  (IX).  Roque  de  Abreu  Magalhães,  que  segue. 

IX  a'\  **)  —  Roque  de  Abreu  Magalhães  teve  de  Ana  Mendes,  mulher 

solteira,  uma  filha  natural,   reconhecida   e   legitimada 
por  provisão  régia,  de  nome 

X  a'\  **)  —  D.  Perpétua  Margarida  de  Abreu  Magalhães,  que  sucedeu 

na  casa  de  seu  pai,  e  c.  c.  Francisco  de  Paula  P^iguei- 


(jo8J  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

redo,  major  de  milícias  de  Arganil,  filho  do  bacharel 
Domingos  José  de  Figueiredo,  e  de  sua  mulher  D.  Rita 
Maria  da  Silva.     Teve  : 

1  (XI).  Luís  de  Abreu  Magalhães  Figueiredo,  bacharel  formado 

em  Cânones. 

2  (XI).  José  de  Abreu  Magalhães  Figueiredo,  b.  25  nov.  iSi  i,  ba- 

charel em  Teologia. 

3  (XI).  Francisco  de  Paula  Magalhães  Figueiredo,  que  segue. 

4  (XI).  António  de  Barros  Magalhães  Figueiredo,  professor  régio 

em  S.  Gião. 

5  (XI).  D.  Maria  da  Natividade  Magalhães  Barros  de  Figueiredo. 

6  (XI).  D.  Ana  Alexandrina  de  Magalhães  Figueiredo. 

7  (XI).  D    Ângela  Adelaide  de  Magalhães  Figueiredo. 

8  (XI).  D.  Rita  Cândida  de  Magalhães  Figueiredo  c.  c.  Luís  An- 

tónio Monteiro,  senhor  da  casa  da  Póvoa-das-Quartas 
(Lagos-da-Beira),  onde  residia,  a  qual  deixou  a  seu  sobri- 
nho por  afinidade  Luís  de  Abreu  Magalhães  Figueiredo 
de  Moura  Portugal  (infra  XI  a", -*4). 

9  (XI).  D.  Felícia  de  Magalhães  Figueiredo. 

XI  a'\  **)  — Francisco  de  Paula  Magalhães  Figueiredo,  h.  26  nov.  18 17, 
bacharel  formado  em  Direito,  deputado  a  Cortes,  c.  c. 
D.  Maria  Bárbara  de  Moura  Portugal,  filha  de  Joaquim 
Homem  de  Moura  Portugal,   de  Rio-Tôrto,  concelho 

de  Gouveia.     Tiveram: 

1  (Xlf).  Francisco  de  Paula  de  Figueiredo  Moura  Portugal  c.  c. 

D.  Sofia  da  Glória  Brito  Madeira  Portugal,  e  tiveram: 

I  (Xlll).  Francisco  de  Paula  Figueiredo  dn  Portugal  e  Brito; 

i  (Xin).D.  Inácia  de  Barros  Magalhães  Portugal  e  Brito,  c. ,  com 

descendência ; 
3  iXIIIi.  D.  Elvira  de  Barros  Magalhães  Portugal,  com  descenJíncia; 
1  (Xlll|.  D.  Maria  Vitória  de  Barros  Magalhães  Portugal ; 
5  (X1II|.  D.  Alice  de  Barros  Magalhães  Portugal. 

2  (XII).  D.  Maria  Adelaide  de  Moura  Portugal  c.  c.  Artur  Soares 

de  Brito,  e  tiveram  : 

1  (XIII).  Humberto  Soares  Je  Brito  Portugal ; 

2  (XIII).  D.  Maria  Olímpia  Soares  Je  Brito  Portugal,  c,  com  descen- 

dência ; 

?  (XIIÍ).  Raul  Soares  de  Brito  Portugal,  c.  com  descendência; 

^  iXIlI).  Alfredo  Soares  de  Brito  Portugal,  c  ; 

^  (Xlll).  Ariur  Soares  de  Brito  Portugal,  c; 

b  (Xlll).  D.  Lúcia  Soares  de  Brito  Portugal,  c.  c.  o  Dr.  Germano  An- 
tunes do  Amaral,  advogado,  notário  em  Tábua,  com  descen- 
dência. 


^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^09) 

3  (XII).  Z).  Ana  da  Natividade  de  Moura  Portugal  f  solteira. 

4  (XII).  Luís  de  Abreu  Magalhães  Figueiredo  de  Moura  Portugal 

c.  c.  D.  Maria  do  Ceu  da  Costa  Morais,  e  tiveram : 

1.  (XIII).  D.  Miiria  da  Nalivijjde  Morais  Purtugal,  c.  com  descend. ; 

2.  (.\11I).  João  de  Morais  Purtugal,  capitão  de  artilham,  +  solt. ; 

3.  (XIII).  D.  Maria  Margarida  de  Morais  Portugal,  c.  c.  Ur.  José  Cra 

veiro  Lopes,  com  desc. ; 

4.  (XIII).  O.  Maria  Bárbara  de  Morais  Portugal,  c.  c.  Dr.  Elmano  da 

Cunha  e  Costa,  com  desc. ; 

5.  (XIII).  I.uis  de  Morais  Portugal,  alferes  de  artilharia,  c. ; 

6.  (XIII).  José  de  Morais  Portugal,  alferes  de  artilharia,  f  solt.; 

7.  (XIII),  /).  Maria  José  de  Morais  Portugal,  c.  com  desc. ; 

8.  IXIII).  António  de  Morais  Portugal. 

5  (XII).  António  de  Barros  de  Moura  Portugal  f  solteiro. 


Ramo  terciário  ii'\.) 

^í ''"u)  — D.  Maria  da  Mota  Godinho  Mascarenhas,  filha  de  Manuel 
Garcia  Mascarenhas  e  de  D.  Maria  da  Mola  Godinho  (supra 
V  a"),  casou  em  S.  Romáo  com  o  desembargador  du 
Porto  e  juiz  da  coroa  Manuel  Pinto  Monteiro,  cavaleiro 
professo  da  Ordem  de  Cristo,  auditor  geral  da  gente  de 
guerra  do  Alemtejo,  familiar  do  S.'°  Ofício,  filho  dé 
Manuel  Duarte  Pinto,  capitão  da  vila  de  S.  Romáo,  e 
de  D.  Maria  da  Mota.  Por  falecimento  de  sua  mulher, 
Manuel  Pinto  Monteiro  veiu  a  contrair  2.**  niipcias  com 
D,  Maria  Luísa  Saraiva,  viúva  do  familiar  do  S.'°  Ofício 
António  de  Almeida  Beltrão.  D.  Maria  da  Mota  Godinho 
Mascarenhas  deixou  a  seguinte  prole : 

I  (VII).  D.  Inácia  Maria  Pinto,  c.  c,  João  de  Almeida  de  Melo  e  Vas- 
concelos, senhor  da  quinta  de  S.to  Estêvão,  junto  de  Viseu, 
filho  de  António  Peçanlia  de  Vasconcelos  (filho  2.°  da  casa 
dos  Almeidas),  e  de  sua  mulher  D.  Maria  Soares  de  Melo, 
senhora  da  referida  quinta  de  S.to  Estêvão,  e  da  casa  da 
Torre,  na  rua  da  Cadeia,  em  Viseu,  que  fora  de  seu  avô 
materno  Diogo  Soares  de  Melo,  môço-fidalgo  da  C.  R., 
filho  de  Gomes  de  Abreu,  clérigo  iji  minoribus,  cónego 
da  Sé  daquela  cidade,  primo  co-irmão  da  duquesa  de 
Bragança  D.  Joana  de  Mendonça,  2.'  mulher  do  duque 
D.  Jaime,  e  descendente  por  varonia  dos  Abreus,  senho- 
res de  Regalados.    Teve,  entre  outroF  filhos, 

—  (VIII).  José  de  Almeida  e  Vasconcelos,  c.  c.  D.  Francisca  de  Abreu 
Castelo-Branco,  filha  bastarda  legitimada  dí  Francisco  de 
.•\breu  Castclo-Branco  de  Figueiredo,  e  teve: (IX)  D.  F. . ., 


(iro)  'Brás  Garcia  {Mascarenhas 

de  Almeida  e  Vasconcelos,  herdeira  da  grande  casa  de  seus 
pais,  c.  c.  Luís  Augusto  de  Nápoles,  senlior  das  casas  dos 
Lemos  e  Nápoles,  de  Viseu,  Penacova  *  lourais.  Falecendo 
sem  geração  esta  última  senhora  de  S.io  Estêvão,  sucederam- 
llie  na  casa  os  Caiados  de  Trevóes  (Pesqueira),  por  Domingos 
Caiado  (IV  a  5,3  a)  ser  casado  com  uma  irmã  (ou  tia?)  da- 
quela última  possuidora. 

2  (VII).  D.  Antónia  Pinto  da  Mota,  que  segue. 

3  (Vil).  Manuel  Pinto  Monteiro,  cav.  da  Ordem  de  Cristo  e  familiar 

do  S.'"  Ofício,  sucedeu  na  casa  de  seus  pais,  e  c.  c.  sua 
prima  D.  Maria  Eufemia  de  Sequeira  Cabral,  de  S.  Romão, 
de  quem  faiaremos  adeante  (VI  a"\^  2)  e  teve 

—  (VIU).  L>.  Isabel  Antónia  Pinto  de  Sequeira  Cabral,  herdeira  da  casa 
de  seus  pais.  c.  c.  seu  primo  Manuel  Carlos  de  Magalhães  Cas- 
telo-Branco  e  Vasconcelos,  de  quem  já  nos  ocupámos  (Vlil 
<i",  *)  e  cuja  descendência  já  descrevemos. 

4  (VII).  José  Pinto  Monteiro,  cavaleiro  de  Cristo. 


VII  a"j  -  D.  Antónia  Pinto  da  Mota,  c.  c.  Luis  de  Oliva  de  Sousa 

Cabral,  de  Sameice,  seu  parente,  bisneto  por  varonia 
de  João  de  Oliva  de  Sousa.     Teve 

VIII  ti\^)— D.  Maria  Angélica  Pinto  de  Sousa  Cabral,  c.  c.  Manuel  de 

Lemos  e  Nápoles,  lid.  da  C.  R.,  capitão-mór  de  Pena- 
verde  (Aguiar-da-Beira),  filho  de  Diogo  de  Lemos  e 
Nápoles,  e  de  D.  Mariana  Pereira  Pimentel,  de  Freixo 
de  Numão.     Teve  : 

1  (I.X).  António  Manuel  de  Lemos  e  Nápoles,  fid.  da  C.  R.  e  fami- 

liar do  S.to  Ofício,  t  sem  descendência. 

2  (IX).  D.  Isabel  Mauricia  de  Nápoles,  c.  c.   Luís  Sebastião  da 

Cunha  Pereira  de  Castro,  fid.  da  C.  R  ,  capitão-mór  de 
Proença-a- Velha,  cavaleiro  de  Cristo,  filho  de  João  Felipe 
Pereira  de  Castro,  fid.  da  C.  R.,  comendador  da  Ordem 
de  Avis,  governador  de  Salvaterra,  e  de  D.  Brites  da  Cunha, 
senhora  da  casa  dos  Cunhas  de  Proença-a  Velha.    Teve : 

1  (X).  D.  F.. ..  de  Lemos  Nápoles  e  Castro,  c.  c.  seu  primo  direito  Luis 
Ferreira  de  Nupoles  (infra  5,  2),  senhor  da  casa  do  S.irzedo,  termo 
de  Leomil,  e  teve,  eutre  outros  filhos,  —  (XI)  José  de  Lemos  e  Ná- 
foles,  sucessor  naquela  casa,  que  casou  com  sua  prima  U.  Maria 
de  Meneses  (infra  4,  2). 

a  iX).  João  Felipe  da  Cunha  e  Castro,  fid.  da  C.  R.,  capitão-mór  de 
Proença,  c.  c.  D.  Ana  Joaquina  de  Meneses,  filha  de  Inácio  Pita 
Leite  e  de  D.  Sebasliana  Maria  de  Meneses,  a  qual  D.  Ana  era 
irmã  de  h.  -Maria  Rosa  Pita  Leite  c.  c.  .losé  de  Lemos  e  Nápoles, 
tio  de  João  Felipe  (infra  4),  e  tiveram  —  (XI).  Rodrigo  Pita  de 


JS^ota  I—  Família  paterna  do  poeía  fui) 

Caslru  c  Meneses,  que  em  iHií^  era  juiz  de  direito  em  tlastelo- 
-Branco. 

3  (IX).  D.  Florência  Jacinta  de  Lemos  e  Nápoles,  que  segue 

4  (IX).  José  de  Lemos  e  Nápoles,  fid.  da  C.  R.,  c.  c.  D.  Maria  Rosa 

Pita  Leite,  a  quem  já  nos  referimos  (supra  2,  2),  e  teve : 

I  (X).  Diogo  Je  Lemos  e  Nápoles  Manuel,  senhor  das  casas  de  Penaverde 
e  Sameice,  tid.  da  C.  R..  bacharel  formado  em  Cânones  ; 

5  (X).  D.  Maria  de  Meneses,  c.  c.  seu  primo  José  de  Lemos  e  Nápoles, 
senhor  da  casa  do  Snrzedo  e  da  quinta  da  Bôa- Vista,  de  quem  já 
falámos  (supra  2.  i),  c  teve  geração ; 

í  (X).  Ura  outro  íilho  F.     . 

5  lIX).  D.  F...  ,  c.   c.  José  Beinardo   Ferreira,  senhor  de   impor- 

tante casa,  o  teve : 

I  IX).  Francisco  Ferreira  de  S'ãroles  -j-  sem  geração  na  sua  casa  de 
I  tarei,  concelho  de  Mangualde  ; 

J  (X).  Luís  Ferreira  de  Nápoles,  c.  c.  sua  prima  direita  I).  F de  Le- 
mos Nápoles  e  Castro,  a  quem  já  se  fez  referência  (supra  2,  1). 

IX  a"  )  —  D.  Florência  Jacinta  de  Lemos  e  Nápoles,  c.  c.  Manuel  Me- 
telo  Monteiro,  senhor  da  casa  e  morgado  dos  Metelos 
da  Freixeda  do  Torrão,  termo  de  Castelo  Rodrigo. 
Teve : 

1  (X).  António  Metelo  Pacheco  Monteiro  de  Nápoles,  c.  c.  D.  Ma- 

riana de...,  filha  de  Gaspar  Felipe,  de  Manteigas  (senhor  da 
casa  de  Teixoso,  Covilhã),  e  de  sua  mulher  D.  Rosa.  Ti- 
veram: 

1  iXl).  Manuel  Metelo  Pacheco  f  solteiro,  sem  geração  : 

2  (XI).  Anlonio  da  Cunha  Metelo  (que  sucedeu,  ja  velho,  a  seu  irmão),  c.  c. 

D.   F Metelo,  filha  de  Manuel   Maria  Metelo,  capitáo-mòr  de 

Pinhel,  descendente  de  Alexandre  Metelo,  do  Conselho  Ultramarino, 
embaixador  na  China.  Faleceu  este  António  da  Cunha  .Metelo 
sem  geração,  deixando  a  parte  da  sua  fortuna,  de  que  podia  dispor, 
3  sua  mulher,  que  veiu  a  casar  em  2.^*  núpcias  com  Tomas  Metelo 
Pacheco,  primo  de  seu  primeiro  marido  (infra  2.  a). 

2  (X).  ,.4ii/cim'o  Monteiro  Metelo  Pacheco  de  Nápoles,  filho  2°,  c.  c. 

D.  F ,  rica  proprietária  no  termo  de  Pinhel,  e  teve,  entre 

outros  filhos, 

—  (XI).  Manuel  Metelo  Pacheco  Monteiro  de  Nápoles,  sucessor  na  casa  de 
sua  mãe,  vindo  no  fim  da  vida,  quaudo  já  tinha  mais  de  noventa 
anos,  a  herdar  a  casa  de  seu  primo  direito  .Vntónio  da  Cunha  Me- 
telo (supra  I,  2).  Casou  em  i."*'  núpcias  com  D.  F....  e  em  2.*" 
com  r>.  Vicència  Côrle-Real.  irmã  de  sua  primeira  mulher,  e  se* 
nhora  da  casa  da  Freineda,  termo  de  Castelo-Bom.  Teve  do  1.^  ma* 
Irimónio:  —  a  (XIi).  Tomás  Metelo  Pacheco,  que  casou  com  a  viúva 
de  seu  primo  António  da  Cunha  Metelo  (supra  1,3;,  para  tornar  a 
reunir  a  grande  casa  deste,  e  teve  descendência;  —  *  IXII)  Jerõ' 


(lia)  'Brás  Garcia  (£Mascarenhas 

nimo  Meteio,  senhor  de  uma  importante  casa  em  a  Nave  do  Sabu- 
gal. 1)0  2.°  matrimónio  teve :  —  c  (XH|.  D.  Maria  Augusta  Melelo. 

i  (X).  D.  Maria  Benedita  Melelo,  que  segue. 

X  a"  ,^)  —  D.  Maria  Benedita  Metelo,  c.  c.  António  Pacheco  Loureiro 

de  Vasconcelos,  senhor  da  casa  dos  Pachecos  de  Celo- 
rico da  Beira  e  monteiro-mór  do  respectivo  castelo, 
cuja  chave  esteve  em  seu  poder  até  i834,  em  que  a  ve- 
reação municipal  foi  solenemente  recebê-la.     Teve : 

1  (XI).  António  Pacheco,  que  foi  capitão  de  voluntários  realistas  na 

Guarda,  herdeiro  da  casa  de  seus  pais,  e  administrador  dos 
.  vínculos.    Faleceu  solteiro. 

2  (XI).  Luís  Metelo. 

3  (XI).  Manuel  Metelo. 

4  (XI).  D.  Maria  Miquelina  Metelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles, 

que  segue. 

5  (XI)   D.  Maria  da  Conceição  Pacheco. 

XI  íj"  ^)—  D.  Maria  Miquelina  Metelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles,  de 

Celorico,  c.  c.  Francisco  Cabral  da  Fonseca  Cerveira 
da  Cunha  Osório,  de  Açores  (Guarda),  senhor  da  casa 
dos  Cabrais  de  Açores.     Teve : 

I  (XII).  Francisco  Cabral  Melelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles 
Manuel,  que  segue. 

1  (XII).  António  Pacheco  Metelo  de  Nápoles  Manuel,  bacharel  for- 
mado em  Direito,  deputado  às  cortes  em  diversas  legis- 
laturas. 

3  (XII).  Luís  Metelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles  Manuel. 

4  (XII).  José  Melelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles  Manuel. 

5  (XII).  D.  Alaria  Francisca  Metelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles. 

6  (XII).  D.  Emília  Metelo  Pacheco  da  Cunha  Coutinho,  c.  c.  Dr.  An- 

tónio Augusto  da  Cunha  Coutinho,  juiz  de  Direito  apo- 
sentado como  auditor  militar  em  Viseu. 

XII  a'\^)  — Francisco  Cabral  Metelo  Pacheco  de  Lemos  e  Nápoles  Ma- 

nuel, c.  c.  D.  Maria  Amália  Freire  Cortês  de  Albu- 
querque (XII  a""J,  e  teve: 

I  (XIII).  D.  Maria  Riia  Freire  Cabral  Metelo  de  Sacadura,  c.  c.  o 
Dr.  Júlio  César  de  Sande  Sacadura  Bote,  lente  da  Facul- 
dade de  Medicina.    Tiveram : 

I  (XIV).  Francisco  Cabral  Je  Sacadura,  bacharel  formado  em  Oireit», 
c.  c.  IJ.  Maria  de  Sousa  Sacadura  Bote,  e  tcem: 
—  a  (XV).  D.  Maria  Liberala  ; 


OHiota  I —  Família  paterna  do  poeta  (n^) 

—  h  (X\';.  D.  Maria  Uiisa  ; 

—  c-  (X\').  D.  Maria  de  Lourdes; 

2  (XUj.  D.  Maria  Cabral  de  Sacadura  (f  na  Suiça)  c.  c.  o  Doutor  An- 
tónio Faria  Carneiro  Pacheco,  lenfe  da  Faeuldade  de  Direito, 
sem  fíor. 

2  (XIH).  Antfmio  Freire  Cortês  Cabral  Metelo  Pacheco  de  Albu- 
querque,  c.  c.  D.  Maria  da  Conceição  iVladeira  de  Abreu, 
da  Quinta-da-Costa  (AW.  gen.  Ill,  XI  a"  i).     Tiveram : 

1  (Xl\').  António  Freire  Cortês  Cabral  Madeira,  c.  c.  D.  Sara  Madeira, 

com  ger. ; 

2  |Xf\').  João  Caril  s  Freire  Cortês  Cabral  Madeira,  c.  c.  D.  Cesaltina 

Planas  Dória,  com  ger.; 

3  (Xn-).  D.  Maria  de  Lourdes  Madeira  de  Abreu,  c.  c.  Arnaldo  Portas, 

contador  na  comarca  da  Guardo. 

3  (XIII).  Frandsco  Cabral Metelo.n  iS  abr.  iS58,  bacharel  formado 
em  Direito,  grã-cruz  de  Isabel  a  Católica,  antigo  depu- 
tado da  Nação,  governador  civil  de  Lisboa,  secretário 
geral  da  Câmara  dos  Faies,  c.  c.  D.  Maria  Emília  de  Vas- 
concelos Pereira  Coutinho  de  Macedo,  filha  do  par  do 
Reino,  juiz  da  Relação  de  Lisboa,  Dr.  António  de  Vas- 
concelos de  Faria  Pereira  Coutinho,  herdeira  do  vínculo 
de  Oliveira-do-Ho^pital,  fundado  no  século  xvii  por  Jorge 
de  Faria  Garcês.     Tiveram: 

1  (XI\-;  D  Mari.,  l.uisa  Cabral  Metelo  Pinto  Barreiros,  c.  c.  o  enge- 

ntieiro  civil  Domingos  Pinto  Barreiros,  sem  ger.  até  hoje  ;  " 

2  (\IV).  Franci,.:,  Mam.el  Cbral  Metelo  de  Vasconcelos,  solteiro. 

4  (XIII).  n.  Maria   Miquelina   Freire  Cabral  Metelo   Pacheco,  f 

solteira. 

5  (XIII).  o.  Mana  da  Conceição  Freire  Cabral  Metelo  do  Amaral, 

c.  c.  António  do  Amaral  Cabral  Saraiva,  senhor  da  casa 
de  Val-de-Azares.    Tiveram: 

1  {\IV).  D.  Maria  Amália  do  Amaral  Cabral,  c.  c.  Joáo  de  Passos  de 
Sousa  Manuel  Canavarro,  bacharel  formado  em  Direito,  e 
lêem : 

—  a  (X\-;.  A„lri„io  Canararro  do  Amaral  Cabral, 

—  *  |X\  ).  D.  Maria  da   Conceição    Canavano  do  Amaral 

Cabral, 

—  c  (XV),  João  Canavarro  do  Amaral  Cabral, 

—  d  (XV).  D.  Maria  Amália  Canavarro  do  Amaral  Cabral, 

—  e  (X\j.  D.  Maria  Luísa  Canavarro  do  Amaral  Cabral, 
— /(XV).  D.  Marta  Isabel  Canavarro  do  Amaral  Cabral, 
~S  1X\  ).  O,  Maria  do  Carmo  Canavarro  do  Amaral  Ca- 
bral; 

a  (XI\').  D.  Maria  Adelaide  do  Amaral  Cabral  Campos  Melo,  c.  c.  AI- 
berto  de  Campos  Melo,  bacharel  formado  em  Direito,  e 
tecm : 

—  a  (XV).  António  do  Amaral  Campos  Melo, 

—  b  (XV).  D.  Mjria  da  Lu:;  Campos  Melo; 


(114)  'Brás  Garcia  cMascarenhas 

3  (XIV).  D.  Maria  Emilia  do  Amaral  Cabral,  solteira ; 

4  (XIV).  D.  Maria  das  Dores  do  Amaral  Cabral,  solteira  ; 

5  (XIV).  D.  Isabel  Maria  do  Amaral  Cabral  Parreira,  c,  c.  seu  primo 

António  Parreira  Luzeiro  de  La-Cerda  (infra  6  [XIIIj  i),  com 
geração ; 

6  (XIV).  D.  Maria  Constança  do  Amaral  Cabral  de  Almada  e  Melo,  c. 

c.  José  de  Almada  e  Melo,  bacharel  formado  em  Direito,  sem 
geração; 

7  (XIV).  José  Cabral  Metelo  do  Amaral,  c.  c.  D.  Maria  Augusta  Pais  de 

Faria  Amaral,  e  teem : 

—  a  (XV).  António  Cabral  Metelo  do  Amaral, 

—  *  (XV).  D.  Maria  de  Lourdes  Pais  Cabral  do  Amaral ; 

—  c  (X^'),  D.  Alaria  Fernanda  Pais  Cabral  do  Amaral ; 

8  (XIV).  António  do  Amaral  Cabral,  f  solteiro  ; 

9  |XI\'l.  Luís  do  Amaral  Cabral,  f  solteiro  ; 

10  (Xl\').  D.  Maria  Teresa  do  Amaral  Cabral  Fesas  Vital,  eco  Dr.  Do- 
mingos Fesas  \'ital,  lente  da  Faculdade  de  Direito  da  Univer- 
sidade de  Coimbra,  e  teem: 

—  a  (XV).  João  do  Amaral  Cabral  Fesas  Vital ; 

—  b  {XV).  D.  Maria  da  Conceição  do  Amara!  Cabral  Fesas 

Vital. 

6  (XIII).  D.  Maria  Teresa  Freire   Cabral  Metelo  Parreira,  c.  c. 

António   Parreira  de  Aboim   La-Cerda,  bacharel  for- 
mado, de  Santiago  de  Cacem.    Tiveram : 

1  (XIV).  ,4níon/o  Parreira  Luzeiro  de  La  Cerda,  bacharel-formado  em 

Medicina  e  Filosofia,  c.  c.  sua  prima  D.  Isabel  Maria  do  Ama- 
ral Cabral  Parreira  (supra  5  [XIII]  5)  e  teem  : 

—  a  (XV).  António  Parreira  do  Amaral, 

—  b  (XX').  D.  Maria  Teresa  Parreira  do  Amaral  Cabral  ; 

2  (XrV).  D.  Maria  Amália,  f  criança; 

3  (XIV).  D.  Maria  das  Dores  Parreira  Cabral  Luzeiro  de  La-Cerda,  c. 

c.  Amónio  Lobo  de  Portugal  e  Vasconcelos; 

4  (XI\').  D.  Maria  da  Conceição  Parreira  Cabral  do  Amaral,  c.  c.  Ni- 

colau de  Mendonça  Falcão  do  Amaral,  bacharel  formado  em 
Direito,  com  geração ; 

5  (XIV).  Carlos  José  Parreira,  solteiro; 

6  (XI\').  D.  Maria  Emilia  Parreira  Cabral  do  Amaral,  solteira. 

7  (XIII).  Baltasar  Freire  Cabral,  c.  c.  D.  Maria  Luísa  de  Almeida 

e  Vasconcelos,  filha  dos  Condes  de  Mossâmedes  e  neta 
dos  Condes  da  Lapa.     Teem  : 

1  (XIV).  Francisco  de  Vasconcelos  Freire  Cabral ; 

2  (XrV).  José  de  Vasconcelos  Freire  Cabral. 

8  (XIII).  D.  Maria  Francisca  Freire  Cabral  Metelo  Lobo  de  Vas- 

concelos, c.  c.  o  engenheiro  civil  Francisco  Lobo  de  Vas- 
concelos, da  Quinta-da-Ponte  (Guarda).    Teem: 

1  (Xl\).  D.  Maria  .imália  Cabral  Lobo  de  Vasconcelos  ; 

2  (XIV).  José  Cabral  Lobo  de  Vasconcelos ; 

3  (XIV).  Francisco  Cabral  Lobo  de  Vasconcelos. 

9  (XIII).  D.  Maria  Isabel  Freire  Cabral  Metelo,  f  solteira. 


U^ota  I — Família  paterna  do  poeta  (^^^) 


Ramo  secundário  a'") 

V  a'")  —  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  filho  de  António  Garcia  (IV  a) 

e  de  Ana  Marques,  de  Folhadosa,  foi  cavaleiro  professo 
da  Ordem  de  Cristo,  e  c.  em  Seia  a  i8  out.  1678  c. 
D.  Maria  Coelho  de  Sousa,  filha  de  João  Cabral  de  Abreu, 
de  Seia,  fid.  da  C.  R.,  e  de  D.  Antónia  Coelho  de  Sousa, 
de  S.  Romão;  neta  paterna  de  António  Ribeiro  de  Abreu, 
moço  da  Câmara,  e  de  D.  Maria  Cabral,  de  Seia,  e  bis- 
neta de  Atanásio  Ribeiro  de  Abreu,  fid.  da  C.  R-,  go- 
vernador de  Cascais,  tronco  de  muitas  famílias  ilustres 
da  Beira  (cf.  supra  VI  a'\).  Este  Francisco  Garcia  Masca- 
renhas instituiu  o  vínculo  da  casa  de  Folhadosa,  de  que 
foi  último  administrador  António  Vieira  de  Tovar  de  Ma- 
galhães e  Albuquerque  (Molelos),  G."  neto  do  instituidor, 
e  há  pouco  falecido  (5  mar.  1920).     Tiveram: 

1  (VI).  D.  Maria  Garcia  Coelho,  b.  16  jun.  1680,  que  segue  (VI  a'",). 

2  (VI).  Manuel  Cabral  Mascarenhas,  b.  21  jun.  1682,  que  segue  (VI 

3  (VI).  /).  Maria  Dorotêa  Coelho,  b.  3  set.  i(J83,  que  foi  freira. 

Ramo  terciário  à"\) 

VI  a"\)  —  D.  Maria  Garcia  Coelho,  casou  com  oposição  e  grande  des- 

gosto da  família,  a  22  mai.  1702,  com  o  seu  parente  An- 
tónio Marques,  mercador  de  panos  e  chapéus,  de  Folha- 
dosa.    Teve  : 

1  (VII).  Maria,  b.  2  fev.  1703,  -J-  pouco  depois. 

2  (VII).  Isabel,  b.  4  out.  1704,  -J-  creança. 

3  (Vil),  Manuel  Garcia  Marques,  b.  1 1  out.  1706,  que  segue. 

4  (VII).  D.  Maria  Garcia  Marques,  b.  21  mar.  1709. 

5  (VII).  António  Garcia  Marques,  b.  i3  jul.  1713. 

VII  a"\)  —  Manuel  Garcia  Marques,  c.  a  8  nov.  1731  c.  D.  Maria  Ri- 

beiro (^  20  out.  17G3),  filha  de  José  Rodrigues  Seco, 
proprietário  e  mercador  de  panos,  de  Paços,  e  de  D.  Ma- 
ria Ribeiro,  da  família  dos  Ribeiros  de  S.'"  Eulália.  De 
uma  irmã  daquela  D.  Maria  Ribeiro,  chamada  D.  Inês 
Ribeiro,  também  casada  em  Paços,  era  bisneto  o  R."*"  Ma- 
nuel Joaquim  Pereira  Ribeiro  da  Rocha,  cónego  capitu- 


(ii6)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

lar  da  Sé  de  Coimbra;  e  era  3."  neto  o  sobrinho  deste, 
Monsenhor  António  Ribeiro  dos  Santos  Viegas,  prior 
dos  Mártires  em  Lisboa,  e  depois  abade  de  S.  Tiago-de- 
-Anta,  proto-notário  apostólico  ad-instar  e  prelado  do- 
méstico de  S.  Santidade,  deputado  em  várias  legislatu- 
ras, presidente  da  Câmara  dos  deputados,  e  por  tim  par 
do  Reino.     Manuel  Garcia  Marques  teve  : 

1  (VIII).  Fr.  Manuel  Garcia  Ribeiro,  n.  26  set.   1734,  freire  pro- 

fesso (la  Ordem  de  Malta,  vigário  de  Oliveira-do-Hospi- 
tal,  respeitabilíssimo  e  muito  venerado  por  suas  virtudes, 
prudência  e  saber.  Foi  uma  e  outra  vez  instado  pelo 
bispo-conde  D.  Miguel  da  Anunciação  para  que  entrasse 
para  o  Seminário  de  Coimbra  (que  aquele  benemérito 
prelado  acabara  de  fundar),  como  professor  de  Teolo- 
gia moral ;  mas  recusou-se,  resistindo  quanto  poude,  a 
essas  grandes  instâncias  e  às  vantagens  que  o  prelado 
lhe  oferecia.  A  interessante  correspondência  autografa 
que  então  se  trocou  entre  o  bispo  conde  e  o  padre  Ma- 
nuel Garcia  existe  em  poder  do  Dr.  António  de  Vascon- 
celos, sobrinho  bisneto  deste.  Chegou  a  ser  por  algum 
tempo  professor  do  Seminário,  mas  não  descansou  en- 
quanto não  obteve  dispensa  deste  múnus,  para  se  consa- 
grar inteiramente  ao  ministério  paroquial.  Faleceu  na 
sua  vigararia  a  7  mai.  i8i3. 

2  (VIII).  Francisco  José,  b.  3o  dez.  1736,  j  creança. 

3  (VIII).  D.  Bernardina  Garcia  Ribeiro,  b.  3i  mar.  1739,  -j-  solteira. 

4  (VIII).  D.  Maria  do  Nascimento  Garcia,  b.  1  jan.  1742,  -f  de  idade 

de  19  anos. 

5  (VIII).  D.  Josefa  Garcia  Ribeiro,  n.  27  abr.,  b.  10  mai.  1744,  c, 

com  descendência. 

6  (VIII).  D.  Quitéria  Garcia,  n.  e  b.  25  out.  1740,  -j-  solteira. 

7  (VIII).  D.  Francisca  Bernarda  Garcia  Ribeiro,  que  segue. 

8  (VIII).  Tomás  Garcia  Ribeiro,  n.  5  mar.  1755,  f  solteiro. 

VIII  a"\)— D.  Francisca  Bernarda  Garcia  Ribeiro,  n.  8  jul.  1752,  c.  a 
4  mai.  1778  c.  José  Fernandes  Nunes  Martins,  de  Sazes, 
e  -j-  a  25  nov.  1790.     Teve: 

1  (IX).  P.e  Joaquim  Bernardo  Garcia  Ribeiro,  b.  de  oito  dias  a  24 

out.  1779.  Foi  vigário  de  Oliveira-do-Hospital  em  seguida 
a  seu  tio  Fr.  Manuel  Garcia  Ribeiro,  de  quem  fora  coadju- 
tor com  futura  sucessão,  por  bula  pontifícia. 

2  (IX).  José  Garcia  Ribeiro,  b.  i6  jan.  1782,  f  creança. 

3  (IX).  D.  Maria  Garcia,  n.  i3,  b.  19  out.  1784  em  Sazes,  sendo 

padrinhos  o  capitão-mór  de  Oliveira-do-Hospital,  Diogo 


C^ola  I —  Família  paterna  do  poeta  (i  i  ~) 

José  de  Faria  Macedo  e  Vasconcelos,  e  sua  mulher  D.  Maria 
Josefa  Pinto. 

4  (IX).  Agostinho  Garcia  Ribeiro,  b  de  nove  dias  a  4  set.  1787.  c, 

e  deixou  descendência. 

5  (IX).  João  Garcia  Ribeiro,  b.  de  nove  dias  a  29  nov.  1790,  que 

segue. 


IX  a"\)  —  João  Garcia  Ribeiro,  c.  a  22  mar.  i8o8  c.  sua  parenta  D.  Ma- 
ria Clara  da  Conceição  Rodrigues  Alves,  de  S.  Paio  de 
Gramaços  f-j-  .^  set.  1840),  e  -7  a  17  abr.  1870.  Tive- 
ram: 

1  (X).  José  de  Cupertino  Garcia,  b.  3  jan.  1809,  foi  tabelião  em  Oli- 

veira-do-Hospital,  •}•  solteiro  a  1  nov.  i865. 

2  (X).  D.  Claiidina  Rita  da  Conceição  Garcia,  n.  no  Parceiro,  lo- 

garejo  da  serra,  pertencente  à  freguesia  de  S.  Gião,  quando 
a  família  andava  homiziada  por  motivo  da  incursão  fran- 
cesa ;  veiu  a  ser  baptizada  em  S.  Paio-de-Gramaços 
doze  di;is  depois,  a  11  março  1811;  ■f  solteira  a  i3  out. 
1886. 

3  (X).  Maria  Augusta,  b.  i3  abr.  i8t3,  f  18  out.  1818. 

4  (X).  Joaquim  José,  h.  de  vinte  dias  a  16  fev.  i8i5,  f  23  nov.  1S16. 

5  (X).  Antónia,  n.  14  fev.,  b   4  mar.  1817,  f  3o  abr.  1824. 

6  (X).  D.  Maria  Luísa  Garcia  Ribeiro,  n.  7,  b.  27  abr.  1819,  7  i5 

nov.  1837. 

