:^t^ f
WS^^-Z: a:-
tf >.|.^
m
1- " «vA:
lifelfej
V.».'
Mf F9ÍIIF
MllillliiilIMlillillliifl»
lITPOÍTiaiIliTlSiJií
r» »„»^iiípn j
,TOI^ •_í_''l_OIÍW ■^9_«_ÍBWP_»_l
'SíiuX^HiíiMUjimb
,.wir_» «_»_»1!W_»J
^=
ûK5'>X»S'X"íL_
»— ■ %« ■^^»ft. II ■ ■ «aw^» • Ji IBP» « • >P bWÍI^» » • ■■• II » » «W» • « • WOi !^^
'-.'-•'-.•-.^*W_».»_B_B*ft'_»_l
>X"»:«x.
íiwinfffv
1 1 PN f 1 1 |B« * > >
. 9 9 , «WH
-'^-'^^-S..'-»
E» »
UA*«.mp*nip«i;iimiijiiiim^^^^
«_».• r » » t
«■■■IO • • >««•<■ «.-^w • I
niPPMfifr
i
iiiiPii
* *^» ■-».»_■ P_9 _mlm w_>_g_> .«..T.*..» ^» *.g..« >p»» ■■■T» «^ ■ ■ iw » ■ I F_«_»_*— — "-•■■■•^■■i I
IfíH
íaCíí
lí]5tituto de K^tuào<^
Dr. ANTÓNIO DE VASCONCELOS
j* j* j«
BRÁS GARCIA
MASCARENHAS
ESTUDO DE INVESTIGAÇÃO
HISTÓRICA
f^
COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
M-DCCCC-XXII
o presente estudo de investigação histórica faz parte da série de trabuliios do
Instituto de Estudos Históricos e Filosóficos da Faculdade de Letras de Coimbra.
Saiu em edição provisória, fraccionado em artigos, na Revista da rnivcrsidade
de Coimbra, volumes I, II e VIII.
PRIMEIRA PARTE
Estudo de investigação histórica
PELO
Prof. Dr. António de Vasconcelos
Sofrco emulações, calamidades,
Exprimentou trabalhos, tSc perigos,
Que quem não exprimenta adversidades.
Não sabe pelejar contra inimigos:
Tolerando, & compondo inimizades,
Sempre servindo, & adquirindo amigos.
Fabricou sua fortuna altiva, & rica.
Que também a fortuna se fabrica.
Bkás Garcia de Mascarenhas, Viriato
Trágico, VIII, 5.
ADVERTÊNCIA
Por brevidade, usar-se há nas notas a seguinte maneira de citar ;
A. U. — Arquivo da Universidade.
C. C. — Cartório do Cabido de Coimbra.
C. E. — Câmara Eclesiástica de Coimbra.
C. S. — Cartório do Setiiinário de Coimbra.
T. T. — Torre do Tombo (Arquivo Nacional da).
V. T. — Viriato Trágico, poema de Brás Garcia
Família de Marcos Garcia, de Avô
A nobre e antiga vila de Avô era no século xvi uma bela povoação
minúscula, amorosamente recostada entre os rios Alva e Moura, que
dos dois lados formavam em volta dela uma linha de respeito, e
vinham juntar-se a seus pés, onde depunham, como que em home-
nagem a. sua suserana, o precioso tributo das cristalinas águas no
formosíssimo lago denominado o Pego.
O corpo donairoso da gentil princesa serrana reclinava-se graciosa-
mente pela encosta da Coitrijca, e a cabeça, apoiada com elegância se-
nhoril na colina do Outeiro, era coroada pelo diadema três vezes secular
do forte castelo, recortado de ameias, edificação do rei lavrador.
Da outra banda do rio Alva, na encosta ligada à vila por antiga ponte,
surgia majestosa, na sua esbelta linha gótica, a paroquial igreja de Nossa
Senhora da Assunção, dominando as poucas e modestas habitações,
que abaixo do adro se iam construindo a descer para a ponte.
Para lá do Moura, mais conhecido hoje pela denominação de
ribeira de Pomares, não havia sequer vestígio de casas ; nem ainda
se tinha lançado a ponte, que no século imediato veiu ligar esta
margem com a povoação.
Quem/ nos fins do referido século xvi, vindo de Vila-Cova para
Avô, chegasse à margem esquerda do rio Moura, no sítio onde ele
vasa as suas águas no Pego, misturando-as com as do Alva, e olhasse
em frente, via na outra margem do rio uma casa de modestas
dimensões, mas de aspecto afidalgado. Era uma bela habitação, com
70 'Brás Garcia de (^Mascarenhas
as suas portas e janelas manuelinas, que parecia ter sido construída
ali, à entrada da vila, para a proteger contra qualquer incursão que
o inimigo, vadeando a ribeira, tentasse fazer por esta banda; ou,
melhor, dava ares de um vasto mirante senhoril, erguido naquele sitio
para sentimental castelã ver deslisar, por entre a verdura das árvores,
as mansas águas dcs dois rios, que a seus pés se juntavam e con-
fundiam no poético e formoso lago *.
Esta casa era residência dum ramo da família dos Garcias de
Mascarenhas, descendentes, ao que se diz, dum fidalgo espanhol,
Marcos Garcia de Mascarenhas, filho do duque de Burgos, que no
século XV emigrara para Portugal, casando em V^alezim com a filha
de Martim Anes, pessoa principal da terra. E o que afirmam os
genealogistas, sempre atreitos a adoptar e concertar lendas, e a fan-
tasiar origens heróicas às famílias cujas ascendências traçam, por
vezes bem caprichosamente. E aqui temos um dos casos em que a
fantasia devaneou em liberdade pelo mundo das quimeras.
Nunca em Espanha houve o título de duque de Burgos - ; e sempre
em Portugal houve Garcias desde tempos anteriores à fundação da
nossa nacionalidade, não sendo menos certo que os Mascarenhas
também vivem entre nós desde longa data. Documentos medievais
dão-nos conta de que, na própria região onde no século xv residiam
os Garcias de Mascarenhas, havia já, antes do meado do século xiii,
pessoas, umas de nome outras de apelido Garcia; e sabemos que o
que principiou por ser nome próprio passou a patronímico, e por fim
a simples apelido de família ^. i Quem nos diz que não possa alguma
' Encontra-se referência a esta casa no Viriato Trágico, cant. xv, est. 29, e
acha-se descrita com os outros bens da família do poeta na escritura de instituição
de vínculo feita pelas suas duas únicas irmãs, que restavam, a 27 jan. iõ8i (Doe. CVII).
Ainda hoje existe, em posse de descendentes directos de Brás Garcia; mas só uma
parte da casa actual remonta aos princípios do século xvi, achando-se o resto do
edifício alterado por modificações, reedificações e acrescentamentos feitos nos
séculos seguintes.
^ Foi este ponto bem liquidado pelo sr. Visconde de Sanches de Frias, como
êle nos expõe no seu interessante livro — O Poeta Garcia, pag. 16 e ss.
' Quando em i258, por ordem de D. Atfonso III, se realizaram nas terras de
Seia as Inquirições gerais, cujos registos estão archivados na Torre do Tombo,
residia em Lagares um D. Garcia, oriundo de Folhadosa, onde tinha família, repre-
sentada por seu irmão D. Mendo. Coevos deste havia em Lagos um Pedro Garcia,
em Vila-Pouca D. Garcia, e em .Avô Garcia Peres, que figuram como testemunhas
nestas Inquirições. Também nos aparece mencionado como senhor de Várzea de
Ciip I — Família de oMarcos Garcia, de oAvô 1 1
BRAZ'AO DARMAS DA FAMÍLIA
DOS GARÇAS D AiAS(£RENHAS
D FOLHADOSA
/o ^rás Garcia de ^Mascarenhas
dessas pessoas ser ascendente dos que mais tarde foram conhecidos
pelos Garcias de Mascarenhas?
Um íilho do mencionado Marcos Garcia, de nome idêntico ao do
pai, casou em Folhadosa com Brites ou Briatiz Marques, senhora de
grossa fortuna, de quem teve bastantes filhos, que, espalhando-se por
várias terras da Beira, aí se matrimoniaram e prolificaram largamente.
Ana Marques, um dos rebentos deste casal, contraiu matrimónio
na Bobadela com António Alves de Abranches, havendo numerosa
descendência, principalmente feminina, que muito concorreu, por seus
\l*i^, ^<- 1/ t^ f- Ci^""*- /í'-/'
Assento do baptismo de Marcos Garcia, pai de Brás.
casamentos em diversas terras, para a larga difusão em multíplices
ramos da árvore genealógica dos Garcias de Mascarenhas'.
Candosa, em época mais remota, um Garcia Mendes, que doou esta herdade, perten-
cente à paróquia de Covas, a alguns parentes pobres, que tinha, os quais depois a
venderam ao bispo de Coimbra, que a anexou à sua vila de Candosa. tudo isto em
tempo anterior às referidas Inquirições do meado do século xiii, as quais nos dão
conta desses contratos. Pertencia nessa época o senhorio do lugar de Santa-
Comba-a-par-de-Seia a duas irmãs, Elvira Garcia e Sancha Garcia, que o haviam
herdado de seus ascendentes paternos.
' Vid. Notas genealógicas, em .4pênd. ao presente volume, notas I, II e III.
Cap. I — Família de oMarcos Garcia, de oAvó i3
EIntre os filhos de Ana Marques figura um, em quem reviveu o
nome de Marcos, que já pertencera a seu avô e bisavô.
Nascido em meado de novembro de i564*, este Marcos Garcia
saiu da casa paterna antes de perfazer os 27 anos de idade, para
casar na vila de Avô com Helena Madeira, senhora que então contava
23 anos incompletos, pois nascera em setembro de i568^. Realizou-se
o casamento na igreja paroquial de Avô numa segunda feira, 19 de
agosto de iSgi 3.
^De que estirpe descenderia esta dama avoense, na qual veiu enxer-
tar-se uma vergôntea da nobre família dos Garcias de Mascarenhas ?
O sr. Visconde de Sanches de Frias, que muito se esforçou por
tecer a genealogia desta gente, e que tem o mérito de haver sido o
primeiro a levantar o veo que encobria a história desta família, apenas
refere que era filha de Francisco Annes e de sua mulher Maria
Madeira^; mas nisto foi menos bem informado. Existe o assento
de baptismo desta senhora no registo paroquial de Avô relativo ao
ano de i568, onde se diz ter sido baptizada a 26 de setembro tlena
f." de Simão gracia ^. ^ Será porém demonstrável a identidade desta
/*• rr\^i9
.• MOr*^-
'^J
Assento do baptismo de Helena Madeira, miíí do poeta.
Helena com a que foi mulher de Marcos Garcia ? i Quem nos diz que
Helena filha de Simão Garcia e Helena mulher de Marcos Garcia sejam
uma e a mesma pessoa, e não duas distintas, embora conterrâneas,
coevas e homónimas ?
Haveria um meio de tirar isto a limpo : recorrer ao registo do ca-
samento de Marcos e Helena, pois nos assentos matrimoniais costuma-
vam descrever-se as filiações dos cônjuges ; é certo porem que a folha
' Vid. Documentos, em Apênd. ao presente volume, doe. II.
» Doe. IV. —3 Doe. VII. —4 Op. eit. pag. 23. — 5 Doe. IV.
14 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
do livro de registo, onde se encontra exarado este assento, foi dilacerada
exactamente no ponto em que principiava a ser descrita a filiação de
Helena Madeira, e o resto do assento passava para a folha imediata,
que lá se não encontra! Mas nem por isso ficamos privados de
apurar a verdade.
Encontrei na Câmara Eclesiástica de Coimbra um requerimento,
feito em novembro de 1621, em que Manuel Garcia, filho dos men-
cionados cônjuges, requere admissão aos três últimos graus de ordens
menores e à sagrada ordem do subdiaconado, e no qual declara q os
anos da parte de seu pai forão Ant." al-^- e aua marqi m.°" na uilla
de bobadella e da mai Simão guarda e varonica mines m.°" em
Auo '. Foi este documento que me forneceu o fio de Ariadne, para
descobrir a saída do misterioso labirinto genealógico. Depois fui
encontrando sucessivamente novos documentos confirmatórios: um
alvará régio, datado de 4 de setembro de lôgS, cujo registo existe na
Torre do Tombo, em que se refere expressamente que Simão Garcia
era sogro de Marcos Garcia-; e vários depoimentos de testemunhas
em processos de inquirição de geuere, arquivados na Câmara Ecle-
siástica de Coimbra ^.
í J^" ri ryrfO J«^^ / <• a / .
»Doc. XXIV. — 2Doc. X.
' No processo de inquirição de genere, uita et moribus, que se fez em Avô no
ano de 1621 para a ordenação de menores do mencionado Manuel Garcia, a teste-
munha Gaspar de Paiva depôs q mui bem conhecera a Simão graçia e a Varonica
nui-f anos do dito ordenante (se. ordinando) por parte de sua mai naturais e mora-
dores q farão nesta dita villa de auo. O mesmo disseram as testemunhas Gaspar
Dias e Diogo Alves. Simão de Freitas declarou ^ bem conhecera a Simão gracia
auo q foi do dito ordenante por parte de sua mai mas q a varonica nííis também
sua auo pella mesma parte elte a não conhecera de vista, mas ^ sempre ouuira q os
sobreditos forão auos do dito ordenante hj.'"' gracia. — Semelhantes depoimentos se
encontram nos processos de inquirição que correram em Avô em 1622 e 1626, para
Manuel Garcia ser admitido às ordens de subdiácono e de presbítero, e bem assim
Cap. I — Família de <£Marcos Garcia, de oAvó i5
Assento do casamento de Marcos Garcia com Helena Madeira.
Por fim, e depois de escrito este capitulo, deparou-se-me casual-
mente no Cartório do Seminário desta cidade o final do assento de
casamento de Helena Madeira, onde ainda se lê o nome de sua
mãe Varoniqua iiune^^K Foi esta a prova real; entretanto, se não
estivesse já descoberto que Verónica Nunes fora a molher de Simão
Garcia, não poderia saber-se que este retalho isolado, escrito numa
folha deslocada, pertencia ao assento do casamento de Helena
Madeira.
Não resta pois dúvida. As informações, a que o sr. Visconde de
Sanches de Frias se encostou, eram inexactas. Helena Madeira, com
quem Marcos Garcia se recebeu, era da família dos Garcias de Avô.
Ignoro se esta gente era aparentada com os Garcias de Mascarenhas.
Tudo me leva a supor bastante provável que sim.
Simão Garcia era pessoa muito considerada na vila e seu termo,
onde desempenhava, desde iSôy, as funções de escrivão das cisas
gerais e dos panos ^, exercendo cumulativamente, com expressa auto-
no que foi organizado em 1627 para a admissão à ordem de subdiácono de Pan-
taleão Garcia, irmão daquele, e no de i635 para Francisco Garcia, irmão mais novo
dos supraditos, receber prima tonsura e ordens menores. — Também se lê em um
atestado, passado a i5 de setembro de 1625 pelo P.' Inácio Rodrigues, cura da
igreja de Avô, a favor do referido Pantaleão Garcia, a declaração de que lié filho
legitimo de marcos gr.a & de sua molher Ilena madr." m'»'^ nesta dita villa & o
Auo . . . pai de seu pai se chamaua Ant.o Alií, e sua Avó molher de Ant.o Atffj se
chamaua Ana marques naturais da villa da Bobadella : da parte de sua mai forão
seus Auos Simão gr" e sua molher Varonica nunes mors nesta Villa de Auo: &
digo & dou minha fé que assi hiís como os outros sempre forão e são Christãos ve-
lhos dos melhores da terra, e núqua ouue nelles raça algiía de algiia Infecta nação.
i Doe. VII.
2 O ofício de escrivão das cisas gerais do couto de Avô era excercido em 1492
por João Rodiigues, que neste ano o renunciou, sendo nele provido Francisco
Anes, escudeiro do Conde de Penela, por C. R. de 9 jul. 1492 (T. T. — Chan-
celaria de D. João II, 1. vii, fl. i v."). A C. R. de 3o out. i522 confirmou aquela
i6 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
rização régia, a indústria de fabricação de tecidos •. Mais tarde, em
i5g5, resignou o ofício de escrivão, em que foi provido seu genro
Marcos Garcia ^, reservando para si o de tabelião do público e
judicial, que já vinha exercendo ultimamente ^.
Sua mulher Verónica Nunes era natural de Avô, da família mais
distinta da terra, a dos Madeiras Arrais, descendentes de Henrique
Madeira Arrais, fidalgo-cavaleiro da casa del-rei D. João II e escu-
deiro da rainha D. Leonor, pela prole havida de sua primeira mulher
Leonor Fernandes, que os genealogistas dizem ser afilhada e dama
da dita rainha ^ O apelido Nunes da mulher de Simão Garcia, que
se repete em alguns descendentes, e o apelido Monteiro, que nos
nomeação (Ibid. — Chancet. de D. João III, 1. xlvi, fl. 211); e por C. R. de 2 nov.
1529 foi o mesmo Francisco Anes, que então já tinha o foro de escudeiro da casa
real, confirmado escriuão das sisas de Avô e S. Sebastião, e nomeado escrivão dos
pannos (\b'iá. — Chancel. de D. João III, 1. xui, fl. 18). Por C. R. de 3 jul. iSSg foi
provido nestes ofícios Fernão Gonçalves, morador em Oliveira do Hospital, pela
renúncia de Francisco Anes, seu sogro, apresentada por seu procurador Fr. Ber-
naldim Machado (Ibid. — Oiancel. de D. João III, 1. xxvi, fl. 154). Vindo mais tarde
o Fernão Gonçalves a renunciar também, foi então nomeado Simão Garcia por C. R.
de D. João III, datada de 7 jan. i55j (Doe. I).
' Doe. V. — 2Doc. X.
' Consta de vários assentos de baptismos, em que figura como padrinho, e de
casamentos, em que serviu de testemunha; o primeiro, em que aparece designado
como tabelião, é o de um casamento realizado a 5 set. i5g3; e o mesmo se repete
nos assentos de casamentos que se fizeram a 7 out. e 16 nov. i6o3, etc. Sua mulher
também é apontada como madrinha em muitos baptismos, indicando-se apenas que
foi madrinha a molher de Simão graçia, sem contudo se exprimir o nome.
< Notas genealógicas, II, i, iic, tiic; — Esquemas genealógicos, em Apênd. a este
volume, esq. II. — A aludida asserção dos genealogistas é inteiramente inexacta.
Leonor Fernandes não foi o que eles fantasiaram; provinha de origem humilde, e
até houve rumor de trazer nas veias sangue mourisco, ou de infecta nação, o que
naqueles tempos era defeito grave, e cheio de perigos. Provou-se judicialmente que
era infundada tal fama; a humildade porém de origem é que ficou bem evidente.
Consta do processo de habilitação para familiar do Santo Ofício de António Ma-
deira, neto dos referidos Henrique Madeira .Arrais e Leonor Fernandes (processo
que andou correndo em 092, e se acha arquivado na Torre do Tombo), que a
Leonor Fernandes era simplesmente criada duma colaça de D. João II, tendo a
desdita de ser acompanhada da fama referida. Apesar da sua ligação matrimonial
com Henrique Madeira Arrais, pessoa de qualidade e de grande representação e
prestígio, fidalgo muito considerado e respeitado, o vulgo não deixava de à bôca-
pequena tesourar a reputação de Leonor, que era, segundo se dizia, oriunda das
bandas de Tomar, e a quem davam a alcunha pouco amável de Regateira (Vid.
doe. XCVl).
Cíip. I — Família de éMarcos Garcia, de cAi'ô.
n
aparece usado por alguns seus sobrinhos e netos, pertenciam ao ramo
da família Madeira Arrais que provinha de Jácome Madeira e de sua
mulher Maria Gomes, no qual se nos deparam com frequência tais
apelidos *.
Vários filhos tivera Simão Garcia:— a) Ana Nunes, que suponho
ser a primogénita, casada a 28 de julho de 1677 com Pedro Fer-
nandes, de Anceriz, e — V) Isa-
bel Madeira, que deve ter sido
a imediata, as quais nasceram
e foram baptizadas quando
ainda não se fazia o registo
paroquial em Avô; scguiu-se
— c) uma menina, a quem no
dia 26 sct. 1 5()S foi no bá-
tismo dado o nome de He-
lena, e que veiu a casar com
Marcos Garcia, de quem nos
temos ocupado; depois nasceu
— d) Filipe Madeira, baptizado
a 16 jan. 1571, que sucedeu a
seu pai no tabelionato^; —
é) António Garcia, baptizado
a 25 out. 1572; e — f) Maria
Nunes a 2 dez. 1574^. Encontramos ainda referências a — g) um
outro filho de Simão Garcia, de nome Gaspar Garcia, cujo baptismo
se fez a 6 nov. 1578*; mas, embora no respectivo assento se não
diga o nome da mãe do neófito, consta-nos do assento do casamento,
que veiu a contrair a 3o de dezembro de 1597, sendo ratificado
e abençoado a 7 de janeiro de iSgS, que sua mãe se chamava
Joana Pegada ''. Verónica Nunes havia falecido, e o viúvo passara
a segundas núpcias com esta senhora, que veiu a falecer em 1 596
armas dos Madeiras An
' Vid. Esquemas genealóg. I e II.
2 A êle se fazem referências nos doce. XII, XVII, XIX, XXII, e em vários outros
assentos do registo paroquial de Avô.
' C. S. — Registo paroq. de Avô, 1. i, cad. 2.", 111. 10 v.", i3, li v.°, e 24.
* Ibid. cad. 3.", fl. 21 v.». — ^ Doe. XIII.
i8 ^rás Garcia de õMascaren/iaS
ou 1597', sobrevivendo-lhe alguns anos seu marido, segunda vez
viúvo.
Do conceito e estimação que publicamente se fazia das duas famí-
lias, agora enlaçadas pelo casamento de Marcos e Helena, são eco
os depoimentos das testemunhas que foram inquiridas nos processos
de genere, uita et moribiís que se organizaram para as ordenações
dos filhos de Marcos Garcia. Para não estar a transcrever tudo. o
que muito alongaria sem grande vantagem este estudo, limitar-me hei
a referir que, falando dos pais e dos avós paternos e maternos dos
ordinandos, declararam as ditas testemunhas que eles foram e eram
minto principais assi na villa da Bobadella como nesta villa de Avô,
donde eram naturais híis e outros, e como tais sempre forão tidos e
ávidos -, governando a terra e servindo os ojficios mais honrados delia ^.
Como deixámos dito, Marcos Garcia habitava nos fins do sé-
culo XVI a casa de ares afidalgados sita junto do Pego, cuja constru-
ção remontava aos primeiros anos deste século.
A bênção nupcial, que a êle e a sua mulher fora lançada pelo
bom do vigário, o licenciado António Dias, recebeu a ratificação
divina, pois o Crescite et multiplicamini genesiaco houve larga
repercussão neste enlace. Ainda não eram completados dez meses
depois do casamento, e já abria os olhos à luz do sol uma sadia
menina.
Depois, com intervalos de dois anos quási sempre incompletos,
foram nascendo novos filhos, até ao décimo. Houve então uma
pausa ou repouso de três anos e meio, e por fim nasce o último dos
rebentos deste casal, perfazendo o número de onze filhos, que nos
diversos ramos da família dos Garcias de Mascarenhas, e através das
gerações até à actualidade, se repete com frequência e persistência
que causara admiração, constituindo uma notável característica desta
família.
• A 10 fev. 1596 ainda era madrinha no baptismo de Brás, neto de seu marido
(doe. XI); no assento do casamento de seu filho Gaspar Garcia, a 7 jan. iSgS, é de-
clarada ia defunta (doe. XIII).
* Depoimento para a ordenação de menores, feito pela testemunha Gaspar Dias
da Costa, padrinho do poeta.
3 Depoimento de Diogo Alves no mesmo processo.
PRÓLOGO
l Quem haverá por aí que não tenha lido nos compêndios de litera-
tura portuguesa, para uso das escolas secundárias, o nome do poeta
Brás Garcia de Mascarenhas, e a indicação do seu poema heróico
Viriato Trágico ? Mas a obra é de poucos conhecida, e o autor só
através da lenda, que bem cedo o envolveu, d que tem sido escassa-
mente visto. Entretanto bem dignos são de um estudo sério, tanto o
poema como o poeta.
Noticias biográjicas autênticas de Brás Garcia poucas possuíamos,
e limitavam-se, quási exclusivamente, às contidas nas sete páginas
incompletas, que a ele consagrou o seu afim Bento Madeira de Castro,
as quais saíram estampadas à frente da primeira edição do Viriato
Trágico. O que se lhe tem acrescentado até á actualidade, é pouco
mais de nada; devaneios de fantasia, em que não entra a mínima
parcela de investigação original. Pede a justiça que se aponte uma
excepção honrosa: o sr. ]'isconde de Sa)iches de Frias trabalhou com
dedicação e boa vontade, que merecem louvor, na investigação espe-
cialmente de dados genealógicos, para ilustrar, num Estudo prévio,
o seu drama O poeta Garcia. Teremos ocasião, no decorrer do nosso
trabalho, de fa\er referências críticas ao estudo do ilustre titular, que
tem o mérito de nele se encontrarem as primeiras notícias impressas
sobre a ascendência e descendência do poeta de Avô, pois nada a tal
respeito era sabido senão que seu Pay se chamava Marcos Garcia,
& sua Mãy Ilena Madeyra, gente nobre, & da principal da terra;
indicação dada pelo prefaciador e primeiro editor do Viriato Trágico.
6 'Brás Garcia de oMascarenhas
Apresentamos hoje ao público ilustrado um modesto estudo original,
biografando Brás Garcia de Mascarenhas. E todo elaborado sobre
fontes seguras e autenticas, que escrupulosamente citamos, ou que re-
produzimos em apêndice, de forma que qualquer leitor possa facilmente
i>erijicar a exactidão, e aquilatar a legitimidade das tiossas afirmações
e conclusões. Seguem-se umas Notas e uns Esquemas, em que se
esboçam as árvores genealógicas dos Garcias de Mascarenhas e dos
Madeiras Arrais, ascendentes paternos e maternos do nosso biografado,
assim como a de sua mídher, e ainda a de toda a sua descendência
directa até ao presente.
Não temos a presunção estulta de di^er a última palavra sobre o
assunto ; temos sÍ7n o desejo de produzir um trabalho serio e honesto,
que algumas canseiras nos tem custado.
Tributamos o nosso reconhecimento a todas as pessoas que 7ios
auxiliaram, fácil itando-nos a busca e estudo das fontes nos arquivos
e bibliotecas por onde andámos em pesquisas longas e minuciosas. Em
especial nos cativaram com seus obséquios, na Torre do Tombo, o
sr. Pedro Augusto de S. Bartolomeu de Azevedo, procurando e in-
vestigando diplomas para enriquecer este nosso estudo, e o sr. General
Jacinto Inácio de Brito Rebelo, que levou a sua amabilidade ao ponto
de espontaneamente nos ceder apontamentos e cópias de documentos
de valor, que naquele arquivo colhera para uma publicação que pro-
jectava, e da qual desistiu em proveito desta.
O sr. Dr. Carlos de Mesquita, nosso distinto colega no professo-
rado da Faculdade de Letras desta Universidade, incumbiu-se de
elaborar um estudo critico-literário sobre o único poema que nos
resta de Brás Garcia de Mascarenhas ; essa parte segunda do pre-
sente volume acrescentará muito o interesse da primeira, e dará
particular brilho ao nosso modesto esboço biográfico.
Coimbra, 3 Je fevereiro de iqi2.
A. DE Vasconxelos.
Cap. I — Família de dMarcos Garcia, de oAvô ig
Façamos a relação dos onze filhos de Marcos Garcia, indicando a
data do baptismo de cada um.
I ." — -Feliciana Monteira, ii junho 1692 ';
2." — Manuel Garcia, 10 fevereiro 1594'^;
3." — Brás Garcia de Mascarenhas, 10 fevereiro 159(1^;
4." — Verónica Nunes, 6 dezembro iSgy^;
5." — Maria Garcia, 21 dezembro i5gg^;
6." — Pantaleão Garcia, 5 agosto 1601 ^;
7." — Ana Monteira, i5 setembro i6o3';
8." — Isabel Garcia, 6 março i6o5*;
9.° — Matias Garcia, 3 março 1607';
10.° — Antónia Garcia, 2 novembro 1608*";
ii.° — Francisco Garcia, 9 março 1612 ".
E aqui findou a série '-. Helena Madeira ia fazer 45 anos, quando
a fecundidade, que tão generosa havia sido até ali, dela se despediu
com este último filho.
» Doe. VIII. — 2 Doe. IX.— 3 Doe. XI. — ^ Doe. XII. — * Doe. XIV. — « Doe. XV.
' Doe. XVI. — 8 Doe. XVII. — « Doe. XVIII. — '« Doe. XIX. — ■» Doe. XX.
'^ Em faee desta relação, organizada sobre os documentos alegados, deve ser
corrigida a que se encontra nas páginas 23 e 24 da cit. obra do sr. Visconde de
Sanches de Frias. No 8.° lugar da série dos filhos de Marcos Garcia tem de ser
substituído o nome de Marcos pelo de Isabel; e no 1 1.° lugar, onde está Isabel, deve
inscrever-se Francisco. — Marcos Garcia, de Avô, a nenhum dos filhos deu o seu
próprio nome. O engano dos genealogistas proveiu naturalmente de confusão com
um qualquer dos vários Marcos Garcias que nesta época havia disseminados por
diversas terras da região, todos descendentes do Marcos Garcia de Mascarenhas, de
Folhadosa; talvez com um Marcos Garcia, filho de outro do mesmo nome, o qual
residia em Torrosêlo, e veiu à Universidade de Coimbra frequentar a faculdade de
Cânones. Realizou a sua primeira matrícula a 1 out. 1642 (A. U. — Matriculas,
vol. 9, 1. 2.°, fl. 48), fez exame de bacharel a 22 jul. 1647 (Ibid. — Autos e graus,
vol. 33, 1. 3.", fl. 57 v.°), e formatura, sendo já padre, a 29 jul. 1649 (Ibid. — Autos e
graus, vol. ?4, 1. 2.°, fl. 5o v.°). Do Francisco nenhuma notícia teve o ilustrado autor.
II
Nascimento, infância
e juventude de Brás Garcia de Mascarenhas
Estamos no princípio do ano de iSgô.
A morada de Marcos Garcia, a que já nos referimos,
Aquella casa que, por mais vizinha,
Fortaleza parece desta ponte •,
Ou dos rios que os pés beijam rainha 2,
ia vendo aumentar o numero dos seus habitantes.
Já eram nascidas duas crianças de sexos diferentes, Feliciana que
então contava três anos e meio, e Manuel que ia fazer dois ; e espe-
rava-se a todos os instantes o nascimento duma terceira.
Havia estado de luto a família no ano anterior pelo falecimento
do velho Marcos, patriarca dos Garcias de Mascarenhas, já a esse
tempo tão largamente difundidos. Morrera em Folhadosa ultra-cen-
tenário a 20 de abril de 1594; o seu cadáver lá jazia na paz do tú-
mulo ao lado do de sua mulher, a meio da capela-mor da pequena
igreja da freguesia, onde, apesar da posterior reedificação do templo,
ainda permanecem as suas sepulturas com as campas salientando-se
acima do nível do pavimento.
Estava prestes a amanhecer o dia de sábado, 3 de fevereiro. Ha-
viam dado há pouco cinco horas. No campanário da igreja paro-
quial de Nossa Senhora da Assunção de Avô os sinos acabavam de
anunciar com tríplices badaladas o começo da aurora, convidando os
fiéis a erguerem o pensamento ao céu antes de principiarem o labutar
• A ponte sobre o Moura, que foi mandada construir pelo poeta depois do
seu regresso do Brasil, como logo referiremos.
í Viriato Trágico, xv, 29.
Cap. II — U^asciíuento, infância e juventude
quotidiano, saudando a Estrela viatutina da nossa Redenção, e faziam
agora ouvir em ondas sonorosas, que se expandiam pelos vales e su-
biam pelas encostas, um alegre repique chamando os clérigos da
colegiada e os numerosos devotos da vila e das quintas a acudirem
à recitação das Matinas da festa do glorioso mártir S. Brás, que
neste dia se celebrava.
Foi então que
Ali, quando se vinha no horizonte
Rindo a Aurora, chorando ao mundo vinha '
um menino, que era o terceiro dos filhos de Marcos Garcia.
Nascido na abastança de seus pais, cercado da consideração e
prestígio de que sua família gozava, nenhum harúspice, áugur ou ha-
ríolo, nenhuma pitonissa ou sibila seria acreditada, se porventura
junto daquele berço vaticinasse o sem número de trabalhos, sofri-
mentos e desditas de toda a ordem, que o recem-nascido estava des-
tinado a suportar através duma vida não muito longa, mas agitadís-
sima e toda semeada de contra-tempos, dores e infelicidades.
Segundo o costume da época, foi o menino baptizado ao oitavo dia,
no sábado lo de fevereiro, sendo-lhe dado o nome de Brás, não por-
r^2!jJ!zJL
^ ò
/^
^tz
Assento de baptismo de Brás Garcia de Mascarenhas.
que S. Brás fosse invocado como padrinho no baptismo-, mas por
ter nascido no dia em que se festeja aquele santo, havendo-se dado
além disso a coincidência de dois anos antes, no mesmo dia e à
• V. T. XV, 29.
' Como inadvertidamente escreveu o sr. Visconde de Sanches de Frias, contra
o que diz o respectivo assento de baptismo (Op. cit., p. Sy, nota).
22 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
mesma hora, ter nascido seu irmão Manuel. Esta circunstância, bem
pouco vulgar, foi considerada aviso do céu; tomou-se por isso o santo
Bispo para especial patrono da família, e deu-se ao neófito o seu nome,
que depois, no suceder das gerações, repetidas vezes havia de ser posto
aos descendentes desta criança. É o próprio poeta, que expressa-
mente no-lo diz :
Dous annos antes (o contalo espanta)
Três (lo segundo mes, dia do Prelado
Sancto e nosso advogado da garganta
(Mal de que fuy grão tempo atribulado),
Nasceo outro Irmão meu, a quem por sancta
Devação foy na Pia o nome dado.
Que na circuncisão se deu primeyro
A quem nos redemio do cativeyro '.
No mesmo dia, & na mesma hora,
Que elle nasceo, nasci pêra me darem
Do Sancto o nome, que ignorância fora,
Ao que elle advertio, não repararem.
Foi padrinho Gaspar Dias^ uma das pessoas mais consideradas
Assinatura de Gaspar Dias da Costa.
da vila, que então contava 41 anos, ao qual encontro repetidas alu-
' Estes dois versos representam um equívoco do poeta. Ao Redentor foi na
circuncisão dado o nome de Jesus, e não o de Manuel, como êle supôs. Este equí-
voco resultou certamente de ser conhecido do poeta o vaticínio de Isaías vii, 14:
— Ecce uirgo concipiet et pariet filium, et uocabitur nomen eiiis Emmanuel ; o
Emmanvel, isto é, o Deus-com-nosco, cuja acção salvifica o mesmo Isaías refere logo
no cap. seguinte. S. Mateus, no seu Evangelho i, 21 e 28, explica o nome, que lhe
foi dado, de Jesus, isto é, Salvador, que bem lhe quadrava pela missão com que
veiu à terra, bem como o de Emmanvel, que lhe atribuiu Isaías, reportando-se à sua
dupla natureza, divina e humana. E porem incontestável que na circuncisão não
lhe foi imposto o nome de Manuel, mas de Jesus {Luc 11, 21).
í V. T. XV, 3o e 3i. — ' Notas genealóg., Ill, il
Cap. II -^ U^ascinwuto. infância c jurcníiidc 23
soes até á idade de 70 anos ; com uma sua neta veiu a casar, 49 anos
decorridos, este mesmo Brás, seu afilhado. Serviu de madrinha
Joana Pegada, segunda mulher de Simão Garcia, avô materno do
neófito'.
Suaves e bonançosos decorreram os anos da infância de Brás,
amado e estremecido por seus pais, querido dos irmãos, estimado
dos patrícios; estes os únicos dias verdadeiramente fehzes da sua
vida, de que sempre conservou, até à morte, saudosíssima recordação.
Ele mesmo no-lo diz :
O (lescanço, que não conheço agora,
f!ntão passou por mim, sem mo mostrarem,
Que nenhum ha no mundo tão perfeito
Como o gozado no materno peito *.
A adolescência também foi passada por Avô e seus contornos.
Aqui principiou a estudar a língua latina em companhia de seu irmão
mais velho, Manuel, juntando-se-lhes pouco depois o Pantaleão^.
Em Avô, como em quási todas as terras de alguma importância,
embora pequena, havia então pessoas ilustradas, que ministravam
o ensino do latim e dos princípios de lógica e de retórica a quem dese-
java seguir alguma carreira literária. Muitos se aproveitavam desta
facilidade, vindo depois a Coimbra ou a Évora receber os últimos
retoques de preparação e fazer os seus exames, com cuja certidão
requeriam a primeira matrícula em qualquer das faculdades existen-
tes em uma ou outra Universidade. Os que se destinavam à vida
eclesiástica, sem o apanágio dos graus académicos, também geral-
mente encontravam nos seus próprios arciprestados, ou nos vizinhos,
padres sabedores, que os iniciavam nos intrincados meandros da
dogmática e da casuística, habilitando-os para irem à sede do seu
bispado completar rapidamente a habilitação e requerer admissão a
ordens, sujeitando-se aos respectivos exames, que eram feitos perante
examinadores episcopais.
iDoc. XI. — ' V. T., XV, 3i.
' Bento Madeyra de Castro, Breve resumo da vida de Brás Garcia Masca
renitas, no princípio da 1." ed. do Viriato Trágico (Doe. CXil).
24 'Brás Garcia de £\lascarenhas
Entre as pessoas ilustradas, que nesta época residiam em Avô,
especializemos o licenciado António Dias, vigário da paróquia, que
abençoara o casamento dos pais de Brás, e baptizara quási todos
os irmãos deste. Era um sacerdote ilustrado, e tinha perfeito conhe-
cimento da língua latina, que ele usava, escrevendo com facilidade
prosa e verso*. ^ Seria este o mestre dos filhos de Marcos Garcia?
' É uma individualidade interessante este padre beirão, digno pastor dum
rebanho distinto e fidalgo, como era o avoense. — Formara-se em Cânones em
Coimbra, onde a sua mocidade viva se não empregou exclusivamente no estudo
das letras, humanidades e sciências jurídicas, mas também se agitou em aventuras
amorosas, de que lhe proveiu uma filha, que lhe foi dada por uma guapa moça
solteira, de nome Silvestra Nunes. Quando regressou a Avô com os seus pergami-
nhos literários, disse adeus às verduras de rapaz, e deixou em Coimbra a com-
panheira da sua juventude; mas trouxe consigo, como bom pai, a filha, a quem
deu o seu próprio apelido, ficando a chamar-se Maria Dias. Foi viver para a com-
panhia de dois irmãos que tinha, o P.' João Dias, que ao tempo era vigário de Avô,
e Mateus Dias, casado com Isabel Fernandes.
De volta de Coimbra, o licenciado António Dias principiou a coadjuvar o irmão
mais velho na paroquialidade de Avô, em meado do ano de i582. Sucedeu-lhe
pouco depois no benefício, começando a figurar como vigário no princípio de 1587, e
conservando-se na efectividade paroquial até ao outono de 1617. Depois vai pouco
a pouco abandonando o serviço, que passa a ser desempenhado por curas, apare-
cendo êle apenas uma ou outra vez, muito raras, a administrar os sacramentos, até
1622; deste ano em deante não mais o encontramos a exercer funções paroquiais,
assistindo porem algumas vezes, como testemunha, a casamentos, até i633, indi-
cando-se sempre nos respectivos assentos a sua categoria de vigário de Avô.
A cultura clássica do licenciado António Dias, e ao mesmo tempo o seu génio
faceto, revelam-se no seguinte episódio. No ano de ligi não houve em Avô nem
casamento algum, nem nascimento ilegítimo; e dera-se a coincidência de ser fraca
a vindima de i3c)4. O vigário, querendo dar ao vesitador episcopal, quando viesse
inspeccionar a freguesia, explicação do facto insólito de ninguém se matrimoniar
durante o ano todo, escreveu e firmou com a sua assinatura no livro do registo
dos casamentos, em seguida ao enunciado do ano, dois belos dísticos elegíacos,
assim:
Do anno de gS
Noii fuit hoc quinto tixorem qiti duceret aimo,
Nec qui femineas tangere iiellet apes.
Ne mirere tamen tu, qui uisitaueris : alma
Namque deest. Baccho deficiente, Vénus.
António Dia^.
A 4 de julho de iCo5 casou êle a sua filha Maria Dias com Manuel Afonso, filho
de Pedro Afonso e Ana Fernandes.
Cap. II — T^ascimento, infância e juventude 23
Não o sei, mas o que posso asseverar como certo é que Brás
Garcia estudou com os irmãos na vila de Avô, e que nunca veiu para
Coimbra continuar esses estudos.
É um ponto historicamente averiguado; qualquer opinião que
apareça em contrário, tem de ser posta de parte.
Foi Camilo' Castelo Branco, logo no princípio do seu belo romance
Luta de gigantes, que, levado pela sua fantasia, e sem se preocupar
com a realidade histórica, nos descreveu o poeta a cursar a Univer-
sidade em 1619, tendo por condiscípulo e amigo íntimo o fidalgo
lisboeta Diogo César de Meneses, cuja amizade, segundo ele conta,
veiu a ter uma acção muito importante e decisiva em toda a vida do
poeta, desde a hipotética briga, de que resultou a prisão e homizio,
até ao último período da existência do nosso herói.
O sr. Visconde de Sanches de Frias caminha no encalce do
grande romancista.
Mas a verdade histórica é muito diversa disso que foi romanti-
zado por Camilo.
Antes de aparecer a Luta de gigantes, os biógrafos de Brás
Garcia referiam que o poeta fora a Coimbra acidentalmente, para
assistir a umas festas, sendo ali preso após uma aventura amorosa.
Nenhum se lembrou de dizer que ele residisse então na cidade do
Teve oito sobrinhos, filhos do irmão Mateus, os quais mencionamos por sua
ordem :
i." — L.''» P.' António Dias, que já estava ordenado em 161 1 ;
2." — Miguel Nunes de Matos, c. a 8 fev, 1629 c. Maria de Cáceres, viuva de
Francisco Cardoso, tabelião, morador na Bobadela, a qual era filha de Pedro Tomás
e Maria de Cáceres, e houve daquele matrimónio um filho, Pedro Tomás, que re-
cebeu ordens menores em 1648;
3." — Pedro de Matos, b. 8 ag. i589, c. c. Maria Gomes;
4.° — Maria Fernandes, b. 19 set. 1591 ;
5.° — P.« Roque Dias de Matos, b. 4 mar. i59-t, ordenou-se em iGi8-i6ig, prin-
cipiando no meado deste ano a fazer o serviço paroquial de Avô, na qualidade de
cura, mas desde i636 em deante assinou-se vigário;
6.° — João Dias, b. 10 jan. 1S96, c. c. Águeda Marques, de quem teve António
Dias, que em 1640 se ordenou de menores, contando então 23 anos de edade;
7.° — Simão Ferrão, b. 28 out. 1598, c. c. Maria de Figueiredo, filha de Gaspar
Fernandes e Maria de Figueiredo, e teve o P.» Gaspar Dias de Matos, b. 18 jan. i63o,
cuja ordenação principiou em 1Ó48, o qual assumiu interinamente a paroquialidade
de Avô a 5 de agosto de 1660, quando o cura P.= Gaspar Nunes assassinou, em
plena praça da vila, ao L.^o p.e Matias da Silva, cura de Aldeia das Dez;
S." — Francisco Dias, gémeo com o antecedente..
20 Tiras Garcia de (^Mascarenhas
Mondego frequentando a Universidade. Apenas Costa e Silva *,
depois de afirmar que Brás adqttirio na sita mesma pátria a in-
striicção primaria, e o conhecimento da lingiia Latina, refere quQpassoti
depois a Coimbra, onde se fe\ mui notável pelo talento de improvisar,
que então andara muito em moda; e adopta a opinião, que encontrou
consignada em umas notas manuscritas anónimas, de que Garcia
Mascarenhas se matriculara nos estudos preparatórios para o curso
da Jurisprudência.
Vamos por partes.
Brás Garcia nunca frequentou a Universidade de Coimbra. Percorri
com minucioso cuidado tanto os livros de matrícula como os de provas
de curso de todas as faculdades académicas, desde 1610 em deante, e
posso assim, com inteiro conhecimento de causa, fazer esta atirmação.
Do mesmo modo afirmo que Diogo César de Meneses também
jamais frequentou as escolas universitárias. Nem era verosímil que
fosse condiscípulo e confidente de Brás, pois havia entre eles notável
desproporção de idade; no ano de i6ig, a que são por Camilo repor-
tados os acontecimentos por que abre o seu romance, Brás contava
23 anos, enquanto Diogo tinha apenas 14. Dois anos depois, contando
16 de idade, fazia este a sua profissão religiosa no convento de
S. Francisco de Estremôs a i 5 de dezembro de 1621, e mais tarde
seguia a fazer os seus estudos no convento do Varatojo -. E por-
tanto puro romance tudo o que a este respeito escreveu o grande
literato.
Mas não é só isto.
A opinião de Costa e Silva é também destituída de fundamento.
Brás Garcia nunca andou a frequentar os estudos preparatórios em
Coimbra. Não há nenhuma indicação disso, nem no poema, onde éle
próprio historia a sua vida, nem nos biógrafos que escreveram em
tempos mais próximos do poeta, e que por isso melhor poderiam
recolher a tradição; antes, pelo contrário, várias referências achamos,
que desmentem essa opinião infundada.
' José Maria da Costa e Silva, Ensaio biograpliico-critico sobre os mellwres
poetas portugueses, t. Vil, 1. xv, p. i52.
* Diogo Barbosa Machado, Bibliotlieca Lusitana, t. I, p. Ó44.
Cap. II — C^ascinicnío, infância e jiivcnitiide -jJ
O poeta diz claramente que se criou pelos encantadores sítios dos
vales do Alva e do Moura, cuja amenidade e beleza canta; que ali,
à medida que ia crescendo em idade, mais desprezo ia sentindo pelos
pátrios regalos, mais em desejos de ver o mundo ardia, e mais aborre-
cidas se lhe tornavam as leiras, a que quatro irmãos se deram; que,
deixando definitivamente a carreira das letras pelas armas seguir,
entrado na adolescência aprende o jogo da espada, a equitação, e
se entrega inteiramente aos divertimentos, à poesia, ao amor; que,
finalmente, indo um dia a Coimbra a ver uma festa, lá foi preso, e
daqui resultaram os grandes trabalhos e desditas da sua vida '. ;Náo
resulta desta narrativa auto-biográfica a quási evidência de que Brás
Garcia jamais residiu em Coimbra a frequentar os estudos ?
Madeira de Castro no Breve resumo da vida de Brás Garcia,
que antecede a i.* edição do Viriato Trágico, deu a entender clara-
mente o mesmo, quando escreveu, na própria vila de Avô, alguns
anos decorridos sôbrc a morte do poeta : — Passada a infância, â
puericia, cm companhia de outros seus Irmãos, que estudavão, tomou
algúas noticias da liiigoa Latina, que ao depois soube com perfeição
por sua muj-ta, ۥ natural curiosidade, & prompto engenho, que certo
foi muyto particular, & pêra tudo universal. Vindo a Coimbra assis-
tir a hfias festas, ctc*.
Quási meio século mais tarde Barbosa Machado, na sua Biblio-
theca Lusitana^, disse ainda mais terminantemente: — Depois de
estudar nella (na vila de Avô, sua pátria) a lingua Latina, passou a
Coimbra movido de ver humas festas que nesta Cidade se celebra-
vão, etc.
Fica pois assente que Brás Garcia de Mascarenhas não residiu
em Coimbra causa síudii tempo algum.
A adolescência passou-a êle habitualmente em Avô, divertindo-se
pelos férteis e amenos vales do Alva e de Pomares, e pelos montes
que os confinam, sítios estes cujas belezas tanto o impressionaram,
e sem dúvida muito concorreram para lhe despertarem o estro poético,
e para fazerem dele o grande observador da natureza, o grande
admirador do belo, que se nos revela em todas as páginas do
seu poema.
' V. T. XV, 32 a 39. — 2 Doe. CXU. — ' Tom. I, p. -M?.
28 'Brás Garcia de õMascarciilias
São várias as referências que a Avô, aos seus vales e aos seus
rios, Brás consagrou no Viriato Trágico, sempre cheio de adnniraçáo,
e acusando, ainda na idade madura, o enthusiasmo juvenil despertado
pelas impressões recebidas em tempos havia muito decorridos, quando
por aqui estudava e se divertia. As recordações desses dias felizes
surgiam-lhe bem mais saudosas, bem mais sentidas, depois que re-
cebeu o desengano cruel de observar de perto a vida artificiosa e
fementida da corte, primeiro em Madrid e mais tarde em Lisboa ;
depois de ter percorrido muitas terras em peregrinações aventureiras,
e de ter experimentado e sofrido ingratidões, perversidades, desgostos
e trabalhos sem número.
; Com que amor nos fala o poeta do seu querido no, e do sítio em
que se lhe junta o Moura, hoje ribeira de Pomares, em cuja con-
fluência está situada a vila de Avô !
Da altiva Estrella nasce altivo Infante,
Meu pátrio Alva, corno de Amalthéa,
Que em pomos, & pescados abundante
Mais copia cria, do que tem de área:
Em partes mudo, em partes retumbante
De Vila em Vila plácido passea,
Que todas nelle tem soberbas pontes,
Pêra quando soberbo investe os montes.
Com duas, & hum Castello, a qual mais forte,
A cara Pátria minha, aonde abraça
O trutifero Moura, umbrosa Corte
De Flora, & Diana, lhe acrescenta a graça.
Serpejando tal vez ao Sul, & ao Norte
Três legoas ao Poente à vista passa
De Arganil, celeberrimo Condado
Que só mereceo ter Conde mitrado '.
Acrescentando em outra parte mais este elogio à sua querida vila
natalícia :
Os bosques, em que está, vê deleytosos
A Ceres loura, & a Flora jardineyra
Vê nascer entre os Rios caudalosos
Nobre Villa em península guerreyra.
' V. T. IV, 90 e 91.
Cap. II — T^asciínenlo, infância e juventude 2g
Que com três edifícios sumptuosos,
Ponte, Castello, Igreja, honrando a Beyra
Ennobrece Diniz, segundo Brigo ',
Novo Restaurador do Reyno antigo ^.
Noutra passagem celebra o formosíssimo lago chamado o Pego,
onde se confundem as águas do Alva e do Moura :
Bem donde o Alva cristalino abraça
O pomifero Moura, que correndo
Pobre de cabedal, rico de graça,
Censo eterno lhe está sempre offrecendo ;
De claras agoas larga, & bella praça
Entre ásperas montanhas se está vendo,
Amphiteatro de plantas, que autorizão
O grã lago, em que sempre se narcisão '.
E deixa transparecer toda a saudade que lhe vai na alma, quando
escreve :
Oieyme nestes vales deleytosos,
Refrigério de cálidos Estios,
Quente abrigo de Invernos rigorosos,
Labyrintho de Flores, & de Rios;
' Brigo, rei fabuloso da península hispânica, imaginado pelos fantasiosos in-
ventores de etimologias, para explicarem o étimo de Briga, que se encontra muito
frequentemente no onomástico toponímico lusitano, e que não passa duma pa-
lavra celta. Laymundo, Vaseo, Beroso e vários outros inventores eméritos, seguidos
pelo nosso Fr. Bernardo de Brito, imaginaram o tal rei Brigo (cujo reinado fixaram
no ano 400 depois do dilúvio, 2o5b da criação do mundo, iqo<'> antes de Christo)
fundador de muitas dessas cidades e povoações, que no seu nome conservaram dele
a memória. O principal intento deste ínclito Rey, diz Brito, foy ampliar, cf- engran-
decer seu Reyno, com muitas pouoações <£• cidades que nelle fundou ; condupndo os
homés que morauão em choças, tC lugares desertos, a hum modo & figura de Repu-
blica muy concertada, de tal maneira, que Espanha ficou em seu tempo, outra muito
differente do que antes fora. E tanto a engrandeceo com edifícios, que delle. . . se
chamarão em Espanha as fortalezas <i- cidades Brigas. . . principalmente em nossa
Lusytania, onde a memoria deste Rey foy mais celebrada, porque a todos os pouos
^fundauão nouamente, lhe dauão o nome de Briga . . . Conclue pois Laymundo com
di^er, que neste Rey & sua prospera ventura, começarão as gêtes de Lusytania &
das mais partes de Espanha, a leuantar cabeça, £■ deixar o modo de viuer bárbaro,
q antes tinhão, gouernandosse com hS modo poltítico, <!• conuersauel, de tal sorte que
se pode com rejão affirmar, ser este hií segundo fundador de Espanha (Monarchia
Lusytana, part. 1, 1. i, cap. vi). Com esta explicação, é clara a referência do poeta.
* V. T. XV, 24, — ' Ibid. XIV, 104.
3o 'Brás Garcia de aMascarenhas
De peyxe, caça, & frutos abundosos,
De primor cheos, de ambição vazios.
Que ambições, & privanças, que namorão,
Fogem dos vales, & nas cortes morão '.
São estes sítios deliciosos, onde passou os melhores dias da ju-
ventude, que constituem o seu sonho querido durante a longa au-
sência forçada, a que se vê condenado; e, apenas o ensejo se lhe
oferece, para eles corre,
Porque assim como a agulha busca o Norte,
Busca a Pátria, o que delia vive absente 2.
Por fim, quando, já cansado de tanto labutar, procura um pouco
de sossego e quietação para a ijltima quadra da vida, é a esta aben-
çoada região, onde brincara na infância, que vem pedir a almejada
tranquilidade, dizendo então, ainda cheio de recordações saudosas de
época distante :
Retiro-me a estes valles, a estas fontes,
A estes frescos jardins, & pátrios Rios,
Contente destes ares, & orizontes ^.
Cedo principiou Brás Garcia a manifestar génio aventureiro e
irrequieto.
Em breve aborrece as letras, a que seu pai o desejava dedicar, e
abandona os estudos, nos quais seus irmãos Manuel e Pantaleão con-
tinuam a fazer progressos, avançando na carreira, que mais tarde é
também seguida pelos outros dois irmãos, Matias e Francisco.
Entrega-se então à aprendizagem da esgrima, e antes de pouco o
jogo das armas não tem para ele segredos; apaixona-se pela equita-
ção, e torna-se um cavaleiro distinto •, a mijsica e a dansa também
nele teem um cultor apaixonado. Com todos estes predicados, com
um génio folgazão, generoso, dado a aventuras, e ao mesmo tempo
altaneiro e brigão, com um temperamento sanguíneo, apaixonado,
romântico, façase ideia de qual seria a vida deste joven fidalgo, cheio
de talento, de vivacidade e de vigor, percorrendo a Beira em viagens
' V. T. XV, 02. — ' Ibid., Go. — ^ Ibid., 104.
Cap. ir — C^ascimenlo, infância e juventude 3i
constantes à busca de festas e divertimentos, que a todos alegrava com
seu espirito e graça.
Galã atrevido e incorrigível, não perdia ocasião de dirigir os
seus requebros a qualquer dama formosa, que se lhe deparasse; e
assim ia entretendo em alegre estúrdia a sua louca ociosidade, como
êle mesmo diz. Madeira de Castro, publicando a biografia do poeta
43 anos depois de este haver falecido, afirma que em Avô ainda não
esquecerão suas juvenilidades *.
Esta vida desregrada devia desgostar profundamente Marcos
Garcia, homem grave e sério, que depois de ter procurado atrair o
filho desassisado, cercando-o de carinhos e pátrios regalos, que êle
despregava, se viu na dura necessidade de se resignar a abandoná-lo
à sua sina.
No meio destes desregramentos, cm que o poeta dissolutamente
se deixou absorver, e apesar da robustez de sua compleição, ura
achaque o torturava frequentes vezes, obrigando-o a cuidados e re-
sguardos: sofria muito da garganta, o que o levava a desconfiar um
pouco da protecção do Santo, em cujo dia nascera, e cujo nome lhe
fora dado. Mas com a idade foi-se atenuando o mal, até completa-
mente desaparecer-.
Um dia sucedeu o que era de esperar. Brás Garcia gostava muito
de brincar com o fogo ; ; que admira que fosse vítima de um incêndio ?
Namorador de profissão, chega o momento em que se sente preso
dos feitiços duma formosa mulher, e desde essa hora começa para
êle a via dolorosa das desditas.
Ignora-se quem e donde seria esta dama, que assim cativou o
galã temível; certamente era da Beira, talvez mesmo de Avô ou
cercanias. Não é lícito conjecturar que fosse D. Maria da Costa,
filha do capitão-mor de Avô, João Manuel da Fonseca, a qual mais
tarde veiu a ser sua legitima esposa ; nesse tempo ainda sequer não
tinha nascido ^.
Por uma série de circunstâncias e coincidências, que bem estra-
nhas seriam se se considerassem meramente casuais, sou tentado a
aventar a hipótese, embora não possa sustentá-la como facto histórico
' Breve resumo etc, no princípio da \.' ed. do V. T. (Vid. doe. CXII).
2 V. T. XV, 3o. — ' Doe. XXIII.
32
^rás Garcia de é\Iascareuhas
à falta de prova suficiente, que a grande paixão de Brás teria por
objecto uma filha do capitão-mor de Avô, Gaspar Dias da Costa, ante-
cessor no cargo e sogro do referido João Manuel da Fonseca.
D. Cecília Madeira da Costa se chamava essa menina, e era quatro
anos mais nova do que o poeta, pois nascera no princípio de maio de
1600, sendo baptizada a 1 1 do dito mês*.
^-nffv fá. . í /í
r
Assento de baptismo de D. Mana da Costa mulher de bras
Herdeira da rara e afamada beleza e encantos de espírito de
Susana Manuel, sua mãe, e de parte da grossa fortuna de seu pai;
apelidado de honrado e rico homem era vários documentos da época,
descendente de nobilíssimas estirpes tanto pela linha paterna como
pela materna : possuidora dum nome dos mais ilustres de toda a
Beira, esmaltado por tradições de família gloriosas : não admira que
em volta desta joven se formasse uma corte de apaixonados e preten-
dentes.
^ Seria ela realmente a amada do nosso Brás Garcia? Suponho
que sim, e a esta hipótese terei ocasião de voltar a referir-me várias
vezes. Fosse porém D. Cecília, ou fosse outra, formosa devia ela
de ser, pois se deduz das estâncias do J^iriato Trágico não só que
a paixão do poeta foi profunda e enorme, senão também que seme-
' Vid. S'otas genealóg. III, 11, D.
Cap. II — C\ascimeiilo, infância e juventude 33
Ihantes paixões despertou a mesma dama em outros rivais. O que é
certo é que exerceu sobre êle e sobre a sua vida uma influência decisiva.
Foi então que principiou a fazer versos, cantando o objecto dos
seus amores, em volta do qual ficou de ora avante gravitando, como
a fascinada borboleta à roda da luz. \ Que pena terem-se perdido estas
primeiras composições, assim como todas as líricas do nosso poeta,
que tam interessantes seriam para o estudo psicológico de Brás!
Não ha desgosto que não lhe advenha destes amores : ciúmes de
rivais, desafios e brigas em que é ferido, resisléiicias e transes que
nos são desconhecidos, intempéries de vento, chuva, calma e neve; a
tudo isto o poeta se sujeita, tudo sofre pela sua paixão, e nada sente.
E interessante a narração auto-biográfica deste período da juventude,
que encontramos enquadrada no canto xv do Viriato Trágico •.
Porém como estes bens não conhecia.
Nem os futuros males receava,
Quanto já na puerícia mais crescia,
Mais os pátrios regalos desprezava.
Em desejos de ver o mundo ardia,
Estreyta a Pátria o coração achava,
E as Letras, a que quatro Irmãos se derão,
Pellas Armas seguir, me aborrecerão.
Entro na adolecencia, ponho espada,
E delia aprendo huma, & outra regra.
Ramo não fica, em que não vá provada,
Nem cabello, em que não me dem com a negra.
O tanger, & dançar muyto me agrada,
Mais o cavallo brincador me alegra:
De festa em festa ao néscio encaretado
Aqui senhor me finjo, ali criado.
Porque a toda a janela de cortina
O Picaro 2 disfarce reconhece.
Que onde brilha a belleza peregrina,
.Sobe o sotaque ' a ver se o favor dece.
Qual cala, qual responde, qual se inclina,
Qual favorece, qual desfavorece.
Selada * feyta de confiança honesta.
Festa, que todos tem por melhor festa.
' Estt. 33-38. — 2 Travesso, malicioso, astuto. — ' Dito picante, espirituoso.
'' Salada (mod. sal galhada) : — mistura de cousas em confusão. Também
costumavam assim denominar-se certas composições poéticas, em que entravam
versos de vários géneros e metros.
34 ^ràs Garcia de óMascareu/ias
Amor, que em noviciado entretivera
Até ali minha louca ociosidade,
Tratou de siso, como se o tivera,
De me opprimir de todo a liberdade.
As Musas que emté antão, ' não conhecera.
Achando em seu calor facilidade,
Cantando espalhão queyxas, & louvores,
Que Amor sem versos, hé jardim sem flores.
O mais inhabil, & grosseyro Amante,
Se não faz versos, os alheos canta.
Passarinho não há, que os seus não cante.
Porque seu metro tem, sua garganta.
Responde a fera à rude consoante
Da que bramindo absente a voz levanta;
A tudo o que ama infeyta esta harmonia.
Porque hé gala do Amor a Poesia.
Este Tyranno intrinseco me deve.
Quantas desditas tenho padecidas,
Que em tantas me enredou em tempo breve,
Que o não há, pêra serem referidas.
Ciúmes, vento, chuva, calma, neve.
Desafios, pay.xões, brigas, feridas.
Resistências, & transes, que não pinto.
Tudo por elle passo, & nada sinto.
' Até então. Formas antiquadas na linguagem literária, mas que se conservam
ainda na popular.
III
Prisão e fuga do poeta
Em 1616 achava-se completa a família de Marcos Garcia.
Brás continuava na sua vida airada; agora, todo absorvido pela sua
grande paixão, raras vezes parava em casa, e era o constante desgosto
que pungia os pais e irmãos, e os trazia em contínuo sobresalto.
O Manuel, com os seus 22 anos feitos, admiravelmente familiari-
zado com os clássicos latinos, conhecia todos os segredos da lógica
desvendados por Aristóteles, e todos os artifícios da retórica por
Quintiliano formulados.
Era um rapaz de estatura regular, bem feito de corpo, de rosto claro,
testa ampla e majestosa ; quando se ria ou falava, apareciam duas
belas fileiras de dentes muito alvos. Não tinha inimigos. De inteli-
gência viva e culta, de ânimo varonil e generoso, de seriedade e
ponderação muito raras naquela idade, de comportamento e.xempla-
ríssimo, este mancebo atraía a estima, a admiração, o respeito de
quantos o conheciam '.
Como tencionava dedicar-sc ao estado eclesiástico, fora adscrito
ao serviço da igreja parochial de Avô; trajava por isso clericalmente,
embora ainda fosse leigo -. Todos os dias subia várias vezes à
' Estes predicados físicos e morais de Manuel Garcia e de seu irmão Panta-
leão encontram-se referidos nos processos que se organizaram para a sua admissão
aos diversos graus de ordens, os quais se encontram arquivados na Câmara Ecle-
siástica de Coimbra. Destes processos, e de outros relativos a descendentes de
Marcos Garcia, copiei alguns documentos, que vão adeante publicados. Quanto a
Manuel Garcia, veja-se o doe. XXVI.
* Quando recebeu prima tonsura e o grau de ostiário, a 18 fevereiro 1617,
declarou-se, na inscrição dos ordinandos então feita, que estava adscripto ao ser-
uiço da dita igr.'^ [de nossa S/' da Concejção da vitla de auoo; aliás de N. S.' da
Assunção]. (C. C, — L.° para matricula de ordens em lòiy-iCig, d. 4 v.° e 23).
36 liras Garcia de e^Iascarenhas
igreja, ao toque dos sinos, para acolitar os clérigos da colegiada de
Nossa Senhora da Assunção, tanto na recitação do ofício divino,
como na celebração das missas e restantes actos litúrgicos *.
Preparava-se para no próximo outubro vir fazer o seu exame de
suficiência no Real Colégio das Artes de Coimbra, que o habilitaria
à matricula no primeiro ano universitário.
Ele mesmo auxiliava nos estudos o irmão Pantaleão, rapaz de
i5 anos, alto, de rosto comprido, um pouco aguçado no queixo,
ainda sem sinais de barba. Não era tão claro como o Manuel,
tinha as faces rosadas, olhos garços suaves e formosos, dentes alvos,
mãos compridas de talhe aristocrático, falas brandas e insinuantes,
Para completar o retrato diremos que era muito sossegado, pacífico,
piedoso, assíduo frequentador dos actos religiosos; assim mais parecia
uma donzela recatada, do que um rapaz da sua idade. Tinha en-
tretanto notável agudeza de inteligência, e era muito estimado e
querido em Avô-.
Com os seus nove anos, o Matias apenas então começaria os
longos e laboriosos exercícios de soletração, mas já mostrava uma
vivacidade e irrequietismo, que preocupava bastante o pai, fazendo-o
recear que estivesse ali em preparação um segundo Brás ^.
O Francisco não passava de uma criancinha de 4 anos. o mais
novo do rancho, muito amimado pela mãe, que nele se revia, amando-o
extremosamente como liltimo dos seus filhos.
Eis a situação em que se achavam neste ano de 1616 os quatro
irmãos de Brás Garcia de Mascarenhas. Camilo Castelo Branco
apresenta-os aos seus leitores como sendo, três anos depois deste a
que nos reportamos, j quatro padres valentões e violentos, que já se
haviam formado em direito canónico * !
I Tanto pode a imaginação fecundíssima dum grande romancista !I
Mas entrando em casa de Marcos Garcia, e travando conheci-
mento com os rapazes da família, não deixemos de procurar ver tam-
• Doe. XXVI. — 2 Doe. XXVII e notas respectivas.
' O caracter e génio de Matias Garcia deduz-se da leitura dum processo ar-
quivado na Câmara Eclesiástica de Coimbra, do qual extraiamos algumas peças,
que publicamos entre os documentos com o número de ordem LXXXV. Veja-se
também o doe. XCVIII.
< Luta de gigantes, introdução.
Cíjp. III — T^risão e fuíía do poeta 3']
bem as irmãs. E um pouco mais difícil, pelo grande recato de que
na província se cercavam as donzelas de fina educação.
A mais velha, Feliciana, era então uma senhora de 24 anos; au-
xiliava sua mãe na direcção dos labores domésticos, e adestrava-se
para ser em breve uma boa dona de casa. Fora ha pouco pedida
em casamento para Sebastião Gomes, mancebo considerado da vila
de Anadia, que herdara de seu pai, com um nome honrado, uma boa
fortuna '.
Verónica e Maria, na viçosa idade de 20 anos uma, outra de 18,
entreter-se hiam, como abelhas diligentes, nas lides familiares, e, já
bordando, já costurando, preparariam o enxoval de sua irmã, que
devia de ser importante, como exigia a prosápia fidalga e situação
de sua família, e a larga abundância e consideração em que vivia a
família do noivo. Nas horas de descanso, encostadas ao peitoril ou
à grade de uma das janelas, que ainda hoje existem, sobre o Pego,
vendo correr mansamente a água por entre as árvores que revestiam
as margens, e ouvindo o mavioso canto dos roxinois e das tutinegras,
ou sentadas no estreito jardim, que mediava entre a casa e o poético
lago, recreando a vista no belo quadro que as cercava e aspirando o
inebriante aroma das Hores, ; quantos sonhos de felicidade não arqui-
tectariam elas, a pensarem no próximo casamento da irmã? ; Se o
mundo é assim, todo cheio de ilusões!...
Bastante mais novas, Ana e Isabel iam sendo educadas com a
aquisição das prendas que então se exigiam na província em damas
de igual estirpe, entre as quais se não contava a de saber escrever;
e Antónia, que no próximo novembro completaria os 8 anos, outra
cousa não podia fazer senão brincar com o irmãozito mais novo, e
cuidar das suas bonecas.
No meado de outubro deste ano partiu para Coimbra Manuel
Garcia, para começar o seu curso universitário em uma das faculda-
des jurídicas, provavelmente na de Cânones. Era comum o primeiro
ano dos dois cursos, de Cânones e de Leis; só do segundo em deante
é que se distinguiam.
Como não era bacharel em Artes, nem tinha jamais frequentado
os cursos desta faculdade, fez no Colégio ou Escolas menores, então
« Doce. XXII e CVII.
38 'Brás Garcia de SWascarenhas
confiadas aos padres da Companhia, o exame de habilitação, que
tinha por fim principalmente averiguar se o candidato estava corrente
no uso e inteligência da língua latina, pois nas aulas universitárias
era exclusivamente esta língua a usada nas prelecções, interrogatórios
e respostas, sob pena de cem réis de multa, que qualquer lente trans-
gressor teria de pagar'.
Com a certidão, passada pelo padre principal, de como foi exami-
nado, e achado sufficiente pêra poder ouvir direito ^, vei u em pessoa,
e cõ habito de estudante^, apresentar-se no dia 21 de outubro ao
secretário da Universidade na sala do Conselho, para realizar a sua
matrícula '.
Já era passada a primeira metade de outubro, pelo que teve pre-
viamente de declarar, sob juramento, qual o dia em que havia chegado
a Coimbra; e como desde então não eram ainda decorridos os quinze
dias de tolerância, o secretário, recebido o juramento dos estatu-
tos 5, lavrou o termo de matrícula no curso de Instituta (i." ano
' Estatutos da Universidade de Coimbra: Confirmados por el Rei Dom Phe-
lippe primeiro deste nome, nosso Senhor: Em o anno de iSgi, 1. III, tit. xi, §§ 10 e 1 1.
2 Ibid. tit. 1, § 2.
' O trage académico era bastante diferente do que veiu a ser usado desde o
século XVIII em deante ; e, embora houvesse prescrições regulamentares, é certo que,
tanto no corte como na escolha das fazendas, o arbítrio dos rapazes tinha ensan-
chas para variar, e para introduzir modas. Havia entretanto limites e restrições,
em virtude das quais lhes era proibido o uso de sedas, a não ser nos forros dos
chapéus e barretes, coitares dos manteos, e guarnições de sotainas por dentro; tam-
bém não podiam usar em nenhum vestido externo as cores amarela, vermelha, en-
carnada, verde e alaranjada, e na cabeça não lhes era lícito trazer barretes que não
fossem redondos ou de cantos, sendo-lhes interdito o uso de carapuças a não ser
que andassem de luto, se fossem pessoas que por lei o pudessem usar, e durante o
tempo estritamente limitado ; nem tinham faculdade para trazerem abanos nas ca-
misas, senão coitares chãos sem feitio de rendas, nem bicos, nem transinhas, nem
outras guarnições semelhantes. As capas de capello cerrado eram proibidas, de-
vendo os estudantes trazer manteos de coitar, ou de capeltos abertos; e interdição
absoluta havia de usar vestes com golpes ou entretalhos que se vejão, e botas ou
çapatos com piques, golpes, botões ou fitas. — O vestuário dos estudantes da Uni-
versidade de Coimbra nesta época encontra-se ordenado nos citados Estatutos
de i5gi, 1. III, tit. iii. Pelos referidos estatutos filipinos fora revogada a Ordenança
para os estudantes da Universidade de Coimbra de 3i de janeiro de iSSg, que por
lapso, um pouco indesculpável, Camilo Castelo Branco supôs ainda em vigor na
época de que nos ocupamos. (Vid. Luta de gigantes, introdução).
" Doe. XXI.
^ Eis a fórmula : — Eu F. juro a estes sanctos Euangelhos, que serei obediente
ao Rector desta Vniuersidade, c6 a seus sucessores, in licitis & honestis, & nos ne-
Cap. Ill — 'Trisào e fu^a do poeta 3g
jurídico), e arrecadou os dez réis que lhe pertenciam de emolu-
mento *. Desde então ficou Manuel Garcia pertencendo ao foro
privativo da Universidade, e frequentou com regularidade as aulas
até ao fim de maio de 1617^.
No sábado das têmporas da cinza, a 18 de fevereiro deste ano,
fez o seu ingresso no estado clerical, recebendo prima tonsura e o
ostiariado, primeiro grau das ordens menores, das mãos do bispo-
conde D. Afonso Furtado de Mendonça, na capela-mor de S. João de
Almedina.
Suponho que durante este ano lectivo teve na sua companhia o
irmão Pantaleão. Embora pudesse continuar na Beira os seus estu-
dos para o estado eclesiástico, a presença cm Coimbra do irmão mais
velho, que neles o costumava dirigir e auxiliar, deve ter determinado
a sua vinda. Os processos de inquirição e as informações paroquiais
de generc, uila et moribiis para a recepção sucessiva dos diversos graus
de ordem, dão-no como tendo residido permanentemente em Avô;
somente na informação escrita pelo padre cura Inácio Rodrigues, a 7
de setembro de 1627, quando corria o processo para a sua ordenação
de diácono, é que se lê uma restrição : — rtão resedio fora desta rilla
tempo algú senão quãdo estudou nessa Cidade ^. Parece tratar-se de
um facto que, por ter curta duração e por ser passado ha muito tempo,
estava esquecido, e por isso não fora consignado nem nos depoimen-
tos das testemunhas, nem nas três informações sucessivas, dadas
anteriormente a esta nos anos de 1625 e 1626 pelo mesmo padre Inácio
Rodrigues, aparecendo apenas nesta informação porque, ao fazê-la,
o padre cura se lembrou casualmente daquele facto.
Creio pois que a residência de Pantaleão Garcia em Coimbra
cansa studii coincidiu com a de seu irmão Manuel, não excedendo o
tempo de um ano lectivo, como se vai ver.
Posto ponto nas aulas no último de maio de 1617, veio Manuel
Garcia em um dos primeiros dias de junho perante o lente doutor
gocios, & cousas da Vniuersidade darei conselho fiel, ajuda, & fauor : & contra ella,
ou seus estatutos nunca aconselharei nem ajudarei pessoa algua, sem primeiro lhe
pedir pêra isso licença, & todas as ve^es que me mandar chamar irei em quanto na
dita Vniuersidade estiuer. (Estat. cit. 1. Ill, tit. 11).
' Ibid. tit. 1. — 2 Doe. XXI. —3 Cf. doe. XXVII, nota 2.
40 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
António Lourenço, que representava o reitor D. João Coutinho, achan-
do-se também presente o secretário da Universidade, a fim de provar o
seu curso •. Exibiu um certificado, pelo qual mostrou que, alem da
obrigação da Paschoa da Resurreição, se confessara ires i>e:{es no anno,
conuem a saber, pellas festas de todos os saiictos. Natal, & Pentecoste * ;
com os depoimentos de dois condiscípulos, devidamente ajuramen-
tados aos santos Evangelhos, provou que frequentara as aulas durante
8 meses menos 20 dias ^, e que possuía seus próprios todos os livros
de texto da sua faculdade ^
O curso precisava de ser, pelo menos, de oito meses completos,
sem o que não podia em outubro matricular-se no imediato ^; en-
tretanto ao estudante que provasse ter frequentado mais de seis
meses, valorizava-se essa freqiiência, e permitia-se-lhe perfazer o
restante até completar os oito meses, frequentando no princípio do
ano seguinte as mesmas cadeiras durante o número de dias para isso
necessário ''; e ainda se lhe facilitava mais o complemento do curso,
levando em conta para este efeito a assistência aos actos públicos dos
bacharéis da mesma faculdade, que se faziam em junho e julho. Era
deste último meio que geralmente se utilizavam os alunos. Em qual-
quer destes casos provavam também testemunhalmente a frequência
suplementar, lavrando-se o termo respectivo no livro de provas de curso,
Manuel Garcia porém prova a sua frequência até ao último de
maio, e, deixando o seu curso de Instituta incompleto, ou pelo menos
sem voltar em julho a provar que o completara com a assistência
aos actos dos bacharéis, j desaparece da Universidade, para não mais
se lhe tornar a fazer referência ou alusão alguma nos registos aca-
démicos !
Demorei-me propositadamente neste ponto porque, embora à pri-
meira vista nenhuma relação pareça ter com a biografia de Brás
Garcia, tem-na contudo, e grande. Para a tão obscura cronologia
da vida do nosso poeta é de interesse bem saliente o facto, que dei-
xamos averiguado : seus irmãos Manuel e Pantaleão só residiram em
Coimbra no ano lectivo de 1616 a 1617.
Realmente a tradição, consignada pelos escritores, envolve os
irmãos como cúmplices na aventura extraordinária e memorável da
1 Estat. cit., 1. III, tit. I, §•§ 4 e 8; cf. doe. XXL — 2 Ibid. tit. ra. — ' Doe. XXI.
* Estat. I. cit., tit. xui, § 2. — 5 Ibid. tit. xlii. — ' Ibid. tit. i, § 9 e 10.
Cap. IH — 'Prisão efiiga do poeta 41
fuga do poeta, depois de uma prisão mais ou menos demorada na
cadeia da Portagem; o que, pelas circunstâncias que a revestiram,
supõe que eles residiam então nesta cidade. Pequenos incidentes
nos são revelados pelos documentos, que mais vêem confirmar esta
suposição.
Narremos agora os factos, que assim teem de ser fixados no men-
cionado ano lectivo.
Nas excursões frequentes, em que o nosso poeta andava, um dia
aparece em Coimbra. O motivo determinante desta vinda foram
umas festas extraordinárias, que então aqui se fizeram: talvez as festas,
acompanhadas de grandes manifestações de público regozijo, reali-
zadas por ocasião da entrada solene do novo bispo-conde D. Afonso
Furtado de Mendonça, em novembro de 1616.
Era em Coimbra muito conhecido este prelado, gozando de gran-
des simpatias, desde o tempo em que, na qualidade de reitor, gover-
nara as escolas universitárias de iSgy a i6o5.
Dizem os biógrafos do poeta, principiando pelo seu parente por
afinidade, e quási coevo, Bento Madeira de Castro, que essas festas
tiveram a sua sede, ou o seu principal núcleo, no terreyro de Sãosam,
actual praça Oito de Maio; e realmente não admira que se notabili-
zassem em especial as demonstrações de júbilo realizadas em honra
de D. Afonso Furtado pelos cónegos crúzios, no largo em frente do
seu convento e igreja. São bem conhecidas as relações intimas,
tanto particulares como oficiais, que havia entre a Universidade e
aquele mosteiro, para não se poder estranhar que o prior-geral, que
ao tempo era D. Jerónimo da Cruz, se esmerasse em fazer realçar e
sobresaír o esplendor das festas consagradas pelo seu convento ao
virtuoso bispo, ao lado do qual durante anos se sentaram os prelados
crúzios em todas as solenidades académicas, na sua categoria de can-
celários da Universidade.
Brás, com o génio que a natureza lhe dera, não podia ser simples
espectador pacato, ver e admirar boquiaberto, como provinciano in-
génuo e pacifico, as festas esplendentes. A breve trecho deu que
falar de si, sendo preso e conduzido à cadeia civil da Portagem.
^ Que teria ele feito para isso? Não o sei, mas certamente foi
cousa muito grave.
; Seria que, ao passar por qualquer das tortuosas ruas da lusa
42 ^rás Garcia de (^Mascarenhas
Atenas, visse à janela alguma formosa e recatada filha do Mondego,
c desde logo pusesse em execução a sua arriscada teoria.
Que onde brilha a belleza peregrina,
Sobe o sotaque a ver se o favor desce ',
mas em vez de favor visse descer, em defesa da bela, um irmão ou
um marido que, tentando castigar o atrevimento, fosse gravemente
ferido, ou talvez morto, pelo temível espadachim?
^ Seria que, levado pelas suas tendências aventureiras, se introme-
tesse ousadamente, mais do que a prudência aconselhava, nos diver-
timentos e folgares do povo, ele que se gabava de que
De festa em festa ao néscio encaretado,
Aqui senhor me finjo, ali criado ',
e desta forma provocasse alguma desordem grave e sangrenta, sendo
surpreendido em flagrante delito?
l Seria que, juntando-se com alguns estudantes beirões, seus conhe-
cidos ou parentes, ele, que era por índole folgazão incorrigível, e
confessava
O tanger e dançar muyto me agrada ',
fosse de noite, numa dessas estúrdias coimbrãs, em toques e descan-
tes, e encontrando-se com a ronda, ao ouvir qualquer admoestação,
desembainhasse a espada, e desatasse a acutilar os representantes da
autoridade ?
Tudo podia ser, e não nos resta meio de precisar o facto, de certo
gravíssimo {muy grave caso lhe chama o poeta ^), que originou a
prisão; sabemos apenas que Brás, ao ser preso, estava cheio de grande
contentamento, que logo se dissipou a sopro de malsim.
O poeta conta esta aventura na estância seguinte ^:
Lá, donde com mais plácida corrente
O sereno Muliades ^ caminha,
Espelho dando à fabrica eminente
Do Arriano Ataces, & Christá Raynha ',
' V. T. XV, 35.-2 ibid., 34. _ 3 ibid. _ 4 ibid,, 40. — 5 Ibid., 39.
•> Mondego, o rio que banha Coimbra.
' Ataces, ariano de religião, rei dos alanos, casado com Cindasunda, católica,
filha de Hermenerico, rei dos suevos, foi, segundo a lenda, quem fundou a nova
cidade de Coimbra junto ao Mondego, no local onde hoje se encontra, dando-lhe
Cap. Ill — Trisão efuga do poeta 48
Fuy a ver, mais incauto que prudente,
HCa festa, que foy tragedia minha,
Que a sopro de malsim preso exprimento.
Que leva um sopro o mór contentamento.
A prisão foi longa ; dilatada lhe chama o poeta, de algum meses
acrescenta o seu primeiro biógrafo.
Viu-se então abandonado de quási todos, ainda mesmo dos pa-
rentes e amigos, que prudentemente evitaram comprometer-se pro-
tegendo-o. Os inimigos, esses sim, apareceram para mais agravarem
a melindrosa situação do criminoso, acusando-o provavelmente do seu
mau comportamento anterior, das brigas e rixas sangrentas que pro-
vocara, e em que era useiro e vezeiro.
O caso pois ia-se tornando cada vez mais complicado. Só havia
que apelar para a fuga. Mas ; como ? A prisão era forte e bem
vigiada; coadjuvação de fora pouca ou nenhuma podia esperar. Seu
pai, enfadado e aborrecido de tantos desatinos, lá estava em Avô,
aguardando os acontecimentos, sem nada poder fazer em benefício
do filho. O irmão Manuel alguma cousa desejaria tentar, mas ^o
que ? Naturalmente pacífico, sem o talento inventivo de expedientes
rápidos e decisivos, que abundava no irmão, ia também esperando
cheio de desalento.
Entretanto a justiça, nas suas morosidades habituais, lá ia arras-
tadamente instruindo o processo, com largos compassos de espera.
Assim se mantiveram as cousas até ao verão.
Era uma terça feira, 4 do mês de julho; um desses dias de sol
ardente ', sem a mais leve aragem que mitigasse o calor insuportável,
não raros na cidade de Coimbra, nos meses de julho e agosto.
Na cadeia da Portagem reinava sossego completo.
Os homens da guarda, deitados nas tarimas, tomavam a sesta na
por armas a figura da própria esposa, ladeada por um leão e um dragão, simboli-
zando o marido e o pai. A invenção de tal fantasia, a que alude o poeta nestes
versos, pertence toda inteira a fr. Bernardo de Brito, que a vulgarizou na Monarch.
Lusyt., parte 2.', 1. 6, cap. 3.
> V. T. XV, 42.
44 ^rás Garcia de d/^íascaren/ias
mais perfeita e descuidada confiança. E, realnnente, ;que podiam eles
recear ? A cadeia era segura e bem guardada, com as suas duplas
grades de ferro nas janelas, e as portas fortissimaraente chapeadas;
o carcereiro, de molho de chaves pendente ao lado direito do cinturão,
do lado esquerdo a espada, em cujo manejo estava bem adestrado,
dava garantia mais que suficiente de segurança e boa ordem.
Cá fora havia, é verdade, movimento desusado, mas ; que impor-
tava isso .'' Celebrava-se nesse dia a festa da protectora de Coimbra,
a popular Rainha Santa, cujo culto antigo havia tomado grande in-
cremento desde que, cinco anos antes, correra nesta cidade o processo
para a sua canonização, no qual foram chamadas a depor perante os
juízes apostólicos, na igreja de S. João de Almedina, testemunhas de
toda a diocese e ainda de fora, e se corroboraram judicialmente
milagres, que impressionavam a imaginação, e cuja fama havia muito
que andava na boca do povo. Concorrera bastante para esta exal-
tação recente da devoção popular o facto, que logo se divulgou, de
se ter encontrado inteire o corpo da virtuosa esposa de D. Dinis,
quando a 26 de março de 1612 os mesmos juízes apostólicos man-
daram proceder, na sua presença e na de alguns peritos, procuradores,
notário e testemunhas, à abertura do túmulo.
A festa, que anualmente se fazia com procissão solene, pelo menos
desde i56o, passou a ser mais largamente concorrida de devotos das
aldeias, a rústica plebe ' que, cheia de devoção e curiosidade,
aguardava a hora de sair a procissão, e estacionava em grupos onde
quer que houvesse uma sombra "-.
Decorriam as horas de maior calor.
Eis que aparecem à porta da cadeia uns criados de Manuel Gar-
t V. T. XV, 42.
- Havia nesta época em Coimbra grande entusiasmo em realizar com esplendor
as festas da Rainha Santa Isabel. Temos disso vários vestigios, um dos quais está na
acta duma sessão da mesa da Misericórdia desta cidade, realizada a 3 de julho de
1Õ14 sob a presidência do bispo-conde, o magnânimo e faustoso D. Afonso de
Castelo Branco, acta esta que se encontra no Cartório daquela corporação, exarada
no 1. 2.° dos Assentos e acordos (1614-1629), fl. i. Tinham-se mandado chamar à
presença da mesa, a fim de prestarem o costumado juramento, dois irmãos que
ultimamente haviam sido eleitos mesários. Um deles, R.° dalbuquerque, não com-
pareceu, enviando recado a dizer que não podia ir, ^'or andar ocupado com as festas
da K." Sx^. — De tudo isto se encontram notícias minuciosas e circunstanciadas
na minha obra em 2 volumes intitulada — Evolução do culto de Dona Isabel de
Aragão, esposa do rei lavrador, Dom Dinis de Portugal (a Rainha SantaJ. —
Coimbra 1894.
Cap. III — 'Prisão efuga do poeta 45
cia, portadores de um grande presente para o preso, nada estranhável
neste dia de festa. Deviam ser conhecidos do carcereiro, e não era
certamente a primeira vez que ali iam, como portadores de enco-
mendas ou recados.
O carcereiro não os deixaria entrar, sem primeiramente ser veri-
ficada a perfeita inofensividade do presente c dos portadores. Tudo
estava regular. Era autêntico o presente, os portadores pacíficos e
desarmados. O cérbero vigilante puxou do seu moliio de chaves,
abriu a primeira porta, cometeu a indesculpável imprudência de a
deixar aberta, seguiu o corredor acompanhado dos criados, e foi
abrir a porta da enxovia onde Brás se encontrava.
Num relancear de olhos, com aquela agudeza de vista que o
distinguia, o preso notou a imprudência, que depois chamou alheyo
erro ', cometida pelo carcereiro. A rapidez assombrosa com que,
aproveitando qualquer circunstancia fortuita, traçava um plano, e a
prontidão com que, sem se deter um momento em leve hesitação, o
executava, eram qualidades admiráveis que possuía, e de que tantas
vezes deu provas durante toda a sua vida. Desta vez manifestou bem
claramente estes dotes extraordinários.
Ver a porta aberta, cair como um raio sobre o pobre carcereiro
sem lhe dar tempo para nada, arrancar-lhe a espada da bainha, e
prostrá-lo com uma formidável cutilada, foi tudo obra dum momento.
De espada em punho corre sobre a porta; o pessoal da guarda,
surpreendido num primeiro momento de indecisão, pretende embar-
gar-lhe o passo. Mas era tarde : o preso, galgando de dois pulos o
átrio, transpunha a porta da rua.
Para compreendermos a narrativa da fuga audaciosa de Brás
Garcia, precisamos de reconstituir primeiro a topografia do largo da
Portagem e suas vizinhanças. Na planta aqui reproduzida encon-
tra-se perfeitamente determinado o sítio onde se erguia a cadeia da
Portagem. Ainda hoje temos um ponto de referência, que serve admi-
ravelmente para, à face da planta, se determinar com precisão esse
local: é a torre da antiga cidade, cujo ângulo vemos a salientar-se
no edifício em ruínas do velho colégio da Estrela, quando o obser-
vamos da Avenida de Emídio Navarro, nas proximidades da ponte.
1 V. T. XV, 41.
46 'T3rás Garcia de oMascarenhas
A cadeia ficava no sitio onde hoje se encontram as duas primeiras
casas de habitação do largo, junto ao princípio da subida para a
Estrela.