7  (X).  P.^  Dionísio  Garcia  Ribeiro,  n.  22  ag.,  b.  o  out.  1821.   Desti- 

nando-se  ao  estado  eclesiástico,  estudou  os  preparatórios 
cora  o  P.e  Joaquim  de  Miranda,  da  Lageosa,  e  com  o 
P.e  Francisco  Gomes  Viegas,  arcipreste-pároco  de  Vila- 
-Ponca  da-Beira.  afamados  leccionistas,  aquele  de  latim  e 
este  de  humanidades.  Em  outubro  de  1840  entrou  para 
o  Seminário  de  Coimbra,  donde  frequentou  a  Universi- 
dade, seguindo  o  curso  eclesiástico  da  faculdade  de  Teo- 
logia, no  qual  foi  condiscípulo  de  Joaquim  Cardoso  de 
Araújo,  José  da  Encarnação  Coelho  e  António  José  de 
Freitas  Honorato,  que  depois  se  doutoraram  e  foram  lentes 
daquela  Faculdade,  subindo  o  último  às  mais  altas  digni- 
dades eclesiásticas,  pois  foi  arcebispo  de  Mitilene,  durante 
anos  governador  do  Patriarcado,  e  por  fim  arcebispo  de 
Braga,  primas  das  Espanhas,  conservando  sempre  com  o 
seu  condiscípulo  Dionísio  as  mais  afectuosas  relações  de 
amizade.  Também  pertenceu  a  este  curso  o  notável  hu- 
manista e  cla^sicista  Dr.  Joaquim  Alves  de  Sousa,  que 
veiu  a  ser  professor  de  filosofia  e  de  hebreu  no  Liceu  de 
Coimbra,  e  mais  tarde  preceptor  do  príncipe-real  D.  Carlos 
e  do  infinte  D.  .Afonso. — Terminado  o  curso,  foi  pelo  vi- 


(líS)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 


gário-capitular  Dr.  António  Lopes  de  Morais  e  pelo  vice- 
reitor  do  Seminário  José  Henriques  Toscano  convidado  e 
instado  para  professor  do  dito  estabelecimento  de  ensino 
não  acedeu  porem,  por  desejar  regressar  para  junto  de 
seu  pai  e  irmãos,  a  quem  estremecia.  —  Recebeu  prima 
-tonsura  e  os  quatro  graus  de  ordens  menores  a  16  dez, 
1842,  e  o  subdiaconado  a  10  jun.  1843,  na  igreja  paroquial 
de  S.'a  Catarina,  próximo  das  Caldas-da-Rainha,  patriar 
cado  de  Lisboa,  das  mãos  do  Bispo  de  Bragança  e  Mi 
randa  D.  José  António  da  Silva  Rebelo,  que  ali  residia 
Foi  promovido  à  ordem  de  diácono  a  23  set.  1843  pelo 
bispo  de  Leiria  D.  Guilherme  Henriques  de  Carvalho 
(mais  tarde  cardial-patriarca)  na  capela  do  seu  paço  epis- 
copal ;  ordenado  presbítero  pelo  mesmo  D.  Guilherme 
a  21  set.  1844  na  capela  do  Seminário  episcopal  de 
Coimbra,  ali  celebrou  a  sua  primeira  Missa  no  dia  23  do 
mesmo  setembro.  —  Por  decreto  de  12  jul.  1845  foi  apre- 
sentado prior  da  igreja  paroquial  de  S.  João  Baptista  de 
Moimenta-da-Serra ;  sendo-lhe  passada  carta-régia  a  24 
set.  seguinte,  recebeu  instituição  canónica  a  27  nov.  do 
mesmo  ano,  e  tomou  posse  a  12  jan.  1846.  Obteve  em  data 
de  22  ag.  i85o  permissão  régia  para  permutar  com  o  pá-' 
roço  de  S.  Paio-de-Gramaços,  sua  terra  natal,  sendo-lhe 
conferida  instituição  canónica  deste  priorado  a  14  nov. 
seguinte,  e  tomando  posse  a  27.  jan.  i85i. —  Querendo 
dirigir  pessoalmente  em  Coimbra  a  educação  literária  de 
seu  sobrinho,  que  escreve  estas  linhas,  e  que  ao  tempo 
contava  8  para  9  anos,  concorreu  à  igreja  paroquial  de 
S.  Martinho-do-Bispo  no  subúrbio  desta  cidade.  Nela  foi 
apresentado  por  decreto  de  3  dez.  1868,  de  que  se  passou 
carta-régia  a  21  jan.  1869;  recebeu  instituição  canónica  a 
5  fev.,  e  tomou  posse  a  1 1  do  mesmo  mês.  —  Em  todas 
estas  freguesias,  que  pastoreou  sucessivamente  e  sem  in- 
terrupção durante  o  largo  período  de  41  anos,  deixou  a 
sua  passagem  sinalada  por  obras  importantes;  e  assim  é 
que  o  seu  nome  ainda  hoje  nelas  se  memora  com  re- 
speito, admiração  e  louvor.  Em  todas  três  construiu  ce- 
mitérios, vencendo  com  muita  prudência  e  bom  senso  a 
relutância  que  os  povos  a  isso  opunham :  fundou  e  refor- 
mou instituições  beneméritas  ;  promoveu  a  construção  ou 
reparação  de  edifícios  públicos,  dando  para  isso  do  seu 
bolso  subsídios  importantes,  etc.  Enquanto  foi  prior  de 
S.  Paio,  manteve  ali  sempre  uma  escola  de  instrução  pri- 
mária inteiramente  gratuita,  por  ele  mesmo  regida,  na  qual 
eram  fornecidos,  a  expensas  suas,  aos  alunos  pobres,  li- 
vros, papel,  tinta  e  restantft  material  necessário  à  aprendi- 
zagem ;  daqui  resultou  que  nas  gerações  de  rapazes  que 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (i  ig) 

se  criaram  durante  aqueles  i8  anos,  não  havia  analfabetos, 
a  não  ser  uma  ou  outra  excepção  raríssima.   Em  reconhe- 
cimento dos  altos  serviços  por  ele  prestados  à  Igreja  e  ao 
Estado,  o  bispo-conde  D.  José  Manuel  de  Lemos  solicitou 
oficialmente  do  governo  o  grau  de  cavaleiro  da  Ordem 
militar  de  Nossa  Senhora  da  Conceição  de  Vila-Viçosa 
para  este  seu  pároco,  tão  cheio  de  benemerências.   Por  de- 
creto de  I  jul.  i865  foi-lhe  realmente  dispensada  esta  graça 
régia,  de  que  o  agraciado  teve  conhecimento,  com  grande 
surpresa  sua,  por  um  ofício,  datado  de  26  do  referido  mês, 
assinado  pelo  vigario-geral  Dr.  Manuel  Correia  de  Bastos 
Pina  em  nome  do  Prelado,  em  que  lhe  era  comunicado  o 
facto  e  a  sua  explicação,  em  expressões  de  congratulação 
e  elogio;  a  carta  régia  tem  a  data  de  7  jul.— Foi  nomeado 
arcipreste  do  distrito  eclesiástico  de  Cernache  por  pro- 
visão episcopal  de  12  nov.  1875,  em  termos   altamente 
honrosos. —  Em  ofício  de  18  dez.  1881  comunicou-lhe  o 
bispo-conde  D.  Manuel  Correia  de  Bastos  Pina  com  muita 
satisfação,  que  por  decreto  de  i5  havia  êle  prior-arcipreste 
sido  por  S.  Majestade  apresentado  arcediago  de  Seia,  di- 
gnidade da  Sé  de  Coimbra,  como  testemunho  de  conside- 
ração pelos  seus  merecimentos.    Não  chegou  a  ser  passada 
a  respectiva  carta-régia,  porque  foi  pouco  depois  promo- 
vido à  dignidade  de  arcediago  da  cidade,  ou  do  báculo,  na 
mesma  Sé,  por  decreto  de  16  mar.  1882.    A  carta-régia 
desta  apresentação   tem  a  data  de  6  jul.  do  mesmo  ano ; 
a  instituição  canónica  foi  a  25  set.  e  a  posse  a  14  out.  se- 
guintes.—Faleceu  emS.  Martinho-do-Bispoa  12  nov.  1886, 
cheio  de  méritos  e  consumido  de  desgostos,  causados  por 
alguns  dos  seus  paroquianos,  que  mais  favores  lhe  deviam. 
e  que  injusta  e  infamemente  torturaram  os  últimos  meses 
da  sua  vida.    Ao  funeral,  realizado  na  igreja  de  S.  Mar- 
tinho-do-Bispo,  e  no  qual  a  freguesia  em  peso  manifestou 
em  lágrimas  e  lamentos  quanto  o  amava  e  considerava, 
assistiu  o  Cabido  da  Sé  de  Coimbra,  presidindo  e  dando  a 
absolvição  ad  feretrum  o  governador  do  bispado  na  au- 
sência do  bispo-conde,  o  cónego  Dr.  José  Ferreira  Fresco 
e  fazendo  o  elogio  fúnebre  o  Doutor  Francisco  Martins 
opositor  ao  professorado  da  faculdade  de  Teologia,  amigo 
e  confessor  do  finado,  que  tomou  para  tema  do  seu  sentido 
e  improvisado  discurso  o  texto  da  i.'  Epístola  de  S.  Paulo 
a  Timóteo  v,  17 :  —  Qui  bene  praesunt  presbyteri,  duplici 
honore  digni  habeantur.  —  Um  sobrinho,  que  lhe  deve  a 
educação  e  a  situação  social,  e  que,  na  qualidade  de  sa- 
cerdote, teve  a  santa  consolação  de  lhe  ministrar  os  últi- 
mos sacramentos  e  de  lhe  assistir  à  morte  edificante,  aqui 
deixa  consignado  este  singelo  tributo  de  amor  filial. 


(i2oJ  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

8  (X).  Serafim  Garcia  Ribeiro,  n.  3,  b.  i6  set.  1823,  f  17  set.  1912, 

que  segue. 

9  (X).  António  Garcia  Ribeiro,  n.  24  set.,  b.  17  out.  1825,  f  solteiro 

a  16  jun.  i853. 

10  (X).  D.  Maria  Augusta  da  Natividade  Garcia,  b.  29  mai.  1828,  j- 

solteira  a  22  mar.  1881. 

1 1  (X).  João  Garcia  Ribeiro,  n.  em  iS3f,  foi  director  da  estação  do 

correio  de  Oliveira-do-Hospital,  -j-  a  22  dez.  1918,  com  ge- 
ração. 

X  a'"J  —  Serafim  Garcia  Ribeiro,  c.  em  i.*'  núpcias  com  D.  Maria 

Máxima  Garcia  da  Fonseca  (n.  em  i<Si5,  -f-  em  3o  abr. 
i85o),  de  S.  Paio-de-Gramaços,  filha  do  tenente  de  mi- 
lícia,s  Manuel  Joaquim  da  Fonseca  Ferreira  e  de  D.  Ma- 
ria Rosa  Garcia  da  Fonseca,  4/  neta  de  D.  Maria  Borges 
da  Fonseca  e  de  seu  marido  António  Lopes,  a  qual  D.  Ma- 
ria Borges  era  irmã  do  P.^  Manuel  da  Fonseca,  de 
S.  Paio,  que  viveu  na  segunda  metade  do  século  xvii,  e 
que  foi  o  instituidor  de  um  dos  vínculos  da  casa  de  Gi- 
rabolhos  (Seia),  onde  casou  sua  sobrinha  D.  Ana  Águeda 
Borges  da  Fonseca,  uma  das  avós  dos  Pereiras  de  Men- 
donça, senhores  daquela  casa,  em  cuja  capela,  da  invo- 
cação de  Nossa  Senhora  da  Natividade,  se  vêem  as 
armas  dos  Fonsecas,  e  ali  e.stá  sepultado  o  dito  P.'  Ma- 
nuel da  Fonseca,  seu  fundador.  Não  havendo  prole 
daquele  i.°  casamento,  Serafim  Garcia  Ribeiro  casou 
em  2.**  niápcias  em  Arganil,  a  8  jun.  1837  com  D.  Maria 
José  Cândida  Coelho  Freire  de  Faria  da  Cunha  e  Vas- 
concelos (n.  12,  b.  24  out.  1825,  ■];  5  nov.  i865),  filha 
de  Francisco  Inácio  Coelho  Freire  de  Faria,  da  casa  de 
Folques ;  da  sua  ascendência  se  talará  em  nota  a  IX 
a""  2.  — Teve  de  sua  segunda  mulher: 

1  (XI).  Menino,  que  apenas  nascido,  logo  faleceu,  a  7  abr.  1859. 

2  (XI).  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos,  sacerdote,  doutor 

nas  Faculdades  de  Teologia  e  de  Letras  pela  Universidade 
de  Coimbra,  lente  catedrático  daquela,  professor  ordinário 
e  1."  director  desta,  na  mesma  Universidade. 

3  (XI).  D.  Maria  do  Carmo  Cândida  Garcia  Ribeiro  de  Vasconce- 

los, que  segue. 

4  (XI).  Menina,  n.  3o,  •]-  3i  out.  i865. 

XI  a  ",)  — D.  Maria  do  Carmo  Cândida  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos, 


'JX.ota  I—  Família  paterna  do  poeta  ('^0 

n.  23  out.,  b.  19  nov.  186 1,  c.  23  jan.  1886  na  igreja 
paroquial  de  S.  Martinho-do-Bispo,  concelho  de  Coim- 
bra, com  Adelino  Mendes  de  Abreu,  de  S.  Paio,  e  -{- ' 
ela  a  ig  mar.  igo3  e  ele  a  3o  abr.  1921.     Tiveram: 

1  (XII).  António  Maria  Ribeiro  de  Abreu  e  Vasconcelos^  que  segue. 

2  (XII).  José  Mendes  de  Abreu  e  Vasconcelos ,  n.  19  mar.  18S8,  f  4 

out.  1918. 

3  (XII).  D.  Maria  dos  Prazeres  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  8  nov. 

1889,  c,  com  descendência. 

4  (XII).  D.  Maria  Claudina  Ribeiro  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  25 

jan.  1891,  c,  com  desc. 

5  (XII).  Lourenço  Garcia  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  10  jan.,  f  5 

jun.  i8o3. 

6  (XII).  D.  Maria  da  Assunção  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  3  jul. 

1895. 

7  (XII).  Plínio  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  14  jul.  189S. 

8  (.\II).  D.  Maria  do  Rosário  Garcia  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  1 

abr.  1900. 

9  (.XII).  D.  Maria  Isabel  Garcia  Ribeiro  de  Abreu  e  Vasconcelos, 

n.  2  mar.  1902. 

Xll  a"'j  — António  Maria  Ribeiro  de  Abreu  e  Vasconcelos,  n.  22  mar. 
iS8t,  diplomado  pela  Escola  Superior  de  Farmácia  da 
Universidade  de  Coimbra,  tenente-farmacêutico  do  qua- 
dro do  serviço  de  saúde  da  província  de  Moçambique, 
actualmente  director  da  Farmácia  do  Estado  e  do  La- 
boratório de  análises  químicas  de  Lourenço  Marques; 
c.  em  Quelimane  c.  D.  Maria  Luísa  Pontes  de  Abreu  e 
Vasconcelos,  e  tem  os  seguintes  filhos: 

1  (XIII).  António  Maria,  n.  23  mai.  1917,  em  Lourenço-Marques. 

2  (XIII).  Maria  do  Carmo,  n.  7  jul.  1918,  em  Quelimane. 

3  (XIII).  Maria  Isabel,  n.  28  maio  1920  em  Lourenço-Marques. 

Ramo  terciário  a"\,) 

VI  a"\^)  —  Manuel  Cabral  Mascarenhas,  filho  de  Francisco  Garcia 
Mascarenhas  (V  a'"),  c.  c.  D.  Eufemia  Sequeira  Boto, 
de  S.  Romão,  irmã  do  cónego  Boto,  tesoureiro-mór  da 
Sé  da  Guarda,  filha  de  Dionísio  Boto  Machado  e  de 
D.  íCutemia  da  Mota,  de  S.  Romão,  e  bisneta  do  co- 
mendador Denis  Boto  Machado.     Teve  : 

I  (Vil).  António  de  Sequeira  Boto  Machado,  que  segue. 


(r22)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

2  (VII).  D.  Maria  Eufemia  de  Sequeira  Cabral,  c.  c.  seu  primo 

Manuel  Pinto  Monteiro  (VI  a",,  3),  cuja  descendência  já 
foi  descrita  (ibid.,  e  segue  em  VIII  a",*  etc). 

3  (VII).  Manuel  Cabral  Mascarenhas,  que  foi  clérigo,  habilitando-se 

para  a  ordenação  em  tyiS. 

VII  a"\J  —  António  de  Sequeira  Boto  Machado,  foi  capitão  de  orde- 

nanças em  S.  Romão,  e  casou  com  D.  F. ...     Teve: 

1  (VIII).  Jorge   Boto  Machado,  c.  c.  D.  Maria  Mendes  Pinto  de 

Gouveia,  de  Vila-Cova-à-Coelheira,  e  teve : 

1  (IX).  António  Boto  Machado,  que  sucedeu  a  seus  pais  no  morgado  de 

S.  Uomáo,  c.  em  Vila-Covaà-Coelheira  c.  D.  Josefa  Micaela, 
de  quem  teve : 

—  a  (X).  António  Joaquim  Boto  Machado,  c.  em  Vila-Cova  c. 

D.  Maria  José  Freire  de  Andrade  Castelo-Branco; 

—  b  (X).  D.  Bernardino  Rosa  Boto  Machado ; 

—  c  (X).  D.  Clara  Delfina  Boto  Machado,  que  ».  em  Midóes  c. 

Roquf  Monteiro  Cabral  de  Vasconcelos,  e  teve :  — 
(XI).  António  Cabral  de  Vasconcelos;  —  e  (XI). 
D.  Maria  Carlota ; 

2  (IX).  D.  Clara  Maria  Pinto  Bolo  Machado,  de  S.  Romão,  c.  c.  seu 

2."  primo  Inácio  de  Magalhães  Pinto  de  Sousa  Ferrão  Castelo- 
Branco,  de  quem  já  tratamos  (IX  a",'). 

2  (VIII).  Leonardo  Boto  Machado,  que  segue. 

3  (VIII).  Bernardo  Boto  Machado. 

4  (VIII).  Fr.  Manuel,  religioso  de  S.  Paulo  em  Évora. 

5  (VIII).  Fr.  Inácio,  idem. 

6  (VIII).  P.^  José  Boto  Machado. 

7  (VIII).  D.  Maria  Boto  Machado,  c.  c.  F ,  de  S.  Romão,   com 

geração. 

VIII  a"\j  —  Leonardo  Boto  Macliado,  c.  em  S.  Romão  c.  D.  Eufemia 

de  Abranches,  fiUia  de  Francisco  Ferrão  de  Abranches, 
pessoa  das  principais  da  terra.     Teve 

IX  a"\)  —  D.  Maria  Cândida  Boto  Machado  Pinto,  c.  c.  José  Joaquim 

de  Abranches  Homem   de  Oliveira   e  Cunha,  cuja  ge- 
ração será  descrita  noutro  lugar  (XI  ^"„). 


Ramo  secundário  a  "") 

V  a"")  —  Dr.  Simão  Garcia  Mascarenhas,  filho  de  António  Garcia 
(IV  a),  c.  em  Tourais  c.  sua  parenta  D.  Catarina  Garcia 
Mascarenhas,  filha  de  Pedro  Garcia  Mascarenhas  (?),  e 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^^^) 

foi  o  instituidor  do  vínculo  da  casa  de  Tourais.  Jaz 
sepultado  na  capela  desta  casa.     Teve 

VI  a"")  —  D.  Maria  Josefa  Mascarenhas,  c.  c.  o  mestre-de-campo  Luís 

do  Loureiro  e  Vasconcelos,  de  Celorico,  filho  de  Ma- 
nuel de  Figueiredo  Loureiro,  de  Figueiredo,  freguesia 
de  Tourais  (Seia),  e  de  D.  Isabel  de  Vasconcelos,  de 
Celorico.     Teve: 

1  (VII).  Manuel  de  Loureiro  e  Vasconcelos,  que  segue. 

2  (VII).  D.  F.. .,  que  casou  na  casa  dos  Pachecos,  de  Celorico,  de 

quem  procedem  os  senhores  daquela  casa. 

VII  a"")  —  Manuel  de  Loureiro  e  Vasconcelos,  cavaleiro  da  Ordem  de 

Cristo,  familiar  do  S.'°  Ofício  (carta  de  u  jul.  1710),  c. 
c.  D.  Ana  Maria  Mafalda  de  Morais  e  Castro,  filha  do 
capitão-mór  de  Penaguião,  Francisco  Borges  de  Car- 
valho, e  de  D.  Ana  Maria  Teixeira  de  Morais.  Tive- 
ram : 

1  (VIII).  D.  Alaria  Vitória  de  Vasconcelos  Loureiro  e  Meneses,  que 

segue. 

2  (VIII).  D.  Luísa  de  Vasconcelos  e  Meneses,  c.  c.  F. . .  Sanches  Fa- 

rinha, de  Lisboa,  fid.  da  C.  R  ,  secretário  da  Mesa  do 
Desembargo  do  Paço,  e  tiveram 

—  (IX).  Anlànio  Sanches  Fíirinha,  fid.  da  C.  R.,  que  sucedeu  a  seu  pai 
na  casa  c  no  oficio. 

VIII  a"")  —  D.  Maria  Vitória  de  Vasconcelos  Loureiro  e  Meneses,  c.  c. 

António  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  fid. 
da  (.1.  R.,  cavaleiro  da  Ordem  de  Cristo,  familiar  do 
S.'"  Ofício,  senhor  da  casa  dos  Coutos,  em  Viseu,  a 
quem  fazemos  referência  adeante  (VII  F\  *).     Teve : 

1  (IX)  Francisco  de  Paula  e  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  que 

segue. 

2  (IX).  D.  Josefa  Pórcia  de  Gusmão,  f  em  1849. 

3  (IX).  D.  Maria  Cândida  de  Gusmão  e  Albuquerque,  c.  c.  Manuel 

de  Sequeira  de  Almeida,  do  Douro,  e  tiveram  três  filhas, 
—  (X)  D.  Rosa,  D.  Emília  e  D.  Carlota,  que  viveram  em 
Tourais,  e  existe  no  Douro  geração  da  primogénita; 

4  (IX).  António  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  fid.  da  C. 

R.,  c.  c.  D.  Ana  Vitória  de  Carvalho  e  Meneses  Pinto  de 
Sousa,  filha  natural  legitimada  de  Alexandre  Luís  Mendes 


( {■24)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

de  Vasconcelos  Pinto  de  Sousa  e  Carvalho,  cavaleiro  da 
Ordem  de  Malta,  môço-fidalgo,  senhor  da  antiga  casa 
dos  Rangeis  de  Vila-Bôa-de-Quires  (Marco-de-Canavezes). 
Teve,  entre  outros  filhos  —  (X).  Anlónio  de  Vasconcelos 
Carvalho  de  Meneses  e  Albuquerque,  fidalgo-cavaleiro  da 
C.R.,  corregedor  em  Angra  do  Heroísmo,  c.  c.  D.  F.. . ., 
do  Porto. 
3  (IX).  Manuel  de  Loureiro  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso^ 
fidiílgo  da  C.  R.,  que  foi  juíz-de-fora  em  Trancoso,  e  na 
Cachoeira  (Brasil),  -j-  solteiro  em  Tourais. 

6  (IX).  D.  Toinási.i  Antónia  de  Gusmão  e  Albuquerque,  -]-  solteira 

em  Tourais. 

7  (IX).  José  Franciico  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  fidalgo 

da  C.  R.,  foi  capitão-ajudante  de  seu  irmão  Francisco  de 
Paula,  que  lhe  deu  a  capitania  de  Sofala  e  Rios-de-Sena, 
e  f  solteiro  em  Tourais. 
S  (IX).  D.  Maria  Benedita  de  Gusmão  e  Albuquerque,  que  -f  solteira 
em  Tourais. 

IX  a"")  —  Francisco  de  Paula  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  fi- 
dalgo da  C.  R.,  comendador  da  Ordem  de  Cristo,  coro- 
nel de  milícias  da  Guarda  e,  em  seguida,  de  Viseu,  mais 
tarde  brigadeiro  de  milícias,  e  líltimamente  capitão-ge- 
neral  de  Moçambique,  onde  faleceu  a  27  (ou  29)  de 
dezembro  de  1807.  Casou  com  D.  Francisca  de  Sam- 
paio Cortês  de  Carvalho  e  Vasconcelos,  irmã  da  1.*  con- 
dessa de  Anadia,  e  de  D.  Josefa  Cortês  de  Carvalho,  c. 
c.  Baltasar  Freire,  senhor  da  casa  de  Freineda,  concelho 
de  Almeida,  sendo  estas  três  damas  filhas  de  Manuel 
António  Cortês  de  Carvalho,  môço-fidalgo  com  exercí- 
cio, senhor  da  antiga  casa  e  quinta  de  S.'^  Eufemia,  no 
termo  de  Trancoso  (cf.  XI  a"'\).     Teve: 

1  (X).  D.  Alaria  Rosa  de  Sampaio  de  Albuquerque,  -j-  solteira  em 

i85o. 

2  (X).  D.  Maria  José  do  Carmo  de  Sampaio  e  Albuquerque,  c.  c. 

José  Freire  de  Sequeira  Coelho  Neves  Geada,  senhor  da 
casa  do  Barril  (Vila-Cova-sob-Avô),  filho  do  capitão-mór 
de  Vila-Cova  Bento  José  Freire  de  Faria  Sequeira  Geada 
(a  quem  foi  por  D.  Maria  1  concedida  carta  de  brasão  de 
armas  a  8  jan.  1785)  e  de  D.  Isidora  Bernarda  de  Abreu; 
neto  paterno  de  Luís  Marques  de  Sequeira,  capitão-mór 
da  mesma  vila,  e  de  D.  Engrácia  Luísa  Freire  de  Faria 
Geada,  de  Folques,  filha  do  Dr.  Simão  Martins  da  Costa 
Coelho,  ouvidor  em  Arganil,  c  de  D.  Maria  Micaela  Freire 


C^ota  I — Família  paterna  do  poeta  (^^^) 

de  Faria  Geada,  4"'  avós  maternos  do  compilador  destas 
notas  '.    Teve: 

—  (XI).  o.  Maria  José  Freire  Cortes  de  Carvalho  e  Albuquerque,  c.  c. 
seu  parente  José  Monteiro  de  Abreu  Lopo,  dos  Casais  do  Campo 
(S.  Martinho-do-Bispo),  filho  do  Dr.  José  Inácio  Monteiro  Lopo 
e  de  D.  Maria  Vitória  Monteiro,  dos  Casais  do  Campo,  e  tive- 
ram 

—  (XII).  Juse  Freire  de  Carvalho  Lopo  e  Albuquerque,  do 
Barril,  n.  8  abr.  1839,  c.  30  fev.  i8b3  c.  U.  Maria 
Emília  Freire  de  Carvalho  Amorim  Pacheco,  filha  de 
Antonino  Ribeiro  de  Carvalho  Pessoa  Amorim  Pa- 
checo, da  casa  do  Sarzedo,  e  de  Li.  Maria  .Máxima 


'  Eis  a  árvore  genenUií^ica  ; 

I).  —  Dr.  Simão  Martins  da  Costa  Coelho,  de  Folqnes.  c.  c.  íi.  Mari.i  Micaela  Frciíe  de  Faria  Geada,  do 
Espinhal.    Destes: 

1  (II).  D.  Bernarda  Jacinta,  que  segue; 

2  (II).  P.*  Paulino  António  Coelho  de  Faria,  bacharel  fonnado  em  Cânones  a  37  maio  1761 

pela  Univ.  de  Coimbra; 

3  (II).  P'  Estanislju  da  Costa,  doutorado  In  utroque  jurt  a  ig  maio  l^l^  pela  Universidade 

italiana  de  Macerata,  conde  palatino,  cavaleiro  da  milícia  dourada,  ele. ; 
.( (11).  D.  Engràcia  Luisa  Freire  de  Faria  Geada,  c.  e.  Luís  Marques  de  Sequeira,  senhor  da 
casa  do  Barril,  acima  referido. 

II).  —  D.  Bernarda  Jacinta  Angélica  de  Faria,  de  Folques,  c.  c.  o  capitão  Lourenço  .Mendes  Pimenta,  de 
Ribalvla  (S.  Aleixo-do-Beco^  concelho  de  Ferreira  do  ZOzere).    Destes  nasceu 

III).  —  Capitão  António  Inácio  Coeilio  de  Faria,  de  Ribalvia,  c.  2  março  i;S3  c.  D.  Maria  Inácia  do  Ro- 
sário .Marques,  de  l-olques.    Tiveram  nove  filhos,  entre  os  quais: 

1  (I\).  Dr.  António  Freire  Coelho  de  Faria,  n.  21  dez.  1783,  sacerdote,  vigário-geral  e  provi- 

sor  do  bispo-conde  D.  Francisco  de  Lemos  de  Faria  Pereira  Coutinho  ; 

2  (l\').  José  Freire  Coelho  de  Faria,  n.  28  fev.  1785,  avô  do  Dr.  Antonino  .\ugusto  Freire  Ri- 

beiro de  Campos,  actualmente  juiz  da  Relação  do  Porto; 

3  (W).  Francisco  Inácio  Coelho  Freire  de  Faria,  n.  2  maio  i-  .2,  que  segue ; 

4  (1\).  [).  Teresa  Freire  Coelho  de  I'aria,  n.  5  dez.  1795,  entrou  em  religião  no  convénio  do 

Ues.igravo  de  Vila-Pouca-da-Beira,  onde  foi  abadessa  e  floresceu  em  virtudes,  com  o 
nome  de  Madre  .Maria  do  Lado;  os  seus  reslos  jazem  em  S.  Paiode-Gram.iços,  em 
cdiculo  especial  com  inscrição  latina,  na  capela  sepulcral  do  seu  sobrinho-neto  Dr.  An- 
tónio de  Vasconcelos. 

IV).  —  Francisco  Inácio  Coelho  Freire  de  Farin,  c.  04  nov.  1824  c,  D.  Beatriz  Cândida  da  Cunha  e  Vas- 
concelos, de  Arg;mil.    Tiveram : 

1  (V).  D.  Maria  José  Cândida,  a.  12  out.  iS25,  que  segue; 

2  (V).  P.«  António  Inácio  de  Vasconcelos  Delgado,  n.  i^  março  1827; 

3  (V)  P.'  Joaquim  Inácio  de  Vasconcelos  Delgado,  n.  11  set.  1828; 

4  (V).  D.  Maria  do  Nascimento  Freire  de  Faria  da  Cunha  e  Vasconcelos^  n.  20  dez.  i83o ; 

5  (V).  Manuel  Inácio,  n.  7  ag.  i!s34,  t  criança ; 

6  (V).  Gabriel  da  Costa  e  Vasconcelos,  n.  10  julho  i836,  c.  em  Nogueira  do  Cravo,  e  deixou 

descendência ; 

7  (\').  Dr.  José  da  Costa  de  Vasconcelos  Delgado,  n.  28  nov.  i8?9,  c.  c.  D.  .Mariana  de  Paiva 

e  Vasconcelos,  de  iVrganil,  e  deixou  descendência. 

V|.  —  D.  Maria  José  Cândida  Coeilio  Freire  de  Faria  da  Cuniia  e  Vasconcelos,  c.  c.  Serafim  Garcia  Ri- 
beiro, de  S.  Paiodc-Gramaços,  de  quem  já  nos  ocupamos  IX  íi"'.I,  pais  do  organizador  desta: 
notas. 


(126) 


Brás  Garcia  óÁíascarenhas 


Cardoso  Homem  Freire,  da  Bobadela.  Houve  os 
filhos  seguintes:  — a  (XIII).  António  Freire  de  Car- 
valho e  Albuquerque,  n.  5  dez.  i865,  c  c.  D.  Leo- 
poldina de  Abreu  Magalhães,  filha  de  Gelásio  Va- 
lério da  Cunha  Pereira  de  Magalhães,  de  Ovoa,  e  de 
D.  Inês  Augusta  de  Abreu  Castel-Branco  (n.  21  jan. 
iS35),  filha  dos  2.°^  condes-de-Fornos-de- Algodres, 
Alexandre  de  Abreu  Castel-Branco  Cardoso  e  Melo 
e  D.  Maria  Emília  de  Melo  Mendonça  Abreu  Maga- 
lhães ;  tiveram;  —  (XIV).  António  Freire  de  Abreu 
e  Albuquerque,  n.  23  dez.  1892,  —  e  (XI\0.  O.  Maria 
da  Conceição  Freire  de  Abreu  e  Albuquerque,  n.  : 
maio  1895,  c.  c.  o  tenente  da  armada  Armando  Pe- 
restrelo  Botelheiro,  filho  do  Dr.  Manuel  Fernandes 
Botelheiro,  juiz  de  direito,  e  de  D.  Júlia  Perestrelo 
Botelheiro,  -j-  deixando  uma  filha ;  —  *  (XIII).  José 
Monteiro  Freire  de  Carvalho  e  Albuquerque,  n.  9 
jan  18Ó7,  c.  c.  D.  Margarida  Pinto  Ferreira  Leite 
Borges  de  Castro  Soares  de  Albergaria  e  Albuquer- 
que, filha  de  António  Pinto  Borges  de  Castro  Soares 
de  Albergaria,  e  de  D.  Maria  Teresa  Leite  Ribeiro 
Freire;  neta  paterna  do  Dr.  Antónia  Ferreira  de 
Abreu  Pinto,  de  Pomares,  e  de  D.  Carlota  Borges  de 
Castro  Soares  de  Albergaria,  filha  dos  Viscondes 
de  Oliveira  do  Conde  Miguel  Borges  de  Castro  Ta- 
vares e  D.  Ana  Soares  de  Albergaria ;  neta  ma- 
terna do  Dr.  Luís  Leite  Ribeiro  Freire  e  de  D.  Cân- 
dida Leite  Pessoa,  de  Montessáo  (S.  Martinho  do 
Bispo) :  teem  —  (XIV).  José  Freire  de  Carvalho  e 
Albuquerque. 

3  (X).  António  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  que  segue. 

4  (X).  Francisco  de  Albuquerque  Cortês  de  Carvalho  Maltês. 

5  (X).  Francisco  de  Albuquerque  de  Vasconcelos  Maltês. 

6  (X).  D.  Maria  das  Dores  de  Sampaio. 

7  (X).  D.  Maria  da  Piedade  de  Sampaio  Albuquerque. 

X  a"")  —  António  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  bacharel 
formado  em  Matemática,  môço-fidalgo  com  exercício, 
comendador  da  Ordem  de  Christo,  coronel  de  milícias 
em  Viseu,  c.  c.  D.  Emília  José  de  Bourbon  e  Almeida, 
filha  de  Silvério  da  Silva  da  Fonseca,  môço-fidalgo,  se- 
nhor da  casa  de  Alcobaça,  alcaide-mór  de  Alfaceirão, 
e  de  D.  Maria  Cândida  da  Silva  Barba  Alardo,  senhora 
da  casa  do  Castelo  em  Leiria,  e  morgada  de  Cardelas. 
Teve : 

I  (XI).  D.  Rita  de  Bourbon  Silva  e  Albuquerque,  que  segue  (XI  a'"\). 
1  (XI).  António  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso.,  que  segue 

(XI  a-J. 
3  (XI).  João  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  em  Paranhos 


JXpla  I — Família  paterna  do  poeta  (^^l) 

c.  D.  Maria  Carolina  Jácome  Freire  de  Gouveia  e  Vascon- 
celos (VIU  a  2,  5  ij),  e  já  lhe  descrevemos  a  geração. 

4  (XI).  D.  Emília  de  Bourbon   Silva  e  Albuquerque,  c.   c.  Pedro 

Carlos  Teixeira  de  Sampaio,  filho  2."  de  José  Ernesto 
Teixeira  de  Carvalho,  de  Vilar-Sêco,  e  de  D.  Maria  José 
de  Sampaio,  irmã  do  conde  de  Laborim,  José  Joaquim 
Giraldo  de  Sampaio.    Foi  oficial  de  caçadores,  e  teve: 

1  (XII).  António  Teixeira  de  Albuquerque,  que  casou  em  Nápoles  (Itália), 

e  teve  um  filho; 

2  (XII).  José  Teixeira  de  Albuquerque,  engenheiro,  c.  c.  D.  Constança  Er- 
*  neslo  Teixeira  de  Albuquerque,  viuva  de  seu  primo  co-irmão 

Silvério   de  Albuquerque  Pereira  da  Silva,  de  quem  se  falará 
adeante  (XI  a"",  2) ; 

3  (XII).  Francisco  Teixeira  de  Albuquerque,  c.  c.  D.  Perpétua,  de  Leiria; 

4  (XU).  D.  Maria  das  Dores  Teixeira  de  Albuquerque,  freira  no  convento 

de  Santa  Teresa  de  Coimbra. 

5  (XI).  D.  Carolina  de  Bourbon  Silva  e  Albuquerque. 

6  (XI).  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  bacharel  formado 

em  Direito,  Hdalgo-cavaleiro,  c.  c.  sua  sobrinha  D.  Marga- 
rida de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso  de  Almeida  Teles 
da  Silva  (XI  ^""„  6). 

7  (XI).  D.  Maria  Cândida  de  Bourbon,  -j-  solteira  em  i833. 

8  (XI).  Manuel  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  ■[•  criança. 

9  (XI).  Luis  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  •{•  criança. 

10  (XI).  Francisco  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  f  novo. 

1 1  (XI).  Luis  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  c.  D.  Maria  dos 

Prazeres  de  Melo  e  Nápoles,  da  casa  da  Prebenda,  em  Viseu. 
Teve : 

I  (XII).  António  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  engenheiro,  c. 

c.  D.  Maria  dos  Prazeres  Mimoso,  com  três  filhos  — (XIII)  Luis, 

falecido  em  Campolide,  Bernardo,   engenheiro  em  África,   e 

D.  Maria,  todos  solteiros ; 
1  (XII).  D.  Emília  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  que  professou  nas 

Salésias. 

12  (XI).  Manuel  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  frequentou  a 

faculdade  de  Matemática,  casou  em  Gouveia  com  D.  Maria 
do  Carmo  de  Figueiredo  Homem,  e  teve : 

1  (XII).  Aires  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  bacharel  formado  em 

Direito,  conservador  do  registo  predial  em  Gouveia,  c.  c.  D.  Efi- 
génia  Còrte-Real,  da  casa  de  Pinhanços,  e  tem : 

—  a  (XIII).  Fernando  de  Albuquerque,  c.  c.  D.  Alda  de  Lacerda, 

de  Lourosa,  irmã  do  falecido  conde  de  Beirós,  di- 
vorciados, com  um  filho  ; 

—  *  (XIII).  José  de  Albuquerque,  c.  c.  D.  Maria  Luísa  Sávedra, 

filha  de  Hipólito  Sávedra,  de  Fornos  de  Algodres; 

—  c  (XIII).  Nicolau  de  Albuquerque. 

2  (XII).  D.  Maria  Joana  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  c.  José 

Caetano  Còrte-Real,*  teve: 


(r28) 


'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

—  a  (XIU).  Afonso  de  Albuquerque,  c.  no  Rio  de  Janeiro,  onde 

vive; 

—  b  (Xlll).  António  de  Albuquerque,  solteiro; 

—  c  (XIII).  Álvaro  de  Albuquerque,  solteiro. 

3  iXll).  O,  Maria  Emília  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  c.  o 

Dr.  Domingos  Pais  Saraiva  do  Araaral,  de  Paços-da-Serra,  que 
foi  juiz  de  direito,  e  tiveram : 

—  a  (XIII).  D,  Margarida  de  Albuquerque,  c.  c.  o  Dr.  Luís  Osó- 

rio da  Gama  e  Castro  de  Oliveiía  Baptista,  com 
dois  filhos; 

—  *  (XIII).  José  do  Amaral  Albuquerque,  solteiro: 

—  c  (XIU).  D.  Maria  Rita  de  Albuquerque,  c.  c.  o  Dr.  José  Dias, 

de  Seia,  com  um  filho: 

—  d  (XIII).  Manuel  do  Amaral  e  Albuquerque,  solteiro; 

—  e  (XIII).  U,  Mai  ia  José  de  Albuquerque,  solteirii ; 
— _f\X\\l).  D,  Emitia  de  Albuquerque,  solteira  ; 

—  g  (XIII).  D.  Beatrij  de  Albuquerque,  solteira  ; 

—  h  (XIII).  Domingos  do  Amaral  e  Albuquerque,  solteiro; 

—  í  (Xlll).  Vítor  do  Amaral  e  Albuquerque,  solteiro. 

4  (XII).  José  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  c.  D.  Beatriz  Qui- 

rino,  da  casa  de  Cassurráes,  com  f;eração; 

5  (XII).  Afonso  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  c.  D.  Maria  José, 

com  uma  filha  —  (XIII).  D,  Maria  de  Lourdes; 
b  (.Ml).  D,  Maria  do  Carmo  do  Amaral  Cardoso,  c.  cm  i.*'  núpcias  com 
o  Dr.  Vitcr  Saraiva  Pais  do  Amaral,  e  em  2."  c.  Avelino  Pais 
Bcges  de  Brito  ^dos  barões  de  Nelas),  sem  geração. 

i3  (XI)  João  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  bacharel  formado 
em  Direito,  c.  c.  D.  Carolina  de  Abranches,  de  Sandomil, 
com  geração. 

14  (XI).  Miguel  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso. 