Na vista panorâmica de Coimbra, que também adeante (pág. 49)
publicamos pelo seu valor documental, lá se descobre uma parte do
edifício da cadeia. Emerge por trás de um torreão, pertencente às
casas do lado fronteiro do largo, mostrando no i." andar quatro das
suas janelas, e no 2.° duas de frente e uma de topo. O largo, de
forma bastante irregular, e acanhado, abria-se, na sua maior extensão,
de E.-N.-E. a O.-S.-O. em direcção ao rio, e media cerca de SS"
de comprimento por 17 de largura.
Ao lado da cadeia rasgava-se um arco, que dava ingresso à rua da
Calçada, hoje de Ferreira Borges, a qual portanto se prolongava para
esta banda bem mais de que actualmente, indo abrir-se nela a rua
dos Gatos, de que ao presente resta apenas uma parte. O lado do
largo, compreendido entre o princípio da rua da Calçada e a passagem
para a ponte, era constituído por casas particulares, que ininterruta-
mente se enfileiravam, sem deixarem saída alguma, até irem topar na
torre, que se erguia na extremidade da ponte.
Caminhando da cadeia para o rio, poucos passos andados, encon-
trava-se o começo da rampa que dava acesso, como hoje, à rua da
Alegria e à Estrela, onde então havia uns arcos romanos, e onde ficava
a porta de Belcouce, para lá da qual se estava dentro da cidade alta,
que era toda cingida de muralhas ; nestas se abriam, a dar comuni-
cação para o exterior, alem da de Belcouce, mais quatro portas: a da
Traição, do Castelo, de S.'° Agostinho ou do CoUégio Novo, e de
Almedina. Continuando a avançar no largo da Portagem em direcção
ao rio, logo adeante do começo da rampa da Estrela, deparavam-se-nos
umas casas, e, contornando estas, ficava livre a margem do Mondego
para montante, onde se encontrava, um pouco acima, o lugar ou cais
do Cerieiro. Ali uma larga escada dava descida para o rio.
Resta falar do lado do largo contíguo ao Mondego, que então
corria bem mais próximo da cidade do que hoje. Nesse lado havia
um coberto voltado para o terreiro, onde se pagavam os direitos de
portagem e de passagem pelas fazendas que por esta banda entravam
na cidade, quer destinadas a venda, quer em simples trânsito ; foi
esta cobrança que deu o nome da Portagem ao lugar. Em frente
desse coberto ou telheiro erguia-se o pelourinho, que em 1611 tinha
sido mudado da praça de S. Bartolomeu para aqui; e mais abaixo,
encostada à torre da ponte, havia uma capelinha minúscula, com
Cap. Ill — Trisão e fuga do poeta
47
Planta do largo da Portagem e suas vizinhanças, com indicação da cadeia
e do camirilio seguido por Brás, quando se evadiu
48
'Brás Garcia de SVÍascarenhas
entrada lateral, a que dava acesso uma escada exterior de pedra, de
quatro degraus, e cuja frente era rasgada por amplo arco, que deixava
a descoberto todo o interior do edículo. Era aqui que se celebrava
missa todos os domingos e dias santificados, para os presos cumpri-
rem o preceito eclesiástico, assistindo a ela através das grades da
cadeia, situada no lado oposto do pequeno terreiro. Ainda hoje
existe em Coimbra um edículo do mesmo tipo; está encostado á
igreja de S. João de Almedina, e servia para se dizer missa aos
presos do aljube, que ficava fronteiro.
KdJo S.-O do largo da r*orIagem, que ficava fronteiro às janelas da cadeia
Para completar o conhecimento do largo da Portagem, precisamos
ainda de falar da torre, a que ficava encostada a capelinha, com a
qual formava o ângulo O. do largo. Era uma construção forte e
elevada, de forma quadrangular, a mais comum nestes edifícios des-
tinados a defesa das entradas dos lugares fortificados. Constituía a
única passagem da ponte para a cidade, e era conhecida pela deno-
minação de porta da Portagem. Os lados N.-E. e N.-O. não tinham
abertura; mas a parede S.-O., que se defrontava com a ponte, e a S.-E.,
que faceava com o largo, eram abertas em arco, dando acesso às
pessoas que da outra banda do Mondego se dirigiam a Coimbra.
Sobre o fecho do arco que olhava para a ponte havia uma apa-
ratosa lápide, com i'",84 de alto por i'",65 de largo, ricamente escul-
pida em estilo manuelino. Representava Nossa Senhora, assentada,
com o Menino ao colo, e ladeada por dois escudos com as armas
portuguesas, tendo aos pés uma inscrição em caracteres góticos come-
morativa da reconstrução da ponte e do acrescentamento da torre,
no reinado de D. Manuel.
Em 1646 a Câmara municipal, em cumprimento de ordens supe-
Cap. III — Trisão efiiga do poeta
49
Panorama de Coimbra, desenhado do natural antes de 1837. Nele se vi a antiga ponte
sobre o Mondego, a torre com o arco e a cadeia da Portagem
5o 'Brás Garcia de Mascarenhas
riores, colocou outra lápide por baixo daquela, a comemorar a acla-
mação da Virgem por padroeira do reino, e o juramento da sua
Conceição Imaculada.
No interior da torre, na parede fronteira a este arco, a altura
conveniente para ser visto por quem viesse caminhando pela ponte
em direcção á cidade, havia um nicho, no qual destacava uma ima-
gem de S.'" Agostinho *.
Conhecido o local, descrevamos agora a fuga.
' Tanto a planta do largo da Portagem e suas vizinhanças, como a vista dum
dos lados do mesmo largo, que aqui se publicam (pp. 47 e 48), são copiadas de
desenhos oficiais e autênticos do século xviii, ainda inéditos, pertencentes ao
Sr. Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, e actualmente depositados no Museu
do Instituto; advertindo porém que a grimpa do pelourinho é desenhada do natural,
pois está guardada no mesmo Museu. A torre apresenta o arco que olhava para
o largo, mas já não aparece íntegra. Tinha sido demolida, provavelmente na pri-
meira metade do século xviii, a parte superior, e a família dos Abreus, de Ponte
do Lima, a quem pertencia a casa próxima, estabeleceu (ignoro com que bulas)
comunicação de sua casa para a torre, onde construiu uns alegretes, transformando-a
assim em mirante de recreio.
Vista do lado da ponte, também se encontra figurada a torre, mostrando o
outro arco, no panorama da cidade, que juntamos igualmente (pag. 49), e que foi
desenhado do natural antes de iSSj, embora só fosse publicado em agosto de iSSg
no Universo pitoresco, n.° 8, ad pag. 1 13. Estes três documentos gráficos são inte-
ressantes, e completam-se.
Em 1873 a Câmara municipal mandou arrasar esta velharia, para dar entrada
franca e ampla da ponte para a cidade. Dos quatro muros da torre apenas ficou
subsistindo aquele onde estava o nicho de S.io Agostinho; mas a vereação refor-
madora, apeando a imagem do Santo e arrancando o nicho, teve a feliz ideia de
embeber no lugar deste o padrão manuelino e a lápide da Conceição, que até então
haviam estado sobre o arco fronteiro, que acabava de ser demolido ; e desta sorte
se salvaram aqueles monumentos. Ali os conheci eu, em frente da antiga ponte,
naquela mesma parede da velha torre, ora mascarada à moderna com reboco, e
pintada de amarelo, sobre a qual fora arranjado um novo mirante, donde surgia
solitário, apontando o céu, um formoso cipreste.
Estas notícias relativas à torre da Portagem são colhidas em um interessante
artigo, escrito por pessoa que ainda a conheceu de pé, e publicado n-0 Instituto,
vol. I, nn. 22 e 24 (i5 fev. e i5 mar. i853), pp. 358 e 392 da i.« ed., ou 233 e 255
da 2.'.
Quando em 1873 a Câmara municipal mandou fazer umas demolições para
ampliação do largo da Portagem, foi o padrão apeado a 14 de outubro, e recolhido
no edifício dos paços do concelho, donde, a pedido do Instituto de Coimbra, veiu
para o seu Museu a 24 fevereiro 1874. Ali se encontra na 4.' sala, junto à inscrição
comemorativa do juramento da Conceição. (Vid. Catalogo dos objectos existentes
no Museu de Archeologia do Instituto de Coimbra, pp. 25 e ss. e 3o).
Cap. III — Trisão e fuga do poeta Si
Acordados do assombro causado pela inesperada evasão, os sol-
dados da guarda correm após o fugitivo, numa gritaria desordenada,
ensurdecedora, a ver se interessam a populaça, e se, com o auxílio
dela, o conseguem recapturar. De todos os lados acode gente, os
pacatos e devotos romeiros, a rústica plebe, que não se atreve a
embargar o passo a Brás, porque a espada do carcereiro, vibrada
por mão de mestre, rodopiava com presteza, e abria caminho com
impetuosidade irresistível ; por isso limitam-se a correr atrás dele de
mistura com os soldados, berrando e gritando num horror confuso.
Talvez o evadido quisesse passar o arco da Calçada, para depois,
tomando à esquerda, se escapulir pela tortuosa e estreita rua dos
Gatos, desnorteando os perseguidores no labirinto das vielas da ci-
dade baixa; mas, se era este o seu plano, como parece mais natural,
teve de o abandonar, porque a massa de populares era densa na
estreita embocadura da Calçada, tornando impossível por ali a fuga.
Voltando por isso as costas ao arco, investe pelo largo da Portagem,
em direcção á torre.
Se do largo voltasse a esquerda, nbriam-se-lhe duas saídas.
Uma era a da rampa que subia ã Estrela, podendo, ou descer a
rua da Alegria e afastar-se de Coimbra pela estrada da Arregaça, ou
chegar à porta de Belcouce e entrar na cidade alta. A primeira solução
mal podia ser adoptada, porque não conhecendo Brás os arrabaldes
de Coimbra, talvez nem mesmo soubesse desta saída ; a segunda não
lhe convinha, porque dificilmente evitaria ser outra vez capturado
antes de poucas horas, a não ser que se refugiasse em alguma igreja
ou em alguma das numerosíssimas casas religiosas, que haviam na
cidade alta, onde ficasse protegido pelo direito inviolável do asilo
eclesiástico: o que não era uma solução, mas um simples adiamento,
pois não podia lá conservar-se indefinidamente, e seria sem dúvida
preso quando saísse.
Outra saída havia, e por ela novo meio tinha ainda de se evadir:
tomar à esquerda junto do rio, ao lugar do Cerieiro, donde tinha
acesso imediato às ínsuas marginais do Mondego. Mas subsistia a
razão de não conhecer o terreno, por isso nem sequer cogitou de expe-
rimentar fortuna por este lado.
Urh caminho único via aberto deante de si, e esse estaria mais
desimpedido a tal hora de calor, porque desprovido de sombras, não
S2 ^rás Garcia efe <£Mascarenhas
convidava os romeiros a estacionarem: era o da ponte, que nas longas
horas de nostalgia êle costumava contemplar através das grades da
prisão, com a mente povoada de sonhos de liberdade.
A esperança da evasão por aqui era bem pequena, mas não havia
que hesitar ;
E como hò na occasião mais apertada
A desesperação muy atrevida ',
Brás fecha os olhos ao perigo, e rompe para a frente.
l Acudam, agarrem, prendam! era o que se ouvia a todos os
momentos.
Era correria doida, vertiginosa, qual matilha de cães em perse-
guição da lebre, os soldados e os populares vão acossando o foragido
pelo largo da Portagem, voltam à direita, enfiam pela passagem da
torre, e enveredam pela ponte fora.
Sempre fugindo, com a cabeça descoberta, Brás continua a
brandir a espada scintilante aos raios do sol. Mas, por mais robusto
que fosse, esta caçada extraordinária, quási fantástica, não se podia
prolongar. O cansaço invadia-o a olhos vistos. A corrida come-
çava a afrouxar; a espada ia deixando de brandir, e abaixava-se
pouco a pouco. Sem dúvida alguma, não tarda a ser agarrado pela
gente que se acumula acolá, junto do antigo mosteiro de Santa Clara,
donde está para sair a procissão, e em breve a audácia de tal fuga
será duramente expiada.
Quando porem menos se esperava, dá-se uma mudança de scena
surpreendente. No sitio conhecido pela denominação de Entre-pon-
tes, na borda duma das férteis ínsuas que se estendiam na margem
do rio a montante e a juzante, uma égua, pertencente talvez a um
romeiro, entretinha-se a tosar tranquilamente alguma erva que lá
havia. Brás Garcia vê-a, sem demora nem hesitação desce a
rampa que do O da ponte dá serventia para a ínsua, corre para
a égua, de um pulo salta-lhe para cima, e martela-lhe com os cal-
canhares as ilhargas, ou espicaça-a com a ponta da espada. O ani-
mal obedece ao incitamento, e aos olhos dos perseguidores, suspensos
e boquiabertos, lá abala em corrida desenfreada, desaparecendo ra-
pidamente, ou para a banda da rua das Parreiras, por trás da capela
de Santa Isabel, resto iJnico do velho paço da Rainha Santa, meten-
do-se logo pela estrada da Copeira, ou então, se a égua andava na
' V. r. xv,4i.
Cap. III — Trisãn e fuga do poeta 53
ínsua a juzante da ponte, correndo para ocidente, e vindo saltar à
estrada do Almegue, donde seguiria este caminho à vista da cidade,
ou, mais provavelmente, donde se desviaria pelo caminho da Póvoa
e da quinta do Bispo, ocultando-se assim dos olhares dos perse-
guidores *.
FvSta fuga épica é em resumo, mas com clareza, contada pelo poeta
no canto xv do Viriato Trágico, dedicando palavras de elogioso reco-
nhecimento ao ágil e dócil animal, a quem ficou devendo a liberdade,
e, quicas, até a vida.
Quem por muy grave caso não foy preso,
Não diga que passou tormento grave,
Que com a liberdade hé todo o peso
Calamitoso, de levar suave;
Logo hum preso hè tratado com desprezo,
Inimigo não ha que não o aggrave;
Deyxado hè de Parentes, & de Amigos,
Muytos nos bens, & poucos nos perigos.
Bem tenho à minha custa exprimentado
Verdade, que hé de tantos tão sabida.
Pois quanto era a prisão mais dilatada,
Achava mais difficil a sahida;
E como hè na occasião mais apertada
A desesperação muy atrevida,
Com celebrado ardil, & alheyo erro.
Rota a masmorra, abre caminho o ferro.
' Na página seguinte vê-se uma planta topográfica, na qual se acham bem
indicadas a ponte com o seu O e as respectivas rampas, assim como as ínsuas do
lado de lá do Mondego, por onde Brás Garcia se evadiu, a cavalo na égua. Esta
planta foi levantada e desenhada em 1845 por Isidoro Emílio Baptista, estudante
das faculdades de Medicina e Filosofia. Pertence hoje á Câmara municipal, sendo
de lamentar o estado de ruína em que se encontra este precioso documento.
Quando foi desenhada, já o rio tinha alargado consideravelmente o leito, apossan-
do-se do terreno em que existiram, em tempos anteriores, os conventos de
Sant'Ana e S. Francisco. No estado em que então se achava, e em que eu ainda
conheci este lugar, descia-se do O da ponte pelas rampas para o areal ; nos tempos
porém em que se deram os acontecimentos que narramos, davam aquelas rampas
serventia para as ínsuas, onde assentavam as ruínas dos antigos conventos de
Sant'Ana a montante da ponte, de S. Francisco a juzante.
Hoje é impossível determinar por qual das duas ínsuas fugiu Brás.
4
54
'Brás Garcia de oMascarenhas
^trrtn ^5*7
Cap. III — T^isão efuga do poeta 55
Cerrallo a vozes Némessis • procura,
Rústica plebe a seu favor se emprega;
Mas quem deliberado se aventura,
Não teme a quem sobresaltado chega.
O perigo, em que a morte se afigura
A quem a solicita, espanta, & cega,
E por horror confuso, & sol ardente,
Bem como à lebre os cães, me segue a gente.
A mais distancia do que o caso pede,
Húa filha do vento ' hum prado tosa.
Que, se hé bruta, piedosa me concede
A madeixa da Calva melindrosa 3.
Esta daquella inextricável rede
Me livra tão leal, quanto animosa.
Pois sem fazer nos mãos encontros falta,
Quanto alcança com os braços'', & os pés salta 5.
' Némesis, entidade mitológica, filha de Júpiter e da Necessidade, deusa da
vingança, que tinha por missão castigar os crimes.
2 Imaginavam os antigos que as éguas podiam ser fecundadas pelo vento, c
que os produtos desta fecundação saíam sempre levíssimos e muito ágeis. — Varrão
dá como cousa frequente esta fecundação aérea das éguas lusitanas, acrescentando :
sed ex his equis qui nati pulli, non plus triennium uiuunt. (De re rústica, I. II, c. i).
Esta Jilha do vento, a que o poeta se refere, era pois uma égua muito ágil.
' A Calva melindrosa é a Ocasião, divindade mitológica, que na cabeça calva
tem uma simples madeixa de cabelos, única parte por onde pode ser agarrada ao
passar. Dela se ocupa o canto i do Viriato Trágico. Foi surpreendida por Viriato
esta deusa, cujo rosto é mais fermoso qué o Sol, no momento em que,
como Calvo nobre,
Com artificio seu defeyto incobre.
Intonsa, & calva a instantes parecia,
Mas singular madeyxa artificiando.
Áureo monho fazia, & desfazia,
Estendendo-a tal vez, tal encrespando:
A cornucopia a hum lado lhe pendia,
Péla de mão em mão lhe anda saltando,
Asa em cada cothurno está brandindo,
Indicio de que sempre anda fugindo.
( V. T. I, 39 e 40).
Foi esta madeixa da Calva melindrosa, ou da Occasião, que a égua propor-
cionou a Brás em momento tam aflitivo, deixando-se montar, e fugindo velozmente,
até pôr a salvo o seu cavaleiro.
* A 1." edição do V. T. traz beyços; a 2." modificou a ortografia, e pôs beiços.
Mas não faz sentido. O manuscrito original deveria ter braços.
* Estt. 40-43.
56 'Brás Garcia de oMascarenhas
O que deixo dito a respeito da prisão e fuga de Brás Garcia é,
como acaba de se ver, calcado sobre a narração feita pelo próprio
poeta. Não podia pois encontrar fonte mais autorizada.
Os biógrafos do nosso herói poucas cousas aproveitáveis acres-
centam; o que dizem a mais, tem quási tudo um pronunciado cunho
de fantasia.
Bento Madeira de Castro, o mais antigo de todos, fornece-nos
apenas uma nota interessante, dizendo qual foi o celebrado ardil de
que nos fala Brás, e que lhe forneceu a ocasião para a fuga. Tran-
screvamos: — Vindo a Coimbra assistir a lutas festas celebradas no
terreyro de Sãosam, por correspõdencias com híía Dalila perdeo a
liberdade sendo pre:{o na cadea da Portagem, da qual depois de algús
me:{es de prisão ao recolher de hã grande, & industrioso presente se
escapou entre mu/ta gente deixando mal ferido o Carcereiro; & bem
montado na Ponte, etc.
Julgo verídica esta notícia das circunstâncias da fuga. O facto
deu muito que falar, foi muito celebrado, como o poeta escreveu, e
Madeira de Castro devia ter conhecimento certo dele.
Já o mesmo não digo da referência vaga que faz à causa deter-
minante da prisão, e que bem pode ser colhida na lenda, que cedo
envolveu o poeta-galã.
No prefácio à 2.* edição do Viriato Trágico, o editor Dr. Albino
de Abranches Freire de Figueiredo acrescenta a notícia de que o pre-
sente foi enviado pelos irmãos, que éle supunha alunos da Universi-
dade. Eis as suas palavras: — Seus irmãos, que então frequentavam
a universidade, fingiram um grande presente para o preso. Ao
abrir-se a porta para entrar o presente, sahiu o preso, á força, dei-
xando o carcereiro perigosamente ferido, montou em uma cavalga-
dura que estava para isso preparada na ponte, e pôde assim evadir-se
á multidão que o seguia *.
Encontram-se aqui duas circunstâncias novas: — i.^ Os irmãos
residentes em Coimbra (já sabemos que eram dois, mas só o Manuel
1 Ibid. pag. VIII. (Vid. doe. CXVIII).
Cap. Ill — 'Prisão efiiga do poeta 57
frequentava a Universidade) foram os autores do presente, que abriu
a porta da cadeia a Brás; — 2.* A égua em que este montou, para
fugir aos perseguidores, estava para isso preparada na ponte.
Suspendamos a narração para criticarmos um pouco.
É perfeitamente verosímil, provável até, que achando-se em Coim-
bra dois irmãos do preso, e estando este gravemente comprometido,
c ameaçado de sofrer pena mui pesada, o que só pela fuga se podia
evitar, esses irmãos lhe procurassem proporcionar os meios ou a
ocasião para se evadir. Além disso, o presente, vindo em nome da
família, num dia de festa, causaria menos estranheza e despertaria
menores suspeitas, do que se fosse enviado por estranhos.
Mas não temos somente cálculos de probabilidades, hipóteses
mais ou menos plausíveis, a fundamentarem a nossa narrativa. Ha
factos ponderosos que nela encontram a única explicação razoável.
Como vimos ha pouco, Manuel Garcia frequentou a Universidade
neste ano lectivo. Nos primeiros dias de junho provou o seu curso,
e apurou-se que lhe faltavam apenas vinte dias de frequência para
ter o ano vencido. Esta frequência complementar fazia-a facilmente
assistindo aos actos dos bacharéis nos meses de junho e julho, apre-
sentando-se em seguida a aduzir a sua prova testemunhal. Era
assim que se costumava fazer, e foi assim que nesse mesmo ano fez,
entre outros, o seu condiscípulo Sebastião César de Meneses *, a quem
' Sebastião César de Ix." — prouou cursar de ires de noueinbro de 6i6 até o
fim de maio de 6ij 4 de enstituta t"^ miguei pinheiro e Dft nimes Rui dalbuquerque
fij. — (aa.) D.or Ant.o Lso — Miguel Pnr." d Barros — Diogo Nuíie^. (A. U. —
Provas de curso, vol, ii, 1. i.°, fl. iq8).
Sebastião Sejar de Ix." — prouou cursar de três de Nouembro de 616. te o fim
de junho de 6i~. as 4.0 liçõis de Instituía e bb. (bacharéis.) /."« Bc" da guerra e
amaro de meirelles. Eu sobre dito o escreui. — (aa). D.or Lejva — £.<"• Da Guerra
--Amaro de meirelles. (Ibid. fl. 19.S v.°).
Enquanto Manuel Garcia cortava e abandonava a sua carreira académica,
Sebastião Casar de Meneses continuava o seu curso na faculdade de Cânones,
como porcionista do colégio de S. Paulo, matriculando-se no princípio de cada ano
e provando a frequência no fim, sendo a última prova feita a 26 de junho de 1623
(A. U., Provas de curso, vol. 1 1, 1. 2.», fll. 224 v." e 226 v."; ibid. fl. 23 1 v.»; vol. 12,
1. i.", fl. 228; ibid. 1. 2.°, fll. 227 v.° e 23o; vol. i3, 1. i.", fl. 220 v.»; vol. 14, 1. 2.",
fl. i83 v.°). — Recebeu o grau de bacharel a 14 junho 1623, tendo antes assinado
termo de desistência de antiguidade ou prioridade no grau (A. U. — Autos e graus.
58 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Camilo Castelo Branco distribue um papel importante no seu romance
Luta de gigantes.
Pois Manuel Garcia tal não faz. ;Não vem em julho provar que
completara nos exames dos bacharéis os dias de frequência que lhe
restavam para vencer o ano, e desaparece da Universidade para não
mais figurar em nenhum dos seus registos I
Encontramo-lo mais tarde, é verdade, condecorado com o título
de doutor ', que êle mesmo se atribue '^-\ o que nos mostra que
realmente recebera a laurea doutoral. Mas ; onde ? Na Universidade
de Coimbra não, pois aqui não mais voltou a frequentar, nem fez
acto algum. Suponho que, saído do reino, se iria habilitar e requerer
os graus académicos a alguma Universidade estranjeira, o que era
frequente nesse tempo, e ainda em tempos posteriores '. Não cn-
coijtro outra hipótese verosímil, para explicar o caso.
vol. 26, 1. 3.°, fl. 53 e 53 v."). — Fez a sua formatura a 28 junho 1625 (Ibid. vol. 27,
1. 3.°, fl. 6:); o acto de repetição a 29 maio 1626 (Ibid. vol. 28, 1. i.°, fl. 52 v.") ; e
o exame privado, recebendo em. seguida o grau de licenciado a 27 junho 1626 (Ibid.
fl. 61I. — Finalmente doutorou-se a 12 junho 1628 (Ibid. 1. 3.", fl. 60 v.").
1 Vid., ex. gr., os doce. LXII, LXXXVI. e XCIV.
^ No assento dum casamento efectuado em Travanca de Farinha Podre a 11
agosto 1654, quando era prior o padre Pantaleão Garcia, que neste acto foi substi-
tuído por seu irmão Manuel, que já anteriormente ali havia sido pároco, este es-
creveu, de seu próprio punho, o seguinte : — eu o Dr Manoel Garcia prior q fui
desta ig.''" — (C. S. — Registo paroquial de Travanca de Farinha Podre, 1. i, cad. 3.°,
fl. 39 v.°). — O fac-simile de assinatura do Dr. Manuel Garcia, que acima se reproduz,
é extraído deste assento.
5 Entre as cartas doutorais, que tenho visto, passadas a portugueses por
Universidades estranjeiras nos séculos xvii e xviii, seja-me h'cito especializar uma,
muito interessante, que existe em meu poder, passada em data de 19 de maio de
1794, pela Universidade italiana de Macerata, ao presbítero Estanislau da Costa
Coelho, de Folques, filho de meu 4.° avô materno, o Dr. Simão Martins da Costa
Coelho, ouvidor em Arganil; nela se encontram minuciosamente descritas as provas
dadas em exame público, a cerimónia aparatosa e solene em que foi ao candidato
conferido o doutorado in utroque Jure, bem como o título de conde palatino, e o
grau de cavaleiro da Milícia dourada, recebendo a investidura das respectivas in-
sígnias:— os livros simbólicos de um e outro Direito, o anel, o colar de ouro, o
barrete significativo da coroa doutoral, a espada e o elmo. No alto da primeira
página desta carta encontra-se iluminado o brasão de armas concedido ao novo
doutor: — Em campo azul um penhasco {.'') de sua côr em contrachefe, com um
Cap. Ill — Prisão c fuga do poeta
59
Além disso, Manuel Garcia recebeu, como fica dito, prima tonsura
e o primeiro dos graus de ordens menores a 18 de fevereiro deste
IN DEI NOMINE
TTIL O R I O >S A
^^1 M ACERATA,. ////?■-•/"/
.■r->.-í j/}J/r-ú:;.'Jf/r/,'^ " :/ú>.
Primeira pagina de uma carta doutoral passada por Universidade estraujeira
ano ; depois suspende durante quási cinco anos a sua ordenação, e
só a 17 de dezembro de 1G21, na sexta feira das têmporas de santa
coelho de prata arrumado a êle, de pé, do lado sinistro ; uma costela do mesmo
metal em abismo, posta em faxa, um pouco inclinada no sentido da contrabanda, e
duas estrelas de ouro de seis pontas em chefe. Coroa de ouro de nobreza. — Parte
destas figuras heráldicas foram tomadas do respectivo brasão da família.
6o IBrás Garcia de dMascarenhas
Luzia, é que aparece no oratório do paço episcopal de Coimbra, a
receber os três restantes graus de menores, que Ihie são conferidos
pelo bispo da China D. Fr. João da Piedade, governador do bispado
de Coimbra no impedimento do bispo-conde D. Martim Afonso
Mexia *.
Tudo isto conspira para nos mostrar Manuel Garcia implicado no
caso da fuga de seu irmão, vendo-se obrigado em princípio de julho
de 1617 a abandonar a formatura e ordenação, e a homiziar-se durante
alguns anos.
Foi por isso, certamente, que não assistiu ao casamento de sua
irmã Feliciana, realizado na igreja paroquial de Avô a 21 de agosto
deste ano ; o seu nome não aparece no respectivo assento, onde se
relacionaram os principais assistentes ^.
Podemos pois assentar, como facto averiguado, que foi no verão
deste ano de 1617 que se realizou a evasão de Brás Garcia. A fixação
do dia 4 de julho resulta das circunstâncias apontadas pelo poeta.
Havia aglomeração de rústica plebe ou de populares, nas proximi-
dades da cadeia, àquela hora de sol ardente, os quais puderam rapi-
damente acorrer aos gritos da guarda, auxiliaram esta na tentativa de
cercar o fugitivo ou de cerrá-lo, e, não o conseguindo, porque êle pelo
meio da multidão abriu caminho a ferro, correram atrás do mesmo
com horror confuso, acossando-o bem como á lebre os cães. Depois
de montado na égua, que tosara um prado na ponte (como esclarece
Madeira de Castro), isto é, junto da continuação da ponte, que além
do rio se prolongava até às proximidades do velho mosteiro clarista
por entre férteis terrenos para os quais se descia por duas suaves
rampas, no sítio chamado o O da ponte, ainda o foragido venceu uma
dificuldade, tendo a leal e animosa égua de o livrar de uma inextricável
rede, que não podia ser formada senão por novo ajuntamento de
pessoas que se encontravam para lá da ponte, quando era perseguido
pelos que lhe tomavani a reta-guarda. Só na festa da Rainha Santa,
que se celebrava no referido dia na igreja do convento antigo de
' C. C. — Ordens geraes que o llljno S.°r Dom frey João da Piedade Bispo
da China do Consfi de sua Mag.de c6 Governador deste Bispado de Coimbra celebrou
de Commissão do lU.mo Stior Dom Martin Afi mexia Bispo Conde em as têmporas
de SM Lupa em esta Cid.<^ de Coimbra, fll. 22 v.", 28 v.° e 34 v.° — Note-se que no
primeiro destes lugares está o nome Manoel Garcia bem indicado na relação dos
que receberam o grau de leitores; mas no segundo e terceiro, nas relações dos
exorcistas e dos acólitos, vem por engano Manoel Garçes.
2 Doe. XXII.
Cap. III — Trisão efiiga do poeta 6i
Santa Clara, estendendo-se a procissão até à cidade, é que podia
realizar-se este conjunto de circunstâncias, indicadas pelo próprio
Brás Garcia na sua narração.
Afigura-se-me que o papel representado por Manuel Garcia na
fuga de seu irmão não foi além de lhe proporcionar a ocasião ou
ensejo de sair da cadeia. Se mais alguma cousa preparara, as cir-
cunstâncias de momento tudo inutilizaram.
Talvez outros ardis já tivessem sido empregados, e só este desse
o resultado apetecido. Agora Brás pôde aproveitar o ensejo, e sair;
mas, uma vez cá fora, falhou qualquer plano, que porventura estivesse
combinado.
Pensariam ; quem sabe ? que o fugitivo melhor pudesse escapar-se
por entre os ranchos dos populares, e enveredar pelas vielas tortuosas
da cidade baixa, e em qualquer delas teriam disposto as cousas para
êle se ocultar, a fim de mais tarde sair da cidade despercebidamente;
mas, se assim foi, certamente não pôde escapulir-se por este lado,
em virtude de lhe ser o passo embargado pela gente do povo, a
rústica plebe, que da rúa da Calçada acorreu logo à gritaria da guarda.
Em tal hipótese o poeta, vendo que o plano falhava, e tendo ante si
iminente o perigo em que a morte se afigura, lançou mão do único
expediente que se lhe proporcionava, correndo para a ponte, por onde
lhe pareceu ter a saída mais livre, segundo a descrição que deixamos
feita.
A égua, em que montou para escapar à perseguição, não estava
propriamente na ponte, mas a mais distância que o caso pedia, e an-
dava pastando, ou, como diz o poeta, tosando um prado. Leia-se a
estância 43 do canto xv, acima transcrita, e concluir-se há, sem a
mais leve sombra de dúvida, que este encontro da égua foi perfeita-
mente casual. Não estava &\\ preparada para facilitar a fuga, mas
é certo que foi a salvação providencial do fugitivo.
Não me imponho o encargo de aqui inventariar as diversas narra-
tivas fantasiosas destes acontecimentos, que se lêem nos autores.
Nenhum proveito daí resultaria. Liraitar-rae hei a fazer umas leves
observações ao que dizem Costa e Silva no seu Ensaio biograftco-
critico, e Camilo na Luta de gigantes.
02 ^tàs Garcia de ^Mascarenhas
Acho extraordinária a crítica de Costa e Silva, que, reputando
pouco verosímil a noticia, dada por Madeira de Castro, escritor quási
contemporâneo do poeta e seu parente, de que este aproveitara a
ocasião da entrada dum presente para fugir, acha contudo aceitável
a hipótese, aventada por um anónimo inteiramente desconhecido, de
que o celebrado ardil, referido no Viriato Trágico, consistiu em o
poeta se evadir minando profundamente a terra, e passando por baixo
dos alicerces da cadeia • I
Dispenso-me de quaisquer comentários.
O que se lê na introdução da Luta de Gigantes é romance, e puro
romance. Brás Garcia, numa pendência nocturna, fere gravemente
D. António de Mascarenhas, por vingar o seu amigo Diogo César
de Meneses, ao tempo em que todos três eram estudantes da Univer-
sidade. Brás é preso e metido na cadeia civil da Portagem -. Marcos
Garcia, e quatro Jilhos clérigos, que já se haviam formado em direito
canónico, acodem a Coimbra. Decorridos sete dias depois da. prisão,
à meia noute em ponto, Diogo César, à frente de três criados seus
e três de Brás, e auxiliado pelos* quatro clérigos, Jilhos de Marcos
Garcia, e mais quatro alentados serranos da Estrela, assaltam a
cadeia, desarmam a guarda, forçam o carcereiro a abrir as portas, e
libertam o preso. Junto à Quinta do Pombal, hoje chamada Quinta
das Lágrimas, estavam dois creados, armados até aos dentes, com três
cavalos pelas rédeas. Montaram amo e criados, e partiram, enquanto
os quatro clérigos, indo a um casal situado no Vale do Inferno, no
logar chamado ainda hoje Monte da Esperança, montaram sobre
ligeiras éguas, e, por atalhos, foram juntar-se ao irmão.
1 Op. cit. t. VII, p. i53.
* Isto não passa de um erro histórico. Se Brás fosse estudante, e desse motivo
a ser preso, não iria para a cadeia civil da Portagem, mas para a privativa da Uni-
versidade. Gosaria o privilégio, então procurado com grande empenho, e altamente
apreciado, ào foro académico, que se estendia a todas as pessoas (lentes, estudantes
e oficiais) da Universidade, aos seus domésticos, e ainda a outros privilegiados, os
quais estavam sujeitos exclusivamente à jurisdição do Conservador, perante cujo
tribunal corriam todos os processos em que eles fossem autores ou réus. Somente
em casos excepcionais, & por algua justa causa, é que as autoridades universitárias
podiam mandar prender no Castello, & mais prisões da Cidade; isto sucedia, por
exemplo, quando prendiam alguma mulher, a qual tinha de ser logo remetida para
as cadeias civis, e não para a da Universidade, porque o Estatuto prescrevia : — não
poderá nella ser preja molher algua, posto que goje dos privilégios da Vniversidade^
(Vid. Estatutos da Univ. cit., 1. II, titt. xxvii e uii).
Cap. Ill — Trisão efuga do poeta 63
Tudo isto é parto fantástico da fecundíssima imaginação de Camilo,
que, diga-se de passagem, jamais teve a pretensão de o inculcar e
fazer passar por história.
Confira-se o que se lê na Luta de gigantes com o que narra o
poeta nas estâncias auto-biográficas acima transcritas, e com o que
revelam os documentos a que temos aludido, e verificar-se há sem
dificuldade que a narração, de que vimos falando, é inteiramente alheia
à realidade histórica.
IV
Homizio e regresso à pátria
No capítulo precedente deixámos o poeta, com a cabeça desco-
berta, cavalgando uma égua, a fugir aos seus perseguidores, sem
plano, sem destino certo, deparando-se-lhe a cada passo perigos e
obstáculos, que o ágil e inteligente animal ia vencendo.
Todos os escritores, que até hoje se teem ocupado da biografia
de Brás, supõem que este, apenas escapado das garras da justiça,
tratara de passar a fronteira, e fora viver para Madrid.
Não é exacto. Para nos convencermos disto basta ler as estâncias
44 e 45 do canto xv do Viriato Trágico.
Temor, & amor luctando vão comigo
Por donde quer que vou; aconselhando
O temor, que me aparte do perigo.
Amor, que me detenha perigando.
Reprovo o cauto lynce, o cego sigo.
Por elle a vida, & credito arriscando.
Que quando Amor seus gostos solicita,
Difficuldades grandes facilita.
Cansado em fim do vil encantamento,
Que o corpo debilita, a honra acanha,
Me transfiro apesar do amante intento
Á Corte do feliz Numa de Hespanha ;
No tempo, quando em seu mayor augmento
Gozando a paz, que os vicios acompanha,
Parecia nos faustos & grandezas,
O centro das delicias e riquezas.
A verdade histórica transparece claramente destes versos. O poeta,
apenas se encontrou livre, correu logo para os sítios onde residia a
\
Cap. IV — Homizio e regresso à pátria 65
mulher que amava, e que já tanto o fizera sofrer; atraído por ela,
como a borboleta pela luz, não se afastou dessa região por largo tempo.
Apertava-o a perseguição, os perigos aumentavam, mas ele, cer-
rando os ouvidos à voz da prudência, lá continuava, já escondido,
já a monte, realizando as suas entrevistas amorosas no meio de gran-
des riscos e trabalhos, e superando graves deficuldades.
Estas peripécias amorosas da mocidade ainda eram recordadas
pelo nosso poeta quando, já em edade madura, descrevia e apreciava
os amores dos outros, mostrando-se bem conhecedor dessa metafísica
da paixão, das loucuras a que o amor obriga, e da técnica do namoro.
Veja-se, v. gr., a descrição bastante longa e fastidiosa, entretecida de
transcriçõis de outros poetas, que ele faz no cap. xii, est. 41 e seguin-
tes, das tristezas, agonias, irresoluçõis dos namorados, quando são
forçados a separar-sc.
No canto xui, est. 72, insere ele um quadrozinho de dois amantes,
que, vendo-se a distância, se correspondem por meio de sinais :
Posto que a penha, & muros mais distantes
Os tem, do que quiserão, se conhecem.
Que são todos os olhos dos amantes
Lynces em penetrar o que appetecem.
Feytas lingoas as mãos dos palpitantes
Corações, dão sinal do que padecem,
Pagés suspiros pellos ares danção,
Vão huns, vem outros, de ir, & vir não cansão.
E cheia de observação e de naturalidade a descrição, que noutro
lugar faz, duma donzela recebendo a carta do seu namorado, que
lhe é entregue por um portador; e eia
Despede-o brevemente, porque a pica
Qualquer instante, que dilata o leia;
Tanto que volve as costas, & só fica,
Beyja a carta, & começa de rompela:
Guardando o sobrescrito, a folha abria
Etc '.
Brás Garcia era, sem dúvida, mestre consumado na matéria.
1 V. T. xviii, q6.
66 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
Não faltavam ao nosso poeta por toda esta região casas de pa-
rentes que o acoutassem. Na Bobadela teria êle um dos pousos favo-
Assento de óbito de António Alves de Abranclies, Avô paterno de Brás.
ritos, na casa onde nascera seu pai, e onde ainda vivia sua avó paterna',
já muito velhinha, em companhia de uma filha de nome Isabel An-
Assento de óbito de Ana Marques, avó paterna do poéw.
tunes e dos netos filhos desta, com os quais se juntavam os de
outra sua filha, Maria Garcia, ali falecida em lôgB. O avô paterno,
• É extraordinário o facto de o vigário de Avô, licenciado António Dias, ao lavrar
em iSgi o assento do casamento de Marcos Garcia, fazer a declaração de que sua
mãe já era falecida, quando é certo que ela vivia ainda 27 anos depois, deparando-se-
nos, em os livros da Bobadela, o registo do seu óbito, ocorrido em 1619 ! Em que
estaria pensando o bom do vigário, quando escrevia inadvertidamente no referido
assento de casamento: — Marcos grada filho de Ant.o alíís e de sua niolher Anua
marques iá defunta mfirs na Bobadela f (Vid. doe. VII).
Cap. IV — Homi{io e regresso à pátria 67
António Alves de Abranches, não chegara êle a conhecer, pois fale-
cera na Bobadela a 21 de fevereiro de iSgS; a avó Ana Marques,
avançada em decrepitude, infantilizara-se, e Brás tinha-lhe grande
afeição, brincando com ela, como se fossem duas crianças.
Foi exactamente quando o poeta por aqui andava homiziado, que
faleceu a avó a 18 de abril de 1619, o que lhe causaria grande
desgosto.
Calculo que esta vida de vil eucanfameuto, que o corpo debilita.
a honra acanha, duraria dois anos, ou pouco mais.
Por fim, no declinar já do ano de 1619, Brás Garcia, revestindo-se
de coragem, corta os leames amorosos que o prendiam, e parte para
Madrid, onde reside um ano.
As impressõis que lhe deixou esta residência na sede da corte his-
pânica foram muito desagradáveis. Acham-se consignadas nas se-
guintes estâncias do mencionado canto xv :
Considere)', que a força da ventura
Sem forças de que tal se imaginara.
Aquela Babilónia mal segura.
De universais cabidas levantara,
Pêra quotidiana sepultura
Das illustres Nações, que sujeytara,
Porque os thronos reays são fabricados
Sobre os ossos dos mal afortunados.
Hé mar a Corte, & rios os senhores,
Que entrando nella, como nelle os rios,
Os que se tem cá fora por mavores.
Perdem lá dentro a fúria, nome, & brios :
Sem lhe os pulsos tomar, julguey das cores.
Que huns padeciaõ febres, & outros frios,
Que esta ânsia de privar hé divulgada
Maleyta, bem prevista, &. mal curada.
Madrid, dizem, que estriba em fogo, & agoa,
Deve ser por rheioricas figuras,
Que geral pranto, & ambiciosa fragoa
Formão do vasto corpo as bases duras.
Hum anno inteyro vi, com grande magoa.
Venturas de huns, & de outros desventuras,
Estas cahindo nos indignos delias,
E os delias dignos alcançando aquellas.
68 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
Vi os aduladores, muy possantes,
O nierito muy fraco, & desvalido,
Com mào partido os pobres negociantes,
E os ricos todos com muy bom partido;
E, achando-me formiga entre elefantes.
Por não servir, depois de ser servido,
Deyxada a Corte, por abismo cego,
Enfadado da terra ao mar me entrego *.
Deduz-se desta última estância, que o poeta não viveu na capital
hispânica em meio da abundância; antes pelo contrário deixa transpa-
recer que sofreu privações, e que, acossado por elas, por não servir
depois de ser servido, resolveu partir ao fim de um ano de residência
em Madrid. Bento Madeira de Castro diz claramente que ele saiu de
Madrid enfadado já da estancia, ou a instância da bolsa ^.
Dirige-se, cheio de aborrecimento, para o sul da península. Che-
gado ao litoral da actual província de Sevilha, embarca e, diz êle,
enfadado da terra ao mar me entrego.
Ia já correndo o ano de 162 1, quando Brás Garcia embarcou em
um patacho espanhol.
^Em que porto e com que destino?
Quanto ao porto de embarque, apenas sabemos que foi na Turde-
tânia. O litoral da região, que no tempo dos romanos tinha este
nome, abrangia quási todo o da actual província de Sevilha, e uma
parte da de Granada, desde Huelva até Málaga.
O destino que levava não o sei eu, mas pode conjecturar-se, no-
tando que o barco foi costeando até dobrar o sacro promontório,
hoje cabo de S. Vicente. Deverá pois ter embarcado em um dos portos
do golfo de Cádiz, provavelmente no próprio porto deste nome, como
afirma Costa e Silva ^, ou talvez em Sanlúcar, na embocadura do
Guadalquivir ; dirigia-se certamente à costa ocidental portuguesa, ve-
rosimilmente a Lisboa, como assevera Madeira de Castro ^, ou talvez
ao Porto, onde realmente mais tarde desembarcou. Deprehende-se
disto que Brás Garcia tentava regressar clandestinamente à sua pátria,
evitando o perigo de ser descoberto e preso, se viesse directamente
por terra, e tentasse passar a fronteira.
» Estt. 46-49.-2 Doe. CXII. — 3 Loc. cil., pag. 154. — * Loc. cit.
Cap. IV — Homilia e regresso à pátria 6g
O princípio da viagem ia decorrendo sem incidentes; mas ao do-
brar o cabo de S. Vicente foi o pataclio avistado por um navio turco
ou mourisco, que por ali pairava em exercício de pirataria. Vê-lo, e
cair sobre ele, foi obra rápida. Abordado o patacho, trava-se sobre
o convés luta sangrenta muito desigual. Os cristãos vendem bem
cara a sua vida batendo-se com desespero, por acharem preferível
morte honrada a infame cativeiro.
j Tudo perdido !
Já o convés se achava coberto de sangue c de corpos mutilados,
quando surge por barlavento uma poderosa fragata. Apenas a avis-
tam, os mouros desaferram rapidamente, e põem-se em fuga; mas o
vaso, cujo aparecimento viera em ocasião tão oportuna, em vez de
os perseguir, dirige-se ao patacho, aborda-o com capa de amizade,
apropria-se da carga e dos poucos que ainda restavam vivos, entre
os quais se contava o nosso poeta e o piloto, e, abandonado o barco,
continua a sua derrota, levando a fazenda.
A fragata era holandesa, e este fato nos fornece um elemento
cronológico; não sucedia isto antes da primavera de 1621, porque só
então terminou a trégua de doze anos ajustada entre a Espanha e
os Países-baixos, pelo tratado de Antuérpia, assinado a g de abril de
1609.
Arrecadada a presa, os prisioneiros de nada serviam aos holan-
deses; a sua conservação a bordo era um ónus inútil. Retiveram o
piloto, que lhes convinha por conhecer estes mares, e alijando os re-
stantes, quási nus, para um batel velho e roto, abandonaram-nos à
sorte.
O nosso poeta com os seus companheiros de infortúnio desembar-
caram em estado miserável na costa próxima.
l Será possível determinar qual a costa onde se realizou este desem-
barque de Brás Garcia ?
Foi em húa praia de Itália, diz Madeira de Castro •. Barbosa
Machado reproduz, quási textualmente, o que escreveu o primeiro
dos biógrafos do poeta aventureiro ^. Este episódio biográfico é
omitido inteiramente por Albino de Figueiredo ; Costa e Silva porem
narra-o, acabando por dizer que os holandeses foram lançar o poeta
* Loc. cit. — í Bibliot, Lusit, t. I. p. 545.
TO 'Brás Garcia de oMascareuhas
em um porto cujo nome se não especifica *. A seu turno Camilo Cas-
telo Branco^ dá quinau a Costa e Silva, replicando lhe : — Está espe-
cificado pelo próprio poeta no seguinte verso: — «Sobre a lúváuXa praia
em batel roto». . . — Ao adjectivo túrdula se especifica a provinda bética
ou andaluia. — Enquanto aos passageiros, que ainda viviam, o corsário
mandou-os lançar nas praias de Sevilha.
Critiquemos agora um pouco.
Custa a acreditar que Madeira de Castro e Barbosa Machado
viessem tão levianamente dizer que o poeta desembarcou em Itália.
quando êle mesmo afirma que foi alijado sobre a túrdula praia, o
que localiza este facto, sem sombra de dúvida, na península hispânica;
mas também temos de reconhecer que Camilo foi muito infeliz em
colocar essa praia na província bética ou andaluza, e ainda mais em
determinar tis praias de Sevilha.
Os túrdulòs ocupavam na Bética uma região, que tinha por centro
Córduba, e não atingia o litoral, pois confinavam a S. com os bás-
tulos, dos quais eram separados pelas serras hoje conhecidas pelos
nomes de Nevada e Tejeda, a S.-O. com os turdetanos, a N. com os
oretanos, e a E. com os bastetanos. Não tem pois aplicação a este
território, isolado do litoral, a expressão túrdula praia.
Havia porem uns outros túrdulòs, os turduli reteres de Plínio ',
assim chamados por serem a origem dos túrdulòs da Bética, e que
eram representados por uma gente que residia a sul do rio Durius,
o actual Douro. A estes é que se referia o poeta.
Devemos porem notar, que na determinação do território ocupado
pelos túrdulòs, como no mais que dizia respeito à geografia da parte
da península, onde se desenvolve a acção do Viriato Trágico, Brás
Garcia em quási tudo seguia respeitosamente o que se lê na Geo-
grafia a)itiga da Lusitânia composta por Frey Bernardo de Brito.
Era grande a confiança que o poeta beirão depositava no frade cis-
terciense, colocando-o ao lado de fr. António Brandão e fr. Francisco
Brandão, na galeria limitadíssima dos beneméritos, que se ocupavam
em descobrir com honra e sciência as antiguidades de Portugal.
Registemos o que a tal respeito pensava Brás Gatcia.
Mas investigue-as * sempre o curioso,
Que Portugal, por falta dos passados,
He todo hum cemitério respeytoso
' Loc. cit. — - Luta de Gigantes, mihi p. 25, nota 2 e texto.
3 Hist. natural. 1. IV, cap. xx. — * As tradições antigas.
(Jap. IV — H()i)ii-i() c rcffi-csso à pátria "] i
De valerosos feytos sepultados;
De entre os golfos de Lethes procelloso
Salvando a muytos, vão poucos honrados,
Que a hú Britto, & dous Brandões, únicos scientes,
Devem muyto os antigos, & os presentes.
Quem lhes põem objeçoés por ver manchadas
Suas obras, muyto mais os acredita;
Tais as do Britto, quando censuradas,
Ficarão com mais credito, & mais dita;
E tais, se algum quizer ver apagadas
As dos claros Brandões, os espevita ;
Que as Cortes de Lamego nos declarão
Quanto importa o que ambos trabalharão '.
i Santa ingenuidade esta, que equipara cm boa-fé o falsário emé-
rito aos dois tioncstos e conscienciosos investigadores!
Ora fr. Bernardo de Brito, tilo considerado e seguido pelo poeta,
estendia a região dos túrdulos para S. até ao Tejo-.
O próprio Brás Garcia expressamente declara onde é que supunha
terem habitado os túrdulos antigos, e assim temos a interpretação au-
têntica da expressão túrdula praia. Vejamos:
Fora nosso Viriato aqui chamado '
Dos Túrdulos antigos, que habitavão
O que hoje Estremadura he nomeado.
Que em Collinibriga a Cortes se ajuntavão.
Se do século de ouro, já estragado.
' K T. V, 40 e 4 1 .
2 «Passado o rio Tejo, começaua a Comarca dos Túrdulos antigos, & se es-
tendia té o Douro, como aliem de Plínio (Plin. 1. 4. ca. 20), escreue Pomponio Mella,
forão estes Túrdulos origem, & principio de todos os mais Túrdulos, que viuião
em Andaluzia, & dos Turdetanos do Algarue, & todos os mais, que tinhão este
nome, por cujo respeyto se lhe deu nome de Antigos. Era esta gente muy bern
entendida, & tinha, como diz Strabo (Strab. 1. 3.), leys, por onde se gouernaua, es-
crittas em verso de tempos antiquíssimos : tinhão entre si muy grandes cidades,
quais erão VUisippo, ou Falicitas luUia, que he Lisboa, Scalabis, ou lullium Príesi-
dium, que he a villa de Santarém Pello sertão contra o Leuante, confinauão
estes Túrdulos, com os Herminios, habitadores da serra da Estrella : do Norte, com
a corrente do rio Douro, do Meo dia, com o Tejo, do Poente co mar Oceano».
(Geographia antiga da Lvsytania, composta por Frey Bernardo de Brito, cap. iiii,
fl. 7 v.°).
' A Collimbriga. É o óppidum romano Conimbriga, cujas muralhas e aque-
duto ainda hoje são bem vesíveis junto de Condeixa-a-Velha, cerca de lO quilóme-
tros a Sul da actual cidade de Coimbra.
72 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
E das leys de Tubal se conservavão
Inda algumas relíquias, nestes era,
Que em metro tinhaõ leys, que elle lhes dera.
Seus ascendentes, que erão bons guerreyros,
A terra da Transcudana conquistarão;
Entre as serras da Estrella, & de Besteyros,
Também algumas terras povoarão.
Conclue-se pois que a túrdida praia, onde Brás desembarcou
semi-nu, miserável, certamente ferido, foi qualquer ponto do litoral
português da província da Estremadura, hoje impossível de determi-
nar.
Algum tempo descansaria o poeta, a tratar das feridas resultantes
do combate com os turcos, e a reparar as forças; mas, apenas se
lhe oferece oportunidade, embarca novamente. Dois meses decor-
ridos depois do seu primeiro embarque ao Sul de Espanha, entrava
a barra do Douro, e saltava em terra na cidade do Porto.
Estas aventuras são contadas pelo poeta no canto xv, nas estân-
cias seguintes :
Da Turdetania apenas me sahia.
Dobrando o sacro Promontório, quando
De meyas L.uas abordado via
O patacho, & conflicto miserando :
De corpos destroçados se cobria
O convés, em que o sangue anda nadando.
Que antes se escolhe em tranze tão guerreyro
Morte honrada, que infame cativeyro.
Eis que por balravento em popa assoma
Tão alterosa nào, que em hum momento
Desaferrando as Luas de Mafoma
Partem voando a seu pátrio assento :
Deyxa os Turcos fugir, & os Christãos toma
O soccorro do Herege fraudulento.
Que abordando com capa de amizade,
Prende a fazenda, & solta a liberdade.
i V. T. V, 18 e 19.
íA
Cap. IV — Hoi7U{ío e regresso à pátria /S
Sobre a Turdula prava em batel roto
Os poucos vivos quasi nus alija,
E com o Pirata só fica o Piloto,
Pêra que a costa mais perito afflija.
Eu em vez de fazer solene voto
De mais não contrastar fera tão rija.
Como agoa salsa, tão voraz, & tanta,
Que espanta o vela, & o passala espanta.
Sobre a primeyra queda, torno à luta.
Sem me turbar de tão funesto agouro.
Porque com pertinácia resoluta
Dentro em dous meses desemboco o Douro.
Narram os escritores que Brás Garcia, durante este primeiro pe-
ríodo do seu exílio, viajou muito por várias nações europeias, pela
Itália, França, Flandres, e Espanha, adquirindo nestas viagens, com
a sua natural agudeza e talento, conhecimentos muito variados.
Creio haver nisto exagero.
Que viajou pela Espanha,, temo-lo nós visto ; mas, que passasse
alem dos Pyreneus, não me parece crivei, não só por não encontrar-
mos no seu poema, todo semeado de dados autobiográficos, vestígio
algum de tais viagens, mas principalmente porque, na sucessão cro-
nológica dos acontecimentos, não vemos restar tempo em que elas
se realizassem.
Parece-me pois que devem relegar-se tais narrativas para o do-
mínio fantasioso das lendas.
Desembarcado no Porto, Brás aproveitou a primeira oportunidade
para ir apagar saudades à Beira, onde tinha a família e os antigos
amores, dos quais estava longe de se ver curado-.
A sua estada em Portugal era cuidadosamente oculta e clandes-
tina, porque sobre êle continuava pesando a responsabilidade do an-
tigo crime, e as justiças, se soubessem da sua presença, esfoçar-se
hiam por capturá-lo.
D. Filipe III de Espanha morrera em Madrid a 3i de março deste
ano de 1621, sucedendo-lhe Filipe IV; e diz Camilo Castelo Branco
que o novo rei mandara desfazer os processos instaurados em Coimbra
t Estt. 5o-53. — í Doe. CXII.
7^ ^rás Garcia de oMascareiíhas
contra o poeta, pelo que a j>inda deste a Portugal não era já temerá-
ria nem perigosa *. Ignoro o fundamento que teria o grande escritor
para fazer tal afirmação. Creio que, pelo menos em parte, é mais
um produto da sua imaginação, pois o próprio poeta se antecipou
a dar-lhe o desmentido, dizendo que só muito mais tarde, residindo no
Brasil, fora avisado de estar convalescido enquanto a réo ^.
Naturalmente o processo, que Filipe IV mandou desfazer, foi o
de cumplicidade na evasão da cadeia da Portagem, em que se achava
implicado o irmão Manuel Garcia, e talvez mais alguém. Conjecturo
isto por ver esse ano, no mês de novembro, o dito Manuel Garcia
requerer para ser admitido aos três graus de ordens menores, que
lhe faltavam, correr o processo sem aparecer impedimento algum, e
ser realmente admitido à ordenação em dezembro, o que não podia
suceder se estivesse pronunciado. Um ano depois organizou-.se novo
processo para a sua ordenação de subdiácono, e a êle se encontram
juntos os certificados de folha corrida passados pelos escrivães de
um e outro foro, donde consta nada haver contra o requerente, o
qual recebe o subdiaconado em dezembro de 1622 ^.
Por isso a vesita de Brás Garcia à Beira não podia deixar de ser
cercada de misterioso disTarce.
i Que viva impressão lhe não causaria este regresso à sua querida
pátria, depois de tão atribulada ausência ! ; Com que estremecimen-
tos de alma não desceria êle o velho caminho de Vila-Pouca a Avô,
e com que alvoroço não saudaria a sua pequenina vila natal, quando,
ao voltar do atalho ', se lhe desvendou subitamente a gigantesca e for-
1 Op. cit. mihi p. 24. — - V. T. XV, Gi.
' CE. — Processos para a ordenação de Manuel Garcia.
* A vista fotográfica de Avô e suas cercanias, que aqui juntamos, é tirada exa-
tamente do ponto, cujo panorama se descreve. Para elucidação do leitor, indi-
camos por letras e algarismos, na cobertura da estampa, os logares principais que
agora vamos apontar.
A) Bairro da Couraça. — B) Bairro do Outeiro. — 1) Casa de Marcos Garcia,
onde Brás nasceu. — 2) Terreno fronteiro à casa, alem do lago, onde o poeta fez o
seu jardim quando regressou do Brasil, ligando-o com a casa por uma ponte.
Ainda lá existem dois gigantescos e velhíssimos ciprestes, que a tradição diz plan-
tados por êle. — 3) Antiga casa da Câmara municipal, que hoje serve de escola
primaria. Na estampa vê-se apenas a parte superior, que emerge detrás de uma
casa particular. — 4) Esplanada onde assentava o castelo. — 5) Igreja matriz de Nossa
Senhora da Assunção. — 6) O Pego, lago actualmente muito assoreado. — 7) En-
trada do rio Alva no Pego. — 8) Entrada do rio Moura, ou Ribeira de Pomares. —
9) Estrada distrital n.° 106, que liga Avô com a estrada nacional n.° 46, pela qual
comunica com Vila-Pouca da Beira, Galizes, Oliveira do Hospital, etc. — 10) Caminho
Cap. IV — Homilia e regresso à pátria
7S
I
mosíssima concha, cujos contornos e relevos são formados por cordi-
lheiras de colinas e montanhas, e em cujo fundo convergem os rios.
Alva e Moura, entre os quais se devisa, qual preciosa pérola implan-
tada no seio da concha-mãe, a pitoresca e sempre ridente povoação
de Avô !
Quem seja admirador das belezas naturais, venha em uma clara
manhã de primavera a
este lugar privilegiado,
sito a meio da íngreme
vertente sobre uma prega
de terreno, e eu lhe ga-
ranto que ficará absorto,
horas esquecidas, na con-
templação duma paisa-
gem, única no seu gé-
nero, deliciosa como uma
iluminura em Livro de
Horas, mimosíssima de
desenho e de colorido.
Inúmeras montanhas,
em disposição capricho-
sa, ora se dilatam ar-
queando o seu dorso em
corcovas gigantescas e o
seu flanco em ondulações
suaves, ora emergem so-
berbas os seus arredon-
dados cabeços por trás
das cumeadas das mais i"oria do c.imu -
próximas, tingindo-se de cores diferentes, desde o azul de anil até ao
roxo de ametista e às infinitas tonalidades do verde, segundo a relativa
distância e as condições da atmosfera, e segundo a natureza do manto
vegetal que as cobre, ou dos penhascos que as ouriçam, e cortadas
em todas as direcções por alva rede de caminhos e atalhos, que
ligam a vila com as povoações e lugares da região: — tudo isto é de
de Aldeia das Dez, onde se ergue a ermida de Nossa Senhora do Mosteiro. — 11) Es-
trada que dá serventia de Avó para Pomares.- — 12) Caminho velho de Pomares. —
13) Caminho de Anceriz. — 14) Caminho velho de Viia-Cova-sob-Avò. — 15) Estrada
distrital n.° io6, que põe Avó em comunicaoão com Vila-Cova, Côja, Arganil, etc.
"jG 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
uma variedade de desenho, de relevo e de matiz verdadeiramente in-
descritível e de encantar.
Acolá em frente, a uma légoa de distância, projectando-se sobre
o horizonte surge hirto, selvático, mostrando a cabeça ciclópica e os
atléticos ombros por cima das cumeadas, como sendo o bisavô dos
restantes montes que o cercam, o gigânteo Colcurinho, com os seus
1242 metros de altitude, dominando uma larga região, que se dilata
para Ocidente até ao mar. A piedade cristã foi colocar lá no cimo
do arredondado cabeço uma capelinha, dedicada à Virgem, que a
poesia popular se compraz em ver ali, entre o ceu e a terra, me-
dianeira entre Deus e os homens, recebendo as preces e orações dos
seus numerosíssimos devotos, que em muitas dezenas de légoas de
circunferência avistam e veneram a minúscula ermida.
Na bacia de Avô, cuja vista geral se abrange num relancear de
olhos daquele magnífico mirante natural, a que nos estávamos repor-
tando, a cultura é variada, e não se limita aos estreitos vales por
onde se estendem os leitos dos rios, mas vai trepando pelas encostas,
era milhares de pequenos socalcos irregulares, adaptados à natural
disposição do terreno, tapizados de diversas cores, conforme a va-
riedade das culturas e a policromia das florescências, formando um
mosaico riquíssimo e inigualável.
A beleza deste panorama, que hoje se admira, ainda era muito
acrescida no século xvii por grandes e numerosos soutos e carvalhais *,
que subiam pelas depressões do terreno até quási ao dorso dos
montes, vestindo essas pregas da serrania de betas de verdura viçosa,
que na primavera davam grande realce ao manto arroxado da urze
florida, principal cobertura que envolve a parte inculta e mais alta
das encostas.
Lá ao fundo da bacia vê-se alvejar o Pego, lago de coníiguração
esbelta bastante irregular, alongando-se na sua maior extensão de
N. a S., alimentado pelas águas do Alva e do Moura, e cercado de
exuberante vegetação, que lhe dá um tom de frescura e vida impres-
sionante. Na parte mais larga do Pego, entre a boca de entrada do
Alva e a de saída das águas do lago, surge a ilhota do Picoto, um
rochedo granítico que ali aflora, sobre o qual a poesia cristã erigiu
no século XVII uma pequenina capela dedicada ao popular taumaturgo
português, à qual davam acesso alguns barquinhos, que frequentes
vezes singravam as aguas do lago, já em diversões de regalo, já em
J Vid. doe. CVII.
Cap.lV — Homizio e regresso à pátria 77
vesitas de devoção. A imaginação popular consagrando ali, naquele
sítio, o piedoso monumento, esperaria em sua candura poética, a re-
petição do milagre legendário; aguardaria que alguma vez, numa
dessas belas manhãs de verão, o popular santo, descendo do seu altar
e aparecendo à porta da capelinha, com um gesto chamasse das
profundezas do Pego as turmas aquáticas, e então pregasse aos peixes
um daqueles encantadores sermões, que era Itália arrastavam após do
extraordinário orador as multidões, sempre sequiosas de o ouvir! In-
felizmente as areias e cascalho que o Moura para aqui tem arrastado,
e que hoje quási que obstruem o lago, prejudicam bastante a sua
beleza natural, não podendo já dizer-se dele, a não ser em época de
enchentes, o que o poeta na segunda metade do século xvii escreveu :
De claras agoas larga, & bella praça
Entre ásperas montanhas se está vendo,
Amphiteatro de plantas, que autorizão
O grã lago, em que sempre se narcizão '.
Dividindo as bacias dos dois rios estende-se um como promon-
tório de S.-E. a N.-O , que vem fenecer junto do lago. É aqui, no
bico deste promontório, que assenta a nobre e antiquíssima vila de
Avô, com a casaria mezquinha e pobre, mas pitoresca no seu agru-
pamento, a trepar pela riba, disposta como que em trono de forma
semicircular, até ao cabeço, onde se erguia arrogante o castelo medi-
eval, de que hoje apenas resta a porta de entrada, bem como as
ruínas duma capela de S. Miguel, que a êle se encostava*. Ha depois
* V. T. XIV, 104.
* Junta-se aqui uma vista de Avô, tirada de O.-S.-O., da margem esquerda
da ribeira de Pomares ou rio Moura, próximo do ponto em que as suas águas en-
tram no Pego.
Vão indicados por letras ou algarismos, na cobertura da estampa, os logares se-
guintes; — A) Bairro da Couraça ; — B) Bairro do Outeiro ; — 1) Casa de Marcos Gar-
cia;— 2) O Pego ; — 3) Terreiro onde Brás Garcia, na volta do Brasil, fez o seu jardim,
do qual restam dois ciprestes ; — 4) Ponte recentemente construída sobre o Moura,
dando passagem à estrada distrital n.° io6, e pondo Avô em comunicação com Vila-
Cova, Côja, Arganil, etc. ; — 5) Antiga casa da Câmara, vista de lado ; — 6-6) Estrada
de serventia de Pomares; — 7) Casa dos Soares de Albergaria, representantes da
família dos Madeiras Arrais de Avô ; — 8-8-8) Estrada distrital n." io6 dando comu-
nicação para a nacional n." 46, que põe Avô em comunicação com Vila-Pouca, Ga-
lizes, etc. ; — 9) Casa dos Figuiredos, representantes também da antiga família dos
Madeiras Arrais; — 10) Ponte antiga sobre o Alva ; — 11) Esplanada onde assentava
O castelo ; — 12) Capela de Nossa Senhora do Mosteiro ; — 13) Igreja matriz.
7S
'Tiras Garcia de oMascarenhas
uma depressão de terreno ou garganta, donde recomeça a erguer-se o
monte, povoado por outro grupo de casas, que se alteia um pouco
mais. O primeiro bairro, o da Couraça, representa o burgo antigo,
que ali se implantara abrigado e protegido pelo castelo senhorial dos
bispos de Coimbra, seus alcaides-móres; o segundo, chamado do
Outeiro, foi resultado dum desenvolvimento moderno -do primeiro
bairro, quando o aumento da população obrigou a ampliar o antigo
povoado.
Ruínas do castelo de Avô em 1S71
Fronteira ao castelo, no monte que se ergue da outra banda
do Alva, está situada a igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção,
construção do século xvni, assentando no próprio logar em que havia
a antiga igreja colegial e paroquial da mesma invocação, a qual re-
montava ao século XIV.
A mencionada disposição da vila, assim apinhada entre dois vales
que a ladeiam, ridentes e fertilíssimos, regados por dois pitorescos
rios marginados de árvores que os sombreiam, tendo atrás de si a
montanha agreste, rude, inculta, e na sua frente o poético lago, donde
se escoam as águas por outro vale, não menos fértil do que os dois,
mas de aspecto bastante diverso, é uma disposição privilegiada, for-
mosíssima, incomparável de mimo.
Cap. IV — Homilia e regresso à pátria 7g
Aqui recostado, o velho mas sempre rejuvenescido Avô, no meio
dos
.. . valles que a seus pés se estendem,
Veygas abração, & montanhas fendera ',
merece que lhe sejão dirigidos os versos do Mantuano :
Fortunate senex ! hic inter flumina nota
Et fontis s;icros frigus captabis opacum '.
Observador c apreciador da natureza, admirador do belo, Brás
o que resta do castelo de Avó na actualidade.
Garcia, ao ver agora novamente a sua querida e sempre amada pá-
tria, depois de tão acidentada ausência e de viagens por tão variadas
terras, sentiria aumentar consideravelmente a antiga admiração pelas
suas excepcionais belezas, admiração que várias vezes expandiu em
versos, alguns dos quais chegaram até nós no seu poema.
Durante a sua estada clandestina em Avô, Brás notaria, segundo
creio, que a abundância, em que noutros tempos vivera seu pai e fa-
1 V. T. XIV, io3. — ^ Vergil. Bucólica, Ecl. i, 5i-52.
8o 'Brás Garcia de oMascarenhas
mília, havia derninuído bastante; as despesas avultadas a que se
vira forçado, muitas delas motivadas pelo próprio poeta cora as suas
aventuras, prisão e homizio, deviam ter feito notável rombo na casa,
e assim não admira encontrarem-se mais tarde referências a dívidas,
contraídas por Marcos Garcia '.
Este facto, e não menos o aborrecimento de ter de viver escondido
e em contínuos sobresaltos, devem ter sido importantes factores para
determinarem Brás a abandonar a pátria e a passar-se ao Brasil.
Também é certo que o génio aventureiro e irrequieto do nosso
poeta não se curara com os trabalhos e com as calamidades sofridas;
não admira portanto que esse génio o levasse a intentar passar-se a
novas terras, cujas riquezas nesse tempo seduziam tanta gente.
Suponho porém que outro motivo muito diverso contribuiria para
esta resolução mais do que os indicados.
D. Maria Madeira da Costa, irmã mais velha de D. Cecília, que,
segundo parece, era a namorada de Brás, havia casado por cerca do
ano de 1617 com João Manuel da Fonseca, rico proprietário de An-
ceriz, que veio viver para Avô, onde mais tarde assumiu, por morte
de seu sogro, o cargo c honras de capitão-mór. Tinha êle um irmão
de nome Aleixo Afonso, compartilhante da importante casa de seus
pais Manuel Dias e Maria Afonso. Conveniências económicas de
família aconselhavam o casamento do irmão de João Manuel com a
irmã de D. Maria Madeira ; ficariam assim unidas na mesma família
propriedades que, divididas, perderiam muito do seu valor; e, enquanto
em Avô João Manuel administrava os bens da mulher e da cunhada,
seu irmão Aleixo, em Anceriz, administraria os bens próprios e os do
irmão.
Mas opunha-se a este projecto a paixão de Brás Garcia, certamente
correspondida por D. Cecília; e é contra estes amores que D. Maria
Madeira, a principal interessada naquele casamento, dirigiu as suas
batarias. Encontro mais tarde vestígios evidentes de antipatia mal
disfarçada entre D. Maria e Brás, como a seu tempo veremos, e tais
sentimentos de aversão devem ter as suas raízes nesta época.
E fácil conjecturar quais os argumentos com que D. Maria Madeira
procuraria arrancar do coração da irmã a paixão, que se lhe afigurava
funesta. O homizio prolongado do poeta favorecera consideravel-
mente aquela empresa, e quando Brás, depois de tantos trabalhos e
aventuras dolorosas, conseguiu regressar, embora clandestinamente, à
1 Doe. CVII.
Cap. IV — Homizio c regresso à pátria Sr
sua nunca esquecida vila de Avô. uma nova terrível o esperava ali.
D. Cecília renunciara aos seus antigos amores, e consentira em se unir
matrimonialmente a seu cunhado. O casamento estava tratado, e
em breve se ia realizar.
Este golpe foi decisivo.
O poeta vê todos os seus sonhos de amor desfeitos, perdidas as
esperanças tão queridas e tão fagueiras, que até ali o animaram e lhe
incutiram coragem para arrostar com os perigos e trabalhos. Guar-
daria ainda remeniscências dolorosas desse golpe terrível, quando
muito mais tarde escrevia :
Que algozes são da vida as esperanças.
Estas que do Céo forão degradadas,
E depois nunca nelle consentidas,
As almas tem na terra avassaladas,
E mais no Inferno, que no Céo metidas.
O inimigas sempre desejadas,
Se quando vós ganhais, ficais perdidas.
Que muyto he, que venhais tão vagarosas.
Se em mofinas parais as mais ditosas ! '.
Descreu então do amor e dos seus atractivos:
Que o premio, que se tira dos amores.
São penas dos desdéns, dos bens lembranças :
Quanto suas firmezas são mayores,
Mayores vem a ser suas mudanças.
Que tarde, ou cedo, de amorosas fragoas
Não ficão senão lagrimas, & magoas ■*.
Nem admitia que houvesse homem tão infeliz e desgraçado como
êle:
Mandas-me que te cante minha vida,
Melhor fora mandares-me chorala.
Que vida em tantos males repartida
Melhor fora chorala, que cantala;
Sempre hé sospeyto de affeyção fingida.
Quem de seus próprios bens, ou males fala.
Mas sendo os meus notórios, & imperfeytos,
Serão mais reprehendidos, que sospeytos.
» V. T. IV, 75-76. —2 Ibid. VIU, i38.
82 'Brás Garcia de oMascarenhas
Porem se allivio dão desditas ditas,
Mal podem por contalas reprehendelas,
Que homem nenhum cahio em mais desditas,
Nem teve mayor dita em se erguer delias.
Se te ouver de contar perdas, & ditas,
Tempo não averá pêra dizelas,
Pintor serey, que honrando a sutil arte.
Dá indicio do todo pella parte '.
O estro poético sofre-lhe então um abalo enorme. Até este mo-
mento cantara os seus amores, as suas saudades, as suas esperanças,
e, ainda em meio dos trabalhos e dores que o oprimiam, a ridente
visão, nunca desvanecida, dum futuro feliz, inspirava-lhe cantares
apaixonados, alegres ou saudosos, mas não plangentes ; agora o des-
espero invade-o, aniqúíla-o, e já não ha estímulo suficiente, que o
incite
A cantar, rouco de chorar desditas ^.
Chora, sim, e as suas produções poéticas dêSse tempo foram la-
mentos de alma, queixumes sentidos, endexas repassadas de lágrimas
e de tristeza, composições estas que infelizmente não possuímos, pois
todas se sumiram na voragem enorme a que só escapou o Viriato
Trágico; mas a elas se refere o poeta, muitos anos decorridos, na
invocação que faz à Musa, ao principiar o seu poema épico :
E tu, filha do Alva cristalino.
Minha mais natural, que culta Musa,
Em cujas prayas o senil' Menino
Me ensinou a tocar a cithara lusa;
Erro da natureza, dom divino,
Mal repartido à parte, em que não se usa,
Donde eu somente dey em tantos males
Queixas aos montes, lagrymas aos valles *.
A traição, de que foi vitima, se o não levou a odiar as mulheres
em geral, a repudiar os seus encantos, dos quais foi sempre admira-
dor entusiástico, levou-o a formar um conceito bem triste da volubi-
lidade e inconstância inata dos sentimentos de algumas mulheres, a
detestar as baixezas de traição e as habilidades de fingimento, de que
são capazes.
Nos vinte cantos do Viriato Trágico encontramos, é verdade,
* V. T. XV, 27-28. — ^ Ibid. I, 2. — 3 Talvez o poeta escrevesse sutil.
* V. T. 1, 4.
Cap. IV — Homizio e regresso à pátria 83
alguns retratos de mulheres dignas e cheias de virtudes primorosas;
mas ao lado destas avulta uma formosa Lisbela, cúmulo refalsado e
repelente de protérvia e de inconstância *.
Dirigindo-se às gentis donzelas que lerem o seu poema, descul-
pa-se de ter agravado o belo sexo com queixas e acusaçõis ; e para
isto, rememorando velhos desgostos, diz com galanteio gongórico :
Sabey, que não tem culpa a minha pena,
Senão a Musa, que o que escrevo dita,
E à Musa não queyrais ver mayor pena,
Que a que tem de convosco não ter dita.
Desculpa tem quem desfavores pena,
Na queyxa, que com cólera tem dita :
Se hè que de vossa graça estou privado.
Minha desgraça esteve em ser privado ^.
Mas apesar destas desculpas, que o génio galanteador lhe sugere, é
certo que não perde ocasião de tirar a desforra do mal sofrido, pu-
blicando a hipocrisia e dissimulação das mulheres,
Pois sintindo huma cousa, outra puhlicão.
Prazeres buscão, fingem desprazeres;
Astrólogas os danos pronosticão,
E letradas dão falsos pareceres :
Bem se vê nas de então, & nas de agora,
Que engana a mulher mais, quando mais chora '.
Os grandes males, as grandes desgraças e calamidades deste
mundo são geralmente devidas à acção nefasta da mulher, podendo
até assentar-se como principio, que jamais houve
Tragedia, em que mulher se não metesse*.
A mulher, para conseguir o casamento, inventa, fantasia, faz
Muralhas de cristal, torres de vento,
Porque não há mentiras de mais porte.
Que as ditas ao fazer de hum casamento *.
Ela dissimula, atraiçoa, finge paixões, e até
O sangue vende, por comprar marido '.
* Vid. V. T., XIII, 66-99; xviii, 72-94. — 2 Ibid. xii, 2. — ^ ibid. siii, 82.
* Ibid. XX 16. — ' Ibid. XX, 27. — 6 |i)id_ XIII, 90.
84 liras Garcia de ^Mascarenhas
Quando Brás Garcia pensava e escrevia todas estas cousas, i não
teria presente a recordação do terrível golpe, há tantos anos vibrado
pela gentil mão da sua namorada? Certamente.
Destruídos os sonhos mais queridos, que até então lhe haviam dado
coragem e força para suportar as adversidades, vendo a sua vida
despedaçada, todas as esperanças perdidas, considerando-se já sem
cttra enquanto amante ', toma uma resolução heróica: fugir não só da
região onde nascera, mas do próprio continente, onde tais desenganos
sofreu, interpondo o oceano entre si e a mulher, que assim lhe faltou
à fé jurada,
Brás deixa Avô, onde não quer ver a sua antiga namorada unida
a outro homem, e regressa ao Porto, levando como companheiro um
primo que tinha, chamado Luís de Figueiredo, filho de seu tio materno
Felipe Madeira, rapaz de i8 para 19 anos, fogoso e aventureiro, que
não mais o largou na maior parte do tempo que durou a sua ausência
em terras de àlêm-mar^. A êle voltaremos a referir-nos em breve.
No Porto Brás Garcia prepara-se com algumas noçõis da arte
náutica, que lhe foram fornecidas por simples marujos, segundo êle
próprio diz :
Brevemente me ensina gente bruta
A sciencia que apura a fome de ouro,
Porque o sutil me alegra, & maravilha
Do astrolábio, da carta, & balestilha'.
Depois, correndo já o ano de 1623 ^ toma lugar em um barco,
que fazia viagem para o novo-mundo, e foge da pátria com o coração
retalhado por cruéis desenganos.
Poucos meses decorridos, em uma quarta feira, 16 de agosto do
1 F. r. XV, 61. — 2 j^otas geneal. II, nic, 4. — ' V. T. xv, 53.
* Temos elementos suficientes para determinar este ano. Brás regressou do
Brasil, como logo veremos, em i632, encontrando-se já em Avô no mês de novem-
bro. Referindo este regresso, escreveu ele:
Sobre nove anos de importuna absencia
Torno a gosar da Pátria desejada (xv, 62),
O que nos faz ver que o poeta deixara a sua pátria em iCiS. Deve ter embarcado
-antes do meado deste ano, aliás não haveria tempo para atravessar o Atlântico
com deficuldades, e passar no Brasil tudo o que refere nas estâncias 54 a 56, até à
tomada da Baía pelos holandeses, realizada em maio de 1624.
Cap. IV — Hoini{io e regresso à pátria 85
referido ano, celebrava-se na igreja de Avô, com grande aparato, o
casamento de D. Cecília Madeira com Aleixo da Fonseca ', partindo
os noivos em seguida para Anceriz, onde ficaram a residir.
Muito acidentada, e cheia de contratempos, correu para o poeta
a travessia do Atlântico. Calmarias, tempestades, ataques de cor-
sários, tudo isto experimentou, tendo por vezes em iminente risco a
vida.
Por fim avista-se terra a poente. A principio desenha-se a linha
ondulada dos montes, recortando-se indecisos no horizonte ; depois
vão-se avolumando pouco a pouco, até que se devisa a casaria duma
grande cidade, coroada e cingida por numerosos fortes, torres e cas-
telos, esmaltada aqui e acolá de verduras, donde se erguem, majes-
tosos e triunfais, os penachos abertos de gigantescas palmeiras.
A sul espandc-se uma formosíssima baía, que, tendo três léguas
de boca, se dilata e amplifica pelas terras dentro, a ponto de medir
cerca de trinta e seis léguas de circunferência, recebendo o tributo
de seis rios, que nela vêem desaguar.
É a Baía de Todos-os-Santos, com a sua bela cidade de S. Sal-
vador, capital que então era do Brasil, e grande empório industrial
e de exportação.
Foi aqui que aportou Brás Garcia, ao chegar às terras de Santa
Cruz, ficando deslumbrado com as condições naturais de beleza e de
riqueza, deste mundo privilegiado.
Ia para negociar, e aquele meio, com as variadíssimas e muito
abundantes produções que oferecia á exploração comercial, era mag-
nífico para tentar fortuna-, mas o seu espírito ansioso de grandes
comoções, curioso de ver e observar estes países tão cheios de atrac-
tivos e novidades, impelia-o a percorrer novas terras. Empreende
desde logo uma viagem costeira, que de porto em porto lhe deixe
observar e estudar as diversas regiões e feitorias principais do litoral
brasileiro, antes de assentar definitivamente o seu plano e a sua re-
sidência.
Nesta viagem de reconhecimento sofre um naufrágio lastimoso,
em que perecem quási todos os seus companheiros. Por fim aporta
a Pernambuco, então no auge da opulência e esplendor. Ali encon-
' C. S. — Registo paroq. de Avô, 1. i, cad. i., fl. 8.
86 ^rás Garcia de oMascarenhas
tra e admira as florestas de mais preciosas madeiras do novo mundo,
os montes de mais variada e abundante caça, o mar e rios de mais
excelente peixe e marisco, os jardins de mais belas flores, os campos
de mais luxuriante vegetação e formoso gado, as árvores e plantas,
tanto cultivadas como silvestres, de mais saborosos frutos, as fábricas
do mais fino e estimado açúcar.
A vila de Olinda, capital desta província, era uma das mais for-
mosas povoações de todo o Brasil, residência preferida de numerosas
famílias da principal nobreza.
Cativado da ostentosa opulência, grande comércio e beleza extra-
ordinária deste país, Brás Garcia aqui se estabelece finalmente.
Tudo isto nos é contado pelo poeta nas estâncias seguintes:
Apezar de tormentas, calmarias,
Cossarios, & affliçóes de sangue, & morte,
Entrei pella ravnha das Bahias,
Celebrado theatro de Mavorte.
Desta cidade illustre era bizarrias.
Da nova Lusitânia nova corte,
.lulguey, que era o Brasil jardim sem muro,
Thesouro rico, porém mal seguro.
A idade de ouro inda então lembrava,
E a de prata, que nelle florecia.
Já com intercadencias vacillava.
Porque perto a de ferro trasluzia.
Se a muyta gente pobre levantava,
Também a muyta rica empobrecia,
Que hè mal segura em quem compra, & vende
Toda a riqueza, que do mar depende.
Navegando sua costa desejoso
De saber estranhezas não sabidas.
Naufrágio padeci tão lastimoso.
Que entre muytos salvamos poucas vidas.
Escarmentado mais, que curioso.
Tendo as colónias já reconhecidas.
Na de Olinda parey, tendo a de Olinda
Por mayor, por melhor, & por mais linda '.
l Que fez Brás Garcia durante nove anos que passou na América ?
Pouco podemos dizer em resposta a esta pregunta.
» V. T. XV, 54-56.
Cap. IV — Homilia e regresso à pátria 87
Há dois factos capitais bem provados. Entregou-se ao comércio,
e a fortuna foi-lhe próspera; tomou parte na defesa do Brasil contra
os holandeses invasores, combatendo com valentia, e alcançando o
posto de alferes.
Bento Madeira de Castro ' dá-nos conta deste segundo, omitindo
cuidadosamente o primeiro. Daquele resultava honra e glória; este
era demasiado grosseiro e vulgar, e não dava lustre ou realce à no-
breza da família. Entretanto um e outro facto são memorados no
Viriato Trágico, como veremos.
Mas, se da generalidade quisermos passar á especialidade, verifi-
caremos que pouco, muito pouco nos diz o poeta deste período da
sua vida, o que contrasta sensivelmente com as notas bastante minu-
ciosas, que dei.xou, relativamente aos outros períodos. Isto, que à
primeira vista causa estranheza, tem bôa explicação, e é o próprio
poeta que se encarrega de a dar. Fazendo referência à guerra dos
holandeses, declara:
Em varias rimas tenho lamentada
Esta guerra, que muyto avante chega,
Calo portanto os mais particulares,
Que hè dobrar magoas, repetir pezares'.
•f A que rimas aludem estes versos ? Responde Madeira de Cas-
tro:— «... sobre tudo suspira nosso alíecto por hú Tomo, que cõpoz
quando se voltou do Brasil, intitulado Ausências Brasílicas, pois
nesses copiosos cadernos, que durão, nos excita as saudades dos que
quási gastou o tempo, & o descuido» ^.
Brás Garcia, depois do seu regresso do Brasil, entre numerosas
composições poéticas que produziu, cantou em várias rimas os su-
cessos do Brasil, de que fora espectador e actor, e entre essas poesias
deviam abundar as notas auto-biográficas, que tanto se coadunavam
com a sua psicologia. Compôs em especial um grosso volume, con-
stituído por copiosos cadernos, a que deu o título de Ausências Basílicas,
em que o referido assunto foi largamente versado. Não era pois
razoável que no seu Viriato Trágico estivesse a repetir o que havia
anteriormente contado por meúdo.
As poesias avulsas já se tinham em grande parte extraviado
quando, quarenta anos decorridos sobre a morte do poeta. Madeira
1 Doe. CXII. — 2 V.T. XV, 59. — 3 Doe. CXII.
88 'Brás Garcia de cMascarenhas
de Castro escreveu o seu resumo biográfico ; mas existia ainda o
volume das Ausências Brasílicas, cuja interessante leitura fazia lamen-
tar a perda das outras. Por fim desaparece este mesmo livro, e com
êle as notícias biográficas, que ali se continham, relativas a este pe-
ríodo da ausência de Brás Garcia no Brasil.
Aproveitemos pois avaramente, à falta de outras, as leves e pou-
quíssimas referências que conseguirmos descobrir e colher.
Que o poeta negociou no Brasil, é, como dissemos, facto averi-
guado e certo.
Saiu de Portugal muito magoado, profundamente ferido na alma;
mas esse estado agudo da paixão, depois de esta passar à fase de
mal sem remédio, de doença sem cura, como êle se exprimiu ', for-
çosamente havia de se mitigar. A crise, porque foi muito violenta,
não podia ser duradoira. Entrada no estado crónico, a paixão já o
deixaria pensar a frio sobre a sua situação, sobre a situação dos
seus; e daí resultou o meter-se a valer em tentar fortuna pelo co-
mércio.
A casa de seu pai era modesta, e a família grande. Além dos
rendimentos dos bens patrimoniais seus e de sua mulher, Marcos
Garcia auferia os lucros da escrivania das cisas gerais e dos panos -,
ofício que vinha exercendo desde iSgS, mas que pouco rendia; as
despesas entretanto haviam-se avolumado muito, para acudir às des-
graças de Brás, e para ocorrer à educação dos outros filhos.
Ora Brás Garcia, como logo veremos, era naturalmente inclinado
ás ostentações; gostava de viver com brilho, aspirava a cercar a no-
breza de sangue do prestígio, que só pode alcançar-se por meio de
acções que sobresaiam e se ergam acima da vulgaridade, e além disso
com dinheiro, sem o qual todo o brilho é efémero. Não admitia no-
breza pobre, que se rebaixasse a pedir, a viver de empréstimos. Era
para êle um axioma
Que a Nobre pobre menos o injuria
Roubar de noj^te, que pedir de dia ■>;
e como, por educação e por índole, era incapaz de roubar, fez o que
» V. T. XV, 61. —2 Doe. X. — 3 r. T. II, 72,
Cap IV — Homi\io e regresso à pátria Sg
muitos outros nobres fizeram. Condenou-se a viver largos anos longe
da pátria,
Que mais penoso hé, mais entristece
O que à vista da Pátria se padece ',
e por lá se sujeitou a angariar honradamente, com intenso trabalho,
alguns bens de fortuna, para depois vir dourar de novo os brazões de
armas dos seus avós. Lá diz o poeta, referindo-se aos três rios,
Mondego, Zêzere e Alva : nascidos na serra da Estrela, é a própria
pátria que
A desterro os condena como pobres :
Pobres começão muytos rios nobres.
Degradão-se da pobre natureza,
Por se verem na alheya accrescentados,
Que a mais tem degradados a pobreza.
Do que tem a Justiça degradados ''.
Mas outro incentivo o estimulou ainda a buscar meios de enri-
quecer.
Avô, a sua vila encantadora, à qual tanto queria, e que agora,
vista de tam longe com os olhos da imaginação, através do prisma da
saudade, reduplicava de atractivos, tudo o que era devia-o quási ex-
clusivamente à prodigalidade da natureza, e pouco, muito pouco, à
arte. Atenuadas as más impressões com que de lá saíra, agora já
antegostava o momento em que, modificadas as circunstancias, po-
desse regressar ao seu país; e começaria a planear melhoramentos, a
projectar obras, que mais tarde veiu a realizar, como veremos.
Era pobre a sua pátria, e êle desejava beneficiá-la. Mete por
isso ombros à empresa de ganhar dinheiro.