Ramo  terciário  íi"'\) 

XI  a''\)  —  D.  Rita  de  Bourbon  Silva  e  Albuquerque,  c.  em  i.*'  núpcias 
com  o  primo  de  seu  pai,  António  Freire  Cortês  da  Fon- 
seca Osório,  fidalgo  da  C  R.,  coronel  de  milícias  em 
Lisboa,  tenente-rei  de  Almeida,  senhor  da  casa  de  Frei- 
neda  na  raia,  o  qual  faleceu  em  Lisboa  ao  regressar  da 
emigração.  Casou  D.  Rita  em  2.*"*  ntipcias  com  seu  tio 
materno  José  Maria  da  Silva  da  Fonseca,  senhor  da 
casa  de  Alcobaça,  proprietário  da  Quinta  das  Varandas, 
subúrbio  de  Coimbra,  que  comprou  ao  conde  de  Far- 
robo.     Teve  do  i."  matrimónio; 

I  (XII).  D.  Maria  Amália  Freire  Cortês  de  Albuquerque,  que  segue. 

Teve  do  2."  matrimónio: 

a  (XII).  Silvério  de  Albuquerque  Pereira  da  Silva,  senhor  da  casa 
de  Alcolwca,  c.  c.  D.  Constança  Ernesto  Teixeira  de  Al- 


^ota  1 — Família  paterna  do  poeta  (^^ç) 

buquerque,  a  qual,  depois  de  viuva,  sem  geração,  veiu  a 
casar  com  José  Teixeira  de  Albuquerque,  primo  co-irmão 
de  seu  i.°  marido  (X  a""  4,  2). 

XII  íj"'\)  —  D.  Maria  Amália  Freire  Cortês  de  Albuquerque,  n.  1 1  agosto 
i838,  c.  em  i."'  núpcias  c.  Francisco  Cabral  Metelo  Pa- 
checo de  Lemos  e  Nápoles  Manuel,  de  quem  já  se  falou, 
e  teve  dele  nove  filhos,  cuja  descendência  se  descreveu 
(XII  a'\j;  c.  em  2.^'  núpcias  com  o  Doutor  Manuel 
Paulino  de  Oliveira,  lente  da  Faculdade  de  Filosofia,  de 
quem  teve  um  único  filho, 

10  (XIII).  Fernando  Paulino  Freire  de  Oliveira,  f  solteiro,  sendo 
aluno  da  Escola  do  Exército. 

Ramo  terciário  ^'  '^c) 

XI  tj"'\.)  —  António  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  fidalgocava- 
leiro,  fez  como  cadete  em  infantaria  1 1  a  campanha  le- 
gitimista  até  Evora-monte,  tendo  já  então  o  posto  de 
alferes.  Emigrou  e  militou  em  Espanha  no  exército 
de  D.  Carlos,  com  distinção,  subindo  os  diversos  postos 
militares  até  coronel  de  linha,  e  alcançando  a  cruz  de 
ouro  de  S.  Fernando.  Duas  vezes  prisioneiro,  foi  por 
ílm  entregue  ao  governo  português,  e  esteve  para  ser 
fusilado.  Casou  com  D.  Ana  Teles  da  Silva  (n.  4  dez. 
1825),  filha  de  Luís  Teles  da  Silva  Caminha  e  Meneses 
(5."  marquês  de  Alegrete,  8.''  conde  de  Tarouca,  12."  se- 
nhor de  Penalva,  par  do  reino  em  i825,  gentil-homem 
da  câmara  da  rainha  D.  Maria  I,  grã-cruz  da  Ordem  da 
Tòrre-e-Espada,  comendador  das  de  Cristo  e  da  Con- 
ceição, governador  e  capitão-general  de  S.  Paulo  e  Rio- 
-Grande-do-Sul),  e  de  sua  2.*  mulher  a  marquesa  D.  Mar- 
garida de  Almeida.     Teve : 

I  (XII).  António  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  senhor  da 
casa  do  Arco  em  Viseu,  c.  c.  D.  Emília  Bárbara  Alarde 
de  Lencastre  e  Barros,  filha  dos  viscondes  do  Amparo, 
de  quem  foi  herdeira  como  filha  única.     Tiveram : 

I  (XIII).  Rodrigo  Barba  AlarJo  de  Lencastre  e  Barros,  f  criança ; 

1  (XIII).  António  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  e.  D.  Maria 

Luísa  de  Pinho  Mousinho  de  Albuquerque,  filha  dos  Baróea 

de  Salgueiro,  de  Leiria,  com  ger. 
3  (X11I|.  Alfredo  Barba  Alardo  de  Lencastre  e  Barros. 


(iSo)  Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

a  (XII).  Luís  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  c.  na  casa  das 
Obras  (Seia)  c.  D.  Maria  Joana  Pinto  de  Mendonça 
Arrais  de  Melo  Stockler,  filha  de  António  de  Melo  Car- 
doso Pinto  de  Mendonça  Stockler,  de  Vila-Cova-à-Coe- 
Iheira,  e  de  D.  Maria  Joana  Pinto  de  Mendonça  Arrais, 
de  Seia.    Tiveram : 

1  (Xillf.  D.  Ana  de  Guadalupe  Pinto  de  Albuquerque,  t*  criança; 

2  (XIII|.  B.«'  António  Pinto  de  Albuquerque  Stockler  do  Amaral  Car- 

doso, ■}-  solteiro; 
'i  (XIII).  D.  Afaria  da  Conceição  de  Albuquerque  Stockler  do  Amaral 
Cardoso,  c.  c.  o  Dr.  António  Máximo  Branco  de  Melo  e  Fi- 
gueiredo, juiz  de  ííirciío,  com  ger. ; 

4  (XIII).  B.''  Luís  Pinto  de  Albuquerque  Stockler  do  Amaral  Cardoso, 

solteiro ; 

5  (XIII|.  José  Pinto  de  .Albuquerque,  empregado  publico; 

6  (XIII).  fi.''  Fernando  Pinto  de  Albuquerque  Stockler  do  Amaral  Car- 

doso, médico,  c.  c.  b.  Ester  Beltrão  Seabra,  com  ger. ; 

7  (XIII).  Dr.  Henrique  Pinto  de  .Albuquerque  Stockler  do  .Amaral  Car- 

doso, juiz  de  Mireito,  c.  c.  1).  Julieta  de  la  Sallete  Mota,  de 
Melgaço,  com  ger.; 

S  (XIII).  Francisco  de  Albuquerque  Pinto  Stockler  do  Amaral  Cardoso, 
capitão  do  CNército  em  serviço  no  Ultramar,  c.  c.  D.  Ilda  Cas- 
tela, c<)m  ger. ; 

g  (XIII).  D.  .Maria  de  Lourdes  Pinto  de  .Albuquerque  Stockler  do  Ama- 
ral Cardoso,  solteira ; 

10  tXlII).  .Afonso  Pinto  de  .Albuqiterque  Stockler  do  Amaral   Cardoso^ 

-f-  solteiro,  sendo  estudante  em  Coimbra; 

11  (XIII).  João  Pinto  de  .Albuquerque,  f  criança, 

3  (XII),  Francisco  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  zuavo  pon- 

tifício, oficial  da  Câmara  dos  Deputados,  falecido. 

4  (XII).  Fernando  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  general  re- 

formado de  cavalaria,  c.  c.  D,  Maria  Francisca  Brandão 
Guedes,  filha  do  conde  de  Terena  e  viuva  de  D.  Luís 
Teles  da  Silva  (.■\legrete,  Penalva  e  Tarouca),  falecido; 

5  (XII).  Miguel  de  Albuquerque  do  Amaral  Cardoso,  falecido. 

6  (XII).  D.  Margarida  de  Albuquerque  do  Am.iral  Cardoso  de  Al- 

meida Teles  da  Silva,  c.  c.  José  de  Albuquerque  do  Ama- 
ral Cardoso  (X  a""  G),  senhor  das  casas  do  Sardoal  e  de 
Alcobaça. 


Ramo  primário  ^) 

III  b)  —  Brites  Marques,  filha  de  Marcos  Garcia  Mascarenhas  2.°  (II, 
3),  casou  em  Torroselo  com  Domingos  Afonso.     Teve : 

I  (IV).  João  Marques,  c.  c,  Catarina  .Mendes,  de  Manteigas,  de  quem 
houve : 

I  (V).  Ana  Marques,  c.  c.  seu  primo  António  Garcia,  de  quem  nos  ocupá- 
mos já  (IV  a),  descrevendo  a  sua  larga  descendência ; 


C/S^ota  I — Família  patertia  do  poeta  (^^^) 

2  (V).  /'.'  João  Marques,  ordenado  de  menores  e  subdiácono  antes  de  i62i). 
Quando  se  preparava  para  a  ordenação  de  diácono,  apareceu  de- 
núncia de  que  sua  mãe  Catarina  Mendes  tinha  sangue  judaico,  e 
daí  resultaram  embaraços  para  a  ordenação ;  pelo  que  teve  de  correr 
um  rigoi oso  processo  de geneie  nos  bispados  de  Coimbra  e  Guarda, 
julgado  por  sentença  curial  do  bispo-conde  D.  João  Manuel,  datada 
de  23  de  janeiro  de  iõ3o,  em  que  foi  julgado  e  declarado  cristão 
velho  inteiro  de  pais  e  avos  de  uma  e  outra  parte,  sem  raça  de  in- 
fecta nação.  Ksta  sentença  original  existe  erii  poder  do  compilador 
destes  apontamentos,  7.°  neto  da  referida  Catarina  Mendes. 

2  (IV).  António  Marques,  c.  em  Folhadosa  com  uma  sua  parenta,  de 

quem  houve  prole. 

3  (IV).  habel  Garcia,  que  segue  (IV  b'). 

4  (IV).  Clara  Garcia,  c.  c.  Tomé  Mendes  Pinto,  da  I.ageosa,  de  quem 

teve  : 

—  (V).  António  Mendes  Mascarenhas,  c.  c.  D.  Paula  de  Abranches  da  Costa, 
do  Carvalhal-Gcdondo  (Canas  de  Senhorim),  filha  de  António  de 
Abranches  da  Costa,  do  Carvalhal-Kedondo,  e  de  D.  Leonor  Mar- 
ques de  Abranches,  das  Contcnças,  bispado  de  Viseu     Tiveram : 
—  (VI).  Martinho  de  Abranches  da  Costa,  familiar  do  Santo-Ofício, 
habilitado  em  1673,  c.  c.  D.  Maria  Monteiro  Godinho,  de 
Olivciíinlia,  lillia  de  António  Godinho  da  (^osta,  de  Olivei- 
rinha, e   de   IJ.   Maria  Monteiro   Velosa,  de  Oliveirado- 
-Conde. 

5  (IV).  Catarina  João,  c.  em  Sandomil,  e  teve  descendência. 

6  (IV).  Maria  ,Ioãc,  que  ?cgue  (IV  b"). 

7  (IV).  Ana  Garcia,  c.  c.  Luís  Fernandes,  de  Várzea-de-Cima,  fregue- 

sia de  Várzea-de-iMeruge. 
S  (IV).  F.. . .,  c.  c.  Tomé  Luís,  de  S.  Romão. 
9  (IV).  Francisca  Garcia,  c.  c,  Salviídor  Nunes,  da  Cerdeira. 


Ramo  secundário  ^') 

IV  í»')  — Isabel  Garcia,  de  Torrosélo,  filha  de  Briles  Marques  (III  b), 

c.  c.  Diogo  Brás  Pinto  de  Gouveia,  filho  de  António  Pinto 
de  Gouveia  e  de  D.  Inês  Pinto,  neto  paterno  de  Jerónimo 
Ferreira  e  de  Isabel  de  Gouveia,  e  materno  do  capitão 
António  Pinto  Ribeiro  e  de  D.  F..  ..     Teve 

V  b')  —  D.  Maria  Pinto  Garcia,  c.  em  Lagares  c.  António  Pires,  de 

quem  houve 

VI  b')  —  António  Garcia  Mascarenhas,  de  Lagares,  c.  em  i.*'  niipcias 

c.  D.  Ana  Antunes,  de  quem  teve  : 

I  (VII).  Dr.  Nicolau  Garcia  Pinto  Mascarenhas,  que  segue, 


(iSs)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

1  (VII).  Manuel  Garcia  Pinto,  c.  c.  D.  Serafina   Ribeiro,  da  casa  de 
Santa  Eulália,  e  teve 

—  (VIU).  D.  Patrícia  Garcia,  de  Lagares,  c.  c.  Manuel  de  Abranches  Car- 

doso, da  I'óvoa-de-Midoes,  os  quais  tiveram 
—  (IX).  D.  Maria  Josefa  do  Espirito  Santo  Mascarenhas,  que 
casou  com  o  seu  parente  João  do  Amaral  Garcia  Mas- 
carenhas Castel-Branco,  de  quem  logo  falaremos  (IX  b'). 

VII  V)  —  Dr.  Nicolau  Garcia  Pinto  Mascarenhas,  c.  c.   sua  parenta 

D.  Inácia  Coelho  de  Figueiredo,  de  quem  adeante  falare- 
mos (VI  í/"  1 ).     Dela  teve 

1  (VIII).  D.  Maria  Garcia  Mascarenhas,  que  segue. 

Também  teve  de  Maria  Simões,  mulher  solteira, 

2  (VIII).  António  Garcia  Mascarenhas,  c.  c.  Maria  de  Gouveia,  do  Er- 

vedal,  de  quem  houve 

—  (IX).  José  Garcia  Mascaren/ias,  c.  c.  F..  •  ■,  c  teve 

—  (X).  Mamtel  Garcia  Nunes  de  Gouveia,  c.  c.  D.  Joana  Baptista 
da  Silva  iíibeiío,  de;Travanc3-de-S.  Tomé  (Oliveira-do- 
-Conde);  distes  nasceu  —  (XIj.JD.  Maria  Eufrásia  Pinto 
Mascarenhas,  c.  c.  António  José  da  Fonseca  Saraiva,  de 
Correios,  que  houveram  —  (XO),  Jaime  Garcia  Masca- 
renhas, o  célebre  e  popularíssimo  patriota  da  patoleia,  c. 
c.  D.  Teresa  Emília  Pais,  de  Travanca-de-S.  Tomé,  da 
qual  nasceu  —  (XIII).  Adriano  Augusto  Garcia  Masca- 
renitas,  bacharel  formado  era  Medicina,  c.  c.  D.  Eduarda 
Augusta  Monteiro  l.opes  Mascarenhas,  da  freguesia  do 
Sobral,  concelho  de  Mortágua;  e  tiveram  um  filho  e  duas 
lillias  —  IXIV).  Jaime  Garcia  Mascarenhas,  bacharel  for- 
mado em  Direito,  D.  Angelina  Garcia  Mascarenhas,  já 
falecida,  e  D.  Amélia  Garcia  Mascarenhas. 

VIII  F)  —  D.  Maria  Garcia  Mascarenhas,  c.  c.  Dionísio  Soares  do  Ama- 

ral Castel-Branco,  de  Gouveia,  filho  de  Luís  Marques  da 
Fraga  e  de  D.  Maria  do  Amaral  Castel-Branco,  residentes 
em  Gouveia,  neto  paterno  de  Domingos  Dias  Fragoso  (ou 
da  Fraga),  fidalgo-cavaleiro  da  C.  R.,  instituidor  das  ca- 
pelas da  Póvoa  de  Cervães  e  de  Santa  Marinha.     Teve 

IX  è')  — João  do  Amaral  Garcia  Mascarenhas  Castel-Branco,  c.  c.  sua 

prima  D.  Maria  Josefa  do  Espírito  Santo  Mascarenhas, 
de  Lagares  da  Beira,  ambos  bisnetos  de  António  Garcia 
Mascarenhas  (VI  b')\  e  tiveram 

X  V)  —  Dionísio  Soares  do  Amaral  Garcia  Castel-Branco,  bacharel 


T^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^^3) 

formado  em  Leis,  de  Lagares,  c.  c.  D.  Eufrásia  Rita  de 
S."  Clara  Mascarenhas  Soares,  de  Folques  (b.  i  jan.  1756). 
Tiveram 

XI  b')  —  José  António  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco,  bacharel 

formado  em  Leis,  corregedor  de  Vila-F^ranca,  juiz  do 
crime  em  Coimbra,  desembargador  da  Casa  do  Cível.  Foi 
senhor  dos  importantes  vínculos  de  Gouveia  e  Lagares,  e 
casou  com  D.  Rita  de  Azevedo  Costa  e  Andrade,  senhora 
da  quinta  da  Ccirredoura,  em  Sortelhe,  comarca  do  Sa- 
bugal.    Deles  nasceram: 

1  (XII).  D.  Luísa  Benedita  Pinto  Mascarenhas  Furtado,  que  segue 

(XII  b\)  ; 

2  (XII).  João  Soares  Pinto  Garcia  Mascarenhas,  f  assassinado  cotio 

miguelista,  sem  ger. 

3  (XII).  B.<^t  José  António  Soares  Pinto  Mascarenhas,  que  segue  (XII 

*',.)■ 
4  (XII).  Dionísio  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco,  que  herdou 
de  suas  tias  paternas,  D.  Maria  e  D.  Joaquina,  a  casa  de 
Kolques  (Arganil),  e  ali  se  estabeleceu.  Casou  com  D.  Maria 
da  Conceição  de  Brito  Castelo-Branco,  de  Vila-Cova-sob- 
-Avô,  filha  de  António  de  Brito  da  Costa  Brandão  Castelo- 
Branco,  e  de  D.  Luísa  Emília  de  Freitas  Leitão,  de  quem 
houve : 

1  (Xltl).  Dionísio  Soares  Pinto  Mascarenhas,  com  geiaçáo; 

2  (XIII).  Francisco  Soares  Pinto  Mascarenhas,  sem  ger. ; 

3  iXlIIl.  D.  Maria  da  Conceição  Soares  Pinto  Mascarenhas,  sem  ger. ; 

4  (XIII).  José  Mascarenhas  Castelo-Branco,  sem  ger. 

3  (XII).  Pedro  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco,  que  segue 
(XII  b'J. 

6  (XII).  Fernando  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco,  que  se 
estabeleceu  na  casa  da  Corredoura  (Sortelhe),  herdada  de 
sua  mãe.  Casou  com  sua  sobrinha  D.  Maria  Luísa  de  Sa- 
cadura Bote  Pinto  Mascarenhas  (XII  í',^,  4),  e  faleceu  dei- 
xando dois  filhos: 

1  (XIII).  Fernando  Soares  Pinto  Mascarenhas ; 

2  (XIII).  D.  Maria  Júlia  Soares  Pinto  Mascarenhas. 

Ramo  terciário  b\) 

XII  b\)  --  D.  Luísa  Benedita  Pinto  Mascarenhas  Turtado,  c.  em  Foz- 

-de-Arouce  (Louzã)  c.  Francisco  Furtado  de  Mesquita 
Paiva  Pinto,  filho  de  Joaquim  José  Furtado  de  Mesquita 


fi34)  ^rás  Garcia  oMascarenhas 

Paiva  Pinto  e  D.  Maria  Caetana  Joaquina  Angélica  de 
Paiva  Pinto:  neto  paterno  de  Mateus  António  de  Paiva 
Pinto  e  de  D.  Maria  Angélica  Furtado  de  Mesquita  e 
Távora,  de  Vilarinho  da  Louza;  materno  de  Ascenso 
Rodrigues  de  Paiva  Pinto  e  de  sua  ^^  mulher  D.  Ca- 
tarina Marques,  de  Foz-de-Arouce.  Era  môço-fidalgo 
da  C.  R.,  e  teve 

XÍII  b\)  —  Doutor  Francisco  Augusto  Furtado  de  Mesquita  Paiva  Pinto, 

1."  visconde  e  i.°  conde  de  Foz-de-Arouce,  n.  22  mai. 
i833,  môço-fidalgo  da  C.  R.,  c.  18  abr.  1860  c.  D.  Maria 
Joana  de  Bourbon  Melo  Giraldes  de  Sampaio  Pereira, 
n.  2  fev.  1842,  filha  dos  i."*  condes  e  i."*  marqueses  da 
Graciosa,  Fernando  Afonso  Giraldes  de  Melo  Sampaio 
Pereira  e  D.  Maria  José  Caldeira  Pinto  de  Albuquerque 
Leitão.     Teve : 

1  (XIV).  D.  Maria  de  Melo  Furtado  Caldeira  Giraldes  de  Bourbon, 

n.  8  jun.  1864,  c.  4  jun.  1884  c.  o  2."  visconde  de  Proença- 
-a-Velha  João  Felipe  Osório  de  Meneses  Pita,  e  teve : 

1  (XV).  D.  Maria  Joana,  n.  20  jul.  1886; 

2  (XV).  D.  Luísa.  n.  20  jul.  1888. 

2  (XIV).  Francisco  Furtado  de  Melo,  n.  8  mar.  1866,  3.°  marquês  da 

Graciosa. 

3  (XIV).  D.  Emília  Furtado  de  Melo,  n.  9  mar.  1868,  sem  ger. 

4  (XIV).  D   Luísa  Furtado  de  Melo,  n.  1  abr.  1870,  c.  c.  Melchior  Ba- 

rata de  Tovar  Pereira  Coutinho,  já  falecido ;  reside  na  quinta 
da  Arregaça,  em  Coimbra. 

Ramo  terciário  VJ 

XII  t',,)  — José  António  Soares  Pinto  Mascarenhas,  bacharel  formado 
em  Direito,  c.  em  Vila-de-Barba  (Santa-Comba-Dão)  c. 
D.  Maria  Peregrina  de  Gouveia  Juzarte  Figueiredo  e 
Sousa.     Teve : 

I  (XIII).  José  Soares  Pinto  Mascarenhas  Gouveia,  que  foi  tesoureiro 
da  Universidade  àc  Coimbra.  Casou  com  D.  Maria  da 
Assunção  de  Cabedo  Henriques  Lencastre  e  Almeida,  de 
Taveiro,  filha  de  José  Bruno  de  Ciibedo  Lencastre  e  Al- 
meida e  de  D.  Maria  Quitéria  de  Lencastre  Henriques. 
Teve : 

I  (XIV).  Dr.  José  Soares  Pinio  de  Cabedo  e  Lencastre,  )uiz  de  Bireito,  c. 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (i-^^) 

c.  D.Clarisse  Braamcamp  Freire,  e  tiveram  —  |XV|.  José  Antó- 
nio, +  criança; 

2  (XIV).  D.  Maria  Joana  Pinto  Mascarenhas ; 

3  (XIV).  /).  Maria  do  Amparo  Pinto  Mascarenhas ; 

4  (XIVj.  Jorge  Soares  Pinto  Mascarenhas,  capitão  condecorado  com  ooljcia- 

lato  da  Torre  e  Espada  pelos  serviços  distintos  prestados  na  cam- 
panha do  Cuamato.  c.  c.  l).  .Maria  da  Assunção  de  Mancelos 
Ferraz,  da  casa  da  Corujeira. 

2  (XIII).  D.  Maria  José  Soares  Pinto  Mascarenhas  Gouveia,  c.  em 
S.  Joaninho  (Santa-Comba-Dão)  c.  seu  primo  Francisco  de 
Gouveia  .\lmeida  Bandeira  de  Figueiredo.     Tiveram: 

1  iWX).  Francisco  de  Gouveia  Pinto  Mascarenhas,  bacharel  formado  em 

Direito,  visconde  de  Freixedo,  com  descendência ; 

2  (Xl\j.  Afonso  Gouveia  Pinto  Mascarenhas,  bacharel  formado,  solteiro; 

3  (XIV).  Fernando  de  Gouveia  Pinto  Mascarenhas,  solteiro. 


Ramo  terciário  l>\^) 

XII  b\j  —  Pedro  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco,  c.  na  Louzã 
c.  D.  Ana  Bárbara  de  Sande  Sacadura  Bote,  filha  do 
bacharel  José  Maria  Còrte-Real  Sacadura,  e  de  D.  Maria 
Liberara  Arnau  Gamboa,  de  Alfochim.  Deles  nasceram 
na  Louzã  (casa  da  Rua-Nova,  do  ramo  Arnau)  os  se- 
guintes filhos: 

1  (XIII).  D.  Maria  José  de  Sacadura  Mascarenhas  de  Sousa  Pinto,  c. 

c.  o  Doutor  José  Freire  de  Sousa  Pinto,  lente  da  faculdade 
de  Matemática,  proprietário  da  quinta  de  S.  Jerónimo,  aros 
.  de  Coimbra,  por  herança  de  seu  tio  paterno  o  doutor  Ba- 
sílio Alberto  de  Sousa  Pinto,  visconde  de  S.  Jerónimo,  sem 
ger. 

2  (XIII).  D.  Maria  Miquelina  de  Sacadura  Bote  Pinto  Mascarenhas, 

recolhida  no  convento  das  comendadeiras  de  Santos-o-Novo 
(Sintra),  sem  ger. 

3  (XIII).  D.  Maria  Lusitana  de  Sacadura  Mascarenhas  de  Lemos,  c. 

na  Louzã  c.  João  Gonçalves  Viana  de  Lemos,  da  fábrica  de 
papel  do  Penedo.    Teve : 

1  (XIV).  Pedro  Mascarenhas  de  Lemos,  bacharel  formado  em  Direito,  car- 

torário da  Sanla  Casa  da  Misericórdia  de  Coimbra,  c.  a  2o  out. 
1913  c.  D.  Eugenia  de  Almeida  de  Abreu  Castel-Branco,  filha  dos 
condes  de  Fomos  de  Algodres  ; 

2  (Xl\').  D.  Maria  Luisa  Mascarenhas  Viana  de  Lemos,  c.  c.  seu  primo 

bachanl  Américo  Viana  de  Lemos,  residentes  no  Penedo  da 
Saudade  (Coimbra),  com  ger. ; 

3  (XI\'V  João  Mascarenhas  Viana  de  Lemos,  administrador  da  fábrica  de 

p.npel  do  l^enedo,  c.  c.  [).  Maria  de  Nazaré  Magalhães  Mexia 
M.icedo  Pimentel,  única  filha  legítima  do  morgado  de  Santa  Rita 
(Louzã),  Luís  de  Magalhães  Mexia,  e  t»m  ger; 


(r36) 


'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

4  (XIV).  Alexandre  Mascarenhas  Viana  de  Lemas^  alfere«  da  a4tninisjra- <     ^     /   /í^ 

ção  militar,  solteiro  ;   C .  e  ^.ã^^tí^-^/tu^'^*^  j/^^yrí    -^^j^f.f 

5  (XIV).  B.'i  Júlio  Mascarenhas  Viana  de  I.emos,  solteiro ;       ■í-e^*-'*'^  ' 

6  (XlVi  José  Mascarenhas  Viana  de  Lemos,  solteiro  ;  <«-^  ^^-íí^^-^j 

7  (XIV).  Eugénio  Mascarenhas  Viana  de  Lemos,  solteiro.  /'o^<j'^-c-^í''^    ^  -' ' 

4  (XIII).  D.  Maria  Luísa  de  Sacadura  Bote  Pinto  Mascarenhas,  c.  em 

■  ."•ntípcias  com  seu  tio  Fernando  Soares  Pinto  Mascare- 
nhas Castel-Branco  (XI  b'  6),  e  em  -j.*"  niipcias  com  João 
de  Sacadura  Bote  Corte  Real,  filho  de  João  de  Sacadura 
Bote  Côrte-Real,  e  de  D.  Margarida  Amélia  Santiago  de 
Lisboa,  senhor  por  vinculo  da  casa  da  Aguieira,  freguesia 
de  Carvalhal-Redondo  (Nelas).  Tem  do  i.°  matrimónio  dois 
filhos,  já  mencionados  (XI  b'  6);  do  2."  matrimónio  tem: 

3  (XIV),  João  de  Sacadura  Bole  Côrte-Real,  bacharel  formado  em  Direito, 

advogado,  c.  com  descendência; 

4  (XU^).  D.  Maria  Luisa  Mascarenhas  Sacadura,  c.  c.  Joaquim  Ferreira 

Cabral  Tei.teira  Homem  Barbosa,  bacharel  formado  em  Direito, 
filho  do  Conseliíeiro  Alexandre  Ferreira  Cabral  r*ais  do  Amaral, 
antigo  ministro  do  Reino  e  Reitor  da  Universidade  de  Coimbra, 
c  teem  : 

—  a  (XV).  D.  Maria  Virgínia  n.  na  casa  de  Sequeiros  (Ancêde) 

a  3  nov.  igi.^.  e 

—  b  (XV).  Alexandre  Ferreira  Cabral  Teixeira  Homem  de  Bar- 

bosa, n.  ibid. ; 

5  (XIV).  José  da  Costa  Pereira  Côrte-Real  Sacadura ; 

6  (WY).  Nuno  Pereira  de  Sande Sacadura  BoteU^pC- ,  ^O 

5  (XIII).  Carlos' de  Sacadura  Bote  Pinto  Mascarenhas.,  bacharel  iov-^^ 

mado  em  Direito,  advogado  e  conservador  na  Louza;  casou 
em  Celas  (quinta  de  Vimarães),  subiirbio  de  Coimbra,  com 
D.  Emília  Soares  de  Albergaria   Pessoa,  filha  do  B.«'  José  , 
Pessoa  da  Silva  Pinheiro  e  de  D.  Maria  José  Soares  de  Al- 
bergaria, e  tem  os  filhos  seguintes  : 

1  (XI\').  José  Arnau  Soares  de  Albergaria  Pinto  Mascarenhas ; 

2  (XIV).  D.  Ana  de  S.  José  Soares  de  Albergaria  Pinto  Mascarenhas  ; 

3  (XIV).  Pedro  Soares  Pinto  Mascarenhas  Castel-Branco  ; 

4  (XIV).  D.  Maria  Emitia,  gémea  com  sua  irmã  — 

5  (XIV).  D.  Maria  José. 

6  (XIII).  D.  Maria  Emília  de  Sacadura  Bote  Mascarenhas  Castro  e 

Almeida,  c.  c.  o  Dr.  Aires  de  Castro  e  Almeida,  juiz  de  Di- 
reito, filho  do  Conselheiro  Dr.  Luís  da  Costa  e  Almeida 
(lente-decano  da  Faculdade  de  Matemática,  e  ílltimamente 
director  da  Faculdade  de  Sciências  da  Universidade  de 
Coimbra)  e  de  D.  Ermelinda  de  Castro  Freire  de  Vascon- 
celos.   Teem  os  filhos  seguintes,  todos  ainda  menores : 

1  (XIV).  D.  Maria  Ermelinda  ; 

2  (XIV).  D.  Maria  Antónia  ; 

3  (XIV).  Pedro  Mascarenhas  de  Castro  e  Almeida  ; 

4  (XIV).  D.  Maria  Eugenia. 


C^ota  I  —  Família  paterna  do  poeta  (^-^7) 

Ramo  secundário  ^ "^ 

IV  è")  — Maria  João,  filha  de  Brites  Marques  (III  b  6)  casou  em  San- 

domil  com  João  Dias,  de  quem  houve  : 

1  (V).  D.  Ana  Garcia,  que  segue  (V  b'\)\ 

2  (V).  D.  Alaria  João  Garcia,  que  segue  (V  b'\^). 

Ramo  terciário  b'\) 

V  b'\) —  D.  Ana  Garcia,  c.  c.  Belchior  Pais  do  Amaral,  filho  de  Marcos 

Pires  e  de  D.  Leonor  Pais  do  Amaral,  moradores  nas 
Contenças  (Mangualde),  sendo  esta  da  família  dos  Pais  do 
Amaral  de  Azurara-da-Beira  (Mangualde).  Viviam  aque- 
les em  Sandomil,  onde  tiveram: 

1  (VI).  D.  Ana  do  Amaral,  que  segue  (V[  b'\*). 

2  (VI).  D.  Josefa  do  Amaral,  c.  c.  Sebastião  Garcia,  seu  primo,  de 

quem  se  falará  adeante  (VI  í",,). 

?  (VI).  D.  Maria  do  Amaral,  que  segue  (VI  b'\  **). 

4  (VI).  P.e  António  do  Amaral,  prior  de  Sandomil,  senhor  de  uma  im- 
portante casa,  que  deixou  a  sua  sobrinha  D.  Maria  do  Ama- 
ral (VI  í".**  i), 

Ramo  quaternário  b'\  *) 

VI  b'\  *)  —  D.  Ana  do  Amarai,  casou  em  Azurara  (Mangualde)  com 

0  seu  parente  Miguel  Pais  do  Amaral,  filho  de  Miguel 
Pais  do  Amaral,  familiar  do  S.'°  Oficio,  e  de  D.  Jeró- 
nima  do  Amaral.  Foi  capitão-mór  de  Azurara-da-Beira, 
cavaleiro  da  Ordem  de  Avis,  i."  senhor  do  morgado  de 
S.  Bernardo  em  Mangualde  (instituído  por  seu  tio  Gaspar 
Pais  do  Amaral  em  1646);  teve  o  foro  de  fidalgo  da  C. 
R.  por  mercê  de  i665,  em  virtude  de  serviços  que 
prestou  na  guerra  da  restauração.     Houveram: 

1  (Vil).  Bernardo  Pais  do  Amaral  Castelo- Branco,  e 

2  (VII).  Gabriel  Pais  do  Amaral  Castelo- Branco;  ambos  estes  ir- 

mãos foram  mortos  em  Santar,  numa  pendência  que  ti- 
veram com  alguém  da  casa  dos  Lucas-Melos  daquela 
vila,  a  quem  foram  provocar  à  própria  casa. 

3  (VII).  P.e  Miguel  do  Amaral,  jesuíta,  que  em  1682  foi  como  mis- 

sionário para  Gòa,  onde  exerceu  os  cargos  de  provincial 
«  visitador,  indo  mais  tarde  para  Roma. 


( i38)  'Brás  Garcia  dMascarenhas 

4  (VII).  Simão  Pais  do  Amaral,  que  segue. 

5  (VII).  D.  Mariana  da  Purificação,  que  professou  no  mosteiro  be- 

neditino de  Ferreira-de-Aves  (Sátão). 

VII  F\  *)  —  Simão  Pais  do  Amaral,  fidalgo  da  C.  R.,  capitão-mór  de 
Azurara,  suces.sor  na  casa  de  seus  pais,  cavaleiro  da 
Ordem  de  Cristo,  familiar  do  S.'°  Ofício,  capitão-mór 
de  Azurara-da-Beira,  c.  c.  D.  Leonor  Maria  de  Castel- 
-Branco  e  .Albuquerque,  filha  de  Manuel  de  Vilhegas 
Cardoso  (bisavô  por  varonia  de  António  José  de  Albu- 
querque do  Amaral  Cardoso,  de  quem  já  falámos  em 
VIU  a""),  e  de  D.  Maria  de  Albuquerque  Pacheco, 
neta  paterna  de  Gonçalo  Vilhegas  Cardoso  e  D.  Leo- 
narda  de  Castel-Branco,  da  freguesia  do  Couto-de- 
-Baixo  (Viseu),  e  materna  de  Jerónimo  Rebelo  de  Al- 
buquerque, alcaide-mór  de  Ormuz,  e  D.  Leonor  de 
Albuquerque,  de  Esporões.     Teve: 

1  (VIII).  Miguel  Pais  do  Ameal,  que  segue. 

2  (VIII).  Fr.  Bernardo  Pais  de  Castelo-Branco,  comendador  e 

grão-chanceler  da  Ordem  de  Malta. 

3  (VIII).  Dr.  Bento  Pais  do  Amaral.,  canonista,  inquisidor  em 

Coimbra,  fidalgo  da  C.  R.,  do  conselho  del-rei,  mestre- 
-escola  da  Sé  de  Viseu,  beneficiado  da  Colegiada  de 
Santa  Justa  de  Coimbra. 

4  (VIII).  L.^o  Simão  Pais  do  Amaral,  canonista,  fidalgo  da  C.  R., 

prior  de  Freixedo. 

5  ( VIIIj.  Francisco  Xavier  Pais  do  Amaral,  qut  professou  na  Com- 

panhia com  o  nome  de  Miguel  do  Amaral,  foi  lente  do 
Seminário  de  S.  Patrício,  e  examinador  das  Ordens  mi- 
litares. 

6  (VIII).  Gabriel  Pais,  f  criança. 

7  (VIII).  Pedro  José,  f  criança. 

8  (VIII).  João  Pedro  Pais  do  Amaral,  que  entrou  para  a  Compa- 

nhia com  o  nome  de  Pedro  do  Amaral. 

9  (VIII).  Fr.  Gabriel  do  Amaral,  monge  cisterciense. 

10  (VIII).  Fr.  Inácio  do  A/iiaral,  dominicano. 

11  (VIII).  D.  Bernarda  Teresa  de  Castelo-Branco,  freira  em  Viseu. 

12  (VIII).  D.  Dorotéa  Micaela,  idem. 
i3  (VIIIj.  D.  Antónia  Felipa,  idem. 
14  (VIII).  D.  Maria  Eufrásia,  idem. 
i5  (VIII).  D.  Ana  Josefa,  idem. 

16  (VIII).  D.  Leonor  Clara,  idem. 

17  (VIII).  D.  Maria  Luísa  Manuela  Natália  de  Castelo-Branco  e 

Albuquerque,  c.  c.  António  de  Aragão  Sanzedo  Pinheiro, 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (i-^ç) 

fidalgo  da  C.  R.,  senhor  da  casa  dos  Pinheiros  de  Ara- 
gão, de  Lamego,  cavaleiro  de  Cristo,  familiar  do  S.'o 
-  Ofício;  de  quem  foi  neto  João  Pinheiro  de  Aragão,  que 
voltou  a  casar  nesta  casa  dos  Pais  de  Amaral,  como 
adeante  se  dirá  (X  b'\*  5).     Tiveram  geração. 

VIII  í>'\  *)— Miguel  Pais  do  Amaral,  fidalgo  da  C.  R.,  cavaleiro  de 

Cristo,,  familiar  do  S.'°  Oficio  por  carta  de  lo  mar.  * 
1710,  serviu  na  guerra  no  posto  de  capitão  de  cavalaria, 
e  depois  no  de  mestre-de-campo  de  auxiliares  da  co- 
marca de  Viseu;  c.  c.  sua  prima  D.  Maria  Arcangela 
de  Castelo-Branco,  senhora  de  Albergaria,  de  Alca- 
fache, e  de  seis  vínculos,  com  capela  de  S.  Lourenço 
na  igreja  de  S.  Tiago,  instituída  em  1672,  e  o  de 
Abrunhosa-Velha  com  grande  rendimento,  e  ainda  o 
da  Cunha-Alta,  instituído  em  1627;  e  era  filha  de  Do- 
mingos (ou  Diogo  ?)  Marques  Ferrão  Castelo-Branco, 
das  Folgosas,  e  de  D.  Juliana  Marques  Pimentel,  da 
Cunha-Alta,  concelho  de  Azurara-da-Beira;  neta  pa- 
terna de  João  Ferrão,  das  Folgosas,  e  de  D.  Luísa 
Coelho,  de  S.  Romão;  materna  de  António  Marques 
Pimentel,  das  Contenças,  e  de  D.  Maria  Cardoso  do 
Amaral,  da  Cunha-Alta.     Tiveram: 

1  (IX).  Simãu  Pais  do  Amaral,  f  criança. 

2  (IX).  Bernardo  (depois  crismado  com  o  nome  de  Simão)  Pais 

do  Amaral,  hnbilitou-se  para  familiar  do  S.'o  Oficio,  mas 
não  chegou  a  tirar  a  respectiva  carta,  porque  faleceu 
novo,  sem  geração. 

3  (IX).  Miguel  Pais  do  Amaral,  que  segue. 