Este propósito, este incentivo, não deixou o poeta de o consignar
no seu livro, tam recheado de notas auto-biográficas, introduzidas e
insinuadas por todas as suas páginas. Fala de si mesmo quando,
referindo-se ã pátria^ sempre cara e sempre amada, diz :
Quem longe da em que nasce, vaga, esquivo,
Não hé, porque seu clima o desagrada.
Senão, porque não cabe hum peyto nobre.
De grande coração em Pátria pobre'.
' V. T. I, 104. — - Ibid. I, 16-17. — ^ '^i''- '^1 ^7-
go ^rás Garcia de ^Mascarenhas
Foi em Pernambuco que o nosso poeta assentou a sua residência,
segundo vimos. O local não podia ser mais bem escolhido, pois a
sua capital Olinda constituía nessa época um importante empório do
come'rcio e indústrias do novo mundo.
Era capitão-mór desta província Duarte Coelho de Albuquerque,
e governava-a seu irmão Matias de Albuquerque, que havia de ter
um papel importante na guerra com os holandeses, e mais tarde nas
campanhas da restauração, onde alcançou o titulo de conde de Ale-
grete.
Não sabemos pormenores do género de negócio a que Brás Gar-
cia de Mascarenhas se dedicou, e não vale a pena estar a ventilar
hipóteses, quando não há meio de chegar a conclusões seguras. En-
tregando-se com toda a actividade à sua nova profissão, deve ter
estado em vários pontos do Brasil, e talvez até passasse a outras
regiões da América do Sul. Somos levados a crer que em qualquer
dessas excursões comerciais iria até àlêm do Rio da Prata. E uma
suspeita despertada pelo esboço que, a título de imagem, em poucos
traços, mas esses firmes e precisos, como que fixados em um instan-
tâneo, o poeta nos faz das Pampas, e dos gados que as povoam.
Como em campos larguíssimos, & enxutos
Alem de Buenos Ayres, sempre cheyos
De vacum bravo, & de cavallos brutos,
Que não tem donos, nem conhecem frevos ;
Espantão-se da gente, & resolutos
Huns após de outros fogem sem rodeyos,
Porque inda que em pedaços os desfação,
Por donde passou hum, os outros passão '.
Com a agudeza de inteligência e sagacidade de que era dotado,
trabalhou activamente, tendo sempre em vista
.... que era o Brasil jardim sem muro,
Thesouro rico, porém mal seguro -.
No negócio não basta esperteza e finura ; é também necessária
fortuna e bôa sorte. Se isto sucede em geral, mais sucedia então
no Brasil, quando a travessia do Atlântico era feita em péssimas con-
í V. T. VI, 83. — 2 Ibid. XV, 54.
Cap. IV — Homizio e regresso à pátria gi
diçõcs, lutando com as tempestades, e muito mais com os piratas
mouriscos e com os holandeses, que formigavam por esses mares.
E assim que o Brasil
Se a muyta gente pobre levantava,
Também a muyta rica empobrecia,
Que hè mal segura em quem compra, & vende,
Toda a riqueza, que do mar depende '.
Brás Garcia não foi dos perseguidos da sorte. A fortuna auxi-
liou-o, e quando, ao fim de nove anos, deu por terminada a sua vida
comercial, tinha realizado as suas aspirações, que certamente não
eram desmedidas. Ele mesmo o diz:
Satisfeyto porem da minha sorte
No Brasil, me parti delle contente ^.
Não se suponha que a grande actividade do nosso poeta foi na
América absorvida toda pelo negócio, a que se consagrou. De modo
nenhum.
Mal havia assentado residência em Olinda, ou nas suas cercanias,
eis que chega ali a notícia da tomada, pelos holandeses, de S. Sal-
vador da Baia, então capital do Brasil. Pode calcular-se o pânico,
que esta nova produziria por todas as províncias.
Era governador geral do Brasil Diogo de Mendonça Furtado, que,
embora fosse um militar valente e já largamente experimentado na
índia, não poude repelir o inimigo, quando este, a 9 de maio de 1624,
entrou na Baía, apesar da resistência desesperada que lhe opôs com
setenta homens, que tantos eram os que tinha de guarnição. Toda
a mais gente válida acompanhou a inválida na fuga apavorada, que
da cidade fizeram de noite para o interior.
Aprisionado Diogo de Mendonça, sucedia-lhe no governo geral
Matias de Albuquerque, que, segundo fica dito, estava governando
a capitania de Pernambuco. Tratou-se desde logo de organizar uma
defesa, tanto quanto possível, séria. Alistaram-se muitos patriotas,
entre os quais o próprio bispo de S. Salvador, D. Marcos Teixeira,
que na Baía por algum tempo dirigiu pessoalmente a campanha, e
nela morreu.
í F. r. XV, 55. — 2 Ibid. XV, 60.
92
Uras Garcia de (^Mascarenhas
Os holandeses, uma vez senhores de S. Salvador, infestavam os
mares e os portos, surgindo aqui e acolá como aves de rapina a
fazerem presa, já nos navios carregados de mercadorias, já nas fei-
torias estabelecidas próximo das costas. Era pois necessário acudir
rapidamente aonde o inimigo aparecia, e esse serviço era feito em
grande parte por voluntários, que, deixando os seus negócios, acor-
riam ao chamamento.
Entre esses patriotas, que na defesa da pátria se andaram batendo,
conta-se o nosso poeta.
Assim foram os portugueses entretendo o inimigo, não o deixando
descansar nem alargar-se nas suas conquistas, até que chegaram os
socorros pedidos, entrando pela Baía em sexta feira santa, 28 de
março de 1625, as duas armadas, portuguesa e espanhola, esta co-
mandada por D. Fradique de Toledo Osório, marquês de Valdueza,
aquela por D. Manuel de Meneses, contando ambas cerca de doze
mil homens.
Depois de vários ataques, com sorte vária, e dos prejuízos sofridos
pelos nossos no ataque dirigido pelo inimigo ao quartel que se estava
assentando junto ao convento de S. Bento, renderam-se finalmente
os holandeses, ao cabo de um mês de sítio, no dia i de maio do
ano referido.
Apenas em três lugares do Viriato Trágico se encontram refe-
rências à guerra com os holandeses.
Ao feito da restauração da Baia faz alusão o poeta, ao demons-
trar que a artelharia produz mais barulho do que mortandade :
Mais carrancas nos faz, que bisarrias '
Nos sitios, que com mais credito abraça :
O da Bahia de vinte & oyto dias
Por mar, & terra atacada a praça.
Com sortida a Sam Bento, & baterias,
Não chegou a custar de toda a massa
Trezentos homés, nem em tanta prova
Custou mais que vinte & oyto Vila Nova 2.
Lê-se noutro lugar uma referencia a maus conselhos, que o poeta
viu darem traidores ou cobardes em suerras com Christãos e Lide-
' Fala da artelharia. — * V. T. iv, 26.
Ccip. IV — Homiiio e regresso à pátria q3
ranos, isto é, na guerra com os hespanhois depois de 1640, e na que
tivemos com os iiolandeses no Brasil. Transcrevamos:
Eu vi alguns Scipióes não Africanos •,
Senão como este, de que vou tratando,
Que em perigos de honrados Lusitanos,
Nascendo honrados, se hião deshonrando.
Em guerras com Christãos, & Luteranos
Partidos muyto máos aconselhando,
Por se não arriscarem aos perigos.
Faltando ao Rey, à Pátria, & aos Amigos.
E depois que da morte se escaparão
Por virtude, & valor de bons guerreyros,
Tudo o que bem fizerão murmurarão,
Fingindo-se leões, sendo cordeyros.
Etc í.
Desta guerra se ocupa rapidamente em três estâncias :
Estando aqui ', como trovão com rayo.
Rompe a guerra estragando de repente
A cabeça do Estado hum mes de Mayo,
Infeliz ao repouso do Occidente;
Sobresalto cruel, mortal desmayo,
Vay perturbando a paz de gente em gente,
Branca, negra, gentia, moça, & velha
Toda se espanta, & toda se apparelha.
Começa de ferver em mar, & em terra
O duro Marte, sem deyxar em quanto
Do Equinócio ao Trópico se encerra
Cousa, que não involva em sangue, & pranto:
Tudo apalpa, & revolve a dura guerra,
Porque em tudo se oppoem com grave espanto.
Já sobre as vellas, já sobre as amarras,
As santas Quinas, às hereges Barras.
Nem porque nossa poderosa armada
O perdido restaura, o mal socega.
1 O poeta laborava no equívoco de confundir o cônsul romano Quinto Servílio
CepiÃo, que planeou e fez executar a traição ignóbil, de que foi vítima Viriato, com
PÚBUO CoRNÉLio SciPiÃo Emu.iano, O segundo Africano, a quem atribuiu aquela
vileza. Os manes deste lhe perdoem a involuntária injúria, que tem sido repetida
por muita outra gente bôa.
2 V. T. XIX, 81-82. — 3 Em Olinda.
g4 'Brás Garcia de oMascarenhas
Porque sempre hè do Belgico infestada
A costa por que indómito navega.
Em varias rimas tenho lamentada
Esta guerra, que muyto avante chega,
Calo portanto os mais particulares.
Que hè dobrar magoas, repetir pezares '.
Terminado este parêntese de actividade militar, scguiram-se quási
cinco anos de relativo sossego, em que Brás Garcia se poude entregar
com todo o entusiasmo à vida comercial na bela capitania de Per-
nambuco.
Os holandeses continuavam infestando os mares, e por vezes en-
travam mesmo em algum porto, a aprisionar barcos com as respec-
tivas carregações; não havia entanto nenhuma tentativa de nova
ocupação.
Um dia, a 14 de fevereiro de i63o, aparece à vista de Olinda
uma armada holandesa composta de setenta velas, conduzindo oito
mil homens de guerra.
Matias de Albuquerque não estava desprevenido ; mas teve de
arcar com a indisciplina, que o ócio sempre causa, e com a imorali-
dade, que geralmente acompanha a opulência de um povo. E assim
foi que, no momento de combater, logo depois do desembarque do
inimigo, e quando já alguns estragos haviam sido feitos nas hostes
dos holandeses, os pernambucanos fogem espavoridos, deixando ca-
minhar o inimigo sobre Olinda, que foi entrada a 16 de fevereiro
sem grande dificuldade. Estava quási deserta, porque os moradores
a haviam abandonado, retirando-se de noite para o interior, e levando
consigo quanto poderam das riquezas acumuladas em suas casas.
Mas não se suponha que o brio e patriotismo portugueses se ha-
viam extinguido completamente. O triunfo, que os holandeses cele-
braram com sacrilégios de toda a ordem, não decorreu incruento,
porque um punhado de patriotas, soldados uns, outros paisanos,
acesos em raiva e indignação por verem perdida a cidade, travaram
luta desesperada no adro da Misericórdia e no convento de S. Fran-
cisco, mostrando bravura e valor heróicos, e dizimando à cutilada a
mole de inimigos, até serem eles mesmos esmagados quási todos pelo
número excessivo dos contrários. Não ultrapassamos as raias do
t V. T. XV, 57-59.
Cap. IV — Homizio e regresso à pátria gS
verosímil, se imaginarmos que um destes patriotas aguerridos seria o
nosso poeta.
• Após Olinda foi tomado o Recife, que lhe fica próximo, depois
de vencida a defesa heróica que os portugueses, comandados pelo
capitão António de Lima, sustentaram no forte de S. Jorge; e só
capitulou este bravo capitão com uns trinta soldados, únicos que
tinha consigo, depois de largos dias de peleja, e de serem mortos
alguns centos de soldados ao inimigo.
Vendo-se com pouca gente, e aguardando forças, que com insis-
tência reclamava da metrópole, Matias de Albuquerque tratou de re-
duzir o poder dos holandeses cortando-lhes a comunicação por terra
entre Olinda e Recife, e não os deixando estender a sua acção para
fora destas terras, para o que estabeleceu trincheiras e reductos,
guarnecidos de soldados valentes e já experimentados, embora poucos
em número. Nestes postos se sustentaram heroicamente os portugue-
ses, aniquilando as forças que os inimigos mandavam para os tomar.
Assim se mantiveram as cousas, até à chejjada do reforço enviado
de Portugal.
Em toda esta campanha lidou com bravura Brás Garcia de Mas-
carenhas no posto de alferes '.
Não tinha ainda educação militar ; mas a vivacidade, energia c
grande talento, de que a natureza o dotara, o conhecimento perfeito,
que adquirira na juventude, do jogo de armas, e alem disso a expe-
riência da guerra, que lhe deu a campanha da Baía, supriam bem a
sciencia teórica militar, que iria aprendendo nos livros.
Assim é que o encontramos mais tarde a preconizar a aprendi-
zagem prática nos campos de batalha, como sendo mais eficaz e
indispensável do que o ensino nas escolas :
Que ao mais bisonho insina presto a guerra,
Onde o destro tal vez menos atina,
Se a victoria a seus emulos se inclina -.
Faz o elogio caloroso da sciencia militar:
A sciencia militar, real sciencia,
Que por todos os séculos florece,
iDoc. GXII. — - V. T. ti, II 3.
g6 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Se aprende com diíEcil experiência,
E com descuydo fácil presto esquece.
mas é no campo, e não nas escolas platónicas, que ela verdadeira-
mente se adquire :
Não se aprende a sciencia meritória
De Marte nas Platónicas escholas,
Senão no campo, aonde se tem dados
Muytos quináos aos mais exprimentados ^.
Tal é a doutrina que põe na boca de Viriato, ao defrontar-se-lhe
o pretor romano, e soerguendo já a pesada maça :
Agora saberás quanto esta pesa,
Porque defunto insines a letrados,
Que não está nas Letras a destreza.
Senão nos braços de armas calejados.
Isto não quer dizer que Brás desprezasse as teorias militares, no
que teria dado um triste testemunho de si ; mas apenas afirma que
mais pode fazer um soldado com experiência de guerra, embora com
pouca sciencia teórica, do que outro com teoria mas sem experiência
alguma.
Ele, que era naturalmente curioso e amigo de saber, reunindo a
esta curiosidade natural um talento de compreensão e assimilação
muito notável, não deixaria de se instruir na arte da guerra, lendo
com proveito, nas horas vagas, os tratados, que ao tempo havia, da
sciencia militar. Esse estudo deve ter proseguido mais tarde com
superior intensidade, durante a guerra da restauração, quando Brás
se viu sobrecarregado com as responsabilidades do comando de uma
companhia, e do governo de uma praça de armas de grande impor-
tância estratégica.
Revela-se-nos efectivamente, através das páginas do seu poema,
como conhecedor da sciencia militar, e familiarizado com os livros,
que a expunham. Permita-se-nos mais uma transcrição :
Depois de já ficar tranquilla Hespanha,
Fora as escholas delia se passarão :
Itália, França, Flandres, & Alemanha
i V. T. IV, 2. — ^ Ibid. Hl, loõ. — 3 Ibid. II, 97.
Cap. IV — Humiiio e regresso à pátria gj
Pera sua desdita as conservarão ;
Os mestres delia, que com sciencia estranha
A milícia moderna reformarão,
Pondo-a no estado, em que agora a vemos,
Parece conveniente que apontemos.
Solberigo lhe purga muyto vicio,
Esforcia, & Pecino a fazem clara,
Córdova a insina, ficão no exercício
Cario, Alva, Vasto, Fontes, & Pescara ;
Parma, Vandoma, Espínola, & Maurício
A põem em perfeyção polida, & rara,
E em nossos dias, com tremendo susto,
Gustavo o Sueco, & Luizo Justo.
Poderá discorrer, bem que insciente,
Pello que cada qual com raro ingenho
Lhe accresceo, & apurou até o presente,
Porque presentes seus successos tenho ;
Mas por seguir o assumpto brevemente,
Neste particular me não detenho.
De quem capazes são as citras lusas.
Que hé brévia de Armas, a lição das Musas.
Os homens como as plantas se cultirão.
Que incultos os produz a natureza,
Só por armas, & graves sciencias privão,
Sem as quais os deslustra a rustiqueza.
Da perícia as sciencias se derivão.
Que he o valor inútil sem destreza,
Mais útil hè, mais vai de qualquer sorte
Perito débil, que imperito forte.
Prezem-se os Reys de homens de experiência,
Que todo o homem, que saber pretende.
Aprende à sua custa a sua sciencia,
E esta à custa dos Príncipes se aprende.
Hè toda a militar intelligencia
Fazenda, que aos Reys cara se vende.
Que logo perdem todos seus estados,
Em chegando a perder os bons soldados.
Quanto hoje tem coroa tão prezada.
Tudo deve à Milicia portuguesa :
Mas fique tal matéria aqui cortada
Do assumpto do meu canto, que hé Sopresa.
Hé Sopresa híía industria simulada,
g8 ^rás Garcia de oMascarenhas
Com que se ganha algúa fortaleza
Tanto a descuydo, ou tanto de repente,
Que se acha presa, quando a empresa sente.
Consiste o bom successo das sopresas
Em presteza, valor, segredo, espias :
Há sempre nellas varias sutilezas,
Pêra enganar as rondas, & vigias.
Com petardos, escadas, & estranhezas
De artifícios de fogo em nossos dias
Se fazem muytas dignas de memoria ;
E visto o que he sopresa, sigo a historia '.
Tem causado estranheza o facto de não se encontrar o nome de
Brás Garcia de Mascarenhas mencionado entre os dos oficiais e sol-
dados, que os governadores do Brasil apontavam como dignos de
louvor e de mercês régias pelos seus feitos; e nem um simples re-
gisto haver da sua nomeação de alferes.
Para explicarem este silêncio, inventaram os escritores a lenda: —
que os inimigos do poeta lá mesmo na América fizeram sentir o seu
ódio poderoso, apagando o nome do grande patriota de todos os
documentos oficiais, onde deveria aparecer.
A explicação é outra muito differente, e bem natural.
Brás Garcia durante a sua residência no Brasil não passava de
um homiziado. Era um criminoso, que para ali fugira às garras
da justiça, e por isso precisava de encobrir cautelosamente quem era,
e de adoptar um pseudónimo, que ocultasse o seu verdadeiro nome.
Com esse pseudónimo comerciava; com êle se alistou nas fileiras dos
voluntários, quando a pátria reclamou os seus serviços na guerra.
Distinguindo-se como soldado, foi promovido, ainda com o mesmo
pseudónimo, ao posto de alferes pelo capitão da sua companhia,
que era a quem pertencia fazer tais nomeações, e passar as re-
spectivas cartas, satisfeita a formalidade da aprovação do governa-
dor ^.
,; Como era possível, pois, encontrar-se o nome de Brás Garcia
de Mascarenhas nos relatórios dos governadores, ou nos registos e
1 V. T. IV, 29-35.
^ Encontram-se, v. gr., muitos casos destes, referidos no maço 2'', n. 282 das
Consultas do Conselho de Guerra, na T. T.
Cap. IV — Homilia e regresso à pátria gg
noutras quaisquer fontes, oficiais ou particulares, de notícias sobre
a guerra dos holandeses ?
Depois de indultado, e provavelmente só depois de ter regressado
à pátria, é que se deve ter revelado o segredo, e tornado conhecida a
identidade pessoal de Brás Garcia de Mascarenhas e do pseudónimo
que o encobrira no Brasil; mas não admira o facto de se não en-
contrar referência alguma a este ponto tam importante para a bio-
grafia do poeta, quando as suas notícias biográficas tam escassas são.
Um documento devia existir, donde certamente constavam os ser-
viços militares por ele prestados no Brasil: era a consulta funda-
mentada do Conselho de Guerra, em meado de janeiro de 1641, na
qual o nosso Brás foi proposto a el-rei para capitão de infantaria do
exército da Beira, que se ia organizar para defesa da pátria *.
Infelizmente porém essa consulta não existe no respectivo maço.
Extraviou-se, como sucedeu a várias outras.
Talvez ainda um dia venha a fazer-se alguma luz sobre este pe-
ríodo tam desconhecido da vida de Brás Garcia. Tcem a palavra os
nossos ilustradissimos confrades brasileiros.
Brás Garcia, nos últimos tempos da sua estada no Brasil, já não
tinha por sócio o seu primo Luís de Figueiredo, que o acompanhara
de Avô, e com quem desabafava saudades. Havia regressado a
Portugal em 1628*.
Naturalmente o nosso homiziado encarregá-lo hia na despedida de
lhe enviar informações do que se passasse pela Beira, e em especial
por Avô, e depois, de longe em longe e com os necessários recatos,
receberia dele notícias, que mais lhe viriam avivar as saudades.
; Como não lamentaria o poeta a situação em que o antigo crime o
colocara, de não poder também voltar a Portugal !
Um belo dia recebe o nosso exilado uma carta, em que é avisado
1 Existe, por exemplo, a consulta de 21 fev. 1641, çm que são propostos os ca-
pitães para irem levantar gente na comarca de Torres Vedras. Cada nome pro-
posto é acompanhado da enumeração dos títulos que recomendam a sua escolha,
e alguns deles são encarecidos por terem já militado no Brasil, com indicação dos
serviços lá prestados, e dos trabalhos lá sofridos em defesa da pátria (T. T. — Con-
sultas do Conselho de Guerra, 1641, março i. n. 53).
2 Notas geneal. II, iii c, 4.
7 00 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
de que já podia regressar à pátria sem receio, porque o seu antigo
crime fora indultado. Assim estava coiwalescido enquanto a reit *.
E verdade que a mais importante doença que o fizera afastar de
Portugal fora a sua paixão, que não tinha remédio; mas nove anos
de ausência, de trabalhos, de distracções, haviam produzido o seu
natural efeito. Continuava, é verdade, sem cura enquanto amante'^;
passada porem do estado agudo ao crónico, a moléstia do coração
atenuára-se, e agora já não era óbice que o inibisse de regressar à
velha Europa.
Solicitavam-no as saudades da Pátria, dessa entidade idealizada,
quási mística, cheia de seduções, que ele via sorrir-lhe de longe e
chamá-lo nas longas horas de nostalgia, que se intercalavam no seu
labutar quotidiano.
i A Pátria ! . . . ; E quem mais do que êle amava a sua imagem
longínqua, quem mais do que êle sentia a acção dos seus atractivos
irresistiveis, que o faziam sonhar a cada instante com a hora em que
a ela regressaria, em que beijaria amorosamente o seu solo bemdito!
Ouçamos da própria boca do poeta a descrição comovida e re-
cheada de imagens, do que é o amor da pátria :
Amor universal, doce attractivo,
Empenho natural, divida honrada
Sempre foy, será sempre este incentivo
Da Pátria sempre cara, & sempre amada.
Quem longe da em que nasce, vaga, esquivo,
Não hé, porque seu clima o desagrada.
Senão, porque não cabe hum peyto nobre.
De grande coração, em Pátria pobre.
Tudo a seu natural sempre obedece.
Se attentamente bem se considera :
Do alto a pedra pêra o centro dece.
Do bayxo o fogo sobe á sua esfera.
Todo o rio o mar pátrio reconhece.
Todo o peyxe descansa onde se gera,
As feras buscão, buscão passarinhos.
Os pátrios bosques, ou os pátrios ninhos.
Habita aonde teve o nascimento
A ave nocturna em lobrega devesa.
Torna a formiga ao pátrio alojamento
Com muyto mayor peso, do que pesa ;
» V. T. XV, 6i. — 2 Ibid.
Cap. IV — Hoini\io e regresso à pátria :oi
Com pedrinhas a abelha, por que o vento
A não desvie, volve com presteza
A casa, aonde sua industria pasce:
Tudo se volve á pátria aonde nasce.
Não tem cafre tão bruto a Cafraria,
Nem gentio tam bárbaro o Poente,
Nem salvagc tão fero a Scythia fria,
Nem Índio tão covarde o molle Oriente,
Que do ninho paterno, em que vivia,
Saudades não sinta, estando absente;
Que hé alvo a Pátria, a que nunca erráo
Os suspiros de quantos se desterrão.
A defendela o corpo se provoca
Por ser o ar primeyro, que respira,
Primeyra cousa, que em nascendo toca,
Primeyra luz, que abrindo os olhos vira.
Se a arvore gentil, que se derroca,
Perdendo o natural geme, & suspira,
A do revez, que a tudo senhorea,
Como não gemerá em terra alhea !
Bem a Justiça na rezão fundada
Pena pos de desterro ao delinquente.
Porque o da Pátria sempre desejada
Hé grã castigo de quem vive absente.
Quem a troco de vela restaurada
Por ella morre, vive eternamente ;
Ou quem, por defendela do inimigo,
A vida pos em publico perigo '.
Brás Garcia resolve partir o mais brevemente que ser possa.
Trata desde logo de pôr em ordem os seus negócios, e, na liquida-
ção a que procede, fica satisfeito cie sua sorte no Brasil, onde conse-
guira arranjar uma fortuna, embora modesta como as suas aspirações.
Sem mais dilação embarca por meados do ano de i632, e parte con-
tente para a Europa.
Três meses durou a travessia do Atlântico ; três longos meses,
cheios de contratempos e dè tormentas, a que o poeta faz alusão.
Ao cabo desse tempo o navio em que fazia viagem, desviado pela
' V. T. IV, 57-62.
7
102 ^Brás Garcia de óMascarenhas
tempestade da direcção desejada, que o devia levar a Lisboa ou ao
Porto, passara a Norte do cabo Finisterra, e por pouco não é arras-
tado ao golfo de Biscaia. Consegue aportar ao Ferrol, onde Brás
Garcia pisa enfim terra da nossa península.
relouiinlio e Ciísa da Cainara Je .Vvò.
Não se demora em curiosas excursões. Tinlia pressa de beijar a
mão a seu velho pai e a sua afectuosa mãe, de abraçar os irmãos e
os amigos; anseava por ver novamente a sua pátria saudosíssima.
Para lá se dirige pois, e em Avô o encontramos já a figurar num
acto público a 21 de novembro de i632 '.
O regresso do Brasil é memorado pelo poeta nos seguintes versos :
Satisfeyto porem de minha sorte
No Brasil, me parti delle contente,
Porque assim como a agulha busca o Norte,
Busca a Pátria, o que delia vive absente.
Adherencia não hà, que mais importe,
Que a de hua larga absencia a hum delinquente,
Porque sempre hà de ser esta enfadonha
De rèos triaga, & de amor peçonha.
> Doe, XXIX.
Cap. IV — Homizio e regresso á pátria io3
Avisado de estar convalecido
Emquanto a réo, sem cura emquanto amante,
Três meses naveguey, já conhecido
Por mal afortunado navegante;
De esquadrões, & tormentas perseguido
Derrotado a Ferrol, bem que distante
Porto, do que buscava meu desejo,
Apóstata do mar a terra bejo.
Sobre nove annos de importuna absencia
Torno a gosar da Pátria desejada.
Como quem sobre larga penitencia
Se absolve da censura reservada.
' V. T. XV, 60-C2.
o poeta-fidalgo de Avô
Entrava o outono de i632, quando reapareceu na Beira, de regresso
do Brasil, o nosso aventureiro poeta.
Tantos anos decorridos sem dele haver a mais leve notícia fa-
ziam crer que houvesse morrido obscuramente em qualquer parte do
mundo. Depois da suposição da sua morte, era natural o esque-
cimento, registado por Bento Madeira de Castro nestas palavras:
— «voltou à Pátria, aonde Já era esquecido» '.
Facilmente se conjectura o alvoroço que despertaria este regresso
num meio pequeníssimo como era Avô; um acontecimento que daria
brado. As rapaziadas de Brás Garcia, envoltas em legendários por-
menores e hiperbolizadas largamente, e bem assim as românticas aven-
turas de suas viagens, passariam a ser objecto dos contos e narrativas,
em que a fantasia popular teria grande quinhão.
Com as suas tendências faustosas, o nosso poeta apresentar-se
hia na sua terra natal de forma a fazer sentir que a sorte lhe correra
por lá propícia, e que vinha resolvido a viver na abundância que os
meios de fortuna lhe proporcionavam, e cercado do brilho a que a
nobreza lhe dava jus. Montava um belo cavalo por êle escolhido
com a grande perícia e gosto que possuía-; talvez um desses de
que nos deixou magníficos retratos no seu poema. Vejamos um ao
acaso :
Era o cavallo de duas cores bellas,
Branca, & negra, apartadas sem mistura ;
Negro no cabo, comas, & canellas,
E no mais, branco, como a neve pura ;
i Doe. CXII.
2 Quando mais amadurecido na idade, ainda êle rememora os tempos idos, e
confessa o seu fraco pela equitação, dizendo que, no meio das distracções e de-
sportes a que se entrega, nada o compraz tanto como montar um cavalo folgazão:
Mais o cavallo brincador me alegre (V. T. xt, 34).
Cap. V — O poeta- fidalgo de oAvô io5
Scintilhavaõ-lhe os olhos, como estrellas,
Escarvava, & soprava com bravura.
Junto de mãos, de pés arregaçado,
Filho he do Tejo, chama-se Argentado '.
Eis a estampa; quanto a qualidades, quem sabe se teria estas:
Soprando aqui, & ali fogo evapora,
Com húa, & outra maÕ bate na silha,
Com tanta força as desce, que sonora
Cayxa parece a terra, quando a trilha ;
De guerra amigo, odioso de demora.
Somente ao freyo a soberba humilha :
Quanto mais corre, tanto mais se inllãm.i,
Volta como Nebli, Nebli se chama -.
Quando ele, nos primeiros tempos após o regresso, acompanhado
de um ou mais criados, ou de algum escravo preto que trouxera do
Brasil^, passava a cavalo pelos caminhos que irradiavam de Avô
pelos vales e pelas encostas, os pobres trabalhadores, gente humilde
e riistica, quedavam-se boquiabertos, apontando para ele como para
um objecto raro e precioso. E muito provável que no quadro, tão cheio
de expressão e de naturalidade, que no canto xi o poeta esboça, do
recebimento feito pelos pastores da serra da Estrela a Viriato, que
regressava cheio de glória da campanha contra os romanos, haja
traços, colhidos do natural, da admiração humilde dos seus patrícios,
quando rico voltara do Brasil. Parece que estamos a ver retratada
num instantâneo, em um domingo depois da missa de terça, a turba
dos pobres vilões de Avô, acotovelando-se em silêncio e contemplan-
do-o, na sua admiração acanhada e submissa, quando èle passava:
Pellos altos penhascos dividida
Coro mudo, & vergonhoso acatamento,
Encolhida entre os rústicos penedos.
Seu Pastor sinalaváo com os dedos *.
E era isto que Brás Garcia muito apreciava : ser admirado, re-
speitado e querido por grandes e por pequenos. A psicologia do
nosso poeta era simples e sem refolhos. Gostava de figurar, de vi-
ver com brilho e ter prestígio entre os seus patrícios, não para os
deslumbrar, e muito menos para os vexar ou oprimir, mas para exal-
l V. r. XI, 121.— 2 V. T. XI, 111.
' O registo paroquial de Avô acusa, dezasseis anos decorridos, a existência de
huã pretta cativa de bras Garcia M.as nomine Isabel (Doe. LXXX). — i V. T. xi, i5.
io6 'Brás Garcia de oMascarenhas
çar, um pouco vaidosamente é verdade, a sua nobreza e a sua supe-
rioridade intelectual e moral aos olhos dos seus admiradores, para
em seguida os honrar e proteger com dedicação, e lhes dispensar
favores e serviços. Tinha consciência do seu alto valor, e estimava
que os outros lho reconhecessem. Amava a ordem, a disciplina, a
justiça, e em pontos desta natureza era intransigente; mas preferia
captar pelo coração os seus subordinados, a fazer-lhes sentir o peso
da autoridade.
Tal era o feitio morai do nosso poeta, como èle deixa transparecer
a cada passo nas páginas do Viriato Trágico; a tal feitio são devidos
muitos dos desgostos e contrariedades que sofreu desde o seu regresso
do Brasil.
A casa paterna, para onde Brás Garcia veio residir, ainda era a
mesma em que nascera, e a que alude no seu poema '. Lá conti-
nuava ela a mirar-se na superfície reflectora do Pego, no sitio onde
suavemente deslizam as águas do Moura, que pouco adeante se encon-
tram, em pleno lago, com as do Alva -.
1 Já a ela fizemos referência a pp. 9, 18 e 37.
2 Em face da descrição, que aqui fazemos, da casa de Marcos Garcia, talvez que
alguém lance um olhar de desprezo e compaixão para essa morada, reputando-a
casebre mesquinho, indigno de ser habitado por família nbbre e com meios de
fortuna. A esse alguém devemos dizer que em Portugal, assim como em toda a
península, nos séculos xv e xvi, toda a gente, ainda mesmo a mais abonada e dis-
tinta, se contentava com viver em casas pobríssimas e ultra- mesquinhas, ao lado
das quais a dos Garcias de Avô, construída nos princípios do século xvf, pode con-
siderar-se um palácio sumptuoso.
Lá dizia o bom do Gii, Vicente na sua Exortação da guerra, estigmatizando,
como impróprio de portugueses, o luxo nas habitações, que principiava a introdu-
zir-se na capital :
Oh ! deixai de edificar
Tantas camarás dobradas,
Mui pintadas e doiradas.
Que é gastar sem prestar.
Alabardas, alabardas!
Espingardas, espingardas !
Não queirais ser Genoêses,
Se não muito 1'ortuguêses,
E morar em casas pardas.
No meado do século xvri escrevia D. Francisco Manxel de Melo:
— «Tem se hoje por grandeza lavrar quartos, e aposentos á parte, conserva-
rem-se por toda a vida assim entre os casados . . . Perguntem-se neste caso as pa-
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò joy
E tempo de darmos uma rápida notícia desta casa, que para nós
tem particular interesse, por lá ter nascido o poeta, lá ter vivido bas-
tantes anos e escrito o seu poema, lá ter finalizado os seus dias.
redes das casas mais antigas; que pois as paredes fallão, ellas dirão os costumes
dos passados. Vè-se no seu modo de edificar, que donde hoje não cabe hum po-
bre escudeiro, antes cabia hum senhor grande. Eu não sou tão amartelado da
antiguidade, que cegamente siga seus costumes, mas parecia-me bem aquella sin-
geleza . . .» [Carta de guia de casados, ed. Lisboa — 1827, p. 35).
O que era a casa de habitação antiga em Portugal, di-lo o sr. A. dk Sousa
Silva Costa Lobo no seu magnífico livro História da sociedade em Portugal no
século XV :
— "Lancemos agora a vista por essas povoações, onde se concentrava a vida
social nos últimos annos do século xv.
«As cidades, villas e aldeias, então existentes, persistem em nossos dias Lm
algumas tem variado a sua importância relativa, mas, na maioria, conserva se a
mesma. Também ha ainda hoje em Portugal muitas povoações, que recordam,
mais ou menos, as feições do passado:— as muralhas cercando as habitações,
amontoadas em estreitas e tortuosas ruas, e, no topo do monte, a alcáçova com a
sua torre de menagem : sob protecção d'esta, a cathedral, ou a igreja matriz, e não
longe os paços do concelho, em frente dos quaes se levanta o pelourinho, symbolo
e instrumento da justiça. Mas, ainda mesmo nessas terras, onde menos se ha feito
sentir a sua influencia, tem o decurso dos tempos operado grandes transformações.
«A casa feita de pedra é sobretudo indígena dos paizes românicos (D.is Stcinhíuis
hat seine Heimatli vornc)imlicii til den romaiiischen Laendern. Spriíiger, Kunst^'eschichte, «MillL-liiltcr»):
nos paizes do norte predominava a madeira nas construcções. Todavia sabemos
que, tanto em Portugal como em Hespanha, a madeira se usava largamente. Eannes
de Azurara [Clironica da Gume, c. 2), memorando os benefícios auferidos por Portugal
das descobertas do Infante D. Henrique, conta entre ellas que, com as madeiras
importadas das ilhas, se elevaram as casas a grande altura. Nas cortes de 1459,
Lamego aggravava-se do fallecido Conde Vasco Fernandes, que fizera grandes es-
tragos no castello da cidade, incendiando casas, a ponte, a cerca, os paços do con-
celho, e muita madeira que ahi havia, e de que a sua viuva queimara o resto. Os
estragos eram superiores a cem mil reaes {Chanceiiaria de D. Afonso I', liv. 36, fl. 194).
Evidentemente todas essas edificações eram, pelo menos na máxima parte, de ta-
boado. Em 1474 D. Affonso V mandou desfazer em Lisboa balcões, sacadas, arcos,
e tudo o que pudesse embaraçar a servidão publica e a passagem da procissão do
Corpo de Deus, bem como, pela mesma razão, derribar certas propriedades (Lei de
12 de setembro de 1474 em J. P. Ribeiuo, Additamentos á Sj'ttopsis ChonologicaV. O que tudo é
indubitável havia de ser de madeira. De uma carta regia de D. Manuel de i5i5 sa-
bemos, que em duas ruas principaes do Porto as casas eram do mesmo material.
Os moradores das ruas da Ourivesaria e Banhos, incommodados por quatro ou
cinco tanoeiros, que, para darem o conveniente feitio ás suas aduellas, accendiam
ahi grandes fogueiras, soccorreram-se á Camará, a qual assignou aos tanoeiros um
terreiro da cidade para aquelle fim; e, para maior segurança, requereram, em se-
guida, ao rei, que confirmasse a' decisão municipal, allegando serem a; ruas estreitas,
loS 'Brás Garcia de (£Mascarenhas
Construção ligeira, feita quási toda de pequenas pedras acamadas
e sobrepostas, sem cal que as cimente, ;é extraordinário como ainda
que o fumo lhes estragava as moradas, as quaes também corriam grande perigo
por serem de taboado. O rei deferiu i,Akm Douro, I. 5, fl. 2S). O próprio tecto do
cruzeiro da Sé da mesma cidade era de madeira, e não foi tornado em abobada de
pedraria senão no terceiro quartel do século xvi pelo bispo D. Rodrigo Pinheiro.
(D. Rodrigo da Cunha, Catalogo dos Bispos do Porto, parle ii, c. 36).
• Uma grande parte das habitações do paiz, e até de Lisboa, eram construcções
de adobes. — Os christãos de Lisboa e de Portugal, assim como os da Galli^a, empre-
gam, segundo o estylo dos infiéis, muito o barro nas suas edificações [Viages de Ex-
tranjeros por Espana y Portugal eti los siglos xv, xvi y xvii, traducidos por F. R., Colleccion de
Javier de Liske. Madrid, 1S78. Nicolas de Popielovo, em iJS4|. — O mesmO acontecia em todo O
resto da Hespanha.
<iNa Chorographia da viagem, que Gaspar Barreiros fez em i336 de Badajoz a
Milão, encontram-se muitas observações sobre as cidades estrangeiras, das quaes,
por comparação, se pôde concluir para o que existia em Portugal (Gaspar Barreibos,
Chorographia, Coimbra, i56i|. Madrid, segundo a relação do viajante, é a metade de
Lisboa; as casas são ali pela maior parte de taipa; de taipa são também as mura-
lhas, com alicerces de pedernal. Saragoça tem boas casas de tijollo; as muralhas
são de taipa. Barcelona contém boas casas de pedra e cal, publicas e particulares:
essas, que são de pedra, são as melhores que cidade alguma tenha em Hespanha.
Só quando elle entrou no Languedoc, é que encontrou casas particulares de can-
taria lavrada. — Na architectura das casas Barcelona não tem vantagem a Montpellier,
as quaes são de cantaria lavrada com janellas e vidraças, que por a mór parte d' esta
terra de Languedoc se costumam. (FI. 1691. Avignon tem muito boas casas de cantaria
lavrada, com janellas de vidraças, que muito costumam em toda esta terra. (FI. 174).
Evidentemente, pela maravilha que lhe causam, as janellas com vidraças eram
muito raras em Portugal : nem eram communs no resto da Europa, porque Aeneas
Silvius apresenta a sua frequência como uma amostra da magnificência de Vienna
de Áustria [Demoribus Germanorum em Hallau, Europe in the Middle Ages, c. 9, parte 11). —
Carpentras tem boas casas de pedra e cal. (Fl. 1771. — Também esta insistência sobre
a particularidade de casas de pedra e cal dá a entender, que não eram ellas, ainda
no reinado de D. João III, abundantes no nosso paiz. Não o eram com certeza no
século XV, a julgar por um artigo dos capítulos especiaes de Castello Rodrigo nas
cortes de 1447. Esta villa — dizia o procurador do concelho — , é fundada em
serra, onde não ha senão seixo puro, muito mau de assentar, mesmo de alvenaria
com cal e argamassa : agora cairam duas quadrellas da muralha, por serem feitas
com pedra e barro, porque, se fossem de argamassa, duraram para sempre como
as outras iBeira, liv. 11, fl. 126). Quando nas muralhas de um baluarte da fronteira se
economisava a argamassa, não é de crer que o seu emprego fosse mais usual.
As demais comparações de Gaspar Barreiros sobre estalagens, e commodidades
da vida, são relativamente idênticas ás que faria o viajante hodierno. Portugal e
Hespanha tèm, neste particular, guardado desde então até hoje a mesma atrazada
distancia dos outros paizes da Europa.
c<A construcção de taipa, quer dizer, de barro amassado e seixo entre ta-
bq^dos, é um género usado na Peninsula desde o tempo dos romarrt)s iPusio,
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò i og
se manteem de pé aquelas paredes, resistindo ao perpassar de quatro
séculos!
Tem uma parte, que podemos chamar a casa nobre, a qual por
fora, não obstante a descrita ligeireza de construção, é assaz es-
merada nas cantarias das janelas e das portas, em estilo manuelino, de
aparelho liso e simples como a dureza e aspereza do granito exigiam;
por dentro revela não menos cuidado nos tectos e portas de velho
castanho, com os seus severos almofadados. O resto da habitação
é vulgar e incaraterístico.
Todo o prédio está dividido em dois pisos : um inferior com quar-
tos e lojas de arrecadação, e um andar alto, que é o principal.
A porta de entrada do andar nobre era rasgada na fachada me-
ridional; dava-lhe acesso uma escadaria exterior de pedra, com corri-
mão de ferro sustentado por balaústres do mesmo metal, e tendo
ao cimo um singelo alpendre, cujo entablamento se apoiava sobre
duas mísulas e duas colunas da ordem dórica, ú rite recordor.
Ainda conheci este lindo exemplar de alpendre de entrada, que, por
sinal, ao tempo em que eu o vi pela última vez, estava engalanado
pelas parras e cachos duma videira, que, trepando esguia e rugosa
lá do fundo, vinha firmar-se com as suas vides e gavinhas nos ferros
e pedras do alpendre, e enfeitá-lo com a pompa dos seus festões.
liv. XXXV, cap. XIV, citado por Trigoso, «Memoria sobre os terrenos abertos», nas Memorias económicas
da Academia, tomo v): e também OS sarracenos construíam assim as suas habitações
í«Por serem os edifícios {de Silves), segundo o systema de construcção árabe, feitos pela maior parte
de taipa ou formigão, e cobertos de eirados de ladrillio». Herculano, Historia de Portugal, liv. iii).
Quem não conhece aquella casa e torre do Senhor de Basto, celebradas por Sá de:
Miranda em uma das suas cartas:
Nessa hora os olhos ergui
A casa antiga e á torre...
{Carta i'.", a .Vntonio Pereira, Senhor de Basto).
Essa antiga casa e torre eram construcçóes de taipa, segundo prosaicamente nos
informa o coetâneo Recenseamento do Minho de 1527.— Cabeceiras de Basto, lê-se
ahi, não tem villa, nem castello, salvo as casas de taipa delle António Pereira,
fortes com muro e torre (Archivo Nacional, cit. Recenseamento do Minho].
"Não há comarca no reino, em que haja tantas casas de fidalgos, como no
Minho: — assim se expressava a cidade do Porto nas cartas de Santarém de 1480
i.i. I'. KiuiiiRo, Memoria sobre os foraes, doe. 25). Esses solares da fidalguia do Minho, bem
como da Beira c de Trás-os-Montes, haviam de ser modestas habitações, con-
struídas pelo mesmo systema : alguns, de que havia memoria e vestígios no sé-
culo XVII, eram humildes choças de lavradores (Vii-lasboas Sampaio, Nobiliarcltia portu-
guesa, cap. XVI)».
{Op. cit., cap. II, pp. ioi-io<>j.
3rás Garcia de oMascarenhas
O actual proprietário, G.° neto de Brás Garcia de Mascarenhas, teve
o mau sestro de desmanchar há anos esta bela entrada da sua casa
avoenga, para lhe fazer um acrescentamento, e obrigá-la assim a vir
facear com a estrada de recente construção, que lhe passava a poucos
metros de distilncia). ; ; Uma idéa desastradíssima!!
Em virtude desta ampliação, a antiga porta principal de entrada,
que abria sobre o alpen-
dre, passou á categoria de
porta interior; continua
porém em excelente es-
tado de conservação.
Transpondo esta en-
trada, achamo-ncs em um
corredor encostado à pa-
rede da mesma fachada
sul, e paralelo ao eixo do
edifício. No topo do cor-
redor, à direita de quem
entra, encontra-se uma
porta que abre para a sala
nobre ; seguindo o corre-
dor, para a esquerda,
deparam-se-nos sucessiva-
mente as portas dos com-
partimentos internos da
casa. Deixemos estes, que
nada teem que nos inte-
resse, e entremos na sala.
Esta é rectangular,
quási quadrada. O lado
oriental fica limitado em
toda a sua extensão pela parede que constitue o topo do edifício,
onde se rasga uma janela de verga levemente arqueada, que na gra-
vura adeante reproduzida se vê à esquerda, junto do cunhal. Na
mesma fachada há outra janela, para lá da sala, com as cantarias a sa-
lientar-se do plano da parede ; essa janela, com a porta que lhe íica
por baixo, pertencem já á nova construção do infeliz acrescentamento.
É iluminado o lado setentrional da sala pela primeira janela que
se vê na fachada mais extensa da gravura, partindo do cunhal para
a direita.
Poita principal da
Cap. V — O poeta-fidalgo de (lAvô 1 1 1
A nova construção não permitiria hoje dar luz á sala do lado S.;
antigamente podia ter aqui uma janela, que abrisse ao lado do alpen-
dre, a pequena distância deste. Perece-mc entretanto que nunca a
teve.
No lado ocidental da sala, que é formado por um tabique ou
taipa, rasgam-se duas portas, junto das duas extremidades: uma, a
Casa de Marcos Gai-cia vista de N.-IC.
que já fiz referência, dá para o corredor de entrada, a outra para
um pequeno escrit(irio, que era o quarto principal da casa, a que per-
tence a janela rasgada, de parapeito e balaústres de ferro, que se vê
na estampa.
A par desta notam-se mais duas janelas, incaraterísticas, que dão
para quartos muito modestos. Ainda se observam na gravura outras
duas janelas abertas nesta fachada, e que iluminam o andar inferior.
Na que fica debaixo da janela da sala há no peitoril, a salientar-se,
um escudo de armas, onde porém se não divisam nenhumas figuras
heráldicas, ou porque, tendo pouco relevo, o tempo as gastou, ou,
mais provavelmente, porque não chegaram a ser esculpidas no duro
e áspero granito, por incapacidade do pedreiro.
Voltando ao interior da casa, temos de referir que tanto a sala
nobre como o escritório contíguo ainda hoje se encontram cora os mes-
112 'Brás Garcia de (Páascarenhas
mos tectos de castanho, que tinham quando Brás Garcia aqui viveu.
E digno de nota o tecto da sala: começa por um plano horizontal,
rectangular como a respectiva planta ; dali se ergue em cúpula de base
octogonal, tendo grossas molduras a cobrir as intersecções dos planos,
e em remate, ao meio, um florão. A grade, que serve de peitoril à
janela do escritório, é de ferro forjado, remontando ao século xvi :
balaústres cilíndricos, lisos, com um relevo anular a meio e outro em
cada extremidade, sendo a chapa do parapeito ornada superiormente
com traços em forma de espinha, abertos à talhadeira.
A mobília da sala é antiga, mas em péssimo estado de conserva-
ção. Grandes cadeiras de espalda e braços, singelas e hirtas, de
madeira de carvalho, com assentos toscos de pinho a substituírem os
antigos de estofo ; e um bufete de castanho, muito estragado, de per-
nas e travessas torneadas, tipo século xvii, que bem pode ser a mesa
onde o nosso poeta escreveu o seu Viriato Trágico.
E nada mais resta digno de menção.
Prolonga-se a casa bastante para ocidente, além da parte repre-
sentada na gravura da página fronteira; mas o resto, que é quási
outro tanto, resulta de restaurações e amplificações feitas em tempos
subsequentes. A parte descrita é que constituiria a primitiva casa,
que pertenceu a Simão Garcia e ^'erónica Nunes, avós mateinos do
poeta, herdada dos ascendentes desta. Crescendo depois a família,
em tempo de Marcos Garcia, e provavelmente já a expensas de Brás,
seria então ampliada para ocidente, rasgando-se na parede mestra,
no topo ocidental do corredor, a porta que ainda hoje lá se vê, a co-
municar a parte antiga com o acrescentamento, que suponho ser do
século XVII.
Tem-se dito que a casa de Marcos Garcia, onde Brás nasceu e
viveu, era outra, que ficava pouco distante desta, mais próxima da
actual ponte de S.'° António, e que foi demolida há anos, ao con-
struír-se a estrada distrital n." ig6.
Puro engano, que passamos a explicar.
Sabia-se, pelas tradições e documentos de família, que a casa, que
deixamos descrita, fora edificada por Henrique Madeira Arrais; mas,
como nem sequer se suspeitava de que a mãe do nosso poeta fosse des-
cendente, e por tanto pudesse ser herdeira mediata daquele fidalgo,
procurou se modernamente explicação para o facto de andar esta
propriedade na posse dos descendentes de Brás Garcia, e imaginou-se
Cap. V — O poeta-fidalgo de cAvò ii3
que foi D. Maria de Mesquita da Costa, casada com Brás Garcia de
Mascarenlias, bisneto do poeta, quem a trouxe, no segundo quartel
do século XVIII, para o domínio dos Garcias de Mascarenhas de Avô,
ficando desde então na descendência deste casal Ora é de notar
que D. Maria de Mesquita da Costa descende, é verdade, de Henrique
Madeira Arrais, mas exactamente pelo mesmo ramo genealógico a
que pertencia o poeta. Felipe Madeira, terceiro avô de D. Maria
de Mesquita, era irmão de Helena Madeira, mãe de Brás Garcia, sendo
ambos bisnetos de Henrique Madeira Arrais'.
Contra essa explicação artificiosa está a verdade, documentada
e indiscutível. Não resta dúvida de que a casa residência dos
Garcias de Mascareniias de Avô, descendentes de Marcos Garcia, foi
sempre a que deixo descrita. Ficou propriedade comum e indi-
visa dos filhos de Marcos, com exclusão da Feliciana e do Fran-
cisco ; ali nasceram eles, lá viveram e morreram quási todos. Em
1681 já não restavam dos irmãos senão duas velhinhas, Isabel e
Antónia, que compartilhavam esta propriedade com os únicos dois
sobrinhos, que de seus irmãos Brás e Matias lhes restavam : D. Qui-
téria, filha do primeiro, casada com Manuel, filho do segundo. Por
escritura de 27 de janeiro deste ano - foi esse prédio, onde viviam,
vinculado com vários outros, para serem administrados /// pcrpeluiim
pelos ditos seus sobrinhos e pela sua descendência directa, legítima,
masculina; e esse vínculo subsistiu até há poucos anos, sendo ainda
administrado por Tomás Garcia de Mascarenhas, quinto neto de
D. Quitéria, falecido em 1895, de quem herdaram seus filhos a casa
com os restantes bens até então vinculados.
Pelo contrário, a casa que ultimamente se apontava como tendo
sido a residência de Brás Garcia, se porventura alguma vez pertenceu
a esta família, o que ignoro, não é a descrita na instituição do vín-
culo, nem jamais fez parte dele, andando na posse de estranhos.
Também concorreu notavelmente para se supor que esta última
era a residência de Marcos Garcia, o facto de Brás dizer que nascera
em
Aquella casa, que por mais vizinha,
Fortaleza parece desta ponte';
ora a casa que ficava mais próxima, quási fronteira, à ponte sobre o
Moura, era esta. Daqui se concluiu que a ela se referia o poeta.
1 Not. geneal. II, ui c 3 e 4 ; — tlsq. geneal. II, d e d a. — - Doe. CVII,
' V. T. XV, 29.
114 ^rás Garcia de oMascarenhas
Ignorava-se porem que tal casa, construção do século xviii, ou,
quando muito, dos fins do século xvii, não existia quando o poeta es-
creveu, e que por isso a que deixo descrita era então a mais próxima
da ponte, da qual distava apenas cousa de poucos passos.
No seu regresso à pátria, Brás encontrou na mesma a casa onde
nascera e onde passara a infância e a juventude; modificações porém
/^
Assinaturas de Marcos Garcia; a primeira 1 feita quando tinha 6i anos.
a segunda - quando ia nos 84.
notáveis se haviam dado na família, desde que ele deixara de viver
no seu seio.
Teve a felicidade de ainda poder abraçar .seus pais, que o rece-
beriam com grande expansão de afecto. Marcos Garcia, apesar dos
seus 68 anos, conservava-se vigoroso, prometendo larga vida. Helena
Madeira, com 64, gastara-se muito nos trabalhos de procriar onze
filhos, em cuja robustez sadia ela se remirava com orgulho; mas já
pouco tempo teve para gosar a companhia e carinhos do filho pródigo
regressado á casa paterna, pois que pouco mais de dois anos depois
do regresso era ela falecida ^.
1 No processo para ordenação de menores de João Madeira da Costa, filho de
Gaspar Dias da Costa, em que depôs como testemunha a 11 set. 1625 (C. E.).
2 Em outro processo para ordenação de menores de Gaspar Dias de Matos
(vid. p. 25, nota) a iG fev. 1648 (C. E.).
3 No Registo paroquial de Avô não existe o assento de óbito de Helena Ma-
deira; mas nem por isso estamos inibidos de saber a época aproximadamente em
t]ue faleceu. Temos na C. E. os processos para a promoção dos irmãos de Brás
nos sucessivos graus de ordens, processos esses que foram correndo desde 1622
em deante, em anos consecutivos : e neles se encontram, já nos atestados dos pá-
rocos de Avô, já nos depoimentos das testemunhas, referências aos pais de Brás,
que são dados como vivos e residentes naquela vila. O primeiro documento, que
se me depara, em que encontro a declaração de que Helena Madeira havia falecido,
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò iiS
A irmã mais velha do poeta, a Feliciana, lá estava em Anadia la-
butando no governo da casa, e tratando da criação e educação de seis
filhos que Deus lhe dera, o mais velho dos quais, o João, já fizera em
julho passado quatorze anos, e o mais novo completara em março dois'.
Mais novas do que Brás, as outras cinco irmãs conservavam-se
solteiras, e nesse estado permaneceram durante toda a vida.
Deixara de residir em Avô o doutor Manuel Garcia. Continuando
a sua ordenação, que já fora iniciada antes da partida do poeta,
obteve um bem modesto benefício ecle-
siástico sendo apenas subdiácono : o de A H'^
ecónomo da igreja paroquial e colegiada ^ i^Clf^^^i^ yiH'*'^^^^
da vila de Avô '^. Mas, ordenado pres-
bítero na quaresma de 1626 ^ conse-
' Assinaliiru do l)r. Manuel Garcia 4
guiu. decorridos quatro anos, o rendoso
priorado de Santiago de Travanca-de-Farinha-Pòdre, no bispado de
Coimbra^, de que tomou posse na entrada do outono de lõSo". Lá
estava pois pastoreando aquele rebanho, e concomitantemente usu-
fruindo as boas propriedades do passal, e recolhendo os dízimos e
beneses que por uso da igreja pertenciam ao pároco '. Muito querido
é um requerimento de seu filho mais novo, Francisco Garcia, a pedir a instauração
do processo eclesiástico para a sua ordenação de menores. Não tem data, mas o
mandado aos escrivães do juízo eclesiástico nele exarado traz a data de 3 de feve-
reiro de i635. A mesma declaração de que sua mãe era já falecida faz Francisco
Garcia no requerimento a pedir folha corrida em Avô ; embora não seja datado,
traz as declarações dos escrivães com data de 22 do mesmo mês de fevereiro.
' Not. geneal. I, iv c" 1.
2 Consta do processo para a sua ordenação de diácono, arquivado na C. E.
' Manuel Garcia, segundo já dissemos (pp. Sg, Sg e74), havia recebido a prima
tonsura e o primeiro grau de menores quando estudava em Coimbra, a 18 fev. 1Õ17
e os três restantes graus a 17 dez. 1621. Depois proseguiu regularmente a ordena
cão, recebendo a ordem de subdiácono no sábado das têmporas de S.';» Luzia a 17
dez. 1622, de diácono em iguais têmporas a 21 dez. 1624, e de presbítero na qua-
resma de 1626.
* E não de S. Salvador-de-Travanca, no bispado de Viseu, como fantasiou Ca-
milo na Luta de gigantes, ed. cit., p. 28, e respectiva nota 2.
5 Doe. XXVIII.
' No Registo paroquial de Travanca-de-Farinha-Pódre, passim. (C. S.). Outra
assinatura do mesmo, com o título de Dr., deixamos publicada na p. 58.
' Todos os escritores referem que eram importantes as rendas deste benefício
eclesiástico, o qual é pelo poeta classificado com o epíteto de possessão rendosa
( V. T. XV, 67). Nos tempos modernos é pouco mais do que miserável, mas anterior-
mente à abolição dos dizimos e primícias tinha realmente valor, numa região
onde as igrejas eram em geral pobríssimas. Veja-se a tal respeito o doe. CXIV.
ii6
'Brás Garcia de oMascarenhas
^Af^tx/«J^ejCvfC
Pantaleão Garcia ^
e muito respeitado por suas virtudes, letras e gravidade, era um título
de honra e glória para seus pais e irmãos.
Cortada pela cumplicidade na fuga de Brás a carreira universitá-
ria de Manuel Garcia em 1617', o irmão Pantaleão, que provavel-
mente aspirava também a frequentar a
Universidade, abandonou Coimbra, mas
continuou os seus estudos em Avô, vero-
similmente dirigido pelo licenciado António
Dias, pessoa já nossa conhecida. Assim conseguiu fazer os exames
para ordens, e realizar a sua ordenação, alcançando o sacerdócio
na quaresma de 1628 3. No princípio do outono de i63o ausentou-se
de Avô 'por pouco tempo para ir tomar conta da paróquia de Tra-
vanca, em substituição do irmão Manuel,
que só em novembro entrou no exercício
do seu priorado. Mas foi breve o pe-
ríodo imediato em que o padre Pantaleão
se achou desocupado; pelo S. João de Assinatura do P.» Matias Garcia «.
i63i obtinha a nomeação de cura de
Almassa, também no bispado de Coimbra, onde se conservava à
chegada do poeta.
Qe-^
Autógrafo de Francisco Garcia &.
O Matias e o Francisco continuavam a residir em Avô, onde iam
fazendo os seus estudos preparatórios, distanceando-se muito um do
1 Vid. p. 57 e ss.
* No Reg. Paroq. de Travanca-de-Farinha-Podre e no de AXmassa. passim (C. S.).
3 A ordenação de Pantaleão Garcia correu mais precipitadamente do que a do
irmão Manoel. Recebeu prima tonsura e menores em 1625 e 1626. Depois, obtido
um breve de dispensa dos interstícios canónicos, foi na quaresma de 1627 ordenado
de subdiácono, e nas imediatas têmporas de S. Mateus, a 18 set. do mesmo ano,
de diácono; na quaresma de 1628 recebia o presbiterado.
■* No Reg. paroq. de Anceriz, passim (CS.).
5 É o começo de um requerimento, todo autógrafo, dirigido ao conservador
da Universidade, pedindo-llie que mande aos escrivães do seu juízo passar certidão
Cap. V — O poeta-Jidalgo de oAvô 1 1'
outro nos génios. Aquele era vivo, irrequieto, pouco dócil, um tanto
provocador ; este, pacifico, bondoso, sossegado, mas de inteligência
lúcida e perspicaz.
Deve ter cativado de modo especial as simpatias de Brás Garcia
este irmão mais novo, o Francisco, pelas suas excelentes qualidades
de coração, pela sua afabilidade e doçura de trato. Deixara-o
criança, e agora vinha-o encontrar um belo rapaz de 20 anos, alto,
gentil, de faces rosadas, ainda imberbe, olhos vivos e brilhantes, mas
de ordinário modestamente baixos. Tinha um leve defeito no falar,
era um tanto cicioso. Amigo da igreja e das suas solenidades, a
piedade deste moço, a sua virtude e bons costumes, apontavam-sc
como exemplo. Muito recatado, evitando o bolicio e as festas mun-
danas, revelava tendências para a vida retirada e contemplativa dos
claustros e ascetérios '.
Tanto o Matias como o F^rancisco destinavam-se ao estado cle-
rical.
Avô que, segundo nós vimos, era um vila minúscula, de popula-
ção muito pequena, abrigava no seu seio um número considerável de
famílias, quási todas aparentadas, que forneciam a Brás uma socie-
dade relativamente selecta e educada, embora não fosse de elevado
nível intelectual. Causa até admiração como em tara acanhado es-
paço houve naquele terapo tantas pessoas com cultura maior ou
menor, que estavam longe de ser analfabetas. Percorrem se os di-
versos processos, relativos a pessoas daquela vila, que nos restam nos
arquivos eclesiásticos, e pasmamos de encontrar tam grande número
de testemunhas a firmarem com a assinatura autografa de seus nomes
os respectivos depoimentos. A acção benéfica do padre humanista
o licenciado António Dias ^ durante largos anos deve ter concorrido
poderosamente para este resultado.
de folha corrida, para a sua ordenação de menores. Não é datado, mas o despacho
do conservador tem a data de 20 fev. i635. Anda junto ao processo da sua habili-
tação para ordens. (C.E.). — Note-se que Francisco Garcia não era propriamente
estudante da Universidade, de cujos livros de matrícula não consta o seu nome
Era-o do Colégio das Artes ou Escolas menores, nominalmente parte integrante
da Universidade.
1 Doce. XXXII e XGVI.
* Veja-se o que fica dito deste interessante padre beirão na p. 24 e respectiva
nota.
ii8
'\Bras Garcia de ^Mascarenhas
Procuremos pôr-nos em contacto com essa sociedade, que Brás
Garcia veio encontrar na sua pátria, no meio da qual viveu, e onde
se passaram os acontecimentos que serão objecto deste capítulo.
Comecemos pelos parentes.
Da família paterna do nosso poeta só habitava em Avô sua tia
Joana Garcia Antunes *. Fora para aquela vila ao mesmo tempo
que o irmão Marcos, pai de Brás, casando com um irmão de Helena
Madeira, noiva deste, e fazendo se ambas as bodas em dois dias
consecutivos, pois ela casou a i8 e ele a 19 de agosto de 1591.
Assinatura de Henrique Madeira -
Ignoro se o marido de Joana, que se chamava João Madeira, ainda
era vivo em ih32, mas não há dúvida que ela residia então na vila
com seus filhos e filhas.
Quanto á família ma-
terna, a dos Madeiras Ar-
rais, vários eram os ramos
que em Avô a representa-
vam.
Brás Garcia ainda veio
encontrar vivos dois velhi-
nhos, irmãos mais novos de sua avó materna Verónica Nunes.
Chamavam-se Henrique Madeira S pessoa de grande consideração,
que servira os principais cargos da vila, e o padre Simão Ma-
Assinatura de João Madeira 3, a quem se faz referência
na pag. seguinte.
' Not. geneal. I, m c o; — Esq. geneal. I.
* Testemunha na escritura de património para a ordenação de Manuel João,
de Avô, em 1606 (C.E.).
' Em um despacho que lavrou como juiz ordinário de Avô, a 22 fev. i635,
mandando passar certidão de folha corrida a Francisco Garcia. Este documento
encontra-se no processo para a ordenação do irmão mais novo de Brás (CE,).
* Not, geneal. II, 11 c 5 ; — Esq. geneal. II.
Cap V — O poeta-fiJalgo de cAvô iig
deira *, capelão da ermida de Nossa Senhora do Mosteiro, um pouco
afastada da povoação, o qual nos aparece a cada passo, até 1641,
designado nos documentos pelo nome de ermitão.
Da mesma geração, e primos coirmãos destes, eram outros dois
velhos: João Madeira 2, que um pouco mais tarde, em i635, exerceu
as funções de juiz ordinário da vila e seu termo, e que ainda em
1647, tendo noventa anos de idade, depôs como testemunha e assinou
o seu depoimento em um
processo de genere ; e seu
irmão, o padre Simão Ma-
deira^, beneficiado da co-
legiada de Nossa Senhora
da Assunção de Avô, ao
qual encontro referências
até i633.
Pertencentes á gera-
ção imediata, conhecemos vários parentes, que nessa ocasião residiam
em Avô. Mencionemo-los.
Gaspar Garcia^, irmão germano da mãe de Brás, o qual em 1697
Madeira, beneficiado'*.
' Not. geneal. II, 11 c 7; — Esq. geneal. II.
2 Not. geneal. II, 11 íi 3 ; — Esq. geneal. 11.
' Not. geneal. II, 11 a 4; — Esq. geneal. II. — Poderá alguém supor que é de-
vido a equívoco o mencionarem-se aqui dois sacerdotes conterrâneos, coevos, e
homónimos, o padre Simão Madeira, ermitão, e o padre Simão Madeira, benefi-
ciado. Não é assim. Sam dois clérigos distintos, mas parentes, como pode veri-
ficar-se nas Notas genealógicas, locc. citt. E se alguma dúvida subsistisse, ela
desapareceria em face do assento de casamento de Francisco Dias da Costa com
Maria de Mesquita, a quem adeante me refiro, realizado em Avô a 3o out. 1623.
Neste assento figura como dando as bênçãos nupciais o padre Simão Madeira er-
mitão de N. Senhora do Mosteiro, e na lista das testemunhas que assistiram ao
acto encontra-se o padre Simão Madeira beneficiado, e um leigo também chamado
Simão Madeira, que provavelmente é o Simão Madeira da Costa, irmão do nubente.
No assento de outro casamento, a g fev. 1625, mencionam-se como testemunhas
os dois padres homónimos. Também encontramos nos primeiros anos do sé-
culo xvn a paroquiar S. Sebastião da Feira, vila limítrofe de Avô, um prior cha-
mado Simão Madeira; mas certamente não era nenhum dos dois mencionados, os
quais, como vimos, ocupavam mais tarde logares bastante modestos ; e não era
verosímil que, para os servir, algum deles abandonasse o priorado da Feira, que era
muito honroso e bastante pingue.
* Escrivão no processo para a ordenação de menores de António Simões,
estudante canonista, o qual processo correu em Avô, a 8 dez. 1620. (C.E.).
5 Not. geneal. II, iii c ad fin.
^rás Garcia de (^Mascarenhas
casara muito romanescamente com D. Maria Manuela, oriunda de
Buarcos, era chefe dest'outra família, com a qual intimamente convi-
veria o poeta. Tinha o casal um filho e quatro filhas, uma das quais,
de nome Isabel Garcia, poucos meses antes do regresso de Brás,
a^
Final dum instrumento de posse lavrado pelo tabelião de Avô Felipe Madeira I.
contraíra matrimónio em Avô com António Madeira "-, de alcunha
«o Mata^», de quem houve geração.
' Posse do património para a ordenação de Miguel Fernandes, a 3 dez. i6o5.
(CE.). — Como testemunha, tambGm firma este documento um outro parente de
Brás, Felipe Monteiro, de quem falamos na pag. seguinte.
^ Not. geneal. II, iii c ad fin.
5 O uso das alcunhas era freqiientíssimo, sem que envolvesse sentido depri-
mente ou ofensivo. Era o meio de distinguir uns dos outros vários indivíduos que
usavam o mesmo nome, o que se dava freqi!ientemente em terras onde havia
muitas famílias aparentadas, e era moda não se usar mais de um apelido. Quando
esses indivíduos homónimos eram pai e filho, geralmente distinguiam-se acrescen-
tando-lhes ao apelido as designações '<o Velho» e «o Moço» ; quando porem não
eram, apunham-se-lhes alcunhas alusivas ao sítio onde moravam, à terra donde
eram oriundos, a qualquer feição ou sinal fisionómico, ou a alguma outra particu-
laridade pessoal, etc, e essas alcunhas entravam no tratamento usual, como se fos-
sem realmente apelidos.
Cap. V — O poeta-fidalgo de qAi>ô ' 121
Outro irmão de Helena Madeira, o tio João Madeira, era casado
com Joana Garcia Antunes, irmã de Marcos, e já a êles fizemos refe-
rência.
Era irmão destes dois tios maternos Filipe Madeira ', que Brás
Garcia, ao partir para o Brasil, deixara vivo, exercendo o seu cargo
de tabelião do público e judicial. Falecera poucos anos depois, cm
1023; mas a família estava representada em Avô pela viúva, Eufemia
Pais de Mesquita, oriunda de estirpe nobre de Viseu, e por vários
filhos e uma filha que lhe ficaram. Um deles, o primo Luís de Fi-
gueiredo, acompanhara o poeta na sua ida para o Brasil, e mou-
rejara por lá com êle durante anos de exílio, regressando à pátria
em 1628, como fica dito no capitulo antecedente. Brás, ao chegar a
Avô, encontrou-o já casado, e bailando nos braços o seu primeiro
filho, o Manuelzito, criança de perto de um ano. — Maria de Mes-
quita, irmã de Luís de Figueiredo, a gentil priminha que o poeta
deixara adolescente de doze anos, casara quatro anos depois com o
seu parente Francisco Dias da Costa '^, irmão da nossa já muito co-
nhecida D. Maria Madeira da Costa, t^nviilivou cedo, e em seguida,
tendo 21 para 22 anos, casou em segundas núpcias com João Gomes
Botelho, cavalheiro de boa família do Couto de Vacariça, o qual veio
residir para casa de sua mulher. Das duas filhas que a esta ficaram
do primeiro matrimónio, e dos oito que teve do segundo, proveio
larga descendência, que se enlaçou com muitas famílias nobres do
país, especialmente da província da Beira, dando origem a alguns
varões notáveis, de que reza a história. A chegada do nosso poeta
havia na casa três ^_^
meninas : Susana e ^^■-^"'^^^ ^^ ,— —
Águeda filhas do pri- /^^ -^V^ <^^ o^>t^ /^^^^^^
meiro marido, e Ma- ^ — ^^ÍÉf^^^^ '^^^
ria do segundo. ^^^
■ Assinatura de Joio Gomes Botelho-*.
Parente um pouco
mais afastado, mas da mesma geração, era Felipe Monteiro *, casado
com Águeda Nunes. Esta família vivia bem, era considerada na
terra, e não deixaria de manter relações de familiaridade com o
' A'o/. geneal. II, iii c 4, e iv c"; — Esq. geneal. II, d.
* Not. geneal. III, u 5 ; — Esq. geneal. II a.
' Testemunha, com cerca de 8ij anos, no processo para a ordenação de meno-
res de Pedro Francisco de Abreu, em Avô a 20 fev. 1600 (C.E.).
* Not. geneal. II, ih b 4; — Esq. geneal. II, c
122 'Brás Garcia de oMascarenhas
poeta. Tinha este Felipe Monteiro uma irmã, chamada Maria Já-
come •, que de seu marido António Simões houvera duas filhas :
uma, Isabel Nunes de Mendonça -, era ao tempo viúva de Simão
Madeira da Costa, de quem vamos ocupar-nos em breve ; a outra,
Helena Nunes ^, casara havia pouco com o licenciado António Simões,
que pela sua cultura literária devia ter particulares afinidades com Brás.
Na presente enumeração deixei propositadamente para o fim a
família de Gaspar Dias da Costa ^, padrinho de Brás, e que fora uma
das pessoas de mais consideração da vila, onde exerceu as funções
Começo dum depoimento de Gaspar Dias da Costa, escrito pelo licenciado António Dias,
escrivão no processo ã.
de capitão-mór. Sobre ser um rico proprietário, também auferia ren-
dimentos do comércio. A chegada do poeta já ele tinha falecido.
Vejamos o que era feito dos seus oito filhos :
— i." Manuel Dias da Costa '^ ainda vivia em 1624 em que apa-
rece o seu nome no registo paroquial de Anceriz, indicado ao lado
do de sua irmã D. Maria Madeira, como padrinhos dum sobrinho^;
mas nenhuma outra referência se me deparou a ele, ignorando por
isso o destino que teve.
— 2." Gaspar Dias da Costa, o Moço*, imediato na idade, casara
com Maria Nunes de Abreu, da vezinha fi-eguesia de Vila-Pouca, para
onde fora residir; mas, enviuvando pouco depois, casou em segundas
núpcias com Maria Garcia de Sequeira, da Bobadela. De entre os
seus numerosos filhos, uma menina chamada Maria Madeira casou
em Avô em i63o com Matias Fernandes, e ali ficou morando.
1 Not. geneal. II, iv í> ; — Esq. gemai. II, c. — - Ibid. — ' Ibid. — * Noí. geneal.
Ill, 11; — Esq. geneal. II, a.
5 Processo de inquirição de genere, iiita et moribus para a ordenação de An-
tónio Fernandes, de Avô, a 9 dez. 1624, sendo juiz inquiridor o padre Inácio Ro-
drigues, e escrivão o vigário licenciado António Dias (C.E.). Sobre a identidade
deste Gaspar Dias nenhuma dúvida pode surgir. A idade que declara ter, 70 anos,
é aproximadamente a que então tinha Gaspar Dias da Costa, pai de D. Maria Ma-
deira da Costa e padrinho de Brás (vid. Not. geneal. Ill, i), e a assinatura que firma
o depoimento é inconfundivelmente a sua, que já publicámos na p. 22.
^ Not. geneal. III, 11 i; — Esq. geneal. II, a.
" Vid. nota 4 à pag. 124. — ' Not. geneal. III, 11 2; — Esq. geneal. II, a.
Assinatura de Simão Madeira da Costa 3.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò 1 23
— 3." Seguia-se na ordem cronológica Simão Madeira da Costa ',
que foi juiz dos órfãos, e casou com sua prima Isabel Nunes de Men-
donça. Já tinha falecido quando Brás regressou, mas vivia em Avô
a viúva com seus dois filhos e duas filhas. Uma destas, D. Teodora
Madeira da Costa-, casara al-
guns meses antes, em junho de
i632, tendo apenas quatorzc
anos, com António da Costa, de
Oliveira do Hospital, que viera
habitar para casa de sua molher,
e teve larga descendência, na
qual se contam homens muito
notáveis na magistratura judicial do continente e do ultramar, e nos
altos cargos da igreja; de um dos ramos desta família provêem os
da casa das Obras, de Seia. A filha mais nova, D. Maria Jácome de
Mendonça*, era ao tempo uma criança, que ainda não atingira os
dez anos; e veio mais tarde a ser causa ocasional de gravíssimos
desgostos para Brás Garcia, pelo casamento que este lhe arranjou,
e de que provieram grossas desavenças, como a seu tempo veremos.
— 4.° A nossa conhecida D. Maria Madeira da Costa ^ lá vivia na
casa de seus pais, em companhia de seu marido João Manuel da
Fonseca, tendo consigo cinco fi-
lhos, quatro meninas e um rapaz-
Já lhe tinha falecido uma crian-
cinha, mas em compensação ainda
viriam mais duas, uma de cada
Assinatura de João Manuel da Fonseca 6. SeXO, Completar a família. A
mais velha do rancho era ao
tempo uma formosa joven loura de 14 anos, D. Maria da Costa, que es-
tava destinada a desempenhar um papel importante na vida do poeta.
' Ibid. — A^oí. geneal. III, 11 3, e m íi;— II, iv b 5; — Esq. geneal. II, a e c.
2 Not. geneal. III, iii az; — Esq. geneal. II, a.
' Testemunha no processo para a ordenação de presbítero de Roque Dias de
Matos, a 18 fev. 1619, processo que correu na ermida de Santo Antão, no adro da
igreja paroquial de Avô (CE.).
♦ Not. geneal. III, iii ít 4; — Esq. geneal. II, a.
5 Not. geneal. III, 11 4, e 111 è ; — Esq. geneal. II, a.
s Em um despacho que lavrou como juiz ordinário de Avô, mandando passar
certidão de folha corrida para a ordenação de menores de António Rodrigues, a G
dez. i65o.
124
'Brás Garcia de oMascaren/ias
^fí^ãJÁ^Á^^
— 5." Vinha em seguida I"rancisco Dias da Costa', que, depois
de pouco tempo casado com a prima D. Maria de Mesquita, falecera,
deixando-lhe duas filhas, como acima fica dito.
6." D. Cecília Madeira da Costa 2, a antiga namorada de Brás,
vivia com seu
marido em An-
ceriz, já sobre-
carregada com
quatro filhos; e
ainda tinha ape-
nas meio per-
corrida a es-
trada da ma-
Assinalura de Francisco Dias da Costas. temiflaCle. i a-
rece que viviam
felizes c satisfeitos, bendizendo a sua união, e assim se explica o es-
colherem para madrinha de quási todos os filhos a irmã e cunhada
D. Maria Madeira da Costa, que fora a sua casamenteira ^.
— ■ 7.° António Madeira da Costa ^ casara em Vila-Cova-sob-Avô
com sua segunda prima D. Maria de Brito Barreto. Residia em Po-
mares administrando o vínculo que herdara de seu pai, e havia de
1 'Not. geneal. III, 11 5; — II, iii c 4, e iv c"; — Esq. geneal. II, a.
í Not geneal. III, n 6 ; — Esq. geneal. II, a.
' Na certidão de folha corrida que passou, na sua qualidade de tabelião do pú-
blico e judicial de Avô, 37 set. 1625, para a ordenação de menores dePantaleão Garcia.
* Eis a nota completa dos filhos de Cecília Madeira da Costa, de Avô, c. c.
Aleixo Afonso, de Anceriz, colhida do Registo paroquial desta última freguesia :
— a) Manuel, baptizado a i5 set. 1624, sendo padrinhos Manuel Dias e D. Maria
Madeira, tios do baptizado ;
— b) Gaspar, b. 29 out. 1626, padrinhos ?;
— c) Maria, b. 6 fev. 1629, padrinhos António Nunes e D. Maria Madeira;
■ — d) Isabel, b. 27 abr. i63i, padrinhos António Nunes e a mulher de Gaspar Dias
de Vila-Pouca (este era tio materno do neófito, e a madrinha chamava-se Maria
Nunes de Abreu, como se diz na página 122) ;
— e) Bento, b. 17 mar. i635, padrinhos Manuel Nunes prior de Vila-Cova, e D.
Maria Madeira.
— /) Felipe, b. 7 mai. 1637, padrinhos Gaspar Dias e D. Maria Madeira, tios do
baptizado;
— g) Aleixo, b. 6 abr. 1640, padrinhos Marcos de Figueiredo, de Vila-Cova, e D.
Maria Madeira;
— h) Ana, b. 19 nov. 1643, padrinhos Manuel Roque e sua mãe Ana Afonso.
'•' Not. geneal. III, 11 7, e iii c\ — II, 11 it 2 ; — Esq. geneal. II, a e b.
Cap. V — O poeta-fidalgo de QÃvô 12S
ser mais tarde um dos primeiros bravos que, acudindo ao chama-
mento de Brás Garcia, correria sob o comando deste a defender a
pátria na guerra da restauração. Mas não adiantemos os sucessos.
Quando o poeta regressou da América, já tinha um ano o filho único
que nasceu deste casal, c que se chamou Manuel de Brito Barreto, o
qual veio a ser capitSo-mor de Avô, e tronco duma descendência
brilhante. Ao filho mais velho de Manuel de Brito, que se chamou
Bento Madeira de Castro, devemos nós o altíssimo serviço de salvar
do desaparecimento o único poema que nos resta de Brás Garcia de
Mascarenhas, e que êle publicou. Esta descendência enlaçou-se com
muitas famílias nobres do país, especialmente da Beira e de Entrc-
Douro-e-Minho. E hoje representado o seu ramo principal pela se-
nhora D. Maria Manuela de Brito e Castro, marquesa de Pomares,
terceira neta de Bento Madeira de Castro *, e dama que ocupa lugar
mui distinto no nosso meio literário.
— 8." João Madeira da Costa-, o mais novo dos irmãos, aparece-
nos a habilitar-se em lõiB para a recepção de ordens menores, mas
depois eclipsa-se, c dele não temos mais notícias.
Não estava porém limitada a estes parentes a roda de pessoas
cora quem Brás Garcia conviveu em Avô. Outras havia em seme-
lhantes condições sociais, que naquele meio pequeno não deixariam
de manter relações de intimidade com o poeta.
Em primeiro lugar devo mencionar o velho licenciado António
Dias ', que era sem dúvida a pessoa mais ilustrada da terra, e com
quem o nosso poeta, que probabilissimamente havia sido seu discípulo
na juventude, se deliciaria em conversas eruditas e literárias sobre as-
suntos clássicos e humanistas, tam apreciados de um e de outro.
Esta convivência porem não duraria muito; de i633 em diante não
mais aparecem nos registos e processos referências ao velho sacer-
dote, e em i636 depara-se-nos o sobrinho, padre Roque Dias de
Matos, provido no benefício do tio, passando de cura a vigário, o
que nos faz admitir como provável a hipótese de que o licenciado
era falecido neste último ano.
' Not. geneal. III, iii c, e vm c 2; — Esq. geneal. II, b e b a. — ^ Nol. geneal.
III, II 8.
' Deste eclesiástico ficam publicados alguns autógrafos a pp. 14, i5, 21 e 122.
120
liras Garcia de <£\íascarenhas
O sobrinho, seu homónimo, também licenciado, que por vezes o
substituía na administração dos sacramentos e restante serviço paro-
quial *, não vivia já em
Avô, ao que parece,
Cy t^^ porque nenhuns vesti-
^ y . gios dele aparecem de-
pois do primeiro quar-
tel do século. Mas em
compensação lá viviam os irmãos deste, amigos de infância de Brás.
Entre eles especializarei três ^, um pouco mais velhos do que o
poeta : — Miguel Nunes de Matos,
casado havia três anos, Pedro
Matos, que actualmente exercia
cargo de juiz ordinário da vila e seu
termo, e o padre Roque Dias de
Matos, a quem acabamos de aludir, ^ d d . n; -i. m„„c4
' T ' Assinatura do P.e Roque Dias de Matos'*.
todos eles pessoas muito em evi-
dência pelo seu feitio prestimoso, e que aparecem a cada passo nos
processos e registos da época.
* ^ Também se salientava na sociedade
^ avoense Gaspar da Silva, que viera
'Ttr-fff, ^ para a vila, havia os seus dez anos
)vyiO \3l^^\) pouco mais ou menos, exercer o ofício
de tabelião do público e judicial, e
ali casara a 3 de novembro de i623.
Ainda viviam o padre António Ro-
drigues, antigo ecónomo da colegiada
de Nossa Senhora da Assunção, e o
padre Inácio Rodrigues, que deixara
de ser cura da freguesia; e por lá estavam frequentemente, em casa
atos,
i/o ^^^rf^V^Í^
Assinatura do P.e António Rodrigue
1 O próprio registo paroquial era por cie feito algumas vezes. Sirva de exem-
plo um assento, que principia assim : — A ■2g de Junho (õitj) bapti^iei cu o l.<io An-
tónio diaj cõ li" do /.''o Ani.P dia^ iiig.™ etc.
2 Testemunha no processo para ordenação de menores de João Madeira, a 29
maio 164S (C.E.).
3 Veja-se o que fica dito na p. 25, nota.
* Juiz inquiridor no processo de habilitação para menores de António Ribeiro,
a 14 jan. 1648 (C.E.I.
5 Escrivão no processo para ordenação de presbítero de Roque Dias de Matos,
a i8fev. 1Ó19 (CE.).
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò
12^
de D, Maria Madeira da Costa, os dois padres Caramelos, João e
Bernardo, próximos parentes do marido desta dama.
Assinatura do P.' Inácio Rodrigues '.
Aqui temos as pessoas principais que formavam o meio social em
Assinatura do V." João Caramelo i.
que viveu intimamente o nosso poeta depois do seu regresso do
Brasil, e no qual se desenrolaram os sucessos que passamos a narrar.
Instalado na casa paterna, cercado de abundância, brilho e fausto,
não faltaria a Brás Garcia quem procurasse apròximar-se dele, quem
o lisongeasse e aplaudisse. Que é esta a condição humana,
que hé do mundo estilo,
Muytos Amigos nas prosperidades,
Poucos, ou nenhuns nas adversidades '.
Fora educado na escola dos trabalhos e contra-tempos, passando
largos anos envolto em infelicidades, sobresaltos e desgostos; melhor
apreciava por isso agora a tranquila e plácida felicidade fruída junto
de seus pais que muito o amavam, cercado dos irmãos que o estre-
meciam e de amigos que o admiravam. Sem ter experimentado a
* Juiz inquiridor na habilitação para presbítero de António Fernandes, a 8 dez.
1624 (CE.).
^ Testemunha no citado processo para presbítero de Roque Dias de Matos
(CE.).
3 F. r., XI, iiG.
128 'Brás Garcia de oMascarenhas
adversidade, ninguém é capaz de apreciar devidamente a prosperi-
dade. Ouçamos o próprio poeta :
Não se pode chamar prosperidade,
A que de antes não hè purificada
No fogo de qualquer adversidade,
Com que fique depois mais realçada ;
Que a cousa, que com mais difficuldade
Foy adquirida, sempre he mais prezada :
Nenhúa muyto fácil se sublima.
Que o que pouco custou, pouco se estima '.
Agora, depois de tão longa e trabalhosa ausência, tendo regressado
à pátria querida, bem podia dizer a seus patrícios as palavras que pôs
na boca de Viriato, a falar com os pastores, seus antigos compa-
nheiros :
Sabey que não sabeis o bem, que encerra
A vida, que gozais tão repousada :
Não ha repouso fora desta Serra,
Só nella vive a paz tão desejada-;
e traduzindo os sentimentos que lhe iam na alma, e aludindo à rapi-
dez e brevidade com que decorrem os dias felizes, podia concluir:
Aqui deyxey descansos, & alegrias,
Aqui os venho buscar por breves dias.
Acompanhay-me na prosperidade,
Em que augmentar a vossos bens prometto,
Que quem nella se esquece da amizade.
Que teve, antes de a ter, não hé discreto '.
Depois de assentar a sua residência em Avô, o poeta não retar-
daria as visitas aos lugares que frequentara na juventude, às po-
voações onde viviam parentes e amigos de infância, renovando re-
cordações queridas, e apagando saudades. ; E que diferenças não
encontraria êle na situação em que vinha achar alguns desses
amigos, e até alguns parentes, confrontando-a com a que tinham
1 V. T. XI, 6. — -' V. T. XI, i8. — 3 V.T. xt.
Cap. V — O poeta-fidalgo de QÃvò i2g
quando os deixara! Nove anos não passam debalde. Alguns que
viviam em relativa abundância, estimados e queridos, encontrava-os
agora decaídos na pobreza, abandonados e desprezados de quem
anteriormente os festejava ; outros, que viviam parcamente, haviam
sido guindados a esferas superiores, e já se não dignavam de ombrear
com quem os estimara e protegera.
Bem dolorosa impressão devia isto ter causado ao nosso poeta,
impressão que se lhe vincou profundamente no espirito generoso e
bom ; decorridos anos, escrevia êle, talhando certamente carapuças
para determinadas cabeças :
Que entre Balaro, & Lusarco avia
Parentesco de que ambos se prezavão,
Que inda então não sabia rico, ou nobre
Desprezar o parente humilde, ou pobre.
O de alguns homens de hoje caprichoso
E néscio presumir, bayxa altiveza
Se lhe pôde chamar, que no pomposo
Crescimento, do sangue se despreza.
Homem que te viste hontem vergonhoso,
E que hoje te ves cheyo de riqueza,
Não negues, não, teu sangue, que declaras
Que se o tiveras bom, o não negaras.
Muy bem representais Oppositores,
Méritos, submissões, necessidades,
Mas não tendes que ver com Pretensores
De officios, benefficios, dignidades ;
Amigos chamão huns, outros Senhores,
Tudo parentes saõ, tudo amizades,
Tudo promessas, & encarecimentos,
Que custão pouco muytos comprimentos.
Chegado cada qual ao que deseja,
Se nobre hé, procede como nobre,
Se vil, quem o ajudou mais o não veja,
Que em rico não quer ver quem o vio pobre :
Pobre não hà quem seu parente seja,
Nem se acha Amigo, que à rezão o dobre,
Filho se faz da Lua, & do Sol neto,
Todos são néscios, & elle só discreto '.
1 V. T. VIU, I02-I05.
i3o ^rás Garcia de Mascarenhas
A parentela de Brás Garcia já então se tinha alastrado largannente
por toda a Beira. Restringindo-nos à família paterna, encontramos
parentes próximos dele no próprio vale do Alva, muito a montante
de Avô, já próximo do sopé da serra da Estrela, na vila de Sandomil,
onde, alem de outros parentes ', vivia seu primo Sebastião Garcia,
que disfrutava ali um importante vínculo, de que ele era o i." admi-
nistrador'*.
Trepando a encosta que a N. fecha a bacia de Avô, lá quási ao
cimo, está Vila-Pouca, onde tinha um viveiro de parentes, prole de
Domingas Marques, prima co-irmã de seu pai, os quais começavam
então a debandar, levando o sangue dos Garcias de Mascarenhas a
várias casas nobres da Beira ^.
Continuando a excursão, e percorrendo toda essa região vastís-
sima que se estende da serra da Estrela à do Caramulo, da da Louzá
à da Lapa, encontrava ali o poeta bastantes dezenas de parentes, netos
e bisnetos de seu bisavô Marcos Garcia, de Folhadosa, espalhados
por essas vilas e aldeias fora, por Galizes *, Sinde ^, Tábua* e Bar-
rosa^, por Covas ^, Oliveirinha^, Bobadela'**, Oliveira do Hospital'',
Lageosa ''^ e Lagares '', por Várzea de Meruge '^, Folhadosa e Tor-
rosêlo, S. Romão '^, Sameice '*, Tourais *^, Pinhanços '^ e Gouveia ".
1 Not. geneal. I, ii 6 e 7, — m é 5 e G ; — Esq. geneal. I, 8, 9, i5 e iG.
2 Not. geneal. I, v è"; — Esq geneal. I, c 2.
5 Not. geneal. I, 111 á 3 ; — Esq. geneal. I, 41.
* Not. geneal. I, iii c 3 ; — Esq. geneal. I, 2 2.
^ Not. geneal. I, iii c 4, ■ — iv i 4 ; — Esq. geneal. I, 23, — f 5.
6 Not. geneal. I, iv c' 3 ; — Esq. geneal. I, d 4.
' Not. geneal. I, iii c 6 e 10, — iv c' ; — Esq. geneal. I, 25 e 29.
8 Not. geneal. I, iv i i ; — Esq. geneal. I, p 2.
9 Not. geneal. I, iii c 2 ; — Esq. geneal. I, 2 1 .
>" Not. geneal. I, iii c 8, — iii d; — Esq. geneal. I, 7 e 27.
n Not. geneal. I. iii í 5 ; — Esq. geneal. I, 36.
'2 Not. geneal. I, lu è 4 ; — Esq. geneal. I, 14.
'3 Not. geneal. I, v 6' ; — Esq. geneal. I, b 2.
'■* Not. geneal. I, iii è 7 ; — Esq. geneal. I, 17.
'5 Not. geneal. I, iii è 8 ; — Esq. geneal. I, 1 8.
'6 Not. geneal. \,i\ d\ — Esq. geneal. I, f i.
" Not. geneal. I, v í7"" ; — Esq. geneal. I, a 10.
18 Not. geneal. I, iii c i ; — Esq. geneal. I, 20.
19 Not. geneal. I, iv í' ; — Esq. geneal, I, i3.
menta <íaBeircM ?
''^-'^o^/e.c/eA"^'"^"V
1 Mortágua q^ y^' "" ^ .,>- ^
Ejca.lQ. 1: 750.00 0
(Pag. i3o)
Cap. V — O poeta-fidalgu de oAvò i3 r
Especialmente em Folhadosa e Torrosêlo, onde \ivera e morrera
o patriarca desta numerosa família, é que residia agora o principal
núcleo dos Garcias de Mascarenhas, como em volta do cepo de ve-
tusta árvore se acostam e florescem em denso \i\eiro as novas
plantas que, filhas daquela, ali se enraizaram.
Lá vivia em Folhadosa, entre outros parentes, António Garcia,
filho de Marcos Garcia e de Elena Esteves do Ervedal, e neto do
velho Marcos Garcia de Mascarenhas e de Brites Marques. Casara
com sua prima Ana Marques, de Torrosêlo, que na época da chegada
de Brás já ha\ia tido seis filhos, cinco dos quais eram vivos; e ainda
vieram depois aumentar a família mais dois, o PVancisco e o Simão.
Passando em silêncio os mais velhos, de quem descendem os actuais
representantes de algumas famílias distintas da Beira ', notarei que
Francisco Garcia de Mascarenhas, nascido poucos meses depois do
regresso de seu primo Brás Garcia, veio a casar aos 40 anos de idade,
a 10 de outubro de 1678, com D. Maria Coelho de Sousa, de Seia ^,
e fundou o importante vínculo de Folhadosa, cujos bens hoje perten-
cem ao senhor António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque
(Molelos), ()." neto por varonia de Francisco Garcia de Mascarenhas,
de quem descende também, mas por linha feminina, o compilador
destas noticias. O mais novo dos irmãos era o Dr. Simão Garcia
de Mascarenhas, que foi casar a Tourais com D. Catarina Garcia ;
deste casal descendem os Albuquerques das casas do Barril, de Frei-
nêda, do Arco (Viseu) e das Obras (Seia), etc. •*.
Em Torrosêlo avultava a família de Brites Marques, tia-avó de
Brás Garcia, que ali casara com Domingos Afonso, e procreara
numerosa prole, da qual ainda viviam em Torrosêlo, com as suas
respectivas famílias, João Marques, cuja filha Ana casou em Folha-
dosa com António Garcia de quem acabamos de falar, e António
Marques, que contraíra matrimonio com uma parenta de Folhadosa.
As filhas de Brites Marques, essas )á haviam abalado para diversas
terras a constituir novas famílias: Isabel Garcia para Gouveia, Clara
Garcia para a Lageosa, Catarina João e Maria João para Sandomil,
' Not. geneal. I, iv i7 — v <7' a x a" — v a" — vi a'\ a xii a"^ — vi a'\^ a xii ít",, ;
— Esq. geneal. I, a, aj, e m.
* CS. — Registo paroquial de Seia, 1. i, cad. 3, li. 70 v.".
' Not. geneal. I, iv a 8 — v a"' — vi a"\ a xi íi'". — vi a"\^ a ix íj"'„ ; — Esq.
geneal. I, a, a^ (cf. aj).
i32 'Brás Garcia de oMascarenhas
Ana Garcia para Várzea de Meruge, Francisca Garcia para a Cer-
deira, e outra, cujo nome ignoro, para S. Romão '.
Quando o nosso poeta dirigisse o seu passeio para Ocidente
desta região, encontrava em Travanca-de-Farinha-Pòdre, a pouca
distância da Foz-Dão, seu irmão o Dr. Manuel Garcia todo entregue
aos cuidados de pastorear esse pequeno rebanho; e, passando em
barco para a margem direita do Mondego, encontrava a aldeia de
Almassa, onde era cura o padre Pantaleão. Uma vez aqui, não lhe
era custoso alongar ainda mais o passeio para Ocidente na direcção
do Buçaco, e, derivando dali para Noroeste, ir a Anadia abraçar a
irmã Feliciana e amimar-lhe os filhos.
No retorno podia muito bem seguir por Mortágua a Santa-Comba-
Dão, e entrando no Couto-do-Mosteiro visitar sua tia paterna Filipa
Garcia, que ali casara^; e depois, passando o rio Dão, não deixaria
de ir a Oliveira do Conde conversar com seu primo Manuel da Fon-
seca da Costa, filho de sua tia paterna Brites Marques, com o qual
mantinha relações de e,streita amizade, de que mais tarde veio a
colher uma prova real, como a seu tempo veremos.
Outro pretexto para excursões a várias localidades da Beira era-
Ihe fornecido pelas festas e romarias, que se celebravam com fre-
quência por toda esta região, especialmente no estio, e que atraíam
de longe numerosos ranchos, cujos costumes, trajos, danças, lendas,
falas e cantares muito haviam de chamar a atenção do espírito curioso
e observador de Brás Garcia.
Havia então naqueles sítios muitos santuários afamados, onde tais
romarias se realizavam. Citarei apenas alguns, ao acaso.
A ermida de Nossa Senhora das Preces, ou do Colcurinho, que
no século seguinte passou do alto do monte para o vale de Maceira,
que lhe fica no flanco, era bem vezinha de Avô, e chamava concor-
rência de devotos de mais de dez léguas em redor. A marcar no
cabeço do Colcurinho o lugar onde se venerou a Senhora das Preces,
há hoje uma capelinha ainda muito vesitada de romeiros, que tem por
titular a Virgem com a invocação de Nossa Senhora das Necessidades.
1 Not. geneal. I, iv a 9 — v a"" a x a"" — xi a"'\ a xii a"'\ — xi a"'\^ a xii a'"\'y
— Esq. geneal. I, a, ac.
* Not. geneal. I, m c 1 1 ; — Esq. geneal. I, 3o.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvô i33
Junto de Arganil o templo de Nossa Senhora do Montalto lôra
construído ou reedificado pouco mais duma dezena de anos antes,
e também era já concorrido de muitos milhares de pessoas, por oca-
sião da festa que ali se celebra\a a 8 de setembro.
Mais antiga era ainda a veneração que atraia todos os anos, a 7 de
setembro, cardumes de romeiros à igreja do mosteiro de S. Pedro
de Folques, onde se dava a beijar um cofre precioso, que continha
uma das tíbias de S. Goldrofe, antigo prior daquele mosteiro, célebre
advogado contra as maleitas.
Grande devoção popular havia também com o santuário de Nossa
Senhora da Vera Cruz, de Gouveia, pelas circunstâncias impressio-
nantes que determinaram a sua fundação '.
Um dos mais afamados e concorridos templos da Beira era o de
Nossa Senhora do Monte, próximo de Mangualde, que depois veio a
denominar-se do Castelo.
Havia nas proximidades de Viseu alguns santuários com imagens
religiosas, que exerciam irresistível atracção sobre os fieis achacados
que ali vinham buscar cura para os seus males, e sobre os curados
que em dias certos de cada ano acudiam a agradecer as mercês
alcançadas. Entre essas imagens, então célebres, mencionarei a de
Santo Amaro, no lugar de Bertelhe, freguesia de Cepões, a de Santa
Eufemia, em Vouguinha, freguesia da Cota, e finalmente a de Santa
Luzia, sobre um monte fronteiro à cidade.
E não devemos esquecer a devota e pitoresca ermida de Nossa
Senhora da Ribeira, perto de Folhadosa, que ainda hoje, à sombra
dos castanheiros, ergue o seu singelo campanário gótico, e convida os
fiéis a virem em penitência mortificar os seus joelhos sobre o pavi-
•mento formado de pequenas pedras ou lascas, naturalmente polidas,
aprumadas umas junto das outras a formarem desenhos, numa dispo-
sição, artística sim, mas torturante para os genuílectentes. Esta ca-
pela foi sempre muito venerada pelos povos de perto e de longe,
' Algum israelita da judiaria de Gouveia foi uma noite à igreja de S. Pedro desta
vila, e de lá tirou uma devota imagem da Virgem, indo pendurá-la pelo pescoço na
forca, que ali perto se erguia. Faça-se ideia da comoção e indignação que o sacri-
légio provocaria, quando na manhã seguinte, ao levantarem-se os gaudelenses>
deram com tal espectáculo. Ali mesmo, no local onde estava a forca, erigiu-se um
templo em honra da Virgem, fabricou-se do pau da forca uma cruz que se colocou
sobre o altar-mor, e a própria imagem desacatada foi posta ao pé da cruz, correndo
desde logo muitos milhares de peregrinos a render-lhe culto de desagravo e de
devoção.
1^4 ^rás Garcia de oMascarenhas
que lá iam todos os anos processionalmente, cantando súplicas litúr-
gicas.
Do que viu e observou nessas romarias e festividades, simultanea-
mente religiosas e profanas, piedosas e de diversão, onde se orava e
cumpriam votos, onde se corriam touros, onde se bailava e se
faziam cavalhadas, jogos de canas, simulacros de justas e torneios,
deixou-nos Brás Garcia algumas referências e impressões no Viriato
Trágico.
O poeta fere uma nota de observação moralista: — que as raparigas
levianas estão sempre prontas a irem às romarias, fechando os ouvidos
aos conselhos da prudência ; e as pessoas, a quem toca o guardá-las,
teem de as acompanhar, porque lá aparecem sempre admiradores
por elas atraídos.
Agradou o conselho ; em breves dias
A fazer a jornada se preparão,
Que os conselhos de andar vãas Romarias,
Sempre a loucas bellezas agradarão :
Contradizem-lho os três por três mil vias,
Mas nunca do propósito as mudarão :
Com ellas partem pêra as defenderem,
Que lá vão barbas onde amores querem '.
Ao assistir nos santuários, com espírito observador, à visita dos ro-
mefros e ao cumprimento das suas promessas, impressiona-o o facto de
vêr alguns devotos oferecerem junto do altar um delgado pavio, que
se não poderia conservar direito se não fora a cana a que vem amar-
rado; e redecte que, ao recorrerem em momento de aflição à divin-
dade, prometeram certamente oferecer um círio para o culto, círio
talvez de proporções agigantadas, e depois, passado o perigo, afastada
a aílição, se não se esqueceram totalmente do voto, o vêem cumprir
ofertando aquele pavio mesquinho, de preço vil, e que para nada
serve. Considera porem o facto, apesar de indigno e vergonhoso,
muito humano, e como — homo sum, ideo nihil hiimcinum a me alienum
puto, fala na i.* pessoa plural:
O de todos, os que hoje navegamos,
Vergonha ! de que pouco nos corremos !
Porque quando em tormentas nos achamos,
Que de cousas contritos prometemos !
' V. T. XII, 35.
Cap. F— O poeta-fidalgo de oAvò i35
E apenas sobre a terra hum pé estampamos,
Quando não lembram votos, que fazemos ;
E se lembrão pagamos, quem tal crera ?
Com candeas de real mastros de cera ! '
Na descrição longa e opulenta das festas pomposíssimas, cele-
bradas por Viriato na serra da Estrela, encontramos alguns traços,
embora muito adornados e ampliados pela sua fantasia, do que êle
vira em certas romarias.
As iluminações dos arraiais, a música insírtimental, os descantes
dos ranchíjs em coros alternados, as danças e evoluções corcgráficas
por vezes bem complicadas, o proxinciano çapateado : nada lhe es-
capou.
Em tanto de mil tochas guarnecido
O magestoso Circo, parecia
Mostrar o que o triangulo fingido
Debuxa natural na fantesia.
De vários instrumentos o ar ferido
Suspende com festival harmonia,
As almas dando regra, & confiança
A Gymnopódia, que se canta, & dança.
Canta-se a vários coros, que alternados,
Escutando tal vez, tal respondendo,
A compasso dos pés bem compassados
Vão corações fazendo e desfazendo.
Ja mulheres, & homés baralhados
Se vem, já divididos vão volvendo.
Portas de arcos manuais, cerrando, iV abrindo.
Porque huns entrando vão, & outros sahindo.
Brilhão mil luzes pella argentaria
Das ricas galas, que ao nocturno feytas,
Faziam parecer a noyte dia,
Deyxando as almas todas satisfeytas :
Esta de Portugal própria alegria.
Que inda se usa em Cidades muy perfeytas,
Seja, como alguns querem. Espartana,
Trinta séculos há, que hé Lusitana*.
Constituíam então as touradas um número obrigatório de algumas
dessas romarias. Até se corriam touros nos adros e em pequenos
largos de aldeias e Jogares insignificantes. Já eram classificadas de
bárbaras pelas nações extra-ibéricas tais diversões, a que na penín-
« V. T. X, 38. - 2 V. T. XI, 44-46.
j36 '^rás Garcia de oMascarenhas
sula se dava um apreço grande: e o poeta claramente revela que
era um entusiástico cijicionado por semelhante género de desporte.
Qualquer Nação desta presente idade
Chama a tal festa trágica alegria :
Se todas dizem que hé barbaridade,
Toda Hespanha lho imputa a covardia ;
Que aonde não periga a liberdade,
Nunca pode luzir a valentia.
Seja licita cousíi, ou não o seja,
Sempre a festa foy nossa, sua a inveja '.
Das touradas deixou-nos Brás Garcia um esboço descritivo vigo-
roso, que revela mão de mestre.
Ficava no terreyro sanguinoso
De peões, & cavallos já desfeytos
Hum touro fusco, grosso, & temeroso.
De erguidos cornos, & decidos peytos :
Soprando a terra escarva pulvoroso
Desafia bramindo os contrafeytos
Muros cubertos de turbados vultos,
A quem palpitaõ corações occultos.
Quando Lusarco já convalecido.
Entra augmentando os tímidos rumores,
Que sempre Santarém foy aplaudido
Por pay de filhos grandes toureadores,
Opprime hum vayo de annos dez fornido,
E mosqueado de diversas cores.
Que inda que grave, & lento no passeyo
Bala às esporas hè, Rèmora ao freyo.
Presto com o esquerdo corno o touro grosso
Á dereyta estribeyra se arremeça ;
Hum garrocho lhe quebra no pescoço,
E quebra-lhe o restante na cabeça :
Escapa, & sobe às nuvês o alvoroço,
O metal grita, o rumor não cessa:
Mas já socega o confuso abalo
Tornando-se a buscar touro, & cavallo.
Este, como veloz, roda e voltea ;
Como eyrxo aquelle vira, & não abala;
Tornando atraz, escarva, & se embravea,
Soprando avante fumo, & fogo exhala.
» V. T. XI, 66.
Cap. V — O pocta-fidalgo de cAvò iSj
Dispara como sctta, & com a mca
Lua imagina que o cavallo escala ;
Entre ella o ferro tanto se lhe encova,
Que morto fica, sem que hum passo mova,
Soaõ trombetas, altos vivas soaõ,
Campinas, & penhascos estremecem,
Os animais os bosques despovoão,
As aves pello ar desapparecem.
Já se não apresenta igualmente entusiasta pelas cavalhadas, tor-
neios e jogos de canas, de o^ue aliás nos deixou boas descrições-; e
muito menos simpatizava com o jogo da barra e com os exercícios
de luta, que ao tempo muito se usa\am :
Nos lious ' seguintes houve Harra, & Luta,
Nobre uso antigo, & moiterno louco;
Porque com pouca sciencia, & força muyta
Muyto do servil tem, do grave pouco.
Três rústicos dos Alpes, gente bruta.
Cada qual de gritar, & gemer rouco,
Seis prémios tiri5o : só pella defeza
Se luta, que por premio, he grã vileza ''.
Não eram só as visitas, os passeios e digressões por festas e ro-
marias, que afastavam por vezes o nosso poeta da sua casa e da sua
vila de Avô.
Brás Garcia era um apaixonadcj caçador; e quando se tornava
necessário suspender as caçadas por causa da procriação da caça, na
primavera e estio, entregava-se então ao passatempo da pesca. E
éle mesmo que no-lo diz, falando dos pátrios rios Alva e Moura:
Quando vão cheos caço pellos montes,
E nelles pesco quando vão vasios 5.
Foi o motivo da caça, além da sua natural curiosidade e da admi
ração que tinha pelas belezas naturais, que o levou uma ou outra vez a
í V. T. XI, Õ8-72. — 2 V. T. XI, 48 e 103-124.
' Scil. dias.
1 V. T. XI, yj.— 5 V. T. XV, 104.
i38 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
visitar e percorrer a serra da Estrela, à qual se encontram numerosas
referências no Viriato Trágico.
Por não alongar indefinidamente as transcrições, é que não copio
aqui na íntegra a descrição magistral que nos faz do Hermínio
monte \ que ele conhecia muito bem, e cujas belezas analisa por
miúdo em vários lugares do poema, revelando-nos por forma inilu-
dível que muitas vezes o palmilhou.
Admirou com sentida comoção as manifestações da majestade
grandiosa e próvida da Natureza criadora, que ali se ostenta. Essa
admirável
Natureza, que aos altos foy avara,
Fecunda os bayxos com favor da Arte,
Que nos úteis suores não repara;
A cada lado valles mil reparte,
Bosques faz dividir, veygas separa,
Campinas rega, prados, & hortas ata
Com mil laçadas em grilhões de prata.
Censos, que sempre dão os caudalosos
Alva, Mondego, & Zêzere agradáveis,
A Ceres por seus frutos abundosos,
A Baccho por liquores admiráveis,
A Minerva por óleos numerosos.
Por bosques a Diana innumeraveis.
Que tudo são com gloria da inventora.
De Pomona dóceis, sitiais de Flora 2.
Quedou-se extático de assombro contemplando o gigante granítico,
natural pirâmide a que a serra serve de base sumptuosa, e que é
conhecido pela denominação de cântaro magro, que erguendo-se
sozinho, isolado e abrupto, negro e musgoso, hirto e selvático, lá do
fundo da viridente bacia por onde corre o Zêzere, a certa altura
alarga e entumesce os flancos sustentando enormes massas de rocha
suspensas sobre o abismo; e depois, estreitando rapidamente, toma a
configuração grosseira de um cântaro, cujo gargalo, ficando superior
às alturas que cercam este vale, se avista de grande parte da serra,
como cabeça de gigante a espreitar-nos ^.
Percorreu também a região onde
Esmaltes saõ da roscida verdura
Aquellas celeberrimas lagoas.
' V. T. I, i5 e ss. — ^ V. T. i, •22-23.-3 V. T. i, 16.
Cap. V — O poeta- fidalgo de oAvu i3q
Das quais a principal chamada Escura,
He clara pellos Sceptros, & Coroas,
Que a ver tal profundeza, & tanta altura
Forão, como inda vão graves Pessoas;
Que maravilhas muyto encarecidas,
Se não saõ vistas, nunca saõ bem cridas '.
Pisou as fofas alfombras de servúm nessa verde praça de um
florido prado, o vasto e fertilíssimo vale do Conde, que lhe fez lem-
brar hum Ihcatro alcatifado, e
. . . que he das entranhas penhascosas
Do Hermínio coração no esquerdo lado 2.
Trepou às peuhas escabrosas, conhecidas pela denominação de
penhas douradas, e abrigou-se nos amplos fragões, nessas galerias
cavernosas que a natureza escavou em abundância nesta região '.
Em sereno dia andava êle uma vez na serra caçando feras (javar-
dos, lobos e raposas), acompanhado de um guia natural. Quando
menos o cuidava, foi surpreendido por uma trovoada medonha *.
Teve então ensejo de presencear um espectáculo único, em que o
belo horrível chega a atingir as proporções do sublime, qual é o es-
pectáculo de uma trovoada na serra da Estrela. Ficou assim habili-
tado a fazer uma notável descrição, com que ornamentou o canto iv
do Viriato Trágico.
Não resisto à tentação de transcrever este episódio, que tem a
exactidão e naturalidade dum instantâneo :
Já Phebo involto entre ondas Neptuninas
Perturbados deyxava os Elementos ;
O fero Austro dos Cèos corre as cortinas
E os faz da pompa lúcida avarentos :
Começão a vir agoas repentinas
Sobre os hombros das nuvês, & dos ventos,
Enchem-se os Rios ; porque a tudo inundem.
Campos se alagão, serras se confundem.
A Hermínia, mais que todas gigantada,
E eminente ao perigo, o padecia
Muyto mais pavoroso, se alentada
E firme a todo transe se offrecia.
Dispara nella horrenda trevoada,
Afigura-se a todos que se abria,
1 V. r. I, 18. — 2 V. T. II, 42.— 3 Ibid. — 1 V. T. IV, 70.
'^0 '^rás Garcia de oMascarenhas
Espessuras se arrancão, feras gemem,
Rebomba o vento, os penhascos tremem.
Alterão-se as lagoas da outra banda,
Tão medonhas, & horriferas bramindo,
Que parece que o mar na serra anda,
Ou que a serra no mar se vay fundindo.
Tudo obedece ao medo, ninguém manda ;
Mullas, cavallos, & egoas vão fugindo ;
Ajuntáo-se as ovelhas, como amigas.
Abrigando os focinhos nas barrigas.
Passa-se a larga noyte, &. não entendem.
Quando amanhece, porque os não visitaõ
Mais luzes, que as que o ar em fogo accendem
Dos rayos, que os penhascos precipitão.
Todos se estão queyxando, & se suspendem,
Mulheres chorão, camponeses gritão,
Que acaba o mundo ; os naturais zombando,
Dizem, que tudo presto irá cessando.
Não se enganarão, que da Astrologia
Rústica hè Mestre, a quem a serra aggrava.
Por isso razão tinha o nosso poeta para conhecer bem a configu-
ração geral da serra da Estrela e das suas ramificações mais pró-
ximas, que êle descreve assim:
O mais corpo da serra, que Alpestrina
Quasi de Leste a Oeste vay correndo,
Athlante se ergue, & Briarès se inclina,
Aqui, & alli os braços estendendo.
Que ameaçando sempre alta ruina
Huns abayxando vay, outros erguendo
A horrendos valles, a escabrosos montes
Providos de animais, prenhes de fontes.
Pellas raizes desta serrania,
Que gyra perto de dous mil estados.
De altos castellos grande copia avia
Em perigos de guerras fabricados,
Que em partes inda mostraó bizarria,
Pella mayor estando arruinados.
Ensinando o descuydo, que os enterra.
Que mais muros assola a paz, que a guerra 2.
i V. T. IV, 66-70. — 2 V. T. I, 20-31.
Cap. V — ■ O poeta-fidalgo de oAvò 141
j Que diria o poeta, se agora cá viesse, e visse o que foi feito de
quási todos esses castelos, especialmente do que se erguia na sua vila
natal, e que êle cantou em seus versos como um título que muito a
nobilitava !
A S.-O. da serra avulta um monte, o Colcurinho,
pouco distante
Do Hermínio, e pouco menos levantado,
A elle por hum G de serra atado.
Neste, em que a neve dura pouco, ou nada,
Que presto, quando o cobre, o descarrega ',
tinha Brás Garcia um ponto de referência, que lhe marcava, quando
percorria a Estrela, o local onde modesta e recatadamente se escondia,
como em ninho de verdura e flores, quási no sopé desse monte, a sua
miniiscula vila de Avô.
Para deixar completo o esboço da serra, desse
Hermínio duro,
Propugnaculo eterno, & altivo muro -,
ainda falta um traço. Ki-lo :
Sobre esta ínaccessível aspereza
Tantas veygas se estendem, tantos prados,
Que mais gado sustentão pello Estio,
Que Ourique, & Alcudea no solsticio frio '.
Mas passado o \erão, em o outono entrando, todos esses gados
descem da serra, e o mesmo faz a caça, para evitarem os horrores
da estação rigorosa, durante a qual se tornam inabitáveis aquelas
paragens. Escutemos a fala que o poeta coloca nos lábios de Viriato:
Vay-nos fugindo o caloroso Estio,
Regalo destas veygas deleytosas.
Em que nos vem buscando o Inverno frio,
Horror destas montanhas escabrosas :
Ao pouco, que inda está verde, & sombrio,
Ameação tormentas pavorosas.
Que hè de Inverno este monte em partes calvo.
De nuvês pavelhão, de rayos alvo.
Os que por elle o gado apacentamos,
Antes que perca os plácidos matizes,
» y. T. IV, 41-42.-2 V. T. II, 3(). — 3 V. T. I, 17.
1^2 ^rás Garcia de oMascarenhas
Dêcer nossos rebanhos costumamos
Aos valles, que occulta entre as raízes :
Nelles, como as perdizes, habitamos,
Que nos ensinão a viver perdizes.
Pois de Veram cá vem pastar no trigo,
E de Inverno là vão buscar abrigo '.
Nos passeios que Brás Garcia deu pela Estrela, teve ocasião de
subir à parte mais alta da serrania, à esplanada que assenta a 1998
metros de altitude, onde no século passado se ergueu um grande
marco geodésico, chamado a Torre. Dali poude admirar o esplên-
dido e larguíssimo horizonte que se desfruta, e que êle descreve
nestes versos:
Estende a vista aos largos orizontes.
Tão longos, que se vay nelles perdendo ;
Mares de campos vê, golfos de montes,
Que as cadeas de agoas vão prendendo :
De altos a altos dão os olhos pontes
A vários pensamentos, que correndo
De huns, & outros àquem, & alem parecem,
Porque quanto vem mais, mais desconhecem.
Meya Hespanha dali se descobria.
Via Reynos, e serras ao Nascente,
Pêra o Sul montes, & planices via,
E via largos campos ao Poente ;
E lá detraz de todos conhecia
O branco freyo, que perpetuamente
A fúria faz parar, onde redondas
Quebrão do negro mar as brancas ondas '.
Tamhêm nos pinta com viveza um romper da manhã na serra,
bem diverso do amanhecer nos campos ou nas cidades.
Madrugava a solar Embayxadora
A borrifar de pérolas os prados.
Que o vingador da bella caçadora
Em grilhões de cristal tivera atados.
Ri sobre as penhas, sobre as ervas chora,
Alegra os valles, inquieta os gados,
Fogem-lhe as sombras, brincaõ-lhe os ribeyros,
Cantaó-lhe as aves, baylaõ-lhe os cordeyros '.
1 V. T. IV, 38-39.-* í'- T. 1, 8.,, 90. —' V. T. iv, 36.
Cap. V — O poeta-Jidalgo de cAvó 148
Um pouco depois, tem já mudado o aspecto da paisagem,
quando o Sol a ver os prados,
Que as matutinas lagrimas da Aurora
Tinhão sobre a verdura aljofarados,
Estival recreação da tenra flora.
Não lhe passou desapercebido o espectáculo majestoso do nascer
da lua, com o seu enorme disco, e o aspecto da paisagem da serra
iluminada pelo luar, inteiramente diferente do da paisagem diurna :
Como chama de fogo se assomava
A que mayor parece, quando nace.
Que do calor estivo, que a afrontava
Sanguina descobria a branca face.
A Itellifera pompa rutilava
No campo azul, que o Rey das feras pasce,
E se mostrava a Serra agradecida.
Nua de sombras, & de luz vestida-.
No Viriato Trágico também se encontram referências numerosas
e inconfundíveis a essa extensíssima região da Beira, entre o Cara-
mulo e a Estrela, que êle, segundo vimos, percorreu muitas vezes em
todos os sentidos, já a cavalo, seguido pelos criados, em excursões
de cerimónia e de passa-tempo, já a pé e de espingarda ao ombro,
acompanhado de outros caçadores. Por lá ia fazendo as suas obser-
vações de costumes, admirando as belezas naturais tão variadas
e interessantes, registando no espírito quanto via digno de nota ; e
mais tarde, ao escrever o seu poema, essas impressões acudiam-lhe
espontaneamente ao espírito, e por vezes as exprimia em hendecassí-
labos, quando isso vinha a propósito. ; E quantas das numerosas
poesias avulsas que êle compôs, e que depois se perderam, não teriam
belas descrições do natural, não traduziriam observações e impressões
que seriam preciosas para o estudo psicológico do nosso poeta !
Referências a povoações da Beira encontramos algumas na epopeia
viriatina. Já mencionámos o que Brás escreveu sobre Avô, e uma
alusão a Arganil, celebérrimo condado^; só apontaremos agora o
» V. T. 11,40.-2 V. r. II, i35.
3 Vid. pág 28.
144 'Brás Garcia de ãAlascarenlias
que cm especial refere de outras duas vilas, e de uma cidade desta
província.
A Bobadela não podia deixar de chamar as suas atenções. De lá
era seu pai, lá conhecera e amara sua avó, lá viviam tios e primos
seus; e os interessantíssimos vestígios que ali se encontravam de
importante povoação romana eram de molde para impressionarem
qualquer espirito curioso e observador.
de mármore, encontrada
Resistindo à acção destruidora do tempo, e à mais nociva e de-
molidora acção dos homens, ainda hoje temos, alem de outros restos
menos importantes, o admirável arco, que foi pórtico não sei de quê,
e se conserva de pé por um prodígio de coesão do cimento que liga
entre si as aduelas ', e bem assim uma cabeça majestosa coroada de
1 Na estampa fronteira a esta página reproduz-se a face ocidental deste arco,
o pelourinho manuelino que lhe fica a Leste, e um cruzeiro mutilado que está a
Oeste.
Cap. r — o poeta- fidalgo de oAvô 145
louros, medindo meio metru da linha superior da coroa ao mento, e
que pertenceu a uma estátua colossal de mármore ', e ainda algumas
inscrições, que foram embutidas na fachada da igreja matriz, constru-
ção do meado do século xviii. Tudo relíquias da época romana.
Infelizmente as inscrições perderam a maior parte do valor que
poderiam e deveriam ter, porque houve mão bem intencionada mas
* *
r ■
1
1
tr>^'5aãi'
i
1
m
9
T!3^H
1
1
1
.Hefc.á2
^•*JS^
Inscrição romana existente na Bobadela.
pessimamente dirigida, que as avivou, e que as deturpou, por interpre-
tação errónea. Estão portanto inutilizadas quási ttjdas.
Intacta só há uma, embutida na alvenaria da torre, que diz :
NEPTVNALE
Outra, assente sobre a verga da porta principal da igreja, deveria
dizer:
SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IV
LíA MODESTA FLAMINICA^
1 Esta cabeça foi encontrada em 1844 na Bobadela, e remetida em i853 ao
governador civil de Coimbra, Dr. António Luís de Sousa Henriques Seco, que a
ofereceu ao Museu da Universidade. Em janeiro de 1875 foi pela Universidade
depositada no Museu de Antiguidades do Instituto de Coimbra, a pedido da
Secção de Arqueologia do mesmo Instituto. Agora vai ser instalada no Museu
de Arte Machado de Castro desta cidade.
O meu venerando e prestimoso amigo o sr. dr. Lourenço Justiniano da Fon-
seca e Costa mandou proceder, haverá 25 anos, a escavações exploradoras no páteo
onde aparecera esta cabeça, a ver se achava o resto da estátua. Encontrou-se
uma área lageada de grandes pedras de granito, à qual se subia por um degrau, que
a acompanhava em toda a extensão que foi possível pôr-se a descoberto ; mas não
se pôde proseguir, porque teria para isso de se desmanchar uma casa já antiga,
ali construída. O benemérito explorador, alem desta contrariedade, teve outra
que lhe fez perder a esperança de encontrar a estátua. Viu ali, na adega duma
casa, um pedaço de mármore toscamente partido, da mesmíssima natureza do que
constitue a cabeça; donde concluiu, com grande probabilidade de acerto, que era
um fragmento da estátua, que em tal hipótese havia sido despedaçada.
* Evidentemente está incompleta. Falta-lhe, pelo menos, uma linha antes
14^
^rás Garcia de ^Mascarenhas
É a esta inscrição que o poeta em especial alude na estância con-
sagrada à Bobadela.
Que remontem ao tempo de Brás Garcia e de seus pais e avós,
além dos monumentos romanos, ainda lá restam, muito bem conser-
vados, o pelourinho, no largo da vila, em frente do arco romano, e
uma pedra com um interessante motivo ornamental, embutida na
Decoração manuelina, esculpida em granito, numa casa da Bobadela.
parede da casa dos Godinhos. Ambos os monumentos são escul-
pidos em magnífico granito da região, em estilo manuelino.
Transcrevamos agora a estância :
Na Vila hoje chamada Bobadella
Esteve antigamente huma Cidade,
Que estaõ, de quanto fosse grande, & bella,
Indiciando vestígios nesta idade.
Gastadas letras a memoria delia
Conservão na ruinosa antiguidade,
E Cidade muy celebre a declarão,
Se o tempo escureceo como a chamavão '.
Também o poeta se refere a Pombeiro, fazendo-se eco de confusas
das existentes, onde se lia em dativo o nome da cidade ali erguida, à qual era
dedicado o monumento; ignora-se como se chamava. Hoje esta inscrição, depois
de avivada e deturpada, diz :
SPLENDIDISSIME CIVITATI IV
LIA MODISTA PLAMINIA
A leitura restaurada é de Emílio HUbner, Inscriptiones Hispaniae latinae,
p. 45, n." 397.
' V. T. IV, 74.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò 14J
lendas, em que entram nomes e factos, indevidamente aplicados a esta
terra'. Depois de falar de Arganil, acrescenta:
Ali junto do Alva cristallino
Esteve Aufragia celebre, & potente,
E perto delia o monte Columbino,
(Hoje Pombeyro) o mostra claramente ;
Donde orando Quitheria de contino
El-Rey de Aufragia, Bispos, & outra Gente ,
Indusio ao Martyrio, que alcançarão
Naquelle sancto monte, a que illustrarão.
Era Aufragia Cidade bem murada
Bem claro inda se vè no sitio delia ;
Estava de Romanos presidiada
Três legoas pouco mais da Bobadella.
Mais interessante é o que diz do campo de Viseu e da célebre
cava de Viriato^ que êle visitou apenas regressado do Brasil, e que
aprecia com a competência especial que lhe assiste, fazendo algumas
referências pessoais dignas de registo, e que a seu tempo aproveita-
remos.
à vista de Viséo, hum Rio passa,
Que no cálido Estio vagaroso.
Com pouco cabedal, & muyta graça
Divide alegre hum campo deleytoso ;
Por entre o qual errante se embaraça
Em retrocida volta preguiçoso :
Que o seja um pobre, mal se compadece.
Mas este sendo-o, muy melhor parece.
A hum lado delle sobre o campo ameno,
A que inda então Viséo não illustrava.
Fez o Pretor de cava, & terrapleno
Hum Real, que os fortes de hoje avantajava ;
Tam bom sitio escolheo, tanto o terreno
Seus Artífices destros ajudava.
Tão alta a cava fez, grossa a trincheyra,
Que inda o tempo a reserva quasi inteyra.
Mil, setecentos, & setenta annos
Depois de feyta, foy de mim notada '
1 Vid. Sanches de Frias, Pombeiro da Beira, i? ed., p. i3 e ss.
* V. T. IV, 92-93.
5 Foi esta indicação cronológica que me habilitou a fixar a ida de Brás Garcia
i^S '^rás Garcia de oMascarenbas
Por gentil Epiphéria de Romanos,
Se mais forte, que bem descortinada :
Parece que o temor dos Lusitanos
A fez lavrar mais alta, & mais fossada,
Que inda a Cava se vé, sem ver o Leyto,
Chea d'agoa, & de terra o Parapeyto.
Com luz quotidiana desta sciencia.
Com os calos nas mãos, das que lavramos,
Com trabalhosa, & larga experiência,
Me envergonhey do pouco, que hoje obramos.
A que agora com muyta diligencia
E gente, em mezes seis não acabamos.
Numa só hora então era acabada,
Por ninguém desprezar a pà, & enxada '.
As belezas desta região vastíssima, compreendida entre a serra
da Estrela e a do Caramulo, também captaram as atenções de Brás
Garcia e lhe mereceram referências especiais.
Da Hermínia serra, outra se descobre
Que lhe fica defronte, cara a cara.
Caramulo chamada, de hum Gigante
Anthéo delia, & do Céo segundo Athlante.
a Viseu logo após o regresso do Brasil. O poeta, como noutro lugar demonstrá-
mos com o seu próprio testemunho (vid. pág. 70), tinha na mais alta consideração
Fr. Fiernardo de Brito, a cujas obras recorria, como a fonte principal e mais lídima
da história, da geografia e da arqueologia da antiga Lusitânia. Ora Fr. Bernardo
de Brito fixa no ano 146 a. Chr. a construção destes arraiais do pretor Nigídio,
perto donde agora vemos Viseo (Monarq. Liisit., parte I, 1. iii, cap. iv, mihi fl. 216
e ss.), para neles resistir a Viriato. Sendo esta, como realmente é, a cronologia
adoptada por Brás, e tendo êle regressado do Brasil em i632, no caso de ir logo a
Viseu deveria dizer que vira a cava 1778 anos depois de feita, se quisesse falar
com precisão e rigor, e se a metrificação lho permitisse ; mas como se não dava
nem uma nem outra hipótese, arredondou o número escrevendo 1770.
Em vista desta cronologia, não pode retardar-se a primeira visita de Brás a
Viseu, imaginando-a feita depois de 1640. E, se na estância seguinte o poeta alude
aos calos que então levava nas mãos, de ter andado a trabalhar em análogas trin-
cheiras, não foi na guerra da restauração, iniciada alguns anos depois, que tais
calos se lhe formaram, mas na guerra contra os holandeses no Brasil, donde Brás
Garcia acabava de chegar.
í V. T. X, 98-101.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvô i4g
Dista da Estrella huma só jornada
De terra muyto plana, & dividida
Por ribeiras, das quais he retalhada
E quatro Rios, de que está fendida.
Impressionáva-o aqui muito
a formusura
Graciosa, & dilatada entre estas serras 2;
e que razão de sobra tinha para isso o nosso poeta, pode aquilatá-lo
qualquer pessoa que por aqui passe, e tenha olhos para vêr e alma
para sentir.
Os panoramas dos altos, em geral, são vastos e muito variados
no desenho e nas tonalidades de côr. Suba qualquer apreciador das
belezas naturais, nas primeiras horas da tarde dum dia límpido, a
serra da Moita pela estrada nacional n." ri, e ao chegar ao alto,
entre os quilómetros 3i e b-i de Coimbra, desvie-se um píjuco para
Sul pela cumeada da serra, até ao marco geodésico. Quede-se ali,
e contemple o panorama que por todos os lados o cerca. Sente um
verdadeiro deslumbramento.
Daqui avista toda essa enorme bacia, limitada ao Unige pela linha
irregularíssima de serranias, cujos dentes recortam vivamente o hori-
zonte. As serras da Estrela, do Colcurinho, de S. Pedro-do-Açôr,
Castanheira, Gois, Louzã, Buçaco, Caramulo, Monte-de-Muro e Lapa
constituem as curvas mais salientes dessas trincheiras naturais, que
contornam o horizonte vastíssimo; dentro delas as terras dilatam-se
acidentadas em ondulações, que vistas lá de cima se esbatem e se
tornam suaves, dando á majestade soberana e grandiosa do panorama
um tom de serenidade e tranquilidade que encantam o espírito.
Impregnada de luz azul, a atmosfera difunde esta côr, em tons
de intensidade muito variada, por toda a paisagem, até aos planos
mais afastados.
É a região cortada por quatro rios, como diz o poeta: Vouga,
Dão, Mondego e Alva; e por uma rede de menores cursos de água
ou ribeiras, que em grande número regam os terrenos, e conHuem
para os rios. Sucede frequentemente, algumas manhãs, ver-se esta
enorme bacia sulcada sinuosamente por ténues filetes de nebrina, a
1 V. T. II, 125-12G. — 2 V. T. 11, 129.
rSo ^rás Garcia de dMascaretihas
marcarem os leitos dos rios e ribeiras; como se a paisagem estivesse
pimada em quadro gigantesco, e alguém se entretivesse a traçar sôhre
êle a gis a rede hidrográfica.
Brás Garcia passeou muito por toda esta vasta região: nela obser-
vou e admirou belezas que o impressionaram, e alguns quadros pintou,
singelos e despretenciosos, de aspectos da natureza colhida em fla-
grante. Apontemos um para exemplo.
Nesta região a paisagem, nalgumas tardes ao pôr do sol, apre-
senta uma côr fantástica, entre purpúrea e violácea, como nunca
observei em nenhuma outra parte. Quando os tiltimos raios do sol,
incidindo horizontalmente, banham suaves a serra da Estrela e montes
conjuntos, aquela chega a dar-nos a impressão de uma enorme ame-
tista, beijada carinhosamente pela luz. Isto sucede principalmente
na proximidade dos equinócios, épocas em que o pôr do sol é seguido
dum crepúsculo brevíssimo. E este fenómeno que o poeta canta na
estância seguinte :
Confusos vencem a aspereza, quando
Chegava Phebo aos campos Neptuninos,
Sobre os quais pulveroso está lavando
Os fios de ouro em vasos cristalinos :
Delles sanguíneo a luz adelgaçando
Cobria a serra de átomos sanguinos,
Com que já seu crepúsculo metia
A tregoa breve entre a noite, & o dia '.
Mas nem tudo aqui é belo e aprazível; nem sempre a beleza e
alegria são apanágio destas terras. Há dias de inverno duma tris-
teza e monotonia deprimentes.
No Solsticio vernal negava o dia
A face Delia aos olhos, que a buscavão :
Rayos, trovões, celeste artelharia,
Com ventos, & com chuvas se alternavaõ.
Toda a serra de neve se cobria,
E de nuvés os montes se embuçavão.
Porque grandes se vem em dias breves
Ventos, chuvas, trovões, nuvés, & neves.
Não acha a cabra que roer na serra.
Nem tem a ovelha que tosar no prado,
Nem o cavallo que fazer na guerra.
Nem o boy que entender cõ o curvo arado !
> V. T.i, 112.
Cap. V — O poeta-/} dal g-o de oAvò 1 3 /
Nem pode a mulla andar de terra em terra,
Que tudo tem o Inverno embaraçado,
Porque debayxo estão de colmo & telhas
MuUas, cavallos, boys, cabras, & ovelhas.
Arde o braseyro, a chaminé fumea,
Esta aquenta o comer, aquelle o jogo :
Carvão se busca, lenha se grangea,
E quem logo a não acha, o sente logo.
Com trabalho, melhor se negocea
O sustento do corpo, que o do fogo,
Que a cada qual avisa que lhe tenha
Braseyro, chaminé, carvão & lenha.
Dom Catarro accomete muyta gente.
Dom Pleuriz com algúa se agasalha.
Dona Cólica dà tão de repente.
Que fiiz afigurar logo a mortalha :
Dona Tristeza reyna geralmente.
Que como tão geral o Dom se espalha,
He Dom do Inverno pôr consigo á meza
Pleuriz, Catarro, Cólica & Tristeza '.
Quando, porém, os rigores do in\erno se atenuam, e desperta a
natureza com os primeiros sorrisos primaveris, tudo muda, e a ale-
gria volta com o labutar agrícola.
Já cada qual de canto em canto anda,
Buscando as esquecidas ferramentas,
Que vay considerando, & pondo à banda.
Gastadas húas, & outras ferrugentas :
Quais aguçar, & quais renovar manda
Nas de Vulcano hórridas tormentas.
Que se em tormenta há vento, fogo & agoa,
De agoa, de vento, & fogo, consta a fragoa.
Quem o estreyto Alveão, & a larga Enxada
Encaba, a cunha aguda rebatendo,
E quem no curvo Arado a renovada
E proveytosa Relha está metendo;
Quem novo Carro faz, quem nova Grada,
O ferro de perdiz entremetendo,
E quem o torto Jugo, inda advertido
Do Tirano, que já tinha sofrido.
Já de Ceres a náo vay navegando
Com seu Piloto ao leme, que prudente,
I y. T. VI, 12-1 5.
iS2 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Os velhos rumos outra vez aspando,
Governa o leme a porto differente :
Brandindo o mastro vay de quando a quando
Sobre as velas, que esteyraõ lentamente
Seu raso, & natural Mediterrano
Que estereliza, ou abunda o anno.
Grita o provido velho a seu visinho
Que se erga, que he manhãa, que và ligeyro
A dar ao pobre campo o brando linho
Com o ruyvo tremez seu companheyro.
Seus legumes semea o póbresinho,
Sustento seu, barato, & verdadeyro,
Com que vive mais sam do Sol tostado.
Do que o rico, achacoso, & regalado.
Cuydadoso prepara o bruto neto
Da coyxa as hortas, com que se desvalia ;
Dos frescos bosques ao pastor de Admeto
Dá salva a enamorada Philomella;
Bayla o cabrito, brinca o potro inquieto.
Sorrisse o prado, brinda a fonte bella,
Zephyro luta derrubando as flores.
Tudo campestre allivio de cultores '.
De i632 a 1Õ40 residiu Brás Garcia habitualmente em Avô. i Que
fez ele durante esses oito anos ?
Bento Madeyra de Castro, fonte quási exclusiva a que os biógrafos
posteriores teem recorrido, diz muito pouco, e isso mesmo contêm
graves inexactidões'. Os outros, bordando fantasias sobre essas
informações inexactas, mais se afastam da verdade.
Sanches de Frias corrige um disparate de Costa e Silva 3, e um
erro vulgarizado por Camilo Castelo Branco, assentando pela pri-
meira vez que foi em Travanca-de-Farinha-Pôdre, diocese de Coim-
bra, e não em S. Salvador de Travanca, bispado de Viseu, como
inventara o grande romancista, que se deu uma briga violenta e muito
falada, em que foi protagonista o nosso poeta *.
Vejamos se algum passo mais se pode avançar.
í V. T. VI, ig-23. — 2 Doe. CXII.
' Sanches de Frias, O poeta Garcia, p. 48, nota.
4 Thi<1 n A^
* Ibid. p. 4-';
Cap.V — O poeta-Jidalgo de cÃvu i53
Sem dúvida que pode. Encontramos esparsas pelo Viriato Trá-
gico algumas notas biográficas relativas a este período da vida do
poeta, que não teem sido devidamente aproveitadas. As mais im-
portantes encontram-se no canto xv. E o sonho de Viriato, ao qual
já temos pedido muitos outros traços auto-biográficos importantes.
O pastor do Hermínio, vencedor dos romanos em várias batalhas
e escaramuças, indo passar o outono às faldas da sua serra, ador-
meceu um dia no local onde muito mais tarde veio a erguer-se a vila
de A\'ô. De hum grave sono transportado^ sonha estranhe:{as, que o
poeta a contar se anima '. Penetra com vista profética as idades
venturas, e depois de presenciar muitas cousas que viriam a suceder
na série dos tempos, vê surgir ali mesmo, onde estava dormindo, a
vila de Avô com os seus três edifícios sumptuosos. Ponte, Castelo,
Igreja^ fundações de D. Dinis.
Continua a visão, tendo por objecto Avô; e, entrando agora o
próprio Brás em scena, Viriato
Moderno filho, com mesagra nova
De pedra, vc que tolda a veloz prata,
Com que de hum lado à Pátria, que renova,
Novo arrabalde facilita, & ata.
Vè, que restaura tudo, o que se approva
Por mais difficil, & que em fim resgata
A fabrica dos templos, que de velhos
Os faz logo luzir, como huns espelhos.
Repara mais, & vè, que anda cantando
Em numerosos versos seus louvores
Entre jardim, que fez, de quando a quando
Tosando as murtas, & compondo as flores.
Cuyda, que está com elle conversando,
E que a seus rogos conta os disfavores.
Que a fortuna lhe faz, entremetendo
Os successos do Reyno; assim dizendo 2.
Viriato ouve em seguida o poeta contar-lhe a sua vida até ao re-
gresso do Brasil, narração que é já nossa conhecida. Escutemos
agora com o pastor do Hermínio a continuação da narrativa auto-
biográfica do poeta beirão.
Sobre nove annos de importuna absencia
Torno a gosar da Pátria desejada.
Como quem sobre larga penitencia
' V. T. XIV, 110. — 2 V. T. XV, 25-26.
i54 ^Brás Garcia de ^Mascarenhas
Se absolve da censura reservada :
De importância lhe foy minha assistência,
Pois está com mais obras illustrada,
Que dã mais honra ao que a Pátria zela,
Accrescentala, que morrer por ella.
Sete annos festejey (cousa hè notória)
Juntando nestes valles cortes bellas.
Porque o Monarcha da celeste gloria,
Quarenta horas cada anno assistio neijas.
Dura, & hà de durar sua memoria,
Pella parte que às Musas tocou delias,
E por outros applausos grandiosos,
Que inda estão repetindo eccos saudosos.
Mas nem bom zelo da inveja escapa,
Que hè geral esta fúria de Cocyto,
E em terra não muy grande trazer capa
Mais limpa, que os mais limpos, hè delito :
Este sò desdourar querendo o mapa.
Romper da Emulação, o sobescrito.
Que donde está, se occulta sedo ou tarde
Se ergue qual fumo, se qual fogo arde.
O verme a quietação restituhido
Me fazia encolher, & sofrer tudo.
Que descanso em trabalhos adquirido,
O não deve arriscar nenhum sesudo.
Por outra parte vendome offendido
De lingoas, seus dóceis com ferro agudo
Rasgo com mais rigor, do que propunha ;
Sem propor, rasga a espada, que se empunha.
Eysme julgado ao touro de Pcrilo
Do vulgo, pello fej to, ou desterrado
Ao berço occulto do longínquo Nilo,
Por também ter a Nèmese violado.
Mas sem perturbação, & sem asylo.
Da rezão, & de Amigos ajudado,
Desmentir pude o monstro susurrante,
Qu« o vulgo he sempre Astrólogo ignorante. '
Analisemos de vagar esta interessante narrativa. Segundo ela,
os oito anos foram bem aproveitados pelo poeta em ilustrar, bene-
1 V T. XV, 62-U6.
Cap. V — O poeta-fidalgo de (lAvô i55
ficiar e honrar a sua terra natal. Pondo de parte a modéstia ex-
cessiva, Brás Garcia gaba-se de que a sua assistência foi de impor-
tância para a vila de Avò, que está com mais obras ilustrada ; e,
cônscio da sua benemerência, formula, como vimos, o conceito:
Que dá mais honra, ao que a Pátria zela,
Acrescentala, que morrer por ela '.
E ; que acrescentamentos, que obras, que ilustrações foram essas ?
Vamos vê-lo.
Meses depois de chegar a Avô, quando achou momento oportuno,
realizou uma ostentosa solenidade religiosa, a das quarenta horas,
assim chamada porque durante esse tempo se conserva a Eucaristia
solenemente exposta à adoração dos fiéis. Segundo o costume das
grandes solenidades religiosas, foram concomitantemente organizados
festejos profanos e diversões, fazendo-se convites a quanto havia de
distinto na pro\'íncia da Beira; assim Avô, durante três dias, assumiu
o aspecto de uma corte bela. A poesia teve, como era de esperar,
grande quinhão nas festas, fazendo o nosso poeta composições ade-
quadas a celebrar o Monarca da celeste glória, cuja visita e assis-
tência era assim solenizada. E, gentil como êle era para o belo sexo,
; porque não havia de misturar o estro profano com o sacro, cantando
os atractivos de algumas formosas filhas do Ali>a, que andassem com
seus encantos e beleza abrilhantando a festa ?
A solenidade das quarenta horas repetiu-se daí em deante todos os
annos até iGSq, promovida e custeada sempre por Brás Garcia, que
dela era mordomo e festeiro ; e nunca afrouxou, nesses sete anos, do
esplendor com que fora celebrada a primeira. Intervinham sempre
as Musas em larga escala, e havia muitos outros aplausos grandiosos,
que mais tarde eram memorados com saudade pelos que haviam tido
a dita de assistir a tão esplêndidas festas.
O poeta diz :
Sete annos festejey (cousa hè notória)
Juntando nestes valles cortes bellas-;
não se deduza porem desta afirmação que a festa deixou de se cele-
> V. r. XV, 62. — 2 V. r. XV, 63.
i56 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
brar. findos os sete anos. Nestes versos fala dos festejos em que êle
foi o planeador, agente, e director, em que foi propriamente o fes-
teiro; de 1639 em deante a festa continuou a fazer-se, à custa dos
rendimentos que Brás Garcia, como instituidor, para isso estabeleceu ;
mas as ocupações e cuidados do poeta não o deixaram continuar a
ser êle mesmo o mordomo, e por isso a solenidade perdeu o primi-
tivo brilho. Decorridos muitos anos, em 1699, ainda Madeyra de
Castro escrevia: — Aqui instituio, & celebrou cõ versos a festa das
40. horas, q hoje logramos em Avó '.
Velha ponte lançada sobre o Alva- ligava a povoação de Avô à
encosta, que do outro lado do rio lhe ficava a Norte, onde se erguia a
igreja matriz. Mas por Sul e Oeste o Moura constituía um fosso
natural, fácil de vadear ^, é verdade, em todo o tempo que não hou-
vesse enchente, mas que entretanto embaraçava as comunicações com
os povos daquela banda, entre outros Anceriz, Cerdeira, Vila-Cova,
Coja ; e mais afastados Folques, Arganil, Gois e Pombeiro.
Era de grande vantagem para a vila a construção duma ponte
sobre este rio. Foi esta a primeira obra de grande vulto que Brás
> Doe. CXII.
2 Na estampa fronteira vê-se bem nitidamente à esquerda do espectador essa
ponte, por cuja única abertura passa o Alva, ao entrar no lago. Encontram-se
na cobertura da estampa, indicados por algarismos, os lugares seguintes : —
1) Outeiro na margem direita do Alva, sobre o qual fica a igreja, que a fotografia
não abrange; — 2) Esplanada onde assentava o castelo; — 3) Ponte sobre o Alva;
— 4) Casa dos Figueiredos, representantes de um ramo dos Madeiras Arrais de
Avô; — 5) Casa de Marcos Garcia, onde residia o poeta; — 6) O Pego.
' Diz-se que deste facto é que provêm o nome de Avô, dado à povoação que
em tempo dos romanos se fundou junto deste vau (ad uadumj. E verosímil, e a
transformação de ad iiadiim em a vou ->■ Avôo -* Avô conforma-se perfeitamente
com as leis fonéticas. Entretanto não tenho elementos bastantes para afirmar ca-
tegoricamente que assim fosse, e — a posse ad esse non ualet conclusio; sendo porem
certo que a forma Vaao., que se diz aparecer em antiquíssimos documentos a desi-
gnar este logar, longe de prejudicar, corrobora aquela hipótese. O mais antigo
documento meu conhecido, em que se nomeia esta povoação, é o foral dado por
D. Sancho I no ano de 1187; as alegações que vejo feitas a documentos anteriores,
não as posso verificar, por isso não as discuto agora. No mencionado foral nada
menos de cinco vezes se lê o nome da localidade, auoo ou avoo, que perfeitamente
se harmoniza com a hipótese referida.
^'
Cap. V — O poeta-Jidalgo de oAvô iSj
Garcia empreendeu e realizou à sua custa: mesagra de pedra, que
tolda a velo^ agua do rio Moura, espelhada como prata, e com a
qual facilitou e atou à Pátria um novo arrabalde.
Mesmo em frente da casa de habitação dos Garcias de Mascare-
nhas, da outra banda do Pego e confinante com este, havia um ter-
reno que pertencia à família do poeta, cujos bens continuavam inde-
visos. A ponte foi construída precisamente no local em que o Moura
entra no lago, e ficou ligando directamente o terraço que circunda a
casa com o tal terreno fronteiro, onde Brás Garcia tratou logo de
plantar e cultivar o seu jardim. Sítio realmente privilegiado; e não
seria fácil ao poeta encontrar outro, onde tantos encantos se reunis-
sem. Hoje abandonado, com os muros derruídos, parte escalavrado
pelas enchentes, parte invadido pelas areias e cascalho do rio, ainda
lá conserva dois velhíssimos ciprestes, que a tradição popular aponta
como plantados pelo próprio Brás Garcia ; e bem pode ser que a
tradição corresponda à verdade '. São, pois, em tal hipótese, duas
testemunhas do cuidado e amor com que o nosso poeta cuidava do
aformoseamento á^iq\x(t\^t jardim que è\*tfe:{. Ali passou muitas horas,
durante largos anos, conversando com os amigos, fazendo as suas
leituras, de quando a quando tosando as murtas e compondo as Jlores;
lá produziu muitas das suas composições poéticas.
l Que outras obras faria Brás para embelezar o seu querido Avô ?
De muitas não nos ficou memória especificada ; encontramos ape-
nas no poema referência genérica a obras difíceis e de importância.
Viriato, no seu sonho, vê que êle, o moderno Jilho de Avô, restaura
tudo o que se aprova por mais difícil.
Por último chamam a sua atenção a igreja e capelas da vila, que
uma pela sua vetustez, as outras pelo seu mau estado de conserva-
ção, precisavam de restaurações e reformas.
Havia em Avô, alem da igreja paroquial, que era, como já disse,
do princípio do século xiv, algumas capelas, tais como a venerada
ermida de Nossa Senhora do Mosteiro, a capela de S. Miguel junto
do castelo, e a de Santo Antão no adro da matriz. Não sei em quais
realizaria obras: — na matriz com certeza; na capela do Mosteiro
probabilíssimamente ; na do castelo (àe que hoje só restam as pa-
' Vid. estampa fronteira à pág. seguinte.
i58 'Brás Garcia de oMascarenhas
redes), o retábulo e o arranjo interno, se são exactas as recordações
que conservo, eram do meado do século xvii, e por isso não ultra-
passo o campo das probabilidades supondo que ali andasse a inicia-
tiva, dinheiro e direcção de Brás. Quando eu entrei pela primeira
vez, haverá uns 35 anos, nesta última capela, ainda o altar com o
seu retábulo estava completo, conservavam-se restos da pintura, mas
a imagem do padroeiro já havia sido removida para a igreja paro-
quial, onde ainda se conserva. O letreiro pintado por cima do altar
HVNDE HOC MIHI VF MATER DNI VENIAT AD ME
indicava que, embora o titular do pequeno templo fosse S. Miguel
Arcanjo, ali se venerava também a mãe do Baptista, ou se comemo-
rava a visitação da Virgem.
Caiações, pinturas, douramentos dos retábulos, tudo o que contri-
buía para o maior embelezamento e lustre desses santuários, mandou
Brás fazer; e depois, desvanecido a olhar para a sua obra, estava no
direito de se gabar, que resgatara
A fabrica dos templos, que de velhos
Os faz logo luzir, como huns espelhos '.
Duas capelas porém foram construídas de novo por Brás Garcia -,
» V. T. XV, 25.
~ Vêja-se, na estampa que acompanha esta página, a casa de Brás com o seu
terraço, e bem assim o local fronteiro, da outra banda do lago, onde arranjou o
jardim, e onde se vêem os dois majestosos ciprestes, a que aludo na pág. antece-
dente, e as duas capelinhas conjntuas, a de S. Brás e a de Santo António. Lá se
notam ainda bem visíveis os encontros da antiga ponte, para cá da ponte actual.
Eis o que se vê digno de nota nesta estampa, com as indicações numéricas da
cobertura: — 1) Casa de Marcos Garcia; — 2) Casa reedificada há pouco no local
onde moder.iamente se supunha que fora a residência de Marcos Garcia ; —
3) Ponte moderna de Santo António, construída um pouco alem do local onde
estivera a de Brás Garcia; — 4) Capela de Santo António, mudada do Picoto para
aqui; — 5) Capela de S. Brás, edificada pelo poeta; — 6) Terreno onde Brás fez
o seu jardim ; — 7-8) Encontros da ponte construída pelo poeta ; — 9) O Pego.
— Tinha dois arcos essa ponte mandada fazer por Brás, e conservou-se até
aos princípios do século xix. Desabou com uma enchente do rio, não sei em que
ano, lançando-se então uma ponte de madeira sobre as ruínas da de pedra. Ha-
verá meio século, mandou a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital reconstruir
a ponte de Brás Garcia, com os seus dois arcos, aproveitando os antigos encon-
tros e fundamentos; mas volvidos anos desabou de novo, a 8 de setembro de 1878.
Foi depois construída pelas Obras Públicas um pouco acima a que ora lá existe ,
para dar passagem à estrada distrital n." 106.
Cap. V — O poeta- fidalgo de oAvò
i5g
simultaneamente, bem próximas, e à vista uma da outra: no seu jar-
dim uma dedicada ao Santo do seu nome ; no Picoto, pequeno ilhéu
granítico que surge no lago, outra tendo por titular Santo António.
Quanto à de S. Brás tenho razão para supor que foi construída
aí por i635, quando o Dr. Manuel Garcia, deixando o priorado de
Travanca, veio residir permanentemente para Avô. Com esta mi-
núscula ermida sa-
tisfez Brás a devo-
ção que consagrava
ao santo do seu no-
me, obviou à como-
didade de seu irmão,
que escusava de ir
mais longe para ce-
lebrar a sua missa
quotidiana, e deu sa-
tisfação à prosápia
da sua família tendo
capela privativa, com
capelão graduado e
qualificado. Depois
da morte do poeta,
continuou Manuel
Garcia a usufruir
como sua a capela
de S. Brás, onde di-
zia missa habitual-
mente ; e a 3o de
março de 1660 obri-
gou-se o padre Pan-
taleão *, em confor-
midade com um contrato previamente celebrado entre todos os irmãos
e irmãs que ainda viviam -, a fazer entregar ao convento do Buçaco,
por morte do Padre o Doutor Manuel Garcia, . . . hum Cálix de prata
com mais or)ia»iento que tem em assua capella de Avó, a fim de
ficarem servindo na capela de S. José, na igreja daquele convento.
Pelo que diz respeito à capela de Santo António, não tenho en-
contrado no documentos nenhuma referência á época da sua edificação
Recanto das duas capel::s coiiiimtas, de b. liras c de Santo António,
vendo-se a poria de entrada da de S. Brás.
1 Doe. XCI. — 2 Doe. LXXXIX.
i6o
'Brás Garcia de SVfascarenhas
nem ao fundador : mas sendo ela mudada da sua situação primitiva,
a meio do lago, para Junto da de S. Brás, ficando as duas a formar
um só edifício, e tendo-se aproveitado nesta mudança os materiais,
sucedeu que as canta-
rias da cornija da de
Santo António se ada-
ptaram tão perfeita-
mente às que existiam
na de S. Brás, que pa-
recem uma continuação
delas ; o que é inexpli-
cável, a não aceitarmos
a hipótese que as duas
capelas foram construí-
das ao mesmo tempo,
e as cantarias ali apa-
relhadas pelos mesmos
pedreiros, cingindo-se
aos mesmos moldes.
Em ambas as capelas
terminam as pilastras
por um pedestal, enci-
mado por uma pirâ-
Altar e imagem da capeia de S. Brás. mide. Há. porêm, en-
tre as duas a diferença
de ser bastante maior a de Santo António, e de ter a porta rectan-
gular, emquanto a de S. Brás a tem de arco.
Do que fica exposto se conclue que Brás Garcia era generoso, que
não se retraía, de gastar, e gastar à larga, os meios que tanto lhe
haviam custado a grangear, dispendendo-os em festas de que não
colhia proveito, em obras que não eram suas, mas da povoação, e
em melhoramentos de propriedades que pertenciam, não a êle, mas
indevisamente a família. Isto, se por um lado mostra o génio des-
interessado do poeta, por outro revela-nos que êle não tinha ideia
de se casar, não pensava em constituir família própria. Pois se até
o jardim, em que despendera tantos cuidados, amor e actividade,
onde erigira a capelinha ao santo do seu nome, e que era servido
Cap. V — O poeta-fidalgo de qApô i6i
pela ponte que tão grossa soma lhe custara, ; esse mesmo não era
propriedade sua ! Vemos, 25 anos depois da morte do poeta, e
quando eram já falecidos os irmãos, as duas últimas irmãs sobrevivas
considerarem esse jardim, já então transformado prosaica e utilitá-
riamente em horta, não como propriedade dos filhos de Brás, mas
pertença comum delas, como já o fora também dos outros irmãos
falecidos *.
Estou a ver que o desgosto que tivera com os seus primeiros
amores lhe radicara no espirito o propósito de não casar; e como os
irmãos seguiam a vida clerical, e as irmãs solteiras já não mudariam
de estado, os bens de toda a famíha passariam para os filhos de Fe-
liciana, aos quais a casa paterna, abastada como era, bem chegava
para viverem na abundância, sem precisarem do que lhes viesse de
Avô. Por isso podia ele gastar o que era seu, como lhe aprouvesse,
sem fazer reservas e sem dar satisfações a ninguém.
Parece-me ser este o propósito e pensar do nosso poeta, no pe-
ríodo de que nos ocupamos.
E mais convencido fico da realidade desta minha suposição, ao
vê-lo mais tarde, depois de casado e pai de filhos, esfalfar-se a jus-
tificar e exaltar os que trabalham por ilustrar com obras a pátria,
chegando até a afirmar que maior mérito há em acrescentar com
melhoramentos a sua terra natal, do que em sacrificar a vida por
ela. Deixa-nos a impressão de que, ao escrever isto, discutia mental-
mente com alguém, de pensar adverso, que o contraditava.
l Quem seria esse contraditor desconhecido, a quem éle queria
inculcar esta doutrina ? ; Seria a consciência, que principiava a dar-
Ihe rebate de que deveria ter sido mais previdente e económico,
preparando a seus filhos uma situação desafogada e independente ?
l Seria o receio de que mais tarde os próprios filhos o acusassem de
esbanjador, querendo éle antecipadamente justificar-se dessa possível
acusação, para éle bastante dolorosa ?
Bem pode ser tudo isto.
Neste período de oito anos é que o estro poético de Brás Garcia
' «E assim mais huma orta que está por baixo da ponte nova, à porta de Sam
Brás, que parte com o Rio Alva, e casal de António Francisco». — Escritura de
instituição de vínculo feita por Isabel Garcia e Antónia Garcia a 27 de janeiro de
j68i. (Doe. CVII).
i62 'Brás Garcia de oMascarenhas
se tornou mais produtivo, cultivando o nosso poeta as Musas em
horas e dias de repouso que passava em Avô. Com excepção do Vi-
riato Trágico, são deste período quási todas as composições que
deixou coligidas em volumes, e de que nos dá conta o seu biógrafo
Madeyra de Castro.
Pena é que este benemérito fidalgo, que muito bem conhecia esses
volumes, não tivesse a lembrança de, à custa de suas grandes rendas,
editar todos esses cadernos de variadas rimas e assuntos, como fez ao
livro que continha a epopeia, e que êle, no seu critério patriótico,
considerou a mais preciosa jóia do talento do poeta, e morgado de
sua affeyção.
Mas lamentar não é censurar. Só louvores e agradecimentos são
devidos à memoria de Bento Madeyra de Castro, sem o qual nem
um único verso possuiríamos de Brás Garcia, cuja memória se teria
esvaído completamente.
Não conhecendo, infelizmente, essas poesias, registemos aqui ao
menos a indicação sumária que delas faz o ilustre biógrafo, que com-
pulsou e leu os volumes manuscritos que as continham. Ei-la :
— Celebrou có persos a festa das 40. horas, q hoje logramos em
Ai'ó ;
■ — festejou vutytos Santos cÓ Comedias, que ainda existem pêra
credito de seu engenho;
— mais deu à lu^ hutn Tomo de Sanctos, & Remanses vários, di-
gnos de áureos caracteres, que da sua letra hoje existem ;
— sobre tudo suspira nosso affecto por hã Tomo, que cópo^ quando
se roltoudo Brasil, intitulado Ausências Brasílicas, juo/s nesses copiosos
cadernos, que durão, nos excita as saudades do que quasi gastou o
tempo, & o descuido.
Mais tarde diremos qual o destino que teve toda essa bagagem
literária, que existia quando Madeyra de Castro escreveu o seu Breve
resumo^ para publicar à frente do Viriato; bagagem que entretanto
já se achava a esse tempo bastante depauperada pelo descaminho
que haviam tido muitas composições, por culpa do tempo e do des-
cuido.
Mas longas horas de aborrecimento devia êle também passar, es-
« Doe. CXII.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò 1 63
pecialmente naqueles feíssimos dias de inverno, e nos intermináveis
serões respectivos, quando o frio, o vento, a tempestade cá fora se
fazem sentir duramente, não permitindo sequer que se deite a cabeça
á janela ou à porta. Aproveitava nesses dias a reclusão forçada,
cantando, isto é, compondo os seus versos*; mas não podia estar
sempre em convívio permanente com as Musas, e tinha necessidade
de outras diversões domésticas.
Então vinham os amigos, ora uns ora outros, juntando-se para a
conversa e para as partidas de jogo.
Lá dentro, na cozinha, as senhoras e as criadas aqueciam-se de
volta da fogueira, contando contos de mouras encantadas e de
princesas cativas, e ao mesmo tempo iam vigiando as panelas e ca-
çarolas, onde se preparava a refeição. Na sala o velho Marcos
Garcia, que não abdicava dos seus direitos patriarcais no seio da
família, fazia as honras da casa aos amigos de seu filho; e estes, sen-
tados ao redor da clássica braseira de cobre, conversavam, e deleita-
vam-se a ouvir as narrativas animadas e interessantes, que Brás fazia
das suas aventuras, ou a recitação de algumas das suas poesias.
Depois trazia-se uma pequena mesa, que se colocava sobre a
braseira. Dispunham-se as cartas, e começava a partida de jogo.
Não é fantasia nossa, mas noticia dada pelo poeta, ao dizer-nos que
no inverno
Arde o braseyro, a chaminé fumea,
Esta aquenta o comer, aquelle o jogo ^ ;
e mostra-se-nos familiarizado com a terminologia então usada pelos
jogadores de cartas, que ele aplica ao jogo de armas :
Que em jogo de Armas, que tão mal se aparta,
Todos perdem por mais, & menos Carta.
Como quem a Primeyra está jogando,
Que com reinvite o do invite empenha,
E o ponto mostra em que ganhou cachando,
Porque quando tiver jogo, lha tenha ;
Cuyda que pouco, & pouco o vão picando
Pêra que a reinvidar o resto venha,
E tão medroso em tais invites se acha,
Que mais lhe ganha o que mais lhe cacha.
Vendo os cabos, que perde, & não bravea,
Cada qual lhe faz hum, & outro assinte ;
1 V. T. XV, 104. — 2 V. T. VI, 14.
104 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Mas quem no jogo muytas mãos cachea,
Mais perde em húa, do que ganha em vinte.
A certa hura interrompia-se a jogatina, porque uma criada viera
anunciar que estava a ceia pronta.
Lá iam todos então para a lareira, onde crepitava um fogo alegre
e vivo. Dum e outro lado da fogueira havia duas mesas estreitas,
cobertas de alvas toalhas de linho, sobre as quais se enfileiravam os
pratos e copos, e fumegavam as caçarolas, exalando aroma apeti-
toso, capaz de tentar qualquer anacoreta. A meio de cada mesa
pousava solene um grande pichei de estanho, cheio de magnífico
vinho da região. Bancos de madeira se estendiam entre as mesas e
as paredes, onde os convivas se sentavam com os pés chegados ao
lume.
Fazia-se honra à ceia, que decorria alegre. Brás Garcia asso-
ciava-se aos amigos, comendo bem e conversando muito expansiva-
mente ; mas às libações báquicas dos comensais correspondia bebendo
água. Do vinho apenas apreciava o aroma.
O vinho velho sempre hé mais cheyroso, ■
Dos corpos (não do meu) alegre amigo -.
Opíparas e extensas eram essas ceias, segundo o uso daquele
tempo, contrastando com a simplicidade e brevidade das antigas,
contraste a que se refere o poeta :
Com Albano, & Lisías o convida
Pêra a cea, que estava preparada,
Não como as de hoje splendida, & comprida.
Mas como as de então breve, & moderada '.
Não se imagine que Brás Garcia viveu durante esses oito anos
em constante paz e sossego, gozando em doce tranquilidade ininter-
rupta as delícias de se ver amado, respeitado e admirado por todos,
grandes e pequenos, como tinha direito a esperar. Não. Teve pelo
contrário, na sua querida vila natal, épocas críticas de graves dissa-
bores, desavenças e lutas, tanto mais estranháveis e dolorosas, quanto
i V. T. xviii, 52-54.-2 V. T. iii, 5.-3 V. T. ii, iSz.
Cap. V— O poeta- fidalgo de QÃvó i65
mais injustas eram, traduzindo a vilissima inveja de vizinhos, e a
negra ingratidão de beneficiados.
Apesar de nenhum dos biógrafos do poeta ter feito referência a
tal facto, êle é certo e incontestável; mas pormenores não se co-
nhecem, e temos de nos contentar com o que Brás nos diz no canto xv
do seu poema, em três estâncias consecutivas (64-6Õ) das há pouco
transcritas :
Mas nem bom zelo da inveja escapa, etc.
Até hoje tem-se suposto que estas estâncias se referem ao caso,
muito falado e memorando, do priorado de Travanca-de-Farinha-Pô-
dre, de que vamos em breve ocupar-nos, ao qual o poeta consagra as
estâncias G7-70, que a seu tempo transcreveremos; mas, lendo com
atenção o texto, facilmente se verifica que estes dois grupos de estân-
cias se referem a acontecimentos diversos, perfeitamente distintos.
São duas narrativas de factos estranhos entre si, qualquer delas com-
pleta, principiando por um pequeno exórdio, em que o poeta diz
qual a causa dos desgostos que vai narrar, e rematando pelo desen-
lace. Fazer das sete estâncias uma narrativa única dum mesmo
facto, é querer remar contra o bom-senso para obter uma mons-
truosidade obesa, disforme, contraditória, ininteligível. Isto só se
explica por inadvertência, por ligeireza de leitura. A narrativa que
tem por assunto o caso de Travanca, apenas principia na estân-
cia 67 :
Cuydava hum tempo, que nas mãos estava, etc,
e nada tem com a anterior.
Vamos à primeira, que deixamos transcrita, e que refere factos
passados em Avô no decorrer deste período da vida do poeta.
Brás Garcia, segundo o que temos visto, logo que voltou do Bra-
sil, principiou a ser a figura predominante, mais em evidência e des-
taque no pequeno meio avoense.
Surgem sempre nas terras pequenas ódios mesquinhos, invejas,
malquerenças, contra quem se eleve acima do vulgar, ou do já con-
sagrado tradicionalmente, quer esse destaque provenha de talentos
e virtudes excepcionais, de préstimos e serviços generosamente fa-
cultados, quer de meios de fortuna que o visado possua e fausto de
que se cerque.
11
j66 'Brás Garcia de oMascarenhas
Começam logo a fervilhar à boca pequena us ditos picantes, as
insinuações malévolas, as calúnias, a principio propagadas a medo,
ao ouvido da comadre e do vezinho, mas depois repetidas ao soalheiro,
e por fim divulgadas. Atrás da calúnia vcem os seus frutos naturais:
as desconsiderações, faltas de respeito, e até, quando chega o mo-
mento oportuno, o insulto soez cara a cara. A estas consequências
naturais da difamação obsta muitas vezes u temor, quando nu difa-
mado há energia para se desafrontar.
Brás Garcia não estava imune de ser vitima de malquerenças.
/ Nem o seu boyfi ■{êlo escapou da inveja ! ; Pois se a humanidade é
assim, cheia de mesquinhezes, de maldades vis e ignóbeis !
E em terra não muy grande trazer capa
Mais limpa, que os mais limpos, hè delito !
As línguas viperinas foram insinuando o veneno; começou-se a
rosnar a meia voz, e em breve era o poeta prevenido do que se dizia.
l Em que consistiam essas insinuações envenenadas, esses ditos
caluniosos ? ; Donde partia a calúnia ?
Não o diz o poeta, e nós, apesar de conhecermos um pouco a
sociedade de Avô dessa época, não podemos indigitar este ou aquele
como inventor ou propagador da calúnia. E possível que nem ó
próprio Brás o podesse fazer, porque geralmente o caluniador é co-
barde: faz o tiro, e fica escondido.
Quanto aos boatos, insinuações e acusações, é provável que fossem
vários, e a este respeito não é difícil formar conjecturas e hipóteses
verosímeis, algumas até prováveis. Aqui vai uma. De certo não se
esqueceram os inimigos de Brás Garcia de lançar suspeitas ou for-
mular acusações concretas sobre a legitimidade com que fora gran-
geada no Brasil a sua fortuna. Era então, como é hoje, a sorte que
espera quási sempre na sua terra os que, saindo dela pobres para
países remotos, decorridos anos voltam ricos, embora a custa de
honrado e custoso trabalho. Parece-me que podemos aceitar, como
hipótese muito provável, que esta seria uma das acusações caluniosas.
Mas houve outras ; e duma dessas calúnias, que então se divul-
garam, fui encontrar um eco tardio nos depoimentos das testemu-
nhas no processo de genere para a ordenação de Tomás de Aquino,
filho do poeta.
Correu o boato, que naquela época era cheio de perigos e con-
sequências terríveis, de que Brás Garcia trazia nas veias sangue in-
fecto! Era mil vezes peor ter a desgraça de ser conspurcado por
Cap. V — O poeta-fiíialffo de cAvô 167
tal rumor, do que sofrer a acusação de ladrão, assassino, gafo,
traidor ou empestado. Surgia logo a visão apavorante dos cárceres
inquisitoriais, com todos os seus horrores e com todas as suas tor-
turas, divisando-se lá ao fundo a pompa, diabólicamente tétrica, dos
autos-de-fé; sentia-se desde então, como que impressa na fronte com
um ferro em brasa, a nota infamante, muito mais ignominiosa do que
a grilheta do condenado, que acompanhava a vítima até à morte, pri-
vando-a de todas as honras e distinções, de todos os cargos honestos,
de que eram excluídos os que tivessem sangue de infecta nação!
hivocando-se remeniscèncias, já quási apagadas, de leves rumores
que em tempos antigos tinha havido, espalhou-se que Leonor Fer-
nandes, que viera das bandas de Tomar, e casara com Henrique
Madeira Arrais, fidalgo avoense, era mourisca. Trazer nas veias
sangue de Judeu, mouro, mulato, ou de qualquer outra infecta nação
das condenadas em direito, era a suprema ignomínia; e o povo, no
seu fanatismo estúpido, na sua maldade reles e boçal, não fazia
indagações, contenta\a-se com o mais leve boato, e sentia vil prazer
ao arremessar ás faces de alguém o supremo insulto, que consistia
no epíteto áti judeu,
Brás Garcia, pela linha materna, era 3." neto daquela Leonor *.
Ninguém certamente se atreveria a chamar-lhe judeu cara a cara ;
quem tal fizesse receberia resposta adequada, pronta e sem réplica.
Mas a murmuração, a calúnia \il e traiçoeira, lavrava na sombra, a
alastrar anonimamente, sem que a ninguém pudesse exigir-se a re-
sponsabilidade.
Chegou porém o momento em que alguém, num golpe de ira, se
fez eco desse boato, arremessando o epíteto de judeu ao padre Simão
Madeira, o velhinho ermitão de Nossa Senhora do Mosteiro, tio-avô
materno de Brás. Esse alguém, que, olvidando as suas relações e a
sua posição social, impensadamente cometeu tal desatino, era um
amigo de infância de Brás, o padre Roque Dias de Matos *, que então
exercia a paroquialidade em Avô. Expiou a sua leviandade. Foi
como réu chamado aos tribunais, e, intimado a provar o que dissera,
alegou o rumor corrente. Fez-se a prova em contrário a esses ru-
mores, e o padre Roque foi condenado como caluniador^. Certa-
' Esq. geneal. III.
2 Vid. pág. 25, nota.
3 Transcreverei do depoimento de Bento de Paiva, testemunha no mencionado
^roctsio de genere, a passagem seguinte: — «... disse elle testemunha que sendo
i68 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
mente por trás do velho padre Simão, que figurou como autor, estava
Brás Garcia a promover o andamento do processo, para não perder
esta boa ocasião, que se lhe oferecia, de purgar a sua família e cas-
tigar a caliinia.
,; Mas o que fazia ostensivamente Brás Garcia, enquanto os ru-
mores iam engrossando e as calúnias se propagavam ?
Durante algum tempo não fez nada. Dissimulava, fingia-se des-
conhecedor dos boatos que corriam, por evitar maiores inquietações,
pois de trabalhos estava êle bem escarmentado. Além disso, repito,
o caluniador, com toda a sua vileza e cobardia, tem o condão de ferir,
ocultando a mão que vibra a arma traiçoeira, e inutilizando assim
qualquer tentativa de desforço.
Mas um dia a paciência esgotou-se-lhe. Houve qualquer ofensa
directa e pessoal, hoje impossível de determinar. Não sei em que
consistiu o agravo, mas sei que foi de língua, e que partiu de pes-
soas a quem bem podia exigir-se responsabilidade.
Brás Garcia não esteve com hesitações. Castigou; mas castigou
com mais rigor do que propunha. ; Como ? Ignoro-o, pois o poeta
apenas diz, na sua linguagem figurada :
seus dóceis com ferro agudo
Rasgo com mais rigor do que propunha ;
Sem propor, rasga a espada, que se empunha';
vigairo da igreiia de Avó Roque dias de mattos tiuera duuidas com o padre ermitão
Simão madeira e lhes chamara christão nouo (outras testemunhas dijem que fora
iudeu o termo injurioso) de que elle lhe leuou huma iniuria e prouou ser christão
uelho e o dito vigairo desia que no dito Simão madeira auia a dita Raça por decen-
der de huma molher que uiera de Tomar que chamauaó a Regateira da qual tam-
bém era decendente o dito bras gracia mas ele testemunha sabe que o dito Brás
gracia tinha três irmos clérigos e hú frade e elle era caualleiro professo da ordem
de Sam Bento por donde a dita fama ser falsa e o dite ordinando e seus ascen-
dentes serem christãos uelhos como dito tem». — (Doe. XCVI).
Ainda hoje existe no Arquivo Nacional da Torre do Tombo o processo de
habilitação para familiar do Santo Ofício de António Madeira, presbítero, licenciado
em Cânones, filho de António Madeira e de sua molher Isabel Mendes, de Viseu,
e neto paterno dos referidos Henrique Madeira Arrais e Leonor Fernandes (vid.
Not. geneal. II, i 5; — Esq. geneal. II, 19). Lá aparece também o rumor e fama
de que esta sua avó era de sangue mourisco, apurando-se judicialmente a falsidade
de tal boato (cf. pág. ló, nota 4).
1 F. T. sv, 65.
Cap. r — o poeta-fidalgo de oAvô i6g
expressões em que se me afigura descortinar que o castigo infligido
machucou muito gravemente as prosápias de grandeza e nobreza dos
culpados.
O que é certo é que essa desafronta ofendeu bastante e irritou os
sentimentos do vulgo, que deu razão aos caluniadores, e se manifestou
tão hostil ao poeta, que, se pudesse, o sentenciaria a morte tormen-
tosa, i E era essa mesma rústica plebe que poucos anos antes, logo
após o regresso de Brás, se quedava junto dos caminhos a contem-
plá-lo em admiração encolhida e respeitosa I j Sempre a mesma in-
constância de sentimentos na eterna criança !
Pela sua parte o castigado, ou os castigados, deram-se por ofen-
didos, e chamaram aos tribunais Brás Garcia, que se viu mais uma
vez obrigado a dar à justiça contas do que fizera. E, ao que parece,
o caso era sério.
Desta vez, porem, o poeta não se perturba, nem se homizia.
Apresenta as suas alegações, e, da re\ão e de Amigos ajudado, con-
segue saldar as contas com a justiça, e desmentir o monstro sussur-
rante, que outra cousa não é o vulgo, no dizer de Brás. Mas ficou
sabendo melhor, e ainda à sua custa, o que eram os processos fo-
renses, e quanto tempo, paciência, cuidados, energia e dinheiro absor-
viam.
No poema mostra-se familiarizado com a linguagem do foro,
quando, com acentuado mau gosto, põe na boca de Viriato, perante
o cadáver de Apimano, as palavras seguintes :
De tua morte me mostras a devaça
Com trinta testemunhas a teus lados;
Justo hè que conclusa se me faça,
Pêra ir proceder contra os culpados :
Tinta será seu sangue, & penna a Maça,
Com que hão de ser à morte pronunciados,
Pêra emmenda de tào infame excesso,
Pagando Roma as custas do processo '.
Refere-se noutro lugar a boatos,
A que ainda nos processos chama
O Vulgo, & Ley «pública voz, & fama» ^.
' V. T. VI, 100. — 2 V. T. VIII 74.
ijo 'Brás Garcia de <íMascarenhas
Revela que não morre de amores pela gente que intervém nos
processos forenses, e inveja as antigas idades da Ibéria, quando
Tudo era quietação, simplicidade,
Descanso, riso, amor, paz, & justiça
Em breve feyta aos poucos aggravados.
Por falta de Escrivães, & de Letrados '.
Queixa-se, finalmente, dos mesmos letrados, que no maior nijmero
dos casos desencaminham as partes, poucas das quais são bem acon-
selhadas :
Quais os Anjos custódios, & os danados
A nossos bens, & males se avizinham,
Tais hoje em pleytos, bons, & màos Letrados
Nos encaminhão, & desencaminhão.
Muy poucos são os bem aconselhados,
Muytos os que seu mal não adivinhão,
Etc *.
Algumas modificações se deram na família do poeta durante estes
oito anos.
Elena Madeira faleceu por fins do ano de i(534 ou principios de
i635, e o doutor Manuel Garcia, pouco depois da morte da mãe,
deixa o seu priorado de Travanca, e vem nos fins do verão deste
liltimo ano para Avô. viver na companhia de seu velho pai.
O padre Pantaleão passou do curato de Almassa para Travanca,
na qualidade de cura e encomendado, a substituir o irmão. Mas em
fins de iG36 o doutor Manuel resigna a igreja no Pantaleão, que passa
a denominar-se Prior encomendado durante os primeiros meses de
1637; e desde junho em deante, talvez depois que chegasse de Roma
a bula de colação, passou a assínar-se simplesmente Prior de San-
tiago de Travanqiia.
No ano lectivo de i634-i635 andava o Francisco Garcia em Coim-
bra a frequentar as Escolas menores da Universidade ', habilitando-se
para se matricular em qualquer das Faculdades maiores. Durante
o mês de fevereiro deste ano correu em Avô o processo de genere
vita et moribus para a sua ordenação, e na quaresma compareceu
1 V. T. I, õi. —2 V.T. xm, u.
■• Vid. pág. 116, e nota 5 à mesma pág.
Cap. V — O poeta- fidalgo de oAvò iji
êle na igreja do colégio de S. Bento, que hoje pertence ao Liceu de
Coimbra, e ali recebeu das mãos do Dom Abade beneditino, o insigne
teólogo e humanista Fr. Leão de S. Tomás, a prima-tonsura e os
dois primeiros graus de ordens menores. Depois eclipsa-se, e não
mais torna a figurar, nem nos assentos universitários, nem no registo
paroquial de Avô, nem nos processos arquivados na Câmara Ecle-
siástica. ; Morreria êle ? Não. Fez-se frade ; era a sua vocação.
Consta-nos este facto do depoimento duma testemunha de Avô, no
processo para a ordenação de Tomás de Aquino *, a que fizemos re-
ferência há pouco. ; Em que convento professaria ? Tenho indagado
este ponto, mas nada pude até hoje descobrir; suspeito entretanto,
fundado em razões ponderosas, que seria no dos carmelitas descalços
do Buçaco. Assim explico as relações, tão intimas e frequentes, que
desta época em deante manteve a família dos Garcias de Mascare-
nhas de Avô com aquele convento, às quais voltarei a referir-me
mais tarde.