4  (IX).  D.  Leonarda  Maria  Xavier  de  Castelo-Branco,  freira  em 

Viseu. 

5  (IX).  D.  Bernarda  Constantina  de  Castelo-Branco,  idem. 

6  (IX).  D.  Maria  Joaquina  de  Castelo-Branco,  idem. 

7  (IX).  D.  Ana  Felícia  de  Castelo-Branco,  freira  em  Ferreira-de- 

-Aves. 

8  (IX).  D.  Eufrásia  Inocência  de  Castelo-Branco,  idem. 

9  (IX).  D.  Mtcaela  Natália  de  Castelo-Branco,  idem. 
10  (IX).  I).  Maria  Eugenia  de  Castelo-Branco,  idem. 

u  (IX).  D.  Rosália  Margarida  de  Castelo-Branco,  idem. 

IX  b'\  *)—  Miguel  Pais  do  Amaral,  fidalgo  da  C.  R.,  sucedeu  na  casa 

de  seu  pai,  e  foi  senhor  de  Abrunhosa  e  Vila-Macedo, 


(140}  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

cavaleiro  de  Cristo,  juiz  de  fora  em  Coimbra,  familiar 
do  S.'°  Ofício  por  carta  de  24  ag.  1743;  c.  a  8  set.  1749 
c.  D.  Joaquina  Teodora  de  Sá  e  Meneses,  n.  em  1729, 
segunda  filha  de  Manuel  de  Sá  Pereira  (cavaleiro  de 
Cristo,  fidalgo  da  C.  R.,  familiar  do  S.'°  Ofício,  mestre- 
-de-campo  dos  auxiliares  na  comarca  de  Coimbra,  se- 
nhor da  casa  dos  Sás  de  Condeixa  e  da  quinta  da  Anadia, 
subúrbio  de  Coimbra)  e  de  sua  2/  mulher  D.  Mariana 
Plácida  de  Meneses,  senhora  das  casas  da  Freiria  e  de 
Argemil,  e  de  alguns  morgados.     Teve: 

1  (X).  Simão  Pais  do  Amaral,  que  segue. 

2  (X).  Aliguel  Pais  de  Meneses,  môço-fidalgo  da  C.  R.,  n.  22  dez. 

1758,  seguiu  primeiro  a  magistratura,  que  depois  largou 
para  professar  na  Ordem  militar  de  Malta,  na  qual  foi  co- 
mendador, e  7  em  Mangualde  a  7  abr.  iSSg.  A  ele  se  deve 
o  moderno  templo  de  Nossa  Senhora  do  Castelo,  acabado 
em  i838,  e  bem  assim  o  arranjo  magnificente  do  jardim  e 
mata  da  casa  de  Mangualde. 

3  (X).  Bernardo  Pais  de  Castelo-Branco  e  Meneses,  n.  22  ag.  1761, 

môço-fidalgo  da  C.  R.,  professou  novo  na  Ordem  de  Malta, 
e  ainda  esteve  com  seus  irmãos  em  serviço  da  Ordem 
nesta  ilha ;  foi  bàlio  de  Leça,  e  acompanhou  durante 
muitos  anos  seu  tio  materno  José  de  Sá  Pereira  de  Me- 
neses, 2.°  conde  de  Anadia  (vid.  X  b'\  *  2),  na  embaixada 
de  Nápoles ;  a  êle  se  deve  em  grande  parte  a  sumptuosi- 
dade com  que  foi  mobilada  e  ornada  a  casa  de  Mangualde, 
sendo  obra  sua  grande  número  de  quadros  que  nela  há, 
com  paisagens  de  Malta,  Nápoles,  e  vários  pontos  de  Itália. 
De  idade  avançada  f  era  Mangualde  a  iS  set.  1840,  e  jaz 
na  igreja  de  Nossa  Senhora  do  Castelo. 

4  (X).  Manuel  Pais  de  Sà  e  Meneses,  môço-fidalgo  da  C.  R.,  co- 

mendador da  Ordem  de  Malta,  à  qual  prestou  bons  ser- 
viços. 

5  (X).  José  Pais  de  Sá  e  Meneses,  n.  12  nov.  1766,  môço-fidalgo  da 

C.  R.,  foi  cónego  na  Sé  de  Coimbra,  arcediago  na  de  Viseu, 
inquisidor  em  Coimbra,  •}•  em  Mangualde  a  27  mar.  1837, 
e  jaz  em  N.  Senhora  do  Castelo. 

6  (X).  Bento  Pais  do  Amaral,  môço-fidalgo  da  C.  R  ,  deputado  do 

Conselho  geral  do  S.'o  Ofício,  inquisidor  em  Lisboa. 

7  (X).  João  Pais  do  Amaral  e  Meneses,  conhecido  vulgarmente 

pelo  nome  de  João  dos  Vargos,  foi  môço-fidalgo  da  C.  R., 
senhor  da  vila  de  Carrapato,  comendador  de  Cristo,  co- 
ronel  do  regimento  do  termo  oriental  de  Lisboa,  c.  c. 

D.  Maria  Leocádia  de  Faria  Pereira  e  Sousa,  senhora  da 
casa  dos  Vargos,  filha  de  Simão  José  de  Faria,  desembar- 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (141) 

gador   do   Paço   e  riquíssimo   proprietário   do   Ribatejo. 
Teve: 

I  (XI).  João  Miguel  Pais  do  Amaral  de  Faria,  mõço-fidalgo  da  C  R.,  n. 
5  set.  1804,  c.  c.  n.  Maria  Joana  de  Sousa  de  Barros  Carvalhosa, 
filha  dos  1.°'  viscondes  de  Santarém,  da  qual  houve  : 
—  i!  (.\ll).  D.  Maria  Joana  Pais  de  Faria  Pereira,  c.  c.  Roque 
Jacinto  da  Câmara  e  Melo,  que  teve  :  —  i  (XIII). 
i).  Maria  Joana  Pais  de  Faria  da  Câmara  e  Melo, 
c.  em  novembro  de  i.;8f)  c.  Manuel  da  Silva  Gaio, 
bacharel  formado  em  Direito,  actual  Secretário  geral 
da  Universidade  de  Coimbra,  sócio  correspondente 
da  Academia  das  Scièncias  de  Lisboa,  e  de  várias 
outras  sociedades  literárias,  filho  do  Dr.  António  de 
Oliveira  da  Silva  Gaio,  lente  da  faculdade  de  Medi- 
cina de  Coimbra,  e  de  D.  Emília  Augusta  de  Campos 
Paredes ;  neto  paterno  do  Dr.  Manuel  Joaquim  de 
Almeida  Silva  Gaio,  magistrado  distinto,  que  muito 
sofreu  nas  prisões  de  Almeida,  e  de  D.  Ana  Augusta 
de  Oliveira  e  Almeida  ;  neto  materno  do  Conselheiro 
Manuel  da  Cunha  Paredes,  iuiz  do  Supremo  Tribu- 
nal de  Justiça,  deputado  às  cortes,  governador  civil 
de  vários  distritos,  e  de  D.  Ana  Augusta  de  Campos, 
lilha  do  Dr.  António  Joaquim  de  Campos,  do  Con- 
selho de  S.  M.,  lente  de  prima  da  faculdade  de  Me- 
dicina. Houve  dCste  consórcio  uma  filha  —  (XIV). 
D.  Maria  Manuela  Pais  de  Faria  da  Câmara  Melo 
e  Silva  Gaio.  c.  a  12  out.  191C  c.  Manuel  de  Oliveira 
Esteves,  proprietário,  e  tcem  actualmente  dois  filhos 
de  tenra  idade  —  |X\').  Manuel  Pais  de  Faria  da 
Câmara  Melo  Silva  Gaio  de  Oliveira  Esteves,  e 
D.  Joana  Maria  da  Conceição  de  Sá  Pereira  Me- 
ireses  Silva  Gaio  de  Oliveira  Esteves.  —  Aquela  pri- 
meira D.  Maria  Joana  teve  mais:  —  2  (XIII).  D.  Ma- 
ria Carlota  Pais  de  Faria  da  Câmara  e  Melo,  c.  c. 
Joaquim  José  Ferreira  de  Aguiar,  com  sete  filhos: 

—  (XIV).  D.  Maria  do  Pilar  de  Melo  Ferreira  de  •/'■     ji 

Aguiar,  Roque  Artur  de  Melo  Ferreira  de  Afiuiar,^.  t.  *^-  -       ^ 

D.  Maria  Carlota  de  Melo  Ferreira  de  Aguiar,  c.  /  *':     >éíí^iv4'   ^j 
c.  GonçíioCdbval,  com  ger.,  Joaquim  José  de  Melo   /-'     /-  jg 

Ferreira  de  Aguiar,  António  de  Melo  Ferreira  de 
Aguiar,  D.  Maria  da  Arrábida  de  Melo  Ferreira  de 
Aguiar,  e  Francisco  de  Melo  Ferreira  de  Aguiar ; 

—  b  (XII).  Simão  Pais  de  Faria  Pereira  do  Amaral  e  Meneses, 

c.  c.  D.  Maria  do  Pilar  Sérgio  de  Sousa,  tilha  dos 
1.°'  condes  de  Sérgio  de  Sousa,  sem  ger.  ; 

—  c  (.\II).  D.  Rita  Pais  de  Faria,  que  vive  solteira  ; 

—  d  (XII).  D.  Ana  Pais  de  Faria  Pereira,  f  solteira  ; 

—  e  (XII).  Álvaro  Pais  de  Faria,  -f  solteiro ; 

— /(XII).  D.  Irene  Pais  de  Faria,  c.  c.  Pedro  de  I.ima  Coupors, 
com  ger.; 

—  g  (XII).  Francisco  Pais  de  Faria  Pereira,  f  solteiro  ; 
3  (XI).  Bernardo  Pais  do  Amaral; 

3  (XI).  José  Pais  do  Amaral,  que  morreu  no  cerco  do  Pôrlo,  sendo  capitflo 

de  artilharia ; 

4  (XI).  Simão  Pais  do  Amaral. 


(142)  'Brás  Garcia  zMascarenhas 

8  (X).  Joaquim  Pais  do  Amaral  e  Meneses,  moço-fidalgo  da  C.  R., 
comendador  de  Malta,  f  afogado  no  Tejo. 

0  (X).  D.  Joana  Brígida  de  Meneses,  c.  c.  Manuel  Estêvão  de  Al- 

meida Vasconcelos  Quifel  Barbarino,  que  já  era  viúvo, 
sogro  de  seu  irmão  Simão  Pais  do  Amaral,  que  segue ; 
não  teve  ger. 

X  b'\  *)  —  Simão  Pais  do  Amaral,  sucedeu  a  seu  pai  na  casa  de  Man- 
gualde, de  que  foi  9.°  senhor,  sendo  2.°  senhor  da  Abru- 
nhosa e  Vila-Mendo,  moço-fidalgo  da  C.  R.,  cavaleiro 
da  Ordem  de  Cristo,  do  Conselho  Ultramarino.  Casou 
com  D.  Isabel  Luísa  de  Almeida  e  Vasconcelos  Quifel 
Barbarino,  senhora  dos  morgados  de  Monperres  e 
Almeida,  filha  de  Manuel  Estêvão  de  Almeida  Vas 
concelos  Quifel  Barbarino  (moço-fidalgo  da  C.  R.,  de- 
sembargador da  Casa  da  Suplicação,  alcaide-mór  de 
Penegono,  cavaleiro  de  Cristo,  do  Conselho  Ultrama- 
rinoj,  e  de  sua  1.*  mulher  D.  Caetana  Eugenia  do  Vale 
de  Brito  e  Silva,  filha  de  Mateus  Martins  do  Vale  Bo- 
telho e  de  D.  Escolástica  de  Abreu.     Teve : 

1  (XI).  Miguel  Pais  do  Amaral  de  Almeida  Quifel  Barbarino,  n.  6 

'  fev.  1777,  moço-fidalgo  com  exercício,  sucessor  de  seus 
pais,  comendador  de  Cristo,  tenente-coronel  de  cavalaria, 
c.  i3  maio  1810  c.  D.  Maria  Joana  de  Saldanha  Oliveira  e 
Daun,  filha  dos  i."'  condes  de  Rio-Maior,  João  de  Salda- 
nha Oliveira  e  Sousa,  e  D.  Maria  Ana  de  Carvalho  e  Daun, 
3.^  filha  do  i."  marquês  de  Pombal;  f  sem  ger.  deixando  a 
sua  mulher  todos  os  seus  bens  livres. 

2  (XI).  D.  Maria  Joana  de  Sá  e  Meneses,  dama  da   Ordem  de 

S.  João  de  Jerusalém,  n.  i3  dez.  1779;  c.  c.  seu  tio-ayô 
José  de  Sá  Pereira  de  Meneses  (vid.  IX  b'\  *  3),  comenda- 
dor de  Cristo,  cavaleiro  não  professo  de  Malta,  enviado 
em  missão  diplomática  a  várias  cortes,  ministro  plenipo- 
tenciário de  Portugal  em  Nápoles,  o  qual  veiu  a  suceder 
nos  títulos  a  seu  irmão  João  António  de  Sá  Pereira,  i.°  barão 
de  Alverca,  e  a  seu  sobrinho  João  Rodrigues  de  Sá  e  Meio 
Meneses  Souto-Maior,  x."  conde  de  Anadia.  Foi  i.°  vis- 
conde de  Alverca  e  2.°  conde  de  Anadia,  mas  a  carta-régia 
desta  mercê,  expedida  do  Rio  de  Janeiro,  onde  se  achava 
a  corte,  já  o  não  encontrou  vivo  quando  chegou  a  Portu- 
gal, pelo  que  somente  sua  mulher  usou  o  título  de  2.*  con- 
dessa de  Anadia.  Não  teve  filho  varão,  mas  apenas  as 
seguintes  filhas : 

I  (XII).  />.  Maria  Luisa  Je  Sá  Pereira  de  Meneses  de  Meto  Souto-Maior, 


^ota  I~  Família  paterna  do  poeta  (^4^) 

3.'  condessa  de  Anadia  e  2."  viscondessa  de  Alverca,  n.  28  abr. 
1801,  c.  c.  seu  tto  materno  Manuel  Pais  de  Sá,  que  segue 
(Xl  b",  '),  com  descendência; 

2  (XU).  O.  Maria  José  de  Sá,  n.  20  set.  1S04,  c.  c.  José  Maria  Salema  de 

Saldanha,  môço-fidalgo,  de  quem  teve  geração,  e  f  moça  do 
coro  no  R.  IVlosteiro  da  Kncarnação  das  comendadeiras  de  Avis, 
em  Lisboa,  a  29  ahr.  i&-  ; 

3  (XU).  JJ.  Maria  Joana  de  Sá,  n.  11  jun.  1807,  f  solteira. 

3  (XI).  Manuel  Pais  de  Sá  e  Meneses,  que  segue. 

4  (XI).  Simão  Pais  do  Amaral  e  Meneses,  c.  c.  a  filha  de  um  nego- 

ciante rico  de  Lisboa,  pelo  que  a  família  de  Mangualde 
teve  tal  desgosto,  que  se  vestiu  de  luto,  e  mandou  cobrir 
as  armas.  Teve  um  só  filho,  que  morreu  novo,  do  qual  o 
pai  herdou  grossa  fortuna,  que  deixou  à  sua  família  de 
Mangualde,  a  qual  a  não  rejeitou. 

5  (Xlj.  D.  Maria  do  Patrocínio  do  Amaral  e  Meneses,  c.  c.  seu 

primo  João  Pinheiro  de  Aragão  (vid.  Vil  b'\  17),  fidalgo 
da  C.  R.,  senhor  da  casa  dos  Pinheiros  de  Aragão,  de  La- 
mego. 

XI  b'\  *)  —  Manuel  Pais  de  Sá  do  Amaral  de  Almeida  e  Vasconcelos 
Quifel  Barbarino,  n.  7  abr.  1781,  filho  2."  de  Simão  Pais 
do  Amaral,  sucedeu  a  seu  irmão  Miguel,  em  novembro 
de  i85o,  nos  vínculos  apenas.  Formou-se  na  Faculdade 
de  Leis  em  1802.  Foi  deputado  presidente  da  Junta  da 
Casa  de  Bragança,  comendador  de  Cristo,  môço-fidalgo 
com  exercício,  par  do  reino,  3."  conde  de  Anadia  e 
2."  visconde  de  Alverca  pelo  casamento  que  fez  a  23 
mai.  1821  com  sua  sobrinha  materna  D.  Maria  Luísa 
de  Sá  Pereira  de  Meneses  de  Melo  Souto-Maior,  filha 
mais  velha  e  sucessora  dos  2.°'  condes  de  Anadia  e 
1.°'  viscondes  de  Alverca  ((X  F\  *  2).     Teve  : 

1  (XII).  D.  Maria  Joana  de  Sá  Pereira  de  Meneses  Melo  Soulo- 

Maior,  n.  29  ag.  1822,  c.  i3  jan.  1842  c.  o  4.»  conde  da 
Louzã  D.  João  José  de  Lencastre  de  Basto  Baharem,  e 
faleceu  um  mês  depois,  a  19  fev.  do  mesmo  ano  de  1842. 

2  (XII).  D.  Maria  Isabel,  n.  29  mar.  1825,  f  7  dez.  i85g. 

3  (XII).  D.  Maria  da  Glória,  n.  27  jun.  1826,  f  em  abril  de  i85... 

4  (XII).  José  Maria  de  Sá  Pereira  de  Meneses,  que  segue. 

5  (XII).  Simão  das  Chadas  de  Sá  Pereira  de  Meneses,  n.  6  fev. 

1841,  c.  c.  D.  Carlota  Amália  de  Morais  Sarmento,  n.  em 
Londres  a  2  fev.  1840,  filha  do  1.°  matrimónio  do  i."  vis- 
conde da  Torre  de  Moncorvo,  e  mais  tarde  marquesa  de 
Oldoini,  pelo  seu  casamento  em  2."  núpcias,  a  28  nov. 
1877  com  o  marquês  deste  título,  enviado  extraordinário 


(r44)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

do   rei  de  Itália  em  Lisboa.    Houve  do  casamento  de 
Simão  das  Chagas  as  filhas  seguintes: 

I  (XIII).  D.  Maria  Luisa,  n.  24  abr.  ibõ3,  solteira; 

3  (XIII).  D.  Maria  Carlota  de  Sá  Pereira  e  "Sleneses,  n.  4  mar.  1864,  c. 
c.  D.  .Toáo  de  Lencastre  e  Távora  de  Sá  .Meneses  Almeida 
Caslelo-Branco  Vasconcelos  Silveira  \'alente  Coutinho  Bar- 
reto Lemos  e  Gois,  12."  conde  de  Vila-Nova-de-Portimáo. 

C  (Xll).  D.  Maria  das  \Dores  de  Sá  Pereira  de  Meneses,  n.  6  ag. 
1842,  c.  i3  junho  1861  c.  Manuel  de  Almeida  e  Vascon- 
celos de  Soveral  de  Carvalho  da  Maia  Soares  de  Alber- 
garia, í.°  barão  de  Mossâmedes,  filho  dos  2.°'  condes  da 
Lapa.    Tiveram : 

—  (Xlll).  D.  Maria  Luisa,  n.  25  abr.  1864,  c.  c.  D.  Francisco  Lobo  de 
.\lmeida  Melo  e  Lencastre,  com  geração. 

XII  b'\  *)  —  José  Maria  de  Sá  Pereira  de  Meneses  Pais  do  Amaral  de 

Almeida  e  Vasconcelos  Quifel  Barbarino,  n.  4  mar.  1839, 
4.°  conde  de  Anadia,  c.  12  dez.  1861  c.  D.  Ana  Maria 
Juliana  de  Morais  Sarmento,  n.  em  Londres  a  10  fev. 
1844,  filha  dos  i,°"  barões  e  i."''  viscondes  da  Torre 
de  Moncorvo.     Houveram : 

1  (XIII).  Manuel  de   Sá  Pais  do  Amaral  Pereira  de  Meneses, 

i."  conde  de  Anadia,  que  segue. 

2  (XIII).  José  de  Sá  Pais  do  Amaral  Pereira  de  Meneses,  4.°  vis- 

conde de  Alverca,  n.  7  março  1864,  c.  c.  D.  Felipa 
Lopes  Casado,  e  teve : 

1  (XIV).  José  de  Sa  Pais  dó  Amaral,  n.  12  jau.  188Ó ; 

2  (Xl\').  /J.  Felipa  de  Sa  Pais  do  Amarai,  c.  c.  Armando  Coelho, 

com  descendência. 

3  (XIII).  Carlos  de  Sá  Pais  do  Amaral  Pereira  de  Meneses,  i.»  Vis- 

conde e  i."  Conde  de  Alferrarede,  n.  3  out.  i865,  c.  c. 
D.  Maria  da  Luz  de  Barros  Lima,  e  teve : 

—  (Xl\').  D.  Maria  de  Barros  Uma  Sa  Pais  do  Amaral,  Condessa 
de  Calhariz,  c.  c.  o  Conde  de  Calhariz,  filho  dos  Duques 
de  Palmela. 

XIII  b'\  *)  — Manuel  de  Sá  Pais  do  Amaral  Pereira  de  Meneses,  5."  Conde 

»  de  Anadia,  n.  2  out.  1862,  c.  c.  D.  Maria  da  Graça 
de  Barros  Lima,  i3."  senhor  da  casa  de  Mangualde. 
Teve,  alem  de  outros  filhos: 

I  (XIVJ.  José  de  Sá  Pais  do  Atnaral,  6.'  Conde  de  Anadia,  ainda 
solteiro. 


UH^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^4^) 

1  (XIV).  Miguel  de  Sá  Pais  do  Amaral. 
3  (XIV).  D.  Maria  de  Sá  Pais  do  Amaral. 

Ramo  quaternário  b'\**) 

VI  ^'\  **)  —  D.  Maria  do  Amarai,  filha  de  D.  Ana  Garcia  e  de  Belchior 
Pais  do  Amaral  (V  b'\  3)  c.  c.  Francisco  Nunes  Lobo, 
da  Bobadela,  já  viúvo  de  Isabel  de  Sequeira,  de  S.  Ro- 
mão, e  teve 

1  (VII).  D.  Maria  do  Amaral,  única  herdeira  da  importante  casa 

de  seu  tio,  o  prior  de  Sandomil  P.«  António  do  Amaral 
(V  b'\  4),  pelo  que  passou  a  viver  nas  suas  propriedades 
da  vila  de  Sandomil ;  casou  com  Luís  de  Abreu,  da  li- 
nhagem dos  Abreus  de  Viia-Pouca  da  Beira  (vid.  m  d  3; 
cf.  Nota  genealog.  III,  iv  2,  e  vi  c),  que  veiu  residir  para 
casa  de  sua  mulher,  de  quem  teve : 

—  (VIII).  Roque  Fernandes  de  Abreu,  que  casou  com  sua  parenta  D.  Jo- 
sefa de  Magalhães,  e  a  descendCncia  que  houve  já  fica  des- 
crita (Vil  ii".  "). 

2  (VII).  António  do  Amaral  Lobo,  que  segue. 

3  (VII).  P.^  Manuel  do  Amaral  Lobo,  cuja  escritura  de  património 

foi  feita  pelos  pais  em  abril  de  1671,  e  existe  na  Câmara 
Eclesiástica  de  Coimbra. 

Vllí>'\**)  —  António  do  Amaral  Lobo,  b.  19  maio  1654,  sendo  pa- 
drinho seu  lio,  prior  de  Sandomil;  c.  3  nov.  1699  em 
Lourosa  c.  D.  Ana  de  Quadros,  b.  5  jun.  1678,  filha 
de  Manuel  Correia  e  D.  Ana  de  Quadros ;  na  Boba- 
dela, onde  residiam,  tiveram 

VIII  b'\  **)  —  D.  Caetana  do  Amaral,  c.  c.  Sebastião  de  Campos,  filho 

de  Sebastião  de  Campos,  da  freguesia  de  S.  Tiago 
de  Coimbra,  e  de  Maria  Antunes,  de  S.  Paio  de  Gra- 
maços,  e  houveram 

1  (IX).  Dr.  Bartolomeu  José  de  Campos  Lobo  do  Amaral,  que 

segue. 

2  (IX).  Onofre  Lobo  do  Amaral,  b.  17  junho  1739. 

3  (IX).  José  Lobo  do  Amaral,  b.  10  maio  1744. 

IX  b",  **)— Dr.  Bartolomeu  José  de  Campos  Lobo  do  Amaral,  b.  3o 

ag.  1732,  c.  em  i."'  niipcias  c.  D.  Micaela  Vitória  Freire 


(i4^)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

de  Figueiredo,  e  em  2.*"  a  26  jan.  1785  c.  D  Joaquina 
Rosa  Freire  de  Figueiredo  Castelo-Branco,  de  S.  Gião, 
filha  de  João  Francisco  Mendes  de  Castelo-Branco,  de 
Alvôco  da  Serra,  e  de  D.  Rita  Bernarda  Freire  de  Fi- 
gueiredo e  Cunha.  Teve  sucessão  apenas  do  2."  ma- 
trimónio : 

1  (X)  Bartolomeu  José  Lobo,  sargento-mór  de  Lagos  da  Beira,  y 

solteiro. 

2  (X).  Dr.  Francisco  Freire  Lobo  do  Amaral,  que  "segue. 

3  (X).  Dr.  António  Freire  de  Campos,  gémeo  com  o  anterior,  "f- 

ifj  junho  1854. 

4  (X).  P.^  João  Freire  de  Campos  Castelo-Branco^  abade  de  Sa- 

modães,  -j-  em  Gramaços  a  26  dez.  1846. 

5  (X).  D.  Maria  Freire  de  Campos. 

6  (X).  D.  Rita  Emília  Freire. 

7  (X).  D.  Aurélia  Ermelinda  Freire. 

8  (X).  D.  Joaquina  Máxima  Freire. 

X  b'\  **)  —  Dr.  Francisco  Freire  Lobo  do  Amaral  (-[•  12  mai.  1867),  c. 

em  Gramaços  a  27  set.  1837  c.  D.  Antónia  Delfina  Gar- 
cia (•]-  23  dez.  i852),  herdeira  da  casa  de  Gramaços,  e 
houve  : 

1  (XI).  Dr.  Francisco  Freire  Lobo  do  Amaral,  n.  10  ag.  i838,  •}• 

solteiro,  na  Bobadela,  a  24  abr.  igoS. 

2  (XI).  D.  Maria  dos  Prazeres  Freire,  b.  de  i3  dias  a  3o  dez.  1839, 

■j-  solteira,  em  Gramaços,  a  i5  out.  1866. 

3  (XI).  Dr.  António  Freire  Garcia  Lobo,  que  segue. 

4  (XI).  Bartolomeu  José  Lobo  do  Amaral,  n.  28  nov.  1842,  7  na  Bo- 

badela a  27  maio  1910. 

5  (XI).  Joaquina,  n.  19  mar.  1844,  •{•  22  dez.  1845. 

6  (XI).  Dr.  João  Freire  Garcia  Lobo,  b.  de  26  dias  a  3  nov.  1846, 

úniio  dos  irmãos  que  ainda  vive,  no  estado  de  solteiro. 

7  (XI).  Dr.  Ale.vandre  Freire  Garcia  Lobo,  médico,  n.  16  maio  1848, 

■j*  em  Gramaços  i3  out.  1905,  e  teve 

—  (Xll).  Al/recto  Freire  Garcia  Lobo,  que  vive  em  Gramaços,  solteiro, 

8  (XI),  Dr.  José  Freire  Lobo  do  Amaral,  n.  i3  jan.  i85o,  do  Con- 

selho de  S.  M  ,  juiz  do  Supremo  Tribunal  Administrativo, 
f  em  Gramaços  em  ag.  1919. 

9  (XI).  Dr.  Manuel  Freire  Garcia  Lobo,  n.  11  nov.  i85i,  f  nas 

Caldas  de  S.  Paulo  (Penalva  de  Alva),  a  17  nov.  1901. 

XI  í»",  **)  —  Dr.  António  Freire  Garcia  Lobo,  n.  u  jul.  1841,  coronel- 


T^ota  I — Família  paterna  do  poeta  (^47) 

-médico  (y  em  Galizes  a  17  jan.  iQiS),  c.  25  nov.  1897 
c.  D.  Maria  Emília  Toscano  Tinoco,  e  teve : 

1  (XII).  D.  Maria  da  Assunção  Freire  Tinoco  Lobo  do  Amaral,  x\. 

20  out.  1898,  vive  solteira. 

2  (XH).  D  Antónia  Freire  Tinoco  Lobo  do  Amaral,  que  segue. 

XII  b'\  **)  —  D.  Antónia  Freire  Tinoco  Lobo  do  Amaral,  n.  16  dez. 
1899  em  Galizes,  c.  23  out.  1920  c.  o  Dr.  António 
Vaz  Pato  de  Figueiredo  Martins,  médico. 

Ramo  terciário  ^'\J 

V  b'\)  —  D.  Maria  João  Garcia,  filha  de  Maria  João  e  João  Dias  (IV 

b"),  c.  c.  o  seu  parente  Marcos  Garcia,  de  Sandomil. 
Teve 

VI  b'\j  --  Sebastião  Garcia,  c.  c.  sua  prima  D.  Josefa  do  Amaral  (V 

b'\  2),  e  foi  o  i."  administrador  do  vínculo  de  Sandomil, 
instituído  em  i653.     Teve 

VII  b'\^)  —  Mateus  Garcia  Lobo,  2."  administrador  do  vínculo  de  San- 

domil, c.  c.  sua  parenta  D.  Águeda  Mendes  de  Gouveia, 
de  Vila-Cova-á-Coelheira,  e  houve 

VIII  è'\j)  —  Mateus  Garcia  Lobo,  3."  administrador  do  referido  vinculo, 

c.  c.  D.  Francisca  de  Barros  e  Oliveira,  da  antiga  casa 
de  Outeiro-do-Bispo,  em  Aldeia-Nova-do-Cabo  (Fundão). 
Deles  nasceram : 

1  (IX).  Anacleto  Garcia  Lobo,  que  segue. 

2  (IX).  D.  Antónia  de  Barros,  que  casou  com  seu  parente  Luís  de 

Abreu  Magalhães,  de  Sandomil,  com  geração  já  descrita 
(VIII  a'\  **}. 

IX  í»"„)  —  Anacleto  Garcia  Lobo,  corregedor  de  Castelo  Branco,  c.  c. 

D.  Margarida  de  Gouveia.  Tiveram  um  íilho  e  algumas 
filhas,  que  morreram  novos,  sobrevivendo  apenas  a  única 
herdeira, 

X  b'\)  —  D.  Ana  Joaquina  de  Barros  e  Oliveira,  c.  em  Torrosêlo  c. 

Luís  José  de  Abranches  Homem  Ferrão,  bacharel  for* 


(i^8)  'Tiras  Garcia  SMascarenhas 

mado  em  Cânones,  sargento-mór  de  Torrosêlo,  Lagos  e 
mais  vilas  da  Universidade,  senhor  da  casa  dos  Abran- 
ches-Homens,  de  Torrosêlo.     Teve: 

1  (XI).  António  Homem  de  Abranches,  herdeiro  da  casa  e  vínculos 

de  seu  pai,  -f  solteiro  em  i833. 

2  (XI).  Jusé  Joaquim  de  Abranches  Homem  de  Oliveira  e  Cunha, 

que  segue. 

XI  í»",^)  — José  Joaquim  de  Abranches  Homem  de  Oliveira  e  Cunha, 

sucessor  de  seu  irmão  primogénito,  sargento-mór  de  Tor- 
rosêlo, senhor  da  casa  dos  Abranches-Homens,  de  Tor- 
rosêlo, da  de  Aldeia-Nova-do-Cabo  (Fundão),  e  do  mor- 
gado de  Sandomil.  Casou  com  sua  parenta  D.  Maria 
Cândida  Boto  Machado  Pinio,  de  S.  Romão.    Tiveram : 

1  (XII).  D.  Angela  Adelaide  Augusla  de  Abranches  Boto  Machado, 

que  -f  solteira. 

2  (XII).  D.  Ana  Júlia  de  Abranches  Boto  Machado,  c.  c.  José  Caetano 

da  Costa  Brandão  Brito  de  Mesquita  (infra  IX  d'  3),  sem 
descendência. 

3  (XII).  D.  Maria  Máxima  Leopoldina  de  Abranches  Boto  Machado, 

c.  c.  seu  primo  Luís  de  Albuquerque  Pimentel  de  Vascon- 
celos, filho  3.°  de  José  Bernardo  de  Albuquerque  Pimentel 
Souveral  (fidalgo-cavaleiro  da  C.  R.,  senhor  de  vários  vín- 
culos em  Fornos-de-Algodres,  Figueiró-da-Granja  e  Quin- 
tela-de-Azurara),  e  de  sua  mulher  D.  Maria  Antónia  Pinto 
de  Sá  Machado.  Tendo  falecido  solteiro  seu  irmão  mais 
velho  António  Maria,  e  tendo  o  imediato  José  Maria  (pri- 
meiro e  único  barão  de  Fornos-de-Algôdres,  casado  com 
uma  senhora  da  casa  dos  condes  de  Samodães),  morrido 
também  sem  geração,  sucedeu-lhes  nos  vínculos  da  casa 
de  seus  maiores.  Foi  oficial  do  exército  na  campanha  pe- 
•  ninsular.    Teve: 

I  (XIiI).  D.  Maria  Cândida  de  Albuquerque  Pimeiíle!  e  Vasconcelos,  n. 
S  out.  iS36,  c.  c.  seu  primo  José  Maria  de  Sá  Melo  Cõrte-Real, 
de  Fornosde-Algodrcs,  e  teve  —  (Xl\').  José  Córte-Real  de 
Albuquerque,  bacharel-formado.  c.  c.  D.  Maria  Isabel  Jácome, 
da  casa  do  Avelar,  em  Braga,  com  três  filhos  —  (XV).  Vasco 
Anes  dn  Albuquerque,  José  Maria  CòrleReal  de  Albuquerque, 
e  Francisco  Augusto  de  Albuquerque; 

i  (XIII).  D.  Ana  de  Albuquerque  Pimenlel  e  Vasconcelos,  n.  5  out.  i837, 
f  solteira  cerca  do  ano  ide  1906; 

3  (XIII).  Crislína,  f  criança; 

4  (XIII).  José  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos  Souveral,  n.  20  Jall. 

iS^o,  bacharel  formado  em  Direito,  c,  c.  sua  prima  co-irmá 
D.  Ana  Isabel  de  Albuquerque Côrte-Real.  Tiveram;— a  (XIV). 
José  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos,  n.  i5  jan.  1870, 


CN^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^49) 

bacharel  formado  em  Direita,  conservador  do  registo  predial 
em  Fornos-de-Algodres,  c.  c.  D.  Maria  Helena  Homem  Rebelo 
Freire  de  Almeida,  filha  do  Dr.  João  Homem  Rebelo  de  Al- 
meida, auditor  admiivstratívo  em  Viseu,  e  tem  deis  filhos  c 
três  filhas  —  (XV).  D,  Maria  Helena  Homem  de  Albuquerque 
Pimentel  e  Vasconcelos,  José  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vas- 
concelos, D.  Maria  Francisca  Je  Albuquerque  Pimentel  e  Vas- 
concelos, Joáo  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos,  e 
D.  Ana  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos  ;  — b  (XIV). 
D.  Maria  Litha  de  Albuquerque  Pimentel  eVasconcelos,  c.  c. 
seu  primo  em  3."  grau  Dr.  José  Maria  de  Albuquerque  da 
Costa  Brandão,  actualmente  juiz  de  direito  em  Vila-Nova-de- 
-Ourcin,  cuja  prole  vai  indicada  noutro  lugar  (X  d'  3) ;  —  c 
(XIV).  D.  Maria  da  Conceição  de  Albuquerque  Pimentel  eVas- 
concelos, c.  c.  seu  con-cunhado  e  primo  o  2.°  visconde  do  Er- 
vedai  da  Beira,  cuja  prole  se  menciona  noutro  lugar  (XI  d'  >); 
—  d  (Xl\'i.  D.  Ana  Ermelinda  de  Albuquerque  Pimentel  eVas- 
concelcs,  sem  estado;  — e  (XIV).  Francisco,  f  criança;—/ 
(XIV).  Luís  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos,  solteiro, 
capitão  de  intantaria  14,  actualmente  batendo-se  em  França 
com  os  inimigos  da  pátria  ;  —  g  (XIV).  /).  Maria  José  de  Albu- 
querque Pimentel  e  Vasconcelos,  c.  c.  Joáo  de  Azeredo  Lobo 
Pinto  Melo  e  Leme,  filho  do  Dr.  Alexandre  de  Azeredo  Pinto 
Melo  e  Leme,  e  de  D.  Maria  do  Carmo  Vasconcelos  (Leiria), 
sem  descendt-ncia  ; 

5  (XIII).  D.  Carlota  de  Albuquerque  Pimentel,  viscondessa  do  Granjlo, 

n.  19  fev.  1841,  c.  em  i!-57  c.  Amónio  Botelho  Teixeira,  vis- 
conde do  Granjão,  já  falecidos ;  deixaram  uma  filha  —  (XIV). 
D.  Amélia  Botelho  Teixeira  e  Albuquerque,  c.  c.  o  Dr.  José  de 
Abranches  Homem  da  Costa  Brandão,  de  Torrosèlo  (XII  b",,  4), 
sem  dcscendè-ncia  ; 

6  (XIII)  António  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos,  n.  8  nov.  1842, 

c.  em  i.''*  núpcias  c.  sua  prima  D.  Carlota  Ermelinda  de  Sá 
Melo  Côrte-Real,  e  em  2."  c.  D.  Clotilde  Osório  de  Castro  e 
Vasconcelos,  c  teve  cinco  filhos:  —  a  (.XIV).  Luis  de  Albuquer- 
que Pimentel  e  Vasconcelos,  c.  c.  D.  Estrela  da  Conceição 
Ribeiro  da  Cosia,  de  Torres-Novas,  que  teve  —  (XV).  D.  Ma- 
ria Helena  Ribeiro  de  Albuquerque,  D.  Maria  Francisca  Ri- 
beiro de  Albuquerque,  D.  Maria  Estrela  Ribeiro  de  Albuquer- 
que, José  de  Albuquerque,  António  de  Albuquerque,  e  Luis  de 
Albuquerque ;  — b  (XIV).  Francisco  de  Albuquerque  Córle- 
-Real ;  — c  (KIV).  D.  Carolina  de  Albuquerque  Côrte-Real;  — 
d  (XIV).  D.  Maria  Joaquina  de  Albuquerque  Côrte-Real ;  — 
e  (XIV).  D.  Maria  Carlota  de  Albuquerque  Côrte-Real,  c.  c. 
o  Dr.  José  de  Brito  e  Faro,  e  tiveram  —  (XV).  O.  Maria 
Antónia  de  Albuquerque,  e  José  Maria  de  Albuquerque  Còrte- 
•Real  e  Faro. 
7  (XIII).  Luis  de  Albuquerque  Pimentel  c  Vasconcelos,  c.  c.  D.  Virgínia 
de  Almeida  Borges,  filha  do  Dr.  José  Januário  de  Almeida 
Borges,  de  Oliveira,  concelho  de  .MesãoFrio,  falecidos  sem 
deseendència. 

4  (XII).  fi-ancisco  Augtislo  de  Abranches  Homem,  que  segue. 

XII  b"J  —  Francisco  Augusto  de  Abranches  Homem  de  Oliveira  e  Cunha, 

bacharel  formado  em  Leis,  capitão  de  voluntários  rea- 


(iSo)  Brás  Garcia  dMascaren/ias 

listas  de  Mangualde,  c.  a  14  fev.  181 1  c.  D.  Maria  Emí- 
lia da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  filha  do  capitao- 
-mór  de  Oliveirinha,  António  José  da  Costa  Brandão 
(infra  IX  í/'),  e  irmã  de  José  Caetano  da  Costa  Bran- 
dão Brito  de  Mesquita  (supra  XI  b''\^  2).     Tiveram  : 

I  (XIII).  D.  Carlota  de  Abranches  Homem  da  Costa  Brandão,  c.  c. 

0  Dr.  César  Augusto  Homem  de  Abranches  Brandão,  des- 
embargador da  Relação  de  Lisboa,  filho  do  Dr.  António 
Henriques  Ferreira,  do  Ervedal,  e  de  D.  Maria  Amália  de 
Abranches  Brandão,  de  Travancinha.    Tiveram : 

1  (XI\').  D.  Elvira  das  Dores  de  Abranches  Brandão,  c.  c.  Armando  de 

Azevedo  de  Almada,  sem  geração ; 

2  (XIV).  Francisco  Augusto  de  Abranches  Brandão,  médico  pela  Escola 

de  Lisboa,  vive  em  iMangiialde,  solteiro  ; 

3  (XIV).  D.  Clotilde  de  Abranches  Brandão,  c.  c.  Domingos  António 

T.opes.  médico  pela  Escola  de  Lisboa.  Vivem  em  Pedrógáo- 
■Pequeno,  com  dois  filhos  menores — (XV).  Eduardo,  e  D.  Ma- 
ria Constança; 

4  (XIV).  D.  Henriqueta  de  Abranches  Brandão,   c.  c.  o  Dr.   Luis  de 

Sousa  Sereno,  delegado  na  Certa,  sem  gcr. ; 

5  (XIV).  D.  Maria  Emília  de  Abranches  Brandão,  c.  c.  Mário  Júdice 

de  Oliveira,  farmacêutico  da  Santa  Casa  da  Misericórdia  de 
Lisboa,  com  dois  filhos  menores  —  (XV).  D.  Maria  Emitia,  e 
Ernesto. 

1  (XIIJ).  D.  Maria  Constança  de  Abranches  Homem  da  Costa 
Brandão,  c.  c.  Manuel  José  da  Silveira  Castelo-Branco, 
o  Morgado  de  Sandomil,  que  linha  casa  em  Arganil, 
onde  foi  administrador  do  concelho  largos  anos,  e  onde 
faleceu  sem  descendência. 

3  (XIII).  D.  Maria  Emil ia  de  Abranches  Homem  da  Costa  Brandão, 

c.  7  jan.  1867  c.  seu  tio  materno,  o  conselheiro  Dr.  Se- 
bastião Carlos  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  vis- 
conde do  Ervedal-da-Beira,  de  quem  adeante  se  faz 
menção,  e  se  descreve  a  descendência  (X  d'). 

4  (XIII).  Dr.  José  de  Abranches  Homem  da  Costa  Brandão,  fidalgo 

da  C.  R.,  deputado  da  Nação,  senhor  das  casas  de  Tor- 
rosêlo  e  Sandomil,  c.  c.  sua  prima  D.  Amélia  Botelho 
Teixeira  e  Albuquerque,  filha  única  de  sua  prima  D.  Car- 
lota de  Albuquerque  Pimentel,  viscondessa  do  Granjão 
(XI  b'\^  3,  5),  sem  descendência. 


Ramo  primário  c) 

III  c)  — Ana  Marques,  filha  de  Marcos  Garcia  (2."),  de  Foihadosa  (II, 
4),  casou  na  Bobadela  com  António  Alves  de  Abranches. 


U^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  (^^^) 

Ele  faleceu  a  21  fev.  iSgS,  ela  veiu  a  falecer  a  18  abr. 
1619.    Tiveram : 

1  (IV).  Manuel  GarcLi,  b.  i3  abr.  i552,  c.  em  Pinhanços,  com  ger. 

2  (IV).  Francisco  Marques,  b.  lo  abr.  i554,  c.  c.  Agostinha  Lourenço, 

filha  de  Pedro  Afonso  de  Figueiredo,  de  Oliveirinha,  teve  al- 
guns filhos,  em  cujo  número  se  conta 

—  (\').  José  Marques. 

3  (IV).  Ana  Garcia,  b.  25  fev.  i556,  c.  12  out.  1572  c.  Pedro  Anes,  o 

Ruivo,  de  Galizes,  com  ger. 

4  (IV).  Maria  Garcia,  b.  3o  jan.  i558,  c.  3i  ag.  1578  c.  Manuel  Afonso, 

de  Sinde,  ficando  a  residir  na  Bobadela,  onde  aquela  faleceu 
a  12  jan.  iSgS,  com  geração,  da  qual  mencionamos 

—  (V).  Ana  Garcia,  c.  2S  jan.  1Õ19  c.  Lourenço  Vaz,  filho  de  Belchior  Vaz  e 
de  Catarina  Jácome,  de  Sinde. 

5  (IV).  António  Marques,  b.  28  abr.  i56o,  c.  c.  Florentina  Borges,  com 

ger. 

6  (IV).  Brites  Marques,  b.  5  mar.  i562,  que  segue  (IV  c'). 

7  (IV).  Marcos  Garcia,  que  segue  (IV  c"). 

8  (IV).  Isabel  Antunes,  b.  16  abr.  i567,  c.  c.  António  Madeira,  de  Avô, 

que  veiu  residir  para  a  Bobadela,  onde  tiveram  ger. 

9  (IV).  Joana  Garcia  Antunes,  b.  6  fev.  iSõg,  c.  18  ag.  iSgi  c.  João  Ma- 

deira, filho  de  Simão  Garcia  e  Verónica  Nunes,  de  Avô,  e  ir- 
mão de  Helena  Madeira,  mãe  do  poeta  Brás  Garcia  Mascarenhas; 
e  tiveram,  entre  outros  filhos: 

1  (V).  Maria  Garcia,  b.  10  mai.  i5()2  j 

2  |V|.  António  Madeira,  b.  4  mar.  iSgi; 

3  |V).  Helena  Aniunes,  h.  18  dez.  1606 ; 

4  (V).  Joáo  Madeira  Garcia. 

10  (IV).  Antónia  Garcia,  b.  5  out.  1570,  c.  26  abr.  1593  c.  Gaspar  Antu- 

nes, filho  de  António  Afonso  e  de  Mecía  Rodrigues,  da  Bar- 
rosa (Tábua),  e  irmão  de  Baltasar  da  Fonseca,  c.  em  Avô  c. 
Brites  Madeira  (Nota  geneal.  II,  ni  b  3). 

1 1  (IV).  Felipa  Garcia,  b.  2  ag.  1574,  c.  c.  Simão  das  Neves,  da  freguesia 

do  Couto-do-Mosteiro  (Santa-Comba-Dão). 


Ramo  secundário  c') 

IV  c')  —  Brites  Marques,  c.  29  abr.  1682  c.  António  Afonso  da  Costa, 
da  Barrosa,  freguesia  de  Tábua,  onde  era  capitão-mór, 
filho  de  João  Afonso  de  Figueiredo  (que  se  dizia  ser  des- 
cendente, por  um  lado,  de  João  Afonso  da  Costa,  que  no 
meado  do  século  xv  vivia  na   Bobadela,   sendo  neto  de 


(iSz)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

Fernando  Afonso  da  Costa,  vassalo  de  D.  Afonso  IV,  e, 
por  outro  lado,  de  Gonçalo  de  Figueiredo,  fidalgo  muito 
ilustre,  valido  de  D.  Pedro  I),  e  de  sua  mulher  Catarina 
Anes  Homem,  do  Vale-de-Bèsteiros.  Teve,  entre  outros 
filhos : 

1  (V).  Manuel  de  Afonseca  da  Costa,  que  segue  (V  c'). 

2  (V).  Ana  de  Afonseca  de  Brito,  c.  c.  Manuel  Homem  de  Figueiredo, 

de  Vila-Cova-sob-Avô,  e  tiveram,  além  de  duas  filhas, 

—  (VI).  Manuel  Homem  Afonso,  avô  de  —  (VIII).   Manuel  de  Gamboa,  da 
quinta  da  Barrosa. 

3  (V).  Simão  de  Afonseca  de  Brito,  que  segue  (V  c"). 

Ramo  terciário  c\) 

V  c\)  —  Mannel  de  Afonseca  da  Costa,  c.  em  Oliveira-do-Conde  c.  Isa- 

bel Simões,  e  teve 

VI  c\)  —  António  de  Brito  da  Costa,  que  foi  soldado  da  companhia  dos 

leões,  capitaneada  por  seu  primo  o  poeta  Brás  Garcia  Mas- 
carenhas, sendo  depois  capitão-mór  de  Oliveira-do-Conde, 
e  c.  c.  D.  F. .  .  .     Teve 

VII  c\)  —  Manuel  de  Brito  Ribeiro  de  Figueiredo,  capitão-mór  de  Oli- 

veira-do-Conde e  de  Correios,  c.  c.  D.  Maria  Bernardes, 
e  tiveram 

VIII  c\)  —  João  de  Brito  Ribeiro  de  Figueiredo,  capitão-mór  de  Oli- 

veira-do-Conde  e  de   Correios,  c.  c.  D.  Maria  Caetana 
de  Abranches  Madeira.     Houve 

IX  c'J  — Manuel  António  de  Brito  Madeira  de  Figueiredo. 

Ramo  terciário  c\j 

V  c\^)  —  Simão  de  Afonseca  da  Costa,  c.  c.  D.  Maria  da  Cunha  de 

Essa,  neta  de  Gaspar  da  Cunha,  fid.  da  C.  R.  por  alvará 
do  ano  de  1622,  filho  de  João  Gomes  da  Cunha,  de  Tábua, 
também  fid.  da  C.  R.  Esta  D.  Maria  era  senhora,  por 
sucessão,  do  morgado  instituído  em  1435  por  Vasco  Mar- 


^ota  I—  Família  paterna  do  poeta  (^^^) 

tins  da  Cunha,  filho  de  Martim  Vasques  da  Cunha,  que 
se  notabiHzou  nas  guerras  com  Castella.     Tiveram 

VI  c\J  —  D.  Ana  da  Cunha  da  Costa,  c.  c.  o  seu  parente  Luís  Pessoa 

de  Melo,  e  tiveram 

VII  c\^  —  Luís  Vasques  da  Cunha  e  Melo,  c.  c.  D.  F — ,  e  nasceu 

VIII  c',J  — Bernardo  da  Cunha  e  Melo,  c.  c.  D.  F — ,  e  houve: 

1  (IX).  Lids  Atanásio  da  Cunha  e  Melo. 

2  flX).  D.  Ana  da  Cunha  e  Melo,  que  segue. 

IX  c\)-    D.  Ana  da  Cunha  e  Melo,  c.  c.  o  seu  parente  António  Pedro 

de  Gamboa  e  Vasconcelos,  descendente  de  Ana  de  Afon- 
seca  de  Brito,  de  quem  já  falámos  (IV  c'  2). 

Ramo  secundário  c'") 

IV  c")  —  Marcos  Garcia,  b.  17  nov.  1564  na  Bobadela,  c.  em  Avô  a 
19  ag.  1Õ91  c.  Helena  Madeira  {Not.  geneal.  II,  iv  c'), 
filha  de  Simão  Garcia  e  de  sua  primeira  mulher  Verónica 
Nunes,  pertencente  à  família  dos  Madeiras  Arrais,  de 
Avô.  Pela  resignação  de  seu  sogro,  foi  Marcos  Garcia 
provido,  a  4  set.  iSgS,  no  cargo  de  escrivão  das  cisas  e 
dos  panos  nas  vilas  de  Avô  e  S.  Sebastião-da-Feira.  Fa- 
leceu em  1654,  sendo  viúvo  desde  1634  ou  princípio  de 
i635.     Tiveram  os  seguintes  filhos  : 

1  (V).  Feliciana  Monteiro,  b.  11  jun.  iSgí,  c.  21  ag.  1617  c.  Sebastião 

Gomes,  irmão  do  padre  Feliciano  Gomes,  de  Anadia,  e  teve 
os  filhos  seguintes: 

1  iVI).  JoJO.  b.  em  S.  Paio  de  Arcos  (Anadia)  a  19  iul.  1Õ18  ; 

2  (VI).  Marra,  b.  ibid.  a  17  ju!.  1620  ; 

3  (VI).  Catarina,  b.  em  Avô  a  25  nov.  i^>22  ; 

4  (Vt).  Fernando,  que  veiu  a  ordenar-se,  e  seu  irmão  gémeo 

5  (VI).  Pedro,  ambos  b.  em  S.  Paio  de  Arcos  a  23  jul.  1628  ; 

6  (VI).  Um  menino,  cujo  nome  náo  chegou  a  ser  escrito  no  espaço,  que  para 

isso  ficou  em  branco  no  assento  de  baptismo,  realizado  ibid   a  11 
março  i63o. 

2  (V)   Dr.  Manuel  Garcia,  n.  3,  b.  10  fev.  1594,  presbítero,  prior  de 

Travanca-de-Farinha-Pôdre  desde  i63o  até  i636,  -1-321  jan. 
1662. 


(r54)  'Brás  Garcia  éMascarenhas 

3  (V).  Brás  Garcia  Mascarenhas,  o  nosso  poeta,  que  segue. 

4  (V).  Verónica  Nunes,  b.  6  dez.  iSgy,  ainda  era  viva  a  4  fev.  i635,  em 

que  figura  como  madrinha  em  um  baptismo  (doe.  XXX) ; 
nenhuma  referência  encontro  a  ela,  posterior  a  esta  data. 

5  (V).  Maria  Garcia,  h.  21  dez.  iSgo,  ainda  era  viva  em  3o  dez.  lôSg, 

quando  com  seus  irmãos  e  irmãs  fez  testamento  de  mão  co- 
mum (doe.  LXXXIX). 

6  (V).  P.e  Pantaleão  Garcia,  b.  5  ag.  1601,  cura  de  Santo  Isidoro  de 

Almassa  desde  meado  de  i63i  até  fins  de  i635;  em  seguida 
pároco  encomendado  de  Travanca-de-Farinha-Põdre  até  i638, 
e  por  fim  prior  da  mesma  igreja  até  ali  falecer  a  14  out.  ió6o. 

7  (V).  Ana  Monteiro,  b.  i5  set.  i6o3,  ■\  10  fev.  i663. 

8  (V).  Isabel  Garcia,  b.  6  mar.  i6o5j  -j-  ii  set.  1686. 

9  (V).  P.f  Matias  Garcia,  b.  3  mar.  1607,  foi  cura  de  Anceriz  desde 

meado  de  1647  até  falecer  a  23  dez.  1064  em  Avô ;  antes  de 
ser  sacerdote,  teve  de  Ana  Duarte,  mulher  solteira  de  Tra- 
vanca-de-Farinha-Pôdre,  um  filho, 

—  (VI).  Manuel  Garcia  Mascarenhas,  b.  na  Bobadela  a  18  fev.  1647,  <!"*  ^^ 
a  casar  com  sua  prima  D.  Quitéria,  filha  do  poeta,  cuja  descendência 
se  descrevera  {Nota  geneal.  I\'). 

10  (V).  Antónia  Garcia,  b.  2  nov.  1608,  f  11  set.  1686. 

11  (V).  Francisco  Garcia,  b.  9  mar.  1612,  começou  a  sua  ordenação  na 

Quaresma  de  i633,  e  em  seguida  entrou  em  religião. 

V  c")  —  Brás  Garcia  Mascarenhas,  capitão  de  infantaria,  governador 
da  praça  de  Alfaiates,  autor  do  poema  épico  Mriato  Trá- 
gico^ n.  3,  b.  10  fev.  iSgõ,  c.  19  fev.  1646  c.  D.  Maria  da 
Costa  Fonseca,  de  Avô,  e  -j-  a  8  ag.  i656,  com  ger.  A 
sua  descendência  até  à  actualidade  vai  descrita  era  a  Nota 
genealógica  IV. 

Ramo  primário  d) 

III  d)  —  Maria  Marques,  filha  de  Marcos  Garcia  (2."),  de  Folhadosa 
(II  5),  c.  na  Bobadela  c.  Gaspar  Francisco,  e  teve 

1  (IV).  Belchior  Francisco^  que  segue. 

2  (IV).  Francisco  Nunes,  sem  ger. 

3  (IV).  Domingos  Marques,  c.  c.  António  Fernandes  de  Abreu,  de 

Vila-Pouca-da-Beira,  filho  de  outro  Amónio  Fernandes  de 
Abreu  e  de  Isabel  Nunes  ;  neto  paterno  de  Roque  Fernandes 
de  Abreu,  de  Lourosa,  e  de  sua  mulher  Briolanj.n  Fernandes 
Sequeira  Castelo-Branco,  tronco  este  de  que  procedem  por 
varonia  os  Abreus  da  Quinta  da  Costa  (Nogueira-do-Cravo), 
e  por  linha  feminina  os  Abreus  de  Vila-Pouca,  os  de  Lo«- 


T^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  ('^^) 

rosa,  e  os  de  Sandomil,  e  muitas  outras  famílias  nobres  da 
Beira.    Domingas  Marques  teve  os  filhos  seguintes : 

1  (V).  Isabel  Nunes,  c.  c.  Helcliior  Dias,  de  Nogueira,  de  quem  dessendem 

os  Lobos  de  S.  Miguel-do-Outeiro  ; 

2  (V).  Maria  Marques,  c.  c.  Ascenso  Unhão,  de  Nogueira ; 

3  (V).  Francisco  Fernandes,  c.  em  Travanca  c.  Mecía  Correia  ; 

4  (V).  P.e  Inácio  Nunes; 

5  (V).  Joana  Francisca,  c.  c.  João  da  Fonseca  ; 

6  (V).  António  Nunes  ; 

7  |\')  António  Fernandes. 

IV  d)  —  Belchior  Francisco,  c.  c.  Brites  de  Abranches,  de  Sameice,  e 

tiveram : 

1  (V).  D.  Maria  de  Abranches,  b.  4  jan.  iSgo,  c.  c.  Domingos  Nunes, 

de  Covas. 

2  (V).  D.  Apolónia  de  Abranches,  que  segue  (V  d'). 

3  (V).  D.  Ana  Francisca  de  Abranches,  que  segue  (V  d"). 

4  (V).  D.  Leonor  de  Abranches,  b.  19  fev.  iSgS. 

5  (V)   D.  Antónia  de  Abranches,  b.  1 1  ag.  1600. 

6  (V).  D.  Isabel  de  Abranches,  b.  23  jan.  i6o3. 

7  (V).  D.  Bealrij  de  Abranches,  b.  4  abr.  161 1  '. 

Ramo  secundário  d') 

V  d')—  D.  Apolónia  de  Abranches,  b.  23  fev.  1592,  c.  11  jan.  i6i5, 

c.  Gaspar  Nunes,  de  Covas,  oficiando  o  vigário  de  Avô 
licenciado  António  Dias,  da  casa  do  Adro,  daquela  vila. 
Tiveram 

VI  d)  —  D.  Isabel  de  Abranches,  b.  20  nov.  1624,  sendo  padrinhos 

Francisco  Nunes  e  D.  Leonor  de  Abranches,  e  c.  em 
Covas  a  q  out.  16.  .  c.  João  da  Costa  Brandão,  filho  de 
Gaspar  Nunes  Brandão  e  Maria  Godinho.     Tiveram 

VII  d')  —  João  da  Costa  Brandão  Nunes,  c.  na  Bobadela  a  i5  mai. 

1698,  c.  D.  Maria  Barreto  de  Figueiredo,  filha  de  Manuel 
de  Figueiredo  Brandão  (2.°  administrador  do  vínculo  de 


'  Esta  família  bobadelense  abandonou  mais  tarde  o  apelido  de  Abranches,  que  usara  através  de 
várias  gerações,  passando  os  seus  membros  a  ser  conhecidos  pelo  apelido  de  Godinhos,  que  usam,  desde 
que  uma  senhora,  única  representante  desta  casa,  se  matrimoniou  com  um  Godinho,  de  Midóes,  que  veiu 
residir  para  a  casa  de  sua  mulher  na  Bobadela,  onde  deixou  prole.  Morreram  há  umas  dezenas  de  anos 
naquela  freguesia  duas  velhinhas  fidalgas,  de  quem  ainda  me  reccrdo,  conhecidas  pela  denominação  de 
—  as  senhoras  Cadinhos  da  Bobadela  —  .  Foram  as  últimas  representantes  da  família,  residentes  nesta 
terra. 


(i56)  'Brás  Garcia  oMascarenhas 

Vila-Cova-sob-Avô,  instituído  por  seu  tio-avô,  o  padre 
João  Homem  de  Figueiredo,  e  de  que  fora  i."  adminis- 
trador o  dito  seu  pai  Manuel  de  Figueiredo  Brandão)  e 
de  sua  mulher  D.  Maria  Barreto.  Ele  faleceu  a  27  mar. 
1736,  ela  a  17  nov.  1755,  em  Oliveirinha.     Tiveram 

VIII  tf)  — José   Caetano   da   Costa  Brandão,   c.    em   2.*'   núpcias   c. 

D.  Luísa  Teresa  Joaquina  da  Nazaré  Almeida  Castelo- 
-Branco,  de  Vila-Deanteira.     Tiveram 

IX  í/')  — António  José  da  Costa  Brandão  Brito  de  Mesquita  Vaz  Velho 

Castel-Branco,  b.  o  mai.  i75_|,  capitão  de  Oliveirinha, 
senhor  da  casa  dos  Costas  de  Oliveirinha  e  dos  Britos 
de  Vila-Deanteira,  c.  em  i.**  núpcias  c.  sua  prima  D.  Ma- 
na Francisca  Emília  de  Albuquerque  Pinto  Tavares  Cas- 
tel-Branco, e  em  2.^'  c.  sua  prima,  afilhada,  cunhada  e 
comadre  D.  Teresa  Augusta  de  Albuquerque  Pinto  Ta- 
vares Castel-Branco.     Teve  do  i.°  matrimónio: 

1  (X).  Comendador  António  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque  Brito 
de  Mesquita,  n.  i5  dez.  1809,  fidalgo  da  C.  R.,  coronel  do 
exército  de  D.  Miguel,  bateu-se  heroicamente  no  cerco  do 
Porto  e  na  batalha  de  Asseiceira;  c.  c.  sua  prima  D.  Ana 
Delfina  de  I-oureiro  Cardoso,  de  Carvalhiços,  e  tiveram: 

1  (XI).  Amónio  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque  Brito  de  Mesquita,  f  sol- 
teiro. 
3  (XI).  D.  Maria  da  Conceição. 

1  (X).  D  Maria  Emília  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  b.  14  fev. 
iSii,  c.  c.  seu  primo  Dr.  Francisco  Augusto  de  Abranches 
Homem  de  Oliveira  e  Cunha,  cuja  descendência  já  fica 
descrita  (XII  b" J. 

!5  (X).  José  Caetano  da  Costa  Brandão  Brito  de  Mesquita,  fidalgo  da 
C.  R.,  c.  c.  sua  prima  D.  Ana  Júlia  de  Abranches  Boto  Ma- 
chado, (XI  6",,  2),  sem  descendência. 

4  (X).  D.  Maria  dos  Prajeres  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  7 

solteira. 

5  (X).  Dr.  Luís  Cândido  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  fidalgo 

da  C.  R.,  senhor  da  casa  de  Oliveirinha,  7  solteiro. 

6  (X).  D.  Maria  da  Glória  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  c.  c.  o 

Dr.  Miguel  António  de  Sousa  Horta,  filho  dos  barões  de 
Santa-Comba-Dão  (já  viúvo  de  D  Maria  Ladovina  de  Sousa 
Almeida  e  Vasconcelos,  filha  dos  1.°'  barões  de  Alvaiázere, 
da  qual  tinha  uma  filha,  D.  Maria  Ludovina  de  Sousa  Horta, 


T^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  i^^l) 

que  casou  com  o  Dr.  António  Osório  Sarmento  de  Figuei- 
redo, advogado,  antigo  ajudante  do  procurador  geral  da 
Coroa  e  Fazenda,  e  juiz  de  direito).    Teve: 

1  (XI).  Dr.  Miguel  Maria  de  Sousa  Horta  e  Costa,  juiz  da  Relação  do 

Porto,  c.  c.  D.  Maria  Leonor  de  Sousa  Monteiro  Gomes,  e  teve 
os  filhos  seguintes :  —  a  (XII).  Dr.  Miguel  de  Sousa  Vasconcelos 
Horta  e  CosM;  —  *  (XII).  António,  falecido ;  — c  (XII).  Maria 
Manuela,  falecida ; 

2  (XI).  José  Maria  de  Sousa  Horta  e  Costa,  coronel  de  engenharia,  c.  c. 

D.  Adelaide  Silvano,  de  quem  tem  os  seguintes  filhos:  —  a  (XII). 
Miguel  Silvano  Horta  e  Costa  ;  —  b  (XII).  D.  Vera  Silvano  Horta 
e  Costa  ;  —  c  (XII).  Vasco  Silvano  Horta  e  Costa  ; 

3  (XI).  Dr.  António   Maria  de  Sousa  Horta  e  Costa,  juiz  da  Relação  de 

Lisboa,  c.  c.  U.  Maria  Luisa  da  Câmara,  e  tem:  —  a  |XII).  Dr.  An- 
tónio Miguel  da  Câmara  Horta  e  Costa,  —  i>(XII).  .-ilvaro  Luis 
da  Câmara  Horta  e  Costa,  —  c  (XII).  D.  Maria  Luisa  da  Câmara 
Horta  e  Costa ; 

4  (XI).  Dr.  Sebastião  filaria  de  Sousa  Horta  e  Costa,  c.  c.  D.  Maria  Clara 

Monteiro  Gomes,  e  tem  os  seguintes  filhos:  —a  (.Xll).  D.  Maria 
Susana  Monteiro  Gomes  Horta  e  Costa,  c.  c.  o  capitão  Carlos 
Mascarenhas  de  Meneses ;  —  b  (XII).  D.  Maria  da  Gloria  Mon- 
teirg  Gomes  Horta  e  Costa,  c.  em  i."'  núpcias  c.  o  Dr.  Francisco 
de  Paula  do  Vale  e  Vasconcelos,  de  quem  teve  um  filho  —  (XIII). 
Francisco,  e  em  2.°'  núpcias  c.  o  i.''  tenente  da  armada  Francisco 
Eduardo  de  Azeredo  e  Vasconcelos; 

5  (XI).  D.  Maria  da  Conceição  de  Sousa  Horta  e  Costa,  c.  c.  José  da 

Costa  Henriques,  de  Oliveira  do  Hospital,  chefe  da  secretaria  da 
extinta  Circunscrição  escolar  da  Instrução  primaria  em  Coimbra, 
professor  da  Escola  Normal  Primária  da  mesma  cidade,  e  profes- 
sor livre  de  ensino  secundário.  Tem:  —  w  (Xil).  Sebastião  José 
Horta  da  Costa  Henriques ;  —  b  (XII).  Luciano  José  Horta  da 
Costa  Henriqws  ;  —  c  (XII).  Joaquim  José  Horta  da  Cesta  Hen- 
riques ;  —  d  (XII).  Francisco  José  Horta  da  Costa  Henriques  ; 
b  (XI).  Dr.  Luis  Maria  de  Sousa  Horta  e  Costa,  juiz  de  direito  em  Olhão, 
e  tem  os  seguintes  lilhos,  todos  legítimos:  — a  (XII).  D.  ."alaria 
Margarida,  falecida,  —  *  (XII).  D.  Fernanda  Margarida,  fale- 
cida, —  c  (XII).  D.  Maria  Raquel  Pereira  Horta  e  Costa,  —  d 
(XII).  Gastão  Pereira  Horta  e  Costa  ; 

7  (XI).  Diogo  Maria  de  Sousa  Horta  e  Coíta,  i."  oficial  do  Ministério  da 

Instrução,  solteiro,  cora  um  filho  -  (XII).  Luis  Diogo  de  Sousa 
Lopes  e  Horta ; 

8  (XI).  Bernardo  Maria  de  Sousa  Horta  e  Cosia,  proprietáiio,  c.  c.  D.  Ca- 

tarina Borges,  de  quem  tem  um  filho  —  (XII).  .Miguel  António 
Borges  Horta  e  Costa. 

7  (X).  Dr.  João  da  Cosia  Brandão  e  Albuquerque,  fidalgo  da  C.  R,, 

deputado  da  Nação,  director  do  Arquivo  do  Ministério  das 
Obras  Públicas,  c.  c.  D.  Maria  Luísa  Vilar  Ferreira  Palha  9 
Almeida,  sem  ger. 

8  (X).  Conselheiro  Dr.  Sebastião  Carlos  da  Cosia  Brandão  e  Albu- 

querque, i."  visconde  do  Ervedal-da-Beira,  que  segue. 

X  tf)  —  Conselheiro  Dr.  Sebastião  Carlos  da  Costa  Brandão  e  Albuquer< 
que,  i."  visconde  do  Ervedal-da-Beira,  n.  e  b.  em  Olivei- 


(i58)  'Brás  Garcia  (^Mascarenhas 

rinha  (Tábua)  a  7  out.  i833,  fidalgo  da  C.  R.,  presidente 
da  Câmara  dos  Deputados,  juiz  aposentado  do  Supremo 
Tribunal  Administrativo,  c.  em  7  jan.  1867  c.  sua  sobrinha 
D.  Maria  Emília  de  Abranches  Homem  da  Costa  Brandão 
(supra  XII  b'\^  3).     Tiveram: 

1  (XI).  Sebastião  de  Albuquerque  Pinto  Tavares,  2.°  visconde  do  Erve- 

dal-da-Beira,  que  segue. 

2  (XI).  D.  Maria  Emília  da   Costa  Brandão  e  Albuquerque,  c.   c.   o 

Dr.  Henrique  Borges  de  Castro  Homem,  filho  de  Luís  Borges 
de  Castro  Soares  de  Albergaria  Alvares  Pereira  Brandão  (filho 
dos  Viscondes  de  Oliveira-do-Conde,  Miguel  Borges  de  Castro 
Tavares  e  D.  Ana  Soares  de  Albergaria)  e  de  D.  Maria  Hen- 
riqueta de  Abranches  Brandão,  de  Travancinha,  sem  descen- 
dência. 

3  (XI).  Dr.  José  Alaria  de  Albuquerque  da  Costa  Brandão,  n.  12  jan. 

1870,  juiz  de  Direito  em  Vila-Nova-de-Ourêm,  c.  24  fev.  1900 
c.  sua  prima  D.  Maria  Luísa  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vas- 
concelos (supra  XI  b'\^  3,  4b).  Teve  nove  filhos,  dos  quais 
sete  faleceram  crianças,  restando  vivos: 

I  (XII).  José  Maria  de  Albuquerque  da  Costa  Brandão,  n.  i  set.  igo3  em 
Meaáo-Frio,  actualmente  estudante  de  preparatórios ; 

3  (XII).  D.  Maria  Luísa  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos  da  Costa 
Brandão,  n.  29  nov.  i(,o4  em  Fonios-de-Algôdres. 

4  (XI).  D.  Maria  Francisca  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  c.  7  out. 

1900  c.  D.  Manuel  Maria  da  Câmara,  da  família  dos  Condes  da 
Ribeira-Grande,  diplomado  pelo  Curso  Superior  do  Instituto 
Industrial  de  Lisboa,  amanuense  de  i."  classe  da  Contadoria 
da  Santa  Casa  da  Misericórdia  de  Lisboa,  falecido  a  22  fev. 
1915.    Teve: 

I  (XIIl   D.  Maria  Francisca  de  Albuquerque  da  Câmara,  n.  10  set.  igor ; 
3  (XII).  Luís  da  Câmara  e  Albuquerque,  n.  26  out.  iç  02  ; 

3  (XII).  D.  Maria  Emília  de  Albuquerque  da  Câmara,  gémea  com  o  anterior; 

4  (XII).  D.  Maria  Luísa  de  Albuquerque  da  Câmara,  n.  18  ag.  igoS ; 

5  (XI).  Carlos,  t  criança. 

6  (XI).  D.  Maria  Luísa,  f  criança. 

7  (XI).  D.  Maria  Teresa  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  c.  c.  Fran- 

cisco Aires  de  Melo  Sá  Nogueira,  filho  dos  Viscondes  de  Sá 
da  Bandeira,  e  neto  do  Marquês  deste  título;  teem  dois 
filhos  : 

I  (XII).  Francisco  de  Melo  Sd  Nogueifa  1 
a  (XU).  D.  MariaTeresa. 

8  (XI).  Catlos  Augusto  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  com  o  Curso 

Superior  de  Agronomia,  professor  da  Escola  Agrícola  Morais 
Soares,  de  Santarém,  •{•  solteiro,  com  34  anos. 


^ota  I —  Família  paterna  do  poeta  ('^q) 

9  (XI).  -Augusto  Carlos  da  Costa  Brandão  e  Albuquerque,  c.  c.  D.  Maria 

Máxima  de  Amorim  Pacheco,  da  casa  do  Sarzedo,  separados 
judicialmente,  sem  descendência. 

XI  tf )— Sebastião  de  Albuquerque  Pinto  Tavares,  2."  visconde  do  Er- 
vedal-da-Beira,  diplomado  pelo  Curso  Superior  de  Letras, 
c.  10  out.  1900  c.  sua  con-cunbada  e  prima  D.  Maria  da 
Conceição  de  Albuquerque  Pimentel  e  Vasconcelos  (su- 
pra XI  b'\^  3,  4  C)^  e  -^  em  190D.     Deixou  dois  filhos: 

1  (XII).  Sebastião  de  Albuquerque,  estudante  de  preparatórios. 

2  (Xil).  D.  Maria  da  Conceição  de  Albuquerque. 


Ramo  secundário  <^") 

V  d")  —  D.  Ana  Francisca  de  Abranches,  filha  de  Belchior  Francisco 

(supra  IV  d),  c.  c.  Francisco  Pinto,  de  Sinde.     Teve 

VI  rf")  —  António  de  Abranches  Pinto,  c.  c.  D.  Maria  Coelho,  de  Sinde, 

e  liveram: 

1  (VII).  D.  Inácia  Coelho  de  Figueiredo,  c.  c.  o  seu  parente  Dr.  Ni- 

colau Garcia  Pinto  Mascarenhas,  de  cuja  descendência  já 
nos  ocupámos  (supra  VII  b'). 

2  (VII).  D.  Antónia  de  Abranches  Pinto  de  Figueiredo,  que  sejjue. 

VII  rf")  —  D.  Antónia  de  Abranches  Pinto  de  Figueiredo,  de  Sinde,  c.  c. 

Francisco  da  Maia  da  Gama,  filho  de  Manuel  da  Maia 
da  Gama  e  Abreu  (padroeiro  e  administrador  das  duas 
capelas  do  convento  do  Carmo  cm  Aveiro)  e  de  sua 
mulher  D.  Maria  de  Souto-Maior,  da  Redinha.    Teve 

VIII  í/")  — João  da  Maia  da  Gama,  c.  em  Guimarães  c.  D.  Luísa  Ja- 

cinta Caetana  de  Figueiredo  Morgado,  filha  de  Jerónimo 
de  Figueiredo  Morgado,  cavaleiro  professo  da  Ordem 
de  Cristo,  e  de  sua  mulher  D.  Mariana  Josefa  Mendes 
de  Castro,  de  Azurara  (Vila-do-Conde).     Teve: 

1  (IX).  Fr.  Francisco  da  Maia  da  Gama,  carmelita  descalço. 

2  (IX).  D,  Mariana  Teresa  da  Maia  da  Gama  Abranches  Pinto  de 

Figueiredo  Morgado,  que  segue. 

3  (IX).  D.  Antónia  Genoveva  da  Maia  da  Gama,  c.  no  Vimieiro  S, 

Sebastião  Duarte  e  Oliveira. 


(i6o)  ^rás  Garcia  oMascarenhas 

4  (IX).  D.  Joana  da  Maia  da  Gama,  c.  em  S.  Paio  c.  o  Dr.  José 

Coelho. 

5  (IX).  D.  Catarina  da  Maia  da  Gama,  f  solteira. 

IX  d")  —  D.  Mariana  Teresa  da  Maia  da  Gama  Abranches  Pinto  de  Fi- 

gueiredo Morgado,  padroeira  e  administradora  das  capelas 
e  vínculo  de  Aveiro,  c.  c.  Manuel  Pinto  de  Figueiredo, 
filho  de  Agostinho  Pinto  de  Figueiredo  e  sua  mulher 
D.  Ana  Duarte  e  Oliveira,  da  Vila-Dianteira  (S.  Joao-de- 
-Areias).     Tiveram: 

1  (X).  João  da  Maia  e  Gama. 

2  (X).  Joana,  f  criança. 

3  (X).  Luísa,  -f  criança. 

4  (X).  D.  Ana  da  Maia  e  Gama,  -f-  solteira. 

5  (X).  Francisco  da  Maia  e  Gama  Abranches  Pinto  de  Figueiredo, 

que  segue. 

6  (X).  Luís  da  Maia  e  Gama,  clérigo. 

7  (X).  D.  Joana  Leonor  da  Maia. 

8  (X).  Sebastião  da  Maia  e  Gama. 

9  (X).  D.  Maria  José  da  Maia  e  Gama. 

10  (X).  José  da  Maia  e  Gama. 

1 1  (X).  António  da  Maia  e  Gama,  clérigo. 

12  (X).  D.  Luísa  da  Maia  e  Gama. 
i3  (X).  Antónia,  -j-  criança. 

X  d")  —  Francisco  da  Maia  e  Gama  Abranches  Pinto  de  Figueiredo,  c. 

c.  D.  Joaquina  Bárbara  Cortês  Serra,  filha  de  João  Antó- 
nio Baeta  Cortês  Serra  e  de  sua  mulher  D.  Maria  Joaquina 
de  Proença  Veloso,  da  Louzã.     Tiveram: 

1  (XI).  António  Maria  da  Maia  e  Gama,  f  sem  sucessão. 

2  (XI).  Francisco  Maria  da  Maia  e  Gama,  que  segue. 

XI  í;?")  — Francisco  Maria  da  Maia  e  Gama,  teve  uma  filha  legitimada, 

XII  d")  —  D.  Maria  Bárbara  da  Maia  e  Gama,  c.  c  Bernardino  Henri- 

ques de  Carvalho.     Tiveram 

XIII  íjf")  — Augusto  da  Maia  e  Gama  Henriques,  c.  c.  D.  Amélia  Au- 

gusta de  Sá  Osório  Cardoso  Maia,  com  descendência. 


NOTA  II 
FAMÍLIA  MATERNA  DE  BRÁS  GARCIA  MASCARENHAS 

Tronco 

I)  —  Henrique  Madeira  Arrais,  segundo  o  testemunho  de  documentos 
antigos,  nasceu  em  Avô  em  maio  de  1458.  Tinha  um  irmão, 
de  nome  Simão  Madeira,  a  quem  faremos  referência  abaixo 
(III  c).  Era  fidalgo-escudeiro  da  rainha  D.  Leonor,  mulher  de 
D.  João  II,  e  casou  em  1/'  núpcias  com  Leonor  Fernandes, 
que  fora  criada  de  uma  colaça  daquele  rei.  Diz-se  que  este 
Henrique  Madeira  Arrais  faleceu  em  i525,  sendo  sepultado  na 
igreja  matriz  de  Avô,  onde  possuía  um  altar  lateral,  por  êle 
erigido.  Teve,  que  se  saiba,  os  seguintes  filhos,  ignorando-se 
a  ordem  cronológica  dos  seus  nascimentos: 

1  (II).  D.  Catarina  Madeira  Arrais,  que  segue  (II  a). 