A respeito do Matias Garcia tenho de informar que andou até
ao fim de 1637 a esquivar-se de iniciar a sua carreira eclesiástica, à
qual se destinara, embora para ela não sentisse vocação. Só em
dezembro deste ano, tendo já quási 3i de idade, é que lá se resolveu
a começar a ordenação, apresentando-se a receber a prima-tonsura e
os dois primeiros graus de menores, que lhe foram conferidos na
sexta feira, 18 do dito mês, pelo Dom Abade de S. Bento, que então
era Fr. Paulo da Natividade, na referida igreja do seu colégio. Os
graus de exorcista e acólito foram-lhe conferidos na igreja do colégio
de S. Bernardo, em Coimbra, pelo Abade-reitor do colégio Fr. Luís
Moniz, no sábado 27 de fevereiro de i638. E assim ficou minorista
por bastante tempo, mostrando pouca vontade de ascender às ordens
sacras.
Uma outra modificação se dava entretanto, não na família, mas
na alma de Brás Garcia.
Duríssimo fora o golpe que lhe vibrara ao coração a mão de
uma dama, e a ferida sangrara largo tempo; mas, diz o povo: —
Não há mal que sempre dure, nem ferida que não cure. Os des-
varios da mocidade haviam passado, eram hoje como se não ti-
i Doe. XCVI.
7/2 13rás Garcia de oMascarenhas
vessem existido. A sua honestidade e honradez inquebrantável fa-
ziam com que nem pelo pensamento jamais lhe passasse a tentação
de erguer uma vista condenável para a sua antiga namorada. Ela
casara, ligara-se a outro homem, e a Brás repugnavam absoluta-
mente
Adultérios lacivos, & treydores,
Da casta honestidade violadores '.
Além disso, o aspecto da mulher que na mocidade o desorientara,
com a beleza e elegância actualmente perdidas, deformada pela ma-
ternidade, cercada dum rancho de filhos, cuidando muito prosaica-
mente no governo da casa de seu marido, não era de molde a reavi-
var-lhe o fogo da paixão, e deve ter-lhe produzido o efeito do rio
Letes, apagando do seu espírito quaisquer fugazes remeniscências
platónicas dos desvarios da mocidade. Mas não imaginava que as
graças de outra mulher ainda podessem vir agitar as cinzas, que
pareciam apagadas para sempre, e atear nova fogueira.
Entretanto este fenómeno inesperado deu-se, e não tardou isso
muito.
Quando Brás regressou do Brasil, no rancho dos filhos de D. Ma-
ria Madeira da Costa, havia, como deixamos dito, uma menina, a
mais velha, que já contava 14 anos de idade.
Era muito gentil e formosa.
Alta e elegante, tinha o rosto grácil e belo, e a pele assetinada de
um branco de marfim. As faces rosadas animavam a alvura do rosto,
e uma opulenta cabeleira loura, com o tom do ouro antigo, lhe au-
reolava a cabeça elegante e esbelta. Eram os olhos da còr das safiras,
de expressão doce e suave ; e sobre eles se arqueavam, delicadas e
subtis, as sobrancelhas, que por um capricho extravagante da natu-
reza eram pretas. Realçava este conjunto de graças um ar sonhador,
de tristeza e melancólica poesia, que ainda mais lhe aumentava os
atractivos e belezas.
Chamava-se esta formosa menina D. Maria da Costa.
Vejamos agora o retrato que dela nos deixou o poeta com o nome
de Clóride, pseudónimo com que ele a disfarçou, como adeante
veremos. Verificar-se há que o esboço, que acabamos de traçar, é
exacto.
i V. T. xiii, i3
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò ijS
Em base de esmeralda ' ebúrnea assenta
Columna ^, que se Dorico não teve
Capitel, sobre o Quínico' sustenta
Dóricas * trenças, rubicunda neve,
Safiras, sutiis Ebenos, que ostenta
Grande thesouro Amor em campo breve,
Se pobre de prazer, não de belleza,
Que hà rostos, a quem dà graça a tristeza *.
Brás atentou nela logo desde o princípio ; que uma jovem com
tais predicados não lhe podia passar desapercebida. Mas as suas re-
lações com a família de D. Maria Madeira deviam ser muito cerimo-
niosas, pois entre esta dama e o poeta nunca se extinguiram com-
pletamente as antigas antipatias ; por isso teria êle poucas ocasiões
de se aproximar de D. Maria da Costa, de a apreciar de perto, e de
se deixar impressionar vivamente pelos seus atractivos.
Mas o diabo tem sempre meio de tecer as suas partidas.
Não sei como, nem em que circunstâncias: j um belo dia Brás
Garcia de Marcarenhas, com grande surpresa sua, reconheceu que se
achava de novo apaixonado I
Temos fixada pelo poeta a data em que isto se deu. Foi em
i635, no terceiro ano depois do seu regresso; contava então Brás 3g
anos de idade, e D. Maria 17. Quando declinava o ano de 1645,
em um dos compassos de descanso que a guerra lhe deixava, es-
crevia o poeta :
Dez anos há, que não me desenredo
De Amor, & de justiça, que se liga
' A verde alcatifa toda entretecida de apiys, brancas, vermelhas, tC amareltas
Boninas, — em que estava Clóride.
2 O corpo de Clóride.
' Capitel quinico não me parece que faça sentido. Deve ser um dos muitos
erros da edição. Talvez o nosso poeta escrevesse clímaco, como sinónimo de
corintio (de Calímaco, criador do capitel coríntio), por ser, dos capiteis das diversas
ordens, o mais elegante e gracioso. A lembrança é do distinto prof. e meu amigo,
o sr. A. Augusto Gonçalves ; aqui a registo, como hipótese verosímil.
* Neste verso o adjectivo dórico é empregado pelo poeta num sentido muito
particular, inteiramente diverso do que tem no 2.° verso da estância. Acolá con-
serva a significação usual — pertencente á ordem de arquitectura denominada dó-.
rica; aqui quer dizer — semelhantes a ouro, ou que parecem de ouro. E um arranjo
de frase infeliz e de mau gosto, em que o poeta se deixa ir atrás dos artifícios gon-
góricos, que estavam em moda.
5 V. T XIV, 49.
i']4 'Brás Garcia cie cMascarenhas
, Cada qual contra mim, mais me enredo
Se deyxar quero tá viscosa liga.
Queyxas me não culpeis, cuipay o enredo
Que o Frecheyro tecèo da verde liga,
Etc »
l Quem nos diz, porem, que esses amores tivessem por objecto a
gentil filha de João Manuel da Fonseca ? Não é preciso ninguém
dizê-lo ; deduz-se da própria natureza dos factos.
Brás Garcia, ao escrever essa estância, estava casado muito de
fresco com D. Maria da Costa, e não pode admitir-se que ele então
se lembrasse de cantar os seus amores, que há de\ anos o trariam
enredado, se tais amores, que dá como subsistentes quando escrevia,
não tivessem por objecto a que era sua mulher.
Preso por esta nova paixão, o poeta poria todo o cuidado em
disfarçar e dissimular tal fraqueza, pouco desculpável na sua idade,
já bastante afastada da juventude. Porque ele então não pensava,
nem podia pensar, em contrair matrimónio com essa menina : se tal
pretendesse, encontraria a recusa absoluta, desabrida e obstinada
dos pais dela, especialmente de D. Maria Madeira, sua inimiga
odienta.
Note-se além disso que ainda não tinham esquecido os antigos
desatinos praticados pelo poeta, quando namorava D. Cecília. Esse
namoro fora muito falado, causara escândalo no meio pequeno de
Avô ; i que não murmuraria o povo se percebesse que Brás reques-
tava agora uma sobrinha da sua antiga amada ! Era a moralidade,
era a honestidade piiblica, cheia de melindres, por vezes bastante
hipócritas, que se sentiria ofendida e molestada, se tais amores se
descobrissem. Tudo isto considerava o poeta, e por isso é que não
descuraria nenhum meio de dissimular e encobrir a sua paixão.
E conseguiu realmente conservá-la oculta até depois de 1640;
tão oculta no seu intimo, que, segundo creio, nem sequer a deixou
advinhar, por algum tempo, à jovem que a despertara. Mas depois
houve comunicação e troca de afectos, embora sem ultrapassar os
limites da mais pura honestidade, e sempre envolvidos em denso
finistério, e encobertos sagaz e cuidadosamente. E assim que me
1 V. T. XII, 3.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò 1 7 5
parece que melhor se explicam e mais inteligíveis se tornam as pala-
vras do poeta na estância transcrita, e em outras que a seu tempo
transcreverei.
Embevecido na contemplação dos dotes e virtudes do objecto dos
seus novos amores, extasiado na admiração de tantos encantos, excla-
maria ele :
ó manifesta
Vertude feminil do pátrio Alva !
Em que inda brilha a antiga honestidade,
Como nelle do Sol a claridade '.
Mas ; de que valia tudo isto, se Brás Garcia não tinha a ilusão de
jamais poder aspirar à mão desta menina ? Devia procurar liber-
tar-se dos leames daquela funesta paixão; este o conselho da pru-
dência, mas ,; poderia êle ?
Era a sua sorte adversa a manifestar-se mais uma vez. Cuidara,
depois de tão agitadas aventuras, passar entim vida feliz e descan-
sada em Avô; vivera efectivamente em tranquilidade algum tempo:
mas agora vê que todos os cálculos lhe falham, não mais espera
repouso. Bem sabia êle
Que Amor hé, como azougue, que se chega
A entrar cm hum corpo, nunca mais sossega-.
Já muito enfadado com os pleitos em que se vira envolvido, em-
bora lhe houves.sem sido favoráveis as sentenças, eis que de repente
se encontra a braços com uma nova demanda, esta mais complicada
do que as anteriores, e que c contada pelo poeta nas estâncias se-
guintes:
Cuydiivu hum tumpo, que nas mãos estava
Dos homens evitarem seus perigos,
Mas vim a conhecer, que me enganava,
E que tem, quem mais luz, mais inimigos ;
Alguns Amigos, que eu por tais julgava,
Que poucos saõ jà hoje os bons Amigos,
Mal invejando possessão rendosa,
De pacifica a fazem letigiosa.
Pleyto de niixto foro nunca visto
De Nèmese, correndo varias casas,
» y. r. XII, ji. — -' V. T. V, 12.,
ijG 'Brás Garcia de aMascarenhas
Parou em força aberta, que eu resisto,
Que húa força com outra empata as vasas.
Como de antes o mal tinha previsto,
Com a razão à soberba quebro as asas,
A muytos com muy poucos destroçando,
Caso raro na paz, & memorando.
Na Guerra os vi de menos sangue, & gente,
Que em meu, & teu em cousas não muy claras
A tanto obriga o litigar presente,
A tanto chega o variar das varas.
Sobre qual hà de ser o precedente,
Avante passaõ com pendências raras,
Húas me absolvem, outras me condenão,
Penaõme algOas, & outras me depenão.
Em quanto retirado ' a causa provo,
Se restaurão com súbito estampido
Reyno antigo, & legitimo Rey novo
Em Querubico trono prometido.
Era a revolução de i de dezembro de 1640.
Paremos aqui, deixando a sequência para novos capítulos.
Eis em que consistiu este caso:
O padre Pantaleão Garcia, que se achava na posse pacifica e in-
contestada do priorado de Travanca, desde a resignação de seu irmão
Manuel, teve necessidade de se ausentar; entregou a paroquialidade
ao cura para isso escolhido, o padre João Fernandes, e partiu na
primavera de i638. ^ Para onde ? Para Roma, diz o doutor Albino
de Abranches Freire de Figueiredo, e após êle repetem-no outros.
Como não sei onde o ilustre reeditor do Viriato Trágico foi buscar
aquela notícia, não me atrevo a aceitá-la nem a rejeitá-la. A ausência
foi demorada, e durante ela alguns amigos, que Brás por tais julgava,
ambicionando aquela possessão rendosa ^, fizeram declarar vaga a
igreja, e abrir concurso para o seu novo provimento.
' Retirando diz o livro, mas suponho haver aqui um dos numerosos erros ti-
pográficos da edição. Brás, segundo creio, escrevera — retirado, isto é, fugido,
escondido, para evitar ser preso.
2 V. T. XV, 67-70.
' Computavam-se comummente os rendimentos desta igreja em 220í!í>ooo réis
(vid. Portugal sacro- profano, por Paulo Dias de Niza, parte II, p. 260), o que, para
o tempo, era uma renda importante ; mas a realidade ultrapassava muito este cál-
Cap. V — O poeta-fidalgo de qApô 777
l Qual o pretexto ? Talvez o do abandono do beneficio por parte
do prior; ou, mais provavelmente, o de haver sido anti-canónica a
colação no padre Pantaleão.
Esta igreja era um beneficio de livre colação, sujeito à alterna-
tiva. Segundo o mês em que vagasse, assim o provimento havia de
ser feito, ou pela Sé Apostólica, ou pelo bispo diocesano. Bastava
que o provimento fosse feito pelo bispo quando a vacância se houvesse
dado em mês reservado à Santa Sé, ou vice-versa, para ser nulo,
devendo fazer-se novo provimento pela autoridade competente. Eram
frequentes os processos de anulação de colações por este motivo, e
por vezes a política, dama já então muito ladina e irrequieta, não era
estranha a eles. A família dos Garcias de Mascarenhas, que era
toda patriótica, devia ser conhecida como afeiçoada à casa de Bra-
gança ; ,; seria esta uma das verdadeiras causas que na sombra mo-
veram a acção ? E muito provável ; havia entretanto neste caso cir-
cunstâncias complicadas, que o tornavam extraordinário, singular,
difícil, nunca visto de Némese.
culo. Para disto nos convencermos, bastaria lançar os olhos para o doe. CXIV;
temos, porem, outros elementos mais expressivos.
A 22 de janeiro de 1738, apresentou à autoridade diocesana de Coimbra o
minorista João Pedro de Loureiro Castel-Branco uma bula, pela qual era provido
nesta igreja, vaga pela resignação de seu lio, o prior Manuel Cardoso de Loureiro.
Ficava o novo prior com o encargo de pagar a seu tio a pensão anual de 28 ducados
e meio de ouro da Câmara e 3 júlios, moeda romana (5ov!(>i55 réis de moeda por-
tuguesa), além de outra pensão, a que tinha direito o antigo prior reservatário
padre António Martins Goulão, da importância de 22 ducados e meio de ouro da
Câmara (Tx^^Z-jS réis), ambas impostas sobre os frutos certos e incertos do bene-
fício. No processo de execução desta bula, as testemunhas inquiridas declararam
que a igreja rendia, pela estimação comum, em frutos certos, 219^750 réis, e em
frutos incertos 3ioí!í)ooo réis, pouco mais ou menos: ao todo 529Í!í>75o réis em
média, A redução da moeda romana à portuguesa encontra-se feita no processo,
donde a reproduzo textualmente.
Em 1784 foi, pela resignação do precedente, provido nesta igreja o padre An-
tónio Paulino Coelho de Mesquita, de Sentar, com reserva da pensão anual vita-
lícia, para o resignatário, de 142 ducados de ouro da Câmara e i5 júlios (aSoíftooo
réis), computando-se o rendimento total do benefício, em média, na quantia de
242 ducados de ouro da Câmara e i5 júlios e meio (425íí>ooo réis).
Devemos porém considerar que os elementos fornecidos para estes cálculos
eram geralmente muito inferiores à realidade.
Os processos donde extraí estas notícias encontram se arquivados na Câmara
Eclesiástica de Coimbra, maço de Provimentos da igreja de Travanca-de-Farinha-
Podre.
jjS 'Brás Garcia de oMascarenhas
O que é certo é que o padre Pantaleão Garcia, durante a sua
ausência, foi esbulhado do beneficio. Afixam-se os editais da vacân-
cia, e abre-se o concurso.
Parece que tudo isto correu sem que os Garcias de Mascarenhas,
de Avô, fossem prevenidos do que contra o irmão se tramava.
O prazo do concurso correu, e, satisfeitas as formaUdades canó-
nicas, um dos concorrentes foi provido no priorado.
Só nesta altura é que Brás Garcia é prevenido, e em nome de
seu irmão vem imediatamente com embargos. Aqui se origina um
pleyto de mixto foro para repelir aquele intruso, provando-se que o
beneficio estava canonicamente provido, e que por isso anti-canónico
era o novo provimento; uma espécie de acção de esbulho, classificada
entre as causas mixti fori, porque tanto os tribunais eclesiásticos
como os civis tinham competência para conhecer de tais causas,
sendo essa competência determinada pela prevenção. Aquele dos
dois foros que primeiro tomasse conhecimento do facto é que com-
petia proceder, e julgar a causa.
Quem conhece as tricas, os embaraços, as rabulices que moderna-
mente envolvem e emaranham alguns processos judiciais, a ponto de
tornarem por vezes quási interminável uma causa, que de sua natu-
reza parecia simples, não pode ainda assim fazer ideia do que eram
essas peias e expedientes obstrucionistas nos processos, quer de um
quer doutro foro, no século xvn. Um labirinto inextricável, me-
donho, donde era dificílimo sair. Especialmente nos tribunais ecle-
siásticos, em que havia recursos em última instância para Roma, que
por sua vez nomeava por breves ad Iioc juízes apostólicos especiais,
que julgassem cá em nome da Santa Sé, as complicações aumen-
tavam, e as causas demoravam-se indefinidamente. Eis o que su-
cedeu com este pleito, que foi correndo várias casas, cheio de peri-
pécias e pendências raras, fazendo-se nele sentir muito a sucessão de
juízes chamados a intervir, num repetido variar das varas.
Deste modo se foi protelando a causa até maio de 1640.
Um belo dia é Brás Garcia prevenido que o prior intruso obti-
vera despacho, que lhe permitia tomar finalmente posse do beneficio
que usurpara, devendo essa posse realizar-se em determinado dia
próximo; revestir-se hia o acto de toda a pompa festiva, havendo
grande niímero de convidados para um banquete, que o prior daria
nesse dia na residência paroquial.
Referveu o sangue nas veias ao nosso poeta, ao saber a notícia.
Todo o fogo ardente e audacioso da mocidade, que outrora em
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò 1 7g
Coimbra o levara a arrebatar da bainha, ao carcereiro da Portagem,
a espada, e, num Ímpeto de louca temeridade, a abrir caminho, qual
leão rompente * pelo meio da multidão adversa, evadindo-se deste
modo das garras da justiça, ■ — todo esse fogo, toda essa audácia
revive num momento, e Brás resolve-se a conquistar à mão armada a
justiça que os tribunais lhe recusam. O despacho dado não era
irreformá\el; havia ainda lugar a recursos e apelações: mas a filo-
sofia prática do seu espírito, e a larga experiência que tinha da
vida, diziam-lhe que muito mau era que o intruso se apossasse da
presa. Mais dificil seria depois obrigá-lo a largar.
Cala-se entretanto, e espera que chegue o dia aprazado.
Descendo da serra da Estrela, os rios Mondego e Alva cavaram
dois sulcos profundos e tortuosos, que lhes servem de leitos, e que de
certa altura em deante seguem a directriz geral de E.-N.-E. a O.-S.-O.
A região interamnense, que eles limitam, vai estreitando pouco a
pouco, à medida que avança para Oeste, até que repentinamente se
vê cortada pelo Mondego. Este, apenas recebe o tributo das águas
do rio Dão, muda de rumo, e contornando para Sul em caprichosos
lacetes corta abaixo da Raiva a passagem ao Alva, que já desde as
proximidades de Arganil também tem modificado um pouco a sua
directriz geral, abrindo caminho difícil e torturado para N.-O. em
apertadíssimas e repetidas curvas e contra-curvas. Deste modo o
território limitada) pelos dois rios tem a sua extremidade ocidental
arredondada em bico de pato, a que o Alva até á sua foz forma o
bordo esquerdo, e o Mondego -o bordo direito até á foz do Dão, e
daí até à do Alva o contorno. Dentro deste bico assenta a povoação
de Travanca-de-Farinha-Podre, fronteira à Foz-Dão, afastada pouco
mais dum quilómetro da margem do rio.
Encontra-se implantado este povo numa região que, em geral, não
merece grandes encarecimentos, nem pela beleza dos panoramas, nem
pela fertilidade do terreno. Quem vem do S. ou S.-E. para Travanca,
atravessa terras pobres e monótonas. Não há aqui nem altas mon-
tanhas, nem vales profundos ou extensos. O terreno é acidentado,
sim, mas em ondulações maiores ou menores, que só de longe em
1 V. T. VI, 82.
j8o 'Brás Garcia de Mascarenhas
longe nos deixam descortinar largos horizontes, e que não nos en-
cantam ao menos com o mimo de colorido intenso e variado de va-
leiros amplos, férteis e criamosos. São os altos, de ordinário, ves-
tidos de matos raquíticos, em que predomina a urze, o carvalhiçb,
o tojo e a esteva, aqui e além manchados de pinhais, cujo tom verde
aveludado não consegue apagar a impressão de tristeza, que a pai-
sagem nos produz ; os baixos, que o amanho agrícola tem apro-
veitado, são geralmente estreitos e pequenos, e a sua cultura tão pouco
variada, que não chegam a ferir uma nota alegre de destaque na mo-
notonia geral.
A povoação de Travanca, apesar de pequena, distingue-se nota-
velmente da região circundante por mais vida na natureza, mais varie-
dade na agricultura, mais colorido na paisagem, que entretanto é
muito limitada de horizonte. Aqui já não se amanham somente os
valeiros, mas encontram-se terras altas vestidas de árvores frutíferas,
e de vinhas e cereais em abundância. A labuta agrícola faz-se cá
sentir com bastante intensidade. Quem visita Travanca fica entretanto
surpreendido ao ouvir dizer que o rio Mondego passa ali, a Norte,
ao fundo daquele pinhal, e que a Foz-Dão, um sítio tão pitoresco, dista
pouco mais dum quilómetro desta povoação. Nada nos pode fazer
suspeitar a proximidade dum importante curso de água.
Alonga-se o povoado em extensa rua por uma lomba de terreno,
em direcção de E.-S.-E. a O.-N.-O, sendo rematada por uma capelinha
de Nossa Senhora dos Remédios; em uma elevação fronteira, a
S.-O., distante cerca de 3oo metros, ergue-se a igreja de Santiago
Maior, matriz da freguesia. Medeia entre as duas elevações um va-
leiro, bastante irrigado e fértil, que vai descendo para Poente, num
pendor suave.
E interessante o agrupamento da igreja e seus anexos, acolá iso-
lado no monte fronteiro a Travanca.
O templo é moderno, dos fins do século xvin. Nada vi nele que re-
monte ao tempo em que se deram os sucessos que havemos de narrar,
,a não ser uma imagem manuelina de pedra, e uns pequenos castiçais
baixos de bronze, que são da época. Está o edifício quási orientado,
com a porta principal voltada aproximadamente para Oeste.
Ao lado direito da igreja, no pendor para o vale, é a parte do
adro que serviu de cemitério ; ainda ali se encontram um enorme
huxeiro encostado a um recanto da igreja, e um tronco seco de gigan-
tesco azereiro, cercado de rebentos, que já de si são verdadeiras
árvores. Não me custa muito a crer que estes dois macróbios vegetais
Cap. V — O poeta-fidalgo de cAvô t8i
já tivessem sido testemunhas dtj eMraordináriu acontecimento que ali
se deu em 1640.
Do velho presbitério, que fiíava [contíguo ao lado esquerdo do
templo, o pouco que resta está em ruinas: — a casa doçura, a adega
e celeiro, o espaço já desmoronado onde foi o lagar, e ainda o páteo
e quaisquer casebres incarateristicos destinados a casas de moços,
Presbitério de Travanca— Angulo N.-O. da adega e da casa do cura.
abegoarias, etc. O que era propriamente residência do prior, foi de-
molido haverá dez anos, e reedificado segundo um novo plano, cor-
tando-se-lhe nessa ocasião uma parte, para isolar o templo do pres-
bitério. Anteriormente estavam unidos, havendo comunicação interna
dum para outro.
Uma bela carvalha pluri-secular erguia-se majestosa a E. do
edifício, em frente da porta do cura, e da do lagar, ensombrando com
suas ramas parte da residência do priqr; ainda hoje se conserva,
embora já bastante mutilada, esta formosa árvore '.
' Na fronteira estampa vê-se a carvalha, despida de folhagem, por ser inverno
quando se tirou a fotografia. A primeira casa que se devisa, percorrendo a estampa
da esquerda para a direita, é o celeiro e adega, e no espaço que existe à sua frente
estava o lagar. Contígua é a casa do cura, à qual pertencem uma janela e a porta
de loja que se vê na estampa, e cuja entrada está em ruínas. Ao lado o portão,
i82 ^rás Garcia de a\fascarenhas
Chega o dia indicado para a posse c banquete do intruso prior
de Travanca.
Brás Garcia, acompanhado de alguns amigos armados com as suas
espadas, e provavelmente levando consigo alguns criados, bons joga-
dores de pau, munidos de cacetes, constituindo todos uma pequena
guerrilha de tnuy poucas pessoas, saem muito em segredo de Avô
pela madrugada, e percorrem, com as devidas reservas e cautelas,
os trinta e tantos quilómetros que, pelos caminhos velhos, medeiam
entre Avô e Travanca. Teem o cuidado de se desviar dos povoados
e de evitar que sejam vistos. Chegados a Travanca, cortam a direito
em direcção à igreja, sem serem avistados da povoação, e surgem
inesperadamente junto do presbitério, ao pé da carvalha que descre-
vemos.
O acto da posse litúrgica havia de realizar-se pela tarde, depois do
banquete, e este encontrava-se no seu auge. Aos ouvidos de Brás e dos
companheiros chegavam as manifestações da ruidosa alegria dos con-
vivas, e facilmente se notava que eram em número muitíssimo maior
do que os que constituíam a guerrilha. Ouvia-se alem disso o vo-
zear da gente do povo e da criadagem, que do outro lado da casa,
no páteo da residência e no contíguo adro fronteiro ao templo, en-
quanto esperavam pela festa da igreja, com seus folgares ruidosos
iam fazendo coro aos vivas e brindes que partiam da sala de jantar.
Torna-se pois complicado o caso. Acometer toda essa gente, em-
bora de surpresa, seria um acto de louca temeridade.
Mas era tarde para hesitações, e Brás não era homem que re-
cuasse. Não espera por mais.
Como um furacão entram todos pela porta dentro, e de espada em
punho uns, outros de cacetes erguidos, caem sobre os convivas espa-
deirando-os e contundindo-os. Alguns conseguem saltar pelas janelas
e pôr-se em fuga ; outros resistem, mas debalde. Uma confusão
medonha, um motim infernal. Pelo chão, por baixo da mesa, rolam
corpos feridos gravemente, jazem outros sem movimento.
Alguns dos convivas haviam-se escapado do presbitério para a
que dá acesso por esta banda ao páteo da residência prioral. Esta fica por trás
da carvalha ; e lá ao fundo, na extremidade da direita, descortina-se o telhado e
parede S. da igreja.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvò i83
igreja, onde supuseram encontrar asilo inviolável. Faliu-lhes o cál-
culo. Ali mesmo foram feridos e espancados, ticando assim poluída
a casa do Senhor, que ipso facto se tornou inapta para a celebração
dos actos cultuais. Esta a explicação que tem o caso de encontrar-
mos nos últimos meses de 1640 fechada ao culto a igreja paroquial de
Travanca, e os ofícios divinos, que nela deviam realizar-se, a serem
celebrados na igreja de Farinha-Podre, hoje S. Pedro de Alva.
Quando toda a resistência dentro de casa tinha acabado, os agres-
sores descera ao páteo, para dali e do adro varrerem a populaça
e criadagem. Então é que iam mostrar a sua valentia e a sua agili-
dade e perícia no jogo do pau os caceteiros do rancho, que levariam
deante de si centenas de pessoas que lá estivessem. ^ Mas quê ? Não
encontraram ninguém. O pavor tinha-se apoderado de toda essa gente.
Apenas ouviram os primeiros gritos de sobresalto e dor, acompanhados
do tenir de ferros na sala de jantar, apenas viram os primeiros fugi-
tivos saltarem das janelas e pôr-se ao fresco numa carreira desor-
denada, um pavor colectivo se apoderou deles, e, não esperando o
próximo momento de entrarem em função, deixaram o adro e o páteo
desertos, num abrir e fechar de olhos.
Eis reconstituída nos seus traços gerais, em face do poema e dos
documentos, a scena sangrenta, em que foi protagonista Brás Garcia,
e na qual houve mortes & feridos '. Assim mostrou o nosso poeta que
debaixo da capa de sisudez, ponderação e bonomia em que se embu-
çava, e apesar dos sinceros desejos e propósitos de viver em paz,
sossego e quietação, chegado o momento crítico, ainda nele existia
o estofo do antigo espadachim; o fogu c viveza da juventude desper-
tavam com facilidade.
E, depois disto passado, longe de se arrepender da violência pra-
ticada em momento de paixão, faz pelo contrário alarde da proeza,
revelando alem disso a circunstância agravante da premeditação.
Explica, é verdade, a razão que teve para assim proceder, dando
ao pleito judicial uma solução sangrenta. A parte contrária andava
em tudo de má fé, e dos tribunais não conseguiu êle que se lhe fizesse
justiça; teve por isso de recorrer a este processo, único que encon-
trou eficaz. Nos tribunais moeram-lhe a paciência com subterfúgios,
incidentes, evasivas, recursos, sentenças contraditórias ; destas, se
uma o absolvia, outra o condenava, se agora era penado, logo ficava
1 Doe. CXII.
184 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
depenado. Por fim vê o usurpador ir ocupar o benefício roubado a
seu irmão; é nesta altura que resolve lançar mão do meio violento.
Faz justiça por suas próprias mãos, como último recurso.
l Haverá elementos cronológicos suficientes para precisar a época
em que este facto se deu ?
Temos alguns indícios, que reunidos nos habilitam a determinar
aquela época. Ei-los :
A 28 de setembro de i63q e a 10 de maio de 1640 achava-se
Brás Garcia em Avô, muito tranquilo e sossegado, a intervir em actos
públicos: naquele dia apadrinhou no baptizado duma criança*;
neste foi testemunha dum casamento^. Ainda se não tinha homi-
ziado : a scena de Travanca é pois posterior.
Algumas semanas depois, a 4 de junho, ainda era cura de Tra-
vanca, e como tal aparece a dar licença a outro sacerdote para assistir
a um casamento, o padre João Fernandes^, a quem o padre Panta-
leão, ao sair, deixara encarregado da paroquialidade, e que depois lhe
foi infiel bandeando-se com os seus inimigos, pois a declaração de va-
cância e o concurso para provimento da igreja não se podiam ter
realizado sem êle ser disso conhecedor, sem ter até colaborado no
processo. E quási certo que estaria no banquete do intruso, e seria
talvez o incumbido de lhe dar posse ; a não ser que fosse êle o pró-
prio prior intruso, hipótese que se não pode inteiramente pôr de parte.
A permanência pois deste cura a paroquiar a freguesia é prova de
que a 4 de junho ainda se não havia dado o caso memorando.
A 8 de setembro falece nesta freguesia, no lugar do Paço, Do-
mingos Fernandes, a quem foi conferido o sacramento da penitência
pelo padre Manuel Gonçalves, cura da vizinha freguesia de Oliveira
do Cunhedo, o da Eucaristia pelo padre João Alves Brandão, de Ga-
lizes, e o da extrema-unção pelo rd.° prior Pantaleão Garcia *.
Ainda no mesmo mês, em dia indeterminado, morreu Sebastião Pires,
que apenas recebeu os sacramentos da penitência e extrema-unção,
ministrados ambos pello rd.° prior Pantaleão Garcia '. No seguinte
» Doe. XXXV. — 2 Doe. XXXVI.
' CS. — Reg. paroq. de Travanca-de-Farinha-Podre, vol. i, cad. 4, fl. 147 V.».
* C. S,-~Reg, Paroq. de Travanca-de-Farinha-Pôdre, vol. i, cad. 4, fl. 148.
» Ibid.
Cap. V — O poeta-fidalgo de oAvô i85
mês de outubro, a 8, morreu sem sacramentos Manuel, filho de Bal-
tasar Fernandes, da Portela*.
Vê-se pois que já por ali andava nesta época o padre Pantaleão, e
já ia absolvendo e ungindo os fregueses que necessitavam dos úl-
timos socorros sacramentais.
Mas nenhuns outros sacramentos se ministravam na freguesia,
alem destes in extremis. Depois de entrado o verão de 1640, o pri-
meiro baptismo que se celebrou na igreja de Travanca foi a i5 de
janeiro de 1641, e o primeiro casamento a 4 de fevereiro.
Os que morriam sepultavam-se, é verdade, na igreja ou no adro,
na forma costumada, depois de feita a encomendação, provavelmente
em alguma capela do lugar ; mas os ofícios fiinebres de bem d' alma ou
paroquiais fazia-os, por determinação do bispo-conde *, que ao tempo
era D. Joane Mendes de Távora, na igreja paroquial da freguesia de
S. Pedro de Farinha-Pôdre, o ex-cura de Travanca padre João Fer-
nandes.
Registo paroquial não se lavrava. Mais tarde, em 1641, é que o
pároco encomendado João Alves Brandão lavrou por atacado vários
assentos relativos aos meses anteriores, sobre notas incompletas que
conseguiu reunir.
Conclusões a tirar destes factos: — O caso memorando de panca-
daria tinha-se dado antes de setembro. A igreja, que, segundo dis-
semos, comunicava internamente com a residência do prior, achava-se
poluta, cessando portanto ali todos os actos do culto, até se proceder
à sua reconciliação litúrgica. Uma única vez que durante este pe-
ríodo se ministrou na freguesia a um moribundo o sagrado Viático,
certamente não foi trazido da igreja, donde a Eucaristia deve ter sido
removida logo após o desacato sacrílego.
Tendo voltado da sua viagem, o padre Pantaleão já em setembro,
como que às escondidas e quási furtivamente, ia absolvendo e ungindo
' C. S. —Reg. Paroq. de Travanca-de-Farinha-Pôdre, vol. 1, cad. 4, fl. 148 v.°.
- Transcrevemos os assentos lançados por letra do padre João Fernandes no
livro dos óbitos de Travanca :
— «fis dous ofícios era farinha podre pclla alma de Bastiam Vví desta treigesia
por ter licensa do srõ Bispo e morrer em tempo q estaua apresétado por ele».
— «fis dous officios pella alma de d.os frz desta freigesia em farinha podre por
licensa do snr hispo».
— «fis dous officios pella alma de m.ei filho de balthesar frz da portella é fa-
rinha podre por ter licensa».
(C. S. — Reg. pdroq. da Travancã-de- Farinha- Padre, vol. 1, cad. 7, ti. 121).
i86 'Brás Garcia de oMascarenhas
um ou outro moribundo, segundo refere o registo paroquial exarado
mais tarde ; mas por outro lado o padre João Fernandes, que êle ao
partir tinha deixado a paroquiar Travanca, cessara de ser cura, saíra
até da freguesia, mas ia fazendo na vizinha igreja paroquial de S. Pedro
de Farinha-Pòdre os ofícios por alma dos que faleciam em Travanca,
declarando que o fazia porque o falecimento se dera quando ainda
durava a sua apresentação, e por ter licensa do srõ Bispo para isso.
Lançava entretanto no livro dos óbitos de Travanca notas de cum-
primento dos sufrágios, o que nos mostra que ainda conservava em
seu poder este livro do registo paroquial, apesar de confessar que já
não era pároco, e apesar de residir noutra freguesia. Pelo seu lado
o padre João Alves Brandão, querendo depois lavrar os assentos dos
óbitos desses mesmos, sufragados em Farinha-Pôdre mas falecidos e
sepultados em Travanca, viu-se forçado a lançar esses assentos no
livro de registo dos casamentos, por não ter o dos óbitos, que lá
estava em mão do padre Fernandes.
Tudo isto nos revela a confusão e anormalidade que se seguiu à
violência comandada por Brás Garcia.
Aparece-nos alguns meses depois, em 1641, novo presbítero a
paroquiar a igreja de Travanca com o título de encomendado: o
mesmo sacerdote que já em setembro de 1640 andava com o padre
Pantaleão Garcia a ministrar sacramentos aos moribundos, e que,
depois de encomendado, teve a solicitude de lavrar o registo paro-
quial relativo aos meses decorridos desde a saída do padre João
Fernandes. Precisamos de saber quem era aquele novo pároco,
porque a determinação da pessoa projecta bastante luz sobre o caso
que nos ocupa. O padre João Alves Brandão era de Galizes, e a
22 de junho deste mesmo ano havia na Universidade de Coimbra re-
cebido o grau de bacharel em Cânones ', interrompendo, para ir
tomar conta desta igreja, a sua formatura, que só veio concluir com
o respectivo acto a 4 de maio de i()42*. Tinha este eclesiástico re-
lações estreitas de amizade e de próximo parentesco com os Garcias
de Mascarenhas de Avô, e devido a isto se deu ele por suspeito
quando, alguns anos mais tarde, sendo vigário geral em Coimbra,
foi nesta qualidade chamado a julgar um processo, em que era reu
o padre Matias, irmão de Brás Garcia ^. O seu aparecimento pois,
' A. U. — Autos e graus, vol. 32, 1. 1, fl. 45. — « Ibid. 1. 3, fl. 36 v.»
3 Vid. Doe. LXXXV, Libelo apelatório, pág. (Sq), Pr.a 3.
Cap. V — O poeta-Jidalgo de oAvò 187
como encarregado da paroquialidade, mostra que se tinha operado
uma mudança radical. Eram já os Garcias de Mascarenhas que
influíam no governo da igreja de Travanca.
E portanto indubitável que o padre Pantaleão estava reintegrado
no seu benefício, embora não reentrasse na efectividade normal do
cargo senão um ano depois, em 1642. A escolha do padre João Alves
Brandão para encomendado fora já feita por êle.
Em virtude do exposto concluímos: a scena violenta de Travanca
deu-se entre junho e agosto, isto é, no verão de 1Õ40.
Vejamos agora o epílogo do drama.
Foi bem mais satisfatório do que era de esperar.
O intruso, que nunca pude descobrir quem fosse, ou morreu na
briga, ou ficou possuído de tal medo, e tão escarmentado, que
não pensou mais em possuir o pretendido beneficio; e o padre Pan-
taleão, que, estando ausente, fora completamente estranho ao desen-
lace violento, achou-se siibitamente livre de quem lhe contestasse mais
o seu direito, e fácil lhe seria agora obter dos tribunais que lhe reco-
nhecessem a sua justiça.
Nada devem ter sofrido os companheiros que auxiliaram o poeta
na empresa. Juntaram-se e partiram clandestinamente, sem nada
transpirar em Avô; e em Travanca não eram conhecidos. A exis-
tência de cúmplices facilmente se provava ; i mas quem eram eles ?
Naquele tempo havia facilidade em se ocultarem aos olhos vendados
da justiça cousas claríssimas; não seria pois difícil dispor tudo por
forma, que não viesse a identificar-se nenhum dos companheiros de Brás.
Este porem é que pagaria por todos. A responsabilidade era
quási exclusivamente sua. Não podia dissimular, e não dissimulou.
A prudência mandava que, antes de mais nada, se homiziasse ;
e depois, bem escondido, tentaria então organizar a sua defesa.
È o que faz.
Não foge ; mas finge fugir, e esconde-se na própria Pátria, isto
é, na vila de Avô, ou ali próximo.
Poucos meses porém dura o homizio.
Não tarda a raiar o dia i de dezembro. Rebenta em Lisboa a
revolução patriótica, que sacode o jugo castelhano, e aclama rei de
Portugal o duque de Bragança.
i88 'Brás Garcia de oMascarenhas
A noticia ciiega a Avô ao fim duma semana, e Brás Garcia,
deixando o seu esconderijo, corre à capital a pôr a sua espada, já
experimentada, à disposição da causa patriótica.
Passa-se uma esponja sobre o crime de Travanca, e o nosso poeta
principia então uma vida nova.
VI
Capitão e governador
Contra todos os cálculos da gente mais ponderada, triunfou o
brio e audácia dos portugueses, exactamente quando parecia estar
prestes a consumar-se irremediavelmente o plano de D. Gaspar de
Guzman, conde-duque de Clivares, que buscava pretexto para a ane-
xação definitiva de Portugal à coroa de Castela, como simples pro-
víncia daquele reino. Portugal em tal hipótese teria, sob Felipe IV,
a sorte que em tempo de Felipe II coubera ao reino de Aragão.
A tirania esmagadora do poderoso ministro do rei castelhano,
dispondo dos dois secretários de estado de Portugal, Diogo Soares
em Madrid e Miguel de Vasconcelos em Lisboa, se por um lado exa-
cerbava e molestava os espíritos e assim provocava a revolta, por
outro ia destruindo a nação, conculcando os seus direitos, foros e
privilégios, esmagando-lhe sem contemplações os brios, consumin-
do-lhe as energias, esgotando-lhe as riquezas e aniquilando todos os
elementos de vida e resistência que ainda nela restavam.
«Antiguo era el disgusto, diz em sua linguagem elegante o auto-
rizado e insuspeito D. Modesto Lafuente *, tan antiguo como la con-
quista de aquel reino hecha por Felipe II, con que los portugueses
sobrellevaban la perdida de su independência, y su sumisión ai cetro
de los reyes de Castilla. Este disgusto y esta impaciência, natural
en un pueblo con razon orguUoso de haber sabido conquistar su inde-
pendência, de haberla conservado muchos siglos, y de haberse hecho
con ella una grande y respetable potencia, solo hubiera podido tem-
plarse, y andando el tiempo desaparecer, si los monarcas castellanos
y sus gobiernos hubieran sabido con la justicia, con la politica, con la
prudência y con la dulzura, hacer dei pueblo conquistado un pueblo
' História general de Espana, t. xi, pág. 3 ia, Barcelona- iS88.
igo 'Brás Garcia de dMascarenhas
amigo y hermano. Mas ya antes de ahora hemos visto que no fué
este por desgracia el camino que nuestros reyes siguieron. Al fin
Felipe II procuraba encubrir disimulada y artificiosamente ' la opre-
sión en que tenía á los portugueses, y la falta de cumplimiento de
algunas de sus más solemnes promesas. Felipe III habia mirado
con cierto indolente desdén y despego á Portugal: una sola vez estuvo
en aquel reino, y valiera más que no hubiera estado ninguna. La
conducta de Felipe IV y dei ministro Olivares, lejos de ser la que
hubiera convenido para ir borrando las antiguas antipatias de pueblo
á pueblo, lo fué muy á propósito para avivar cuanto más para extin-
guir los ódios entre dos naciones, ambas soberbias, y altivas, paro
conquistadora la una, conquistada la otra, la una opresora y la otra
oprimida. La obra de la unidad ibérica se habia hecho en lo mate-
rial: la unidad moral, la unidad política, la unidad fraternal no se
habia realizado, y cuando esta unión no se realiza, fácil es de augurar
el divorcio de dos pueblos».
Em meio de suas tribulações, o povo português dirigia olhares
esperançosos para o duque de Bragança, em cujas veias corria sangue
dos antigos reis de Portugal. Por vezes foi instado o duque D. João
para que se colocasse à frente duma revolta patriótica contra o do-
mínio castelhano, ou, pelo menos, para que consentisse que o movi-
mento revolucionário tivesse por objectivo o ser colocada na sua
cabeça a coroa de D. Afonso Henriques e de D. João I; mas a pru-
dência calculada e fria do duque não o deixava arriscar as imensas
riquezas da sua casa, a sua liberdade, e quiçás a própria vida, em
tal aventura, que provavelmente descairia em resultado infeliz e trá-
gico.
A revolta popular, que rebentara em Évora no ano de 1Õ37, fora
motivada pela exorbitância dos tributos impostos ilegalmente por
Castela; alastrara pelo Alentejo e pelo Algarve, e ainda tivera eco
em vários outros pontos do país ; mas abortou à falta de chefe e de
condições de êxito. Não foi perfilhada pela nobreza, que chamou
por isso sobre si os ódios e rancores da classe popular; e o duque
de Bragança, a quem se ofereceu com instâncias a coroa, chegando
a ser aclamado rei pela populaça em Vila-Viçosa, declinou a honra, e
apressou-se a protestar a sua fidelidade ao monarca espanhol, no
que foi imitado por muitos fidalgos e por algumas câmaras.
Mas três anos depois as condições haviam mudado bastante. A
Espanha achava-se depauperada, esgotada com as guerras para que
a política nefasta de Olivares impelia aquela rica e nobre nação,
Cap. VI — Capitão e governador igi
obrigando-a a sustentar campanhas ruinosas em Flandres, Itália e
Alemanha, no Roussillon, na Gascunha, na índia, etc. Ultimamente
a sublevação da Catalunha fizera concentrar ali as principais atenções
da corte de Madrid, deixando respirar um pouco mais livremente
Portugal. Vira este perigo o astucioso ministro de Felipe IV, e ex-
cogitara o meio de o conjurar.
A 24 de agosto de 1640 cai em Lisboa de improviso, produzindo
o efeito fulminante do raio, uma ordem, pela qual toda a nobreza de
Portugal era obrigada a comparecer em Madrid, para se incorporar
no séquito do rei, que resolvera ir pessoalmente ao antigo reino ara-
gonês meter na ordem as províncias insubordinadas ; exigiam-se
também grandes levas de tropas, que de Portugal, e à custa desta
nação, marchariam para a Catalunha. Constituía tudo isto uma
exacção violentíssima, que exauria o país, e o deixava qual presa
inerme nas garras do leão espanhol.
Fora especialmente visado o duque de Bragança.
Senhor duma casa opulentíssima, sem dúvida uma das mais ricas
do mundo naquele tempo, com os seus 80:000 vassalos, com as suas
honras, isenções, privilégios e estado mais do que principescos,
quási régios, o duque de Bragança era um pesadelo que pertur-
bava permanentemente o sono do monarca de Espanha, uma con-
stante ameaça à integridade dos seus estados. D. João tinha também
de se apresentar na corte madrilena, para se incorporar no séquito
de D. Felipe ; mas o plano de Olivares era detê-lo apenas pisasse
território castelhano, tirando aos portugueses esta esperança e este
chefe. Já não era a primeira vez que o ministro de Felipe IV pre-
parava uma cilada, para prender o duque brigantino.
Uma acção rápida, que quebrasse as algemas, cada vez mais in-
suportáveis, era pois indispensável. Ou agora, ou nunca. Se as
ordens emanadas de Madrid chegassem a cumprir-se, uu se houvesse
reacção limitada à recusa do seu cumprimento, Portugal seria irre-
mediavelmente riscado do número das nações.
Organiza-se então em grande segredo a conjura, quási unicamente
com elementos da nobreza.
A irreductível teimosia do duque brigantino em não se meter em
tal aventura desconcertava os conspiradores, que, à falta de quem
quisesse ser rei, chegaram a pensar na formação duma república
portuguesa, memorando os exemplos de Veneza, de Génova, da
Holanda ; mas tal solução quebrava as tradições nacionais, e assim
eliminava uma força in\portantíssima, no momento em que todos os
ig2 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
elementos de vitalidade e de resistência eram necessários. Redo-
bram por isso as instâncias junto do duque, e este vem por fim a
ceder perante um dilema, verdadeiro ultimátiim apresentado com
forma interrogativa:
— Se nós proclamarmos uma república portuguesa ^que partido
toma V. Excelência, o de Espanha ou o de Portugal ?
— O da Pátria, responde nobremente, sem hesitações, D. João de
Bragança.
A decisão estava tomada. Mais valia arriscar-se para ser rei,
do que para ser simples cidadão.
Era um sábado, primeiro de dezembro de 1640. O dia amanhe-
cera límpido e formoso, e o sol inundava de luz a velha capital por-
tuguesa.
Pouco faltava para as 9 horas.
No Terreiro do Paço havia um movimento considerável, mas que
não era de estranhar, porque àquela hora costumava o secretário de
estado Miguel de Vasconcelos começar a dar audiência aos preten-
dentes. Numerosos coches iam chegando, trazendo dentro, tranqui-
lamente sentados, fidalgos da principal nobreza do reino. Outros
nobres a cavalo, acompanhados dos seus criados, apareciam ao
mesmo tempo das diversas embocaduras das ruas, e todos eles con-
vergiam para junto da entrada principal do paço real da Ribeira,
onde residia a duquesa de Mántua, regente de Portugal, e o referido
secretário. Algumas pessoas da classe média, bastantes populares,
e ainda um ou outro eclesiástico, tinham também sido atraídos com
pretextos diversos, e estacionavam pelo largo.
Os nobres chegavam e apeavam-se. Uns ficavam por ali conver-
sando, outros entravam logo, e subiam as escadas do paço, juntan-
do-se na sala dos archeiros, onde aguardavam, ao que parecia, que
o poderoso Miguel de Vasconcelos se dignasse de os receber. Quem
via aqueles fidalgos, sossegados e tranquilos, não podia deixar de
acreditar nos seus sentimentos pacíficos. Era a repetição do que
sucedia todos os dias, havendo a notar apenas a circunstância de
hoje ser a concorrência mais crescida do que de costume.
Entre os que ficaram conversando à porta do palácio, conta-
vam-se os- fidalgos Jorge de Melo, António de Melo de Castro, Estê-
vão da Cunha, e o padre Nicolau de Maia.
Cap. VI — Capitão e governador rçS
— ^ Mas o que vimos Jiós aqui fa\er ?, preguntava um dos que
tinham sido chamados, sem se lhe revelar o segredo da conspiração.
— Bem pouco, lhe responde João Pinto Ribeiro com a mais tran-
quila naturalidade ; vimos tirar um rei e pôr outro.
Sôa a primeira badalada das nove horas, e nesse momento
D. Miguel de Almeida, que era um dos que estavam na sala dos
archeiros tudescos, dispara uma pistola.
Era o sinal convencionado.
No mesmo instante cada fidalgo corre a executar o papel que
lhe fora distribuído. Os que ficaram no átrio tomam de surpresa a
guarda, que era de soldados castelhanos, não lhes dando tempo para
se defenderem. Dos que subiram, uns desarmam e seguram os
archeiros que estavam na sala, enquanto outros muitos, vencendo a
resistência de dois guardas tudescos, que faziam sentinela às portas
que davam para os corredores, e dos quais um ficou morto e o outro
ferido, invadem todo o paço.
Entretanto a figura venerável e nobre de D. Miguel de Almeida,
com a sua auréola de cabelos brancos a emoldurar-lhe o rosto, de
espada desembainhada, corria pelo palácio a gritar : — / Liberdade,
portugueses! — Viva el-rei D. João IV! Assoma a uma varanda que
dá para o largo, e dali, cheio de entusiasmo, aclama repetidas vezes
o novo rei de Portugal, sendo as suas vozes correspondidas pela
gente que estacionava no Terreiro do Paço, e que crescia de mo-
mento a momento.
A ex-regente duquesa Margarida, não se faltou com as atenções
e cortesias que lhe eram devidas, depois de se lhe significar de modo
categórico que as suas funções governativas tinham acabado.
Morreram dois portugueses de alta categoria, dos que estavam a
serviço de Castela: — Francisco Soares de Albergaria, corregedor
do cível da cidade, que nos corredores do paço obstinadamente re-
spondia às aclamações patrióticas com vivas a D. Felipe ; e Miguel
de Vasconcelos, o braço odioso de que o conde-duque de Clivares se
servia para esmagar Portugal.
O povo desconhecia o plano, sendo quási inteiramente estranho a
esta primeira explosão da conjura. Foram os nobres que a deli-
ig4 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
nearam e executaram ; mas era de prever que o povo se asso-
ciaria desde logo, atento o ódio rancoroso que tinha aos espanhóis.
Ficara, é verdade, muito molestado e resentido contra os fidalgos,
quando na revolta de Évora se viu abandonado da nobreza ; mas a
classe eclesiástica nos últimos tempos vinha usando largamente da
sua influência sobre o povo, para exaltar nele o brio patriótico, e o
apaixonar na empresa vaga, no sonho levemente esboçado, de sacudir
o jugo estranjeiro. Os sermões ouvidos com religioso acatamento,
como sendo a palavra de Deus, transformavam frequentes vezes o
púlpito em tribuna de propaganda contra as autoridades espanholas,
visadas em alusões bem transparentes e epigramas cruéis, que en-
chiam de satisfação a classe popular, atreita a paixões, e já de si
justamente indignada. Alem disso o clero explorava habilmente no
sentido patriótico as canções proféticas do sapateiro Bandarra, que
davam a restauração para o ano de 40; e tais profecias dimanavam,
assim o criam, da indefectível sciência de Deus, para quem o futuro
é presente, e que por isso não pode errar. Longe de serem estranhos
à conspiração, os jesuítas foram um elemento importante que os pa-
triotas tiveram ao seu lado.
Estava portanto perfeitamente preparado o meio popular, e facil-
mente se previa que, dado o grito de revolta no paço real, a multidão
acudiria de pronto, e secundá-lo hia com entusiasmo delirante.
Foi o que sucedeu.
As primeiras aclamações soltadas da varanda do paço por D. Mi-
guel de Almeida foram correspondidas com vigor pela pouca gente,
menos de cem pessoas, que estacionavam no terreiro; mas quando,
tomado rapidamente o palácio, um grande magote de fidalgos desceu
para se dirigir à câmara municipal, já havia número considerável de
populares, que acudiam de toda a parte atraídos pelos gritos de
triunfo ; correram atrás dos nobres em entusiásticas manifestações.
Em várias partes da cidade, àquela hora, pessoas iniciadas na
conspiração saíram para a rua a vitoriar a restauração de Portugal e
o novo monarca; e alguns dos populares, que tinham sido atraídos
ao Terreiro do Paço, debandaram prontamente a levar a grande nova
a sítios diversos. Desta forma, num abrir e fechar de olhos, em
todos os bairros de Lisboa se aclamava el-rei D. João IV.
Estava funcionando naquela ocasião o senado municipal, sob a
presidência de D. Pedro de Meneses, conde de Cantanhede, que não
fora iniciado no segredo da conspiração. Ao ouvir o grande tumulto
e algazarra que se aproximava, o conde mandou fechar as portas do
Cap. VI — Capitão e governador igS
palácio, receando uma invasão do povo amotinado; mas ao saber
por seus dois filhos o que aquilo era, ordena prontamente que as
portas se abram à onda patriótica.
Entram de roldão os fidalgos e muitos populares.
A frente de todos, empunhando triunfalmente a espada núa, ca-
minha D. Álvaro de Abranches, o herói que com a patente de capitão
muito se distinguira na reconquista da Baía em i625, e que agora
estava nomeado governador e capitão-general de Mazagão, para onde
já teria partido, se não fora o querer-se achar presente a este golpe;
é ele que, metendo a espada na bainha, pega no estandarte da cidade,
e correndo à varanda do paço municipal, ah o desfralda, e aclama
solenemente rei de Portugal o duque de Bragança.
Mas era necessário santificar o acto praticado, revesti-lo da con-
sagração divina.
— l Vamos à Sé! exclama D. Álvaro, sem largar a bandeira.
— [A Sé! A Sé! repetem numerosas vozes.
Levando hasteado à frente o estandarte branco, em cujo centro
destacava bordado um navio, símbolo da cidade e município de Lisboa,
lá vão em ruidosas aclamações a vereação, os fidalgos, a turba-multa
de populares, a caminho da velha catedral.
O arcebispo D. Rodrigo da Cunha, figura veneranda e austera de
sacerdote e de português, fora prevenido poucos dias antes por
D. António de Almada, perto de Sintra, por onde andava em visita
pastoral, de que no próximo sábado seria sacudido o jugo estranjeiro
e aclamado rei português.
— ^ Pois ainda pensais nisso ? pregunta com estranheza o prelado.
— Não só pensamos, mas até já se encontra tudo dejinitivamente
assente. Desejamos a possa presença em Lisboa para nos abençoardes,
e para nos auxiliardes com a vossa autoridade e conselho.
— Lá estarei, e Deus nos proteja.
Chegado o dia, logo ao romper da manhã o virtuoso arcebispo
fora para a Sé, e prostrado ante o altar-mór mergulhara o espírito
em profunda oração.
O arcediago D. Luís da Gama, ao aproximarem-se as g horas,
subiu a uma das torres da catedral, aquela mesma donde séculos
antes, em tempo do mestre de Avis, fora precipitado o arcebispo
parcial dos castelhanos, e ali ficou em observação, com o coração em
ig6 'Brás Garcia de oMascarenhas
sobresalto, os olhos pregados acolá, no paço real, e o ouvido atento
ao menor rumor. Aos primeiros gritos de aclamação não se contêm.
Agarra-se aos badalos, sem querer saber do interdito que então
pesava sobre Lisboa e emudecera os sinos de todas as igrejas, e num
frenesi de delírio toca, repica com toda a força, unindo a voz solene
do bronze sagrado às aclamações dos patriotas.
Acordado do seu êxtase piedoso pelo repique festivo, o arcebispo
ergue-se com o rosto magro e macilento de asceta inundado de lá-
grimas de comoção. Não tarda a ver-se cercado pelos seus cónegos,
pelos seus beneficiados e capelães, começando em breve a chegar por
várias vias notícias positivas dos acontecimentos: — As autoridades
castelhanas depostas, o duque de Bragança aclamado rei de Portugal,
a nobreza e o povo de Lisboa vitoriando pelas ruas a liberdade da
pátria, etc.
D. Rodrigo, assistido do seu clero, rende então graças ao Senhor
Deus das vitórias, e ordena que se organize imediatamente um prés-
tito religioso, para ir ao paço real solenizar e abençoar o grande
acontecimento, e os heróis que nele cooperaram.
Lá saem todos da catedral em vistosa procissão. A cruz metro-
poHtana era, segundo o rito, levada por um capelão adeante do arce-
bispo; velha cruz de prata, com a haste vertical cortada por duas
transversais paralelas, que lhe formavam quatro braços. Uma pe-
quena imagem de Cristo, cravada pelos pés e pelas mãos, estirava o
corpo esguio ao longo da cruz, ficando o rosto do crucifixo voltado,
não para a frente da procissão, mas para trás, para o arcebispo, e
para o povo que o seguia.
Ao transporem o limiar da Sé, já se ouvia perto o tumultuar de
grande multidão, com a qual se toparam pouco abaixo, junto da
igreja de Santo António. Era a câmara, com os nobres e os popu-
lares que a acompanhavam, que num delírio de vivas e aclamações,
trazendo à frente D. Álvaro de Abranches com a bandeira desenro-
lada, se dirigiam à catedral a tomarem a bênção do prelado, e a
rogarem-lhe que viesse assumir o governo da nação, enquanto o rei
não chegava a Lisboa. Trocadas e repetidas com entusiasmo novas
saudações, encorporaram-se no préstito religioso para irem todos ao
paço real.
A procissão começa de novo a mover-se. Mas neste momento
um brado ingente retumba pela multidão: — j Milagre !
— l Alilagi^e ! repetem uma e outra vez milhares de vozes. E a
grande massa de crentes, exaltados pelo entusiasmo, animados pela
Cap. VI — Capitão e governador igj
fé e pelo patriotismo, caem de joelhos com os olhos e braços erguidos
para a cruz metropolitana, que o capelão do arcebispo conservava
alçada. O po\o, a clerezia, os cónegos, os fidalgos, com os sem-
blantes iluminados pelo fogo da crença, pela alucinação religiosa e
patriótica, com o espanto próprio de quem supõe ter surpreendido e
tateado o sobre-natural, de quem julga haver-se posto em contacto
directo com o mundo do mistério, continuavam repetindo: — j Mila-
gre ! j milagre !
l Que sucedera ?
Cousa bem simples e natural, que, nas circunstâncias particularís-
simas em que se deu, foi reputada miraculosa.
Com o movimento rítmico do andar do capelão, a imagem de
Cristo pregada na velha cruz metropolitana ia estremecendo e osci-
lando, por estarem muito mal seguros os pregos que a cravavam. No
encontro com a multidão, que vinha da câmara, os movimentos foram
mais fortes, mais sacudidos, e um dos cravos, o que segurava a mão
direita da imagem, saltou fora. Ficou o cruxifixo preso apenas por
dois pregos, o da mão esquerda e o dos pés, também muito lassos.
Nestas condições o movimento oscilatório da cruz fazia com que a
figura de Cristo se deslocasse ; o braço direito, que estava livre, afas-
tava-se da cruz, para em seguida se lhe encostar de novo, e outra
vez se afastar, descrevendo assim repetidos arcos de círculo.
— Foi Nosso Senhor que miraculosamente despregou o braço,
para abençoar o que se fe\, pensava a multidão ; e daqui o seu pasmo
e exclamações, o seu entusiasmo.
E o capelão, erguendo a cabeça, queria também observar o mi-
lagre ; e a cruz mais lhe oscilava nas mãos, e Cristo com a dextra
aberta, abençoava, abençoava sem descanso os bons e leais portu-
gueses, o seu povo escolhido e privilegiado, que no escudo trazia
estampadas como devisa as chagas da sua paixão.
Tem-se modernamente alcunhado de embuste, comédia ensaiada
pelos padres, o tão celebrado caso do braço se soltar da cruz. Nada
disso. Acaso, mero acaso, e nada mais. A crença e ingenuidade,
juntas com o entusiasmo do momento, é que deram interpretação
sobrenatural a facto tão simples '. E certo porém que tal aconteci-
' É inegável que este facto natural foi bem aproveitado e explorado como ver-
dadeiro milagre, para erguer o espírito patriótico dos portugueses, e para lá fora,
especialmente em Roma, inclinar os ânimos ao reconhecimento de D. João IV como
legítimo rei de Portugal. — D. António de Sousa Macedo na sua Lusitânia literata^
i3
ig8 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
mento, patenteando aos ollios de todos, por forma tão clara, que
Deus aprovava a acção que se praticara, fez brotar nos corações a
confiança firme de que a causa patriótica não podia deixar de triunfar
com o manifesto auxílio divino.
— l Si Deus pro nobis, quis contra nos ?
Bastava a divulgação de tal caso pela cidade e por todo o país,
para acabar com hesitações e receios, para reunir em volta do lábaro
sacrosanto da pátria restaurada quási todos os portugueses.
Proclamada a realeza do duque de Bragança no paço real e na
casa do senado, e victoriada nas ruas e praças da capital, estava dado
o primeiro passo para a restauração; nada mais.
Lá se mantinham o castelo de S. Jorge, as torres de Belém, da
Cabêça-Sêca, de Santo António, e a Torre-Velha, com guarnições
espanholas, garantindo o fracasso rápido do movimento revolucio-
nário lisboeta. Bastava o castelo, bem municiado como se achava,
para impor silêncio com a voz potente das suas peças à cidade amo-
tinada ; e depois os soldados da sua guarnição, fazendo uma sortida
à baixa, congregariam e atrairiam a si os numerosos espanhóis que
havia em Lisboa, e deste modo se organizaria uma forte reacção,
que sem dificuldade esmagaria os conjurados.
Mas tal não sucedeu. A boa fortuna auxiliava assombrosamente
a audácia dos revolucionários.
livro publicado com este segundo intuito principalmente, descreve o milagre
com grande aparato scénico e maior entono retórico (Op. cit., pág. Syo e s.) ; mas
outros escritores menos apaixonados e mais/sinceros contam o caso como se passou
realmente, e fazem consistir o milagre apenas em o facto se ter passado naquele
momento oportuno, parecendo que não foi casual, mas providencial. — Transcre-
vemos aqui, como exemplo, a narrativa de D. Luís de Meneses, conde da Ericeira,
na sua História de Portugal restaurado (t. i, pág. 1 1 1) : — «... e quando baixava
defronte da Igreja de Santo António, pouco distante da Sé, gritou o Povo, que
huma Imagem de prata de Cristo crucificado, que levava hum Capellão, a quem
tocava, diante do Arcebispo, despregara o braço direito ; as felicidades de Portugal,
e a justiça daquella acção podem persuadir que seria milagre ; se succedeo acaso,
foy pela occasião muito mysterioso. Gritou o Povo prostrado por terra que era
milagre, e todos cobrarão invencível confiança de que Deos approvava a gloriosa
deliberação dos confederados. Persuadidos de tão grande incentivo, não soavaõ
em toda a Cidade mais que vivas e acclamaçoens ao novo Príncipe, valeroso Author
da liberdade da Pátria».
Cap. VI — Capitão e governador igg
Go\ern;u'a u castelo de S. Jorge o capitão D. Luis dei Campo,
militar acanhado e bastante assustadiço, que ao ouvir o vozear do
povo se atarantou, sem atinar com o que deveria fazer.
Vivia então preso no castelo Matias de Albuquerque, o futuro
conde de Alegrete, já nosso conhecido da campanha no Brasil contra
os holandeses, onde procedera como um herói na defesa de Pernam-
buco, serviços que a calúnia denegrira a ponto de serem pagos com
mfamíssima prisão. A vista da inépcia do governador, foi êle, um
prisioneiro, que, supondo tratar-se dum motim popular doutra natu-
reza, garantiu a defesa do castelo, mandando fechar as portas, tocar
a reunir, assestar as peças, etc.
Felizmente que nesta ocasião chegou um emissário, trazendo ao
governador uma ordem da duquesa regente, a proibir-lhe que fizesse
qualquer demonstração hostil, houvesse o que houvesse.
Fora D. Antão de Almada que fizera assinar tal ordem.
Matias de Albuquerque falou com o emissário, e por êle soube que
não se tratava dum simples motim popular, mas que rebentara a
revolução patriótica. Recolheu-se por isso logo, aguardando os acon-
tecimentos com o coração palpitante de esperança e de ansiedade.
No dia seguinte, domingo, pela tarde, D. Álvaro de Abranches
com outros dois fidalgos vieram apresentar a D. Luís dei Campo
segunda ordem da duquesa Margarida, a mandar-lhe que entregasse
o castelo. Entregou-o depois de leve hesitação.
Apossaram-se em seguida os patriotas, por idêntico processo,
das torres e fortes de Lisboa, e do castelo de Almada. Só a torre
de S. Gião, ou de S. Julião como hoje dizemos, ficou ainda por
alguns dias guarnecida platonicamente pela guarda espanhola. A
capital do reino, quási sem resistência, reconhecia por monarca a
D. João IV; e uma junta provisória constituída pelos arcebispos de
Braga e de Lisboa, assistida dum conselho composto de D. Pedro de
Meneses conde de Cantanhede, D. Miguel de Almeida e D. Antão
de Almada, estava ao leme da governança, e comunicava oficialmente
às províncias a restauração de Portugal.
A notícia espalhou-se rapidamente pelo país, e foi recebida quási
em toda a parte com grandes demonstrações de alegria.
Poucos castelos opuseram resistência, que nesses mesmos cessou
em breve. Ultima a render-se em todo o continente de Portugal foi
200 'Brás Garcia de oMascarenhas
a tôrre de S. Julião da Barra, que só a 12 de dezembro se franqueou
aos patriotas portugueses.
A Coimbra chegou a noticia oficial com a carta dos governadores
do reino na tarde de quarta feira, 5 de dezembro ', e houve imediata-
mente manifestações de regozijo da parte dos estudantes. No dia
seguinte logo pela manhã juntou-se grande número de académicos no
páteo da Universidade, donde desceram, capitaneados pelo doutor
João André de Almada, à casa da relação ou da câmara municipal,
que ainda hoje existe sobre o arco de Almedina, e ali fizeram compa-
recer os vereadores, a quem exigiram em altos gritos a aclamação
imediata do novo rei português.
Perante o entusiasmo dos rapazes, i que haviam de fazer os bons
dos vereadores ?
O juiz dos órfãos Luís Ferraz Velho empunhou o estandarte da
cidade, e montado a cavalo gritou: — 1 Real, real, por el-rei D. João IV
de Portugal! — palavras que milhares de bocas logo repetiram em coro.
Foram em grande multidão, vitoriando sempre, até ao templo do
mosteiro de Santa Cruz.
Entrando ali, deparou-se-lhes um espectáculo lúgubre. A igreja
vestida de crepes. O prior-geral D. Miguel de S.'° Agostinho, sen-
tado na sua grande cadeira ao lado do altar-mór, de mitra branca
de linho na cabeça, revestido de tunicela e dalmática de seda, casula
e gremial de veludo, tudo de côr negra, cercado de cónegos regrantes
ornados de dalmáticas e pluviais também pretos, pontificava em umas
solenes exéquias. Era o 455." aniversário do falecimento do grande
D. Afonso Henriques. \ Coincidência notável I — ; Juntava-se a festa
da restauração da nação portuguesa com a comemoração do passa-
mento do herói que a fundara !
A missa ia pouco adeantada. Cantava o coro as palavras do Gra-
dual— In memoria aeterna erit jiistus, ab auditione mala non timehit
-^quando a turba ruidosa e entusiástica, com o estandarte municipal
à frente, irrompe pela igreja dentro. Chegado a meio da capela-mór,
Luís Ferraz Velho expande mais uma vez a signa de brocado branco
onde se via bordado o escudo de Coimbra, e inclinando-a em conti-
nência perante o túmulo de D. Afonso Henriques, repete as palavras
rituais das régias aclamações, a que faz eco em brado ingente e uní-
sono a multidão, à qual se associam os frades, que haviam suspendido
' Na estampa fronteira se dá o fac-símile desta carta dirigida pelos gover-
nadores do reino ao reitor da Universidade. (A.U. — Provisões, vol. 111, fl. 44).
A^„...^^^í',..^.^l
í'trft--^ítv<
«T-T /'>fv^>>:--C^
Cap. VI— Capitão e governador 201
os cantos litúrgicos. A missa parara lambem, e o D. Prior, substi-
tuídos os paramentos pretos por um rico pluvial branco, a mitra
simples pela preciosa, empunhando na mão esquerda o báculo pasto-
ral, desce majestoso os degraus do seu sólio, erguendo a dextra,
ornada pelo anel prelatício, num gesto hierático, a traçar sobre os
fieis lentamente cruzes de bênção. Estaciona em frente do altar, e
com voz trémula de comoção principia então o hino gratulatório: —
Te Deum laudamus.
Quando se passavam estes acontecimentos, acha\'a-se Brás Garcia
escondido em Avô ou nas proximidades, para evitar a prestação de
sérias contas à justiça, pelo grande crime praticado em Travanca-de-
Farinha-Pôdre *.
De Coimbra a notícia propaga-se com extrema rapidez à Beira
e chega logo ao esconderijo do nosso poeta, que sai imediatamente,
e parte à pressa para Lisboa, como êle próprio refere:
Em quanto retirado a causa provo,
Se restaurão com súbito estampido
Reyno antigo, & legitimo Rey novo
Em Querubico trono prometido.
Agoas involtas saõ voltas de Povo,
A que sabe todo Rèo, peyxe escondido ;
Logo sahí da Pátria pêra a Corte,
Onde o caso passava desta sorte 2.
E conta nas estâncias seguintes como se realizou a restauração.
Brás Garcia chegou a Lisboa poucos dias depois da entrada de
D. João IV na capital. Já assistiu à pomposíssima cerimónia do ju-
ramento del-rei, acto que se realizou em magnificente pavilhão no
Terreiro do Paço, no sábado i5 de dezembro; e quando, fremente de
entusiasmo e comoção, viu nesta cerimónia Fernão Teles de Meneses,
que exercia as funções de alferes-mór do reino, desenrolar o estan-
darte régio, e aclamar três vezes — Real, real, por D. João IV, Rei
' Veja-se a narrativa de páginas 182 e seguintes.
2 V. T. XV, 70.
202 'Brás Garcia de óMascareiíhas
de Portugal! — bum longe estava de imaginar ciue, volvido apenas
ano e meio, esse mesmo homem havia de ter na vida dele poeta um
influxo nefasto e bem pouco simpático!
Fácil foi ao nosso herói encontrar na capital quem o apresentasse
ao monarca, pois entre os próprios chefes da revolução tinha amigos
velhos, oficiais a cujo lado combatera no Brasil; bastará especializar,
entre todos, a D. Álvaro de Abranches da Câmara, que, desde o dia
2 de dezembro, estava governando o castelo de S. Jorge, enquanto
não chegasse o conde de Monsanto, que por antigo direito de família
era o alcaide-mór de Lisboa. Matias de Albuquerque, que fora
comandante de Brás na defesa de Pernambuco, assim como outros
nobres da corte seus conhecidos, podiam igualmente prestar-lhe este
serviço.
No espírito do nosso poeta ficou desde então, para sempre, gra-
vada uma profunda impressão de respeito, de admiração, de amor
pela pessoa de D. João IV *. Teve ocasião de observar
Quã grande coração arde no peyto
Do grã Duque , ^
ja exalçado ao trono de Portugal; e apesar de não assistir às festas,
que se fizeram em Lisboa após a sua chegada de Vila-Viçosa, na
quinta feira 6 de dezembro, é certo que Brás se encheu de entusiasmo
ao descreverem-lhas, sentindo impressões semelhantes às que teria se
a elas fosse presente.
Com lingoas de Vulcano o mar o acclama,
A terra com mil vivas o apposenta
Dentro dos corações, que amor inflama
Na gozada presença, que os alenta.
Publica-se por Pay, filhos os chama,
Preeminência que só goza, & sustenta
O Luso Império, que outro não gozara.
Se o legitimo Pay lhe não faltara '.
Se em tempo de Gentios florecera,
Adorado por Deos em vida fora.
Pois a Christã Nação, que recupera,
1 O retrato de D. João IV, que se vê na fronteira estampa, é reprodução duma
gravura que se encontra à frente da Lusitânia literata, e que se imprimiu em outras
publicações da época. Foi desenhado em 1644, quando o monarca contava 40 anos
de idade.
2 V. T. XV, 82. — 5 V.T. XV, 95.
^ ®M md ostcmijui ^mfe^Mí (uitmim.
i'l^íU-^%' cy^«-^^
Cap. VI — Capitão e governador 2o3
Faz em parte esquecer do Deos, que adora.
Com espécie Gentílica o venera
Todo o Viandante, que se encontra fóra,
Que em vez de «Deos vos salve», dizem — «Viva
El Rey Dom João, que a Pátria descativa» *.
Fizera-se felizmente a revolução que depôs do trono de Portugal
a Felipe IV, e nele colocou o duque de Bragança ; mas a restauração
da nacionalidade portuguesa não passava ainda dum desideratiim a
realizar. ; E que requintes de cuidado, de tino, de finura, que extre-
mos de prudência, firmeza e energia não demandava o governo nesses
primeiros tempos, em que era necessário organizar todos os serviços,
aproveitar todas as forças, conjurar os numerosíssimos perigos que
surgiam a cada passo, cuidar da defesa interna e externa do país !
Mas a tudo se vai atendendo com admirável acerto e enorme for-
tuna.
São convocadas para o dia 28 de janeiro imediato cortes gerais,
a fim de legalizarem e sancionarem a nova ordem de coisas, e para
nelas se adoptarem as medidas exigidas pelas circunstâncias de oca-
sião ; mas ao mesmo tempo vai-se tratando dos assuntos mais ur-
gentes, qual o de organizar o exército, pois Portugal estava sem
soldados, sem armas, sem munições, sem dinheiro.
Grande número de nobres andavam sistematicamente afastados
pelo governo madrileno ; uns recolhidos às suas casas na província,
outros a lidarem pelo estranjeiro, na Espanha, em Flandres, na Itália,
para onde haviam sido arremessados pelo leão castelhano. Muitos
deles, apenas tiveram conhecimento da aclamação do duque de Bra-
gança, vieram convergindo para Lisboa, a apresentarem-se ao novo
monarca; alguns porém houve que se passaram para Madrid, pondo-se
ao serviço de D. Felipe ^.
1 V. T. XV, 98.
2 Houve desde o primeiro momento da restauração, tanto por parte dos pa-
triotas revolucionários como por parte do próprio rei, todo o cuidado e empenho
em atrair não só os portugueses que andavam mal vistos por Castela, mas ainda
aqueles que haviam caído em graça a D. Felipe e aos seus ministros, de quem
tinham recebido mercês. Os exemplos são numerosos. A carta régia, que aqui
se reproduz, mostra-nos que, apesar das altas mercês recebidas da corte de Madrid
por Manuel de Saldanha, reitor da Universidade de Coimbra, e que deviam torná-lo
204 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Estabeleceu-se desde logo junto do monarca português, para tratar
dos assuntos militares, um tribunal especial, o Conselho de Guerra,
que tinha por missão estudar e discutir as matérias da sua compe-
tência, apresentando as suas consultas a el-rei.
Foi de opinião este conselho, desde o princípio, que se nomeasse
logo toda a oficialidade necessária, e que esta tratasse em seguida de
fazer levas de gente, organizando-se assim rapidamente o exército.
Chegou até a apresentar uma longa lista de pessoas, que deviam ser
nomeadas para os cargos e postos militares. Os generais coman-
dantes já haviam sido escolhidos, por isso a lista abrangia agora os
mestres-de-campo, os sargentos-móres e os capitães tanto de cava-
laria como de infantaria. Acompanhavam essa lista as respectivas
patentes, para serem assinadas pelo rei.
Mas D. João IV recusa-se a assinar os diplomas e manda advertir
ao conselho que haiíerá m.'°' fidalgos, pessoas nobres, e soldados, q
militarão no Brasil, que folguem de seruir a sua custa, esperando
que ele monarca os premie e lhes faça merçe por outros meos. Esta
resolução é comunicada ao conselho, que dela toma conhecimento a
23 de dezembro ; e insiste na necessidade que há de serem nomeados
imediatamente os oficiais propostos, q ainda assy não enchem o n.° da
dot tacão de cada exercito, e jicão hua grão parte de lugares que
prouer aos generais nas pessoas dignas q acharem nas Prou."^ q vão
gouernar . . . para de aqui se lhes enuiarem suas patentes, e supposto
q as q vão a assinar a V. Alg.'''' digão que hão de hauer o soldo que
lhes pertence, he st ih e calidade có q se honrão as pessoas a q se dão
as ditías patentes q não obrigão a V. Mg.''^ a mais que ao q for pos-
siuel conforme ao estado presente. Responde el-rei em data de 29
do mesmo dezembro, que por agora, ate ver o numero de gente q se
poderá leuantar no Reino, e adondc conuira accudir primeiro com
ella, se pode dilatar o prouimento de tantos ojjiciais, como ha de
hauer em três exércitos, e a grande despesa que será forçoso fa\er
com elles, consumindo o cabedal q se ha de hauer mister para ao
diante; e ordena ao conselho que proponha de novo alguns nomes,
para deles escolher até do'{e Capitães, q se enuiem a differentes lugares
a leuantar gente, devendo nessa proposta especificar-se per maior os
seruiços e partes de cada hum *.
suspeitoso a D. João IV, este o acarinha, e o confirma naquele cargo, para que
fora nomeado por D. Felipe. (A.U. — Provisões, vol. iii, fl. 46).
1 7.1, — Consultas do Conselho de Guerra, maço 1, n." 12; — cf. Doe. XXXVII.
Cap. VI — Capitão e governador 20S
A proposta l'ez-se, em conformidade com o mandato régio, e nela
ia incluído o nome de Brás Garcia de Mascarenhas para capitão de
infantaria do exército da Beira. E pena que se tenha extraviado
este documento, porque dele constavam certamente os serviços mili-
tares prestados pelo poeta no Brasil, e o valor desses serviços; mas
apesar de todos os esforços que eu, e antes de mim os sfirs. general
Brito Rebelo e Pedro de Azevedo, empregamos a buscá-lo na Torre
do Tombo, tal documento não apareceu, mas apenas referências a
ele.
As fronteiras de Portugal foram divididas em partidos, em secções
se diria em linguagem moderna, nomeando-se para o comando ou
governo desses partidos os cabos de guerra de mais experiência e
valor que então havia.
Para o da Beira, que é o que agora mais nos interessa, foi pri-
meiramente nomeado D. Fernando de Mascarenhas, conde da Torre *,
que nos hns de iG38 partira de Lisboa como capitão-general da
armada portuguesa, que ia para expulsar os holandeses de Pernam-
buco, levando patente de governador do Brasil. No regresso, em
1640, encontrou uma ordem de prisão contra si, passada pelo governo
castelhano, e foi internado na torre de S. Julião, perdido o titulo e
todas as mercês anteriormente recebidas. A êle, que ainda ali se
conservava preso em dezembro, se deve a resolução tomada pelo
governador da fortaleza, tenente D. Fernando de la Cueva, de a
entregar ao fim de mais duma semana de resistência, no dia 12 deste
mês.
Em conselho de guerra, a 25 de dezembro, lembra-se a el-rei a
conveniência de recomendar ao conde que com toda a brevidade
parta para a Beira, a dispor o modo de defesa daquela província.
Responde D. João IV, a 8 de janeiro de 1641, que já lhe dera essa
ordem ; mas, como as distâncias são grandes, determina que os lu-
gares da comarca de Castelo-Branco sejam confiados a D. Fernando
de Meneses (conde da Ericeira), com o título de general, e os das
outras comarcas ao conde da Torre -. Mas esta ordem não chegou
a cumprir-se. A i5 de janeiro é nomeado capitão-general de todas
1 T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, maço i, n." 17.
» Ibid.
2o6 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
as comarcas da Beira c dos seus exércitos, que iam formar-se,
D. Álvaro de Abranches da Câmara '.
Trata-se em seguida de organizar os terços e formar as compa-
nhias, começando por nomear a sua oficialidade, de acordo certamente
com o general.
No dia 24 do mesmo mês de janeiro foram nomeados capitães de
infantaria : — Brás Garcia de Mascarenhas -, Duarte de Miranda
Henriques, António da Gama de Vasconcelos, Manuel Teixeira Ho-
mem, Rui Teles de Meneses, Marco António de Azevedo, Manuel
da Gama, Francisco do Rego, João Fialho, António de Andrade
Gamboa, D. Marcos da Câmara, Leonardo Freire Baracho, André
de Azevedo; e capitães de cavalaria: — Rui Tavares de Brito e Diogo
de Tovar ^.
A 25 saíram nomeados sargentos-móres dos terços, que se man-
daram formar na Beira, Belchior Lobato da Costa, Pedro da Vide
Fortes, Rodrigo Soares Pantoja e Fernão Teles Cotão*; e ajudantes,
a 26, Valentim de Azevedo e António Cerveira Telo ^.
Não ficaram por aqui as nomeações de oficiais para o exército
da Beira. A 2q é passada patente de mestre-de-campo-general ao
sargento-mór Manuel Lopes Brandão^; a João de Saldanha, fidalgo
da C. R-, de tenente-general de cavalaria^; e a Cristóvão de Sá de
Mendonça de confirmação do posto de capitão de cavalos da comarca
da Guarda, para que o havia nomeado o coronel das comarcas da
Beira, Diogo de Mendonça Furtado '^.
Alguns destes oficiais não chegaram a exercer os seus postos,
sendo desde logo substituidos por outros, por motivos que não posso
determinar.
*
O general D. Álvaro de Abranches partiu de Lisboa ao expirar
o mês de janeiro, e trouxe consigo os seus oficiais, cujo quadro defi-
nitivo transcrevo do livro publicado em Lisboa em 1644 com o título
— Snccessos íiiiliiares das armas portuguesas em suas fronteiras de-
pois da Real acclamação contra Castella. Com a geografia das Pro-
1 Doe. XXXVIII. —2 Doe. XXXIX.
í Notas colhidas na Torre do Tombo, nos registos do Livro i da Secretaria do
Conselho de Guerra, pelo sr. general Brito Rebelo.
* T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, I. i, fl. 24 e 24 v.».
s Ibid. fl. 25 V.». — 6 Ibid. — ' Ibid. — » Ibid. fl. 26.
Cap. VI — Capitão e governador 20'j
uincias, & nobre:{a delias. A ElRey Nosso Senhor. Pelo Doutor
loÂo Salgado de Araújo Abbade de Pêra. E muito interessante e
cheio de noticias fidedignas este livro, ao qual recorrerei muitas
vezes no deslisar do presente capítulo. Nele se encontram narrados
vários feitos do nosso poeta na campanha da Beira, referências essas
que teem para nós valor muito especial, pois foram lidas pelo próprio
Brás Garcia, que implicitamente as confirmou no grande elogio que
fez ao autor da obra, a quem cognominou Tito Lívio desta idade.
A Beyra a deve ' às letras, vigilância,
Raro ingenho, & perícia veterana
Do Doutor João Salgado, digno Abbade
De Pêra, Tito Livio desta idade ^.
O quadro completo da oficialidade que D. Álvaro de Abranches
trouxe de Lisboa é, segundo a relação do dr. João Salgado ^, o se-
guinte :
- — Mestre- de-campo-general : Vago.
— Tenentes-generais : João de Saldanha de Sousa, da cavalaria;
Manuel Lopes Brandão, da infantaria.
^Sargentos-móres : Belchior Lobato da Costa, Fernão Teles Co-
tão, Pedro da Vide Fortes, Rodrigo Soares Pantoja.
— Capitães de cavalaria: Rui Tavares de Brito, Diogo de Tovar,
Brás do Amaral Pimentel, Cristóvão de Afonseca Cardoso, Cristóvão
de Sá de Mendonça.
— Capitães de infantaria: Brás Garcia de Mascarenhas, Manuel
Teixeira Homem, D. Marcos da Câmara, João Fialho, Victório Za-
galo, Marco António de Azevedo, António da Gama, André de Aze-
vedo, Miguel Alvares Galvão, João Correia de Sousa, Francisco do
Rego, António de Andrade de Gamboa, Luís da Cunha.
A este quadro ainda foram adicionados, depois da chegada do
general à Beira, os capitães seguintes:
Damião Botelho, Estêvão de Nápoles, António de Saldanha, Diogo
de Brito, Jerónimo Botelho Rangel, António de Albuquerque.
' A Beira deve a cidade de Numància ao dr. João Salgado, que a fl. 1 10 e segg.
do referido livro procurou demonstrar, com grande aparato de erudição, que aquela
cidade fora situada não longe do rio Douro, em Namão ou Numão, meia légua a
levante de Freixo de Numão.
2 V. T. v, 14,
' Successos mililares, fl. 11 5.
'Brás Garcia de oMascarenhas
No dia 5 de fevereiro chegou a Coimbra D. Álvaro de Abranches
com os seus oficiais; daU partiram sem demora para Viseu', donde
seguiram para Trancoso '■'. Nesta vila consagraram com uma campa
comemorativa a memória do sapateiro-profeta Gonçalo Anes Ban-
darra, cujo nome, vinculado às canções que lhe eram atribuídas,
contribuiu muito para a preparação do movimento restaurador.
De Trancoso passaram a Pinhel, que naquela época do ano era
excessivamente nevoento e frio ; lá admiraram duas monstruosas
peças de artilharia, de bronze, que constituíam uma notabilidade
daquela praça, tão grandes, que um homem podia entrar por elas,
inclinando-se apenas.
Em Pinhel estacionou algum tempo o general, de.spedindo de lá
os seus capitães de cavalaria e de infantaria, a fazerem levas por
várias partes; e entretanto foi aproveitando o tempo a ordenar a
reparação dos meios de defesa da cidade e do castelo. Recebeu
aqui a visita de numerosas pessoas da primeira nobreza da Beira,
que se lhe vieram oferecer para se alistarem como voluntários no
exército.
Vai depois a Almeida, praça de grande importância para a defesa
desta província. Fronteira a Ciudad-Rodrigo, é uma sentinela que
' A carta, que acompanha esta página, abrange a região das fronteiras portu-
guesa e espanhola compreendida entre os rios Douro e Tejo. O traço vermelho
indica a raia de Espanha.
2 Abstenho-me nesta narrativa de apresentar muitas citações de fontes, para
evitar que ela se torne impertinentemente fastidiosa. Direi apenas, de maneira
geral, que as notícias dos factos narrados são colhidas, já nas relações impressas
que, como folhas volantes, saíram em grande quantidade à medida que os sucessos
da guerra se iam desenrolando, já em livros que foram sucessivamente aparecendo,
entre os quais mencionarei, a título de exemplo, os seguintes :
— Dr. João Salgado de Aralijo, Successos militares etc , já citado;
— D. António DE Sousa Macedo, Lusitânia hberata, já indicado também;
— D. Luís DE Meneses, conde da Ericeira, Historia de Portugal restaurado,
idem;
— Faria e Sousa, Epitome de Historias portuguesas;
— Passarello, Bellum Lusitanum, ejusque regni separatio;
1 — Seyner, Historia dei Levantamiento de Portugal ;
— Rodrigo Cabral (tradutor) — Relação politica das mais particulares acções
do conde-duque de Olivares.
A/
Unharas QUABDA f
^e/'fictite '^ ■ — ^-7
Castelo Bo"i
■e/ lie da
vede
Aia tiie\
CIWADBOBSl
® GO
• Cai
Âldea. VelhcL^
ildecLdoBijpt/^
lotos á^NaacLsTi-toíi ^.
ÍE/j
y'"^
fgyc
V
t//o eófl/zi
Mvca « í« raj
Escal a. 1 ". 75o. o o o
Cap. VI — Capitão e governador zog
vigia um dos passos mais acomodados à entrada dos castelhanos. A
fortaleza, com as suas torres e castelo, com os seus reductos, portas
e pontes levadiças, encontrava-se em péssimo estado, parte em ruínas,
parte oferecendo mas condições de defesa. Viu a gente da Beira a
importância desta praça; e apenas tiveram conhecimento da notícia
da restauração, bastantes pessoas da nobreza e do povo, umas de
Pinhel, outras de várias terras da região, correram a Almeida, e
auxiliaram muito o alcaide-mór D. Francisco de Lemos Ramiro nas
reparações urgentes a fazer, e bem assim nos cuidados de guarnição
e defesa.
D. Álvaro, à sua chegada, encontrou toda essa gente a trabalhar
com grande diligência, embora com falta de método, pois a dedi-
cação patriótica e bôa vontade, que superabundava, não supria a
falta de experiência e de conhecimentos técnicos, que escasseavam
em todos.