2  (II).  P.^  João  Madeira. 

3  (II).  Henrique  Madeira,  que  segue  (II  b). 

4  (II).  Jácome  Madeira,  que  segue  (II  c). 

5  (II).  L.do  António  Madeira,  c.  em  Viseu  c.  Isabel  Mendes,  filha  de  Fernão 

Lourenço  (que  depois  de  viúvo  foi  cónego  da  Sé  de  Viseu  e  vigário 
geral  do  bispo  D.  Miguel  da  Silva)  e  de  sua  mulher  Joana  Mendes, 
parece  que  a  Isabel  Mendes  era  natural  de  Celorico  da  Beira  e 
descendente  dos  Mendes  de  Seia  ou  de  S.  Romão.  Tiveram  um 
filho, 

—  (III).  Anlónio  Madeira,  presbítero  secular,  licenciado  em  Cânones,  habilitado  em 
iSga  para  familiar  do  Santo  Oficio. 

Ramo  primário  J) 

II  a)— D.  Catarina  Madeira  Arrais,  c.  c.  Dom.ingos  Fernandes,  de 
Vila-Cova-sob-Avô,  teve: 

I  (III).  D.  Maria  Madeira  Arrais,  de  Vila-Cova-sob-Avô,  c.  c.  Fernão 
Oil  da  Costtn,  de  Arganil,  e  houveram  larga  descendência, 
K 


(162)  'Brás  Garcia  <£Aíascarenhas 

entre  a  qual  se  conta,  na  4.»  geração,  a  mulher  do  poeta  Brás 
Garcia  Mascarenhas,  como  a  seu  tempo  veremos  {Notei  ge- 
mai, in,  VI  b). 

2  (Ili).  António  Madeira,  que  segue. 

3  (III).  João  Madeira,  n.  cerca  de  i55j;  em  i635  era  juiz  ordinário  da 

vila  de  Avô  e  seu  termo,  e  em  1647  depunha  como  testemunha 
em  um  processo  de  genere,  declarando  no  seu  depoimento  que 
tinha  qo  anos  de  idade. 

4  (III).  P.<^  Simão  Madeira,  foi  beneficiado  na  igreja  colegiada  de  Avô, 

e  ainda  vivia  em  i633. 


III  a) ^António  Madeira,  c.  em  \b-]ò  c.  Brites  Afonso,  filha  de  Aleixo 

Afonso,  de  Anceriz,  e  de  Isabel  Alvres,  de  Vila-Cova-sob- 
-Avô  (cf.  infra  III  b  2).     Tiveram 

IV  a)  —  D.  Maria   de   Brito,   c.   c.   Sebastião  Rodrigues  Barreto,  de 

Gois,  de  quem  houve 

y  a)  —  D.  Maria  de  Brito  Barreto,  que  veiu  a  casar  com  seu  2.°  primo 
António  Madeira  da  Costa  {Not.  geneal.  III,  v  c),  sendo 
ambos  bisnetos  de  D.  Catarina  Madeira  Arrais.  Em  a  Nota 
genealógica  III,  ramo  c,  se  descreverá  a  sua  descendência, 
na  qual  se  conta  Bento  Madeira  de  Castro,  i."  editor  do 
poema  Viriato  Trágico. 

Ramo  primário  b) 

II  b)  —  Henrique  Madeira,  filho  de  Henrique  Madeira  Arrais,  que  é  o 

tronco  desta  árvore  genealógica,  c.  c.  sua  prima  Leonor 
Madeira.  Em  i58õ  foi  eleito  deputado  para  com  seu  irmão 
Jácome  Madeira,  e  com  Simão  Garcia,  genro  deste  (cf.  in- 
fra II  c,  e  III  c),  regular  os  aforamentos  dos  bens  das  con- 
frarias de  Avô.     Teve 

III  b)—  Domingos  Fernandes,  sargento-mór  de  Avô,  c,  c.  sua  prima 

co-irmã  Maria  Jácome  (II  c  i).     Teve; 

I  (IV).  Máfia  Jácome.,  que  segue. 

3  (IV).  Leonor  Jácome,  c.  6  abr.  i583  c.  Afonso  Vaz,  de  Anceriz,  lrm3o 

de  Brites  Afonso,  casada  com  seu  primo  António  Madeira 

(supra  III  a), 
3  (IV).  Brites  Madeira,  c,  5  set.  1593  c.  Baltasar  da  Fonseca,  irmão  de 


O^pta  II — Família  materna  do  poeta  (^^^) 

(jaspar  Antunes  e  filho  de  António  Afonso  e  Mecia  Rodrigues, 
da  Barrosa  {Nota  geneal.  I,  iii  c  lo),  com  ger. 

4  (IV).  Felipe  Monteiro,  c.  3  jun.  1602  c.  Águeda  Nunes,  sua  prima  em 

4.°  grau  de  consanguinidade,  a  qual  era  filha  de  João  Fernandes 
e  Maria  Nunes. 

5  (IV).  Ana  Monteiro,  c.  27  abr.  i(io3  c.  João  Gomes,  filho  de  Gaspar 

Gomes  e  Catarina  João. 

IV  b)  —  Maria  Jácome,  c.  c.  António  Simões,  de  Vila-Cova-sob-Avô. 

Teve  : 

1  (V).  Helena,  b.  5  maio  iSqy,  f  criança. 

2  (V).  Pedro  Simões,  b.  24  dez.  iGoo. 

3  (V).  Bento  Simões,  h.  21  abr.  i6o3. 

4  (V).  Helena  Nunes,  b.  17  dez.  iGo5,  c.  c.  o  L.^°  António  Simões,  filho 

de  Simão  Alvres  e  Eufemia  Fernandes,  e  tiveram : 

I  (VI).  Manuel  Jácome,  habilitado  em  i6j8  para  a  recepção  de  ordens  menores ; 
3  (VI).  Paulo  Jácome,  b.  i  fev.  ib33. 

5  (V).  Isabel  Nunes  de  Mendonça,  c.  c.  seu  primo  Simão  Madeira  da 

Costa,  de  quem  adeante  falaremos  indicando  a  sua  descendên- 
cia {Nota  geneal.  III,  v  a). 

Ramo  primário  c) 

11  c)  —  Jácome  Madeira,  casou  em  Avô  com  Maria  Gomes.  Foi  uma. 
das  pessoas  mais  consideradas  da  vila,  onde  o  encontramos 
comemorado  em  numerosos  documentos,  especialmente  em 
assentos  de  baptismos,  e  de  casamentos,  na  qualidade  de 
padrinho  ou  de  testemunha ;  a  ele  tinha  boa  aplicação  o  afo- 
rismo popular  beirão:  -Não  há  boda  ou  baptii^ado  —  a  que 
não  se/a  chamado.  Prolongam-se  as  referências  até  quase 
ao  fim  do  século  xvi.  Em  i58f">,  como  já  fica  dito,  foi  Já- 
come Madeira,  com  seu  irmão  Henrique  Madeira  e  com  seu 
genro  Simão  Garcia,  marido  de  Verónica  Nunes,  eleito  de- 
putado para  regular  os  aforamentos  dos  bens  das  confrarias 
de  Avô.     Teve  de  sua  mulher  os  filhos  seguintes : 

I  (III).  Maria  Jácome,  c.  c.  seu  primo  Domingos  Fernandes,  sargento- 

-mor  de  Avô  (III  b). 
3  (III).  Fernando  Madeira^  c.  c.  F. . .  ,  de  quem  teve 

—  (IV).  Ana  Jácome,  b.  20  cm.  iSôí 

3  (III).  Verónica  Nunes,  que  segue. 

4  (III)i  Inácio  Madeira^  c.  iG  ag.  \SyÍ  c.  Mniía  de  Sequeira. 


(164)  'Brás  Garcia  á\Iascarenhas 

5  (III).  Henrique  Madeira,  que,  por  morte  de  seu  irmão  Inácio,  obtida 

a  necessária  dispensa,  casou  com  a  viúva  Maria  de  Sequeira  a 
16  out.  i585,  da  qual  teve  uma  fiihaj  também  chamada 

—  (IV).  Maria  de  Sequeira,  b.  23  mai.  087. 

6  (III).  Isabel  Jãcome,  c.  c.  João  Manuel,  de  Avô,  e  houve  os  filhos  se- 

guintes : 

i  (IV).  Jácome  Madeira,  b.  18  jan.  |387; 
2  (IV).  Águeda  Jácome,  b.  11  dez.  i588 

7  (III).  P."  Simão  Madeira,  tTemii3.o  de  Nossa  Senhora  do  Mosteiro,  em 

Avô,  a  quem  o  vigário  da  vila  Roque  Dias  de  Matos  injuriou, 
chamando-o  cristão-novo,  alusão  à  fama  de  mourisca  que  tivera 
a  sua  avó  paterna  (vid.  I,  e  cf.  doe.  XCVI)  ;  mas  foi  condenado, 
provando  o  P.«  Simão  que  tal  fama  era  infundada  e  falsa. 

Além  destes  filhos  legítimos,  Jácome  Madeira  teve  mais,  que 
eu  saiba,  de  Leonor  Fernandes,  mulher  solteira,  os  se- 
guintes naturais : 

8  (III).  Crisóstoma  Fernandes,  c.  7  fev.  1574  c.  Gaspar  de  Paiva,  filho  de 

Lopo  de  Paiva,  de  Nogueira  do  Cravo. 

9  (III).  Estácio  Madeira,  c.  29  set.  i586  c.  Maria  M;inuel,  filha  de  Manuel 

Rodrigues  e  Maria  João. 

10  (III).  Gaspar  Fernandes,  c.  5  fev.  1389  c.  Isabel  Pires. 

1 1  (III).  António  Fernandes,  c.  24  set.  1589  c.  Catarina  Francisca,  de  quem 

teve  uma  filha 

—  (IV).  Maria,  b.  23  out.  iSgo. 

12  (III).  Maria  Gomes,  c.  28  jan.  093  c.  António  Marques. 

III  c)  —  Verónica  Nunes,  casada  por  cerca  do  ano  de  i556  com  seu 
primo  Simão  Garcia,  filho  de  Simão  Madeira,  o  qual  era 
irmão  de  Henrique  Madeira  Arrais,  avô  paterno  dela  Ve- 
rónica Nunes.  Simão  Garcia  era  talvez  por  sua  mãe,  cujo 
nome  ignoro,  parente  dos  Garcias  Mascarenhas,  de  Fo- 
Ihadosa,  e  foi  tabelião  do  público  e  judicial  em  Avô,  cargo 
que  já  exercia  a  5  set.  iSgS,  segundo  consta  de  um  assento 
de  casamento  neste  dia  realizado,  em  que  figura  como  tes- 
temunha. Também  exercia  as  funções  de  escrivão  das 
cisas  e  dos  panos  na  mesma  vila  e  na  de  S.  Sebastião  da 
Feira,  cargo  que  obteve  em  i557  por  virtude  de  reniincia 
feita  por  Fernão  Gonçalves,  de  Oliveira  do  Hospital.  Por 
último  acrescentarei  que  Simão  Garcia  era  também  indus- 
trial, fabricante  de  tecidos.   Faleceu  Verónica  Nunes  entre 


C\pta  II —  Família  materna  do  poeta  (i  65) 

0  mês  de  dezembro  de  1574  e  o  anno  de  1677,  e  o  viúvo 
passou  então  a  2.*^  núpcias  com  Joana  Pegado,  talvez  da 
família  dos  Pegados,  que  residiam  em  Balocas,  freguesia 
de  Covas.     Verónica  Nunes  teve  os  seguintes  filhos : 

1  (IV).  Ana  Nunes,  que  veiu  a  casar  a  28  jul.  iSyy  c.  Pedro  Fernandes, 

filho  de  Mateus  Fernandes  e  Isabel  Fernandes,  de  Anceriz. 

2  (IV).  Isabel  Nunes. 

3  (IV).  João  Madeira,  c.  iS  ag.  1591  c.  Joana  Garcia  Antunes,  irmã  de 

Marcos  Garcia, que  no  dia  seguinte  casou  com  Helena  Madeira, 
irmã  do  João  Madeira ;  com  ger. 

4  (IV).  Helena  Madeira,  que  segue  (IV  c'). 

5  (IV).  Felipe  Madeira,  que  segue  (IV  c"). 

6  (IV).  Antmio  Garcia,  b.  25  out.  1572. 

7  (IV).  Maria  Nunes,  b.  2  dez.  iJy^  '. 

Ramo  secundário  c') 

IV  c')  —  Helena  Madeira,  b.  20  set.  i5ó8,  c.  19  ag.  1691  c.  Marcos 

Garcia,  da  Bobadela  (Nota  geneal.  1,  iv,  c").  A  sua  des- 
cendência é  descrita  em  a  Nota  genealógica  I,  iv,  c". 
Entre  os  seus  onze  filhos  figura 

V  c')  —  Brás  Garcia  Mascarenhas,  o  nosso  poeta-guerreiro,  cuja  des- 

cendência até  à  actualidade  é  objecto  da  Nota  genealó- 
gica IV. 

Ramo  secundário  c") 

IV  c") — Felipe  Madeira,  b.  ló  jan.  1371,  casou  com  Eufemia  Pais 
de  Mesquita,  oriunda  de  uma  família  nobre  de  Viseu. 
Sucedeu  a  seu  pai  no  cargo  de  tabelião  do  público  e  judi- 
cial de  Avô  e  seu  termo.     Teve: 

I  (V).  António  Madeira  de  Mesquita,  b.  i  dez.  159S. 


'  De  sua  2."  mull)er,  Joana  Pegado,  teve  Simão  Garcia  um  S  °  filho,  Gaspar  Garcia,  que  foi  bapti- 
zado a  6  nov.  1578,  e  casou  a  3o  dez.  i5g7  com  Maria  .Manuel,  de  Buarcos,  sem  liaver  os  prévios  pro- 
clamas, segundo  determinação  do  visitador,  o  L.Jo  Gonçalo  do  Quental,  por  lhe  cons'ar  per  tesí.as  gue  per- 
guntou q  maliciosamM  se  podia  impedir  este  matrimonio.  Depois  de  realizado  o  casamento,  foram  ent,ío 
proclamados  na  forma  do  estilo,  e  receberam  as  bênçãos  nupciais  a  7  jan.  i5-)8.  Houveram  os  filhos  se- 
guintes: —  a)  Joana  Garcia,  b.  2  fev.  K.oo  ;  —  b)  Simãj  Oarci.i,  b.  23  set.  1602  ;  —  c)  Isabel  Garcia,  b.  25 
jan.  i6o3  (f  14  abr.  166.^),  c.  24  fev.  i6.^3  c.  António  .Madeira,  o  Mata,  de  Avô,  filho  de  João  Fernandes  e 
-Maria  Madeira  (de  quem  houve  —  António  Madeira,  b.  18  dez.  i633,  habilitado  para  a  recepção  de  ordens 
menores  em  ib5i  —  e  Manuel  Garcia,  b.  17  jan.  i636,  admitido  â  recepção  de  menores  em  i65j)  ■,  —  d) 
Maria  Manuel,  b.  3  juu.  1607 ;  —  e)  Marta  Garcia,  b.  5  nov.  1609. 


Ci66)  'Brás  Garcia  óMascarenhas 

2  (V).  Cristóvão  Madeira,  b.  17  out.  1600. 

3  (V).  Manuel  Madeira^  b.  2  jun.  1602. 

4  (V).  Boaventura  Madeira,  b.  22  jul.  i6o3. 

5  (V).  Luís  de  Figueiredo,  b.  5  dez.  1604,  c.  21  fev.  1629  (depois  de 

larga  ausência  no  Brasil)  c.  Maria  Gaspar  (•}-  28  out.  1678), 
filha  de  FVancisco  Anes  e  Águeda  Fernandes,  obrigando-se 
Luís  de  Figueiredo,  antes  do  casamento,  a  apresentar  dentro 
de  dois  anos  documento  justificativo  do  seu  estado  livre, 
sendo  este  compromis';o  caucionado  com  o  depósito  de 
5oo  cruzados  de  fiança.  Faleceu  no  Porto  em  1672,  che- 
gando a  Avó  a  notícia  da  sua  morte  a  24  de  julho.  Teve 
os  filhos  seguintes: 

I  (VI)   Manuel,  b.  27  nov.  i63i  ; 
j  |VI|.  Ana,  b   17  dez.  i633  ; 

3  'VI).  Felipe,  b.  23  ag.  i637  ; 

4  (VI).  Eufemia,  b.  2  jun.  1640 ; 

5  (VI).  Águeda,  b.  18  fev.  1643  ; 

6  (VI).  Francisco,  b.  foal.  1646,  f  26  mar.  i6'i5  ; 

7  (VI).  Isabel,  b.  10  ag.  i65o. 

6  (V).  Maria  de  Mesquita,  que  segue. 

V  c")  —  Maria  de  Mesquita,  b.  21  ag.  1607,  c.  em  i.'*  núpcias  a  3o 
out.  1623  c.  seu  primo  Francisco  Dias  <da  Costa,  irmão  da 
sogra  do  poeta  Brás  Garcia  (Not.  geneal.  III,  iv,  5).  Fa- 
lecido seu  marido,  passou  a  2.''^  núpcias  a  26  fev.  1629  c. 
João  Gomes  Botelho,  do  Couto  da  Vacariça,  filho  de  An- 
tónio Lopes  Botelho  e  de  Luísa  Gomes,  o  qual  faleceu  a 
17  março  1699.     Teve  do  i.°  marido  duas  filhas: 

1  (VI).  Susana  Manuel,  b.  1 1  dez   1624,  c.  10  jan.  1645  c.  Jacinto  Go- 

mes Botelho,  irmão  de  seu  padrasto,  e  teve  : 

1  (VII).  Francisco  Gomes,  b.  lo  set.  1G46 ; 

2  (Vil).  P.e  António  Lopes  ; 

3  (Vil).  João  Gomes  de  Mesguita,  c.  em  i.-"'  núpcias  era  Santa  Comb.i  Dão, 

e  em  2."  na  .Mealliada,  liavendo  filhos  somente  deste  2.°  matri- 
mónio, entre  os  quais  se  conta  —  (V'1I1).  o  Dr.  Alexandre  Ribeiro 
de  Mesquita,  que  casou  na  quinta  da  Coitena  (Bobadela),  onde 
deixou  geração ; 

4  (Vil).  Joana  de  Mesquita,  c.  c.  Bento  Toscano  de  .Albuquerque,  da  \'aca 

rica,  com  geração. 

2  (VI).  Águeda  de  Mesquita,  n.  em  1626,  c.  22  jul.  1645  c  Domingos 

Nunes,  da  vila  de  Covas,  filho  de  Simão  Nunes  e  de  Cata- 
rina Simão,  e  teve : 

1  (\'II).  Dr.  Fr.  U>bano  de  Mesquita,  Dom  Prior  de  Tcmar  ; 

2  (VII).  P.e  Nicolau  de  .Mesquita  Castel-Branco,  prior  de  Ois-da-Fibeira  : 

3  (VII).  Dr.  Miguel  Nunes  de  Mesquita,  desembargador  no  estado  da  índia, 

e  depois  memíro  do  Conselho  Ultramarino,  com  ger. 


í7X^o/íZ  // — Família  materna  do  poeta  {i6q) 

Maria  de  Mesquita  teve  do  2.»  marido  os  filhos  seguin- 
tes : 

3  (VI).  Maria^  b.  20  mar.  if'3o,  f  criança. 

4  (VI).  Felipe,  b.  i  nov.  i632,  f  criança. 

5  (VI).  João  Madeira  de  Mesquita,  b.  i3  out.  i635;  ausentou-se  para 

longe  e  por  lá  morreu,  fazendo  se-lhe  em  Avô  as  exéquias  a 
16  dez.  1667. 

6  (VI).  Felipe  Madeira  de  Mesquita,  b.  20  set.  i538,  que  segue. 

7  (VI).  Manuel  Madeira  de  Mesquita^  b.  17  jan.  1642,  f  6  abr.  1662. 

8  (VI).  Maria  de  Mesquita,  b.  7  mar.  if<45,  f  17  set.  í688. 

f)  (VI).  Ouitória  de  Mesquita,  b.  10  set.  1646,  f  10  abr.  i663. 
10  (VI).  António  de  Mesquita,  b.  4  set.  1649. 

VI  c")  — Felipe  Madeira  de  Mesquita,  c.  c.  Maria  da  Costa,  de  Vila- 
-Pouca,  filha  de  João  Alvres,  da  mesma  vila,  e  de  Maria 
Pegada,  de  Balocas,  freguesia  de  Covas.  Teve  em  Vila- 
-Pouca,  onde  ficou  residindo. 

Vil  c")— José  da  Costa  de  Mesquita,  b.  em  Vila-Pouca  a  24  mar. 
1672,  capitão-mór  de  Avô,  c.  em  Santa  Ovaia  a  7  fev. 
1701  c.  D.  Isabel  Madeira  Arrais.  Êle  faleceu  a  10  set. 
1732,  e  ela  a  24  mai.   1752.     Tiveram: 

1  (Vlli).  P.e  Manuel  da  Costa  de  Mesquita,  n.  3  set.,  b.  21  out.  1703. 

Principiou  a  sua  ordenação  em  1722,  e  faleceu  a  22  mai. 
1736. 

2  (VIII).  Felipe  Madeira  da  Costa  de  Mesquita,  que  segue. 

3  (VIII).  D.  Maria  da  Coita  de  Mesquita,  b.  27  abr.  1713,  c.  9  fev. 

1736  c.  Brás  Garcia  Mascarenhas,  bisneto  do  poeta  do 
mesmo  nome ;  houve  geração,  descrita  noutro  lugar 
[Nota  geneal.  IV,  iv).    Faleceu  a  10  mar.  1797. 

4  (VIU).  Dr.  Pantaleão  da  Costa  de  Mesquita  Arrais,  b.  27  jul.  1716, 

canonista,  ordenado  de  menores  em  1736. 

VIII  c")  —  Felipe  Madeira  da  Costa  de  Mesquita,  b.  3o  out.   1706,  foi 

capitão-mór  de  Avô,  onde  faleceu  solteiro  a  10  dez.  1780. 
De  Teodora  Madeira,  filha  de  Manuel  Madeira  e  Maria 
Mendes,  da  mesma  vila,  teve 

IX  c")  — D.  Maria  da  Costa,  b.  17  jul.  1730,  c.  i3  jun.  1747  c.  Gon- 

çalo Nunes,  filho  de  Domingos  Nunes  e  de  Ana  Fernan- 
des, de  S.  Sebastião-da-Feira.  Teve  alguns  filhos,  entre 
os  quais 


(i68)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

X  c")  — Manuel  Nunes  da  Costa,  cirurgião,  n.  lo,  b.  17  mar.  1751,  c. 

c.  D.  Ana  Bernarda  Antunes,  filha  de  Manuel  Antunes  e 
de  D.  Isabel  Maria,  de  Valbona,  freguesia  de  Arganil. 
Teve : 

j  (XI).  Manuel  Nunes  da  Cosia,  bacharel  formado  em  Cânones,  que 
teve  de  Maria  Tavares  um  filho 

—  (XI).  l.enncl  da  Costa  de  Mesquita,  farmaci-utico  em  Avò. 

2  (XI).  Francisco  Madeira  da  Costa  de  Mesquita,  que  segue. 

3  (XI).  P.f  António  da  Costa  de  Mesquita,  preso  como  constitucional, 

morreu  nas  cadeias  por  cerca  de  i833; 

4  (XI).  B.^i  José  da  Costa  de  Mesquita,  médico  muito  distinto  e  afa- 

mado. 

XI  c")  —  Francisco  Madeira  da  Costa  de  Mesquita,  capitão  de  uma 

companhia  de  fusileiros  na  guerra  peninsular,  c.  c.  D.  Ma- 
ria Rita  da  Conceição,  do  Pisão-de-Côja,  e  teve 

XII  c")  —  D.  Joaquina  Máxima  da  Costa  de  Mesquita,  c.  c.  seu  primo 

Leonel  da  Costa  de  Mesquita  (X  c"  i),  e  teve 

XIII  c")  — António  da  Costa  de  Mesquita,  c.  c.  D.  Maria  da  Assunção 

da  Fonseca  e  Brito  Serra,  de  Pomares.     Tiveram: 

1  (XIV).  D.  Maria  Eduarda  de  Mesquita. 
1  (XIV).  D.  Beatri^  Ester  de  Mesqitita. 
3  (XIV).  D.  Isabel  Maria  de  Mesquita. 


NOTA  III 

FAMÍLIA  DE  D.  MARIA  DA  COSTA, 
MULHER  DE  BRÁS  GARCIA  MASCARENHAS 

Tronco 

I)  — André  Quaresma,  de  Arganil,  fidalgo-cavaleiro  da  casa  de  el-rei 

D.  João  III,  descendente,  segundo  se  afirmava,  de  D.  Paio 
Soares  Correia  (da  nobre  estirpe  de  Paio  Ramires,  que  passou 
a  Portugal  com  o  conde  D.  Henrique)  e  de  D.  Maria  Pais, 
filha  de  D.  Vasco  Martins.  Casou  com  Ana  Esteves,  e  tive- 
ram 

II)  —  Branca  Quaresma,  c.  c.  Pedro  Dias  da  Costa,  também  de  Arganil, 

escudeiro-fidaigo  da  C.  R.,  filho  de  Diogo  Alves  da  Costa,  da 
família,  segundo  se  diz,  dos  Costas  de  Alpedrinha,  à  qual 
pertenceu  o  célebre  cardial  D.  Jorge  da  Costa  e  o  arcebispo 
de  Braga  e  de  Lisboa  D.  Martinho  da  Costa.     Teve 

III)  —  Fernão   Gil  da  Costa,  de  Arganil,  c.  em  Vila-Cova-sob-Avô  c. 

D.  Maria  Madeira  Arrais  {Nota  geneal.  II,  ii  a  i),  neta  de 
Henrique  Madeira  Arrais,  tronco  da  família  descrita  em  a 
Nota  geneal.  anterior.  Foi  industrial  de  lãs  e  fabricação  de 
tecidos,  indústria  que  depois  abandonou.     Houve : 

1  (IV)   Gaspar  Dias  da  Costa,  b.  em  Vila-Cova  a  21  set.  i555,  que  segue. 

2  (IV).  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  c.  c.  Domingos  Fernandes  de  Abreu, 

com  ger. 

3  (IV).  Bernardo  Madeira  da  Cosia,  c.  c.  a  filha  e  herdeira  de  Lourenço 

Mimoso,  de  Linhares,  de  quem  houve 

—  |V;.  Lourenço  da  Cosia  Mimoso,  mestre. de-campo  do  exército  da  Beira,  militar 
de  grandes  méritos,  o  qual  casou  em  i."'  núpcias  c.  a  herdeira  de  Gaspar 
da  Fonseca,  e  em  2."'  na  casa  de  Isidro  Ferreira  da  Cunlia  e  de  Catarina^ 
Paclieco  da    Costa  Còrte-Real,  tendo  deste   2."  casamento  —  (VI).  Ber- 
nardo da  Costa  Mimoso,  cavaleiro  da  Ordem  de  Cristo,  alcaide-mór  de 


(ijo)  Brás  Garcia  oMascarenhas 

Monsanto,  casado  com  a  herdeira  de  Manuel  da  Fonseca,  de  quem  teve  — 
(Vil).  Manuel  da  Coita  Mimoso,  desembargador  da  Mesa  da  Consciência, 
casado  com  a  lierdeira  de  Francisco  de  Araújo,  fidalgo  da  C.  R,  e  teve 
—  (VIII).  José  BeniarJo  da  Cosia  Mimoso  Pereira  de  Vasconcelos, 
fidalgo  da  C.  R.,  casado  na  casa  de  Francisco  Xavier  de  Alpoim  e  Abreu. 

IV)  —  Gaspar  Dias  da  Costa,  c.  em  Avô  a  16  fev.  i386  c.  Susana  Ma- 
nuel, que  fora  baptizada  a  i  jun.  iSõy,  filha  de  Manuel  João, 
da  vila  de  Buarcos,  e  de  Catarina  Rodrigues,  de  Avô,  que 
se  dizia  descendente  de  António  Rodrigues,  de  Buarcos,  escu- 
deiro de  D.  João  I.  Um  irmão  de  Susana  Manuel,  de  nome 
Manuel  João  como  seu  pai,  casou  também  em  Avô  a  2  set. 
iSgô  c.  Ana  Fernandes,  filha  de  João  Fernandes,  o  Moço,  e 
de  Catarina  Gonçalves.  Foi  Gaspar  Dias  da  Costa  capitáo- 
-mór  de  Avô,  e,  alem  dos  avultados  rendimentos  de  sua  casa, 
auferia  lucros  da  indústria  de  fabricação  de  tecidos  de  linho 
e  lã,  e  do  comércio.     Teve: 

1  (V).  Manuel  Dias  da  Costa,  b.  a  3  set.  i586,  que  ainda  vivia  em  1624. 

2  (V).  Gaspar  Dias  da  Costa,  b.  3o  abril  i5go,  familiar  do  Santo  Ofício,  c. 

em  I."'  núpcias  em  Vila-Pouca  (para  onde  mudou  a  residência) 
c.  D.  Maria  Nunes  de  .^breu,  filha  de  Roque  Fernandes  de  Abreu 
e  de  sua  mulher  Isabel  Francisca  de  Figueiredo  (cf.  infra  vi  c,  e 
Nota  geneal.  I,  vii  a",  **).  Depois  de  viúvo,  casou  em  2."  nú- 
pcias com  Maria  Garcia  de  Sequeira,  da  Bobadela,  filha  de 
Manuel  Fernandes,  de  S.  Gião,  e  de  Luísa  de  Sequeira,  e  neta 
materna  de  João  Garcia,  de  Oliveira-do  Hospital,  c  de  Helena 
de  Sequeira.  Teve  numerosa  geração  de  ambos  os  casamentos ; 
sua  filha  —  (VI)  Maria  Madeira  casou  na  última  metade  de  i63o 
c.  Matias  Fernandes,  de  Avô. 

3  (V).  Simão  Madeira  da  Costa,  b  8  nov.  1592,  que  segue  (V  a). 

4  (V).  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  b.  11  set.  iSgS,  que  segue  (V  b). 

3  (V).  Francisco  Dias  da  Costa,  b.  25  ag.  iSgS,  c.  3o  out.  lõiS  c.  Maria  de 
.Mesquita,  fiUia  de  Felipe  Madeira  (tio  materno  do  poeta  Brás),  e 
de  Eufemia  Pais  de  Mesquita,  dama  nobre  de  Viseu.  Já  nos  ocu- 
pámos {Nota  geneal.,  II,  v  c")  da  descendência  que  teve  pelas 
suas  únicas  duas  filhas  —  (VI)  Susana  Manuel  e  Águeda  de  Mes- 
quita. 

6  (V).  D.  Cecília  Madeira  da  Costa,  b.  11  mai.  lõoo,  c.  16  ag.  1623  c. 
Aleixo  x\fonso,  de  Anceriz,  irmão  de  João  Manuel  da  Fonseca,  já 
casado  com  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  irmã  de  D.  Cecília  (V  b). 
Foi  viver  com  seu  marido  para  Anceriz,  e  teve  oito  filhos,  que  já 
deixamos  enumerados  na  pág.  124  do  precedente  estudo  histórico. 
Entre  eles  se  conta  —  (VI)  o  padre  jesuíta  Gaspar  Afonso,  b.  29 
out.  1626,  que  veiu  a  ser  bispo  de  S.  Tomé  de  Meliapor.  Na  des- 
cendência de  D.  Cecília  houve  numerosos  homens  de  letras,  que 


C/^oía  III — Família  da  mulher  do  poeta  (nO 

exerceram  elevados  cargos  na  igreja,  na  magistratura  judicial,  e 
no  professorado. 

7  (V),  António  Madeira  da  Costa,  b.  14  jun.  i6o5,  que  segue  (V  c). 

8  (V).  João  Madeira  da  Cosia,  b.  24  mar.  1607,  que  se  habilitou  em  1C25 

para  a  recepção  de  ordens  menores. 


Ramo  primário  a) 

V  a)  — Simão  Madeira  da  Costa,  escrivão  dos  órfãos  de  Avô,  Vila- 
-Cova  e  S.  Sebastião-da-F^eira,  c.  c.  sua  prima  Isabel  Nunes 
de  Mendonça  (-^  em  1641),  filtra  de  António  Simões,  de 
Vila-Cova,  e  de  Maria  Jácome,  de  Avô  (Nula  geneal.  II,  iv 
b  5).     Houveram: 

1  (VJ).  Bento  Madeira  da  Costa,  b.  23  mar.  1616. 

2  (VI)   D.  Teodora  Madeira  da  Costa,  h.  26  mar.  1618  (f  16  mai.  1701), 

c.  14  jun.  i632  c.  António  da  Costa,  de  Oliveira-do-Hospital, 
que  passou  a  residir  com  sua  mulher  em  Avô,  onde  foi  escrivão 
dos  órfãos,  logar  concedido  por  el-rei  D.  Felipe,  em  diploma  de 
5  jun.  i632,  a  Isabel  Nunes  de  Mendonça  (visto  nchar-se  vago 
pelo  fiilecimento  de  seu  marido),  para  servir  de  dote  a  uma  de 
suas  filhas.    Teve : 

1  (VII).  P.'  Gaspar  Jn  Costa,  b.  em  casa  a  i5  jun.  ir)34,  veiu  a  ser  btiieKciado  na 

colegiada  de  Avò ; 

2  (Vil).  Manuel  da  Costa  Jácome,  c  em  Galizes  c.  Maria  Brandão,  sem  ger. ; 

3  (Vil).  D.  Maria  da  Costa,  t.  em  Arganil  c.  Manuel  de  Andradt  Monteiro,  sem 

ger.; 

4  (VII).  António  da  Costa,  b.  17  set.  i"!,)!  ; 

5  (Vil).  D.  Mariana  da  Costa,  b.  i5  set.  164 ),  c   c.  Cosme  Fernandes  de  Abreu, 

de  Sandomil,  com  gí  ração  numerosa,  na  qual  figuraram  Juizes,  que  se 
notabilizaram  na  magistratura  do  coniinente  e  do  ultramar,  e  outros  va- 
rões importantes.  Deste  tronco  descendem  os  Madeiras  Arrais,  re- 
present.idos  pela  família  da  casa  das  Obras  de  Seia,  entre  os  quais 
figura  D.  .'ose  António  Pinto  de  Mendonça  Arrais,  bispo  de  Pinhel, 
e  mais  tarde  da  Guarda  ; 

6  {A'1I).  D.  Isabel  da  Cosia,  b.  28  mar.  1647  ; 

7  (Vil).  /).  Teodora  da  Costa,  b.  14  oiit.  i652,  f  27  set.  1677  ; 

8  (Vil).  D.  Ana  da  Costa,  b.  23  ian.  i6i5  ; 

9  (Vil).  S(»i  ío  Madeira  da  Costa,  b.  19  nov.  i65S,  habilitado  para  a  ordenação 

de  menores  em  16S2,  embarcou  em  seguida  para  a  índia,  onde  faleceu, 
fazendo-se  em  .\vô  exéquias  na  primeira  semana  de  março  de  1695. 

3  (VI).  Pedro  Madeira  da  Costa,  b.  3o  jul.  1620, 

4  (VI).  D  Maria  Jácome  de  Mendonça,  que  segue. 

VI  a)  —  D.  Maria  Jácome  de  Mendonça,  c.  na  capela  de  Nossa  Senhora 
do  Mosteiro  em  Avô  a  S  fev.  1641  c.  Bernardo  Duarte  de 
Figueiredo  (-j-  23  mai.  1670),  sargento-mór  que  mais  tarde 


(172)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

foi  de  Avô,  e  tabelião  do  público  e  judicial;  era  filho  de 
Salvador  Duarte  de  Figueiredo,  capitao-mór  de  Pombeiro- 
-da-Beira,  e  de  Catarina  Gomes  da  Silva,  da  qual  proveiu 
aos  seus  descendentes  fama,  embora  infundada,  de  impu- 
reza de  sangue.     Tiveram: 

1  (VII).  D.  Maria  Jácome  de  Mendonça,  b.  3  mar.  1642,  freira  no  mos- 
teiro de  Celas,  aros  de  Coimbra,  onde  entrou  em  1673,  e  ali 
faleceu  a  23  abr.  1724,  segundo  consta  do  seu  epitáfio  no 
claustro  do  referido  mosteiro,  lado  oriental. 

I  (Vil).  Dr.  Matias  Jácome  de  Mendonça  Figueiredo,  teólogo,  b.  14 
jul.  1644,  sendo  padrinhos  o  poeta  Brás  e  sua  futura  sogra 
D.  Maria  Madeira  da  Costa,  tia  do  neófito.  Principiou  o  pro- 
cesso de  genere  para  a  sua  ordenação  em  novembro  de  1666; 
mas,  aparecendo  denúncia  do  impedimento  de  impureza  de 
sangue,  teve  de  correr  um  processo  especial  de  investigação 
em  várias  localidades,  apensando-se  a  este  um  outro  processo, 
que  correra  contra  o  P.«  Matias  Garcia,  irmão  de  Brás,  por 
ter  chamado  judeu  ao  pai  do  Dr.  Matias.  Por  fim  foi  pro- 
nunciada, a  12  abr.  iG63,  a  sentença  declarando-o  cristão- 
-velho,  limpo  de  qualquer  contágio  de  sangue  de  infecta  nação, 
das  reprovadas  em  direito.  Ordenou-se  logo  a  seguir,  e,  de- 
pois de  presbítero,  embarcou  para  a  índia,  onde  foi  provisor 
do  arcebispado  de  Gõa,  e  lá  faleceu  a  8  jan.  1676. 

3  (VII).  Alexandre  de  Figueiredo  Jácome,  que  segue. 

4  (VII).  D.  Quitéria  de  Mendonça,  b.  i5  jun.  1648,  professou  no  mos- 

teiro de  Celas,  para  onde  entrou  com  sua  irmã  Maria  em 
1673. 

5  (VII).  D.  Angela  Teresa  de  Mendonça,  b.  19  mai.  i65o,  entrou  tam- 

bém para  o  mosteiro  de  Celas,  no  mesmo  dia  em  que  entra- 
ram as  suas  irmãs  Maria  e  Quitéria,  e,  como  elas,  lá  professou. 
Faleceu  ali  a  29  jan.  1722,  sendo  sepultada  no  claustro,  onde 
tem  epitáfio. 

6  (VII).  Fr.  Bernardo  da  Conceição.,  b.  17  jul.  i65i,  cisttrciense. 

7  (Vil).  Fr.  Manuel  de  Figueiredo.,  b.  20  jul.  i6S3,  trino. 

8  (VII).  P.^  Simão  Madeira  da  Costa,  b.  28  jun.  i656,  também  teve  di- 

ficuldades para  a  ordenação,  por  denúncia  de  impureza  de 
sangue.  Vencidas  elas,  ordenou-se  em  1682,  e  foi  abade  de 
Moncorvo,  e,  depois,  de  Fornos. 


VI]  a)  -Alexandre  de  Figueiredo  Jácome,  b.  i3  mar.  1646,  habilitado 
para  receber  ordens  menores  em  dezembro  de  1661,  c. 
em  S.  Romão  a  7  mar.  1672  c.  D.  Feliciana  Coelho  de 
Miranda  (-]-  14  nov.  1708),  filha  de  António  Coelho  de 
Miranda,    de   S.   Romão,   e   de   Maria   Mascarenhas,  de 


^ota  III—  Família  da  mulher  do  poeta  (h-^) 

Coja.     Sucedeu  a  seu  pai  no  ofício  de  tabelião  do  público 
e  judicial.     Teve : 

1  (VIII).  D.  Maria  Jácome  Coelho,  b.  17  fev.  1 683,  ■}■  solteira,  no  Porto, 

em  casa  de  seu  irmão  Bernardo,  a  20  jun.  1757. 

2  (VIII).  D.  Catarina  Coelho  de  Miranda,  b.  25  out.  16S4,  j  solteira 

no  Porto,  como  a  antecedente. 

3  (VIII).  D.  Francisca  do  Amaral  de  Mascarenhas,  b.  24  abr.  168G,  f 

solteira,  em  Avô,  a  10  dez.  1708. 

4  (VIII).  Dr.  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo,  que  segue. 

Vnic7)  — Dr.  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo,  b.  12  fev.  1688,  cano- 
nista,  cavaleiro  profesio  da  Ordem  de  Cristo,  familiar 
do  Santo  Ofício  (habilitado  em  1718),  juiz  de  fora  na 
cidade  de  Miranda,  e  depois  na  Covilhã,  para  onde  passou 
em  1724;  corregedor  de  Pinhel  em  1726,  e  de  Coimbra 
em  1729;  desembargador  dos  agravos  e  suplicações,  ser- 
vindo de  chanceler,  em  175S.  Prestou  relevantes  serviços 
na  fundação  da  Companhia  dos  Vinhos  do  Alto  Douro,  e 
veiu  a  falecer  a  6  fev.  1769.  Casou  em  i.*'  núpcias  na 
quinta  da  Costa  (Nogueira-do-Cravo)  em  1744  corn  sua 
prima  D.  Ana  Geralda  de  Brito  Brandão  e  Abreu,  filha 
de  Manuel  Madeira  de  Abreu,  de  Anceriz,  e  de  D.  Ma- 
riana Teresa  de  Brito  e  Costa,  de  Coja ;  neta  paterna  do 
Dr.  Pedro  Madeira  de  .4.breu,  de  Oliveira-do-Hospitai, 
e  de  D.  Maria  de  F"igueiredo  Brandão,  de  Vila-Cova-sob- 
-Avô;  materna  de  Luís  de  Brito  da  Costa,  e  de  D.  Maria 
Xunes  de  Brito,  ambos  de  Coja.  Falecida  sua  i."  mulher 
em  1751  sem  descendência,  passou  a  2.^^  núpcias  c. 
D.  Antónia  Luísa  de  Melo  Cardoso,  natural  da  quinta 
dos  Corvos  à  Nogueira,  freguesia  de  Santos  Evos,  co- 
marca de  Viseu;  era  filha  de  Bernardo  da  Silva  Castel- 
-Branco  e  Melo,  e  de  D.  Francisca  Xavier  Juzarte  Car- 
doso, irmã  de  António  Xavier  Juzarte  Cardoso,  fidalgo 
da  C.  R.,  correio-mór  de  Coimbra,  onde  residia  na  fre- 
guesia de  S.  Cristóvão  '.     Houve  deste  2.°  matrimónio 

IX  íi)  — Alexandre  José  de  Figueiredo  e  Melo  Cardoso,  n.  6,  b.  10  nov. 
1737.     Foi  tenente-coronel  de  milícias  do  batalhão  de  Ar- 


'  É  uma  famliia  muito  distinta  de  Coimbra,  esta  dos  Juzartes,  cuja  pedra  de  armas  ainda  hoje  it 
vè  s6bi  c  o  portão  da  sui  casa  na  antiga  rua  das  Fangas,  hoje  chamada  de  Fernandes  Tomás,  logo  abaixa 
das  escadas  que  comunicam  esta  rua  com  a  amiga  do  Correio,  ora  de  Joaquim  António  de  Aguiar.    F«r> 


{j'-]4)  'Brás  Garcia  Mascarenhas 

ganil,   e  sargento-mór  de   Avô.     Casou  a  28  mai.  lygS  c. 
sua  prima  D.  Ana  Máxima  Soares  de  Albergaria,  de  Seia, 


tence  hoje  esta  casa  a  um  ramo  da  família  dos  Garcias  Mascarenhas,  enlaçada  com   a  dos  Juzartes 
[Nota  geneal.  I,  xii  *'.,). 

Eis  a  árvore  g-uealógica  dos  Juzartes,  segundo  um  nobiliário  dos  princípios  do  século  xix,  perten- 
cente ao  meu  ilustre  colega  Dr.  Eugénio  de  Castro  e  Almeida : 

Peiro  Rodrigues  Ju^arte,  que  parece  foi  filho  de  Rodrigo  Juzarte,  e 
neto  do  conde  de  Liuzaite,  estribeiro  do  infante  D.  PeJro  duque  de 
Coimbra,  regente  na  mencridade  de  D.  Afonso  \' ;  e  casou  com  Cata- 
rina de  Oliveira,  de  Monle-Mór-o-Velho 

■  l 

Vasco  de  Oliveira  Jujarle,  morador  era  Monle-Mor-oVclho  no  reinado 
de  D.  Afonso  V.  casou  na  casa  de  Krancisco  de  Andrade,  o  qual  era 
marido  de  uma  irmã  do  bispo  D.  Drás  Nelo 

-  l 

Miguel  Juzarte,  filho  2.^,  ouvidor  em  Cantanhede,  onde  casou  em  casa 
de  Domingos  Gonçalves  Godinho 


Agostinho  Ju^artâj  morador  em  Cantanhede,  casou  em  casa  de  Pedro 
Soares 

-  i  ■       • 

Miguel  Jujarte  de  Andrade,  c.  c.  a  herdeira  de  Lançarote  Ribeiro 

l 

yravíisco  Cardoso  Juzarte,  vereador  e  correio-mór  de  Coirabra  em  i653, 
c.  c  a  filha  e  herdeira  de  Agostintio  Maldonado,  tabelião  em  Coimbra, 
filho  de  António  Alves  Antunes  e  de  Guiomar  Vaz  Maldonado 

-  i  - 

Agoítinho  Juiarte  Maldonado,  familiar  do  Santo  Oficio,  c.  c.  D.  Ana 
Teresa  da  Silva,  filha  e  herdeira  de  Francisco  Gonçalves  Tojeiro  da 
Silva,  e  de  sua  mulher  D.  Mai  ia  Gonçalves  Tojeiro,  de  Matozinhos 

Francisco  Juzarte  Maldonado  Cardoso  Ribeiro  da  Silva,  j  D.   Teresa  Maria  da  Silva  Ju- 
fidalgo-cavaleiro  da  C.  R.  em  1717,  senhor  de  Eiras  e  Vila-  j      jarle,  c.  c.  Bento  Madeira  de 
rinho,  c.  c.  a  herdeira  de  António  Machado  de  Paços,  do 
Porto 


I 

António  Xavier  Ju^a>  te  Cardoso, 
fid.caval.,  c.  na  casa  de  Pedro 
Lopes 

"  1 

Francisco  Xavier  Juzarte  de 
Quadros,  fid.  cavai.,  correio- 
■mór  de  Coimbra,  c.  na  casa  de 
í"rancisco  Baptista  Montes,  de 
Ponteias,  sobre  o  Douro 


\D.  Francisca  Xavier  Juiarle  Car- 
'  doso,  c.  c.  Bernardo  da  Silva 
Castelo-Branco  e  Melo,  da  quin- 
!  ta  dos  Corvos  á  Nogueira,  fre- 
I      guesia  de  Santos  Evos 


Castro,  i.°  editor  do  Viriato 
Trágico.  Da  sua  descendência 
nos  ocuparemoé  adeante  (VII  c; 


I 
António  Juxarte  de  Quadros,  o. 
tm  f;S4 


D.  Antónia  Luisa  de  Melo  Car- 
doso, c.  c.  o  Dr.  Bernardo 
Duarte  de  Figueiredo,  de  Avô, 
cuja  descendência  estamos  des- 
crevendo 


C\pta  III — Fainilia  da  mulher  do  poeta  (n^) 

filha  de  José  Bernardo  de  Miranda  Brandão  Castelo-Branco, 
sargento-mór  de  Seia,  e  de  D.  Antónia  Joaquina  de  Melo  e 
Távora.  Entre  outros  filhos,  falecidos  sem  descendência, 
houve  os  seguintes: 

1  (X).  António  de  Figueiredo  Miranda  Brandão  Castelo-Branco,  que 

segue  (X  íj'). 

2  (X).  Francisco  de  Figueiredo  Cardoso  e  Melo,  que  segue  (X  a"). 

3  (X).  D.  Casimira  Cândida  de  Figueiredo  Cardoso  e  Melo,  que  se- 

gue (X  .1'"). 

Ramo  secundário  íi') 

X  a')  — António  de  Figueiredo  Miranda  Brandão  Castelo-Branco,  c.  no 

tundáo  c.  D.  Bernarda  Carolina  Godinho  de  Sampaio  e 
Melo,  filha  do  Dr.  Francisco  Maria  Godinho  da  Fonseca  do 
Amaral,  e  de  D.  Ana  Cândida  da  Cunha  Soto-Maior  de 
Sampaio  e  Melo.     Tiveram: 

1  (XI).  Alexandre  de  Figueiredo   Miranda    Soares  de  Albergaria  de 

Sampaio  e  Melo,  c.  c.  D.  Ana  Leopoldina  de  Carvalho  e  Albu- 
querque, de  Vila-de  Igreja,  sem  sucessão. 

2  (XI).  D.  Maria  Delfina  de  Figueiredo,  que  faleceu  solteira  em  Torto- 

sendo. 

3  (XI).  D.  Francisca  de  Figueiredo  Godinho  Soares  de  Albergaria,  que 

segue. 

XI  a')  —  D.  Francisca  de  Figueiredo  Godiniio  Soares  de  Albergaria,  c.  c. 

João   Soares  de  Albergaria   Cabral   da  Costa  e  Faro,  de 
Maceira  (Seia),  e  teve: 

1  (XII).  Augusto   Soares  de  Albergaria  Cabral,  n.  4  nov.  iSyS,  que 

segue. 

2  (XII).  João  Soares  de  Albergaria  Cabral,  n.  5  dez.  1877. 

3  (XII).  D.  Maria  Jerónima  Soares  de  Figueiredo,  n.  23  fev.  i883. 

4  (XII).  D.  Maria  da  Exaltação  Soares  de  Albergaria,  n.  i  jun.  i885' 

5  (XII).  Eduardo  Soares  de  Albergaria,  n.  14  jun.  1888. 

6  (XII).  Gastão  Soares  Coelho,  n.  i  out.  1891. 

7  (XII).  Ausindo  Soares  de  Albergaria  Coelho,  n.  4  ag.  1898. 

XII  d')  — Augusto  Soares  de  Albergaria  Cabral,  c.  c.  D,  Maria  da  Pie 

dade  Gouveia  Pinto,  e  tem ; 

t  (XIII).  João  Soares  Pinto  de  Albergaria,  n.  26  jun.  igot. 
2  (XIII).  D.  Natércia  Soares  de  Albergaria,  n.  23  jun,  1904. 


(r76} 


'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 


Ramo  secundário  -í") 

X  a") — Francisco  de  Figueiredo  Cardoso  e  Melo,  c.  na  Quinta  da 

Costa  (NogLieira-do-Cravo)  c.  D.  Ana  Augusta  Madeira, 
e  teve : 

I  (XI).  D.  Maria  da  Piedade  Madeira  Tovar  de  Albuquerque,  c.  c. 
António  de  Abreu  Gama  Lobo,  de  Canas  de  Senhorim,  sem 
descendência  por  f;ilecer  o  filho  único  que  tiveram. 
.     2  (.\I).  D.  Ana  Sancha  Madeira  de  Abreu  Tovar  e  Albuquerque,  que 
segue. 

XI  a")  —  D.  Ana  Sancha  Madeira  de  Abreu  Tovar  e  Albuquerque,  c.  c. 

0  cunhado  de  sua  irmã,  João  Lobo  de  Abreu  da  Gama 
Mascarenhas,  de  Canas  de  Senhorim,  que  veiu  residir 
para  a  quinta  da  Costa.     Tiveram  : 

1  (XII).  D.  Maria  da  Conceição  Madeira  de  Abreu,  c.  em  i."'  núpcias 

c.  António  Freire  Cortês  Cabral  Metelo  Pacheco  de  Albu- 
querque, de  quem  teve  três  filhos,  que  já  ficam  descritos 
(Nota  geneal.  I,  xii  a" ^^  2).  Casou  em  2."  núpcias  c.  Luís 
Ribeiro  da  Silveira  Portugal,  da  casa  dos  Ribeiros  de  Man- 
teigas, de  quem  tem  um  filho 

4  (XIII).  António  Madeira  Ribí-iro  Portugal,  c.  c.  U.  F....  Patrício,  da 
Guarda. 

2  (XII).  D.  Maria  José  de  Abreu  Madeira  Lobo,  c.  c.  António  Pinto 

Toscano  Tinoco,  de  Nogueira-do-Cravo.     Teve: 

1  (XIII).  António  Madeira  Tinoco,  bacharel  formado  em  Direito,  c.  c. 

M.me  Madeleine  Lepierre,  havendo  deste  matrimónio:— a  (XIV). 
Carlos  António  Lepierre  iinoco,  —  b  (XIV).  António  Carlos 
Lepierre  Tinoco  ; 

2  (Xill).  D.  Maria  José  Madeira  Tinoco,  c.  c.  o  Dr.  António  Borges  Ro- 

drigues, de  Vila-Nova-de-Tázem,  já  falecido,  e  teve  —  (XIV). 
D.  Ana  Maria  Madeira  Tinoco  Borises. 

3  (XII).  Bernardo  Madeira  de  Abreu  da  Gama,  c.  c.  D.  Maria  Calhei- 

ros  Mascarenhas  Pita  de  Noronha,  de  Ois-do-Bairro ;  êle 
faleceu  deixando  dois  filhos  : 

I  (XIII).  Joáo  Madeira  Calheiros ; 

i  (XIII).  D.  Maria  Mascarenhas  Madeira  Pita  de  Noronha,  c.  c.  António 
de  Azevedo,  bacharel  formado  em  Direito,  com  descend. 

4  (Xll).  Joáo    Carlos  Madeira   de  Abreu  Lobo,  c.   c.   sua   cunhada 

D.  Maria  Calheiros,  viúva  do  precedente,  e  dela  tem: 

1  (XUl).  t>.  Maria  da  Piedade/ 

2  (XIII).  D.  Casimirai 


T^uta  III — Família  da  mulher  do  poeta  (^77) 

5  (XII;.  Anlónio  Madeira  de  Abreu  Lobo,  solteiro 

C  (XII).  Francisco  de  Paula  Madeira  de  Abreu  Lobo,  solteiro. 

7  (XII).  José  Madeira  de  Abreu  Lobo,  solteiro". 

8  (XII).  Miguel  Madeira  de  Abreu  Lobo,  f  solteiro. 


Ramo  secundário  ^^z ") 

X  a'")  —  D.  Casimira  Cândida  de  Figueiredo  Cardoso  e  Meio,  c.  c.  o 

Dr.  João  da  Costa  Garcia,  cia   Foz-da-Moura,  e  tiveram : 

1  (XI).  Alexandre  de  Figueiredo  da  Costa   Soares  de  Albergaria  e 

Melo,  que  segue.  ' 

2  (XI).  D.  Alaria  da  Assunção  da  Cosia  Figueiredo  Cardoso  de  Al- 

bergaria e  Melo,  c.  c.  Jerónimo  de  Morais  Almeida  e  Sousa, 
da  Foz-da-Moura,  c  teve  : 

1  (Xll).  D.  Afaria  da  As,intcáo  de  Fii^ueircdo  Morais  e  Sousa,  n.  21  abr. 

1865,  c.  cm  Coja  a  8  out.  1890  c  José  Duarte  das  Neves  Cardoso, 
havendo  diste  matrimónio:  —  a  (XIII).  D.  Maria  Paulina  de  Fi- 
gueiredo Cardoso ;—  b  (Xlll).  D.  Maria  da  Assunção  •de Figuei- 
redo Cardoso ;  —V  (XIII)  D.  Maria  José  de  Figueiredo  Cardoso  ; 

2  (Xil).  Heitor  de  Figueiredo  de  Almeida  e  Sousa,  n.  28  mai.  1S66,  c.  em 

1900  no  Brasil  c.  D.  Lídia  de  Freitas  e  Sousa,  sem  ger.  São  os 
actuais  proprietários  da  pitoresca  residência  dos  Figueiredos,  sdbre 
o  1'égo  em  Avô. 

XI  a'")  —  Alexandre  de  Figueiredo  da   Cosfa  Soares  de  Albergaria  e 

Melo,  c.  c.  U.  Mai-ia  Fortunata  Guedes  Themes  Brito  e 
Faro  de  Albuquerque,  de  Vilar-Sêco,  e  tiveram: 

I  (XII).  Arnaldo  Ju:jaríe  Faro  de  Figueiredo,  n.  3  ag.  1870  em  Avô, 
c.  em  set.  1899  c.  sua  parenta  D.  Ana  du  Tartre  Soares 
de  Albergaria,  de  Vila-de-Mato  (Midões),  e  faleceu  sobre 

0  mar  em  regresso  da  ilha  de  S.  Tomé.    Deixou  dois  filhos, 
que  vivem  em  Lisboa  com  sua  mãe: 

1  fXllí).  Arnaldo  ; 

2  (XIII).  D.  Ana. 

1  (XII).  Salvador  Duarte  de  Figueiredo  Faro  Themes,  n.  i3  ag. 
1872  em  Vilar-Sêco,  c.  em  Currelos  (Carregal-do-Sal)  em 
ag.  1899  c.  sua  parenta  D.  Josefina  Soares  de  Albergaria, 
de  Travanca-do-Douro,  e  tém; 

1  (XIII).  Alexandre ; 

2  (Xlll;.  Srt/ra.or,- 

3  (XIII).  Óscar. 

3  (Xll).  D  Máfia  Isabel  de  Figueiredo  Faro  Themes,  n.  3o  set.  1875 
em  Avô,  c.  29  jul.  içoi  na  Colmeosa  (Couto  do-Mosteiro) 


(iqS)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

c.  o  Dr.  António  Tavares  Festas,  já  falecido.    Tiveram 
dois  filhos: 

I  (Xlll).  Manuel; 
1  (XIII).  D.  Maria. 

Ramo  primário  b) 

V  b)  —  D.  Maria  Madeira  da  Costa,  c.  cêrca  do  ano  de  1617  com  João 
Manuel  da  Fonseca  (-f  16  jul.  1664),  de  Anceriz,  filho  legí- 
timo de  Manuel  Dias  e  de  Maria  Afonso,  o  qual  veiu  viver 
para  casa  de  sua  mulher  em  Avô.  onde  foi  capitão-mór, 
enquanto  que  seu  irmão  Aleixo  Afonso,  casado  pouco  de- 
pois com  sua  cunhada  D.  Cecília  Madeira  (IV,  6),  ficou  vi- 
vendo em  Anceriz.     Teve  os  filhos  seguintes  : 

1  (VI).  D.  Maria  da  Costa  Fonseca,  que  segue. 

2  (VI).  D.  Isabel  da  Fonseca  da  Costa,  n.  21  mai.  1621,  c.  12  out.  1645  c. 

Silvestre  Rodrigues,  de  Moimenta-daSerra,  filho  de  João  Ro- 
drigues e  de  Maria  João,  sendo  testemunha  deste  casamento  o 
poeta  Brás.    Tiveram  os  filhos  seguintes : 

1  (\'II).  Daniel  Rodrigues  da  Fonseca,  b.  i3  out.  i6.j5,  c.  em  Lourosa  em  i658  e. 

1).  Marian.i  de  Abreu  Fen'eir.i,  filha  de  Mamiel  Ferreira  de  Abreu  e  de 

Teodora  de  .Abreu,  com  ger. ; 
3  (VII).  Dr.  João  Rodrigues  da  Fonseca,   b.   22   áez.  i6-|S,  canonista,  o  qual, 

sendo  juiz  de  foi  a  em  Avò,  ali  foi  assassinado  a  10  jan.  lõSõ,  110  estado 

de  solteiro,  sem  ger. 
3  (VII).  Silreslrc  Rodrieucs  da  Fonseca,  f  solteiro. 

3  (VI).  Ana,  b.  22  mai.  1623,  f  criança. 

4  (VI).  D.  Ana  da  Fonseca  da  Costa,  b.  2  dez.  1625,  c.  2  fev.  1646  c.  João 

Rodrigues,  de  Moimentada-Serra,  irmão  de  Silvestre  Rodrigues, 
casado  com  D.  Isabel,  de  quem  acabamos  de  falar  (supra  n.°2). 
Brás  Garcia  assistiu  também  como  testemunha  ao  casamento. 
Tiveram  vários  filhos. 

5  (VI).  João  Manuel  da  Fonseca,  o  Moço,  b.  1 1  jun.  1628,  capitão-mór 

de  Avô,  t  solteiro  a  19  fev.  i685. 

6  (VI).  D.  St4sana  Manuel  da  Costa,  h.  23  mai.  ió3i,  f  solteira  a  ii  abr. 

1713. 

7  (VI).  D.  Paula  Madeira,  b.  5  abr.  1634,  f  solteira  a  24  dez.  1679. 

8  (VI).  L,'^o  Matias  Quaresma  da  Fonseca,  presbítero,  reitor  da  igreja 

de  S.  Paio-de-Fáo,  e  depois,  em  1692,  reitor  do  Espinhei,  co- 
marca de  Esgueira,  hoje  concelho  de  Águeda,  pertencente  ao 
padroado  dos  duques  de  Bragança.  Provou  no  processo  para 
a  sua  ordenação  ter  nascido  cêrca  do  ano  de  i63ó;  ordenou-se 
em  i66o-i663,  Conservou-se  na  reitoria  de  Espinhei  até  à 
morte,  ocorrida  em  Avò  a  14  abr.  1713, 


C/^ota  III — Família  da  mulher  do  poeta  (nç) 

VI  b)  —  D.  Maria  da  Costa  Fonseca,  b.  18  nov.  iõi8,  c.  19  fev.  1646  c. 
o  capitão-pocta  Brás  Garcia  Mascarenhas,  e  faleceu  a  4  jan. 
1660.  A  sua  descendência  é  descrita  em  a  Nota  genealó- 
gica IV. 


Ramo  primário  c). 

V  c)  —  António  Madeira  da  Costa,  c.   em  Vila-Cova-sob-Avô  c.  sua 

2."  prima  D.  Maria  de  Brito  Barreto  (Nota  geneal.  II,  v  a). 
Militou  nas  campanhas  da  restauração,  foi  soldado  da  com- 
panhia dos  Icõex,  de  que  era  capitão  seu  primo  Brás  Garcia 
Mascarenhas,  e  chegou  a  atingir  o  posto  de  capitão,  servindo 
sempre  bem  e  à  sua  custa.  Residiu  em  Pomares,  pois  era 
"  senhor  do  vinculo  que  ali  herdou  de  seu  pai.  Teve,  filho 
único, 

VI  c)  — Manuel  de  Brito  Barreto,  b.  27  abr.  i63i  em  Avô,  familiar  do 

Santo  Oficio,  habilitado  em  16G2,  senhor  do  vínculo  de 
Pomares,  capitão-mór  de  Avô,  c.  em  Galizes  c.  sua  pa- 
renta D.  Catarina  Borges  de  Castro  e  Abreu,  filha  de  Pedro 
Borges  de  Castro,  senhor  do  morgado  de  Galizes  (o  qual 
era  filho  de  Álvaro  Borges  e  de  Catarina  Gonçalves,  de 
Lourosa,  neto  paterno  de  Pedro  Alvares,  de  Lourosa,  e  de 
Ana  [ou  Catarina  ?]  Borges  de  Castro),  e  de  sua  mulher 
D.  Maria  Madeira  Arrais,  filha  e  herdeira  de  João  Madeira 
Arrais  (senhor  dos  morgados  dos  Roucos  de  Cima  e  de 
Baixo,  na  freguesia  de  Cambas,  hoje  concelho  de  Oleiros, 
e  do  de  Vale  das-Ovelhas,  freguesia  de  Oleiros,  tudo  no 
actual  distrito  de  Castelo-Brancoj  e  de  D.  Ana  Francisca  de 
Abreu,  filha  de  Roque  Fernandes  de  Abreu  e  de  Isabel 
Francisca  de  Figueiredo,  de  Vila-Pouca,  e  portanto  irmã 
de  D.  Maria  Nunes  de  Abreu,  mulher  de  Gaspar  Dias  da 
Costa,  de  Avô  (supra  iv,  2;  cf.  Nota  geneal.  I,  vii  a'\  **). 
Tiveram : 

1  (Vil).  Bento  Madeira  de  Castro,  que  segue. 

2  (Vil).  Manuel  de  Brito,  cónego  da  Sé  de  Coimbra. 

3  (VII)  Fr.  Luís  de  Brito,  cistercienae. 

4  (Vil).  Fr.  António  de  Brito,  trino. 

5  (VI!)   P.e  José  de  Brito,  jesuíta. 

6  (Vil).  D.  Maria  de  Brito,  c.  c.  seu  paieiita  Amónio  Barreto  Peidigáo, 


(i8o)  'Brás  Garcia  dMascarenhas 

cavaleiro-professo  da  Ordem  de  Cristo,  capitão-mór  da  vila 
de  Gois,  e  teve  vários  filhos,  entre  os  quais 

—  (\'1U).  Dr.  Bernardo  Barreio  Perdigão  Vilas-Boas,  capitão-mór  de  Gois, 
com  ger. 

7  (VII).  D.  Pjiilino  de  Brito  Barreto,  cónfigo-regrante  de  Santa  Cruz 
de  Coimbra. 

VII  c)  —  Bento  Madeira  de  Castro,  senhor  do  morgado  de  Pomares, 

capitão-mór  de  Avô,  cavaleiro  da  Ordem  de  Cristo,  fami- 
liar do  Santo  Oficio  (habilitado  em  1686),  editor  do  poema 
Viriato  Trágico.  Casou  em  1  .**  núpcias  em  Coimbra  com 
D.  Teresa  Maria  da  Silva  Juzarte  (vid.  supra  VIU  a,  nota); 
em  2.'*  nijpcias  em  Celorico-da-Beira  com  D.  Maria  da 
Piedade  de  Almeida,  viúva  de  Luís  Ribeiro  da  Fonseca,  e 
filha  de  Manuel  de  Almeida  Coelho.  Teve  filhos  somente 
do  i.°  matrimónio,  e  foram: 

1  (VIII).  Manuel  de  Brito  Barreto  de  Castro,  que  segue. 

2  (Villj.  D.  Ana  Antónia  de  Castro,  que  casou  em  Celorico  com  um 

irmão  de  sua  madrasta,  o  Dr.  Bernardo  de  Almeida  Coelho. 
Houveram  filhos,  entre  os  quais  era  primogénito 

—  (IX).  Diogo  Hcurique  Coelho  de  Almeida^  que  foi  capitão-mór  da  vila  de 
Celorico. 

3  (VIII).  D.  Catarina  de  Castro,  freira  em  Santa  Ana  de  Coimbra. 

VIII  c)  —  Manuel  de  Brito  Barreto  de  Castro,  senhor  do  morgado  de 

Pomares,  do  de  Galizes,  e  dos  dos  Roucos  de  Cima  e  de 
Baixo,  fidalgo-cavaleiro,  capitão-mór  de  Avô,  familiar  do 
Santo  Oficio  (habilitado  em  1717).  Casou  a  17  nov.  1727 
em  Guimarães  com  D.  Paula  Jerónima  de  Alarcão  de 
Castro  de  Essa,  filha  de  Gonçalo  Lopes  de  Carvalho  (se- 
nhor dos  coutos  de  Abadim  em  Cabeceiras  de  Bastos,  e 
de  Negreios  em  Santo  Tirso,  e  do  morgado  da  Caraoeira) 
e  de  sua  mulher  D.  Guiomar  Bernarda  da  Silva  Alarcão 
(filha  de  Gonçalo  Peixoto  da  Silva  e  de  D.  Paula  Maria 
Pereira).  Depois  de  viúvo  ordenou-se,  e  foi  deão  da  Sé 
de  Coimbra.     Teve : 

1  (IX).  Francisco  Xavier  de  Brito  Barreto  da  Costa  é  Castro,  que  segUé< 

2  (IX).  D.  Guiomar  Joaquina  de  Castro  de  Essa,  n.  22  fev.  1731. 

3  (IX).  D.  Teresa  Maria  Peixoto  da  Silva  Alarcão,  gémea  da  prece- 

dente, casou  em  Goíí;,  onde  dei.iou  descendência. 


C\oíú  III — Familia  da  mulher  do  poeta  ('^') 

4  (IX).  Pedro  Gonçalo  Peixoto,  n.  29  jun.  1732. 

5  (IX).  D.  Francisca  Rosa,  n.  19  maio  1734. 

6  (IX).  D.  Maria  do  Pilar,  n  .28  nov.  1735. 

IX  c)  —  Francisco  Xavier  de  Brito  Barreto  da  Costa  e  Castro,  n.  em 

Guimarães  a  10  dez.  1728,  capitão-mór  de  Avô,  c.  4  ag. 
lySt)  c.  D.  Maria  Manuela  Joaquina  de  Figueiredo  de  Melo 
Castelo-Branco  de  Sousa,  e  teve: 

1  (X).  /).  Maria  IKnita  de  Br, to  Castro  e  Essa,  11.  em  Galizes  a  27  nov. 

1739,  c.  na  Sé  de  Coimbra  c.  Francisco  de  Paula  Lobo  Peça- 
nha,  de  Loulé,  onde  faleceu,  e  deixaram  dois  filhos,  ambos 
sem  sucessão: 

1  (XI).  D.  yiiincisca  Rosj  ; 

2  (XI).  Scliaslnío  Alexandre. 

2  (X).  D.  Guiomar  José  de  Brito  e  Castro,  n.  em  Galizes  a  10  nov. 

*i7Go,  •[■  .solteira  á  25  jun.  1824  em  Coimbra. 

3  (X).  D.  Paula  Jerónima  de  Castro  e  Essa,  n.  em  Galizes  a  i  fev.  1762, 

f  solteira  em  Coianbra  a  17  fev.  1844. 

4  (X).  Sebastião  José  de  Carvallio  e  Melo  de  Brito  Barreto  da  Costa  e 

Castro,  n.  19  abr.  1764,  levantou  à  sua  custa  umu  companhia 
de  cavalos  na  última  guerra  com  Espanha.  Obteve  mercê 
régia  de  tratamento  de  Senhoria.    Faleceu  a  24  out.  i835. 

5  (X).  D.  Ana  de  Brito  e  Castro,  n.  em  Coimbra  a  19  mar.  1773,  e  -J- 

solteira  a  2  abr.  "1843. 

6  (X).  Dr.  António  de  Brito  e  Castro  de  Figueiredo  e  Melo  da  Costa, 

que  segue. 


X  c)  —  Dr.  António  de  Brito  e  Castro  de  Figueiredo  e  Melo  da  Costa, 

n.  em  Coimbra  a  2  ag.  1775,  foi  canonista,  fidalgo-cava- 
leiro  da  C.  K.,  e  deão  da  Sé  de  Coimbra,  apenas  ordenado 
de  menores.  Pelo  falecimento  de  seu  irmão  herdou  os 
importantes  vínculos  da  casa  de  seus  pais,  e,  renunciando 

0  deado,  casou  a  18  nov.  iSSg  c.  D.  Maria  Inês  de  Car- 
valho Daun  e  Lorena,  n.  17  fev.  1821,  filha  legítima  do 
conde  da  Redinha,  D.  Nuno  Gaspar  de  Carvalho  Daun  e 
Lorena,  neto  do  i."  marquês  de  Pombal.  Faleceu  a  7  jan. 
1848.     Teve: 

1  (XI).  D.  Maria  Vitória,  -J-  criança. 

2  (XI)  D.  Maria  Manuela  de  Brito  e  Castro,  que  segue. 

3  (XI).  D.  Maria  Francisca  de  Brito  e  Cistro,  f  criança. 

4  (XI).  Francisco  Xavier  de  Brito  e  Castro,  -f  criança. 


( iS-/)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

XI  c)  — D.  Maria  Manuela  de  Brito  e  Castro,  n.  9  mar.  1844,  casou 
a  3o  jan.  i8t3o  com  seu  tio  materno  D.  Luís  Maria  de  Car- 
valho Daun  e  Lorena,  n.  g  mai.  1828,  môço-íidalgo  da  C. 
R.,  par  do  reino.  Foram  agraciados  por  el-rei  D.  Luís  I, 
a  26  mai.  1886,  com  o  titulo  de  marqueses  de  Pomares. 


NOTA   IV 
DESCENDÊNCIA  DE  BRÁS  GARCIA  MASCARENHAS 


Tronco 

I)  —  Brás  Garcia  Mascarenhas,  n.  em  Avô  a  3  fev.  i5gb,  casou  na 
mesma  vila  a  19  fcv.  1645  com  D.  Maria  da  Costa  Fonseca. 
As  ascendências  de  um  e  outra  acham-se  descritas  nas  pre- 
cedentes Notas  genealógicas.     Tiveram  os  seguintes  filhos : 

1  (II).  Aniónio  Garcia  Mascarenhas,  b.  14  dez.  1645,  t  criança. 

2  (11).  Tomás  de  Aquino  Garcia  Mascarenhas,  b.  7  mar.  1647;  sendo  estu- 

dante do  1.0  ano  jurídico  na  Universidade  de  Coimbra,  ali  casou 
com  D.  Comba  da  Conceição  em  1Õ73,  e  veiu  falecer  a  Avô  a  g 
abr.  1674  sem  ger. 

3  (II).  D.  Isabel  da  Fonseca  Mascarenhas,  h.  3i  dez.  1C48,  7  solteira  a  8 

jan.  1676. 

4  (II).  D.  Quitéria  Garcia  Mascarenhas,  que  segue. 

5  (II).  Brás  Garcia  Mascarenhas  (2.°),  b.  22  mar.  i653,  ■f  solteiro  em  Avô 

a  25  nov.  1673. 

6  (II).  D.  Maria  Garcia  Mascarenhas,  b.  20  mui.  i655,  f  solteira  a  20  jul. 

1675. 

II) — D.  Quitéria  Garcia  Mascarenhas,  b.  29  jun.  iõ5i,  c,  com  grande 
desgosto  da  família,  ocultamente,  na  igreja  paroquial  de  Ga- 
lizes.  a  II  fev.  i<)77,  c.  seu  primo  Manuel  Garcia  Mascare- 
nhas, filho  ilegítimo  de  seu  tio  paterno  Matias  Garcia  {Nota 
geneal.  I,  iv  c"  9)  e  de  Ana  Duarte,  solteira,  de  Travanca- 
-de-Farinha-Pòdre,  filha  de  Joiío  Jorge  e  de  Maria  Duarte, 
lavradores  bem  reputados  e  estimados.     Teve: 

1  (III).  José  da  Costa  Mascarenhas,  primogénito,  que  segue. 

2  (III).  P.'"  Manuel  Garcia  Mascarenhas, b.  Sset.  1678,  ordenou-sc  em  \ji5- 

-1717,  depois  da  morte  do  P.'^  Brás,  seu  irmão  mais  novo,  consti- 
tuindo o  seu  património  eclesiástico,  por  escritura  de  3  mar.  1717, 
nos  bens  que  herdara  do  mesmo  P.«  Brás.    Faleceu  a  2  nov.  1741, 


(184)  Brás  Garcia  óMúiscaren/ms 

iiistiluinJo  seu  hcrJciro  o  sobrinho  Brás,  filho  de  seu  irmão  José 
da  Costa.  '•* 

3  (III).  P.^  Brás  Garcia  Mascarenhas  (3.°),  b.  9  fev.  1680,  viveu  desde  1701 

em  Espinhei,  na  companhia  de  seu  tio  reitor,  o  L ^o  Matias  Qua- 
resma da  Fonseca  {Nota  geneal.  III,  v  b  8),  OrJenou-se  de  me- 
nores em  I702  e  de  sacras  em  lyto,  sendo  o  seu  património  ecle- 
siástico constituído  em  bens,  que  para  este  efeito  lhe  foram  doados, 
em  escritura  de  2  dez.  1705,  por  sua  tia  D.  Susatia  Manuel  da  Costa 
(Nota  geneal.  III,  v  6  6).  Foi  cura  de  Oiã  desde  junho  de  i7'0 
até  que  faleceu  nesta  sua  freguesia  a  12  mar.  1714.  Instituiu  uni- 
versal heideiro  seu  irmão  Manuel. 

4  (III).  D.  Maria  Garcia  Mascarenhas,  h.  7  mar.  iG85,  y  solteira. 

III)  —  José  da  Costa  Mascarenhas,  n.  cerca  do  ajio  de  1676,  c.   i3 

jan.  1Ò97  em  Avô  com  D.  Joana  Gomes  de  Miranda,  b.  em 
Miranda  do  Corvo  a  10  jul.  16G0  (7  era  Avô  22  jun.  lyBi), 
filha  do  capiiao  João  Velho  de  Miranda  e  de  sua  mulher 
D.  Antónia  Gomes,  da  dita  vila  de  Miranda,  e  irmã  do  vi- 
gário de  Avô,  Luís  V^elho  de  Miranda,  cuja  paroquialidade  se 
estendeu  desde  a  posse  a  17  jul.  1672  até  19  out.  1705.  Ti- 
veram um  imico  filho, 

IV)  —  Brás  Garcia  Mascarenhas  (4."),  baptizado  em  casa,  recebeu  os 

santos  óleos  a  o  maio  1702.  Casou  em  Avô  a  g  fev.  1736 
com  sua  parer.ta  D.  ralaria  da  Costa  de  Mesquita  {Nota  ge- 
neal. II,  vii  c"  3).     Faleceu  a  24  nov.  1771.     Teve: 

1  (V).  D.  Quitcria  Angélica  de  Mesquita  Mascarenhas,  b.  29  nov.  173b, 

■f  solteira  a  24  mar.  iSco. 

2  (V).  D.  Mariana  de  Mesquita,  b.  28  mai.  1738,  7  solteira  a  19  abr.  1798. 

3  (V).  Brás  Garcia  Mascarenhas  (5.°),  b.  14  dez.  1739,  f  criança. 

4  (V).  José  Garcia  Mascarer.has,  h.   ló   jan.  1742,  •{•  solteiro,   de   pouca 

idade. 

5  (V).  D.  Josefa  de  Mesquita  Mascarenhas,  n.  7,  b    i3  jan.  1744,  f'3  fev. 

1793. 

6  (V).  D.  Mr.ria  Garcia  Mascarenhas,  n.  21  jan.,  b.  1  fev.  1745.  7  solteira 

a  iS  jul.  1759. 