Dizia-se, ignoro o fundamento, que na Guarda e em Pinhel, assim
como em Almeida e Sabugal, havia pessoas, algumas da própria
oficialidade da guarnição daquelas praças, que mereciam pouca con-
fiança. Em trato íntimo e quotidiano com os vizinhos espanhóis,
tendo interesses que os vinculavam ao anterior estado de cousas,
confiando mui pouco na estabilidade da restauração, essas pessoas,
no dizer das denúncias, mantinham inteligências com os agentes de
Diogo Soares, que, segundo vimos, fora secretário de estado de Por-
tugal em Madrid. Eram portugueses perigosos, pois estavam ocul-
tamente a serviço de Castela, e aguardavam ocasião, segundo corria,
para darem entrada por aquelas praças ás tropas espanholas.
Mal havia partido de Lisboa D. Álvaro de Abranches, quando el-
rei recebe comunicações confidenciais deste facto grave. Escreve em
data de 17 de fevereiro uma carta ao general enviando-lhe três papeis
com revelações e deniincias, e recomendando-lhe todo o cuidado e vi-
gilância sobre certos indivíduos, nominalmente designados nesses
papeis •.
,; Que fazer ? Dissimular, estar atento, e ir pouco a pouco sub-
stituindo o pessoal dessas guarnições por outro de maior confiança.
Era para isso necessário deixar recolher os capitães com as levas
1 T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. i, fl. 35; — cf. fl. 3i v,°,
'4
210 ^rás Garcia de ^Mascarenhas
que lhes mandou fazer; teria depois gente capaz, a quem incumbisse
de comissões as mais graves e melindrosas.
Estava o general em Almeida, havia apenas alguns dias, e eis
que inesperadamente se lhe apresenta o capitão Brás Garcia de Mas-
carenhas á frente duma companhia de i83 soldados; ; mas que sol-
dados ! valentes, desempenados e muito bem postos, os mais deles
gente nobre, & todos luzidos e alentados •.
; Havia decorrido um mês somente desde que D. Álvaro o des-
pedira de Pinhel com a incumbência de levantar a companhia ! Foi
de todos os capitães o primeiro a apresentar-se, e certamente nenhum
outro conseguiria organizar uma companhia equiparável a esta.
0 general, que se achava ansioso pelo regresso dos capitães,
ficou satisfeitíssimo, e abraçou com entusiasmo o seu amigo e subor-
dinado.
1 Como conseguira o nosso capitão realizar este milagre de le-
vantar num mês, e apresentar disciplinada, uma companhia tão aguer-
rida e tão luzida ? Pondo em prol desta empresa todo o seu entu-
siasmo patriótico, toda a sua eloquência, todo o seu enorme poder de
sugestão. Bate à porta de todas as famílias suas parentas ou das
suas relações, fala, roga, insiste, discute, exalta-se, persuade, ameaça,
descompõe, e por fim arrasta muitos após si à defesa da pátria.
Escutêmo-lo a discorrer em verso sobre o mesmo tema, que
desenvolvia nessas discussões de propaganda.
Todo Luso Varão de posto, & fama,
Se achou nesta batalha, & mostrou nella
Todo o valor, & brio; que quem ama
O bem da Pátria, acode a defendela.
Quem repousar se deyxa em branda cama,
Em quanto, o que a defende, em campo vela,
Sem à Fronteyra ir cedo, nem tarde,
Ou Castelhano hè, ou hè covarde.
Nem todos podem ir, que muytos ficão
De muy licitas causas embargados;
Nem quando poucos Inimigos picão,
E voão, podem logo ser buscados.
• Salgado, op. cit., fl. ii6.
Cap. VI — Capitão e governador 211
Porem quando as ruins novas se publicão
De que alguns muros nossos tem cercados,
O que causa não tem, nem vay asinha,
Ou não hè Portuguez, ou hè galinha.
Hereditário hè o brio antigo
De a Pátria soccorrer quando hè opprimida:
Bem se vé nesta entrada do Inimigo
De toda Lusitânia soccorrida.
Etc «
E depois, em reforço da sua argumentação, apela para as lições
e exemplos de que a história pátria está cheia. Quando nela se
manifesta cisma, isto é, quando ela se encontra em perigo pela divisão
dos seus filhos, aparecem logo, ao lado de alguns traidores, muitos
bons portugueses a defendê-la.
Trágico assumpto neste canto offrece
A Musa humilde, historia escandalosa,
Que entre tantas presas mal parece
Cantar huma treyçam ignominiosa ;
Mormente quando o século escurece
Aquelle resplandor, que a Pátria gosa.
De não ter paralello na lealdade
Manchada por vil Cisma em nossa idade.
Cisma o posso chamar com fundamento,
Padecido da Pátria cinco vezes,
Donde por erro só do entendimento
Vacillão na fé Regia os Portugueses.
Mostrarem-se leais foy seu intento,
Que como se não acha ouro sem fezes.
Errando contra seus próprios senhores,
Incorrem na ignominia de treydores.
Em todos estes Cismas se irá vendo.
Que se alguns a lealdade escurecerão,
Outros por ella estão resplandecendo
Na Coroa, a que esmalte illustre derão.
No que Teresa ao filho foy movendo.
Em que tantos Leoneses perecerão,
Hum Moniz a Coroa assegurando,
Nella está, qual Carbúnculo brilhando.
No de Sancho, & de AfFonso, se enriquece
Com Diamantes de preço, & formosura
' V. T. X, 125-127,
2Í2 ^rás Garcia de éMascarenhas
Hum illustre Pacheco, a que ennobrece
A Truta, que o salvou por grã ventura.
Hum Freytas, que a seu Rey defunto offrece
As chaves no sepulchro, em que o procura.
Que a cadáver Real Portuguez peyto
Até na sepultura tem respeyto.
No do primeyro João resplandecendo
Por Topázios estão dous Nunos raros.
Hum Pereyra, que sempre foy vencendo
Castella, fora, & dentro em seus reparos;
E hum leal Ataíde, que excedendo
Foy de toda a lealdade os feytos claros,
Porque à vista do filho, & do Castello,
A morte se entregou, por defendelo.
No de António, & Philippe o cautelloso
Amatistos da pátria a matizarão
A sangue frio : tanto de ambicioso
Jugo, que lhe puseraó, se ciaraõ !
Resplandece a saphira do Vimioso
Entre os que mais o bem comum zelarão,
Se mal afortunado no successo,
A má fortuna lhe não tira o preço.
Neste presente muytos Lusitanos
Seus Rubiz foraõ, quando, bem que tarde,
A passarão de intrusos Reys Hispanos
Á cabeça de El Rey que Deos nos guarde,
Jacyntos saõ soldados veteranos,
Que do sangue, & valor fasendo alarde,
Nas fronteyras, que ousados lhe sustentaõ,
Mais pedras muy preciosas lhe accrescentaS.
Mais Granates muy luzidos pudera
Nesta bella coroa ir engastando,
Que por suas conquistas reverbera
A luz, que em varias partes lhe estão dando:
Basta mostrar, que quando não ouvera
Estes cismas, que fomos apontando,
Em todo Portugal se não achara
Homem, que contra o sceptro armas tomara.
Se Vermuys, & Dom Pedro as empunharão
Contra os Reys, de quem erão taõ parentes,
Foy por falsas treyçoens, que lhe imputarão,
Sendo ambos em tais culpas innocentes.
Cap. VI — Capitão e governador 2i3
Em casos semelhantes aggravarão
Pera Marte aggravados confidentes,
Que aquelle que Armas tem à sua conta
As afronta ', se não se desafronta.
Em todas as Nações ouve desgraças
De treydores, de inveja, & de interesse,
Que Reys matarão, que venderão Praças;
Não ouve Portuguez, que tal fizesse.
Em vam, pobre Castella, estudas traças
De enganar, & attrahir quem te conhece :
Elias te derão o que tens perdido,
Porque achaste a Viuva sem Marido.
Já agora Lusitânia está casada,
E o Marido, que tem, não te recea,
Etc 2.
Foi na sua pátria que o capitão Brás levantou a companhia ; na
região onde se criou, onde conhecia muita gente e tinha muitos pa-
rentes e amigos, dispostos a ouvi-lo, e que confiavam nas suas pala-
vras e conselhos : se a outra região fosse fazer a leva, não seria tão
bem sucedido. Bem notou èle no seu poema que foi por igual razão
que Dictaleão, Aulaces e Minuro, discípulos de Viriato, na guerra
com os romanos conseguiram em poucos dias levantar milhares de
soldados.
Homens de grã valor, & de maduro
Conselho, & de tal Mestre aconselhados
No que aviaõ de obrar, pera mostrarem,
Que dignos erão de Armas governarem.
Nova lista fizerão, facilmente
Se lhe agregarão muytos dos primeyros,
Porque dentro na Pátria faz mais gente
Hum natural, que trinta forasteyros.
Séquito grande, & grande expediente
Achão, & dão a tudo os três Guerreyros,
Em poucos dias com presteza estranha
Pondo muytos mil homens em campanha '.
' Está aa/rontasn na i." ed. do Viriato Trágico, o que é erro manifesto, jd
emendado na 2.'
2 V. T. VI, i-ii. — 3 V. T. XVI, 3i-32.
214 'Brás Garcia de oMascarenhas
E de lamentar que se não conheça nominalmente quási nenhum
dos soldados alistados por Brás na sua companhia. Conta o dr. Al-
bino de Abranches Freire de Figueiredo, no prefácio à i^ edição do
Viriato Trágico por êle publicada, que existiam no cartório do con-
vento das freiras de Pinhel (onde então estava uma parente de Brai
Garcia Mascarenhas) esclarecimentos relativos a esta companhia, que
foram recolhidos, segundo lhe constou, pelo curioso antiquário, bispo
que foi daquela cidade, D. José de Mendonça Arraes, parente do
poeta ', e de alguns dos que então militavam com elle. \ Que pena
terem-se perdido, como suponho, essas noticias, que o benemérito
dr. Albino procurou debalde descobrir ! 2.
Eu apenas tenho conseguido identificar dois desses soldados, pelas
referências feitas em apontamentos genealógicos que existem na casa
de Folhadosa, e na dos Soares de Albergaria de Avô. Sam eles:
— António de Brito da Costa, de Oliveira-do-Conde, neto de
Brites Marques, tia paterna de Brás, e por isso primo deste, vindo
mais tarde a ser capitão-mór de ()liveira-do-Conde e de Currelos '.
— António Madeira da Costa, de Avô, dez anos mais novo do
que o poeta, tio da que veio a ser mulher deste, avô de Bento Ma-
deira de Castro (o primitivo editor do Viriato Trágico), e quinto avô
da senhora Marquesa de Pomares *.
Quando Brás Garcia chegou a Almeida à frente da sua compa-
nhia, achava-se D. Álvaro embaraçado com os reparos e fortificações
daquela praça, pois não tinha ninguém com conhecimentos técnicos
para delinear e dirigir tais obras, embora superabundassem as boas
vontades.
O capitão Brás, dotado de grande talento, curiosidade e estudo,
não era leigo em engenharia militar, ou em arquitectura, como então
' Era efectivamente parente do poeta, mas muito afastado. Pertencia à
família da mulher de Brás, descendendo de sua prima coirmã D. Teodora Madeira
da Costa, c. c. António da Costa, de Oliveira do Hospital, pela filha destes D. Ma-
riana da Costa, casada em Sandomil com Cosme Fernandes de Abreu (Vid. Not.
geneal. III, iii a 2).
2 Doe. CXVIII.
' Not. geneal. I, iv c' i ; — Esq. geneal. I, d, e e.
* Not. geneal. III, iii c, — viii c 2 ; — Esq. geneal. II, a, b, bj.
Cap. VI — Capitão e governador 2i5
se dizia *, e tivera alem disso experiência e prática destas construções
durante a campanha do Brasil. Foi por mais essa razão a sua vinda
festejada, e o general encarregou-o de dirigir as obras, ficando a sua
companhia a guarnecer a praça *; e como ainda não tivessem che-
gado os outros capitães com as suas levas, D. Álvaro aproveitou a
pouca gente da antiga guarnição para formar uma pequena escolta de
cavalaria e infantaria, com a qual partiu para Castelo-Rodrigo ^.
Quatro avisos recebeu ele, nesta viagem, a anunciarem-lhe que o
duque de Alba, governador de armas do exército espanhol no partido
de Ciudad-Rodrigo, reunia gente à pressa, parecendo que se prepa-
rava para uma incursão, talvez para queimar e destruir alguns lugares
da nossa fronteira.
— Qiie se retirasse, lhe aconselhavam alguns oficiais, porque, tra-
zendo consigo tão pequena força, imprudência indesculpável seria o
expôr-se a uma derrota quási certa, desairosa para um general.
— Mas é que eu não estou aqui como general, responde D. Álvaro,
senão como soldado, que não sabe virar as costas ao perigo. / Avante,
soldados !
E passou a fronteira, internando-se um pouco pelo território es-
panhol, a vér se o inimigo lhe saia ao encontro ; mas absteve-se de
causar o mais leve dano aos habitantes pacíficos da região, que agri-
cultavam as suas terras e apascentavam os seus gados.
O inimigo não apareceu. Fora rebate falso.
Ainda D. Álvaro se encontrava em Castelo-Rodrigo, quando lhe
noticiam que um bando de espanhóis haviam passado a fronteira
ali perto, a N.-E., e que entrando no logar de Mata-de-Lobos quei-
maram tudo e mataram muita gente. Era tão preciso e circunstan-
ciado o aviso, que o general acreditou. Chegaram nesta ocasião dois
dos seus capitães, Luís de Ataíde e Manuel Teixeira Homem, com
as companhias que haviam acabado de levantar, e que, sabendo da
1 Escreveu o poeta:
A arquiteclura honra as outras Artes:
Muros, Portas, Sortidas, Esplanadas,
Cavalleyros, Sortidas, Baluartes,
Rebelins, Cavas, Pontes, Estacadas,
E outras mil invenções em varias parles
Fabrica com primor descortinadas :
Toda se applica à Guerra defensiva,
Nos sitios participa da offensiva.
V. T. IV, i6.
* Salgado, op. cit., fl. 117. — ' Ibid.
2i6 'Brás Garcia de oMascarenhas
presença do general era Castelo-Rodrigo, para ali se dirigiram, em
vez de irem para Almeida. Aproveitou-os, mandando-os seguir ime-
diatamente em perseguição do bando; mas logo em seguida vem
novo aviso a desmentir a anterior noticia.
Por enquanto os espanhóis nesta fronteira não tinham exército que
os autorizasse a tomar uma atitude ofensiva.
Deixara o general ordem em Almeida, que as companhias que
fossem chegando ali aguardassem o seu regresso; e assim se fez.
Ao voltar já encontrou mais seis companhias, todas bem compostas,
levantadas pelos capitães beirões.
Soube então que na povoação espanhola de Aldea-del-Obispo se
notava um movimento desusado de gente, donde provinha a descon-
fiança de que o duque de Alba estivesse concentrando tropas para
vir atacar Almeida. Não quiz saber mais. Mandou reunir toda a
tropa disponível de cavalaria e infantaria que ali tinha, e que já era
considerável, e partiu com ela a fazer frente ao inimigo. O capitão
Brás Garcia era um dos oficiais que iam na expedição.
Rufando nas suas caixas foi este corpo de tropa marchando pela
margem esquerda do rio de Tourões acima, passou à vista de Aldea-
del-Obispo, que fica da outra banda, e chegou à nossa povoação de
Val-de-la-Mula, onde fez alto. Ali se deteve até ao sol posto, sem
notar nenhum movimento anómalo no território espanhol, onde bas-
tante gado pastava tranquilamente. Ao anoitecer mandou retirar.
Era uma bela noite, repleta de luar. Já próximo de Almeida
tiveram de passar um pequeno ribeiro. Quando a infantaria, que
era comandada pelo capitão Brás Garcia de Mascarenhas, vencia este
insignificante obstáculo, eis que de repente um enorme meteoro lumi-
noso rasga a atmosfera, traçando uma larga, estrada de fogo, que se
mantém incendiada por um pouco. Deu-se isto tão perto, que pa-
receu aos soldados que lhes qiientou rostos, & orelhas, e assustados
recuaram. Repreendeu-os asperamente o capitão Brás, por se terem
espantado e saído das fileiras sem ordem para isso; e fê-los marchar
sem mais detença.
Precisava D. Álvaro de conhecer por seus próprios olhos a região
da fronteira, cujo governo e defesa lhe estavam confiados, tendo para
Cap. VI — Capitão e governador 21 j
isso de estudar o território, visitar os castelos que nele havia, obser-
var as suas condições de defesa e planear o que tinha de fazer para os
melhorar. Resolveu partir sem mais demora, e para o acompanhar
organizou uma força pequena mas escolhida, sendo a vanguarda for-
mada por uma companhia de i3o soldados de cavalaria, e a reta-
guarda pela companhia de i83 soldados de infantaria comandada
pelo capitão Brás, que êle desejava ter sempre ao pé de si. As
obras da fortaleza de Almeida passaram por isso a ser dirigidas
pelo sargento-mór Rodrigo Soares Pantoja, novo governador desta
praça.
Com a mencionada força percorre D. Álvaro todas as terras de
Riba-Côa, visita com minucioso escrúpulo todos os castelos ali exis-
tentes, desde o Sabugal até ao rio Douro; e, não podendo então
passar ao Sul do Sabugal ', envia pessoas da sua confiança que façam
a visita e inspecção até ao Tejo, e em seguida o informem.
Ficou horrorizado com o estado em que viu os castelos, em
grande parte desmantelados e em ruínas, incapazes de oferecerem
resistência séria à invasão espanhola, que era de esperar mais dia
menos dia.
Nesta marcha de reconhecimento D. Álvaro passou várias vezes
a fronteira ; acompanhado da mencionada força, penetrava no terri-
tório espanhol e ia também reconhecendo externamente os castelos
inimigos e as suas povoações, sem contudo praticar actos de agressão
violenta. Caminhava entretanto sempre debaixo de forma, com as
bandeiras arvoradas, dando vivas a el-rei D. João IV, vozes estas
que algumas vezes encontravam correspondência nos pobres paisanos
espanhóis, que se lhes deparavam. ; Muito pode o medo !
Evidentemente o duque de Alba ainda não dispunha de força com
que pudesse fazer frente ao nosso exército da Beira.
O primeiro logar povoado de Espanha, por onde passou o nosso
general com a sua tropa, foi a vila de Fuentes. Á sua aproximação
os habitantes apavoraram-se, e abandonaram a vila pondo-se em fuga,
indo alguns parar a Ciudad-Rodrigo, onde a notícia da incursão,
grandemente amplificada, assustou algumas famílias, que se reco-
lheram a Salamanca; mas outros paisanos, menos assustadiços, deixa-
ram-se ficar por perto em observação, e vendo que a nossa tropa,
sem fazer dano algum aos povos, passava adeante, e que, encontrando
1 A estampa fronteira representa o castelo do Sabugal, com a sua torre qui-
naria, visto da margem esquerda do rio Côa.
3iS 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
rebanhos de gado, deles não fazia caso algum, podendo sem a mínima
resistência saquear uns e apoderar-se dos outros, inferiram que os
portugueses não queriam hostilizar quem não pegasse em armas
contra eles. Reverteram pois às suas lides agrícolas.
Daqui em deante já a aproximação da tropa portuguesa não per-
turbava os paisanos espanhóis que agricultavam as terras e guarda-
vam os rebanhos, os quais se deixavam ficar, limitando-se a descara-
puçar-se e fazer, mesmo de longe, grandes cortesias ao general, ou
ao comandante da força '.
E na fronteira portuguesa ficou havendo igual tranquilidade, re-
conhecendo-se de parte a parte que essas miseráveis hostilidades de
destruir e roubar só serviriam para prejudicar gravemente uns e
outros.
Assim o general D. Álvaro conseguiu prudentemente afastar o
espetro da fome, cujo receio já começava a preocupar os espíritos.
A primavera ia adeantada, as terras prometiam, é verdade, um ano
abundante, os gados pasciam em grande número nas várzeas e nos
valeiros, tanto em terras de Espanha como em terras de Portugal.
Se duma e outra parte se adoptasse o sistema do roubo e desvastação
por surpresa, que o pretexto da guerra costuma legitimar, i o que
seria desta pobre gente pacífica e laboriosa ?
Já os moradores do distrito de Castelo-Rodrigo, prevendo esta
calamidade, tinham representado com tempo a el rei a pedirem-lhe
que ao menos fossem salvos os gados daquela região tão exposta,
mandando sua majestade providenciar sobre a sua remoção para
outra, mais afastada da raia, e por isso mais segura : e em carta régia
de 14 de fevereiro se ordenara a D. Álvaro que satisfizesse aquele
pedido ^. Mas o general obteve resultado mais completo com a sua
entrada em Espanha, impondo respeito e infundindo confiança. A
tranquilidade ficava garantida por algum tempo aos paisanos de cá
e de lá.
Em seguida à viagem de reconhecimento, pôs D. Álvaro todo o
empenho na reparação dos castelos, especialmente daqueles que por
sua situação estavam destinados a guardar as principais entradas da
fronteira.
1 Salgado, op. cit., fl. 117.
- T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. i, fl. 32.
Cap. VI — Capitão e governador 2ig
As mais fáceis incursões seriam por Almeida e por Alfaiates.
Na fortaleza daquela vila iam proseguindo com toda a actividade as
obras, sob a direcção do governador Rodrigo Soares Pantoja; do de
Alfaiates era preciso cuidar com urgência. Era lá governador o
capitão Gonçalo de Afonseca de Aguilar, oficial de grandes créditos,
que agora passava a governar a fortaleza de Salvaterra ; era pois
ocasião oportuna do general confiar aquele governo a pessoa que
tivesse as qualidades e conhecimentos excepcionais que tão melin-
droso e arriscado cargo exigia.
D. Álvaro não hesita. Nomeia governador de Alfaiates o capitão
Brás Garcia de Mascarenhas, que lhe merecia confiança muito espe-
cial.
Brás parte logo com a sua companhia a tomar conta da fortaleza
e a guarnecê-la.
Parece que a vila de Alfaiates fora fortificada em tempos antigos;
há nela vestígios de ter sido povoação romana. Enquanto foi es-
panhola, chamava-se Castillo de Lima; em tempo de D. Dinis, no
outono de lagC), passou com os outros territórios e castelos de Riba-
Côa para o domínio português. Foi depois disso que se edificou fora
da vila, em lugar adequado, um pequeno castelo, de planta rectan-
gular, formando aproximadamente um quadrado de cerca de 28""
por lado, com os dois ângulos N. e S. protegidos cada um por uma
torre.
Quando Brás Garcia assumiu o governo deste castelo, achava-se
ele em muito mau estado, parte em ruínas. Mandar reconstruir a
parte arruinada segundo a primitiva traça seria um despropósito,
porque a moderna tática, em que desempenhavam o principal papel
as armas de fogo, exigia condições muito diversas das antigas. E
este facto memorado pelo poeta quando, ao descrever as fortalezas
doutros tempos, faz referência às modernas, dizendo em que diferem
umas das outras.
As que de pedra inda agora achamos,
Eram mais que as cortinas, levantadas,
Ao revés de Epiphérias, que hoje vsamos,
Mais bayxas, & mais bem descortinadas ;
Que alem de que melhor terraplenamos,
Nossas cortinas saõ mais franqueadas,
Porque hè de Praças militar sentença,
Quanto mayor través, mayor defença *.
> V. T. II, 18.
220 'Brás Garcia de <£Mascarenhas
O que havia a fazer necessário era que se executasse rapida-
mente, porque novos rumores corriam de que o duque de Alba se
preparava; e era de recear uma incursão, quando menos se cuidasse.
A fortaleza, como estava, não podia oferecer resistência.
Delineou pois o nosso governador uma nova muralha, mais baixa,
cingindo o antigo castelo, e ampliando-lhe assim a área. Tive a for-
tuna de encontrar um distinto oficial de engenharia, o capitão dr. Abel
Augusto Dias Urbano, que há i6 anos visitou e estudou este castelo,
conservando casualmente ainda, alem de alguns apontamentos e re-
miniscências preciosas, a planta que então levantou, e que eu aqui
reproduzo '. Passo a transcrever textualmente as informações obse-
quiosamente fornecidas por este meu bom amigo, às quais não altero
nem uma virgula, para evitar o perigo de as estragar.
— «As minhas informações, diz o sr. capitão Abel Urbano, estão
talvez bem longe da precisão com que V. Ex." as desejaria para o
seu interessante e valioso trabalho sobre Brás Garcia de Mascarenhas,
porque parte delas se baseiam em apagadas reminiscências duma
visita que, há perto de i6 anos, fiz àquele castelo. Procurarei, ao
menos, torná-las quanto possível exactas. São as seguintes:
sO denominado castelo de Alfaiates, situado a pequena distância
desta povoação, é um pequeno forte do século xvii, de planta aproxi-
madamente quadrangular, e ocupando a área de 2.3oo"^. Envolve
um antigo castelo, talvez do século xni ou xiv, do qual restam apenas
as ruínas de dois pequenos lanços de muralha e de duas torres rec-
tangulares.
«O forte, pelo seu aspecto, foi verosimilmente construído com ma-
teriais extraídos das ruínas do velho castelo, e apresenta vários indícios
de ter sido uma fortificação feita em pouco tempo, e com escassos re-
cursos.
«Em três dos salientes do forte há tambores circulares, com. o
diâmetro médio de ô^So, destinados ao flanqueamento das faces.
Correspondendo ao quarto saliente, nota-se uma disposição digna de
menção: os lanços do muro contíguos ao saliente desviam-se da sua
direcção geral, formando ângulos obtusos reintrantes, e são ligados
por um lanço de muralha perpendicular à nova direcção comum da-
1 Encontra-se na fronteira página a referida planta, onde se distinguem bem
os restos do antigo castelo com as suas duas torres, e a muralha exterior, construída
em três meses, no ano de 1641, pelo capitão-governador Brás Garcia de Mascare-
nhas.
Cap. VI — Capitão e governador
221
Planta da fortaleza de Alfaiates
£jcaJa
j j t > 1 1 t I 1 ; .'o-.
M M M M — Restos da muralha antiga.
TT — Restos das antigas torres.
tn m m m — Muralha constniida no século xvii.
1 1 1 — Tambores da fortaleza do século xvii.
P — Porta do forte.
As pequenas cortinas, que ligam cada uma das antigas torres d muralha circundante, são vedações
modernas do espaço destinado a cemitério paroquial, cuja entrada é designada pela letra p.
222 'Brás Garcia de cÃdascarenhas
quêles, no qual foi aberta a porta do forte, constituíndo-se assim uma
espécie de saliente de planta rectangular.
«Esta disposição apresenta o defeito, sob o ponto de vista defen-
sivo, de a entrada do forte não ser flanqueada pelos fogos dos tam-
bores de flanqueamento. É provável que se empregasse aquela dis-
posição para que o forte envolvesse uma das torres, e se evitasse
uma demolição demorada e trabalhosa. Aproveitou-se talvez o maior
comandamento das ruínas da torre, para se obter sobre elas um se-
gundo andar de fogos, que permitisse uma boa defesa da entrada do
forte.
«E de presumir que os três tambores servissem de plataforma
para bocas de fogo, destinadas ao flanqueamento e à defesa a dis-
tância. As paredes do forte são muito mais baixas do que as da
antiga muralha do castelo : com este pequeno relevo do forte dimi-
nuía-se, com grande vantagem, o ângulo morto dos tiros da defesa.
«Os muros do forte eram coroados por um parapeito de alvenaria
de o'",66 de espessura.
«Atendendo-se ao desenvolvimento da linha de fogo do pequeno
forte, pode calcular-se que a sua guarnição não devia ir alem de 200
homens.
«Eis, em resumo, as minhas deficientes informações sobre o assunto,
que tanto interessa a V. Ex.* e aos leitores da sua excelente mono-
grafia sobre a estranha individualidade de Brás Garcia».
Até aqui a nota interessante do ilustre oficial de engenharia, a
quem tributo o meu agradecimento.
Toda esta obra conseguiu Brás Garcia, com a sua assombrosa
actividade, que se realizasse em três meses apenas. Afirma-o êle
mesmo :
O Castello da Lua, que fizera
A ferrugenta paz Lua mingoante,
Em três mezes somente considera
Regular Epiphéria o caminhante'.
O dr. João Salgado de Araújo, no seu livro já bastantes vezes
citado, refere-se à obra realizada pelo nosso poeta na construção do
forte de Alfaiates, atribuíndo-a, por equívoco, a tempo um pouco
posterior. Diz êle :
— «Em tempo do General Fernão Tellez de Meneses, sendo Go-
i V. T. XIV, 85.
Cap. VI — Capitão e governador 22S
uernador desta praça o Capitão Bras Garcia Mascarenhas, foi cercada
com giro de quatro mil seiscentos, & oitenta pès Geométricos, fora
as voltas dos baluartes, em altura de 25. pès. Obra por certo de im-
portância, a que incansauplmente assistio o mesmo Gouernador, em
cujas cauas se acharão moedas antigas de cobre, & algumas de prata,
duas de Sertório com sua efígie de húa parte, da outra a cerua insí-
gnia sua. Estribos com cadeas de ferro por loros, mòs de moinho de
mão, & outras antiguidades'».
Ao mesmo tempo que fazia avançar a obra da fortaleza, o capitão
Brás não deixava de vigiar de perto o inimigo, tendo o cuidado de o
não perder de vista nem um só momento, para evitar alguma surpresa
desagradável. Tinha consciência das suas responsabilidades como
governador duma das fortalezas da fronteira mais importantes pela
sua situação, e cumpria os seus deveres com os extremos de zelo
que lhe estavam na índole.
Estabelece em terras de Espanha um serviço de espionagem muito
abundante em agentes, e muito bem feito. Especialmente em Ciudad-
Rodrigo, onde o duque de Alba urdia os seus planos, e na praça de
Albergaria de Arganan, pelo nosso poeta denominada eruditamente
Augustobriga, fronteira a Alfaiates, na qual era governador D. Fran-
cisco de Eraso, valente e brioso militar, vulgarmente conhecido pela
alcunha de Macacão, não se movia uma aranha sem que êle o sou-
besse logo.
A espionagem junto do inimigo era um elemento em que Brás
reconhecia grande importância, e de que fazia largo uso. Aos indis-
pensáveis serviços de vigias e de espias se refere em várias passagens
do poema.
Mas a noyte occultou ambas as partes,
Dando repouso a todos os cançados,
Não às vigias, que nos orizontes
Argos dos valles saõ, lynces dos montes ^,
E logo sobre Plaucio despedindo
Muytas Espias, trata com destreza
Das prevenções, que destros prevenidos
Difficilmente podem ser vencidos '.
' Op. cit., fl. loi.
2 V. T. u, 52. — iV.T. IX, 5&
224 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
E falando de si mesmo, quando era governador de Alfaiates,
declara :
Em numero, & valor grande, & luzido
Argos se ostenta a poder de Espias,
Com que lynce da opposta Augusto-briga,
O minimo descuydo lhe castiga *.
Estes agentes de espionagem eram magníficos, e prestavam óp-
timo serviço, porque Brás Garcia os tinha escolhido com cuidado e
os remunerava generosamente, trazendo-os
Bem pagos, que o caminho não dilata
Quem tais esporas leva de ouro, & prata.
Na Praça com mais credito atacada
(Tanto os ingenhos Marte sutiliza !)
Hè de quanto se faz fora avisada,
E de quanto se passa dentro avisa.
Toda a que se cercou foy espiada.
Que se mete húa Espia entre a camisa,
E depois de sitiada, quando menos,
Se entende por sinais, & por acenos 2.
Mas um cabo de guerra deve também sempre contar com a es-
pionagem do inimigo, e supor que nos seus próprios arraiais e cas-
telos andam espias mui bem disfarçadas, a observar quanto faz e diz ;
precisa de ter o máximo cuidado em ocultar os seus planos e pro-
ceder de forma que os espiões sejam iludidos e desnorteados pelas
aparências.
Mas elle o escuro enigma interpretando,
Finge que se naó dà por entendido,
Pêra que assim melhor desminta Espias,
Ajuntando sua Gente em breves dias '.
Havia na fronteira espanhola três castelos, que pela sua situação
e condições eram uma constante ameaça ao sossego e tranquilidade
da nossa fronteira. Eram os de Albergaria era frente de Alfaiates,
El Payo na falda setentrional da serra de Gata, na região onde nasce
o rio Águeda, e Eljas na falda meridional da mesma serra, onde tem
a sua origem o rio Elgas.
í V. T. XIV, 84.-2 V. T. XIX, 5o-5i. — ' V. T. ix, 55.
Cap. VI — Capitão e governador 22S
Convinha fazer um. reconhecimento minucioso destas fortalezas,
ter registo exacto e seguro dos seus fracos, para na primeira ocasião
oportuna serem conquistadas e destruídas, tirando ao inimigo a van-
tagem de possuir aquelas sentinelas avançadas, donde podia com
grande facilidade saltar de surpresa ás nossas terras a saqueá-las e
danificá-las, ou a fazer alguma incursão em forma.
Empresa melindrosa e arriscadíssima era porém esta, que se não
podia confiar senão a quem tivesse conhecimentos técnicos, e esti-
vesse disposto a sacrificar a liberdade e até a própria vida, que
perderia se tivesse a infelicidade de despertar suspeitas e de ser des-
coberto o seu intuito.
O general, em uma das suas passagens por Alfaiates, conversa a
este respeito com Brás Garcia, que era o oficial em cujos talentos,
aptidões, discreção e lealdade mais confiava. A lembrança era bôa,
não havia dúvida, mas ; quem poderia e quereria incumbir-se de a
executar ?
Depois de matutarem no caso, sae-se o capitão com esta :
— Não pense mais nisso, meu general. Se V. S." me dá licença,
e me julga apto para a empresa, vou eu mesmo.
— iVós!...
— Sim. Tenho por muitas vcyes arriscado a pele; a morte já eu vi
em várias ocasiões bem perlo de mim. Com a ajuda de Deus, que nunca
me faltou, saír-me hei vitorioso desta empresa em prol da Pátria.
Ficou logo ali o caso assente, i Como se desempenharia do pe-
rigoso encargo ? Não o sabia. Havia de pensar. Isso agora era
com êle e com mais ninguém.
Dentro de poucos dias, confiado provisoriamente a outro oficial o
governo de Alfaiates, o capitão Brás Garcia desaparece. Decorrido
algum tempo, apresenta-se a D. Álvaro e entrega-lhe as plantas dos
três castelos, acompanhadas de informações preciosas sobre o modo
de neles entrar, quando fosse ocasião oportuna !
,; Teria o nosso poeta comércio com o demo, e seria este que lhe
forneceu tais plantas e informações ?
Nada disso. Cousa bem simples.
Brás cobriu-se com uns andrajos de mendigo, fingiu talvez alguma
lilcera ou outra deformidade comovente, pegou numa rabeca ou gui-
tarra, e entrou em Albergaria, qual mendigo viandante a esmolar,
cantando cópias ou xácaras populares castelhanas, entremeadas pelo
peditório — Una limosna, por amor de Dios, — alternando esta lamúria
com uns Padre-nuestros muito arrastados e chorados. E natural que
i5
220 'Brás Garcia de oMascarenhas
falasse com perfeição a lingua castelhana, e isso era um elemento de
valor para não despertar suspeitas.
l Quem estorvaria o pobre mendigo de se "encostar às muralhas,
de estacionar às portas, de penetrar no páteo do quartel, de entrar
na própria torre de menagem, a estender a mão trémula de necessi-
dade a todas as pessoas que encontrava ?
Ao fim de alguns dias, qual ave de arribação, emigra de Alber-
garia ; mas se alguém então lhe desse busca aos alforjes de mendigo,
ou mais provavelmente aos forros do seu andrajoso fato, lá encontraria
muito bem dobrado um pequeno papel com a traça da fortaleza.
El Payo e Eljas receberam a mesma visita do pobre pordiosero,
e com idêntico resultado.
A cartada fora arriscada, mas feliz. ; O jogo estava ganho I
Vê-se do exposto que D. Álvaro de Abranches governava as armas
pacificamente, não fazendo provocações, respeitando e promovendo o
sossego em que viviam os espanhóis, e este procedimento foi rico em
consequências prósperas; mas não menos se vê que à sombra desta
tranquilidade o general não se descuidava de preparar terreno para
o futuro.
Nos princípios de junho é-lhe entregue uma carta de D. João IV
datada de 24 de maio, a ordenar-lhe que acuda ao Norte com a pos-
sível gente, porque Chaves está ameaçada duma incursão *.
j Acudir a Trà-los-Montes ! ; E quem ficava guardando e defen-
dendo a fronteira beirôa ? Acolá, em Ciudad-Rodrigo, o duque de
Alba não dorme ; aguarda reforços ao seu exército e descuidos do
nosso, para então dar um golpe certeiro. Que êle só na aparência
se conserva inactivo, mas na realidade se prepara, é cousa certa.
,; Quem sabe até se o boato ou aviso da próxima incursão por Chaves
será rebate falso preparado por êle, a vêr se a Beira se desguarnece,
para então lhe dar o salto ? Não, essa jornada a Chaves seria um
erro grosseiro. Alem disso escaceavam-lhe as munições, não possuía
artilharia, faltava-lhe o dinheiro para pagar aos soldados, e êle ge-
neral já se achava individado por ter de satisfazer pagamentos ina-
diáveis, não havendo dinheiro em caixa ^.
• T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. i, fl. 65 v.".
2 Satisfazendo às alegações feitas por D. Álvaro de Abranches, são expedidas
Cap. VI — Capitão e governador 227
As escusas apresentadas por D. Álvaro revelam sensatez e pru-
dência, mas não são bem recebidas por algumas pessoas, começando
desde logo as murmurações. Quando em toda a fronteira, desde a
margem do Minho até à do Guadiana, as tropas portuguesas se es-
tavam batendo activamente e com sucesso com as espanholas, ; o que
significa aquela inactividade, aquele dolce fare niente de D. Álvaro de
Abranches e do duque de Alba, a olharem um para o outro de braços
cruzados, numa situação de comodismo invejável, mas pouco gloriosa ?
Em julho recebia o general da Beira ordem terminante del-rei
para romper hostilidades sem mais demoras '. Percebe claramente
que a intriga começa a fervilhar contra êle na corte ; mas o rompi-
mento nesta altura seria um perfeito desastre. Todos os seus esforços
convergiam para organizar a defesa desta fronteira com os pouquís-
simos recursos de que dispunha ; entretanto era certo que, apesar de
já ter feito muito, muito mais havia a fazer, antes de se julgar habi-
litado a ir provocar o inimigo.
A recusa fundamentada de D. Alvarcj a cumprir a ordem superior
foi muito mal apreciada, não lhe faltando críticas acerbas^. Ele po-
rem vingava-se dessas críticas com o desprezo, e não se escusava de
ir aumentando e bem dispondo os preparativos para a defesa. Re-
paração de castelos, fabricação de armas, aquisição de munições,
exercícios dos soldados, disciplinação do exército, tudo isto lhe me-
recia grandes cuidados, conseguindo realizar verdadeiras maravilhas
com a pobreza e miséria de meios, que tinha á sua disposição.
O capitão-governador de Alfaiates não malbaratava entretanto o
tempo. Também aproveitou a tranquilidade e sossego actual para
pelo secretário do Conselho de Guerra António Pereira duas cartas em data de i8
de junho de 1641 : uma dirigida aos deputados da Junta da Fazenda a dizer-lhes
que S. Majestade, em decreto sobre consulta do Conselho de 14, manda que sejam
avisados da necessidade que tem o general da Beira de dinheiro, para pagar à
gente que se tem recrutado, pois está individado, e que seja socorrido com ur-
gência (Secret. do Cons. de Guerra, 1. i, fl. 77 v.°); — -outra para Rui Correia Lucas,
tenente-general de artilharia, dizendo que S. Majestade, em resposta de 14 do cor-
rente à consulta do Conselho, ordena se lhe diga que envie ao general da Beira
três artilheiros e um condes tável, que êle deixou quando partiu, e ainda lá não
chegaram (Ibid).
• Hist. de Port. restaur., t. 1, pág. 284. — ^ Ibid.
2 28 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
tomar conhecimento de todo aquele vasto território que constituía a
bacia hidrográfica do Côa, e que vai desde os úhimos contrafortes
ocidentais da serra de Gata onde nasce aquele rio, até Foz-Côa onde
se lança no Douro.
; Quantas vezes, em defesa da Pátria, não viria êle a precisar de
sair da sua atalaia de Alfaiates, para cair sobre os espanhóis, quando
estes se resolvessem a vir procurar os portugueses ? mas, para fazer
isto com vantagem, carecia de conhecer bem a topografia da região,
que é extremamente acidentada, com os seus valos, obstáculos, trin-
cheiras, fossos, portelas, tudo isto formado pela namreza.
Já tinha percorrido rapidamente grande parte desta região, quando
comandou a infantaria da escolta do general em visita aos castelos c
fortes. PropÕe-se agora fazer um estudo minucioso topográfico, como
lhe era necessário, de todo o território. E faz realmente esse estudo
com o máximo cuidado e diligência em toda a mencionada região,
Cujas metas, & brigas ' registando
Solitário os perigos desestima,
Da tumba ao berço, donde nasce, & morre
O turvo Cuda 2, cuydadoso corre '.
Em agosto de 1641 deu-se um facto, que veio perturbar o estado
de tranquilidade que acabamos de referir.
Era então reitor da Universidade de Salamanca um nobre genovês
naturalizado espanhol, de nome D. Tomás Dória, filho do duque de
Tursis e sobrinho do príncipe Juanestin Dória, que, sendo do mesmo
modo genovês naturalizado em Espanha, fora também reitor da Uni-
versidade Salmaticense em iSSg-iSgo, e mais tarde cardial da S.
Igreja Romana.
Terminado em julho o ano lectivo, D. Tomás veio passar las va-
> Brigas. Sáo, se não laboro em equívoco, os castelos ou fortalezas, tão nu-
merosos nesta região. O nosso poeta, que lia com admiração a Monarquia Lusi-
tana, lá viu, no 1. 1, tit. 1, cap. vi, mihi fl. 14 v.°, que em memória do antigo rei Brigo,
em toda a Espanha, e na Lusitânia em especial, se chamarão as fortalezas, <£• ci-
dades, Brigas.
* Cuda, nome latino do rio Côa.
3 V. T. xiv, 83.
Cap. VI — Capitão e governador 22g
caciones com um primo chamado D. César Lencabechia para as pro-
priedades que tinha em Navas-Frias, na fronteira espanhola, três
léguas a S.-S.-E. de Alfaiates.
Saiu uma manhã a distrair-se à caça pela raia com alguns criados,
e vendo em território português um pobre homem descalço a regar
uma horta, mandou-o agarrar pelos seus criados; sem lhe consenti-
rem que se calçasse, levaram-no para Navas, onde D. Tomás, depois
de minucioso interrogatório, o mandou para a cadeia.
Houve logo quem viesse relatar o ocorrido ao governador de
Alfaiates, que imediatamente comunicou o facto ao general, e pediu
licença para tirar a desforra merecida, indo prender a sua casa
D. Tomás, com os criados, e soltar o pobre paisano preso.
O general concordou ; era necessário dar uma lição para desa-
frontar o brio nacional e infundir temor e respeito ao inimigo. Pôs
entretanto a cláusula de nada saquearem, nem fazerem prisão alguma,
senão de D. Tomás e seus familiares.
Foi numa sexta feira, 23 de agosto, pelas 9 horas da noite, ao
nascer da lua que havia sido cheia dois dias antes, que Brás Garcia
partiu de Alfaiates com uma força de i3o soldados de infantaria,
sem comunicar a ninguém o destino da diligência. A noite estava
esplêndida, e fazia um luar magnifico. Dirigiu a marcha por Aldeia-
Velha e Aldeia-do-Bispo, donde, passando a fronteira, chegou às
Eiras de Navas-Frias sem ser presentido. Dali enviou o seu alferes
Simão Nunes Tigre com cincoenta mosqueteiros cercar a casa de
D. Tomás, e êle marchou sobre a vila com a restante força.
Era na madrugada do dia de S. Bartolomeu, dia em que, segundo
a crença popular, anda o diabo à solta ; ; e bem à solta andou para a
família de D. Tomás Dória !
Damos agora a palavra ao dr. João Salgado de Araújo, que nos
vai descrever o que fez Brás Garcia desde que chegou à vila de
Navas-Frias. Esta descrição é decalcada sobre notas fornecidas ao
autor por alguém que ia na diligência, talvez pelo próprio Brás.
«Prendeu a gente delia (da vUla), que lhe sahio ao encontro, &
segurandoa logo, de que lhe não auia de fazer dano (não auendo
resistência, & com ella abrasarlhes a villa, & soltando alguns, pêra
que fossem dar este aviso aos mais) se quietarão todos.
«Dom Thomas, que ainda estaua leuantado em celouras, acabando
de castigar hum page, ouuindo a primeira voz do rebate, saltou por
huma janela, assi como estaua, e se entrou per brenhas, onde teue
alcance de huma bala perdida, que o ferio leuemente, por baxo de
23o 'Brás Garcia de <P^Iascarenhas
huma orelha, & foi a pe despido como se achou, parar daH duas
legoas no mosteiro de S. Martinho.
«Seus criados, que erão dezoito bem armados, se acastelarão na
casa, & poserão em defensa; firindo polas janelas, a cinco soldados
nossos. Foi rompida a primeira porta da casa, que se quebrou com
hum marrão, leuado pêra esse efeito. A segunda se não podia que-
brar, & lhe mandou Brás Garcia Mascarenhas por fogo, arrimando-
Ihe muita lenha seca, que se achou perto, & tanto que o fogo começou
de se atear, lançarão os de dentro bandeira branca, pola janela, pe-
dindo quartel, & abrirão a porta.
«Tanto que o lume foi apagado entrou dentro o Alferez Tigre,
achou todos os criados na sala. Perguntados, qual delles era Dom
Thomas ? Responderão não estaua em. casa. Toda se reuolueo.
Auia aduertencia, que se parecia com Dom César Lencabechia seu
primo, que com elle estaua. Leuado ao Gouernador, com presunção
de que fosse Dom Thomas, por três vezes lhe pos a espada na Gar-
ganta, pêra que o declarasse. Não lhe pode tirar mais, que dizer
era hum homem principal, & que não diria mais, posto que o matasse.
«O Gouernador o mandou por a bom recado, polo modo com que
o ouuira responder, & mandou lhe trouxessem, os q fossem daquella
statura. Acharão quatro que maniatarão.
«Buscada bem a casa auia nella armas, baixela de prata, caualos,
& muitas cousas de preço, & em nada se tocou, sò com os pes
mandou Eras Garcia Mascarenhas pisar a prata. Alguns dirão, não
teue isto causa, mas eu o não entendo assi. Mandou lançar bando
pola villa, sobre saber, se auia que de algum roubo soldadesco se
queixasse : não ouue quem. E posto ouuera, o certo he que com tais
hospedes darião tudo por empregado, a troco de jà os não verem:
com tudo o Capitão fez o que deuia. O certo he, que deu esta acção
muito que notar nos Castelhanos, acerca de qua isento se mostraua
o General, per seus otHciais, na cobiça de fazenda do inimigo. O
Capitão o deixou assi dito, que seu General, sò mandaua prender a
Dom Thomas sem oftensa daquella uilla. Tirou da prizão o Portu-
guês, & alguns mercadores, que nella estauão detidos.
«Descuberto Dom César, primo de Dom Thomas de Oria offere-
cia no caminho dez mil cruzados por sua soltura, mas não lhe apro-
veitou; elle depois se soube aproueitar, porque vindo preso a Lisboa
se tornou pêra Castela, & não ouue pêra o erário resgate algum» *.
' Dk. Salgado de Araújo, op. cit., fl. 1 18 e s.
Cap. VI— Capitão e governador sSt
O conde de Ericeira explica porque não houve resgate, e completa
a notícia assim :
«Foy remettido a Lisboa (Dom César Leiícabechia), e teve indús-
tria pêra fugir da prisão. Brás Garcia Mascarenhas fez guardar taõ
pontualmente aos soldados a ordem que levava, que até perdoarão á
prata que havia em casa de Dom Thomás, e soltando o Paysano pri-
sioneiro, se retirarão para Alfayates» '.
Não levaram a bem os espanhóis o feito de Navas-Frias, e qui-
seram tirar desforço, i Mas quê ? Houvera acolá apenas uma legi-
tima desafronta, dirigida contra a pessoa que provocara c ofendera,
procedendo os portugueses com isenção e nobreza admiráveis, nada
saqueando, a ninguém ofendendo ; o desforço dos espanhóis consistiu
em passarem a raia alguns soldados de cavalaria e infantaria, e,
caindo de surpresa sobre uma porção de gado que pastava tranquila-
mente próximo de Aldeia-da-Ponte, roubarem-no. Eram cerca de
quinhentas cabeças.
Estava então nesta aldeia uma pequena força de cavalaria, co-
mandada por Simão de Oliveira da Gama, tenente da companhia de
Diogo de Tovar. Saltou logo ao caminho, e deu caça aos espanhóis.
Os soldados de cavalaria castelhanos fizeram-lhe frente, e começaram
a escaramuçar, enquanto os de infantaria se iam escapando com o
gado.
Apenas de Aldeia-da-Ponte viram o assalto, fizeram logo sinais a
pedir socorro, que foram ouvidos em Alfaiates, distante uma légua.
Brás Garcia marchou imediatamente com infantaria para o local donde
se pedia socorro, e chegou ainda a tempo de encontrar a cavalaria
espanhola a escaramuçar com a nossa; mas, apenas os castelhanos
avistaram o reforço de infantaria portuguesa, puseram-se logo em
íuga. Não havendo possibilidade de os alcançar, o nosso governador
quis tirar desforço, indo saquear Genestosa, logarejo que ficava ali
próximo; não poude porem fazê-lo, porque se desencadeou uma tro-
voada medonha, que obrigou os nossos a recolher-se à pressa a Al-
faiates.
O insulto não podia ficar sem resposta, e foi Brás Garcia o en-
carregado pelo general de a dar à letra, entrando por terras de Cas-
^ D. Luís DE Meneses, Hist. de Port. restaurado, t. 1, 1. iv, pág. 28
232 'Brás Garcia de oMascarenhas
tela, com licença aos soldados para saquearem o que encontrassem.
Estava o nosso capitão para fazer a entrada na fronteira espanhola,
três dias depois do assalto a Aldeia-da-Ponte, quando se lhe apre-
senta um castelhano vindo da praça de Fuente-Guinaldo, que se dizia
emissário do duque de Alba. o qual lhe mandava pedir desculpa do
abuso praticado pelos soldados, restituir todo o gado roubado, e pagar
qualquer rez que faltasse.
Contou-se o gado; faltavam três cabeças, que foram pagas pon-
tualmente.
Brás Garcia recolheu de novo a Alfaiates, donde fez aviso do
acontecido ao general, que, à vista de tão correcto procedimento,
deu ordem a todos os governadores da fronteira, que não consen-
tissem que se fizesse agravo aos castelhanos. De parte a parte se
estabeleceu esta praxe, que ficou vigorando por algum tempo: quando
dum ou doutro reino alguns soldados se desmandassem, indo fazer
pilhagem ao território adverso, os governadores das respectivas pra-
ças mandavam logo restituir integralmente o roubo.
Assim se restabeleceu a quietação anterior.
A 19 de setembro foi expedida uma carta régia ao general da
Beira, e outras iguais aos das outras fronteiras, em que se faziam
recomendações, que perfeitamente aprovavam e sancionavam o pro-
cedimento havido por D. Álvaro com os espanhóis *.
Fora D. Álvaro de Abranches atingido pela pata dum cavalo,
desastre que lhe ulcerou uma perna.
Decorriam os dias, e o aspecto dos tecidos contundidos não me-
lhorava. Os médicos receavam que a aproximação do inverno, que
naquela região costuma ser muito rigoroso, exercesse acção nefasta
sobre o doente, e aconselharam-no a retirar-se.
Pediu por isso a el-rei que o aliviasse do governo, para ir tratar
da saúde, o que êle lhe concedeu por carta de ^5 de outubro ^, no-
meando ao mesmo tempo para lhe suceder no cargo de capitão-ge-
neral daquela fronteira a P^ernão Teles de Meneses, que havia pres-
tado grandes serviços na revolução restauradora, e era do conselho
de guerra ; mas como este não podia logo assumir o cargo, nem a
doença de D. Álvaro consentia demoras, foi encarregado o tenente-
• Doc.XL.-^ Doe. XLI.
Cap. VI — Capitão e governador 233
general João de Saldanha de Sousa de assumir interinamente o go-
verno das armas.
Foi a q de novembro que D. Álvaro de Abranches partiu da
Beira, deixando muito gratas e saudosas recordações pelo acerto
com que governara durante nove meses.
Pouco acidentado decorreu o governo de João de Saldanha, que
durou quási quatro meses.
Corria o inverno, que naquele ano foi rigorosíssimo ; apesar
disso, o governador não hibernou em ociosidade, antes desenvolveu
uma actividade muito notável em obter meios para concluir as repa-
rações urgentes das fortalezas, cujos estudos e desenhos êle mesmo
fazia, e em acudir a todos os cuidados do governo com grande dili-
gência e circunspecção '.
Entre os elogios que os escritores da época tecem a este gover-
nador, destaco o seguinte, que recorto do livro de Salgado de Araújo,
e em que vai uma carapuça talhada para várias cabeças então muito
em evidência : — «Antecipouse a prudêcia em seu gouerno ao que os
annos podião prometer, porque exercitou o cargo com muita limpeza
de maõs, caso, q custuma algumas vezes manchar muitas. Nunca
nesta pureza, & limpeza será bem encarecido loão de Saldanha, o que
ja tinha mostrado na caualeria, q elle mesmo leuantou, & assi se lhe
deuem muitos encarecimentos, particularméte por se auer nesta forma
em tempos tão confusos, & manchados deste argumento, que posto
andem troncos limpos, não ha acabar de se expurgarem ramos» ^.
Até então mantivera-se vago o cargo de mestre-de-campo. Foi
agora provido, certamente a contento e talvez até por solicitações e
iniciativa do general Fernão Teles, em D. Sancho Manoel, soldado
valoroso e largamente experimentado nos muitos anos que militou na
Itália e em P^landres, e ultimamente no Brasil com o posto de sar-
gento-mór. A sua carta patente de nomeação tem a data de i3 de
novembro ^. Pouco antes fora êle incumbido, por decreto de 3o de
outubro, de organizar em Lisboa uma ou duas companhias, com os
' Doe. XLIIl; — Dr. Salgado de Araújo, op. cit., fl. 121 v." e ss.; — D. Luís de
Meneses, op. cit., 1. 1, pág. 280.
2 Op. cit., fl. 121 v."
3 Doe. XLII.
234 'Brás Garcia de ãMascarenhas
soldados que haviam servido no Brasil e agora andavam desocupa-
dos ; mandara dar execução a este decreto a carta de 8 de novembro,
dirigida pelo secretário do conselho de guerra António Pereira aos
deputados da Junta dos três Estados '.
D. Sancho ainda se conservava em Lisboa a 2 de janeiro de 1642 -;
mas nos fins de fevereiro já estava a ocupar o seu posto na Beira'.
Fernão Teles de Meneses, segundo vimos, foi nomeado capitão-
general do exército da Beira em fins de outubro de 1641. Demo-
rou-se alguns meses em Lisboa a solicitar elementos de defesa para
o seu partido, e a fazer preparativos para o bom desempenho do seu
cargo.
É assim que, por decreto de 5 de novembro, el-rei manda entregar
ao general da Beira grande porção de armas e munições, e expedir
ordem a todos os artífices que podessem fazer armas nos lugares
daquela província, que fabriquem armas, cravinas, pistolas, mosquetes
e arcabuzes, para se armar a cavalaria e bem assim os habitantes que
disso precisarem; e determina também que se forneçam ao mesmo
general seis ou sete artilheiros e um minador. Este decreto foi co-
municado pelo secretário do conselho de guerra ao tenente-general
de artilharia Rui Correia Lucas, em carta de 8 do mesmo mês *.
Ainda no referido novembro foi designado o coronel Sebastian
Mahé, senhor de Latouche, para ir servir à Beira com os seus oficiais
e regimento francês, às ordens do general Fernão Teles ^.
Como João de Saldanha representava em suas cartas a neces-
sidade urgente que havia de continuar e acabar as obras de fortifi-
cação das praças fronteiriças, a carta régia de 7 de fevereiro de 1642
anuncia a Fernão Teles a missão de dois engenheiros estranjeiros a
inspeccionarem as fortificações feitas e desenharem as que houver a
fazer, recomendando que se executem com presteza os seus projectos,
e que haja com eles a bôa correspondência que lhes é devida ^.
' T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, t. 1, fl. 117.
- T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, m. 2, n.° 2.
' Dr. Salgado de Araújo, op. cit., fl. 124.
♦ T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. i, fl. 117 v.o.
5 Christóvão Aires de Magalhães Sepúlveda, História do exército português,
vol. II, pág. 204.
6 Doe. XLIV.
Cap. VI — Capitão e governador 235
A 9 de fevereiro assina el-rei um decreto mandando marchar
dentro de três dias para a fronteira o coronel Mahé, pois está aviado
de dinheiro bastante; e que os outros coronéis partam dentro de
oito dias, provendo-lhe a Junta dos três Estados o que proveu aos
mais •.
Baixa contra-ordem em data de i5 do mesmo mês, mandando
marchar o coronel Mahé para o Alentejo, e não para a Beira como
estava determinado^; mas não teve efeito esta contra-ordem, sendo
expedida a 22 do mês referido uma provisão régia para que se dê
toda a bôa passagem, e se prestem todos os auxílios de pousadas,
camas e estrebarias, de mantimentos, bestas, carros, carretas, barcos,
guias e tudo o mais, de Lisboa até à Guarda, ao coronel Sebastian
de Mahé com os capitães e mais oficiais do seu regimento francês, e
são nomeados os seguintes : Luis de Rithano senhor de Santa Cru\,
João Birneau senhor de Rosam, Jacques Dumon senhor de Grange,
Nicolau Romnigaud senhor de Santa Maria, Dom Luis de Mery,
Matheus Bolim, Luis de Santienne, Estiene Perot senhor de la Cham-
bre, Adrian Vas, Ajudantes, Cappellão, Prcuosle, Trombeta, Nicolao
Charon Sirurgião, ferreiro, selleiro ■•.
O general partiu para a Beira no declinar do mês de fevereiro.
Nos primeiros dias de março* entrou por Lamego, e teve ali uma
recepção muito ostentosa, seguindo depois para a Guarda, onde já
estava o mestre-de-campo D. Sancho Manuel.
Apenas chegado a esta cidade, recebeu logo os cumprimentos
pessoais de todos os capitães de presídios e governadores de praças.
«Sò. o Capitão Brás Garcia Mascarenhas (diz Salgado de Araújo),
q gouernaua as armas do Castelo, & Villa de Alfayates, não acudiu
a este empenho, por estar aduertido, que o Capitão do Castelo de
Aluergaria, seu uposito, fazia preparaçoens de guerra, com desenho
de entrar em Portugal, por aquelle seu destrito. E porque húa resi-
dência, na fortaleza de que se fez Omenage, he tam estreita, que
abona por de vigilante, & prudente Capitão semelhantes faltas, o
aprouou assi Fernão Tellez de Meneses» ^.
O aprovou assi Fernão Telle^ de Meneses, diz o cronista ; mas na
' T.T. — Conselho de Guerra — Decretos, m. 2, n." 18. — ^ Ibid. n." 25.
' T.T. ^ — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. 1, fl. 144 v.°.
* Dr. Salgado de Araújo, op. cit., fl. 124; — D. Luís de Meneses, op. cit.,
pág. 374.
s Op. cit., fl. 124 V.".
236 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
realidade o general ficou despeitado, e registou o facto no seu ca-
nhenho. É o que se deve lêr nas entrelinhas do escrito do dr. Sal-
gado.
Com estes governadores, que o foram cumprimentar, teve Fernão
Teles larga conversação, informando-se por meúdo do estado das
praças e do exército, do que se sabia do inimigo, suas forças e pre-
venções, do que se havia feito e do que havia a fazer-se para defesa
da fronteira, etc. Colhidas estas informações, escreve o general para
Lisboa em i de abril, a relatar o que apurara, e nesse relatório fala
em especial do seu mestre-de-campo D. Sancho Manuel, e da praça
de Alfaiates, que já se achava fortificada, e em boas condições de
defesa '.
Parece que nas informações fornecidas por alguns oficiais a Fer-
não Teles ia um pouco de critica aos governos anteriores, deprimin-
do-se o que até ali se fizera, para lisonjear o sol que agora despon-
tava no orizonte. Salgado de Araújo, que sistematicamente se abstêm
de dizer mal, empregando eufemismos e frases sibilinas através das
quais mal deixa entrever ou adivinhar a censura, reservada no fundo
da sua consciência, induz-me a supor o exposto, que, de resto, é
muito humano. Diz êle, ao dar conta das visitas e aplausos dos
capitães e governadores ao novo general, que isso sucedeu «na forma
do comú vso, de q trata Marco TuUio, q he esquecerense os homés
de ministros que téli bem os gouernassem, assi como se nunca os
conhecerão, e adular os que de nouo entrem, té que venhão outros,
per que a estes suceda o mesmo». E acrescenta candidamente: —
«Não quero dizer, que de D. Álvaro ficasse na Beira falta de lem-
branças: nem tam pouco de Fernão Telles de Meneses, quando deixou
o gouerno, mas encarecer o gosto, & aplauso com q de todos foi
recebido^».
l Querem-no mais claro ? — Sic iialeas, ut farina es.
Fernão Teles teve a fraqueza de dar ensejo e permitir a alguns
dos seus oficiais, logo nesta primeira visita, que fizessem insinuações
menos amáveis à orientação e actos dos seus predecessores no go-
verno. Vinha disposto a desmanchar o que eles haviam feito, a
deprimir os que eles tinham considerado e exalçado. E assim que
reputamos ser outra bisca, jogada pelo mesmo autor ao procedimento
i x.T. — Consultas do Conselho de Guerra, maço 2, n." 160.
- Op. cit., fl. 124.
Cap. VI — Capitão e governador 2^7
de Fernão Teles, o que êle diz ao apreciar o governo de João de
Saldanha, nos termos seguintes: — «E sendo próprio de alguns minis-
tros, que de nouo entrão em praças, mudar, & alterar do disposto
no governo precedente, talvez contra razão (porque se a ha fica sendo
obra de merecimento) João de Saldanha de Sousa nenhuma das
cousas, que o General Dom Aluaro de Abranches da Gamara deixou
dispostas, alterou, antes foi acrecentando os homens de méritos, a
quem D. Aluaro começara leuantar, & cõ razão, porque prémios a
gente ouciosa, conuerte o gouerno em Despótico, & se he em tempo
de guerra, he grande dano» '.
Poucos dias eram decorridos depois da vinda do novo general, e
eis que uns soldados da praça de Albergaria fizeram uma pilhagem
de pouca importância próximo de Aldeia-da-Ponte.
Brás Garcia, segundo o estilo assente desde o tempo de D. Álvaro
de Abranches, enviou um portador com carta sua a D. Francisco de
Eraso, governador daquela praça, comunicando-lhe o facto, a fim de
serem castigados os soldados, e o roubo restituído. Era a repetição
do que se tinha feito em casos semelhantes.
Mas, comenta com seus eufemismos enigmáticos Salgado de
Araiijo, «era já outro o General, & como mudãças de gouernos
custumão introduzir alteração, & nouidades, também aqui derão a
isto alcance» ^. Quer isto dizer que Fernão Teles, ao levarem-lhe a
noticia, acrescentou na folha do seu canhenho referente a Brás Gar-
cia : — Mantétn correspondência clandestina com o governador do
fronteiro castelo inimigo. Este apontamento foi corroborado poste-
riormente, por outras notícias, que iam chegando, de assídua corre-
spondência entre os dois governadores de praças.
O governador castelhano respondeu à primeira carta de Brás que
faria diligência '. A diligência prometida cifra-se em três dias depois
entrarem pela nossa fronteira alguns cavalarias espanhóis, e arreba-
tarem uns carneiros que andavam a pastar.
Nova carta do governador de Alfaiates para o de Albergaria,
• Dr. Salgado de Araújo, op. cit , fl. 121 v.° e s.
2 Ibid. fl. 124 V.».
3 Ibid
238 'Brás Garcia de oMascarenhas
queixando-se em termos mais veementes. Responde-lhe D. Francisco
em frases insolentes e cheias de arrogância, como quem queria de-
terminar o rompimento de hostilidades. Começava a avolumar-se a
gravidade do caso, especialmente com as informações que chegavam,
de que no castelo de Albergaria se iam concentrando tropas, e que
várias outras prevenções bélicas lá se faziam.
Brás Garcia dá parte de tudo ao general, sem que se interrompa
a troca de cartas e recados, que iriam crescendo em acrimónia.
Quando o nosso capitão esperava que lhe viesse ordem para ir à
mão armada exigir as satisfações, que lhe eram recusadas, recebe
com grande surpresa instruções para dissimular os agravos passados,
que o general diz serem sem importância, e para estar prevenido, a
fim de tomar satisfação logo que houvesse causa mais ponderosa.
; Que significava este procedimento de Fernão Teles, que parece
desmentir o brio pundonoroso e assomadiço que lhe estava na índole,
e de que deu várias provas ? Tal procedimento tem, a meu ver,
uma única explicação, que não seja desonrosa para o general. E
que já se lhe tinha radicado no espírito a suspeita de que Brás Garcia
era um vil traidor, que mantinha inteligências com o inimigo, e lhe
queria dar entrada entregando-lhe o castelo que governava. Esta
acusação formal e precisa, que èle lhe faz em documento oficial
poucos meses depois, já a esse tempo existia latente no espírito do
general.
Fernão Teles estava desde o princípio mal disposto contra Brás
Garcia, em quem não depositava confiança. Tendo denúncia da cor-
respondência trocada com o governador de Albergaria, clandestina-
mente segundo êle supunha, viu nela um indício claro, senão uma
prova de traição, e desde esse momento assentou para si que Brás
era traidor.
Quando o governador de Alfaiates lhe comunicou os agravos re-
cebidos do castelhano, longe de vêr nessa narrativa a explicação
natural e sincera da correspondência, considerou tudo um embuste, e
o começo da execução do plano de entrega. Brás queria desguar-
necer Alfaiates a pretexto de ir castigar Albergaria; entretanto viriam
os castelhanos, e sem resistência se apossariam da fortaleza desguar-
necida. Daqui a resposta dissimulada que deu, formando desde então
o propósito de fazer vigiar de perto o capitão Brás Garcia, até obter
provas materiais da sua traição. Factos posteriores confirmam esta
minha suposição, que me parece bem fundamentada.
Cap. VI — Capitão e governador 23g
Conta-nos Brás Garcia um episódio, em que foram protagonistas
sete soldados seus, sucedido numa das escaramuças entre espanhóis
e portugueses, perto da raia.
Seja o poeta que narre o caso • :
Inda os há tais não menos resolutos,
Tanto dignos, & mais de serem cridos :
Sete soldados meus, entre outros mutos,
De Espeia* se volvião rebatidos.
Solicitando as brenhas como astutos
Retirando se vinhão divididos
Das Tropas Castelhanas, que os seguião,
Por ver se em campo raso os opprimiaõ.
Os sete, que eram todos Mosqueteiros,
Sendo de duas Tropas rodeados.
Em campo raso vnindo-se guerreyros,
O quartel engeytaram de alentados.
Marchando, & mosqueteando aos cavalleyros,
Tanto assegurão tiros alternados,
Que os deyxam livres ir os Inimigos,
Tanto a resoluçam vai nos perigos ! '.
Entretanto iam aumentando um audácia os espanhóis.
Apenas decorridos quatro dias sobre o roubo dos carneiros, que
deixamos narrado, atravessa a raia uma força de quarenta cavalos
junto de Forcalhos, rapinando alguns bois. Como da aldeia houvesse
sinais a pedir socorro, Brás Garcia corre lá, mas não chega a tempo;
passa a raia, segue no encalce dos castelhanos, que haviam tido
tempo de se colocar em seguro, recolhendo-se com os bois ao castelo
de Albergaria. Encontrando porem algum gado a pastar, o capitão
Brás apreende-o; mas sae-lhe do castelo uma força de cavalaria
comandada por um alferes, que êle desbarata pondo a maior parte
' V. T. XII, 22-23.
2 Espeja é uma povoação na fronteira espanhola, a E.-S.-E. de Fuentes.
' Traz a i.' ed. do V. T. perigrinos, manifesto erro tipográfico, que se man-
teve na 2." edição.
240 'Brás Garcia de oMascarenhas
dos soldados em debandada, e recolhe a Alfaiates com o gado, tra-
zendo prisioneiros nove soldados e o alferes comandante.
Este procedimento de Brás Garcia era de molde a desfazer todas
as suspeitas que contra êle se haviam avolumado, e a reabilitá-lo no
conceito do general. Parece que realmente as suspeitas se desvane-
ceram um pouco, pois vamos encontrar Fernão Teles, dias depois,
a pedir-lhe o voto em conselho de guerra ; mas esse voto não é se-
guido, apesar de ser o mais autorizado de todos, e daqui em deante
vemos sempre afastado e posto de banda sistematicamente o gover-
nador de Alfaiates, todas as vezes que era necessário vibrar algum
golpe contra os castelhanos.
Era indispensável castigar tanta audácia dos soldados de Cas
tela. Chegavam além disso avisos de que o inimigo continuava a
juntar gente na fronteira, e projectava uma incursão para muito
breve.
Fernão Teles toma então as suas precauções.
Sabendo que Brás Garcia tinha ido explorar os três castelos es-
panhóis em tempo de D. Álvaro, manda-o chamar e tem com êle
uma conferência, em que se informa por meúdo do assunto.
Destaca da Guarda o tenente-general da cavalaria João de Sal-
danha com uma força de loo cavalos para Alfaiates, e o mestre-de-
campo D. Sancho Manuel com parte do seu terço de infantaria para
Castelo-Bom ; nessas duas fortalezas ficam de prevenção, para acu-
direm a onde quer que seja necessário.
Isto sucedia na quaresma de 1642.
João de Saldanha foi encontrar o governador de Alfaiates perfei-
tamente a par do que se passava do lado de alem da raia, mercê do
excelente serviço de espionagem que continuava a ter montado; mas
D. Sancho Manuel, sem informações dignas de crédito, enviou sol-
dados que fossem à fronteira espanhola, e prendessem alguns caste-
lhanos para deles saber o que havia, podendo de caminho saquear o
que achassem a jeito. Foram, e voltaram com três prisioneiros, e
com quarenta bois.
Não se fez esperar a resposta.
O inimigo sai logo de Albergaria, cai sobre a povoação de For-
calhos que é saqueada, e leva para Espanha muita gente presa.
Fizeram-se avisos ao mestre-de-campo e ao tenente-general, que
Cap. VI — Capitão e governador 241
acodem prontamente. João de Saldanha com a sua cavalaria, vindo
ali de perto, chega logo, e marcha até à vista do castelo de Alber-
garia em perseguição dos espanhóis, sem os poder alcançar ; já es-
tavam recolhidos com a presa.
Calcule-se o furor dos nossos oficiais e soldados, tendo de reco-
nhecer a sua impotência ante as muralhas da praça I
l Que fazer agora ? Voltar costas e retirar, ouvindo os chascos
e injúrias que o inimigo lhes dirige de trás das ameias ? j Ver-
gonha !
— Ha aqui perto um lugar bastante rico, Casillas, no qual nos
podemos desforçar, informa o capitão Diogo de Afonseca Coutinho,
muito conhecedor daqueles sítios.
João de Saldanha mete a mão no seio e tira uma planta corográ-
fica da região. Não há dúvida, lá está Casillas, a uma légua para
Sueste.
Manda imediatamente marchar sobre aquela povoação o capitão
Diogo de Tovar com a sua cavalaria, indo na vanguarda Diogo de
Afonseca Coutinho a descobrir campo e guiar. O tenente-general
fica ali, com o resto da torça, a fim de cortar o passo aos de Alber-
garia, se quiserem sair a socorrer Casillas.
De Albergaria ninguém se atreveu a sair. Os nossos tomaram
Casillas sem resistência. Chegou nesta altura D. Sancho Manuel, que
vinha de Castelo-Bom com a infantaria em socorro. O logar foi sa-
queado e queimado, ficando tudo em ruínas, e muita gente prisioneira.
O saque foi abundante e rico, sendo tudo transportado para Alfaiates.
Ao ter conhecimento do ocorrido, o general Fernão Teles deu
ordem para que se conservasse em depósito todo o despojo trazido,
até ver se o inimigo solicitava nova concórdia, em que se fizessem
restituições e se soltassem os prisioneiros duma e outra parte.
Apareceu efectivamente no dia seguinte um bolatim do duque de
Alba, a afirmar em nome deste que as entradas, que se haviam feito
na fronteira portuguesa, eram simples desmandos dos soldados, não
autorizados superiormente, e a propor a restituição mútua do sa-
queado e a soltura dos presos, com a garantia de que não se repeti-
riam mais semelhantes perturbações.
Fernão Teles concordou, e assim mandou que se fizesse.
Quem executou a ordem do general foi, como era natural, o go-
vernador de Alfaiates, Brás Garcia de Mascarenhas. Mandou soltar
os presos e entregar o gado e mais despojos depositados na sua
praça. Assistiu êle mesmo em pessoa a esta entrega, e nessa oca-
16
242 ^rás Garcia de oMascarenhas
sião disse aos espanhóis que se restituía tudo o que os soldados ou
paisanos roubassem em assaltos; mas que tal se não faria se alguma
cousa se tomasse em guerra perfeita, com bandeiras despregadas ou
campo formado. Se porventura eles castelhanos pudessem nestas
condições vir-lhe conquistar a sua praça de Alfaiates, que o fizessem,
pois muito bem tomada era ; e que êle, podendo, procederia da mesma
forma com as praças de Espanha.
Foi apenas um lugar comum que o capitão Brás enunciou; entre-
tanto as suas palavras foram estranhadas, repetidas com ampliações,
e certamente desfiguradas. Salgado de Aratijo * entendeu que devia
registá-las no seu livro, provavelmente para as reduzir à sua expres-
são verdadeira. ,: Como chegaram, elas aos ouvidos de Fernão Teles ?
l Não haveria quem lhe dissesse que ouvira o capitão combinar com
os espanhóis que lhes entregaria a praça, logo que viessem sobre ela ?
Afigura-se-me estar neste episódio o principal fundamento da acusa-
ção gravíssima, que pouco depois vemos formulada oficialmente contra
Brás Garcia pelo próprio general em seu relatório -.
Decorridos poucos dias sobre estes acontecimentos, deu-se um
novo assalto de espanhóis vindos de Valverde, do castelo de Eljas e
de S. Martinho de Trebejo. Passaram a portela chamada piierto de
San Martin e caíram sobre Foios, cerca de duas léguas desviado de
Alfaiates para Sul. Levaram dali perto de mil cabeças de gado.
Era o rompimento manifesto do contrato feito em nome do duque
de Alba.
Mandou logo o governador de Albergaria desculpar-se : — Que
tanto êle como toda a gente subordinada ao duque de Alba fora es-
tranha àquele assalto, feito por soldados do exército comandado pelo
governador da praça e distrito de Badajoz. Tal desculpa não colhia,
pois S. Martinho, por onde eles passaram para entrar em Portugal,
era da jurisdição do duque de Alba, que lá tinha autoridades suas,
que podiam e deviam impedir a passagem.
Brás Garcia escreveu logo para a Guarda a participar ao general
o ocorrido. Respondeu-lhe dizendo que na segunda feira da pró-
xima semana iria pernoitar a Alfaiates, e então conversariam.
' Op. cit., fl.
2 Doe. XLVI.
Cap. VI — Capitão e governador 243
Conservava-se ainda em Alfaiates o tenente-general João de Sal-
danha; tinha lá a sua companhia, as dos capitães Cristóvão de Men-
donça e Diogo de Tovar, e ainda o regimento de franceses do coronel
Mahé. Era uma concentraçãu de tropas ordenada por Fernão Teles,
sem dizer com que fim. Por ordem do general marchou também
para Nave, légua e meia a Noroeste de Alfaiates, o mestre-de-campo
D. Sancho Manuel com umas companhias de infantaria, na força de
Soo soldados.
Na tarde do dia marcado, segunda feira da semana santa, 14 de
abril, chega Fernão Teles a Alfaiates, e na mesma tarde, cumprindo
as instruções, recebidas, comparece também ali D. Sancho Manuel,
tendo deixado a sua tropa em Nave.
O general chama logo a conselho o mestre-de-campo, o tenente-
general, o coronel Mahé e o governador da praça, e declara-lhes que,
em face dos últimos acontecimentos, está resolvido a não dissimular
por mais tempo, e a entrar imediatamente em Castela ; pede porém
conselho sobre o melhor modo de levar a efeito esta resolução.
Falou primeiro o capitão governador Brás Garcia de Mascarenhas,
sendo de opinião que se dividisse a tropa em três corpos, e se fizes-
sem três entradas simultâneas, tomando ao mesmo tempo os três cas-
telos que tanto afrontavam a região: — Albergaria, El Payo e Eljas.
Pareceria empresa arriscada, dizia êle, mas não o era. Tinha infor-
mações seguras de que neste momento estavam mal guarnecidos, e
de que havia lá muito descuido. Ele conhecia-lhes bem os fracos, e
subministraria o plano de ataque de cada um, podendo assegurar que,
se houvesse segredo, habilidade e audácia, eram três golpes certíssi-
mos, sendo os castelos tomados
por sopresa.
Que hè das empresas a melhor empresa '.
Para se realizar este plano não era necessário, nem convinha, um
grande e.xército, que mal poderia manobrar: três medíocres corpos
de bons soldados, era quanto bastava, pois
Dos medíocres destros, & animosos
Sam pequenos, & grandes destroçados;
Não vencem miivtas mãos com mais prestcz.n,
Vence o valor, a astúcia, & a destreza-.
« V. r. IV, 53.-2 V. T. XIX, iS.
244 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
E concluiria a sua fala com um remate semelhante àquele que em
seu poema pôs na boca de Briseo, emitindo também parecer em um
conselho de guerra:
Favorece a fortuna aos atrevidos,
Se ousados investirmos, venceremos.
Este he meu parecer; & se hà quem diga
Outro mais importante, esse se siga '.
Foi unanimemente rejeitado por temerário tal parecer.
Brás mordeu despeitado o bigode. ; Ele que tinha absoluta certeza
da exactidão do que dizia, ele que era o línico naquele" conselho que
conhecia perfeitamente o assunto, pelos elementos excepcionalíssimos
de que estava de posse, êle que via claramente o grande alcance que
teria a adopção do seu plano, ser assim posto de parte como leviano,
como temerário ! ; Não devia, não podia ser !
Insiste pois, transigindo em parte. Já que receavam atacar si
multâneamente os três castelos principais daquela raia, ao menos se
acometessem ao mesmo tempo o castelo importante de Eljas, o infe-
rior de Trebejo, e a vila de S. Martinho de Trebejo. Nesta empresa
o mais difícil era tomar o castelo de Eljas ; pois bem, deixassem-no
a êle ir só com a sua companhia, e responsabilizava-se por entrar
no castelo, que conhecia como as suas mãos, e assenhorear-se hia
dele.
Era tal o tom de convicção e sinceridade que punha nas suas
palavras, que o general sentiu-se dominado, e pondo de parte a anti-
patia e desconfiança que tinha a respeito de Brás, deu mostras de
concordar; mas os oficiais do conselho mais uma vez rejeitaram o
voto do capitão.
Prevaleceu o parecer do coronel Mahé, com o qual concordaram
D. Sancho Manuel e João de Saldanha: — Que era perigoso dividir
as forças, especialmente neste primeiro ataque em forma. Bastaria,
para desafronta das ofensas recebidas do inimigo, e para fazer entrar
este na linha de respeito, ir tomar o castelo e vila de Eljas ^.
1 V. T. IV, 55.
* Não deixa de ser interessante sabermos qual era o feitio e envergadura moral
deste coronel francês, cujo parecer foi unanimemente preferido ao de Brás Garcia
de Mascarenhas no conselho de guerra que, sob a presidência do capitão-general
Fernão Teles de Meneses, funcionou na praça de Alfaiates a 14 de abril de 1642.
Não nos socorreremos de testemunho suspeito. Vejamos o que a 20 de ou-
Cap. VI — Capitão e governador 24S
Por fim, e depois de larga discussão, assentou-se nisto: — O ge-
neral partiria de Alfaiates para Valverde, que certamente se entre-
garia sem grande resistência, e em seguida avançaria a atacar Eljas;
o mestre-de-campo, saindo de Nave, iria logo directamente a Eljas,
onde se juntaria ao general para o ataque ao castelo.
l E Brás Garcia ? Esse ficaria em Alfaiates, vinculado ao seu
posto de governador da praça, como o papagaio preso ao estaleiro ;
mas a sua companhia, a afamada companhia dos leões, iria na expe-
dição comandada pelo seu alferes, j Calcule-se a contrariedade e
aborrecimento do nosso capitão, vendo partir os outros, e sendo obri-
gado a ficar, como se já pertencesse à classe dos inactivos !
Até aqui, para servir, para trabalhar, para dar informações, foi
sempre admitido e ocupado; ; agora, para colher as honras e saborear
o fruto já sazonado, arredam-no como inútil ! Razão pois teve o
poeta quando, mais tarde, rememorando este enorme desgosto por que
o fizeram passar, compara a sua sorte à do zangão, que as abelhas
admitem na colmeia enquanto dele precisam, mas depois, quando se
trata de saborear o mel, o põem fora •.
Quanto ao itinerário da expedição, havia dúvidas sérias, e o caso
era dificultoso.
O terreno não podia ser mais áspero e acidentado, tendo de se
vencer a barreira natural dos contrafortes da serra de Gata, que
tubro deste mesmo ano informava Lanier, representante de França em Lisboa, em
carta dirigida ao seu governo :
— «Je vous enuoye aussy la relation de ce que s'est passe en leur dernière
occasion ou le dit Popiliniere commandait la cau"e Mr. Mahé estan isy depuis trois
(ans?) a mener la plus infame vye du monde, et après auoír este payé de tout
cr que luy estoít debu, a demande son congé qu'on luy a três voUontiers accordé,
son gfíal fernando Telles ayant mande comme il n'estoit d'aulcun service. Sa
mate Tauvoit considere au commencement comme parment envoyé par S. E. du
quil il se disait fauory et pour donner conseil aux aff.s plus importants de la guerre.
Mr le Marquis le Brezé pensa le renuoyer en France dans ung brulost pour les
desordres quil fist dans la mayson du Roy avec ung nombre de filoux au commen-
cement quil en arriva isy. 11 ne promet rien moins que de ruyner les affr.s de cet
estat par le descry qu'il en donnera par de la». — (Arquivos do Ministério dos Estran-
jeiros de Paris, Correspondance de Portugal, vol. i, fl. 1O4, apud História do exér-
cito português, por Cristóvão Ayres, vol. 11, pág. 204).
» V. T. XIV, 86.
246 'Brás Garcia de oMascarenhas
estendem o seu espinhaço, cortando as comunfcações entre a bacia do
rio Côa, donde partia a expedição, e a do rio Elgas, para onde se
dirigia.
Há dois portos (puertos lhe chamam ainda hoje os espanhóis,
portelas dizemos nós usualmente em linguagem moderna), por onde
melhor se pode vencer a dificuldade da passagem: o de S. Martinho
e o de Santa Clara. Brás Garcia aconselhava que tanto o general
como o mestre-de-campo seguissem pelo de Santa Clara, que era
melhor caminho, embora mais longo ; mas havia conselhos diver-
gentes. Quis D. Sancho reconhecer primeiro o território, e convidou
o capitão a ir-lho mostrar dum alto. Foram, e o mestre-de-campo
voltou satisfeito, porque a sua infantaria por aquele caminho poderia
marchar ordenadamente, e debaixo de forma.
Ao regressarem a Alfaiates desta pequena viagem exploratória,
encontraram lá espias, que vinham avisar o governador de que actual-
mente o castelo de Eljas estava desguarnecido pela saída de tropa,
havendo dentro dele, de hoje para amanhã, apenas quatro soldados e
um rebanho de cabras. Era pois necessário aproveitar a ocasião, e
cair sobre esta fortaleza na próxima noite, sem falta.
Em face desta informação resolveu-se que D. Sancho recolhesse
a Nave, e concertasse a sua tropa para partir esta mesma tarde,
seguindo pelos atalhos apesar da extrema dificuldade e aspereza da
serra, por forma que surpreendesse o castelo antes de amanhecer.
O mestre de campo corre pois a Nave do Sabugal, manda pre-
parar as tropas, e depois de as ter formadas faz-lhes uma alocução
patriótica, e dá voz de marcha.
Eram cinco horas da tarde do dia i5 de abril, terça feira da se-
mana santa, quando partiram.
Contava-se com uma noite bela e clara, por haver sido a lua cheia
dois dias antes; mas formaram-se densas nuvens de trovoada, que
toldaram o ceu, e dificultaram mais a marcha *. Houve lugares onde
1 Labora num equívoco o Dr. Salgado de Araújo ao falar-nos da lerribilidade
em escuridão da noite (Op. cit., fl. i3i). Embora as nuvens se acastelassem densas,
como era ocasião de lua cheia, facto desconhecido do cronista, a escuridão deveria
ter atenuada a sua terribilidade. Entretanto a dificuldade da marcha não podia
deixar de ser enorme, pela natureza do terreno.
Cap. VI — Capitão e governador 24^
os soldados tiveram de desfilar a um de fundo, dando-se as mãos uns
aos outros. Entretanto o conhecimento dos guias experimentados
que levavam, e a coragem e entusiasmo dos oficiais e soldados, ven-
ceram todas as dificuldades.
Chegaram a Eljas ainda antes de ter chegado a Valverde o ge-
neral, que partira de Alfaiates ao sol posto, cerca de duas horas
depois de D. Sancho partir de Nave, e que foi guiado pelo capitão
Diogo de Afonseca Coutinho, muito perito nestes caminhos e passa-
gens.
Quem tiver a curiosidade de conhecer por meúdo as peripécias
desta expedição, recorra à crónica, já por nós tantas vezes citada, de
Salgado de Araújo ; nós limitar-nos hemos a apontar os resultados.
Fernão Teles reduziu sem resistência os habitantes de Valverde
a prestarem vassalagem a el-rei de Portugal, do que se lavrou escri-
tura pública. Aclamaram D. João IV por seu rei e senhor, arvora-
ram-se bandeiras portuguesas, estabeleceram-se autoridades em nom^
do rei de Portugal, e comprometeram-se os moradores a sustentar o
presidio de Eljas, de cuja rendição chegou aviso neste momento.
Cometeu entretanto o general a imprudência de não garantir este
contrato com alguns reféns, escolhidos entre os principais moradores
da vila, o que constituiria a única segurança eficaz. Feito isto, partiu
com as tropas para Eljas.
D. Sancho Manuel encontrara este castelo guarnecido apenas por
um alferes e sete soldados ; mas como a praça era forte e bem fe-
chada, ainda teve dificuldade em a entrar, dificuldade que foi vencida
pela audácia e coragem dos seus oficiais. A vila de Eljas, protegida
pelo castelo, entregou-se sem resistência, prestando solenemente vas-
salagem ao rei de Portugal. Quando o general chegou, estava o
feito concluído, sendo êle mesmo que, na qualidade de representante
de D. João IV, recebeu juramento de fidelidade do alcaide-mór do
castelo.
Em toda esta empresa não houve baixa alguma no nosso exército;
ao inimigo morreram ao todo 8 ou q homens •.
Teria feito bem Fernão Teles de Meneses, se arrazasse o castelo
para inutilizar esta arma nas mãos do inimigo; conservá-lo em nosso
poder era muito difícil, e as vantagens não compensavam o sacrifício.
Fiou-se porem nas promessas e juramentos dos adversários, e pou-
pou-o, deixando nele a guarnecê-lo o mestre-de-campo com Soo sol-
' Doe. XLVI.
248 'Brás Garcia de (SXIascarenhas
dados de infantaria. Em breve havia de reconhecer o erro cometido,
erro que talvez estivesse presente ao espirito do poeta ao escrever
estes versos :
Fietn-se os Capitães de quem vencerão,
E verão presto, como se enganarão ;
Que de muytos sabemos, que souberão
Vencer,- e das victorias mal uzarão :
Porque huns, em se deterem, se perderão.
Outros em se apressar, se despenharão ;
Que dana, emquanto o sangue não se enxuga,
De ter o alcance, & seguir a fuga '.
Partiu o general nessa mesma tarde de quarta feira para Pena-
macor, onde andava cuidando da reparação da fortaleza. Sofreu
em marcha uma horrível tempestade de trovões, chuva e neve, que
se desencadeou durante a noite.
A facilidade com que se renderam Eijas e Valverde, o descuido
em que se verificou encontrarem-se os espanhóis, mostraram bem
que, se tivesse sido adoptado o parecer de Brás Garcia, os três cas-
telos que ele apontava cairiam todos em poder da nossa tropa.
Falando de si, e do seu voto rejeitado pelo conselho de guerra em
Alfaiates, o poeta, depois de fazer referência à tomada da fortaleza
de Eljas e à de Valverde, nas quais se verificou, como ele anunciara,
. . . que em nocturna sombra de repente
Se toma a mais difficil facilmente,
acrescenta com espírito :
Não se renderão mais, por não ser crido,
Ou por não ficar mais acreditado :
Zãgão ', pêra aquentar, será admittido,
Pêra o favo gostar, fora deytado.
Etc 5.
Não tardou o duque de Alba a procurar a possível reparação ao
desastre da tomada do castelo de Eljas.
í V. T. III, 87.
2 Zagão, encontra-se na edição primeira, por erro tipográfico; deve lèr-se
^ângão.
3 V. T. XIV, 85-86,
Cap. VI — Capitão e governador 24g
Mandou ocupar por tropa um monte, padrasto ao castelo, e le-
vantar nêle um reducto. De lá faziam fogo nutrido contra a forta-
leza, e molestavam grandemente os nossos.
Os habitantes da vila faltaram ao seu juramento, merecendo que
o mestre de campo a mandasse queimar e arrasar.
D. Sancho previne logo o general da sua situação critica, escre-
vendo-lhe estas simples palavras : — Fico a braços co initnigo. V.
S." faça o que for servido.
Não se descuidou Fernão Teles em acudir com 6:000 infantes, em
cujo número ia a companhia de Brás comandada pelo seu alferes, e
com 200 cavalos.
Foi pela pascoela que o general apareceu junto de Eljas com estas
tropas. D. Sancho saiu fora do castelo a encontrar-se com êle, con-
ferenciando os dois sobre a maneira de atacar o inimigo.
Esperava o general que no dia seguinte pela manhã aparecesse
guarnecido com gente nossa um outro monte que havia superior
àquele donde os castelhanos nos molestavam ; entretanto amanheceu,
sem que esse outro padrasto fosse ocupado.
Fora o caso que Fernão Teles, ao partir, enviara ordem ao go-
vernador de Alfaiates para mandar preparar i5o soldados de infan-
taria, que, comandados pelo capitão Simão da Costa Feo, atravessa-
riam a serra nessa noite e ocupariam o padrasto, e no dia seguinte,
ao amanhacer, estariam a fazer fogo sobre o reducto dos castelhanos.
O capitão Brás Garcia viu-se deste modo mais uma vez excluído
de ir comandar a sua gente ; cumpriu porém o dever de executar o
que o general mandava, e preparou os soldados, segundo as ordens
recebidas.
Mas até ao declinar da tarde não apareceu o capitão Costa Feo.
Então o governador de Alfaiates resolve ir êle mesmo à frente dos
soldados. Tinha chegado o coronel Diogo Ribeiro Homem com
alguma gente da ordenança; entrega a este o governo da praça,
manda tocar a reunir, e, quando ia dar a voz de marcha, eis que
chega o capitão Feo, que protesta ruidosamente contra a deliberação
tomada pelo governador em contrário às ordens e instruções ex-
pressas do general, requerendo que lhe seja entregue o comando da
força. Brás Garcia fica muito contrariado com este novo incidente,
mas*cede por espírito de disciplina.
Era sol posto quando partiu o capitão Feo a cavalo, à frente dos
soldados. Anoiteceu; noite escura e sem luar, pois dentro de dois
ou três dias ia ser lua nova. Enormes eram as dificuldades da serra.
25 o 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
áspera e fragosa. O cavalo em que monta\a o capitão tropeçou e
chapou-se, ficando o oficial bastante magoado. Não esteve com mais
cerimónias; abandonou a força, e regressou a Alfaiates a pretexto de
se sangrar.
Ao vê-lo, e ouvir-lhe dizer que os soldados haviam ficado aban-
donados na serra, o governador ficou furioso; em vez de mandar
sangrar o capitão, exigiu-lhe a espada, e prendeu-o.
Estava casualmente na praça o capitão de Vilar-Torpim, a quem
Brás Garcia enviou à cata dos soldados, com ordem de ir ocupar o
padrasto, segundo as determinações do general, caso fosse ainda
possível chegar a tempo. A força apareceu, mas pouco depois ama-
nhecia sem ter vencido a serra. Assim falhou o plano da ocupação
do monte durante a noite.
Vendo pela manha que o padrasto não fora ocupado, o general
resolve que seja tomado à valentona o reducto dos castelhanos, tre-
pando os nossos a íngreme e quási inacessível encosta, e arrostando
de frente e a peito descoberto as balas do inimigo. Não podia em-
pregar-se cavalaria nesta empresa; só infantaria arrojada e sem amor
à vida era capaz de tal fazer.
Foi para isso escolhida a companhia do capitão Brás Garcia de
Mascarenhas, já conhecida pelo seu valor destemido, e por isso co-
gnominada companhia dos leões. Reforçou-se com cerca de cincoenta
mosqueteiros valentes, escolhidos por D. Sancho, e foi dividida em
dois troços de cento e tantos homens cada um. Para os comandar
nomeou o general os capitães Manuel Feo de Melo e Luís de Paiva.
Este apresentou várias escusas, com que ficou alcunhado de poltrão,
e foi substituído pelo ajudante Simão Ferraz de Faria.
Do castelo mandou D. Sancho dar uma descarga cerrada para o
padrasto; os que o ocupavam responderam-lhe em continente descar-
regando as suas armas sobre o castelo. Aproveitaram este mo-
mento os dois troços de infantaria para saírem e começarem a trepar
o monte, cada um por seu lado, vencendo algum espaço enquanto os
castelhanos realizavam a demorada operação de carregar armas.
Depois foi um despejar de balas sem medida sobre os soldados por-
tugueses, que continuavam trepando pelo monte arriba.
Foi mais feliz o troço do comando de Feo de Melo, que acertou
com o lado um pouco mais acessível do monte; subiu mais dep^ssa
por entre as balas que como granizo lhe enviavam de cima os trezentos
e tantos espanhóis que guarneciam ofeducto. Chegaram às primeiras
guarnições, que desalojaram, e avançando até ao reducto principal
Cap. VI — Capitão e governador 25 1
obrigaram o inimigo a abandoná-lo e pôr-se em fuga, com morte de
cinco ou seis soldados. O capitão Feo contou então os seus, e
encontrou i lo, isto é, todos os que lhe haviam sido entregues,
j Nenhum fora victima da sua intrepidez!
Razão pois tinha o poeta, quando escrevia:
Custava a guerra antiga muyta gente,
Porquanto pelejava mais chegada;
A de hoje, como ao largo se combata,
Muyta pólvora gasta, & poucos mata '.
Ao assenhorearem-se os nossos do reducto, vêem entrar do outro
lado Simão de Faria com o seu troço, que se não mostrou menos
destemido.
— \Estremado i'alor! exclama o cronista dr. Salgado, ao dar
conta da façanha. — ; Foi hum dos mais arriscados, & honrados feitos,
que se ji\erão em toda aquella frôteira ! "^
Teriam neste ataque conquistado o justo epíteto de companhia dos
leões os soldados de Brás Garcia, se não fossem já designados por
esse nome.
Logo no mesmo dia marchou o general com o mestre-de-campo
e toda a gente disponível a pernoitar em Valverde, cujos habitantes
protestaram submissos que não eram coniventes na rebelião dos de
Eljas, antes pelo contrário queriam ser considerados como os mais
fieis vassalos de el-rei de Portugal. Bem conhecia Fernão Teles a
falta de sinceridade daquela gente, mas convinha-lhe dissimular.
No dia seguinte caminhou sobre a vila de S. Martinho de Trebejo,
que era das mais ricas povoações de toda a serra de Gata. Encon-
trou-a prevenida, bem fortificada e guarnecida de cavalaria e infanta-
ria, com oficialidade escolhida, munições abundantes, sob o comando
do mestre-de-campo 1), Benito de Queiroga, militar de muito valor.
Apesar da grande bravura dos nossos, que se bateram como heróis,
especialmente D. Sancho Manuel, que mais uma vez deu provas de
sua extraordinária valentia, o general teve de desistir da empresa ao
fim de quatro horas de combate, e de haverem os nossos tomado uma
' V. T., IV, 28.
2 Op. cit., fl. i35.
252 'Brás Garcia de dMascaretihas
parte da vila, porque desatou a chover tanto, que não houve meio de
evitar que se molhasse a pólvora, morrão e cassoletas, tornando-se as
armas imiteis. Entretanto alguns oficiais mostraram o grande des-
gosto que lhes causou a ordem de retirar, especialmente D. Sancho
e João de Saldanha, que mesmo sem pólvora queriam ir avante e
concluir a tomada da vila. Sofreu o inimigo cerca de 120 mortes e
muitos prejuízos materiais; nós tivemos também algumas baixas, em-
bora em número bastante inferior.
O general retirou-se com o exército, indo pernoitar outra vez em
Valverde, donde no dia seguinte foi a Eljas mandar desmantelar o
castelo, que só nos podia servir de embaraço, e recolheu de noite a
Penamacor, debaixo de um temporal desfeito.
Seguiu-se uma entrada de espanhóis na nossa fronteira, por vários
pontos, no mesmo dia e quási à mesma hora.
A Espanha, continuando a sustentar guerras em muitas partes,
não podia acudir à fronteira portuguesa, e assim, não pensando sequer
por agora em vir ocupar Portugal, mantinha junto da raia um pequeno
exército, que guarnecia as praças, mas não era capaz de fazer uma
incursão em forma pelo território português, a conquistar os nossos
castelos, apesar da fraca resistência que nós podíamos opôr-lhe.
Limitavam-se os soldados a estas pequenas correrias de destruição e
de pilhagem por surpresa. Teem perfeita aplicação a esta fase da
guerra da restauração os versos do nosso poeta :
Com forças igualmente quebrantadas
Se prosegue depois mais branda a Guerra:
Como as ondas do mar, quando empoladas,
Húas ao golfo vão, outras à terra:
Assi entrando, & fazendo retiradas,
Huns, & outros, cada qual por fim se encerra
Em seus limites, como os passarinhos,
Que feyto o furto, fogem pêra os ninhos '.
O primeiro troço de soldados espanhóis que nesta ocasião passou
a raia veio da serra de Gata: assaltou sem resistência os lugares de
Lageosa, Aldêa-Velha, Aldêa do Bispo e Poios, saqueou e queimou
estas povoações, e retirou-se com grande presa de gados.
' V. T., III, 90.
Cap. VJ — Capitão e governador 253
Houve sinais a pedir socorro, e o governador de Alfaiates, que os
ouviu, acudiu logo com a sua guarnição, que então era reduzida, e
constando apenas de infantaria; mas o golpe fora tão rápido, que,
quando êle chegou, já o inimigo recolhia de Foios em direcção ao Sul.
Brás Garcia, conhecedor, como era, da região, e já escarmentado de
outras vezes, em que o inimigo se escapara com a presa enquanto
os soldados de cavalaria escaramuçavam, em vez de lhe seguir no
encalce, ladeou sem ser presentido, tomou-lhe a deanteira, e cami-
nhando por atalhos foi emboscar-se no porto de S. Martinho, por onde
os castelhanos iam fatalmente passar.
Madeira de Castro na sua biografia do poeta, e quantos depois dele
lhe teem seguido as pegadas, colocam o porto de S. Martinho no rio
Águeda, supondo-o um porto fluvial. Basta lançar a vista sobre um
mapa, e ver que o rio Águeda forma a raia portuguesa apenas desde
o Douro até Escarigo, mais de dez léguas distante de Alfaiates, para
reconhecer a inverosimilhança de ir o governador daquela praça dar
caça aos espanhóis a tão larga distância. O porto ou portela de
S. Martinho fica, já nós o vimos, a menos de uma légua a sul de
Foios. E uma passagem estreita, uma garganta que corta a serra,
dando trânsito de uma para outra banda. Se tivesse ido cavalaria,
só serviria de embaraço e impedimento.
Não os pode ajudar cavallaria,
Que inútil fica entre a áspera estreyteza '.
Brás dispôs a sua gente escondida entre o mato e as fragas, a um
e outro lado, sobranceira à passagem, com as armas carregadas e
aperradas.
Ia executar um golpe de surpresa, um desses golpes de que êle
tanto gostava, em que tomava para exemplo e modelo a águia, e de
que fez a apologia no seu poema:
A princesa das Aves nos insina,
Como ha de ser a guerra executada:
Nam vedes como dece repentina,
Sobre a caça, que pasce descuydada?
E que não pára nunca em tal rapina,
Senão que pello ar arrebatada
A vem comer sobre hum penhasco duro,
Que inda que bruta, julga-o por seguro ? ^
1 V. T., I, gó.
2 V. T., II, 5i. — Note-se que nesta estância, como nos dois versos acima
254 'Brás Garcia de (S\íascareuhas
Alegres, satisfeitos e descuidosos iam os soldados espanhóis con-
duzindo a valiosa presa. Pelo desfiladeiro
Entra a cáfila espessa, & numerosa,
De animo pobre, & de despojos rica'.
Subitamente estrondeia-lhes sobre as cabeças uma descarga cerrada
de fusilaria, e alguns caem feridos. A força parou um momento
surpreendida e apavorada.
De cada lado Iby logo investida
Atraz cercada, & bem cortada avante,
Pagando seu descuydo com a vida,
Que da morte se faz sempre distante.
Procura cada qual com a fugida,
Remedear o perigo circunstante,
E em cada parte discorrendo tudo
Vai seu peyto encontrar com ferro agudo ^.
Foi uma victória que bem pouco custou aos soldados de Brás
Garcia. Recolheram os ricos despojos que os espanhóis levavam, e
com alguns presos voltaram a Alfaiates.
Quando revertia á sua praça, todo satisfeito do bom êxito da
expedição, uma notícia bem desagradável surpreende o nosso gover-
nador.
Durante a sua ausência um outro bando de espanhóis entraram dos
lados de Albergaria, e assaltaram Aldêa-da-Ponte. Encontraram
bastante resistência neste logar, que era defendido por trincheiras.
Muitos sinais de lá fizeram, a ver se de Alfaiates lhes acudiam; mas
o governador estava ausente, e a guarnição ficara reduzida à expressão
mais simples, não sendo possível i-los socorrer. A trincheira foi
tomada, os moradores refugiáram-se na igreja, que também não poude
resistir, e assim foi o logar saqueado e queimado, perdendo a vida
muitos dos moradores. Dali os espanhóis seguiram a fazer o mesmo
em Forcalhos, que saquearam pela segunda vez e queimaram sem
resistência, e depois regressaram a Albergaria.
transcritos, Brás não refere o golpe de surpresa por ele planeado e executado, mas
episódios da guerra viriatina, para a qual frequentes vezes transporta os seus pró-
prios feitos.
1 V. r., 11,65. — 2 V. T:, II, 64.
Cap. VI — Capitão e governador 255
Não foi isto mais que uma parte dos assaltos que o duque de Alba
mandou fazer à nossa fronteira da Beira. No mesmo dia outros
bandos assaltaram Nave-de-Haver e Freineda, Val-de-la-Mula e Vila
de Coelha, e mais ao norte Escarigo.
Disse-se depois que os moradores de Val-de-la-Mula, aldêa que
não chegava a ter trinta e cinco fogos, vieram pessoalmente a Almeida
pedir socorro ao governador, e que Rodrigo Soares Pantoja Ihu recu-
sou; mas que dez soldados da guarnição da praça, vendo a recusa do
governador, foram por sua conta à aldêa, afugentaram o inimigo que
já tinha posto fogo às casas, e trouxeram alguns despojos.
Um cúmulo de mentiras, armadas sem ter em atenção nem sequer
a verosimilhança. Pensemos um pouco, e vejamos se isto era possível.
Os soldados vieram saquear e incendiar aquela aldêa insignificante, o
que fizeram rapidamente e sem resistência alguma; pois apesar dessa
rapidez, houve tempo para tudo isto : — irem os moradores a Almeida,
que pelos caminhos de então dista sete quilómetros e não só meia
légua como no seu relatório escreveu Fernão Teles, — requisitarem
socorro que lhes foi negado pelo governador Pantoja, — recorrerem
aos soldados que, ofendendo gravemente a disciplina, e depois de se
terem armado e municiado, partiram contra as ordens do comandante,
e ainda lá encontraram os espanhóis, que provavelmente se estavam
a aquecer ao fogo das casas que ardiam I — Ainda isto não é tudo :
os dez soldados bateram os espanhóis, derrotaram-nos, espantaram-
nos, e no fim pegaram nos despojos que os moradores tinham deixado
nas casas e trouxeram-nos para Almeida!
Isto lê-se, e custa a crer que fosse escrito a sério. Entretanto lá
está no relatório oficial dos acontecimentos, escrito pelo próprio punho
do capitão-general Fernão Teles de Meneses, e que eu li com os meus
olhos I '.
Quando estes factos se deram, ainda se conservava em Pena-
macor o general.
Apenas tem notícia das novas incursões, parte imediatamente a
informar-se por si dos acontecimentos.
Chega a Alfaiates, e abre uma devassa contra o governador da
praça, para que todas as pessoas que conheçam alguma circunstância
relativa ao facto da invasão a vão declarar em segredo.
» Doe. XLVI.
236 ^rás Garcia de oMascarenhas
O resultado dessa devassa é conhecido nos seus traços gerais,
apesar de ter levado sumiço o processo, naturalmente destruído por
ordem do próprio D. João IV, enjoado e aborrecido com as calúnias
e infâmias mal urdidas, que o entreteciam. Conhecemos esse resul-
tado pela notícia dada por Bento Madeira de Castro ', já muito alte-
rada, e com um sabor acentuado da lenda, que bem cedo envolveu o
poeta guerreiro, e pelo relatório oficial redigido e escrito por Fernão
Teles de Meneses^.
Segundo o que se apurou, Brás Garcia de Mascarenhas era um
traidor, que tinha tratos de inconfidência com os castelhanos, mantendo
correspondência muito íntima e inconfessável com o governador da
vizinha praça de Albergaria. Combinara entregar-lhe a praça de
Alfaiates, e para isso desguarneceu Aldêa-da-Ponte, a fim de o inimigo
chegar à porta daquela praça sem embaraços. Segundo esta combi-
nação, entrou a fronteira uma força castelhana, mas, encontrando em
Aldêa resistência inesperada por parte dos moradores, já não pôde
chegar a Alfaiates, e assim não se realizou a projectada entrega.
Entretanto a força espanhola, deixando Aldêa-da-Ponte e não podendo
ir até à porta de Alfaiates, que imediatamente lhe seria aberta, como
lhe tinha prometido o dito Brás Garcia, andou a bater a fronteira, e
se foi fazendo algú dano nas aldeãs daquella araya como são forca-
Ihos, fuinhos, lageo^a, aldeã relha, queimando em cada hua destas aldeãs
algumas ca:{as ^.
É tão alheia à verdade, tão contraditória e absurda esta narrativa,
que nem me dou ao trabalho de lhe apontar os dislates e inverosimi-
Ihanças, que são bem patentes.
O general Fernão Teles fez comparecer perante si o governador,
capitão Brás Garcia de Mascarenhas, e sem o ouvir, sem lhe admitir
defesa, deu-lhe voz de prisão.
;Bôa recompensa a tantos e tão valiosos serviços prestados à pátria!
Acompanhado de uma força é remetido ao castelo do Sabugal *,
onde fica preso alguns meses.
De Alfaiates passou logo o general a Almeida, e ali prende também
por traidor, depois da devassa do estilo, o sargento-mór governador
1 Doe. CXII. — 2 Doe. XLVI. — 3 Doe. XLVI.
♦ A estampa em frente representa a torre de menagem do castelo do Sabugal,
COttl as ruínas das construcções anexas. Devo esta fotografia à amabilidade do
sr, engenheiro António Rosado, director das Obras Públicas do distrieto da Guarda.
f
Torre quinaria do castello de Sabugal
Cap. VI — Capitão e governador sSj
daquela praça, Rodrigo Soares Pantoja, e com ele muitas outras
pessoas, classificadas de réus de alta traição! *.
i Estava consumada a iniquidade!
Sucedia isto em princípios de maio de 1642.
A 22 deste mês escrevia Fernão Teles uma carta a el-rei, dizendo
ser já a quarta via por que mandava a exposição nesta contida.
Queixava-se amargamente de lhe haverem fugido muitos soldados,
achando-se com pouquíssima tropa ^. Na mesma queixa insistia afli-
tivamente em nova carta, datada de Almeida a 18 de junho', i Que
queria êle que fizessem os soldados, ao verem como eram premiados
os oficiais mais distintos, e de maior prestígio e serviços, tais como
Soares Pantoja e Brás Garcia ? Esta deve ter sido a principal causa
das deserções em massa, embora para muitas tenha concorrido o
motivo, pelo general apontado, de ser mal paga a gente.
Também naquela carta de 22 de maio pedia o general a el-rei que
lhe enviasse pessoa de grande experiência e de grande talento, para
governar a praça de Alfaiates, que he a chaiie de toda esta provinda
da Beira *. ; Cedo começou a sentir-se a falta que fazia o nosso
herói !
Em face desta requisição de Fernão Teles de Meneses, D. João IV,
por despacho de 2 de junho, pede o parecer do conselho de guerra,
que em consulta de 2 1 do mesmo mês propõe três nomes, para dentre
eles ser escolhido o novo governador de Alfaiates: — Diogo Gomes
de Figueiredo, sargento-mór do terço da nobreza comandado pelo
marquês de Montalvão, o capitão Francisco Barroso, e o capitão
João Babilão de Sousa, todos três sogeitos de muitos antios de seriiiço,
em guerra viu 7, e que tios postos que occuparaõ nella deraó inteira
satisfação. E este último o nomeado por despacho real da mesma
data 5.
Mas, apesar das notificações que se fazem ao novo governador de
Alfaiates, é certo que decorreram dois meses sem João Babilão ir
tomar conta do governo da sua praça. De novo o conselho de guerra
» Doe. XLVI.
* t.T. — Consultas do Cons. de G., m. 2, n.° iêo.
' T.T. — Consultas do Cons. de G., m. 3, n.» i85,
< Doe. XLV. - 5 Ibid.
«7
258 'Bj-ás Garcia Mascarenhas
volta a ocupar-se do assunto, e resolve em consulta de 2 de setembro,
visto não se apresentar o nomeado, propor Esteuaõ Soares de Mello,
que tem seruido muitos ânuos no Brasil e nas armadas, cumprindo
sempre a sua obrigação, sendo Jidalgo taõ principal e senhor da casa
de Mello, com muita experiência da guerra e conhecimentos de for-
tificações, etc. Sobre tal consulta ordena el-rei, por despacho de 6
de setembro: — Proponham-se mais pessoas para esta praça *.
Reúne outra vez o conselho a 1 1 do mesmo mês, e indica os
nomes dos capitães Gonçalo de Afonseca de Aguilar, e António de
Andrade Gamboa. Assiste a esta sessão do conselho de guerra,
alem do conde de Penaguião e de D. José de Meneses, o nosso já
muito conhecido D. Álvaro de Abranches, o primeiro general que
comandou o exército da Beira. Faz este a declaração de concordar
com a proposta dos dois nomes, e com a de Estêvão Soares de Melo,
já feita na sessão anterior; mas que dá no seu roto o primeiro lugar
a Gonçalo dAfonseca dAguilar, pelas rabões referidas na consulta,
e pelo valor e satisfação com que o riu seruir, hauendo sido o pri-
meiro que ocupou o posto de Alfaiates, c seruir em Saluaterra anno
e mco -.
El-rei não faz logo a nomeação. Aparece entretanto um requeri-
mento, que o conselho remete ao monarca em 10 de outubro, no qual
o capitão Babilãd expõe que, se não tinha já marchado ao seu destino,
fora por falta de meios, pois lhe não haviam sido pagos ainda 53®ooo réis,
resto de uma folha de SoíJíooo réis, que el-rei lhe mandara dar, havia
um ano; mas, como tinha alvará passado pela chancelaria, e prestara
juramento, se el rei o mandasse partir, o faria, ainda que fosse pe-
dindo esmola. Suplica por último ao monarca que lhe conceda
licença para partir, mandando-lhe carta para Fernão Teles, afim de
este lhe entregar a praça; e, a propósito, encarece os serviços que
prestou a D. João IV, vindo de Castella a buscar Sua Majestade
como a seu rei e senhor natural, não reparando em riscos de vida
nem em gastos de fazenda ^.
Em fira, depois ainda de alguma hesitação, el-rei determinou defi-
nitivamente, por despacho de 17 de dezembro de 1643, que — Acuda
João de Babilão d praça de Alfaiates, de que lhe tinha feito mercê *.
Haviam decorrido sete meses desde a prisão de Brás Garcia, e
coincidem estes últimos acontecimentos, pouco mais ou menos, com
a sua soltura. Babilão não acudiu ao seu posto, fosse pêlo que fôsscj
i T.T. — Consultas do Coits. de C, m. cit. — ' Ibid. — ' Ibid, — < Ibid.
Cap. VI — Capitão e governador zSg
e em meado do ano seguinte ainda não tinha assumido o governo de
Alfaiates, nem depois disso o assumiu, que me conste.
Mas i quem foi que durante esse ano desempenhou interinamente
as funções de governador de tão importante praça ? Vamos vê-lo.
Apenas prendeu o poeta, logo Fernão Teles incumbiu do governo
de Alfaiates Manuel de Sousa de Almeida, oficial bravo e destemido,
em quem o general muito confiava. Mas, ao cabo de poucos meses,
tinha dado provas de não estar à altura de tão grave cargo. Supe-
rabundava nele a bravura, mas escasseava a prudência e ponderação.
Para governar não basta ser valente. Agora é que os soldados da
companhia dos Leões, que continuavam a guarnecer a praça, ao esta-
belecerem o paralelo entre o seu querido capitão-governador, e o que
actualmente ocupava o posto, sentiriam aumentar em suas almas a
admiração pelas altíssimas qualidades daquele.
Causa-nos um pouco de surpresa o facto de vermos os soldados
desta companhia, composta em grande parte de fidalgos, parentes e
amigos de Brás Garcia, e que serviam não só por dedicação patriótica,
mas também por satisfazerem aos desejos deste, continuarem no ser-
viço activo, depois de verem infamemente caluniado e preso o seu
estremecido e respeitado capitão.
Era o sentimento patriótico que neles sobrepunha a defesa da
pátria a esses aborrecimentos e desgostos; \ era provavelmente o pró-
prio Brás Garcia, que da sua prisão lhes mandava recados e exorta-
ções, para que cumprissem à risca o indeclinável dever de portu-
gueses !
Quatro meses decorridos sobre a sua prisão, achando-se encarce-
rado no Sabugal, ainda o poeta considerava como soldados seus os
da companhia de que fora comandante. Assim os denominava, entu-
siasmando-se com as proezas e com os feitos distintos por eles pra-
ticados, como se realmente êle fosse ainda o seu capitão. Bem prova
isto o caso que passo a narrar.
Declinava já o mês de setembro de 1642. Era nas proximidades
do equinócio do outono, e achava-se o general Fernão Teles em
Almeida. Eis que lhe chega notícia de que nas ruínas da destruída
Aldeia do Bispo se albergavam castelhanos, que dali salteavam as
vizinhanças, causando grande dano aos pobres lavradores portu-
gueses.
200 'Brás Garcia (^Mascarenhas
Ordena logo ao capitão Diogo de Tovar que marche com a sua
companhia de cavalaria a dar-lhes caça e castigá-los ; mas este,
achando a ocasião asada para fazer por sua conta uma incursão pelo
território espanhol dentro, e assim dar hum refresco aos seus sol-
dados^ trata de a aproveitar. Ao passar por Alfaiates, comunica o
seu pensamento ao governador, que, longe de lho rebater como con-
trário à disciplina, por se afastar das ordens recebidas do general,
lho apoia, e para a sua realização inconsideradamente lhe fornece
oitenta soldados da companhia dos Leões.
Com esta força de infantaria e com a sua companhia de cavalos,
transpõe Diogo de Tovar a raia em direcção à praça de Espeja.
Quando, porem, se aproxima desta, dá sobre êle uma importante
força de cavalaria inimiga, com que não contava, a qual põe em
debandada a tropa portuguesa, matando-lhe alguma gente, e aprisio-
nando outra, ^'aleu aos nossos ser a região abundante em pinhais e
matos, por onde os soldados se esconderam, evadindo-se quando a
noite sobreveio.
Foi nesta conjuntura que sete dos soldados da companhia dos
Leões, todos sete mosqueteiros, praticaram a proeza, a que já fiz
referência, e que Brás Garcia cantou em duas estâncias do seu poema
Viriato Trágico, as quais deixo transcritas na página 23g deste
livro, para onde remeto o leitor '.
Eis a narração contemporânea do facto, escrita pelo Dr. Salgado
de Araújo: — «Saluouse nossa gente pelo monte, ficou catiuo Domingos
Pinto, o qual na segunda noite fugio pêra Portugal. Diuidio-se a caua-
leria inimiga, à caça dos nossos pelo pinhal, onde alguns quarenta caua-
leiros encontrarão sete infantes nossos, de mosquete, que quando os
virão, com grade animo de morrer valerosos, tomarão huã colina, &
postos nua mò, cõ as costas pêra dentro, se foraõ em circulo defen-
dendo, não disparando juntos, mas huns, em quanto outros carre-
gauaõ: & deste modo pellejarão, com tal destreza, & valor, que
fizerão retirar os que os buscauão, & elles se vieraÕ por húa capina,
a seu passo, sem que alguém ousasse seguillos» ^.
Este feito épico de sete soldados meus, que eram todos mosque-
teiros, como diz o poeta, encheu de nobre orgulho o capitão Brás
Garcia, quando lho contaram; no conceito porem do general decaiu
1 V. T., XII, 22-23.
í Successos militares, fl. i56 v.';— cf. Portugal restaurado^ parte I, liv. vi,
pág. 387,
Cctp. VI — Capitão e governador 261
muito, não só o capitão de cavalaria, que planeou a infeliz empresa,
mas também o governador de Alfaiates, que sem autorização lhe
forneceu a força de infantaria.
Mas não ficou por aqui. ; Estava em maré de infelicidades o
governador Manuel de Sousa de Almeida ! Decorrem apenas alguns
dias sobre este desastre, e um outro, bem mais grave e da sua ex-
clusiva responsabilidade, lhe cai em cima é o inutiliza.
Avistou-se das ameias de Alfaiates uma força de cavalaria inimiga,
pouco importante, que, passando a raia, mostrava querer executar
uma dessas frequentes pilhagens pelos campos e logares abertos.
Logo o governador mandou sair a tropa, que lhe pareceu suficiente
para bater os espanhóis, encarregando do seu comando o tenente
Simão de Oliveira da Gama.
A simples aproximação dos nossos, os soldados inimigos retira-
ram; mas fizeram-no por forma tão pouco natural e tão insólita, que
o tenente percebeu que pretendiam atraí-lo a uma emboscada. Fez
pois alto, e mandou dizer ao governador o que observara, e as razões
que tinha para assentar como certo, que uma cilada lhe estava prepa-
rada.
— Qiie avançasse, lhe mandou dizer o governador, e que não fosse
medroso.
O tenente Gama cumpriu logo a ordem, mas protestando que por
obediência ia conscientemente cair numa ratoeira.
«Chegou à embuscada, sahio o inimigo delia, desbaratou-lhe a
Tropa, morrerão \inte soldados, e os mais ficarão prisioneiros.
Fernão Telles castigou a imprudência do Governador de Alfayates,
tirando-lhe o posto, em que ocupou o Sargento-mór Lourenço da
Costa Mimoso» '.
Bem escreveu o poeta :
Fez a temeridade muytas vezes
Com forças inferiores bons acertos,
Vencendo muytos poucos Portugueses,
Mas erão Portugueses muyto expertos,
Que sabiáo romper muros, & arneses,
E pelejar a peytos descubertos:
Muytos buscão por brio o Inimigo
Poucos saheni com honra do perigo.
' Portugal restaurado, ibid.
2 62 'Brás Garcia dMascareuhas
Hé natural em nós o destemelo,
Antiga a emulação de procuralo,
Frequente a presunção de accometelo,
Covardia a prudência de evitalo:
Chegando, ô grande mal ! a conhecelo,
Quando jà não podemos remedialo.
Naõ hè melhor antes, que o mal succeda,
Não hir á luta, que levar a queda ?
Lute quem sabe, quem não sabe aprenda,
Antes que saya a publico terreyro,
Que quem aprende aonde se arrependa,
Não hè de valeroso, hè de grosseyro.
Aprender, & mandar ninguém o eraprenda,
Que hé novo potro, & novo Cavalleyro,
E nasce deste não saber regelo,
O não saber aquelle obedecelo '.
Para governar interinamente Alfaiates nomeia pois o general aquele
sargento-mór, de quem fazia o mais elevado conceito, informando a
el-rei, em suas cartas de 5 e 7 de novembro do mesmo ano, que êle
é pessoa de valor e experiência, que serve ha ig amtos em Africa,
índia, Brasil e noutras partes, e merece maiores postos -. Depois do
malogro da escolha antecedente, compelido pela necessidade, por não
ter um capitão da sua confiança com as qualidades requeridas para
tão melindroso cargo, é que Fernão Teles recorreu, muito contrariado,
a Costa Mimoso. Mal podia dispensá-lo do serviço activo próprio do
seu posto; era dos seus quatro sargentos mores aquele que, pelos
dotes excepcionais que possuia, mais falta lhe fazia no exército, e
por isso só interinamente o imobilizou naquele governo, enquanto o
rei não providenciasse.
Lourenço da Costa Mimoso, que assim foi por ordem de Fernão
Teles ocupar o cargo de governador de Alfaiates, quando Brás Garcia
estava preso por acusação gravíssima produzida pelo mesmo general
Teles, era de Linhares da Beira, povoação situada entre a Guarda e
Gouveia, filho de Bernardo Madeira da Costa, de Avô, o qual era
irmão de Gaspar Dias da Costa, padrinho de Brás, pai da sua antiga
namorada, e avô da que brevemente seria sua mulher ^.
i Estranho capricho da sorte I ; Notável coincidência I
1 V. T., V, 7-8.
' T.T. — Consultas do Cons. de G., m. 2. n." 403.
' Notas genealog. III, iii, 3.
VII
o poeta-patriota de Avô
Quando, ao findar o século xvii, Bento Madeira de Castro publicou
à frente do poema Viriato Trágico, por êle editado, o Breve resumo
da vida de Brás Garcia Mascarenhas, auílior deste Poema, já
se achava bastante desfigurada a memória da prisão do governador
de Alfaiates. A lenda, que cedo a envolvera, atribuía a responsa-
bilidade do facto, a quem para êle não concorrera, e tinha-o revestido
de circunstâncias e episódios, que certamente não correspondiam à
realidade.
Segundo escreveu o mais antigo biógrafo de Brás, foi D. Sancho
Manuel quem mandou prender o capitão-governador, por inveja ou
por vingança. O pretexto foi, ter êle transgredido uma ordem sua,
para obedecer a uma outra do general Fernão Teles de Meneses;
como se o mestre-de-campo tivesse tal audácia, ou mesmo pudesse
castigar um oficial por este haver executado, como lhe cumpria, as
ordens emanadas do comandante em chefe e governador das armas
daquela fronteira. Preso na torre do castelo do Sabugal, foi accií-
sado a El Rey por falsaria, que tinha tratos occultos com Castella,
etc.
Todos os restantes biógrafos teem seguido no encalce do capitão-
-mór de Avô, atribuindo a baixos e vis sentimentos de D. Sancho
Manuel a prisão, perseguições, calúnias, maus tratos e misérias so-
fridas por Brás Garcia. O mesmo fizeram Camilo Castelo-Branco
no romance Luta de gigantes, o Visconde de Sanches de Frias no
drama histórico O poeta Garcia, e o Dr. Júlio Dantas na comédia de
capa e espada Viriato Trágico.
Vimos no capitulo precedente que a realidade se afasta muito
desta fantasia. Foi o general comandante do exército da Beira Fernão
Teles de Meneses, e não D, Sancho Manuel, quem fez encerrar na
264 ^rás Garcia ^Mascarenhas
prisão o governador de Alfaiates. E grave a injúria com que foi
caluniada a memória de D. Sancho, soldado cheio de brio e valor,
fidalgo de carácter nobre e honrado, e uma das figuras mais distintas
e de maior destaque da restauração; por seus nunca assas louvados
serviços à causa da pátria, mereceu que lhe fosse mais tarde conce-
dido o título de Conde de ^'ila-Flor. Era absolutamente incapaz de
praticar as vilanias, que há mais de dois séculos lhe teem sido atri-
buídas.
E ainda mais vemos avultar a injustiça ao considerar que, poucos
meses depois da prisão de Brás, foi êle D. Sancho vítima também de
intrigas e calúnias, sendo no mês de novembro seguinte preso á
ordem do mesmo general Teles de Meneses, que em cartas sucessivas,
dirigidas a D. João IV, fez acusações gravíssimas contra o seu
mestre-de-campo.
Em.carta de 5 de novembro de 1642 relatava Fernão Teles alguns
recontros e escaramuças, em que o inimigo fora vencido e derrotado
com perdas importantes; e tecia rasgados elogios a D. Sancho Ma-
nuel, pela forma por que se houvera nesses combates •. Vemos pois
que a esse tempo ainda o mestre-de-campo estava nas boas graças
do general. Mas dois dias depois, em data de 7, já D. Sancho es-
crevia a el-rei a pedir licença para se retirar da campanha, por
não poder por mais tempo sustentar-se ali sem receber dinheiro, e
porque, alem de precisar de tratar em Lisboa negócios de sua casa,
e não ser necessário na fronteira por o inverno ter feito paralizar a
guerra, com ho general fcrnão ielles lhe e mui dificultoso seruir, por
uer quão pouca conta fas dos soldados hõrados e ualentes, e quam
remisso é no inportãte do seruiso de sua mg.'^^ -. Pelo seu lado
Fernão Teles apressava-se também a dirigir a el-rei queixas contra
D. Sancho, acusando-o de desobediente e de ter abandonado o posto,
e pedindo instruções sobre o procedimento a haver com éle ^.
São estas as primeiras queixas. Principiara a desavença.
Ocupa-se do assunto o conselho de guerra em sessão de 17 de
novembro. É de parecer que D. Sancho deve ser preso, para exem-
plo de todos, e que, depois de estar preso, poderá então el-rei usar de
sua clemência, conforme ele o merecer '\
O general dirige duas cartas-relatórios, a 21 do mesmo mês, insis-
tindo nas queixas contra o mestre-de-campo^; a seu turno este, ern
1 x.x. — Consultas do Conselho de Guerra, maço 2, n.° 408.
2 Doe. XLVII. — ' Doe. XLVIII. — ■» Doe. XLVIIL — » Doce. XLIX • LII.
Cap. VII — O poeta-paíriota de cAvô 265
requerimento ao rei, sem data, mas que é, talvez, dos fins de
novembro, alega os serviços prestados, explica os seus actos, quei-
xa-se de ter sido preso arbitrariamente à ordem do general, e pede que
se lhe faça devassa por um Ministro de grande confiança e inteireza '.
A 26 e 3o de novembro ^ e a 5 de dezembro 3, Fernão Teles re-
pete em cartas ao monarca as suas acusações, sucessivamente am-
pliadas num crescendo constante, e agravadas com artigos novos, em
que atribue a D. Sancho acções atrabiliárias, subversivas, indecorosas
e imorais, algumas delas inteiramente inverosímeis.
Então o conselho de guerra toma conhecimento destas cartas em
sessão de II de dezembro. Dividem-se um pouco os votos. Ei-los
por sua ordem.
O conde de Penaguião entende que D. Sancho deve vir preso à
corte, com boa guarda, para ser julgado ; e que hum desembargador
do Porto, dos de maior inteireza e rectos que haja naquella Relação,
vá á Guarda e tire devassa deste caso, e a remeta a este Conselho.
D. Gastão Coutinho he do mesmo parecer, . ■ . acrescentando que
convém que o Ministro a que se encarregar a devassa seja mui inteiro,
porque a informação é dada pelo general, que é suspeito, pois fala
escandalizado e empenhado.
Segue-se um voto que, pela sua importância, transcrevo na ín-
tegra:
«Dom José de Meneses diz que a província da Beira está perdida,
como elle o tem por avisos certos das suas comendas que estão alli
despovoadas, e que todo este mal resulta das dissensões e faltas de
não assistir a gente paga com seus superiores á vista do inimigo na
fronteira adonde o inimigo faz seus lances a salvo, como tem feito
em todos aquelles logares, e é de muito dano estarem as cabeças com
suas casas longe da fronteira, como está Guarda e outros logares; e
V. Mg.'*' deve mandar que quem governar as armas e officiaes maio-
res e menores assistam em Almeida, e nas praças fortes vizinhas a
raia, e que o mais longe seja a de Pinhel, como o fazia Dom Álvaro
de Abranches, que por esta razão se não atreveu o inimigo a queimar
nenhum logar em seu tempo; ainda por a de estarem divididas as
cabeças succedeu este caso do mestre de campo e seu general, sobre
o qual V. Mg.<^= deve servir-se mandar ver a letra a petição do Mestre
1 Doe. L.
* T.T. — Consultas do Cons. de Guerra, m. cit.
3 Doe. LI.
266 'Brás Garcia oMascarenhas
de Campo e as razões que aponta em sua descarga, que é justo se
vejam, como as das cartas e papeis do general, e que parecendo a
V. Mg."^^ que o negocio haja de passar adiante é de parecer que as
informações se façam por um desembargador do Porto mui inteiro;
porque o caso é mui grave, e no modo em que escreve o General dá
a entender grande escândalo do mestre de Campo e fica-lhe suspeito;
e em quanto a haver de vir preso a esta cidade não se deve reparar
pouco no escândalo que causaria, por que tendo na descarga justi-
ficação bastante se faria muito ruido, e assim entende que seria
melhor meio mandalo V. Mg."^' mudar da prisão em que está para o
Castello da mesma Cidade da Guarda; e no ínterim, visto não haver
alli Mestre de Campo, nem tenente general da Cavallaria, faltando
também o Sargento mor Pantoja e Brás Garcia de Mascarenhas,
capitães de tanta experiência e valor, V. Mg/^ deve mandar acudir
com tempo com cabeças áquella província, e antes que o inimigo
acabe de senhorear toda a riba de Coa, e se o fizesse (o que Deus
não permita) tiraria todo o sustento á Beira até Coimbra, matéria taÕ
grave, que pede que a mande V. Mg.''^ considerar com atenção que a
qualidade delia pede. E que V. Mg.''* se deve servir de mandar
considerar, que o mesmo estado que na Beira, ha nas demais fron-
teiras, que tudo saõ dissensões, e por ellas se tem desfeito as com-
panhias e fogido a maior parte da gente, e o dinheiro que vai ás
fronteiras, se gasta entre as pessoas particulares e fica faltando para
os soldados; o remédio que sente para tudo se ordenar bem, é forti-
ficarem as fronteiras e cobrarem animo todos, e tornar-se a renuiar
a guerra, que é mui durável, e assim se hade entender o ir V. Mg.''*
a ver suas fronteiras, que só a vista de V. Mg.''* ha de ser o remédio
e seguridade de seus reinos» '.
' j Quem poderia dizer a D. José de Meneses, conselheiro de estado e nobilís-
simo patriota, quando êle formulou este voto tão sensato, que, decorridos poucos
meses, seria preso à ordem do rei sob a acusação de traidor, recolhido ao Limoeiro,
posto a tormentos apesar da sua avançada idade e dos achaques de gota que sofria,
e de tal forma torturado, que os cordéis lhe esmagaram e descolaram dos ossos a
carne, que ficou agarrada ao potro, mantendo-se o nobre ancião com coragem
admirável sem confessar o crime, que falsamente lhe imputavam ! Solto ao fim
de um ano de prisão, depois de se ter reconhecido a sua inocência, veiu residir
para Cantanhede, e não mais quis voltar à corte. Sendo chamado pelo rei para
de novo o ocupar em comissões de confiança, recusou-se sentida e nobremente a
servir quem, acreditando caluniosas acusações, tamanha afronta fizera à sua hon-
radez largamente provada.
Cap. VII — O poeta-patriota de <zAvò 267
D. Álvaro de Abranches quer que se salve a disciplina e se re-
speite a justiça. Venha pois D. Sancho preso, e encarregue-se de
fazer a devassa um Ministro mui inteiro, porque este é negocio mui
grave e de palavras mui pesadas.
António de Saldanha, finalmente, não coneorda com a vinda do
preso a Lisboa antes de se lhe apurarem as responsabilidades. Visto
estar fá preso, o deve estar na prisão em que está, sem que se lhe
altere nada, em quanto se não tire a devassa, e que esta se deve
tirar por um Ministro de muita cottjiatiça, visto ser o caso merecedor
de grande castigo.
D. João IV conforma-se com a maioria, escrevendo por sua pró-
pria mão, no papel em que foi exarada esta consulta, a seguinte re-
solução régia:
— Como parece aos mais votos sobre o vir preso Dom Sancho e
para a devassa terei lembrança de nomear Ministro. — Lisboa 11 de
dezembro de 641 —(Rubrica del-rei).
Em princípio do ano de 1648 foi o mestre-de-campo do exército
da Beira transportado da casa da câmara da Guarda, onde se achava
preso, para Lisboa, no meio de uma força de dez soldados, como se
fosse um perigoso facínora. Acompanhava-o além disso um juiz, um
meirinho e um escrivão, causando espanto e lástima este aparato a
quem pelas estradas e legares via passar em tal estado um oficial
superior do exército, de tanto valor e tão subidos méritos.
Deixámos o nosso capitão Brás Garcia Mascarenhas • no castelo
• Gastei mais de loanos em buscas pacientes, laboriosas e sempre infrutíferas»
a ver se colhia algum autógrafo do nosso poeta — a sua assinatura, quando mais não
fosse. Na T.T.: — no arquivo do conselho de guerra encontrei respostas a consultas
e relatórios seus, mas nem o mais leve vestígio dos escritos que as provocaram ; e
no arquivo da ordem militar de Avis, onde devia encontrar-se, pelo menos, a sua
assinatura, há uma lacuna que abrange a época da sua profissão. Dos antigos ar-
quivos públicos do município de Avô quase nada existe em Oliveira do Hospital, e
o que resta não remonta além do século xix. Pertence hoje ao A. U. o antigo re-
gisto paroquial do distrito de Coimbra, mas percorrendo o de Avó e freguesias
vizinhas, relativo ao período em que Brás por ali viveu, nem uma única assinatura
sua pude encontrar ; e o mesmo me sucedeu folheando os numerosos processos,
ricos de assinaturas de testemunhas e partes, que estão na C. E , coevos de Brás
Garcia e corridos na sua terra, nos quais se me depararam, a cada passo, assina-
turas do pai, dos irmãos, e de muita gente com quem convivia. Rebusquei com
268 'Brás Garcia oMascarenhas
do Sabugal, á ordem do general Fernão Teles de Meneses, sob a
acusação de traidor à pátria.
l O que se passou depois ?
Pouco é o que nos dizem os biógrafos. Bento Madeira de Castro,
a única fonte a que recorreram os restantes, afirma que :
— nesta pri:{ão solitária o privarão de toda a commimicação ;
— subtrahindolhe pouco a pouco o mantimento, lhe pretendido
abriviar os dias;
— j^endo-se ja desemparado de todo o favor humano se valeo de
sua industria, fazendo, por um hábil estratagema, chegar às mãos de
D. João IV híia discreta carta em verso muj limado. . ., em que rela-
tava sua pri:{ão, & inuocencia ;
— lendo o paternal Rey a carta tam bem lançada, despedio logo
hum decreto, em q ordenava aparecesse sem demora em Lisboa;
— Chegou à Corte rodeado de guardas;
— quando todos agouravão final sentença a sua vida, lhe deu o
piadosissimo Rey audiência afiavel, na qual de tal sorte se limou, &
inteirou o seu negocio, que sahio despachado com Abito de Avis, &
boa tença, & restituído por entre tanto ao seu Governo de Alfajates;
— Voltou de Lisboa triunfando da inveja, & do ódio, & repetida
a posse do seu Governo a pe^ar de seus emulos, aconselhandose con-
diligência o pouco que resta dos arquivos particulares da região, e nada, absoluta-
mente nada.— Já tinha perdido toda a esperança, quando certo dia um feliz acaso
me descobre na quinta da Coitena, freguesia da Bobadela e propriedade do meu
bom amigo José Madeira Teles, em meio de vários papéis velhos, abandonados nos
forros da casa, uma folha de papel almasso, bastante denegrida e empastada de pó,
tendo três páginas quase cheias de escrita do próprio punho de Brás Garcia, devi-
damente datada e firmada com a sua assinatura solene. Foi um dia de grande
satisfação que tive, realçada ainda pela generosa dádiva do precioso autógrafo
com que José Teles imediatamente me brindou. Deixo neste lugar consignado o
favor, com a expressão do meu mais vivo agradecimento. — Sendo o único autó-
grafo conhecido do nosso poeta-patriota, suponho que cumpro um dever enrique-
cendo este meu trabalho com a sua reprodução. Foi escrito a i6 de Março de 1640,
poucos meses antes do célebre motim de Travanca-de-Farinha-Podre. — Temos
neste documento o nome do poeta, duas vezes por êle escrito, e verifica-se, por
forma indiscutível, que se assinava Brás Garcia Mascarenhas, como o denominou
Bento Madeira de Castro, e no encalce deste os outros autores, e não Brás Garcia
de Mascarenhas, como eu tenho escrito, apoiando-me em razões de ordem filoló-
gica e de analogia, e no uso de algumas pessoas ilustradas suas contemporâneas.
Em face porém do diploma, reproduzido aqui integralmente, confesso o erro, que
não mais cometerei.
^?^^»j^ ^^juUjí/*\Ò^ cx/yy^f^S*- <r>w,t»v<^ '^^^><j(^<^JL
^ ^ -*^>-v„ -n..,^: ,^n,^^ ^^^g_^
y^SLj ^^x^^ c.-„^^ ^^cw^í;^>^v^.^.^.,^
a/)vVa^w7
^ ~'' ^''•*^;^^,j^^^'''^'^'tj^
n^}
^■^^ 2^
UNlCO AUTÓGRAFO CONHECIDO
DO POETA BRÁS GAROA MASCARENHAS
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô sôg
sigo se retirou a pátria, assim por não irritar mais a impaciência
de seus adversos, como também pêra lograr algum descanso devido a
sua idade, & muftas perigi-inações por mar, & terra *.
,; Até que ponto corresponderão estas afirmações á realidade ?
Recorrendo às fontes documentais para responder a esta pregunta,
a colheita de notícias é escassa; folheando e lendo com atenção o
Viriato Trágico, encontram-se algumas, embora mais ou menos
vagas, e pouco circunstanciadas.
E o que passamos a estudar.
Segundo vimos no capítulo antecedente, o general Fernão Teles
antipatizou com o governador de Alfaiates, logo desde que assumiu
o comando do exército da Beira; esta antipatia foi crescendo, foi-se
exacerbando, como resultante de muito complexos e variados ele-
mentos, até explodir na ordem de prisão e devassa.
Pelo seu lado Brás Garcia, desde que em 1641 se apresentara ao
seu primeiro general com a célebre companhia dos Leões, por si
recrutada, organizada e disciplinada rapidamente, como por encanto,
mereceu a estima, consideração e confiança de seus superiores, es-
pecialmente do governador D. Álvaro de Abranches, que o distinguiu
com comissões delicadas e dificílimas, e que lhe entregou o governo
da importantíssima praça de Alfaiates, a qual, por sua situação, era
a chave de toda a província da Beira, como escreveu mais tarde
Fernão Teles ^. Esta fortuna despertara as invejas e emulações de
alguns dos seus camaradas.
O capitão Brás era, além disso, um militar recto, disciplinador,
austero, rigoroso, inflexível, que premiava com justiça os méritos, e
com justiça castigava as faltas, embora leves, dos seus subalternos.
Assim como cumpria à risca as ordens recebidas dos superiores,
assim exigia o exacto cunlprimento das que dava ou transmitia aos
subordinados. Este rigor havia criado ódios, e más vontades.
Enquanto senhor do mando, todos em volta dele se curvavam
submissos, e o adulavam mesureiros; e, se alguns se atreveram a
intrigá-lo junto do general Fernão Teles, foi por estarem seguros de
que agradavam a este, sem perigo de vir a delação a ser conhecida
daquele.
í Doe, XLV.-í Doe. CXII.
syo 'Brás Garcia ^Mascarenhas
Mas, desde que o viram decaído, deposto do governo, privado de
todas as honras, preso e encarcerado, os émulos, os queixosos, os
inimigos formaram coro em volta de Fernão Teles e do ministro
encarregado da devassa, e não houve acusação que não fizessem ao
desgraçado.
Ouçamos as suas próprias palavras :
Que antiga hé já no mundo, & que enganosa
A louca Emulação que a tantos dana 1
Que hypocrita, que néscia, que invejosa !
Quem mais presume, facilmente engana ;
Que altiva, desabrida, escandalosa
Foy sempre a toda a gente Lusitana !
Que antes se quer perder soberba, & cega.
Que sogeytarse a igual, que a mandar chega.
Da experiência própria examinado.
Se em verdadeyra conta entro comigo,
Chego ajulgar do tempo castigado
Que este hé da Pátria o mayor castigo.
Todo o Homem que mandou, foy emulado.
Todo o que bem sérvio, teve inimigo;
Metamos bem a mão na conciencia,
E acharemos que hé falta de obediência.
Tudo naturalmente reconhece
Perpetua vassalagem, & senhorio;
Todo o Animal tem Rey, de que estremece,
Rainha as Aves, que lhe humilha o brio ;
As Abelhas tem Rey: tudo obedece;
A pedra ao centro, ao salso Mar o Rio,
A nuve ao vento, ao vasio o cheyo,
A nào ao leme o Cavallo ao freyo.
As Cegonhas, & Gralhas se sogeytaõ,
A huma, que as governe, & ponha em via;
Dormindo huas ' estaõ, & outras espreytaõ,
Sempre alguma há de estar posta em vigia.
Somente os Homens muyto mal aceytão.
Que os sogeyte ^ o poder, reja a Mayoria;
Todos querem mandar, todos reprendem,
Mais emulando os que peor se entendem '.
'Al.' edição tf az tiiia, erro tipográfico evidente, que já aparece emendado
tia 1."
2 Outro erro tipográfico sogeyta) também emendado na 2.* edição.
» Y. T., V, 1-4.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 27/
E, depois de fazer referência à tomada de Eljas e de Valverde,
acrescenta, aludindo ao erro de não lhe terem seguido o conselho
atacando simultaneamente, de surpresa, a importante praça de Alber-
garia, e El Paio:
Não se renderão mais, por não ser crido,
Ou por não ficar mais acreditado :
Zãgão, pêra aquentar, será admittido,
Pêra o favo gostar, fora deytado.
De treydores vilissimos trahido
Se verá prezo em vez de ser premiado,
Porque treydores saõ muyto mayores
Os que querem de leais fazer treydores.
Verse-há nesta prizão injusta o pouco
Que podem confiar os que militão.
No applauso popular, no vulgo louco.
Que a quem levantão mais, mais precipitão.
Como charqueyras raãs, estrondo rouco
Contra o prezo faraó, que raãs imitão
Os que longe murmurão dos absentes,
E que immudecem quando os vem presentes '.
Daqui se concluo que, alem das traições vilíssimas de falsos ca-
maradas, émulos e inimigos, também o poviléu ignóbil, que dantes o
aplaudia e vitoriava, se voltou contra ele, caluniando-o e acusando-o.
A isto alude mais uma vez o poeta ao traçar a sua auto-biografia, na
longa alocução que dirige a Viriato no canto xv do poema, quando,
depois de descrever a revolução restauradora de 1640, acrescenta :
Visto tens invincivel Viriato,
Como estes Reynos teus se levantarão,
Sua conservação te não relato.
Por ser hum dos que a peytos a tomarão.
Tão mal mo satisfez o vulgo ingrato,
Tantos emulos inúteis me invejarão,
Que me chegarão a por em mais perigos
Os naturais, que os próprios Inimigos '.
O vulgo infame, esse monstro sussurrante, essa disforme e baV'
bara canalha, vil escoria da terra, em que se misturam elementos
de todas as classes sociais, e que he dos estados três escoria em bica,
encontrando o meio perturbado, tudo envolve, tudo turva, tudo mancha
t V. T, XIV, 86-87.-* V. T., XV, loi.
2'j2 'Brás Garcia óMascarenhas
com a sua baba pestilenta, confundindo leais com traidores, malsi-
nando os mais honrados servidores da pátria, acusando às cegas os
que amanhã exaltará com elogios. Mas a Justiça, figurada na deusa
Némesis, tem distinguido o bem do mal, a verdade da calúnia, e
enquanto a alguns traidores sentenciou à pena capital, aos bons e
leais, vítimas de ódios e intrigas, tem salvado a vida, esmagando os
detractores, que os caluniavam. É a esse vulgo, tão largamente des-
crito e apontado à execração em várias passagens do Viriato, que o
poeta se refere ao escrever:
No mar dos seus delidos a lealdade
Se verá perturbada, naufragame,
Porque, achando este monstro agoas involtas
Causara mil tormentos, & revoltas.
Nota da justa Nèmesis os brios
Com que manda cortar em seus disvellos
Por Atropos de alguns os vitais fios,
E a Làchesis dos outros estendelos :
Retrata em tumultuosos desvarios
O vulgo seus fantásticos libellos;
Já Leão, já cordeyro desmaiado,
De alguns, que quer pizar, fica pizado •.
Não se esquece entretanto de proclamar bem alto, o coração re-
pleto de reconhecimento, que, se a justiça triunfou na causa em que
êle era reu, se foi inutilizada a obra habilidosa dos traidores, des-
mascarando-se a calúnia e fazendo-se brilhar a verdade, teve nisso
acção directa, pessoal, eficaz, el-rei D. João IV.
A ter estranho Rey longe, era certo
Que poderão treydores derrocarme;
Com o ter natural, tão justo, & perto,
Atropeley quem quiz atropelarme ^.
Foi no meado da primavera, no início de Maio de 1642, que Brás
Garcia recolheu à prisão, e a 22 deste mês escreveu Fernão Teles
ao rei requisitando-lhe pessoa de grande experiência e de talento
para governar a praça de Alfaiates. O poeta fica por algum tempo
clausurado no castelo do Sabugal.
> V. T., XIV, 79-So. — * V. 7., XV, 102,
Cap. VII— O poeta-patriota de zAvó 2j3
Intensificam-se os esforços dos seus adversários para o perderem;
o processo de devassa, feito certamente pelo auditor do exército, crea-
tura toda dedicada ao general ', conclue-se, segundo a inspiração dos
inimigos do capitão devassado, e então, a 25 de julho, dirige Fernão
Teles a D. João IV a sua carta-relatório, a que já fizemos referência
no capitulo precedente, na qual, como que incidentemente, dá conta
dos crimes de alta traição dos governadores de Alfaiates e de Almeida,
apurados na devassa que lhes mandou fazer, pelo que os tem presos ^.
0 conselho de guerra, em sessão de 8 de agosto, toma conheci-
mento desta carta, resume-a, fere ao de leve a nota da acusação de
infidelidade feita contra os capitães Brás Garcia Mascarenhas e
Rodrigo Soares Pantoja, mas abstemse de emitir qualquer conselho
ou comentário sobre este incidente do relatório. Ei-Rei escreve à
margem pura e simplesmente : — Fiquo aduertido do q se contem
nesta consulta. — Em Lx." a i3 de Agosto de 642. — (Rubrica régia).
Oficialmente nada mais consta do que se passou. Sabemos po-
rem que Brás tinha amigos dedicados na corte, e no próprio conselho
de guerra. El-rei foi informado particularmente do que sucedia na
Beira, e avocou a Lisboa o processo e o preso.
1 Seria esta intervenção do rei devida a uma carta em verso, ardi-
losamente preparada na cadeia pelo nosso poeta com letras recortadas
à tesoura de um livro, e coladas sobre uma folha em branco que
servia de guarda ao mesmo livro, visto não consentirem que na prisão
entrasse papel, pena ou tinta ? Este caso anedótico, narrado por
Bento Madeira de Castro, e repetido depois, muitas e muitas vezes
até ao presente, tem todo o sabor de um episódio legendário.
Entretanto a intervenção pessoal do monarca no processo de Brás
Garcia deu-se de um modo eficaz. E verdade que ainda não encon-
trei referência alguma documental a esta intervenção, apesar das di-
hgentes buscas a que procedi no Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, e das realizadas antes de mim pelo sr. general Brito Rebelo;
mas há, a confirmar a tradição que a testemunha, o depoimento au-
têntico do próprio poeta, acima transcrito, em que atribue ao rei a
sua salvação.
Ao findar este ano de 1642, fazia êle a sua entrada em Avô, de
regresso de Lisboa, livre, absolvido, justificado e honrado, atrope-
lando quem qui^ atropelalo.
1 Doe. LV. -í Doe. XLVI.
í8
2^4 '^rás Garcia õMascaretihas
Desde que o processo de Brás Garcia, assim como o processado,
se escaparam das mãos do general Fernão Teles de Meneses, este
não mais tornou a aludir nas suas cartas ao ex-governador de Alfaiates,*
e voltou então as suas iras todas contra D. Sancho Manuel, como já
vimos, não cessando as queixas e acusações, sucessivamente repe-
tidas e ampliadas, até 5 de dezembro. Então param.
A 1 1 deste mês é resolvida, segundo fica dito, a remoção do preso
para Lisboa, a qual se realiza em princípios do ano de 1643.
Não convindo que se mantenha sem mestre-de-campo o exército
da Beira, o conselho de guerra, em consulta de 19 de dezembro de
1Ó42, propõe a el-rei os nomes de alguns militares de experimentado
valor, a fim de ser nomeado um deles para aquele posto. O monarca
prudentemente se abstêm de fazer a nomeação, e por último, a 4 de
fevereiro de 1643, lança na consulta a sua resolução: — Sentenceada
a culpa de D. Sancho, se poderá tratar deste posto '.
D. Sancho Manuel, chegado a Lisboa, queixa-se respeitosa mas
magoadamente ao rei de lhe serem tão mal compensados os muitos
serviços que prestara, com risco por vezes da sua vida, em defesa do
seu rei e da sua pátria ; e pede por mercê que lhe sejam notificadas
as culpas de que é acusado, e que êle desconhece, porque espera de
sua inocência mostrar em continente. . . serem falsas todas as que lhe
puseram ^.
Pouco depois, em novo requerimento, deplora que tenha sido
encarregado de tirar devassa na sua causa (diligência que êle mesmo
pedira se fizesse por u/n Ministro de grande confiança e inteireza) o
Auditor do exercito, com quem havia tido grandes desavenças pelo
serviço de sua Mg.'^^, e era feitura do ... general, e seu inimigo
capital. Assim, apesar de tranquilo na sua consciência, pede provi-
dências, sendo a el rei presente o pouco crédito que se deve dar a
devassa, processada por um inimigo seu, por ordem e com assistência
do. . . General, que faria tudo o que pudesse pelo culpar '.
D. João IV pensa em reenviar imediatamente D. Sancho a con-
tinuar no exército da Beira a série dos seus distintos serviços; e o
conselho de guerra, em sessão de 29 de abril, ponderando este
assunto, reconhece unanimemente os altos merecimentos, qualidades
1 Doe. LIII, — 2 Do£. LIV ; cf. L, - ' Doe. L V,
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvó 2j5
e serviços do mestre-de-campo, cuja presença no exército era recla-
mada como necessária e urgente. Mas gravíssimas acusações haviam
sido contra êle formuladas pelo general governador das armas, e uma
devassa, que correra, confirmava-as. i Seria regular ou conveniente
rasgar nesta altura o processo, e restituir sem mais formalidades
D. Sancho ao seu posto ? ; Não sofreria o prestigio e bum nome
deste, e não seria cerceada a sua autoridade, se êle voltasse ao exér-
cito sem haver sido previamente ilibado por sentença das culpas
imputadas ?
Só havia a seguir um de dois caminhos: ou ultimar rapidamente
o processo e apressar a sentença, que não podia deixar de ser abso-
lutória, ou pura e simplesmente amnistiar o reu. Ao monarca per-
tencia resolver.
D. João IV opta pelo primeiro, resolvendo a 29 de Maio que o
reu recolha á prisão do Limoeiro, e que o processo avance *.
A ordem régia para D. Sancho recolher à prisão é comunicada a
Matias de Albuquerque a 3 de junho-.
Mas todo o processo era monstruoso, deixando transparecer em
cada folha a paixão e ódio dos que nele haviam cooperado. D. Sancho
articulava suspeições, que lhe tiravam todo o valor moral e jurí-
dico. Anulá-lo e instaurar novo processo sobre novas bases, leva-
ria muito tempo, e todos viam claramente que o resultado final, a que
se viria a chegar, era, e não podia deixar de ser, a absolvição do réu.
Parece pois que melhor teria feito o rei concedendo desde logo a
amnistia.
Não sei a data precisa em que D. Sancho foi solto ; é porem certo
que ainda corria o verão deste ano de 1643, e já êle praticava proezas
militares de grande valor na Beira à frente da cavalaria, no seu
posto de mestre-de-campo.
Em face do que temos narrado a respeito dos casos de D. Sancho
Manuel e de Brás Garcia, é natural a pregunta : — ,; Em que situação
moral ficou o governador das armas Fernão Teles de Meneses ?
Situação bem singular e melindrosa. Evidentemente não podia
conservar-se à frente do exército da Beira.
Ao findar o ano de 1642 já êle se sentia ali mal; e D. José de
« Doe. LVI. - ' Doe. l/vll.
2^6 ''Brás Garcia oMascarenhas
Meneses exclamando no seio do conselho de guerra — lA proinncta
da Beira está perdida! — enunciava o sentir de muita gente.
Desta província chegavam á corte reclamações e pedidos dos
povos; lamentava-se a actual situação, e rememoravam-se os tempos
em que fora governador D. Álvaro de Abranches, formulando-se
votos por que esses tempos voltassem. Estes votos eram aten-
díveis; tal substituição de comando dava esperanças de melhorarem
as condições aflitivas, em que a província se encontrava.
Exonerado pois Fernão Teles de Meneses, foi pela segunda vez
nomeado governador das armas na Beira D. Álvaro de Abranches,
o grande amigo e admirador de Brás Garcia Mascarenhas.
Em meado de abril de 1643 chegava a Coimbra, de caminho para
a fronteira, o novo comandante do exército desta província.
Daqui seguiu por Espinhal, Figueiró-dos- Vinhos, Certa, Sarze-
das, até Castelo-branco, onde se demorou alguns dias. Começa
então as visitas aos castelos e praças da fronteira, escoltado pela
companhia de infantaria do capitão Damião Botelho. Visita Idanha-
-a-Nova, Salvaterra, Segura,' Monsanto, etc, ao todo vinte e quatro
praças, terminando nas do Sabugal e Alfaiates, donde recolhe à
Guarda. Referindo-se a esta visita de inspecção, escreveu um con-
temporâneo:— «Muros, portas, rastilhos, pontes, fossos, trincheiras,
estacadas, baluartes, reductos, parapeitos, alojamétos, artilharia, mu-
nições, soldados, bastimétos, forão o seu cõtinuo desuelo, prouêdo
em cada húa, & muitas destas cousas, segundo necessitaua a praça,
que visitaua» '.
Ao passar em Almeida «toda a Villa ardia em doenças, algús
affirmauão ser peste, pelo menos como apestados, fugiaõ todos dos
enfermos; morriaõ muitos na contagião do mal, muitos na falta do
necessário». Pediram encarecidamente a D. Álvaro que não entrasse
lá. Entrou e providenciou: visitou os enfermos, proveu às suas neces-
sidades, deu-lhes médicos e enfermeiros, ordenou ao governador da
praça Marco António de Azevedo que se limpassem as ruas, e
1 Relaçam / em qve se refere I p.vte dos gloriosos ivc- / cessas, que na Prouinclá
da Beira tiueráo / contra Castelliarios, as armas de S. Mage- / stade, gouernadas
por D Aluaro de / Abranches, seu Capitão General, / nos meses de Mdyo dlê De- /
i^embro de 648. (S folhas inumerad:is),
Cap. VII — O poeía-patrioía de oAvô 27']
aguassem com vinagre, e purificassem com fogueiras de alecrim, não
se descuidando entretanto de mandar refazer as fortificações da vila '.
Quando chegou a Alfaiates, aí por princípios de junho, começava
a época perigosa da colheita dos cereais, em que os espanhóis vinham
em frequentes incursões impedir a recolhença. Não podia deixar de
se lembrar dos incomparáveis serviços que dois anos antes, por este
mesmo tempo, prestara o governador desta praça Brás Garcia
Mascarenhas, agora retirado do serviço, em Avô. Não havia sido
até então preenchido o lugar, achando-se ainda encarregado do go-
verno interino de Alfaiates o sargento-mór Lourenço da Costa Mi-
moso. O governador nomeado, Babilão, não chegara a vir tomar
posse, nem já viria. É naturalíssimo que o general, rememorando
as altas qualidades do seu amigo capitão Brás Garcia, que não che-
gara a ser formalmente demitido, e que agora se achava plenamente
justificado das acusações aleivosas que lhe haviam feito, quisesse
reintegrá-lo no seu antigo posto e governo; assim completaria o acto
de justiça e reparação devidas, e faria uma excelente aquisição, pois
homens com as virtudes e qualidades de Brás eram muito raros.
Escreveu-lhe para Avô, a chamá-lo. Brás veiu logo, e reassumiu
por pouco tempo o governo de Alfaiates.
Bento Madeira de Castro diz que êle restituído por entre tanto
ao seu Governo de Alfaj-ates. . . & repetida a posse do seu Governo,
a pe\ar de seus einidos, aconselhando-se consigo se retirou a pátria,
assim por não irritar mais a impaciência de seus adversos, como
também pêra lograr algum descanso devido a sua idade, & mujtas
perigrinaçoés por mar, & terra em que os trabalhos sempre acompa-
nharão a este Hercules -.
Parece estar em oposição com isto o facto de Brás declarar que,
vendo-se livre, não quii de cargos mais encarregar-se :
Vendo-me livre, com ditoso acerto,
Não quiz de cargos mais encarregarme.
Por não dar ordés, nem estar a ellas,
Porque o dalas hè mão, peór recebellas '.
Esta declaração porem harmoniza-se perfeitamente com o facto
de haver reassumido o seu antigo cargo, não para o exercer, mas
para logo o resignar, e se recolher à vida tranquila de Avô. E, a
meu vêr, a única interpretação que se concilia com a estância 88 do
1 Relaçam cit. — 2 Doe. CXII. — ^ V. T., xv, 102.
278 'Brás Garcia ^Mascarenhas
canto XIV, em que o poeta, depois de se ter referido à sua injusta
prisão, e ao estrondo rouco que o vulgo louco e inconstante, como
charqueiras rãs fez contra ele, quando preso, acrescenta :
Presente o veràõ presto mais honrado
Desmentindo perjuros fementidos,
Porque os que infamao mal o acreditado,
Ficão de todos por infames tidos.
Vès outra vez o vulgo retratado,
Ves os loquazes mudos, & corridos ?
Sempre mostra em desditas, ou venturas
O vulgo, qual Prothèo, varias figuras.
Que como hè vario, crédulo, inconstante,
Sem honra, sem vergonha, & sem verdade.
Tudo o que diz, desdiz de instante a instante,
Porque todo hè Quimera, & falsidade '.
Os que preso o murmuraram, caluniaram e infamaram, e na de-
vassa o perjuraram, foram os mesmos que, apenas absolvido, presto
o viram presente mais honrado, e por isso tiveram de emudecer cor-
ridos, e ficaram havidos de todos por infames. Evidentemente a
reparação foi completa, e o capitão-governador, após a sua justifica-
ção, voltou presto à mesma região onde governara, e onde em seguida
fora vilipendiado; viram no então presente, Urre e mais exalçado em
honras os mesmos que o tinham caluniado, quando preso.
Consumada a reparação, reintegrado no governo da sua praça,
Brás não se demorou em Alfaiates. Devia ser-lhe penoso tratar com
camaradas, que bem sabia terem-no atraiçoado, viver no meio de
gente que procedera tão ingrata e infamemente contra êle, quando o
viram perseguido e preso. Demitiu-se, e tendo formado o propósito
de não mais aceitar cargos de governo, voltou para a sua querida
vila natal. Foi então de novo confiado o governo da praça a Costa
Mimoso, pois no fim do verão deste ano de 1Õ43 encontramos nós o
general D. Álvaro em Alfaiates, a expedir dali uma força comandada
pelo governador daquela praça, o sargento-mór Mimoso, que avançou
sete léguas por Espanha dentro até perto da cidade de Cória,
saqueando e queimando o lugar de Moralejo, escaramuçanJo com
Soo infantes e 80 cavalos inimigos, que lhe apareceram no caminho
í V. T., XIV, 88-8
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô 27 g
e foram afugentados, e praticando outros actos de valentia, que cau-
saram bastantes perdas aos castelhanos '.
Voltou pois para Avô o nosso capitão Brás Garcia ; mas o seu
ardor patriótico não se tinha extinto, nem se achava amortecido, com
as injustiças e desenganos, com a idade e trabalhos.
A pátria continuava atravessando uma crise dolorosa e aflitiva,
carecia dos seus serviços militares; não lhos recusaria jamais.
Durante a sua pequena demora na fronteira, deve ter sabido, talvez
da boca do próprio general, que el-rei resolvera intensificar a guerra
no Alentejo, indo ali em pessoa para animar as tropas, que de todo
o país mandava juntar naquela fronteira. O fim desta concentração
era realizar uma incursão na Estremadura espanhola.
E natural que seu amigo D. Álvaro lhe comunicasse, em confi-
dência íntima, que tencionava mandar para o Alentejo um contin-
gente das suas tropas, comandado pelo tenente do mestre-de-campo
Fernão Teles Cotão, e seguir pouco depois êle mesmo com todas as
forças disponíveis, para, segundo o plano de D. João IV, passar a
fronteira com o exército concentrado sob o comando do conde de
Óbidos, atacar e tomar algumas praças castelhanas, assumindo assim
a guerra da nossa parte pela primeira vez o carácter ofensivo.
Era da mais alta importância que este golpe não falhasse, mas se
fizesse sentir bem dolorosamente no reino de Castela.
A ocasião era muito asada. Havia sido afastado do governo de
Espanha o conde-duque de Olivares, que durante vinte e dois anos
disposera discrecionariamente do ânimo de Felipe IV e do poder
absoluto que este nele depositara. Convinha não deixar escapar o
momento de crise e perturbação por que passava aquela monarquia,
achando-se desmontada e inutilizada a máquina governativa, que em
tão largo período fora organizada e funcionara á ordem e feição do
conde-duque. Alem disso as atenções do governo espanhol haviam
sido até então atraídas para a guerra da Catalunha, tão infelizmente
dirigida pelo conde-duque, abandonando quási completamente a raia
ocidental; e era de recear que, com a mudança de governo, mudas-
sem as idéas, os planos, as condições, e o rei Felipe pudesse breve-
' Successos militares, fl. 172 e v.°; — Portugal restaurado, parte l, livro vii,
pág. 420 da ed. de 1710.
28o ^rás Garcia ^Mascarenhas
mente concentrar forças na fronteira portuguesa, e tentasse uma in-
vasão, a que o nosso exército não conseguisse fazer frente.
Convinha pois não perder a ocasião de prejudicar e assustar a
Espanha, e erguer os espíritos em Portugal, onde, passados os pri-
meiros entusiasmos patrióticos da restauração, o desânimo surgia e
alastrava, ao compararem-se a sangue frio os recursos de que podiam
dispor uma e outra nação. Pessoas graves e ponderadas já iam di-
zendo à boca pequena, que a aventura da restauração não podia
manter-se. E daqui resultaram as repetidas tentativas de conspiração,
fomentadas por Castela, que tão desconfiado tornaram D. João IV;
chegaram a sofrer grandes trabalhos e até a morte, de mistura com
autênticos conspiradores, algumas vítimas inocentes, falsamente acu-
sadas ao rei de inteligências clandestinas com o monarca vizinho.
A estas razões ainda se juntava a de já se acharem suficiente-
mente exercitadas e experimentadas as nossas tropas cõm mais de
dois anos de campanha, e estarem reparadas e acrescentadas as for-
tificações fronteiriças.
Havia também a vantagem de ganhar as boas graças do rei de
França, que tão liteis nos podiam ser, o qual instava por que passás-
semos da defensiva à ofensiva, interessado em que o exército caste-
lhano, que operava na Catalunha, se visse forçado a dividir-se, para
acudir ao Ocidente da península.
Por estas e outras considerações é que D. João mandou que de
.todas as províncias viessem tropas, que se concentrassem em Elvas,
para dali passarem a atacar a Espanha.
Sabendo pois isto, Brás Garcia resolveu desde logo cumprir o seu
dever, acudindo ao chamamento real e apresentando-se no tempo e
lugar aprazados.
Estava afastado do serviço activo. Era um simples capitão re-
formado. Poderia, se quizesse, oferecer-se para voltar à actividade
(oferta que seria muito bem recebida e estimada), recrutar de novo
uma companhia, e partir para o Alentejo como capitão vivo à frente
dela. Mas a memória dos sucessos recentes estava bem nítida na
mente de todos. ; Poderia ele ter coragem para ir novamente, como
fizera dois anos antes, de porta em porta, pregando a guerra santa
da defesa da pátria, e convidando os seus parentes, amigos, admira-
dores, subordinados, a alistarem-se na sua companhia? ^ Haveria
nele, tão injusta e tão infamemente compensado dos serviços e sacri-
fícios que fizera, força moral e autoridade para aconselhar, os que da
primeira vez o atenderam, a assentarem de novo praça ? Não. Ele
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 281
iria, cumpriria à risca o seu dever de patriota e de soldado; os
outros que fossem, se quizessem, mas não a convite seu.
Antes do fim do verão, ao aproximar-se o princípio do outono,
apenas os calores insofríveis do sol estivo alentejano começassem
a mitigar-se um pouco, é que se iniciaria a campanha. Estava
marcada para os primeiros dias de Setembro a concentração do exér-
cito em Elvas e seus arredores. O capitão reformado Brás Garcia
Mascarenhas lá estava, assentando praça como simples soldado no
terço do mestre-de-campo João de Saldanha de Sousa, onde teve
como camaradas muitos outros soldados rasos da mais alta fidalguia
do reino, senhores illiístres, nobres, & officiaes reformados, que assen-
tarão praças, com muitos criados pêra sentir à sua custa '. Era
apontado entre todos, com admiração, o nobre exemplo de Matias de
Albuquerque, que, depois de ter prestado grandes serviços à pátria
na guerra do Brasil e na restauração, serviços que bem mal pagos lhe
foram, pois se encontrou preso por ordem régia sob a caluniosa acu-
sação de traidor, sofrendo injúrias e insultos infamíssimos da popu-
laça vil, agora, perante o chamamento real, foi êle, conselheiro de
estado e de guerra, um dos primeiros a assentar praça como soldado
raso naquele mesmo exército do Alentejo, que dois anos antes go-
vernara como general.
El-rei D. João IV havia partido de Lisboa na tarde do domingo
19 de julho; dirigiu-se imediatamente a Évora. O calor era insupor-
tável, mas, a-pesar disso, foi animando os preparativos para o exér-
cito sair a campanha.
Durante a segunda metade de agosto foram chegando os contin-
gentes das diversas províncias ; na primeira semana de Setembro
o exército concentrado em Elvas e suas vizinhanças constava de
12.000 infantes e 2.000 cavalos, dispondo de 10 peças de artilharia
de campanha, 2 morteiros e vários instrumentos destinados ao ataque
das muralhas. Dava-lhe muito brilho e lustre a nobreza do reino,
que acorrera ao chamamento e assentara praça nos diversos terços.
Com este luzido exército partiu de Elvas o governador das armas
conde de Óbidos, no domingo 6 de setembro pelas 2 horas da tarde,
em direcção à ponie de Olivença, onde se lhe juntaram os terços e
tropas aquarteladas em Vila-Viçosa e Borba. Passaram o Guadiana
' Sticcessos militares, fl. 184.
282 'Brás Garcia (SMascarenhas
na manhã de segunda feira 7. No dia seguinte transpuseram a ri-
beira que corre entre Olivença e Valverde, a qual então era o limite
entre as duas nações, e penetraram na Estremadura espanhola, que
havia 170 anos não era pisada por um exército português.
Não me imponho a empresa de reeditar a história minuciosa dessa
marcha ofensiva por terras espanholas, em que os nossos soldados
praticaram actos de heroicidade extremada *- Foi rendida a praça
de Valverde, sendo despejada pelos castelhanos e ocupada pelos por-
tugueses a 12 de setembro. Neste mesmo dia chegou com o seu
terço e uniu-se ao exército o mestre de campo D. Nuno Mascarenhas.
A 17 levanta o exército, e marcha em direcção a Badajoz. Depois
de tentar pôr cerco a esta praça para a atacar, vendo a dificuldade
da emprega e as baixas que o nosso exército sofria, exposto às balas
castelhanas que granizavam constantemente sobre êle, o conde de
Óbidos, ouvido o conselho de guerra, resolve, contra a opinião do
mestre-de-campo João de Saldanha de Sousa, e em conformidade
com a do mestre-de-campo-general Joanne Mendes de Vasconcelos,
não realizar o ataque, e retirar logo para ir tomar outras praças e
vilas menos defendidas. Esta retirada ficou célebre pela grande ha-
bilidade estratégica e talento de comando que revelou, fazendo-se com
muito boa ordem, e evitando que a rectaguarda do nosso exército
fosse molestada pelo inimigo.
Na noite de 22 para 23 de setembro, achando-se o exército alo-
jado nas faldas da serra de Olor, entre Olivença e Valverde, foi o
conde de Óbidos surpreendido por uma carta do rei, em que se lhe
ordenava que entregasse o comando do exército a Matias de Albu-
querque, e que tanto êle como Joanne Mendes recolhessem imediata-
mente a Lisboa, onde se manteriam, sem sairem de suas casas, até
nova ordem. A empresa infeliz de Badajoz foi evidentemente a causa
desta grave resolução régia.
Matias de Albuquerque, muito mais querido do exército de- que o
conde de Óbidos, não revogou a resolução que havia sido tomada
1 Quem quiser vêr notícias abundantes desta campanha, recorra às fontes pró-
prias, entre as quais indicarei em especial o cap. vi do Portugal restaurado do
Conde da Ericeira, e a relação intitulada — Sucessos que houve nas fronteiras de
Elvas, Olivença, Campo Mayor, Ouguella e outros lugares do Alentejo, o terceiro
anno da Recuperação de Portugal, que começou em o ifi de Dezembro de 1643
(aliás 1642), escrita pelo Dr. Aires Varela, cónego magistral e governador do bis-
pado de Elvas. Esta memória é contemporânea da campanha, mas não foi impressa
senão em — Elvas-igoo.
Cap. VII — O poeta-pairiota de oAvò 288
em conselho, e tratou da conquista e ocupação de várias praças e vilas
daquela região. Albufeira, Almendral e Torre encontraram-se aban-
donadas, limitando-se por isso a tropa a queimá-las. Alconchel,
forte castelo alpendurado numa rocha de riba abrupta, e considerado
inexpugnável pela situação e pela fortaleza das muralhas, também se
rendeu, assim como a vila por ele protegida, que era cercada de
trincheiras e bem aparelhada para a defesa. Tiveram a mesma
sorte Higuera-de-Vargas, bem como Villa-Nova-del-Fresno, praça
muito bem fortificada e guarnecida, e Cheles.
Ao recolher o exército a Olivença, uma horrorosa trovoada pai-
rava sobre esta vila, encharcando completamente os expedicionários.
Da ponte de Olivença o general Matias de Albuquerque, sepa-
rando-se do exército, foi a Vila-Viçosa beijar a mão ao rei, e reco-
Iheu-se logo em seguida a Lisboa, muito doente. As tropas chega-
ram a Elvas, onde foram licenciados os contingentes vindos das
outras províncias, aprazando-se a continuação da campanha para a
próxima primavera. Grande parte, porem, dos oficiais e dos sol-
dados cairam doentes, alguns com bastante gravidade, efeito dos
grandes calores e dos trabalhos sofridos, e bem assim das infecções
próprias desta quadra do ano.
Embora nas relações e narrativas desta campanha se não faça
referência especial aos actos de valor nela praticados pelo nosso
Brás Garcia Mascarenhas, nem o seu nome figure, a não ser em
duas, nós sabemos de fontes genuínas e autênticas, que êle andou
em toda ela.
O conde de Óbidos mandou organizar uma companhia, cujo co-
mando lhe entregou, e assim passou de capitão reformado a capitão
vivo. Emquanto durou a expedição, comandou a sua companhia ;
e sob o seu comando ficaram depois também outras, que lhe foram
confiadas ao serem inutilizados por ferimentos os respectivos capitães.
Mais sabemos que tomou parte activa em todos os assaltos, re-
contros e rendições de praças, procedendo em tudo com a devida
satisfação, e que não recebeu soldo nem cousa alguma da fa:{enda
real, sustentando-se sempre à sua custa. Temos também notícia
certa de que, em virtude do trabalho e rigor da campanha, veiu no
fim a adoecer gravemente.
Passemos a compulsar as fontes.
284 'Brás Garcia oMascarenhas
A narrativa da guerra no Alentejo durante o terceiro ano da
restauração (i dezembro 1Õ42 — 3o novembro 1643) escrita pelo
Dr. Aires Varela remata por uma relação, que principia na página 149,
com o titulo: — Fidalgos q. se adiarão tio exercito, de que tive noti-
cia, são os seguintes- . . Na página i5o menciona — O cap.'" Brás
Garcia Mag/^ '.
O Dr. João Salgado de Araújo, nos seus Successos militares das
armas portuguesas, ao descrever a constituição do exército que in-
vadiu a Estremadura espanhola em 1643, diz: — Officiaes mores re-
formados forão : Domingos Corrêa, Leonardo de Albuquerque, Brás
Garcia Mascarenhas, Luis de Basto Freire, Francisco da Gama,
leorge de Afôseca, Miguel de Sousa de Valle. Todos estes homés,
& algas mais, de q não serei lembrado, assentarão como he dito,
praça de soldados rasos no terço do mestre de Capo loaõ de Salda-
nha de Sousa ^.
Isto pouco é ; testemunham porém expressamente tudo o que aca-
bamos de expor a portaria de 5 de abril e o alvará de 14 de maio
de 1644, que adeante publicamos na sua integra ^.
Algumas referências também faz a esta campanha o poeta, dando-se
como um dos que nela cooperaram. De todas as operações da guerra
em que tomou parte activa, depois do episódio da sua prisão, é esta
a de que mais vezes se lembra no seu poema.
Memora que a guerra da restauração, puramente defensiva até
este momento, se transformou em ofensiva. Dissertando sobre a
guerra, que é lei universal, e sobre a sua indispensável necessidade,
suas modalidades, etc, diz :
Esta he sempre offensiva, ou defensiva,
Tal vez se alterna, ou muda, o que notamos
Na presente mudada em offensiva,
Posto que defensiva a começamos*.
Esta transformação explica-se facilmente. Em guerra com a Es-
panha desde que proclamámos a nossa independência, era preciso
1 O apelido Mascarenhas substituído por Magalhães é de fácil explicação
Não passa de um erro da edição, resultante da má leitura do manuscrito, onde
estava a abreviatura Masq.^ que se supôs ser Mag.s.
2 Fl. 184 v.°. — ' Doe. LVIII e LX. — * V. T., iv, 14.
Cap. VII — O poeta-patriota de qAvô 28S
que se desse o embate das nossas forças com as suas. Esperámos
que estas viessem ter comnosco, mantendo-nos na defensiva dois anos
e meio; vendo porem que não vinham, aborrecidos já de esperar,
fomos nós procurá-los a sua casa, pois
que nunca se contenta
O brio Portuguez de Guerra lenta '.
Para realizar esta campanha, o rei convocou toda a nobreza da
nação a vir ao Alentejo combater o inimigo. Se fosse em outro país,
os fidalgos não abandonariam os seus solares, a não serem movidos
pelo ouro das recompensas, ou pelo rigor das penas : aqui porem,
apenas souberam que o monarca ia ã campanha, todos seguiram
voluntariamente o seu amado'rei, sem pedirem ouro, sem recearem
castigos.
Foy sempre a Lusitânia muy ciosa
De seus Reys, que solicita acompanha,
Em sabendo, que empresa bellicosa
Os transfere das cortes á campanha.
Nenhum Rey, sem meter mão poderosa
Em fazer própria Gente, ou Gente estranha,
Do clima natural pôde arrancala ;
Ouro, ou rigor Exércitos abala.
Esporas são, com que caminha a Guerra
E com que se nam move a Portuguesa,
Que sò o amor dos Reys, hè que desterra
Dos paternos solares a Nobresa ;
Que toda vi na Transtagana terra
Seguir ao nosso Rey, & logo a empresa
De Estremadura, sem que algu se negue.
Que quem ama a seu Rey, seus passos segue.
Esta pensam honrada, & voluntária
De seguirmos ao Rey, quando o merece,
Em tantos annos de fortuna varia
Firme permaneceo, & permanece.
Lusitano attributo, hereditária
Lealdade hè, que sempre em nòs florece,
Que todas as Naçoens mais celebradas
Quasi todas à Guerra vam forçadas '.