7  (V).  LÀo  Brás  Garcia  Mascarenhas  lõ  •'),  n   G,  b.  i3  abr.  174^,  matricu- 

lou-se  n,i  Universidade  em  1762,  ordenou  se  in  minoribus  em  1763, 
recebeu  o  grau  de  bacharel  em  Cânones  a  4  jun.  1767,  formou-se 
a  19  jun.  176S,  -f  soltí.iro  em  Avô  a  i5  dez.  1771. 

8  (V).  D.  Joana  .\'argarida  de  Mesquita  Mascarenhas,  que  segue. 

9  (V).  D.  Antónia  de  Mesquita  Mascarenhas,  n.  i3,  b.  19  jún.  1752,  f  sol- 

teira a  9  nov.  1799. 


7^0 ta  IV —  Descendência  do  poeta  (i85) 

10  (V).  D.  Tomásia  Garcia  Mascarenhas,  n.  28  jul.,  b.  3  ag.  1754,  7  sol- 

teira em  i838. 

11  (V).  Tomás  Caeiano   Garcia  Mascarenhas,  n.   28  nov.,  b.  4  dez.  lySó- 

Foi  sargento-mór  da  capitania-mór  de  Avô,  segundo  se  vê  na 
Lista  militar  dos  oficiais  do  exército  de  Portugal,  referida  a 
I  ag.  i83o,  a  pág.  264.  Faleceu  solteiro.  Teve  em  Avô,  de  uma 
mulher  solteira  de  nome  Micaela  da  Costa  Ramos,  os  seguintes 
filhos : 

1  (VI).  Tomás  Joaquim  Garcia  Mascarenhas,  boticário  com  cariíi  profissional  pas- 

sada em  Lisboa  a  10  tbr.  1823. 

2  (VI).  Henrique  Garcia  MascareuliaSj  que  morreu  assassinado  a  11  fev.  18.41. 
^                                     :H  (VI).  Matilde  Garcia  Maicareiíhas,  b.  i(i  out.  iSo5,  que  morreu  nova. 

V)  —  D.  Joana  Margarida  de  Mesquita  Mascarenhas,  n.  27  abr.,  b.  4 

mai.  1750,  c.  5  jun.  1789  c. -António  da  Gama  e  Gouveia  de 
Abreu  Leitão,  rico  proprietário  do  lugar  da  Cortiça,  freguesia 
de  S.  Martinlio  da  Cortiça  (b.  17  set.  1733,  -|-  26  jan.  1770), 
filho  de  António  da  Gama  e  Gouveia,  do  lugar  da  Urgueira 
na  mesma  freguesia  (o  qual  era  irmão  do  Dr.  Manuel  da 
Gama  e  Gouveia,  abade  sem  cura  de  almas  de  S.  João  de 
Campos,  comarca  de  Valença,  e  tinha  mais  duas  irmãs  reli- 
giosas no  convento  de  Celas  de  Coimbra),  e  de  sua  mulher 
D.  Maria  Nunes  Leitão,  do  Casal-do-Fundo,  freguesia  de 
S.  Miguel  de-Riode-Moinhos,  hoje  concelho  de  Sátão;  neto 
paterno  de  Manuel  da  Gama  e  de  Domingas  Martins,  da 
Urgueira,  e  materno  de  Inocêncio  Leitão,  do  dito  Casaldo- 
-Fundo,  e  de  sua  i.'"-  mulher  Maria  Nunes,  da  Abrunhosa,  fre- 
guesia de  Vila-Bôa,  hoje  concelho  de  Sátão.  O  noivo  era  já 
viúvo  de  Teodora  Brandão,  filha  de  Francisco  Brandão,  do 
Carapinha],  e  de  sua  mulher  Antónia  Jorge,  da  Carvalheira, 
tendo-se  realizado  o  casamento  de  i.'"  núpcias  a  23  abr.  1761. 
Teve  a  D.  Joana  Margarida,  filho  único, 

VI)  —  Brás  Garcia  Mascarenhas  (7."),  n.  em  Avô  a  23  mar.,  b.  3  abr. 

1790  (y  3  set.  I  ~3'S).  Casou  no  Casal-do-Fundo,  freguesia 
de  Rio-de-Moinhos,  a  25  abr.  1816,  com  D.  Maria  Albina  de 
Lucena  Cardoso,  filha  de  João  Pedro  Soares  do  Amaral  e  de 
D.  Maria  Bernarda  de  Lucena  Cardoso,  de  Sarrazela,  fre- 
guesia de  S.  Pedro  de  Mioma  (hoje  de  Vila-de-Igreja),  a 
qual  D.  Maria  Albina  -J-  3  set.  i838.  Tiveram  no  Casal-do- 
Fundo  os  filhos  seguintes,  todos  baptizados  na  igreja  paro- 
quial de  Rio-de-Moinhos: 
i  (VII).  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  que  segue  (VII  íi). 


(i86)  'Brás  Garcia  ^Mascarenhas 

1  (VII).  José  Maria  de  Mesquita  Mascarenhas,  que  segue  (Vil  b). 

3  (VII).  D.  Maria  Amália   Garcia  Mascarenhas,  n.   24  m;ir.,  b.  27  abr- 


Ramo  ti) 

VII  í:)  — Tomás  Garcia  Mascarenhas,  n.  3o  nov.,  b.  i5  dez.  1818,  c. 
14  jun.  1839  em  Sarrazela  com  D.  Maria  dos  Prazeres  do 
Amaral,  n.  em  1818,  filha  de  Joaquim  Lopes  do  Amaral 
e  de  D.  Libânia  Peregrina.  Residiu,  ora  na  sua  casa  do 
Casal-do-Fundo,  ora  na  de  sua  mulher  em  Sarrazela  ; 
mais  tarde  porém,  depois  que  os  bens  do  vínculo  da  casa 
de  Avô,  por  morte  do  irmão  de  sua  avó  Tomás  Caetano 
(supra  IV,  11)  sem  descendência  legítima,  passaram  para 
■  a  linha  feminina,  de  que  êle  era  agora  o  representante, 
mudou  definitivamente  a  residência  para  a  sua  casa  de 
Avô,  onde  faleceu  a  7  fev.  i8q5,  e  sua  mulher  a  3  nov. 
1896.     Tiveram: 

1  (VIII).  Joaquim  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  n.  5,  b.  25  mar.  1840 

em  Vila-dc-Igreja,  c.  27  fev.  i858  c.  D.  Maria  Máxima  de 
Oliveira,  de  Côja,  n.  21  set.  1839,  filha  legítima  de  José 
Joaquim  Marques  de  Oliveira,  vulgarmente  conhecido  pela 
alcunha  de  «Boi  de  Coja».  Faleceu  em  Loures,  subúrbio 
de  Lisboa,  a  3  jun.  1890,  vivendo  ainda  a  viúva  em  Avô. 
Não  tiveram  filhos. 

2  (VIII).  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  n.  i5  abr.,  b.  8  mai.  1842  em 

Rio-de-Moinhos,  f  ainda  criança. 

3  (VIII).  João  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  n.  20  jan.,  b.  4  fev.  1844 

em  Vila-de-Igreja,  c.  em  i."  núpcias  na  igreja  de  S.  Fran- 
cisco de  Paula  (Lisboa)  c.  D.  Ana  Rodrigues  Jorge,  de  Avô. 
Viveu  na  freguesia  dos  Olivais  (Lisboa),  com  os  seguintes 
filhos,  todos  havidos  do  1.°  matrimónio: 

1  (K).  D.  Ana  Garcia  Mascarenhas,  n.  i3  mai. 

2  (IX).  D.  Aline  Garcia  Mascarenhas^  n.  em  i88 

3  (IX).  Alberto  Garcia  Mascarenhas,  n.  em  i883 

4  (IX).  D.  Atirelina  Garcia  Mascarenhas,  n.  em 

5  (IX).  D.  Elisa  Garcia  Mascarenhas,  n.  i  jun.  i8go. 

4  (VIII).  Francisco  Garcia  Mascarenhas,  n.  26  nov.,  b.  23  dez.  1845 

em  Rio-de-Moinhos,  c.  em  Avô,  onde  vive  na  casa  que  foi 
sempre  o  solar  dos  Garcias  Mascarenhas  desta  vila,  com 
D.  Maria  Lúcia  Lobo,  a  16  nov.  1908,  e  tem  um  filho 
único 

—  (IX).  Tomás  Brás  Garcia  Mascarenhas,  n.  em  Avô  em  189Õ. 


U^ota  IV — ^Descendência  do  poeta  ('^l) 

i  (VIU;.  Amónio  Garcia  Mascarenhas,  n.  i  abr ,  b.  4  mai.  184S  em 
Rio-de-Moinhos,  c.  na  freguesia  de  Decermilo  (Sátão)  a  14 
ag.  1888  c.  D.  Maria  do  Carmo  de  Almeida  Pais,  viúva  de 
Francisco  de  Almeida,  de  Travasso,  freguesia  de  Santa  Ma- 
rinha-de -Barreiros,  concelho  de  Viseu,  sendo  ela  filha  de 
António  Maria  de  Almeida  Pais,  e  de  D.  Maria  Augusta  de 
S.  Bento.    Teem  os  seguintes  filhos: 

1  (IX)   D.  Mariii  Atigelina  Garcia  Mascarenhas,  n.  19  fev.  1890  ; 

3  (IX).  D.  Augusta  dos  Prazeres  Garcia  Mascarenhas,  n.  21  dei,  1891  ; 

3  (IX).  D.  Maria  do  Ceii  Garcia  Mascarenhas,  n.  i3  fcv.  iS^tJ; 

4  (IX).  D.  Albertina  Garcia  Mascarenhas,  n.  4  jun.  iSgS; 

5  (IX).  Abel  Garcia  Mascarenhas,  n.  25  ag.  1S99; 

6  (IX).  D.  Palmira  Garcia  Mascarenhas,  n.  2  jun.  1901. 

6  (VIIIi.  D.  Elisa  Garcia  Mascarenhas,  n.  ló  jul ,  b.  5  ag.  i85o  em 

Vila-de-Igreja,  7  criança. 

7  (VIII).  Luís  Au  ff  listo  Garcia  Mascarenhas,  n.  i3  mai.  i85i,  f  sol- 

teiro em  Avô.  Teve  de  Prudência  Augusta,  mulher  sol- 
teira, de  Travanca-de-Lagos,  dois  filhos  nascidos  e  bapti- 
zados nesta  freguesia : 

1  (IX).  Ivo  Garcia  ^íilscarenhas,  11.  17  julho  1889; 

2  (IX).  Gilberto  Garcia  Mascarenhas,  11.  2?  mar.  i8j2. 


Ramo  If) 

VII  í»)  —  José  Maria  de  Mesquita  Garcia  Mascarenhas,  n.  4,  b.   i5  ag. 

1821,  casou  a  8  abr.  18^5  na  freguesia  de  Rio-de-Moinhos 
com  D.  Ventura  de  Jesus  de  Almeida  Souto-Maior,  n.  em 
1818  na  vila  de  S.  Vicente-da-Beira,  filha  de  Amónio  Car- 
doso de  Almeida  Souto-Maior,  natural  de  Crestelo,  fre- 
guesia de  Povolide,  e  de  D.  Ana  Cândida  Osório  da  Fon- 
seca, natural  da  vila  de  Miusela-da-Raia.     Tiveram: 

1  (VIU).  D.  Constança  Garcia  de  Mesquita  Mascarenhas,  que  segue. 

2  (VIII)   António  Garcia  de  Mesquita  Mascarenhas,  n.   2?  out.,  b.   lõ 

nov.  1846,  -f  16  dez.  1909. 

VIII  b)  —  D.  Constança  Garcia  de  Mesquita  Mascareniias,  n.  6  dez.  1845, 

b.  2  1  jan.  1846,  c.  em  Rio-de-Moinhos  a  3  jun.  18G8  com 

0  Dr.  Luís  Xavier  do  Amaral  Carvalho,  filho  de  Bento 
José  de  Carvalho,  de  Rio-de-Moinhos,  e  de  D.  Maria 
Delfina,  de  Mioma.     Tiveram  : 

1  (IX).  D.  Júlia  Xavier  de  Carvalho  Mascarenhas,  n.  5  mar.  1869,  c. 

7  ag.  1892  c.  o  Dr.  Francisco  Soares  de  Albergaria,  da  fre- 


(iS8)  Uras  Garcia  ^Mascarenhas 

guesia  de  Silvã-de-Cima  (Sátão),  juiz  de  Direito,  f  em  igiS, 
filho  de   Lino  Soares   de  Albergaria,   de   Cabanas,   e  de 
D.  Emília  Eduarda  Castro  Borges,  de  Viseu.    Sem  ger. 
3  (IX).  D.  Leonor  Xavier  GarcLi  Mascarenhas,  que  segue. 

IX  ^)  — D.  Leonor  Xavier  Garcia  Mascarenhas,  n.  i6  jan.  1870,  c.  em 

Rio-de-Moinhos  a  10  abr.  1902  c.  António  Cardoso  de  Me- 
neses, da  freguesia  da  Insua,  concelho  de  Penalva-do-Cas- 
telo,  filho  do  Dr.  José  Cardoso  de  Meneses,  e  de  D.  Maria 
Henriqueta  de  Meneses,  da  Insua.  E  professor  e  director 
da   Escola  Nacional  de  Agricultura  de  Coimbra.      Teem: 

i  (X).  D.  Maria  Leonor  Garcia  Mascarenhas,  n.  19  mar.  igoS. 

2  (X),  D.  Maria  José  Garcia  Mascarenhas,  n.  2  jul.  1904. 

3  (X).  José  Garcia  Mascarenhas,  que  segue. 

X  b)  —  José  Garcia  Mascarenhas,  n.  2  abr.  1906,  é  estudante  de  pre- 

paratórios em  Coimbra. 


ESQUEMAS   GENEALÓGICOS 


ESQUEMAS  GENEALÓGICOS 


Este  3.°  Apêndice  ao  nosso  estudo  de  investigação  histórica  é  con- 
stituído por  quatro  índices  simplificados  das  genealogias  que  fa^ent 
objecto  das  quatro  precedentes  Notas  genealógicas.  Neles  se.encon- 
tram  as  principais  linhas,  como  que  o  esqueleto,  das  árvores  genealó- 
gicas da  família  Garcia-Mascarenhas,  e  das  suas  afins  Madeira- 
-Arrais,  e  Madeira-da-Costa.  Denominamo-los  Esquemas  genealó- 
gicos. 

A  primitiva  forma,  que  lhes  demos,  era  muito  mais  complexa. 
Abrangiam  iodos  os  ramos  colaterais,  e  todos  os  nomes  que  figuram 
nas  referidas  Notas.  Quando  porém  se  tratou  da  sua  composição 
tipográfica,  reconhecemos  as  enormes  dificuldades,  algumas  quase  in- 
superáveis, que  se  deparavam.  J'erificámos  também  que  a  sua  com- 
plexidade prejudicava  a  clareia;  em  nada  contribuíam  para  facilitar 
a  compreensão  e  estudo  das  Notas  genealógicas.  Resolvemos  por 
isso  simplificá-los,  redu\indo-os  às  linhas  principais.  Assim  vão  ser 
dados  á  estampa;  e  ficam  explicadas  as  discrepâncias  que  se  notam 
no  decorrer  da  obra,  entre  as  citações  que  se  referem  ao  primitivo 
manuscrito,  e  os  Esquemas  genealógicos,  tais  como  saem  publicados. 
Desta  incorrecção  pedimos  desculpa  ao  leitor. 


Quinta-do-Montalegre  fOlivcirado- 
•Hospital),  3i  de  agosto  de  ig2i. 


A.  DE  ^'asconcelos. 


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ESQUEMA  GENEALÓGICO  I  (continuação) 

Ramo  primário  a) 


fi93J 


Marcos  Garcia  Mascarenhas  (3.°) 


António  Garcia 


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Ramos  secundários 


V  Domingos  Garcia 


VI  Marcos  Garcia  Mascarenhas 


VII  Dr.  João  de  Elvas  Mascare- 
nhas 


VIJl  Lius  de  Elvas  Mascarenhas 


IX  João  de  Elvas  Mascítrenha 


X  Luís  de  Elvas  Mascarenhas 


Xi  D.  Maria  do  Patrocínio  de 
Elvas  Mascarenhas 


XII  D.    Leopoldina    de    Elvas 
Mascarenhas  Toscano 


Manuel  Garcia  Mascarenha 


i. 


Ramos  terciários 


A 


D.  Antónia  Godinho  Masca- 
renhas 


*  Ramos  quat.os  **  \ 


Inácio    de  Magalhães   Cas- 
telo-Branco 


Manuel  Carlos  de  Magalhães 
Castelo-Branco  e  Vascon- 


Inácio  de  Magalhães  Pinto 
de  Sousa  Ferrão  Castelo- 
Branco 


D.  Maria  Máxima  Pinto  Boto 
de  Csstelo-Branco 


D.  Maria  Carlota  Vieira  de 
Tovar  Pinto  de  Magalhães 


António  Vieira  de  Tovar  de 
Magalhães  e  Albuquerque 


D.  Josefa  de  Magalhães  Cas- 
telo-Branco 


[.uís  de  Abreu  Magalhães 


I 

Roque  de  Abreu  MagalliÊ 


D.  Perpétua  Margarida  de 
Abreu  Magalhães 


Francisco   de  Paula  Maga- 
lhães Figueiredo 


Francisco  de  Paula  de  Fi- 
gueiredo Moura  Portugal 


D.  Maria  da  Mota  Godinho 
Mascarenhas 


D.  Antónia  Pinto  da  Mota 


D.  Maria  Angélica  Pinto  de 
Sousa  Cabral 


D,  Flortncia  Jacinta  de  Le- 
mos e  Nápoles 


D.  Maria  Benedita  Metelo 


D  Maria  Miquelina  Metelo 
Pacheco  de  Lemos  e  Ná- 
poles 


Francisco  Cabral  Metelo  Pa- 
checo de  Lemos  e  Nápoles 
Manuel 


Francisco  Garcia  Mascare- 


l  ,    Ramos  terc.os    „  [ 


D.  Maria  Garcia  Coelho 


Manuel  Garcia  Marques 


D.  Francisca  Bernarda  Gar- 
cia Ribeiro 


João  Garcia  Ribeiro 


Serafim  Garcia  Ribeiro 


D.  Maria  do  Carmo  Cândida 
Garcia  Ribeiro  de  Vascon- 
celos 


António  Maria  Ribeiro  de 
Abreu  e  Vasconcelos 


Manuel  C  ãbral  Mascarenhas 


António  de  Sequeira  Boto 
Machado 


Leonardo  Boto  Machado 


D.  Maria  Cândida  Boto  Ma- 
chado Pinto,  c.  c.  José 
Joaquim  de  Abranches 

(Segue  no  ramo  *",,  xiV 


""I 

Dr.  Simão  Garcia  Mascare- 
"nhas 

i 

D.   Maria    Josefa    Mascare- 


Manuel  de  Loureiro  e  Vas- 
conce'os 

i         ^ 

D.  Maria  \'itória  de  Vas- 
concelos Loureiro  e  Me- 
neses 


Francisco  de  Paula  de  Al- 
buquerque do  Amaral  Car* 
doso 


António  José  de  Albuquer 
qu:-  do  Amaral  CardoíO 


Ramos  terciários 


D.  Rita  de  Bourbon  Silv 
Albuquerque 


D.    Maria    Amália    Freire 
Cortês  de  Albuquerque 


António  de  Albuquerque  do 
Anierat  Cardoso 


j  *  Ramos  quat.os  **  j 

António  de  Albuquerque  do    Luís    de    Albuquerque    do 
~  Amaral  Cardoso  Amaral  Cardoso 


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('97) 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  I  (continuação) 


Ramo  primário  c) 

Ana  Marques 


IV    Brites  Marques 


Ramos  secundários  "  i 

Marcos  Garcia 


,  y       Ramos  terciários    ,,  ; 

V    Maiiuel  de  Afcitscca  da  Costa  >  Simão  de  Afonscca  da  Costa 


VI    António  de   tirito  da  Costa,  sol- 
dado da  companliia  dos  leões 
1 


VII    Manuel  de  Brito  Ribeiío  de  Fi- 
gueiredo 


VIII    João  de  Brito  Ribeiro  de  Figuei- 
redo 


IX    Manuel  António  de  Bri'o  Mndeira 
de  Figueiredo 


D.  Ana  da  Cunha  da  Costa 


Luís  Vasqucs  da  Cunha  e  Melo 


Bernardo  da  Cunha  e  Melo 


D.  Ana  da  Cunha  e  Melo 


Brás  Garcia  Mascarenhas,  c. 

c.  D.  Maria  da  Costa  Fonseca 


iSí'gue  no  Esquema  IVj 


('9?) 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  I  (continuação) 
Ramo  primárío  d) 

Maria  Marques 
_ 

Belchior  Francisco 


i' 


V    D.  Apolónia  de  Abranches 


Ramos  secundários  *'  j 

D.  Ana  Francisca  de  Abranches 


VI    D.  Isabel  de  Abranches 


VII    João  da  Costa  brandão  Nunes 


VIJl    José  Caetano  da  Costa  Brandão 


IX    António  José  da  Costa  Brandão  Brito  de  Mes- 
quita Vaz  Velho  Castel-Branco 

_ 

X    Dr.  Sebastião  Carlos  da  Costa  Brandão  c  Albu- 
querque íi.'*  Vi<iconde  do  Ervedal-da-Beira) 

_ 

XI    Sebastião   de  Albuquerque  Pinto  Tavares  (  .* 
Visconde  do  Ervedal-da-15eira> 


1 


XII     Sebastião  de  Albuquerque 


António  de  Abranches  Pinto 


1 


D.  Antónia  de  Abranches  Pinto  de  figueiredo 


I 


João  da  Maia  da  Gama 


D.  Mariana  Teresa  da  Maia  da  Gama  Abranches 
Tinto  de  Figueiredo  Morgado 


Francisco  da  Maia  e  Gama  Abranches  Pinto  de 
Figueiredo 


Francisco  Maria  da  Maia  c  Ga 


D.  Maria  Bárbora  da  Maia  e  Gama 


Augusto  da  Maia  e  Gama  Henriques 


(201 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  II 
FAMÍLIA    MATERNA    DO    POETA 


Troncos 

Henrique  Madeira  Arrais ^e 

i  a       Ramos      b  \      primários     c  j 


irmão    Simão  Madeira 


II    D.     Catarina     Madeira 
Arrais 


III  1>.  Maria  Madeira  Ar- 

rais c.  c.  Fernão  Gil 
da  Cosia 

(Segue  no  Esquema  III, 

IV  '"'' 


Henrique  Madeira 


I 
Domingos  Fernandes 


Isabel  Nunes  de  Men- 
donça c.  c.  Simão  Ma- 
deira da  Costa 

1  fSe^ue  no  Esquema  III, 
1  aj 


Jácome  Madeira 


Ve:  ónica  Nunes  . 


I     R.  secund.os    j  " 


Brás  Garcia  Mascare- 
nhas, c.  c.  1).  Maria 
da  Costa  Fonseca 

iSegue  lio  Esquema  IVj 


Felipe  Madeira 


Maria  de  .\U'squita 


i 

Felipe 

Madeira 

de 

Mesquita 

1 

José  da 

Cosia  de  Mes- 

quita 

\ 

Felipe 

M.ideira 

da 

Costa 

Mesquita 

1 

1)   iVarí 

1  df  Costa 

i        - 

Manuel 

Nunes 

da 

Costa 

; 

Francisco  Madeira 

da 

Costa 

de  Mesqu 

ta 

D.  Joaquina  Máxima 
da  Costa  de  Mes- 
quita  


António  da  Costa  de 
Mesquita 


(303) 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  III 

FAMÍLIA    DE    D.    MARIA    DA    COSTA, 
MULHER    DO    POETA 

Tronco 

André  Quaresma 


Branca  Quaresma 


Fernão  Gil  da  Costa  c. 
c.  l).  Maria  Madeira  Arrais 


Gaspnr  Dias  da  Costa 


1^ 


Ramos  primários 


i* 


Simão  Madeira  da  Costa 
c.  c.  Isabel  N.  de  M.ca 


D.    Maria    Jãcome    de 
Mendonça 


Alexandre    de    Figuei- 
redo Jácnme 


Dr.  Bernardo  Duarte  de 
Figueiredo 


Alexandre  José  de  Fi- 
gueiredo e  Melo  Car- 
doso 


D.    Maria    Madc 
Costa 


D.Maria  da  Costa  Fon- 
seca, mulher  do  poeta 

/Segue  no  Esquema  IVj 


I '        Ramos       "  ],     secundários  '"  j 


António  de  Fifíuriredo 
Miranda  Brandão  Cas 
telo-Branco 


D.  Francisca  de  Figuei- 
redo Godinho  Soares 
de  Albergaria 


Augusto  Soares  de  Al- 
bergaria Cabral 


Francisco  de  Figueiredo 
Cardoso  e  Melo 


D.  Ana  Sancha  Madeira 
de  Abreu  Tovar  e  Al- 
buquerque  


Bernardo    Madeira    de 
Abreu  da  Gama 


D.  Casimira  Cândida  de 
I-  igueiredo  Cardoso  e 
Melo 


Alexandre  de  Figueiredo 
da  Costa  Soares  de 
Albergaria  e  Melo 


Arnaldo    Juzarte   Faro 
de  1'igueiredo 


António   Madeira    da 
Costa 


Manuel   de  Brito  Bar- 
reto 


Bento     Madeira      de 
Castro 


Manuel  de  Brito  Bar- 
reto de  Castro 


Francisco  Xavier  de 
ririto  Barreto  da 
Costa  e  Castro 


Dr.  António  de  Brito 
e  Castro  de  Figuei- 
redo e  Melo  da  Costa 


).  Maria  Manuela  de 
Brito  e  Castro  (Mar- 
quesa de  Pomares) 


ESQUEMA  GENEALÓGICO  IV 

DESCENDÊNCIA    DO    POETA 

Tronco 


(205) 


Brás  Garcia  Mascarenhas  (i.°| 
c.  c.  D.  Maria  da  Costa  Fonseca 


i 


D.  Quiléria  Garcia  Mascarenhas 


i 


José  da  Costa  Mascarenhas 


Brás  Garcia  Mascarenhas  (-1.°) 


i 


D.  Joana  Mnrgarida  de  Mesquita  Mascarenhas 
Brás  Garcia  Mascarenhas  (7.") 


la 


Ramos  primários 


Tomás    Garcia 
Mascarenhas 


i  '    Ramos   "  j      secun-    '"  i      dários  ""  l 


bi 


Vni  João  Tomás  Gar- 
cia Mascarenhas 


IX    Alberto       Garcia 
Mascarenhas 


Francisco    Garcia 
Mascarenhas 


António      Garcia 
Mascarenhas 


lomis  Brás  Gar-  ]  Ab<-I  Garcia  Mas- 
cia  Mascareiílias  :      carenhas 


Luís  Augusto  Gar- 
cia Mascarenhas 


Ivo  Garcia  Masca- 
renhas 


José  Maria  de  Mes- 
quita Garcia  Mas- 
carenhas 


D.  Constança  Gar- 
cia de  Mesquita 
Mascarenhas 


D  Leonor  Xavier 
Garcia  Mascare- 
nlias 


José  Garcia  Masca- 
renhas 


ÍNDICES 


I  —  índice  geral  dos  capítulos,  etc. 


Pâg. 

Prólogo 5 

PRIMEIRA  PARTE  —  Estudo  de  investigação  Iiistórica 

Cap.      I  —  Família  de  Marcos  Garcia,  de  Avô 9 

•  II  — Nascimento,  infância  e  juventude  de  Brás  Garcia  Mascarenhas  .  .  20 

»       III  —  Prisão  e  fuga  do  poeta 35 

»       IV  —  Homizio  e  regresso  à  pátria 64 

»        V  —  O  poeta-fidalgo  do  Avô 104 

»      VI  —  Capitão  e  governador 189 

B     VII  —  O  poetn-patriota  de  Avô 263 

»    VIU  —  No  declinar  da  vida 327 

»       IX — Factos  póstumos 349 

.      SEGUNDA  PARTE  —  Estudo  crítico-literário 

Advertência 378 

O  «Viriato  Trágico» 379 

APÊNDICES 

a)  —  Documentos (l) 

b)  —  Notas  genealógicas (97) 

Nota    I  —  Família  paterna  de  Brás  Garcia  Mascarenhas (99) 

»       II —Família  materna  de  Brás  Garcia  Mascarenhas ('6') 

»     III  —  Família  de  D.  Maria  da  Costa  Fonseca,  mulher  do  poeta.  .  (169) 

»     IV  —  Descendência  do  poeta (i83) 

c)  Esquemas  genealógicos (189) 


II  —  índice  das  estampas 


pág. 

1  — Brasão  de  armas  dos  Garcias-Mascarenhas,  de  Folhadosa ii 

2  —  Brasão  de  armas  dos  Madeiras-Arrais,  de  Avô 17 

3  —  Flauta  do  largo  da  Portagem  (Coimbra)  e  suas  vizinhanças,  com  indica- 

ção da  cadeia,  e  do  caminho  seguido  por  Brás  Garcia  quando  se  evadiu       47 

4  —  Lado  S.-O.  do  largo  da  Portagem,  que  ficava  fronteiío  às  janelas  da  ca- 

deia         48 

5 —  l'anorama  de  Coimbra,  desenhado  do  natural  antes  de  1837,  onde  se  vê 
a  antiga  ponte  sobre  o  Mondego,  a  torre  com  o  arco  que  a  rematava, 
e  a  cadeia  da  Portagem 49 

6  —  Parte  duma  planta  topográfica,  desenhada  em  1845,  compreendendo  a 

antiga  ponte  de  Coimbra  com  o  O  e  respectivas  rampas,  e  as  ínsuas 

da  margem  esquerda  do  iVIondego,  por  onde  o  poeta  se  evadiu  ....       54 

7  —  Primeira  página  duma  caita  doutoral,  passada  em  1794  pela  Universi- 

dade italiana  de  Macerata Sg 

8  —  Vista  da  vila  de  Avô  e  cercanias,  tirada  da  encosta  do  Norte 74 

9  —  Arco  de' entrada,  único  resto  que  hoje  subsisiste,  do  castelo  de  Avô  .  .       7S 

10  —  Vista  da  vila  de  Avô  e  cercanias,  tirada  do  arrabalde  a  O. -S.-O 77 

11  —  Ruínas  do  castelo  de  Avô  em  1871 78 

12  —  O  que  resta  do  castelo  de  Avô  na  actualidade  (campus  tibi  Trota  fuitlj  79 

i3  —  Pelourinho  e  casa  da  Câmara  do  extinto  município  de  Avô 102 

14  —  Porta  principal  da  casa  de  Marcos  Garcia,  voltada  a  S 110 

i5  —  Casa  de  Marcos  Garcia  vista  de  N.-E iii 

16  —  Mapa  corográfico,  abrangendo  a  maior  parte  da  antiga  província  da  Beira 

e  um  canto  da  Estremadura i3o 

17  —  Cabeça  romana  de  mármore,  encontrada  na  Bobadela 144 

18  —  Arco  romano  da  Bobadela « 

19  —  Inscrição  romana  da  Bobadela 145 

20  —  Verga  duma  janela  com  decoração  manuelina,  existente  na  Bobadela.  .  146 

21  — Vista  do  lago  do  Pego,  em  Avô  (lado  S.-E),  destacando  à  esquerda  a 

ponte  sobre  o  Alva,  e  à  direita  a  casa  dos  Garcias-Mascarenhas  ...     i56 

22  —  Vista  do  lago  do  Pego,  em  Avô  (lado  S.-O.),  notando-se  à  esquerda  a 

casa  dos  Garcias-Mascarenhas,  ao  centro  a  ponte  sobre  o  Moura,  à 
direita  os  dois  ciprestes  do  jardim  do  poeta  e  as  duas  capelas  contí- 
guas, de  Santo  António  e  de  S.  Brás i58 


índices  (2 1 1) 

Pig. 

23  —  Recanto  formado  pelas  capelas  de  Siinto  Amónio  e  S.  Brás,  vendo-se  a 

entrada  desta iSg 

24  —  Altar  e  imagem  da  capela  de  S.  Brás  (em  ruínas) 160 

25  —  Presbitério  de  Travanca-de-Farinha-Põdre :  —  celeiro  e  adega,  e  ruínas 

da  casa  do  cura i8i 

26  —  Presbitério  de  Travanca-de-Farinha-Pòdre:  —  ângulo  N.-O.  da  adega  e 

casa  do  cura, —  achando-se  o  lado  ocidental  todo  coberto  de  heras.  .  181 

27  —  Retrato  de  D.  João  IV 202 

28  —  Mapa  corográfico  da  região  fronteiriça  portuguesa  e  espanhola,  entre 

Douro  e  Tejo 208 

29 — Castelo  do  Sabugal,  visto  da  margem  esquerda  do  Côa 217 

3o — Planta  da  fortaleza  de  Alfaiates 221 

3i  —  Torre  quinaria  do  castelo  do  Sabugal 256 

32  —  Retrato  (deturpado)  de  Brás  Garcia  Mascarenhas 3io 

33  —  O  castelo  de  Avô  (ampliação  de  um  cliché  de  1871) 33i 

34  —  Frontispício  da  edição /T/iicí/JS  do  Viriato  Tkac.ico 368 


lil  —  índice  dos  fac-símiles  de  documentos 


1  —  Assento  do  baptismo  cie  Mnrcos  Garcia,  pai  de  Brás  (1564) 12 

2  —  Assento  do  baptismo  de  Helena  Madeira,  mãe  do  poetii  {i568) i3 

3  —  Assento  do  casamento  de  Marcos  Garcia  com  Helena  Madeira  (i5yi)  .    14-15 
4 —  Assento  do  óbito  de  António  Alves  de  Abranches,  avô  paterno  do  poeta   ' 

(iSgS) 66 

5  —  Assento  do  baptismo  de  Brás  Garcia  Mascarenhas  (iSgô) 21 

6  —  Final  dum  instrumento  de  posse,  lavrado  pelo  tabelião  Felipe  Madeira, 

tio  materno  do  poeta  fi6o5) 120 

7  —  Assento   do  baptismo   de  D.  Maria  da  Costa  Fonseca,  mulher  de  Brás 

{1618) 32 

8  —  Assento  do  óbito  de  Ana  Marques,  avó  paterna  do  poeta  (1619) 66 

9  —  Princípio  de  um  depoimento  de  Guspai-  Dias  da  Costa,  padrinho  do  poeta 

e  avô  materno  da  mulher  deste,  em  que  o  depoente  declara  a  sua  pro- 
fissão de  mercador  (1624) 122 

10  —  Princípio  de  um  requerimento  autógrafo   de  Francisco  Garcia,  o  mais 

novo  dos  irmãos  de  Brás  (i635) 116 

11  —  Único  autógrafo  conhecido  do  poeta  Brás  Garcia  Mascarenhas  (ifi^o).  .     268 

12  —  Assento  de  matrícula,  na  faculdade  de  Leis,  de  André  da  Silva  Masca- 

renhas, plagiário  do  Vikiato  Trágico  (1640) 36o 

i3  —  Cana  dos  Arcebispos,  governadores  do  reino,  a  comunicar  à  Universi- 
dade de  Coimbra  a  aclamação  de  D.  João  IV  (1640) 200 

14  —  Carta  de  D.  João  IV  à  mesma  Universidade,  agradecendo  as  festas  da 

aclamação  (1640) 2o3 

i5 — Assento  do  casamento  de  Brás  Garcia  Mascarenhas  (1645) 3io 


IV — índice  dos  fac-símiles 
de  assinaturas  autografas 


I — António  Fernandes,  pároco  da  Bobadela  (i564) 12 

2-3— L.do  António  Dias,  vigário  de  Avô  (1 591,  1596)  ....      i5,  21 

4  —  Gaspar  Dias  da  Costa,  padrinho  de  Brás  e  avô  materno  da  mulher  deste  22 

5  —  P.e  Simão  Fernandes,  cura  de  Avô  (1618) 32 

6-7  —  Dr.  Manuel  Garcia,  irmão  do  poeta  (1G54) 58,  ii5 

8  —  P.«  Manuel  da  Gosta,  pároco  da  Bobadela  (1619) 66 

9-10  —  Marcos  Garcia,  pai  de  Brás  (1625,  1648) 114 

11  — P.e  Pantaleão  Garcia,  irmão  do  mesmo 116 

12  —  P.«  Matias  Garcia,  idem » 

i3  —  Henrique  Madeira,  irmão  da  Avó  materna  do  poeta  (1606) 118 

14  —  João  Madeira,  primo  co-irmão  do  antecedente  (i635) » 

i5  —  P.e  Simão  Madeira,  beneficiado,  irmão  do  precedente  (1620) 119 

16  —  Felipe  Monteiro,  2.°  primo  de  Helena,  mãe  do  poeta  (i6o5) 120 

17  —  Subscrição  autografa  e  sinal  público  do  tabelião  Felipe  Madeira,  irmão 

da  referida  Helena  (i6o5) „ 

18  — João  Gomes  Botelho,  2.°  marido  de  Maria  de  Mesquita,  prima  de  Brás 

(1690) 121 

19  —  Simão  Madeira  da  Costa,  irmão  da  sogra  de  Brás  (1619) i23 

20  —  João  Manuel  da  Fonseca,  sogro  de  Brás  {i65o) » 

21  — Francisco  Dias  da  Costa,  irmão  da  sogra  do  poeta  (1625) 124 

22  —  Miguel  Nunes  de  Matos,  sobrinho  do  L.<^°  António  Dias  (1648) 126 

23-24  —  P-^  Roque  Dias  de  Matos,  idem  (1648,  1645) 126,  3 10 

25  —  P.e  António  Rodrigues,  ecónomo  da  Colegiada  de  Avô  (1619) 12G 

26  —  P.«  Inácio  Rodrigues,  cura  de  Avô  (1624) 127 

27  —  P.«  João  Caramelo,  próximo  parente  do  sogro  do  poeta  (1019) » 

28  —  D.  Sebastião  de  Matos,  arcebispo  primas  de  Braga,  governador  do  Reino 

após  a  restauração  (1640) 200 

29  —  D.  Rodrigo  da  Cunha,  arcebispo  de  Lisboa,  outro  governador  do  Reino 

(1640) » 

30  —  D.  João  IV  (640) 2o3 

3i  —  Brás  Garcia  Mascarenhas  (1640) 268  c 

32  —  Bernardo  Duarte  de  Figueiredo,  juiz  ordinário  e  tabelião  (1664) 338 

33  —  Tomás  Garcia  Mascarenhas,  filho  do  poeta  (1G72) 352 


(214)  'Brás  Garcia  óMascarenhas 

pig. 

34  —  André  da  Silva  Mascarenhas,  que  veiu  a  ser  desembargador  dos  agravos 

da  Relação  do  Porto,  e  que  publicou,  como  obra  sua,  bôa  parte  do 

Viriato  Trágico  (i636) 36i 

35  —  José  da  Costa  Mascarenhas,  neto  do  poeta  (1701) 371 

36  —  L.do  Matias  Quaresma  da  Fonseca,  cunhado  de  Brás  (1672) » 

37 — Manuel  Garcia  Mascarenhas,  neto  do  poeta  (1701) 37a 


»  FINIS  # 


FINDOU   A   IMPRESSÃO    DESTE    LIVRO 

NO    DIA    XXI    DE   NOVEMBRO 

DE   M.DCCCC.XXI 


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