Muitos soldados reformados se apresentaram na campanha; Brás
era um dcle.<;. No combate eram estes que se mostravam mais exer-
i V T., siv, 3o. -J V. r,, XVI, 18-JO,
2^6 ^rás Garcia áMascarenhas
citados e atrevidos, e prestavam o importantíssimo serviço, cada qual
no seu posto, de rapidamente recompor as companhias, quando estas
no combate se descompunham. Brás Garcia, que principiou a cam-
panha do Alentejo como capitão reformado; assumiu, como vimos,
o comando de algumas companhias descompostas pela inutilização
dos respectivos capitães feridos, e conseguiu recompô-las. Era assim
que sucedia nos exércitos romanos com os seus príncipes.
Os príncipes na cauda dos bastados,
Costumavam formar menos unidos,
Ou pêra os socorrer, quando afrontados.
Ou pêra os receber quando vencidos;
Que todos, como os nossos reformados,
Eraõ exercitados, & atrevidos
E por ser gente a pelejar disposta
Presto entre si compunha a descomposta '.
Assistiu a toda a campanha do Alentejo e Estremadura espanhola
no fim do verão e principio do outono de 1643; pode por isso dizer
que a mortandade foi muito menor, do que a gente grosseira fantasia.
Nesta campanha se verificou mais uma vez que a guerra de hoje é
menos mortífera do que a dos tempos antigos. Contando as mortes
sofridas em cada um dos ataques, nota-se que
nem em tanta prova
Custou mais que vinte & oyto Vila Nova.
Sincoenta & quatro Alconchel, Valverde
Trese, dous a Sopresa de Albufeyra ;
Trinta e dous Badajoz; menos se perde
A gente, de que cuyda, a que hé grosseyra :
Que a tal, como dos Pays o medo berde,
Sempre exaggera as cousas da Fronteyra,
Contando o que temerão, ou o que ouvirão :
Eu escrevo o que vi, aos que o virão.
Destes sitios & de outros claramente
Se verifica, & fica bem provada
A rezão, de que sendo mais vebemente
A Guerra de hoje, hé menos arriscada^.
Deu-se na campanha um facto, que descontentou muita geiate;
a retirada de Badajoz. Não houve razão para tal descontentamento,
Que vai muyto húa boa retirada,
Mas saõ muytas as màs, ò; as boas poucas ',
í V. T., II, 29. - 2 V. T., IV, 26-28,- ' V. T., V, 53,
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 287
E a de Badajoz foi muito boa. Numa retirada a tempo, e bem
feita, se revela a grande perícia de um general.
E numa boa retirada que o nosso poeta especialmente avalia a
grande habilidade estratégica de Viriato, quando, surpreendido com
pouca gente pelo exército do pretor Pláucio, reconhece que não pode
dar-lhe batalha, mas
Não quer sem ver o rosto ao Inimigo,
P"azer muyto a seu salvo a retirada ;
Que inferior se confessa, ou imprudente
Todo o que se retira occultamente.
Bem que em se retirar se resolvia,
Acção, em que a perícia se conhece,
Por mostrar que o contrario não temia.
Formando em campo razo lhe apparece.
Dispôs a pouca gente, que trasia
Tão destro, que admirado o reconhece
O 1'retor, & tão cauto como experto,
Rompe a batalha de a vencer incerto.
Viriato advertida leva a Gente,
Que do primeyro encontro rechaçando
Toda a contraria se vay lentamente
A visinha aspereza retirando.
O encontro fez tão fero, iS: tão valente,
Que as Romanas cohories perturbando,
A deyxão retirar tão socegada.
Como se não ouvera feyto nada '.
Descreve também, com mão de mestre e vivas cores, uma retirada
simulada de Viriato perante o exército de Vitélio, empregando com
felicidade a imagem da astuta perdi\ :
Como astuta perdes, que divertindo
Dos occultos filhinhos o viandante.
Ferida, & sem vigor se vay fingindo.
Mal corre, & peor voa, hum pouco avante,
O passageyro incauto a si attrahindo
Athé que o ponha delles bem distante;
E tanto que occasiáo de voar conhece,
Como huma setta lhe desapparece,
' Fi r.,ix, 3--ig,
2S8 'Brás Garcia ^Mascarenhas
Tal em quanto Viriato divertia
Dos occultos Infantes aos Romanos:
De que os sigáo solicito os desvia
Com choques, dilncçoés, ardis, & enganos.
E no instante, em que aviso recebia
De que salvos estão os Lusitanos
Virando as rédeas lhe desaparece
Sem que dos mil Cavallos hum perdesse '.
Abre o canto x do í'irtato Trágico pela apologia calorosa duma
perfeita boa retirada em tempo oportuno, e remata essa apologia
por dizer :
Que o General ^ mais prospero, & perfeyto
Tal vez a retirar-se esta sogeyto.
Com resão se jactava o de Pescara'
Da de * Marselha, que ainda chamão bella,
Pois teve, pêra a França ser mais cara,
A prisão do seu Rey origem delia'.
A nossa em Badajoz a superara
Se o poder nos fugira ^ de Castella,
Porque disposição tão acertada
Se não vio em nenhua retirada.
Poucas vezes costuma retirarse
' De empenhos grandes Gente Portuguesa,
Porque antes quer morrer, que duvidarse
De seu valor a minima fraquesa.
Donde com honra o mal pode evitar-se,
Investilo com ímpeto hè bruteza :
Hè nossa condição de rayo ardente,
Que investe o mais difficil mais vehemente '.
i V. T., VII, 79-80.
2 Geral trazem ambas as edições ; erro evidente.
' O marquês de Pescara, Fernando-Francisco d'Avalos, marido da célebre Vit-
tória Colonna.
* Tanto na :.' como na a.' edição falta a preposição de.
5 As tropas do imperador Carlos V haviam invadido a Provença e cercaram
Marselha, que resistiu até à chegada das tropas francesas, comandadas pelo rei
Francisco I. Os sitiantes foram obrigados a retirar, mas fizeram-no com muita
habilidade e em excelentes condições, atraindo após si Francisco I e o seu exército,
que penetrou na Itália, chegando até Pavia, onde se deu a célebre batalha, em que
os franceses foram derrotados, e o rei ficou prisioneiro do exército hispano-italiano,
sendo conduzido a Madrid. O principal quinhão de glória neste feito coube ao
marquês de Pescara, tendo esta a sua última e mais brilhante acção militar. Eis
os fucos a que o poeta se refere.
^ Suponho que o autor escreveu seguira e não fugira, que não faz sentido.
) ;■. T., XIV. 7-9.
Cap. VII — O poeta-patnota de oAm 28g
A campanha do outono de i()43 foi gloriosa para Brás Garcia.
Nela mostrou, como sempre que para isso teve ocasião, que era um
militar hábil, desinteressado, destemido e valente. Arriscou a vida
combatendo pela pátria, e sacrificou a saúde; conseguiu porem triunfar
da grave doença contraida na campanha, e aí o temos novamente em
Avô, no inverno de 1643-1644, a convalescer dos achaques sofridos.
A situação especial em que regressava do Alentejo era imensa-
mente simpática, e devia atrair sobre o nosso capitão as atenções
carinhosas e a admiração entusiástica dos seus patrícios. Todas as
pessoas, que se prezavam, visitaram o doente glorioso e cheio de pres-
tígio, acompanhundoo na convalescença, e brindando-o com presentes
amistosos.
João Manuel da Fonseca, capitão-mór de Avô, era uma das pessoas
principais da terra; não podia faltar a estes deveres de cortesia, não
obstante a antiga aversão que sua mulher D. Maria Madeira tinha ao
poeta, segundo deixamos referido '.
Nessa aproximação de famílias, nesse estreitar de relações, os
laços afectuosos, embora envolvidos em mistério e disfarçados com
grande cuidado, que existiam entre D. Maria da Costa, gentil filha
de João Manuel, e o poeta, encontraram ocasião de se tornar mais
íntimos, sempre sem quebra das leis da honestidade.
Achava-se Brás já restabelecido da doença, e preparava-se para
partir de novo para a campanha do Alentejo, quando chegam a Avô
duas portarias, datadas de b de abril de 1644, altamente honrosas
para o nosso herói : em uma erão reconhecidos e enumerados os
grandes e desinteressados serviços prestados à causa de el-rei e
da pátria pelo capitão Brás Garcia Mascarenhas, e anunciava-se a
mercê régia da promessa de 202^000 réis de pensão em uma comenda
de Avis; na outra fazia-se saber que o rei mandava lançar ao mesmo
capitão o hábito da ordem militar de S. Bento, depois de se fazerem
AS provanças e habilitações de sua pessoa ^.
j Calcule-se a alegria e satisfação que isto causou ao agraciado e à
sua namorada !
' Revista da Univ., vol. I, pág. 309, vol. II, pág. 204, etc.
í Doe. LVIII.
sgo Brás Garcia áMascarenhas
O processo de habilitação para receber o hábito de freire noviço,
ser armado cavaleiro, e depois emitir a sua profissão religiosa, era
fácil, e podia correr rapidamente, tratando-se de pessoa tão conspícua,
e de família tão distinta e bem conhecida por sua nobreza. E pro-
vável, àlêm disso, que os amigos que na corte lhe prepararam esta
justa distinção, tivessem já disposto os elementos para o processo
de genere, jnla et moribus correr sem delongas, e poder o agraciado
aproveitar a sua ida ao Alentejo nesta primavera, para de caminho se
realizarem as respectivas cerimónias da liturgia das ordens militares.
Era no mês de maio de 1644 que o exército devia concentrar-se,
como no outono antecedente, em Elvas e suas proximidades.
Embora não encontre referência nenhuma à presença de Brás
nesta campanha, tenho por certo que não deixou de ir;
Que o soldado, a quem Marte mais castiga,
Mais presto acode, cada vez que o chama '.
Seria incoèYente com os sentimentos que sempre manifestou, com
o seu brio e patriotismo, de que tantas provas deu, deixar-se ficar
em casa, quando outros, acudindo ao chamamento militar em mo-
mentos tão críticos, se iam bater pela independência de "Portugal,
continuando a campanha encetada. Não podia ser; o capitão Brás
tal não faria,
que quem ama
O bem da Pátria, acode a defendela.
Quem repousar se deyxa em branda cama.
Em quanto, o que a defende, em campo vela
Sem à Fronteyra ir cedo, nem tarde,
Ou Castelhano hè, ou hè covarde •.
Exacerbados pelas perdas sofridas no outono anterior, os espa-
nhóis trataram de se reforçar naquela fronteira; substituíram no go-
verno das armas desta província o conde de Santo Estêvão pelo
marquês de Torrecusa, oficial muito afamado e experimentado, au-
mentaram consideravelmente as tropas, e fortaleceram as guarnições
das praças da região.
Apenas entrou a primavera, principiaram logo a hostilizar-nos,
> V. T., XIV, 82.-2 K T., X, 125.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 2gi
pretendendo tomar de assalto a praça de Ouguela, e invadindo pouco
depois o termo de Portalegre ; ruubaram gado, e mataram cruelmente
alguns pobres lavradores inermes.
Nestas condições não deixaria certamente de correr em defesa da
Pátria ameaçada, quem escrevia:
Porem quando as ruins novas se publicão
De que alguns muros nossos tem cercados,
O que causa não tem, nem vay asinha,
Ou não hè Portuguez ou hè galinha '.
Ouvira dar o rebate, a guerra acenava-lhe o facho, o inimigo
mostrava querer entrar potente, fora pelo rei ordenada entrada de
porte em terras castelhanas ; não se tratava pois de ir tomar ca-
bras:— d o que faria Brás Garcia em tal conjuntura? Ele mesmo
o diz:
A guerra sigo voluntariamente.
Se ouço rebate, se me o facho acena,
Que quem a professou, e mandou gente,
Por vicio a segue, sem assombro, ou pena.
Se o Inimigo quer entrar potente,
Ou se entrada de porte se lhe ordena,
Cora grã zelo da Pátria me detenho,
E se vejo que a cabras vão, me venho '.
Brás tinha naquele momento de cumprir o seu dever, indo à
guerra. Foi.
Matias de Albuquerque passou de Elvas a Campo-Maior, onde
acabou de preparar um exército bem mais pequeno que o do ou-
tono antecedente ; foi o que poude arranjar-se. Era formado por
6.000 soldados de infantaria, i.ioo de cavalaria e os de artilharia
necessários para o manejo de 6 peças que levavam, e bem assim as in-
dispensáveis munições e bagagens, com mantimentos para vinte dias.
Já declinava o mês de maio quando partiram de Campo-Maior;
transpuseram a fronteira caminhando em direcção a Norte, para ata-
carem a importante praça de Albuquerque. Mudaram porém de
destino, quando tiveram notícia certa de que havia sido ultimamente
reforçada a guarnição daquela vila com bastante infantaria e cavalaria,
e declinaram para Leste. Tomaram a grande e rica povoação de
Vilar-del-Rei e dois lugares vizinhos a Nascente, denominados Puebla-
' V. T., X, 126. — 2 V. T., -w, io3.
2g2 'Brás Garcia ^Mascarenhas
-de-Obando e La-Roca-de-Mansancto, sendo tudo saqueado e quei-
mado.
Em seguida Matias de Albuquerque marchou com o seu exército
para Sul, e rendeu Montijo, defendido por boas trincheiras, bem
guarnecidas de tropas ; ali colheu mui rico despojo.
Tendo partido de Elvas, a Poente de Badajoz, o exército portu-
guês dera uma volta por Norte, e agora achava-se a Leste daquela
forte praça espanhola, na qual estava concentrado um importante
exército. Até aqui não se havia o inimigo defrontado com as nossas
tropas : mas havia notícias seguras de que o marquês de Torrecusa
ia, sem mais demora, dar batalha campal, que seria a primeira nesta
guerra, chamada da restauração. Matias de Albuquerque esperou-o
em Montijo.
Então as tropas espanholas vieram alojar-se a Lobón, na margem
esquerda do Guadiana, donde observavam e vigiavam qualquer mo-
vimento do nosso exército. Ficando o marquês de Torrecusa em
Badajoz, incumbiu do comando do exército em campanha o barão de
Molinguen, general de cavalaria há pouco tempo chegado, ordenando-
-Ihe que desse batalha aos portugueses indispensàvelmente.
A gente de guerra que estacionava em Lobón ascendia a 6.000 in-
fantes, aproximadamente o mesmo número da infantaria portuguesa,
ora em Montijo ; a cavalaria espanhola porém é que se avantajava à
nossa, contando cerca de 2. Soo cavalos. Eram soldados em grande
parte largamente experimentados; pelo contrário, constituía o grosso
do exército português gente bisonha.
No dia da festa do Corpo de Deus, quinta feira 26 de Maio, pela
manhã cedo, saiu o nosso exército de Montijo, formado em ordem de
batalha, marchando em direcção a Occidente, por campo plano e
desembaraçado. Logo os espanhóis passam o Guadiana, e, por volta
de 9 horas, atacam de lado os nossos com galhardia, conseguindo
desbaratar uma parte das tropas, tomar a artilharia e afugentar a
cavalaria, por forma que julgaram terem ganhado a victória.
Não desanimando, nem se perturbando, Matias de Albuquerque,
com o general de artilharia D. João da Costa e outros oficiais, pro-
curam com grande valor e energia deter e unir os terços; conseguem
recompor os corpos do exército, com excepção da cavalaria que fu-
gira, e auxihados por 40 cavalos apenas, linicos que se mantive-
ram, atacam o inimigo com audaz vigor, recuperam a artilharia,
que havia sido tomada, e utilizam-na também contra os castelhanos;
estes são derrotados. As 3 da tarde estava ganha pelos nossos a ba-
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 2g3
talha, que durara seis horas. O barão de MoHnguen, e as tropas
que lhe restavam, passaram o rio com tanta precipitação, que muitos
soldados se afogaram.
Foi notabiUssima esta primeira batalha pelas circunstâncias des-
favoráveis em que nela nos encontramos : o triunfo alcançado pelo
nosso exército cobriu-o de glória.
Houve considerável mortandade de parte a parte, e ficaram pri-
sioneiros muitos soldados de um e outro exército; entretanto foram
muito mais castigados os castelhanos. Quando as nossas tropas en-
traram de regresso em Campo-Maior, verificou-se a existência de
umas 900 baixas, entre mortos e prisioneiros ; lá nos ficaram sem vida
bastantes oficiais, entre eles 2 mestres-de-campo e muitos capitães.
Ao inimigo morreram 4 mestres de campo, 9 capitães de cavalaria,
45 de infantaria, muitos outros oficiais, e dizem que mais de 3. 000 sol-
dados, i Haverá algum exagero ? Talvez.
A notícia desta vitória foi muito celebrada em Lisboa e por todo
o pais, galardoando el-rei o general Matias de Alburquerque com o
título de conde de Alegrete.
Estava terminada a campanha da primavera; o inimigo derrotado
levaria algum tempo a refazer-se; o calor já ia apertando e custava
a suportar. Até este momento o nosso capitão com grã ^elo da
Pátria se detivera na campanha, mas nada mais tinha ali que fazer
por agora. Observou que os nossos soldados, depois do regresso da
batalha, só voltavam a passar a fronteira para arrebatarem gado aos
espanhóis ; viu que a cabras iam • somente, e para isso não servia
êle : retirou-se pois do Alentejo.
No meado de Julho estava em Avô ^, e então, memorando com
satisfação a campanha a que assistira, escreveu uma referência à
batalha de Montijo nas estâncias seguintes :
Muytas vezes succede aos vencedores
Deyxarem os vencidos mais honrados,
Que honrados ficão sempre os inferiores,
Que de todo não sahem desbaratados.
A façanha mayor dos superiores,
A mayor bisarria dos soldados
Em perdida batalha, hè restaurala,
Não desesperar delia, & sustentala.
' V. T,xv, io3. — 2 Doe. LXI.
2g4 'Brás Garcia oMascarenhas
Exemplos mostra neste livro a penna,
E com mil dos antigos o mostrara,
E a mostrara com Touro, & com Ravena
Se com Montijo hontera o não provara.
Toda a Guerra em facção grande, ou pequena
Tal vez ao mais pujante volve a cara,
Que ou aqui, ou ali o victorioso
Fica no pouco, ou muyto desayroso i.
Suponho que nesta viagem ao Alentejo recebeu Brás Garcia o
hábito de noviço e foi armado cavaleiro da ordem militar de S. Bento
de Avis. Em caminho, indo da Beira, passaria por Lisboa, onde lhe
seriam entregues a carta régia e os três alvarás datados de 14 de
Maio -, que autorizavam o seu ingresso naquela ordem com a pro-
messa da mercê de uma pensão de 205S000 réis anuais em uma
comenda da mesma.
Ficava-lhe no itinerário a vila de Avis, sede da ordem, em cujo
convento, na ida ou no regresso da campanha, apresentaria ao reve-
rendo prior-mór D. Fr. Bento Pereira de Melo. ou a quem suas vezes
fizesse, o diploma régio que lhe mandava lançar o hábito de noviço,
cerimónia a que deve ter-se procedido imediatamente. Depois, ao
passar por Lisboa de regresso à Beira, na capela-real ou na igreja
da Encarnação, seria armado cavaleiro por três cavaleiros professos,
dois dos quais desempenhariam o papel de padrinhos.
A cerimónia da profissão religiosa deve ter-se realizado mais
tarde, no outono seguinte, quando Brás Garcia foi de novo ao Alen-
tejo, chamado pelas ordens régias que convocaram toda a nobreza
de Portugal a defender a fronteira alentejana, ameaçada de invasão
mais poderosa. Num documento de 14 de Julho deste ano ^ ainda
o nosso herói é simplesmente denominado o Capitão bras Gr."^" M.'";
em documentos de 19 de Fevereiro*, 12 de Outubro^, i5 de Dezem-
bro ^, etc, do ano imediato de 1645, já é tratado por frei bras Gr."
m."^ : tinha-se realizado a profissão religiosa no período que decorre
entre meado de Julho de 1644 e meado de Fevereiro de 1645.
Deviam constar estes actos dos registos da ordem, cujos livros se
1 V. 7., XVII, 2-3.-2 Doce. LIX e LX. — 3 Doe. LXI.- « Doe, LXII.
5 Doe. LXIII.— 6 Doe. LXV.
Cap. VII — O poeta-patriota de cAvô sgS
encontram na Torre do Tombo ; mas, infelizmente, há neles lacunas,
uma das quais corresponde exactamente a este período. Ao agra-
ciado eram sempre entregues certidões de tais actos; as que Brás
recebeu sumiram-se na voragem onde, por incúria dos descendentes,
desapareceram os papéis e documentos da família.
Ao principiar o inverno de 1644-1645 já o novo cavaleiro pro-
fesso da ordem militar de S. Bento de Avis estava em Avô, osten-
tando ao peito, nos dias solenes, a respectiva insígnia, constante de
um colar de seda verde com a bela cruz fíordelisada de ouro, esmal-
tada de verde, e recebia o tratamento honorífico de Senhor Frei
Brás.
Já deixei dito noutro lugar ser opinião minha, bem fundamentada
segundo julgo, que o episódio romanesco do casamento do capitão
lusitano Apulêo com a bela Clóride, que se acha inserido no Viriato
Trágico, e abrange as estâncias 98 a 106 do canto xiii, e 43 a 99
do canto xiv, é uma composição epitalâmica, em que Brás Garcia,
então ainda nos primeiros tempos de noivado, canta o seu próprio
casamento com D. Maria da Costa.
Este poema épico, planeado quando o poeta se achava preso no
Sabugal, e executado nos intervalos em que a guerra o deixava des-
cansar na sua querida vila de Avô, especialmente durante os invernos
em que os rigores da estação o obrigavam a conservar-se em casa •,
acha-se repleto, como temos tido ocasião de verificar, de alusões pes-
soais e notas auto-biográficas, que êle poeta conseguiu mais ou menos
habilmente introduzir na contextura da obra.
O seu desejo seria tomar para assunto do poema a presente guerra
da restauração, em que êle mesmo representava um papel patriótico,
glorioso, eminentemente simpático. Em tal hipótese cantaria as fa-
çanhas dos seus comandantes e dos camaradas, o que seria levado à
conta de adulação; faria referências aos seus próprios feitos, o que
se classificaria de imodéstia e vaidade. Os :{oilos nocivos e maledi-
centes voltariam contra êle e contra o seu poema os dardos envene-
nados pelo ódio e pela inveja. Para frustrar essas críticas, é que
preferiu descrever a guerra antiga, embora fosse tarefa para êle bem
mais difícil.
' V. T., XV, 104.
2g6 'Brás Garcia oMascarenhas
Antiga formatura, & desuzado
Estilo de a reger, que então avia,
Será muyto difficil a hum soldado
Creado entre moderna Infanteria;
Se assumpto fora muyto mais honrado,
O que a presente Guerra me offrecia,
Hé melhor, por frustrar Zoilos nocivos,
Cantar aos mortos, que adular aos vivos.
Desgraça hé deste século invejoso,
Em que não pode peiía dar peiíada,
Louvando, como deve, ao valeroso,
Sem do covarde ser vituperada.
Desengane-se todo o poderoso,
Que muyto quer luzir, sem fazer nada,
De que a verdade pôde mais, que o medo,
E que se há de imprimir, ou tarde, ou sedo.
Ha desanove séculos inteyros,
Que as Armas de Viriato florecerão ;
E ainda agora em bons livros, & letreyros,
Se reprova, o que mal delle escreverão.
Tempo virá, que frustre lisongeyros,
E lisongeados, que favor lhe dèrão,
Cada qual com valor faça o que deve,
Porque de quem mal obra, mal se escreve *.
Assim Brás Garcia descreve e celebra no seu poema o movimento
patriótico dos lusitanos, que, comandados por Viriato no século II
antes da nossa era, se ergueram contra o domínio dos romanos, e
num arranco patriótico sublime venceram com pouca gente grandes
exércitos; exactamente como os portugueses agora se levantaram para
sacudirem o jugo castelhano.
A grande semelhança de situações era flagrante ; naturalíssimo
pois que o poeta transportasse para aquela guerra muitos episódios
e ocorrências, e bem assim muitas personagens desta; e que, nas in-
venções poéticas com que entretece a sua composição inserisse muitos
elementos reais, colhidos na guerra da restauração. Por vezes chega
a esquecer-se de que o assunto do seu poema é a guerra viriatina, e
pÕe-se a falar da guerra da aclamação de D. João IV, sem forma
alguma de transição, ; sem nos deixar sequer perceber que entre o
V. T, II, 1-3.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô 2g'j
que fantasia em uma estância e o que narra na imediata medeia uma
distância cronológica de mais de 18 séculos I
Esta aproximação vai tão longe, o poeta identifica tão completamente
os generais e capitães de Viriato com os de el-rei D. João IV, que
olvidando o facto de ainda não haver Portugal no tempo em que de
corre a acção do seu poema, dá aqueles o nome de portugueses
O inimigo castelhano confunde-se a cada passo com os romanos
inimigos de Viriato. Dispondo de um pouco de observação e cuidado,
chega-se à identificação deste ou daquele general ou capitão do exér
cito de Castela com estoutro ou aqueloutro cônsul, pretor ou centurião
do exército romano, e semelhantemente de alguns oficiais portugueses
com comandantes do exército viriatino.
Mas não são apenas as façanhas dos generais e capitães da guerra
da restauração, que Brás Garcia comemora no seu poema Viriato;
estou convencido de que muitos episódios, que nele se lêem, teem um
fundo de realidade. Até o belo episódio de Serralvo, selvagem gro-
tesco, que o poeta descreve com traços cheios de vida e vigor, gi-
gante de força descomunal mas vilmente cobarde, que se escondia
entre as bagagens amedrontado, enquanto os outros soldados pe-
lejavam, e que, num dado momento, repreendido por Viriato, se
atira às cegas sobre os inimigos desfazendo quanto encontra — pode
bem não ser mera criação da fantasia do poeta, mas caricatura ma-
gistral de algum rude serrano, que o capitão Brás observasse na sua
metamorfose de soldado bisonho e medroso em herói destemido. É
um dos belos trechos do Viriato Trágico:
Sem cessar a mortífera batalha,
Se embravecia cada vez mais fera,
Que de todos os lados se trabalha;
A Gente que da vida desespera,
Dos peytos, & paveses faz muralha
Circular, & a pê quedo a morte espera,
Só o bárbaro Serralvo se desvia
Do perigo, em que as outras Nações via.
Era Serralvo moço Gigantado,
Pequenos olhos tinha, & rosto feyo,
Muy calejada mão, & pê gretado,
Largo de espadoas, & de peytos cheyo *,
' Cheyos, tem a i." edição, erro tipográfico corrigido na 2.*.
2q8 'Brás Garcia óMascarenhas
Cabello crespo, & nunca penteado,
Barba inculta, vestido sem asseyo,
As mãos vilosas, largas as munhecas,
Grossas as pernas, (Sc as queyxadas seccas.
Este que em muytas Guerras pouco obrara,
Covarde entre a bagagé se escondia
Tão vilmente, que nem volvia a cara
A onde tão cara a vida se vendia.
Viriato, que húas Mangas retirara,
E sobre todos tinha grã vigia.
Vendo aquk;ll£ curpaço alapardado.
Mais severo o reprehende, que indignado.
Desculpa-se tremendo, que não tinha
Arma, & por tanto ali se recolhera;
Viriato lhe diz toma esta minha
Arma, & com ella faze o que eu fizera ;
Pêra sempre ta dou, alto caminha.
Que traz ti vou, & adverte que te espera
Grande castigo, ou premio : Disse, & parte
O bisonho discípulo de Marte.
Entra na escola sem conhecer letra,
Mas tam bem a lição do Mestre aprende
Que do primeyro golpe, que soletra
Da testa aos peytos hum centurio fende ;
Multiplicando os vay, ossos penetra.
Que arma nenhúa delle se defende :
A mais dobre, & fortíssima armadura
, Rompe, qual branda cera, a Maça dura.
Hum dardo, que lhe fora arremeçado
O ferio levemente na cabeça.
Do que impaciente o bárbaro indignado.
Em meyo dos contrários se arremeça;
Despedaçando os vay a cada lado.
Que de matar, & de bramir não cessa,
Parecendolhe poucos, quantos via
Pêra esfriar a cólera, em que ardia '.
O que acima narramos é um facto, que se observa por todo
o poema, e se torna mais claro e evidente nos cantos xiii, xiv e xv,
• V. T., viii, 5 1-56 da i.' edição, 49-54 da 2.'. Esta discrepância resulta de
um erro de numeração, que se deu na i.', onde houve uma lacuna, numerando-se
36 a estância que imediatamente se segue à 33, e continuando a série 37, 38 etc.
até ao fim do canto.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô sgg
que suponho terem sido escritos em 1644-1645. E neles que se en-
contram com mais frequência e extensão, e introduzidas por qualquer
forma, às vezes bem pouco naturalmente, referências minuciosas auto-
-biográficas e episódios da guerra da restauração, como tais indicados
expressa e claramente, mas relatando factos, todos sucedidos anterior-
mente ao princípio do ano de 1645. Brás viera da campanha do
Alentejo cheio de entusiasmo pelo que ali fizera e vira fazer aos
outros ; por isso não admira que, ao cantar as façanhas de Viriato e
dos seus soldados, em vez de inventar acções de fantasia, lhes atri-
buísse os feitos épicos realizados naquela recente campanha.
Há nestes cantos estâncias inteiras, que, descrevendo a guerra
viriatina, são perfeitamente aplicáveis à campanha da restauração no
outono de 1648 e na primavera e outono de 1644, desde que se sub-
stitua um ou outro nome. As circunstâncias de lugar, estação do ano
e outras, a táctica dos nossos e do inimigo, o resultado dos ataques,
etc, tudo é perfeitamente conforme. Brás descrevia os sucessos da
campanha actual na Estremadura espanhola, caracterizando as perso-
nagens que nela figuraram com traços e nomes que lhes dessem feição
antiga. Para exemplificar: — leiam-se atentamente as estâncias se-
guintes, e diga-se depois se, substituindo na penúltima o nome Ro-
nianos por Hispano^, e supondo na última que Lélio é pseudónimo
do governador castelhano conde de Santo Estêvão, não se encontra aqui,
sem sombra de dúvida, uma rápida e exacta descrição da campanha
do outono de 1643 na Estremadura espanhola, que o poeta, como
os geógrafos do seu tempo, denomina Andaluzia, por estender bastante
para Norte esta província, dando-lhe por limite ocidental e setentrional
o curso do Guadiana '.
Fugindo vay às terras bem muradas
O vulgo agricultor, quando ambicioso
Do suor esperou rico tributo,
Pesares recolhendo em vez de fruto.
' E porq algús, q não estão vistos na Geografia entêdem, q Andaluzia, he
menos destrito, do que antigamete foi a Betica, saibão, que recebem particular
égano: porque Betica, & Andaluzia he toda húa cousa, & hú so nome. Betica foi
chamada aquella prouincia do rio Betis, q a atrauessa, & passa por Seuilha, hoie
Guadalquiuir, q por lingoa dos Mouros quer dizer, rio grande. Vierão os Vuan-
dalos, que a senhorearão, & como seu desígnio era, como Godo, extinguir as me-
morias Romanas, chamarão à Betica, Vuandalia, que depois corrupto se mudou em
Andaluzia, que se inclue des do mar Mediterrâneo, tè o rio Guadiana, como he
dito». — Dr. João Salgado de Araújo, Successos militares das armas porlvgvesas,
fl. 169 v.°.
Soo 'Brás Garcia ^Mascarenhas
Qual gafanhota, que os passados annos
Vimos com tanta magoa, que inda dura,
Gastar os férteis campos Egytanos,
Hum fogo parecendo da verdura,
Que por donde passava a nossos danos
Pallido tinha o sol, a terra escura,
E tudo quanto atràz delia se via,
Húa tórrida Lybia parecia.
Tal vão atraz deyxando os Lusitanos
Tudo abrasado negro, & consumido ;
Estão-se cm stus presídios os Romanos
Vendo a terra assolada, o fumo erguido.
Atalhando cpm tudo graves danos,
Tem consigo o que podem, recolhido;
Como quem na geral adversidade
Se abriga em quanto passa a tempestade.
Mas vendo o Portuguez, que não podia
Lélio a campo tirar por força, ou manha.
Que com sagacidade prevenia
Seus danos, despejando-lhe a campanha.
Depois de saqueada Andalusia,
No fim do Outono, que o campear acanha,
Por se desempachar de tantas presas,
Se retira às Cidades Portuguesas '.
E, na estância que a seguir transcrevo, dá-se o esboço do quadro final
da campanha : — as chuvas precoces pondo termo precipitado às ope-
rações da guerra, o conde espanhol corrido e envergonhado, os por-
tugueses retirando carregados de despojos, os rios, engrossados pelas
tempestades outonais, que mais pareciam inverno rigoroso, criando
dificuldades à marcha do exército, e, finalmente, as companhias alen-
tejanas divididas pelos quartéis costumados das diversas praças sitas
na região banhada pelo Guadiana.
Antecipa-se o Inverno rigoroso.
De ver estragos tais compadecido ;
Faz retirar ao Luso bellicoso,
Deyxando a Lélio timido, & corrido :
Mas do immenso despojo embaraçoso,
E dos soberbos Rios impedido,
Junto a Guadiana manda em varias partes
Alojar os guerreyros Estandartes ^.
• V. T.y XIII, 59-62. — * V. T., XIII, <
Cap. VII— O poeta-patviota de QAvô 3o i
Ora exactamente nos cantos xm e xiv é que se encontra o epi-
sódio em que figura
O robusto Apuleo, que na empresa
Hum dos Troços bolantes governara ',
e também a formosa
' Clóride, que em solar pátrio vivia*.
O desenho e o colorido, com que o poeta retrata Apulêo, capitão
e guerreiro, são tão semelhantes aos traços e cores com que nestes
mesmos cantos esboça e ilumina a sua própria fisionomia de guer-
reiro e de capitão, que os dois perfis quase se confundem e identificam.
Há, é verdade, na figura de Apulêo alguns traços intencionais de
caracterização, com que o poeta quis disfarçar-se, sem o conseguir :
adornos de invenção poética, empregados como máscara, mas tão
diáfana, que deixa transparecer as feições naturais. O mesmo di-
zemos do retrato de Clóride, que, a-pesar dos disfarces, nos revela
a figura gentil de D. Maria da Costa.
Não deixa também lugar a dúvidas, sobre a identificação destas
duas personagens, o modo por que o autor introduz no poema o
episódio do seu encontro e do seu posterior casamento.
Acabava de descrever a campanha outonal dos lusitanos ou por-
tugueses na Andaluzia. Á aproximação do inverno suspendem-se as
operações de guerra, retiram-se os portugueses carregados de des-
pojos, e alojam-se os estandartes guerreiros junto ao Guadiana; mas
Apulêo cora os seus soldados não fica nesta região transtagana, e vai
até à terra onde é senhora proprietária Clóride. Ali se aloja.
Há entre o capitão e a donzela convívio afectuoso e honesto,
troca de amabilidades e de presentes, até que, passado o inverno,
Apulêo volta para a guerra, e Clóride é caluniada pelo vulgo, que
malsinara e infamara as relações, aliás respeitosas e honestíssimas,
que houvera entre os dois. Estas calúnias chegam por fim aos ouvidos
de Clóride, que sofre grande mágua por se vêr injustamente difamada.
Um dia, junto de uma fonte, é consolada pela Naiade que ali ha-
bitava, a qual lhe descreve com cores carregadas quanto é baixo.
1 V. r., xm, 99.—' V- T., XIII, 100.
3oa 'Brás Garcia ^Mascarenhas
infame e inconstante o vulgo que a calunia, e a cuja mordacidade
ninguém escapa. Note-se que, para o poeta, o vulgo infame, que
êle, vítima largamente experimentada da sua maledicência, verbera
em vários lugares sem dó nem piedade, não é o povo, a mais humilde
das classes sociais, a qual lhe merece niuita simpatia, e para a qual
tem referências afectuosas ; o vulgo, que êle detesta, não passa de
ura composto híbrido e monstruoso da ínfima ralé de todas as classes,
clero, nobreza e povo, constituindo uma disforme & barbara canalha,
que hè dos estados tre^ escoria em bica, que de todos diriva, & se
baralha em mistura repugnante, em hã, como composto de botica.
Vejamos como a Naiade descreve a Clóride o vulgo que a calu-
niara e infamara, e que lhe apresenta figurado na superfície do lago,
como em cristalino espelho.
Nas entranhas do lago transparente
Outro mundo se via, outras Cidades,
Cutra terra, outras plantas, & outra Gente
E outras tnil engraçadas variedades ;
Tudo tão natural, & tão presente
Que incitava as mais frivolas vontades,
Sem distinguir o príncipe sentido,
Qual era dos dous mundos o fingido.
O futuro, & passado ali se via
Baralhando o presente de maneyra,
Que todo o bom, & máo se confiandia,
Qual faz grã belberinho, & grã poeyra.
Como era Vulgo, não se conhecia
A si mesmo, que hè tal sua cegueyra.
Que ao Vulgo, como a outro encosta o dano
Sendo elle o mesmo vulgo, o mesmo engano.
Rompe a Nayade em parte o espelho instável,
D"entre cristais quebrados levantando
Hum braço de marfim, com que o notável
Do Vulgo vay a Clòride explicando.
Bem vez (lhe diz) hum monstro formidável
Com orelhas de Midas escutando.
Com olhos de importuno Mono vendo,
E com lingoa de Zoilo reprehendendo.
Aquelle hé o Vulgo, junta de ignorantes
De mordases, maganos, chocarreyros,
Correyos, almocreves, caminhantes
Vagamundos, perdidos, lisongeyros.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 3o3
Matarizes, malsins, rufioens, bribantes
Vadios, mofadores, embusteyros,
Moscas de feyras, átrios, pelourinhos,
Contrários de agoa, amigos de bons vinhos.
Esta disforme, & barbara canalha
Hè dos estados trez esccia em bica
Que de todos diriva, & se baralha
Em hú, como composto de botica.
Attenta que se junta, & se espalha
Mexe, remexe, torna, vay, & fica.
Como abelhas em torno do cortiço
Susurrando, & fazendo rebuliço.
Não vez, como accrescenta, & como approva
As mentiras, que logo toma em grosso í
E como se arrerneça a qualquer nova,
Roendo nella como o cam no osso ?
Ali fabula hum Paço de bua alcova
Acolá de hú Pigmèo finge hum colosso;
Alem de huma formiga hum Elefante,
Tudo faz, & desfaz de instante a instante.
Olha, como por praças, & rocios
Monarchas, & Pontífices reprehende.
Porque tam vários saó seus desvarios
Que sem entender nada, em tudo entende:
Nota, como a senhores de altos brios
Aniquilar, & derrubar pretende :
Adverte, como os mais justos Prelados
São dele sem respeyto murmurados.
Repara, em que aos mais rectos Julgadores
Chama de sanguinários, & velhacos ;
E a passaculpas brandos chupadores
Adula de zeleucos, sendo cacos : ,
A Generais das pátrias defensores
Nas acções de prudência os chama fracos.
Porque a toda a virtude tem por vicio,
E pêra todo o mal está propicio.
Vès, que murmura aos Frades em suas cellas,
As Freyras nas clausuras dos Conventos,
Nos retretes as mais castas Donzellas,
As Viuvas nos tristes aposentos.
1 Na I.* ed. está bita^ erro tipográfico já corrigido na 2.".
3o4 'Brás Garcia ^Mascarenhas
As Casadas nos Templos, & janelas,
As Beatas em seus recolhimentos,
Os Ermitães nos Ermos, & na fama
Os defuntos, que atè mortos mfama í
Infama atè os que inda estão no estado
Da innocencia : bem vés huas Meninas,
Que apanhando boninas por hum prado
Parecem do tal prado outras boninas :
Pois das tais Physionomico malvado
As agoura a estragadas, & mofinas.
Por tais, & quais sinais; tanto se inclina
A malsinar, que até sinais malsina '.
Continua a Naiade a fazer-lhe ver na água, como em espelho,
uma série de representações do passado, presente e futuro, e vai-Ihe
apontando as vítimas inocentes das calúnias desse infame. Entre elas
lá aparece, sem máscara nem disfarce algum, o próprio poeta Brás,
que, esmerando-se em prestar à pátria os mais relevantes serviços,
que a Naiade menciona, é logo acusado e caluniado como traidor pelo
vulgo; mas a diva aquática faz notar a Clóride que a caliinia não
poude triunfar, e que aquele mesmo, que o vulgo com as suas infâ-
mias queria vêr esmagado, se ergue hoje mais honrado e triunfante.
E nesta altura passa a Naiade, sem solução de continuidade, a
anunciar a Clóride que a sua mão vai ser pedida por aquele com
quem foi infamada, e que assim ficará salva a sua honra. Aponta-lhe
uma nuvem de pó que se aproxima : é Apulêo, de regresso da nova
campanha, que vem repousar a esta mesma região, onde tão bem
passara o anterior inverno. O capitão chega; informado das calúnias
com que tinha sido conspurcado o bom nome de Clóride. pede a sua
mão, e casa com ela.
Esta aproximação e sobreposição do poeta-guerreiro português
Brás ao valente capitão lusitano Apulêo foi certamente propositada.
Tão semelhantes são em tudo, que ao ler estes cantos mal pode
passar-se a deante sem notar tão estranha semelhança; e, reflectindo
um pouco, chega-se à convicção da identidade pessoal dos dois.
Brás Garcia quis deixar aqui comemorada a história romanesca
do seu casamento ; mas procurou disfarçá-la por forma que o vulgo
a não intendesse, ficando decifrável apenas para os dois noivos,
então recem-casados, e para os amigos de maior intimidade, a quem o
1 V. T, XIV, OS-77.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô 3o5
poeta recitava os seus versos, entre buxos e Hores, nesses frescos
jardins e pátrios rios, quando ali, sem a corte invejar passava os
Estios *.
E pois a este episódio do poema, que temos de ir pedir notícias
sobre a história do casamento de Brás, visto não as encontrarmos em
outra fonte.
Os amores clandestinos, embora sempre honestos, já tinham dez
anos de existência -. A barreira que separava os dois namorados era
alta, espessa, e parecia insuperável. D. Maria Madeira lá estava,
com a sua antipatia incoercível, afastando de sua casa e família o
poeta, que tantos dissabores lhe havia causado quando rapaz. Mas
o nome de Brás Garcia Mascarenhas foi-se honrando e cobrindo
de glorioso prestígio, e já não havia ninguém, por muitas léguas em
redor, que tivesse tão honrosa nomeada e reputação como o nosso
poeta-guerreiro. Isto deve ter quebrado um pouco as iras odientas
da mulher do capitão-mór de Avô.
No inverno de 1643-1644 as circunstâncias, que então se deram,
aproximaram, como vimos, as duas famílias, e mais estreitaram as
relações ocultas dos dois namorados. Mútuas confidências e mani-
festações íntimas de afecto; em seguida troca de pequenas prendas,
penhores dos sentimentos amorosos, que mais e mais os iam ligando.
Entra a primavera, a estação privilegiada das rosas e dos prados
em flor, do canto das rolas e do doidejar das borboletas, do desabro-
char das árvores e da harmonia das florestas; estação formosíssima,
em que as fontes teem murmúrios mais suaves, as flores perfumes
mais capitosos, os pôres-do-sol policromias mais encantadoras; estação
deliciosa, em que, junto dos ninhos dos seus amores, os rouxinóis
gorgeiam, as pombas arrulham, os tintilhões e toutinegras cantam as
suas endeixas apaixonadas. Avô era então um verdadeiro ninho de
fadas, cheio de encantos.
Fascinados pelas belezas que os envolviam, e pelos estímulos na-
turais que os excitavam, os dois namorados iam pouco a pouco es-
quecendo as conveniências, embora suposessem que o véu de mistério,
que envolvia as suas relações, se conservava impenetrável. Entre
outras manifestações de afecto, houve, de parte a parte, ofertas de
prendas custosas, jóias de valor, que atraíam as atenções das pes-
» V. T., XV, 104. — 2 V. r., XII, 5.
3o6 Uras Garcia (^Mascarenhas
soas íntimas e das criadas. Em uma terra pequeníssima, como Avô,
não podia deixar de dar na vista esta correspondência amorosa, re-
vestida de circunstâncias tão pouco vulgares. O vulgo principia a
murmurar, e da perversidade da murmuração em breve passa à in-
fâmia da calúnia.
Foi o idílio interrompido pela campanha do Alentejo na segunda
metade de maio de 1644. As cerimónias de receber o hábito e de
ser armado cavaleiro demoraram ainda por lá o capitão mais umas
semanas. Quando voltou à Beira, soube então das calúnias a que
havia dado ocasião, e de que era vítima D. Maria da Costa, a qual
tinha, durante a sua ausência, sofrido em silêncio os efeitos da difa-
mação e do descrédito.
Se foy o galanteo dilatado,
Não excedeo de honesto, & comedido ;
Mas nenhum galanteo se assegura
Do vulgo, que o melhor peor murmura.
Carcomendo-se andava temeroso
Da soldadesca, que na terra andava ;
Mas quando jà no fim do rigoroso
Inverno vio que toda a despojava,
O freyo, em que mordia malicioso,
Absenta de Apuléo, o despresava,
A honestíssima Clòride infamando.
Presentes, & visitas murmurando.
Acrescenta que foy delle enganada
De bayxo da palavra de Marido,
E que por fácil fora despresgda,
Porque era o fácil pouco appetecido.
Tarde foy da innocente magoada
O notório descrédito entendido,
Porque hè sempre o que chega a padecelo
Injustamente o ultimo a sabelo.
Não se dá no exterior por entendida,
Padece interiormente seu desgosto.
Mas payxãO; que está dentro recosida
Hé maleyta, que sahe presto ao rosto.
Confusa, triste, pallida, affligida,
Tudo aborrece quanto incita o gosto ;
Se he pena a que nenhúa outra se iguala,
Só quem a padeceo pode julgala*.
• V. T., XIII, io3-i&6.
Cap. VII — O poela-patriota de oAvô 3o j
l Que fazer agora ? i Como desmentir a calúnia, e apagar o des-
crédito produzido pela difamação ? ; Impossível !
Se a honra da mulher hé vidro fino,
Que não solda, húa vez que foy quebrado 1 '
Uma só cousa tinha a fazer Brás Garcia: correr a casa de João
Manuel da Fonseca, e pedir a mão de sua filha, que já não podia
ser-lhe recusada. Assim tudo ficava remediado, pois
Que toda a nota purga hua Donzela
Que se casa com quem foy causa delia ^.
Brás achava-se em condições de honrar qualquer família, com
quem se ligasse por laços matrimoniais; viria, além disso, a ser um
marido exemplar e invejável, pois as verduras da mocidade eram
passadas há muito, e os seus dotes morais excelentes.
Ajustou-se logo o casamento. O mesmo vulgo, que difamara a
D. Maria da Costa, a exaltará agora.
Porque como peru de instunte, a instante
A todo o mal, & bem faz hum semblante '.
Ninguém pois estranhou vêr na quinta feira, 14 de julho, um
pequeno grupo de damas e cavalheiros das famílias avoenses dos
Madeiras, Fonsecas, Mendonças, e Garcias Mascarenhas, atraves-
sarem a ponte sobre o Alva, subirem a pequena encosta do adro,
entrarem na igreja colegiada e paroquial de Nossa Senhora da As-
sunção, e ali assistirem ao baptizado de um filho recem-nascido de
Bernardo Duarte de Figueiredo e D. Maria Jácorae de Mendonça,
prima inteira da namorada do nosso poeta, sendo padrinhos o próprio
Brás Garcia e sua futura sogra D. Maria Madeira '*.
As pazes estavam feitas e o casamento tratado, para o que muito
concorreu o vulgo com as suas infames calúnias.
Brás Garcia Mascarenhas era noivo. Toda a gente o sabia em
Avô e arredores.
Faziam-se pelas províncias levas de soldados para acudir ao Alen-
tejo, onde se esperava um recrudescimento notável da guerra no pró-
ximo outono, pois a Espanha se preparava para responder condigna-
mente ao desastre de Montijo.
1 V. T., XII, 84.—» V. T., XIV, 89. — ' V. T., XVI, i5. — < Doe. LXI.
3o8 'Brás Garcia ^Mascarenhas
Brás Garcia estava apalavrado para ir continuar os seus bons
serviços em prol da pátria; não queria faltar, nem faltaria. Pre-
cisava também de fazer a sua profissão religiosa na ordem de Avis,
cujo hábito de noviço e esporas de cavaleiro recebera meses antes
aproveitaria para isso a viagem ao Alentejo.
Por estas razões, o casamento ficou aprazado para o regresso
A sua realização não obstava a profissão religiosa, que Brás ia fazer
Esta profissão, em tempos idos, importava, é verdade, os três votos
de pobreza, obediência e castidade ; mas já de há muito assim não
sucedia. A bula de Alexandre VI Romani Pontijicis sacri aposto
latiis, de 20 de julho de 1496, concedida a instâncias do rei D. Ma
nuel I, como grão-mestre da ordem de Cristo, e de todos os comen-
dadores e priores da mesma ordem e da de Avis, concedeu aos
cavaleiros de uma e outra a faculdade de casarem '. Do voto de
pobreza também haviam sido dispensados a 12 de dezembro de i5o4
pelo papa Júlio II.
Partiu pois o nosso capitão para a campanha, que prometia ser
violenta e muito grave. O marquês de Torrecusa andava preparando
um grande exército, e propunha-se entrar em Portugal e conquistar
quase toda a província do Alentejo, em resposta à tomada das praças
espanholas pelos portugueses.
No princípio do outono tinha o conde de Alegrete Matias de
Albuquerque um exército importante, para o qual contribuíram todas
as províncias com levas de cavalaria e infantaria. Achava-se no
Alentejo a maior parte da nobreza da corte. Todos os dias se espe-
rava a invasão castelhana, e tudo estava preparado para a defesa.
Decorreram porém dois meses sem que se realizasse a esperada e
temida visita.
Ao findar novembro, o conde-governador, vendo que a invernia
se desencadeava, tornando quase impossível a campanha por tal
tempo, licenciou as tropas. E nesta altura que, a 28 de novembro,
o marquês-governador das armas na Estremadura espanhola entra
com um exército de 12.000 iníantes e 2.600 cavalos, 10 peças de
artilharia, 2 morteiros, máquinas de guerra e bagagem, e depois de
várias hesitações vem sitiar Elvas, onde estava o conde de Alegrete,
muita nobreza e guarnição importante. Foi no i." de dezembro, dia
em que se celebrava o 4." aniversário da revolução restauradora, que
' T. T., maço i5 de bulas, n." 19. — Quadro elementar, t. X, pág. ii5.
Cap. VII— O poeta-patriota de oAvò 3og
o exército espanhol chegou à praça portuguesa, que se defronta com
Badajoz.
A guarnição de Elvas defendeu-se briosa e valentemente durante
uma semana. No dia 8 de dezembro, em que se celebrava a soleni-
dade da Imaculada Conceição, que nesse mesmo dia era em Lisboa
declarada pelo rei Padroeira e Protectora de Portugal, o exército
castelhano retira para Badajoz. Convencera-se o marquês de Torre-
cusa de que a empresa era bem mais difícil do que cuidara; àlêm
disso, a invernia aturada prejudicava muito as operações, e, sobretudo,
constou que um grande reforço de tropas estava a preparar-se em
Lisboa para acudir à praça sitiada.
Na ida ou na vinda o nosso Brás passaria por Avis, e apresen-
taria ao prior-mór da ordem de S. Bento o alvará régio de 14 de
maio, que o admitia à profissão religiosa. Entrando então para o
convento, nele deve ter pousado algum tempo, assistindo com os
outros cavaleiros aos ofícios divinos. Fez depois a sua profissão,
ficando para todos os efeitos cavaleiro professo da ordem.
Nos princípios do ano de 1645 tinha regressado a Avô o poeta-
-guerreiro. O casamento, ajustado desde o verão anterior, realizar-se
ia em breve.
Aproximava-se a quaresma, em que as solenidades nupciais eram
proibidas, não podendo em caso algum os noivos, durante ela,
receber as bênçãos da igreja. Se chegasse a quarta feira de cinza
sem estarem casados, tinham de esperar pela segunda feira da Pas-
coela, 24 de abril, em que cessava o tempo clauso.
Casamento de tanta prosápia, pelas condições sociais dos noivos,
devia ser dia de festa em Avô. Para maior solenidade, e para au-
mentar a espectaculosidade do acto, esco!heu-se para êle um dia san-
tificado. Foi no domingo da sexagésima, que o povo denomina
domingo-magro, a 19 de fevereiro, que se realizou o matrimónio '.
Frei Brás Garcia Mascarenhas, levando aos ombros o seu manto
branco de cavaleiro de Avis, com a elegante cruz verde fiordelisada
destacando em bordadura sobre o lado esquerdo do peito, j como não
viria ufano, de regresso da igreja, ao entrar em sua casa, trazendo
pelo braço a sua formosa e nobre consorte D. Maria da Costa Fon-
« Doe. LXII.
3io 'Brás Garcia oMascarenhas
seca ! Ele contava então 49 anos e 16 dias, ela 26 anos e 3 meses.
Brás via finalmente realizado o seu sonho de dez anos ; cheio de
satisfação no presente, recordando com emoção o passado, pensaria
consigo mesmo o que pouco depois escrevia no seu poema :
Que veyo a merecer por murmurado
O que não mereceo por comedido *.
Deve ter sido por esta época que um pintor fixou na tela o retrato
do poeta, hoje perdido, que durante dois séculos e meio esteve or-
namentando a sala nobre du solar dos Garcias Mascarenhas, de Avô,
e que foi muito infielmente copiado na litografia que adorna a se-
gunda edição do Viriato Trágico. Reproduz-se aqui a referida es-
154-5
Assento do casamento de Brás Garcia.
tampa, que o Dr. Albino de Abranches Freire de Figueiredo afirma,
no Prefácio à mencionada edição, que é o retrato do ai/ctor, copiado
daquelle que se conserva na sua casa ^.
O sr. Visconde de Sanches.de Frias, estudando a estampa, chega
à conclusão de que não pode ser o retrato de Brás Garcia, porque
nem a cabeleira, nem a barba, nem a indumentária correspondem
aos usos da época, e conclue: — .4 ejigie de Brás Garcia Mascare-
nhas representa pois uma inrenção, forjada por desenhista insciente
para adorno da segunda edição do Viriato, ainda assim muito pobre
e contrafeita ^.
Tem razão o ilustrado titular nestas considerações e conclusão;
mas em que a não tem é em dar um desmentido formal à afirmação
1 7. T., XIV, 95. — * Doe. CXVIII.
' O poeta Garcia, pág. 60.
Cap. VII — O poeta-patviota de oAvô 3i i
categórica feita por Albino de Figueiredo, de que em 1846, quando
escrevia o Prefácio, se conservava ainda na casa de Brás Garcia, em
Avô, o seu retrato. A honradez e respeitabilidade deste cavalheiro
de velha têmpera, não pode deixar lugar à suspeição de que, para
ornamentar o seu livro, inventasse um retrato que não existia. E
indubitável que a litografia não reproduz fielmente o retrato, não
passando de uma adulteração fantasiosa do desenhista inábil e pouco
escrupuloso, encarregado de fazer a cópia; mas o retrato existiu, e
dá notícias precisas dele o sr. Francisco Garcia Mascarenhas, actual
proprietário da casa, solar dos seus antepassados.
Seu pai, Tomás Garcia Mascarenhas, cedeu por empréstimo o
retrato ao Dr. Albino de Figueiredo, quando este preparava a edição
do Viriato; feito o desenho litográfico, a tela com o seu caixilho oval
foi restituída, e voltou para o seu lugar.
Em 1871 lá a viu o meu bom e querido amigo e colega no pro-
fessorado universitário, o distinto artista senhor António Augusto
Gonçálvez. Depois disso porém, e ainda em vida do mesmo Tomás
Garcia, último administrador do vínculo, e falecido em iSgS, a tela
tornou a sair do seu lugar com o fim de em Coimbra se lhe fazer
e dourar nova moldura. Não mais voltou, e desapareceu.
Pedi a A. Augusto Gonçálvez o obséquio de consignar por escrito
as reminiscências, que porventura conservasse do retrato, e da sua
semelhança com a estampa litográfica. Eis o seu testemunho:
— «Não hesito em afirmar que, por 1871, vi em Avô uma tela
figurando um personagem que se dizia ser o poeta Brás Garcia Mas-
carenhas.
«O facto em si é absolutamente incontroverso; na pormenorizaçao,
porem, é que as dúvidas me enleiam', porque receio que, através de
quarenta anos, o próprio esforço da evocação me induza em erro.
«Pela vaga reminiscência, que conservo, a figura em meio corpo
estava inclusa numa moldura oval pintada, e na parte inferior a le-
genda confirmando a representação, segundo a maneira vulgar dos
meados do século xvii em diante.
«Também presumo que a litografia, que ilustra a edição do Vi-
riato Trágico de 1846, difere sensivelmente desse quadro. O Brás
Garcia retratado não tinha elmo nem plumas, e trajava gibão ama-
relo, que, entre-aberto, deixava vér a couraça, e, abaixo do colar, a
fita com a insígnia pendente.
«A nada mais, sem grave temeridade, pode avançar o meu teste-
munho.» —
3i2 ^rás Garcia oMascarenhas
l Virá ainda algum dia a aparecer por aí, em qualquer recanto
ignorado, o retrato autêntico de Brás Garcia Mascarenhas, facilmente
reconhecível pela legenda que o acompanha ?
Seria um precioso achado.
Tinha o nosso herói incontestável direito a descansar das lides da
guerra, por largo período, na sua bela vivenda de Avô, agora ador-
nada com os encantos da sua gentil esposa. O temperamento por-
tuguês, amoroso sem exageros, ponderado nos seus afectos, persis-
tente nas suas inclinações, costuma dar um carácter de permanência
e fixidez ao verdadeiro amor conjugal, pouco vulgar em outros povos
mais volúveis. E por isso que a lime de miei dos franceses entre
nós aparece ampliada no ano de noivado.
Durante esse ano, não foi o capitão Brás á guerra; mas nem por
isso deixou de sacrificar por algum tempo a companhia de sua mulher
em holocausto à defesa da pátria.
A 25 de fevereiro de 1645 foi nomeado governador das armas
da província da Beira D. Fernando Mascarenhas, pouco antes feito
conde de Serem. D. Álvaro de Abranches larga então aquele go-
verno, e, de passagem para Lisboa, visita em Avô o seu prezado
amigo Brás Garcia, que lustrosa e amigavelmente o hospeda por
algum tempo *.
No próximo outono ia recrudescer novamente a guerra no Alen-
tejo, e para isso mandou el-rei aos governadores das províncias, que
enviassem para aquela campanha os contingentes de tropa de que
pudessem dispor. O conde de Serem, para cumprir esta ordem,
viu-se obrigado a mandar por diversas partes levantar gente, que
viesse guarnecer as praças da sua fronteira, enquanto as tropas
pagas e exercitadas, que nela tinha, fossem ao Alentejo. Sabia da
habilidade e zelo com que o capitão Brás Garcia tinha já prestado
idêntico serviço; escreveu-lhe a incumbi-lo de levantar gente, que acu-
disse àquela necessidade.
Sucedia isto no verão de 1646. Brás podia escusar-se, mas não
o fez. Deixou em Avô sua mulher, já de esperanças, e foi exe-
cutar a missão recebida. Por tal forma se houve, que o conde de
Serem solicitou da corte uma carta régia, que veiu com data de 8 de
1 Doe. CXII.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 3i3
novembro, em que D. João lhe agradece os serviços de tão bom
ânimo prestados nesses levantamentos '.
A 12 de outubro já Brás se achava em Avô, onde assistia, como
testemunha, ao casamento de sua cunhada D. Isabel da Fonseca da
Costa com Silvestre Rodrigues, rico proprietário de Moimenta-da-
-Serra ^.
Não tinham ainda decorrido dez meses completos depois do casa-
mento, e já havia gente nova no velho solar, ora habitado por Marcos
Garcia e família. No dia 14 de dezembro de 1645 era baptizado o
primeiro filho de Frei Brás Garcia Mascarenhas e de sua mulher
D. Maria da Costa, recebendo o nome de António.
A poética e graciosa capelinha do glorioso taumaturgo português,
erguida no picoto, a meio do formoso lago, que separava do solar o
jardim dos Garcias Mascarenhas, e à qual tantas vezes, durante o
verão transacto, iriam de barquinho os dois noivos, passar momentos
aprazíveis e agradecer ao santo casamenteiro a graça da sua miítua
ventura, deve ter sido o lugar em que foi combinado darem ao pri-
meiro fruto dos seus amores, se fosse um rapaz, o nome do milagroso
santo ; a êle, segundo a letra do popular responso, cedunt maré, vin-
cula, e Brás Garcia por vezes tinha impetrado o seu patrocínio nos
perigos do mar e nas agruras das prisões.
Foi baptizante o padre João Caramelo, parente da mãe do neófito
pelo lado paterno. Se o baptismo foi ministrado ao oitavo dia do
nascimento, como era uso constante na época, o primogénito de Brás
nasceu a 7 do mês de dezembro.
Brás Garcia assistiu em Avô no ano seguinte de 1646 até princí-
pios de agosto. A 2 de fevereiro foi testemunha do casamento de
sua cunhada D. Ana da Fonseca da Costa com João Rodrigues, irmão
de Silvestre Rodrigues, há pouco matrimoniado com a outra sua
cunhada, Isabel. Em carta régia de 4 de agosto é êle encarregado
de levantar na Beira uma companhia, e de passar com ela ao Alentejo,
segundo as instruções que recebeu do conde de Serem ^.
Pela segunda vez abandona sua mulher era estado interessante,
para acudir ao serviço de defesa da pátria, i Em qual das comarcas
da Beira, desde a raia de Espanha até à orla marítima, faria a leva ?
' Doe. LXIV. — ? Doe. LXIII. — ' Doe. LXVII.
3i4 ^rás Garcia oMascarenhas
Ignoro-o. Na primeira metade de setembro lá estava nos campos
transtaganos à frente da sua companhia. Encontrou o exército bas-
tante desmoralizado pelas dissensões e rivalidades dos oficiais. Go-
vernava-o o conde de Alegrete, mas havia na oficialidade quem
buscasse sempre contrariar-lhe os planos, inutilizar-lhe as ordens, e
comprometê-lo. Nos conselhos não havia meio de congraçar os con-
selheiros e harmonizar-lhes os pareceres. Teve o rei de intervir,
dirigindo cartas a impor a sua vontade, às quais acrescentava, de
sua própria letra, pedidos e rogos para que esquecessem miituas
ofensas, e sobrepusessem a ludu a salvação da pátria.
O nosso exército chegou a passar o Guadiana, e a render o forte
de Telena ; mas, sobrevindo o inimigo, mais numeroso e disciplinado,
houve necessidade de retirar.
Do Alentejo partiram nesta ocasião reforços de infantaria e cava-
laria para a província da Beira, a acudir a Salvaterra-do-Extremo,
sitiada pelos castelhanos; estes virara-se obrigados a levantar o cerco
e a retirar.
Houve lembrança de atacar Alcântara, mas não chegou a reali-
zar-se o assalto. Investiu-se contra a praça de Valênça-de-Alcân-
tara, que resistiu, não podendo ser tomada. Corria já o mês de
novembro quando se deram por terminadas as operações da guerra.
Pode dizer-se que foi uma campanha de triste memória, esta do
outono de 1646 no Alentejo; e, para cúmulo de infelicidade, apenas
terminada, morreu, golpeado de desgostos e injustiças, o grande ge-
neral e governador de armas Matias de Albuquerque, conde de Ale-
grete.
Brás, profundamente aborrecido e desgostoso, recolheu a Avô,
refugiando-se no conchego e paz da família, a acompanhar sua mulher
nos tiltimos meses de gravidez. Na quinta feira, 28 de fevereiro de
1647, nascia-lhe o segundo filho, que oito dias depois, na primeira
quinta feira da quaresma, a 7 de Março, recebia no baptismo o nome
de Tomás de Aquino, em reverência ao santo Doutor da Igreja, cuja
festa se celebrava naquele dia. Este apelido baptismal foi depois
repudiado, ficando o filho secundogénito do poeta a assinar-se Tomás
Garcia Mascarenhas.
Não foi por muito tempo que Brás Garcia gosou no lar doméstico
o descanso a que tinha direito.
O conde de Serem, desgostoso e amargurado com a prisão do
Cap. VII — O poeta-patriota de QÃvô 3i5
pai, vexame que punha em risco a honra e bom nome da sua famíHa,
exonerara-se do governo da Beira. E então esta província dividida
em dois partidos ou secções: D. Sancho Manuel fica incumbido, como
capitáogeneral, do governo do partido que compreende as comarcas
de Castelo-Branco, Viseu e Coimbra; D. Rodrigo de Castro, mais
tarde conde de Mesquitela, é nomeado, com idêntico título, governa-
dor das armas nas comarcas da Guarda, Pinhel, Lamego e Esgueira,
abrangendo este partido ainda a praça do Sabugal, embora perten-
cente à comarca de Castelo-Branco, por assim convir à defesa da
raia.
Era D. Rodrigo um grande admirador e amigo de Brás Garcia;
mantinha com este correspondência epistolar frequente, e consultava-o
muitas vezes sobre assuntos militares '. Apenas nomeado governador,
escreveu logo ao capitão avoense a reclamar em nome da pátria e da
amizade a sua pessoa e serviços para a região que ia governar, e
que êle tão bem conhecia. Brás não se recusa, e vai nos fins da
primavera.
O governador, que andava empenhado em organizar as suas
tropas por forma que satisfizessem tanto na defensiva como na ofen-
siva, reforça a gente paga de mfantaria e de cavalaria com alguns
terços de ordenanças, fazendo mestre-de-campo de um deles Brás
Garcia Mascarenhas -.
Era uma grande honra que D. Rodrigo dispensava ao nosso herói,
e uma prova da grande confiança que nele tinha ; suponho entretanto
que de muito melhor vontade Brás militaria no Alentejo, continuando
a comandar ali uma companhia de gente da Beira, do que assumiria
aqui o comando de um terço, composto de companhias recrutadas
na própria província. A experiência lhe dizia os graves inconvenientes
que tinha o facto de os soldados servirem na região donde eram
oriundos.
Quando a Guerra se faz em terra estranha
Como sempre o Invasor hè mais potente,
Posta húa vez a Gente na campanha
Ajunta a dividida facilmente:
Mas à vista das Pátrias acompanha
Seus Estandartes muyto mal a Gente ;
Foge do campo, as muralhas salta,
Acode às pagas, aos rebates falta.
> Doe. CXII.
' Portugal Restaurado, liv. X, pág. 625 da ed. de 1710.
3i6 'Brás Garcia cMascarenhas
Quando a molesta o frio, ou calma abrasa,
Cada qual com licença, ou sem licença
Vay, & vem cada dia a sua casa
Sem se lhe dar que vença, ou que não vença ;
Hum foge do castigo, outro se casa,
Tacha hè moderna, que o favor dispença
Mal se se sofre, peor se se castiga,
Quem na Pátria governa Armas, o diga '.
Não tarda o inimigo a dar sinal de si, entrando umas tropas
pelo lado de Alfaiates. São imediatamente afugentadas, deixando
alguns cavalos. Então D. Rodrigo sai de Almeida na sexta feira 23
de agosto do presente ano de 1647 com 600 infantes pagos, 2.5oo da
ordenança, 160 cavalos e 3 peças grossas de artilharia; passa a
fronteira, e marcha em direcção a Ciudad-Rodrigo, cautelosamente,
para não ser presentido daquela praça.
Na estrada de Vimiosa observou os vestígios de uma força consi-
derável de cavalaria inimiga, que por ali passara poucas horas antes,
certamente para vexar e roubar, ou com o intuito de tomar de sur-
presa alguma das nossas praças'desprevenida. Exultou com o facto,
pois o que desejava era que o inimigo estivesse distraido; e nada
receando, pois deixara todas as praças bem prevenidas e guarnecidas,
e os gados recolhidos, continuou a marcha até ao forte de Gallegos *.
Chegou depois do meio dia de 26. Gastou a tarde e noite em
preparativos ostentosos para o ataque : uma plataforma construída
primeiramente a 400 passos da muralha, e depois mais próxima.
Ao amanhecer do dia 26 principiou o ataque com grande estrondo
de artilharia e arcabusaria, para ser ouvido na cidade próxima. Pela
tarde recebe aviso certo de que o comando inimigo expedira de
Ciudad-Rodrigo ordens urgentes, a chamar as guarnições de todas as
praças da região, para que se concentrassem aceleradamente naquela
cidade, afim de marcharem a socorrer Gallegos.
Era isto o que D. Rodrigo esperava. Chama logo a conselho a
sua oficialidade superior, e propõe que se corra a tomar de surpresa
S. Felices-de-Ios-Gallegos, uma das vilas mais ricas e importantes
que os espanhóis tinham naquela província, e que devia estar, quando
» V. T., XVIII, 18-19.
* Vid. a carta em frente da pág. 208 deste volume.
Cap. VII — O poeta-patriota de dAvô 3i 7
lá chegassem, quase desguarnecida. Desta rendição resultaria grande
crédito para o exército português e grande proveito para os soldados,
que de lá retirariam um despojo abundante e de grande valor. Foi
unanimemente aprovado este alvitre.
D. Rodrigo mandou suspender o ataque ao anoitecer e retirar
apressadamente a artilharia, que enviou logo para Almeida, com-
boiada por dois terços de ordenança, de que eram mestres-de-campo
Brás Garcia Mascarenhas e Luís de Brito Saraiva, com ordem de
seguirem imediatamente de Almeida para S. Felices, apenas recolhidas
as peças. Deixou um cordão de tropa, afim de impedir que alguém
de Gallegos saisse a levar a Ciudad-Rodrigo a notícia do levanta-
mento do cerco, e marchou silenciosamente para S. Felices com
1.200 infantes e 120 cavalos.
Os cálculos em nada falharam. Ao romper da manhã do dia
seguinte, terça feira 27, chegava àquela praça D. Rodrigo com a
vanguarda do exército. Soube por uns prisioneiros que lá dentro
estava D. António Isassane, governador das armas daquele partido,
com pouquíssima gente da guarnição, pois o grosso dela tinha já
partido para Ciudad-Rodrigo.
Não quis atacar imediatamente, como convinha, porque aguar-
dava a chegada de Brás Garcia e dos terços que fizeram a volta por
Almeida. Nem um tiro se deu, enquanto aquele não chegou. Só às
9 horas realizou o assalto. A resistência foi viva e desesperada, mor-
rendo i5o castelhanos na defesa da vila, que teve de se render; foi
saqueada e queimada, recolhendo os nossos soldados rico despojo
nos 1.200 fogos que a constituíam.
Deve contar-se esta jornada militar como um feito de armas im-
portante, que cobriu de brilho e glória o exército português, acusando
grande finura e tacto estratégico em quem concebeu e executou o
plano. Tudo isto se fez estando ali, a menos de três léguas de
Gallegos e a seis de S. Felices, a fortaleza de Ciudad-Rodrigo, onde
se havia concentrado todo o exército, que a Espanha tinha à sua dis-
posição para defender a província. S. Felices-de-los-Gallegos foi to-
mada e saqueada sem que daquela praça pudessem acudir, pois nem
sequer deram conta da marcha e do ataque a esta vila.
Brás Garcia não foi estranho, segundo creio, à elaboração do
hábil plano, revelador de grande talento estratégico. D, Rodrigo
3i8 'Brás Garcia ^Mascarenhas
consultou-o certamente, como costumava fazer nos casos de guerra
difíceis ', sobre o que havia a fazer para bem responder às con-
stantes incursões castelhanas. No plano desta jornada revela-se o
dedo de Brás a gizá-lo. Nós já conhecemos suficientemente o feitio
psicológico do nosso herói, e este conhecimento nos habilita a dizer
que tal empresa lhe está bem a carácter.
Recorde-se o plano audacioso apresentado por êle, quando capitão-
-governador de Alfaiates, no conselho de guerra que nesta praça se
realizou a 14 de abril de 1642, sob a presidência do general Fernão
Teles de Meneses. Propunha que se atacassem de surpresa simul-
taneamente três praças importantes, que estavam mal guarnecidas.
Foi unanimemente rejeitado, por temerário, tal plano ; mas verificou-se
depois que, se tivesse sido seguido, as três praças seriam nossas.
No conselho realizado a 26 de agosto de 1647 no arrabalde de
Gallegos, o plano para tomar de surpresa a praça de S. Felices ex-
posto pelo general D. Rodrigo de Castro, não surgiu ali de momento
para aproveitar circunstâncias casuais. Era bastante complexo, e
muito habilmente urdido antes da partida de Almeida. Todos os
passos dados haviam sido previamente discutidos e resolvidos, e os
acontecimentos previstos com clareza.
Provocar-se hia primeiro, com o ataque à fortaleza de Gallegos, a
concentração das forças castelhanas da província em um ponto, para
acudir à praça sitiada, desguarnecendo portanto as praças da região.
O exército português, não aguardando o ataque do inimigo, cairia
então de surpresa sobre a rica vila, que em segredo fora para isso
escolhida ; tomada e saqueada rapidamente, as nossas tropas retira-
riam sem demora, reentrando em Portugal, antes que o exército es-
panhol fosse prevenido, e saísse a embaraçartnos.
E pois evidente que o ataque à praça de Gallegos não foi a sério;
simulação apenas, para desnortear o inimigo. A intervenção da ar-
tilharia nesse ataque teve em vista simplesmente tornar a simulação
mais estrondosa, de efeito mais completo. Era de prever que fariam
logo concentrar em Ciudad-Rodrigo com grande rapidez, para acu-
direm a Gallegos, todas as tropas das praças daquela região, que
assim ficariam desguarnecidas. Mas a marcha sobre a praça atacada
pelo exército português, exército que supunham importante, a avaliar
pelo estrondo do bombardeamento, não se faria logo, precipitada-
mente ; tinham de proceder com a ponderação e cautela que a gravi-
1 Doe. CXII.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 3ig
dade do caso pedia, e portanto com mais alguma demora. Desta
forma se ganhava tempo para realizar as quatro operações projec-
tadas:— o salto de tigre sobre S. Felices, a tomada da vila, a co-
lheita dos despojos, e por fim a retirada. Para tudo isto a artilharia
era inútil, e tinha o inconveniente grave de embaraçar ; mandar-se
hia embora, apenas sortisse o efeito desejado.
A reunião do conselho de guerra não passou pois de mera forma-
lidade, para sancionar um plano previamente estudado e assente, e em
parte já executado com muito bom êxito. E este plano que suponho
ser da autoria de Brás; ou muito me engano, ou foi ele que o ima-
ginou e estudou, discutindo-o com D. Rodrigo, sendo por este aceite e
perfilhado com muita satisfação. Quando o general apresentou em
conselho a proposta para o assalto a S. Felices, tinha já a certeza de
que seria aprovada por unanimidade, porque o estado em que as
cousas se achavam fazia prever com segurança o bom êxito final.
D. Rodrigo de Castro, que já era amigo e admirador do mestre-
-de-campo Brás Garcia, ficou cheio de satisfação e reconhecimento
pelo excelente resultado do seu plano, e enviou logo a el-rei um rela-
tório sobre a feliz expedição, no qual exalçava os serviços prestados
por Brás Garcia Mascarenhas, e os seus grandes méritos de ilustra-
ção, saber, engenho e valor, que o tornavam um capitão perfeito.
Este mesmo escreveu no seu poema :
quem prudente
As letras aprendeo, & as Armas trata
Hum Capitão perfeyto em fim retrata '.
D. João IV dirige então a Brás uma honrosíssima carta-régia, em
data de i3 de setembro de 1647, a agradecer-lhe o zelo e valor com
que procedeu na empresa de S. Felices. Remata por estas palavras:
— que o seruiço que nesta ocasião me fizestes, me ha de ser sempre
presente para uos fa-{er a honra e mercê que houuer lagar -.
No inverno seguinte adoeceu gravemente D. Rodrigo de Castro,
ij Uma pneumonia resultante do excessivo rigor do frio naquela re-
gião ? Talvez. O que é certo é que, apenas entrou em convales-
cença, no princípio de 1648, o general pediu e obteve licença para ir
« V. r., IX, \\. — t Doe. LXX.
320 'Brás Garcia áMascarenhas
reparar a saúde ao clima suave de Monte-mór-o-Novo. Durante
a sua ausência foi encarregado do governo do partido da Guarda
D. Sancho Manuel, que assim ficou governando toda a província da
Beira. Mas as relações entre os dois generais não eram amistosas,
pelo que D. Rodrigo pouco se demorou, regressando ainda convales-
cente ao seu partido '.
Notícias vindas da Estremadura espanhola diziam que se prepa-
rava ali gente para vir no próximo outono entrar pelo Alentejo, e
conquistar Portugal ; e realmente levantava-se por lá muita tropa, e
faziam-se vários preparativos, que indicavam grande empresa em
projecto. Era necessário de cá não haver descuidos e juntar soldados,
que resistissem à receada incursão.
Como na província da Beira havia duas comarcas na beira-mar,
cada uma pertencente a seu partido, a de Esgueira e a de Coimbra,
que ocupavam a facha ocidental desde o rio Douro até ao Mondego, tão
afastadas dos respectivos governos com as sedes na Guarda e em
Castelo Branco, e tão longe da fronteira, onde a guerra mais se
fazia sentir, el-rei encarregou o conde da Ericeira D. Fernando de
Meneses de ir lá pessoalmente levantar i.Soo homens, mandá-los
instruir e disciplinar rapidamente por oficiais, que lhe seriam forne-
cidos pelos governadores dos dois partidos da província, e fazê-los
passar ao Alentejo, já organizados em terços e companhias com
os respectivos comandantes *.
Em seguida escreveu também a D. Rodrigo e a D. Sancho a requi-
sitar-lhes levantamentos de tropas nos seus partidos, sem perder nisto
hum só momento de tempo, prevenindo D. Sancho, mas esquecendo-se,
ao que parece, de prevenir D. Rodrigo, de que os levantamentos em
Coimbra e Esgueira estavam já a ser feitos pelo conde da Ericeira,
comissionado especial régio para este fim. Como o partido de
D. Rodrigo era mais extenso e populoso, encarregou-o de fazer le-
vantar nele 2.000 homens, ou fossem quatro terços, compostos de
cinco companhias cada um ; a D. Sancho Manuel pediu i.5oo homens,
ou três terços semelhantes ^.
Partiram logo pessoas das mais competentes, uma para cada co-
marca, enviadas pelos governadores a fazerem com a maior diligência
o levantamento. Não estando prevenido de que à comarca de Es-
gueira ia D. Fernando fazer as levas, D. Rodrigo pensou nas difi-
• Portugal restaurado, 1. X, pág. mihi 656.
» Ibid.; — cf. Doe. LXXI e LXXIL — ' Doe. LXXI.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô 32 1
culdades e melindres muito especiais que oferecia o levantamento
naquela região, em face da repugnância incoercível da gente da beira-
-mar a alistar- se no exército, e pela oposição dos maiorais, persona-
gens gradas e de influência, que não queriam que seus afilhados e
protegidos pegassem em armas. Por estas considerações, o general
escolheu o seu amigo Brás Garcia para esta missão árdua e difícil,
utilizando-se assim mais uma vez do zelo e admiráveis qualidades
que nele reconhecia, e de que largas provas havia dado anterior-
mente, sempre que fora incumbido do serviço de levantamentos.
Encarregando-o da leva na mais difícil das suas comarcas, a de
Esgueira, fixou-lhe em 800 o número de soldados qu€ dali devia
tirar, isto é, dois quintos da totalidade da gente a levantar em todo o
partido. ; Como explicar e justificar esta desproporção ? E que a
comarca de Esgueira, sobre ser muito populosa, achava-se tão afas-
tada da raia, que até então havia sido muito poupada no fornecimento
de contingentes para a defesa da fronteira, enquanto as outras três
comarcas do partido tinham sido muito oneradas nos anos antecedentes.
Pedia por isso a justiça que, em compensação, fosse agora esta a que
mais contribuísse '; mas tal circunstância mais difícil ainda tornava o
levantamento, por aquela gente não estar habituada a contribuir, senão
em proporção mínima, com oldados para a defesa da nação.
Brás Garcia não se demora em dar cumprimento à comissão re-
cebida. Passa à comarca de Esgueira, e ali, segundo as instruções
que levava, e com o zelo que lhe era habitual, principia logo a
chamar toda a gente sem admitir excepções nem compadrios, com
um rigor a que não estavam acostumados, mas indispensável para
dos chamados seleccionar os aproveitáveis, e elevar o contingente ao
número de 800.
Tinha por sistema não alistar toda a gente, mas observá-la com
cuidado, rejeitar a má, pôr de parte a que lhe parecia menos útil,
e aproveitar só a boa, não dispensando desta absolutamente ninguém,
quaisquer que fossem os pedidos] e empenhos que se movessem.
Falava então aos escolhidos, com a eloquência persuasiva que o carac-
terizava, sugestionava-lhes sentimentos patrióticos, entusiasmando os
e levando-os a acudirem de bôa vontade à defesa do rei e da pátria,
pois sabia, por experiência, que só servia bem, quem militava mo-
vido por estímulos de ordem superior.
As suas idéas e opinião sobre recrutamento de novos soldados
' Doe. LXXII.
ai
322 'Brás Garcia ^Mascarenhas
deixou Brás consignadas nas estâncias seguintes, em que descreve
um levantamento de gente lusitana, realizado à pressa, a torto e a
direito, por Vandermilo, auxiliado por Dictaleão, Aulaces e Minuro :
Não se descuyda Vandermilo em nada
Do pertencente a tão árdua empresa,
Propondo a toda a Gente colligada
A importância do caso, & da prestesa.
Alegre o segue a Gente exercitada,
A bisonha se move com lentesa,
Porque sempre em qualquer marcial enredo
Foy brioso o valor, & tibio o medo.
Com Dictaleão, Aulaces, & Minuro
As Praças parte, por que hà de ir marchando ;
Cada qual com prestesa, & com maduro
Conselho a melhor Gente afervorando
Porque menos receosa do futuro
Os queyra ir voluntária acompanhando,
Que em fim Gente que à Guerra vay forçada
Nunca faz nella cousa sinalada
Listão presto a melhor Gente de quantas
Terras tinhão do Tejo pêra o Norte,
E como as hà de boas, & màs plantas,
As hà também de Gente fraca e forte :
Esta aggregada de Cidades tantas
Inútil, boa, & mà de toda a sorte,
Cada qual dos trez cabos, a recolhe
Porque quem pede, aceyta, e não escolhe.
A quantos Capitais principitantes '
A ignorância desta leva infama !
Jactaõ-se, fuy, & fiz tantos Infantes,
Que bem infantes saõ, pois saõ de mama ;
Os quais nas occasioés mais importantes,
Em que se perde, ou se ganha a fama.
Vão, como ovelhas, aonde presto acabem,
Porque nem pelejar, nem fugir sabem.
Se hum potro se examina meudamente.
Antes de se comprar caro, ou barato,
De hum soldado, primeyro que se assente,
Porque se não fará exame exato ?
O poeta escreveu certamente — principiantes.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvô 323
o quererem fazer niuyta, & má Gente,
Foy causa de Pompèo romper Viriato
Que chegando a fazer resenha delia,
Do pouco em que a reputa se acautella.
Manda que seja a destra separada
Da bisonha, pessoa por pessoa ;
Porque tal vez em Guerra bem regrada
Faz a Gente ruim perder a boa '.
Entretanto o conde da Ericeira faz a leva de Coimbra ; mas sabe
nesta cidade que na comarca de Esgueira andava Brás Garcia a levan-
tar gente à pressa, com ordem escrita do governador do partido da
Guarda. Estranhou o caso, e teve dúvidas em passar àquela comarca
a executar o mandato régio. Obteve uma cópia da ordem de D. Ro-
drigo a Brás Garcia, envioua a D. João IV, consultando-o sobre se
devia ou não ir a Esgueira cumprir as instruções recebidas.
Responde-lhe a carta régia de 24 de julho, explicando que a ordem
dada a Brás deve ter sido motivada em um mandato expedido a
D. Rodrigo, para levantar mais gente no seu partido, pois toda a que
se juntasse era pouca; atenta porém a situação actual, resolvia o rei
que fosse o conde à referida comarca cumprir as instruções que lhe
dera, e que, apenas chegado, mandasse chamar Brás, a quem entre-
garia a carta régia inclusa, pedindo-lhe as listas dos homens que já
tivesse. Com estes ou com outros, constituiria o conde um contin-
gente, não de 800 mas de 5oo homens, organizados em cinco com-
panhias, com os capitães e oficiais que D. Rodrigo lhe enviasse.
Expediria para o Alentejo o mais urgentemente que fosse possível
essa tropa, já instruida, sendo em tudo isto assistido pelo mesmo
Brás 2.
A carta-régia dirigida a este, datada também de 24 de julho, é
quase afectuosa, e procura evitar que êle se melindre com a inter-
venção intempestiva do conde '. Outra carta foi escrita na mesma
data a D. Rodrigo de Castro, dando-lhe também explicações '*.
Brás, apesar das satisfações que lhe deram, não podia gostar do
ocorrido, mas sujeitou-se como lhe cumpria ; deve ter conferenciado
com o conde da Ericeira no último dia de julho ou no primeiro de
agosto, recebendo então das mãos deste a 'carta del-rei. Logo com
data de 2 do mesmo agosto escreveu a D. João IV dizendo-lhe o
que havia já feito em execução das ordens do seu governador D. Ro-
» V. r., XVII, 29-34. — « Doe. LXXII. — 3 Doe. LXXIV. — ^ Doe. LXXIII.
324 '^rás Garcia ^Mascarenhas
drigo, mas que suspendera a diligência desde que outro era o encar-
regado; que êle, incumbido por S. Magestade de assistir ao conde
da Ericeira, não sabia quais as funções que lhe competiam, por isso
pedia e aguardava instruções. Recebeu em resposta a carta de g
do mesmo mês, em que, mui simplesmente, o rei lhe ordena: — q
nesta diligencia, e assistência q haueis de fa\er ao Conde, procedaes
na conformidade das ordens q para isso se uos tem dadas '.
Embora tudo isto o desgostasse, obedeceu, e continuou nos tra-
balhos da leva.
Tinha-se entretanto erguido, como era de esperar, um coro de
indignações, queixumes e protestos contra Brás Garcia e contra os
actos por êle praticados.
Em nome do município protesta a câmara de Aveiro, dirigindo
uma representação ao monarca, em data de i de agosto, logo após
a chegada do conde da Ericeira. Alegava que daquela vila e seu
termo, e bem assim dos lugares compreendidos num circulo de duas
léguas de raio, se não devia tirar nenhuma gente para a guerra, pois,
havendo ali uma barra aberta, sem fortificação que a defendesse de
qualquer invasão do inimigo por mar, era indispensável que os habi-
tantes estivessem sempre prontos a defendê-la. Rematava a repre-
sentação pelo pedido para que na barra da vila se construísse um
forte, que satisfizesse às necessidades da defesa.
Protesta também o fidalgo aveirense Tomás da Costa Côrte-Real,
queixando-se dos abusos praticados por Brás Garcia no levantar da
gente, e especialmente na recondução dos soldados residentes na vila,
que haviam desertado das bandeiras do exército da Beira. Desconhe-
cem-se outros factos e alegações do protesto; o verdadeiro motivo
porém da desavença e dos queixumes deve ter sido o não se prestar
Brás Garcia a injustiças, e medir pela mesma bitola os afilhados e
protegidos do fidalgo, e os que o não eram. A câmara respondeu o
monarca dizendo que, em atenção ao alegado, se reduzira a leva de
800 a Soo homens, e que, apenas terminasse a campanha daquela
ocasião no Alentejo, todos se recolheriam a suas terras; quanto ao
forte na barra de Aveiro, ficava advertido, para tomar a resolução
oportuna -.
Em respeito à queixa de Tomás da Costa Côrte-Real, D. João IV
> Doe. LXXV. — 2 Doe. LXXVII.
Cap. VII — O poeta-patriota de oAvò 325
mandou-a remeter ao conde da Ericeira, encarregando-o de averiguar
secretamente o que nela haveria de verdade, e de lhe enviar as de-
vidas informações, para mandar prover o que tivesse por mais serviço
seu '.
Não encontro vestígios do resuhado desta sindicância secreta;
muito provavelmente o conde da Ericeira informou ao rei, que o
procedimento de Brás Garcia em nada fora censurável, pois só reve-
lava espírito de justiça e muito zêio pela causa da pátria.
Apesar do carácter secreto da sindicância, é de crer que Brás
tivesse dela conhecimento, e que muito se magoasse. Foi por servir
a causa pública que o nosso herói se encarregou desta missão traba-
lhosa e cheia de perigos e melindres ; o resultado que por fim colheu
foram dissabores e desgostos.
Decorridos alguns lustros, encontramos nas tradições de Avô esta
comissão, que tão amargurada foi, transformada num lugar de honra,
dado ao cansado poeta-patriota para entreter e distrair os seus ócios.
Superintendente da Cavalaria da Comarca de Esgueira o denomina
Bento Madeira de Castro-, o que é simplesmente um disparate. Brás
era oficial de infantaria, não de cavalaria.
Embora os documentos guardem silêncio a tal respeito, creio que
Brás acompanharia ao Alentejo as tropas da província da Beira, en-
carregado por D. Rodrigo de comandar um dos terços como mestre-
-de-campo. ; O de Esgueira ? Talvez. O capitão, alferes e sar-
gentos de cada companhia foram fornecidos por D. Rodrigo, a quem
haviam sido enviadas de Lisboa as patentes respectivas '.
Foi grande a quantidade de tropas concentradas no Alentejo.
Esperava-se que o marquês de Lagaíies, oficial que dispunha de
grande fama de valentia, engenho, coragem e experiência, e que por
esta fama fora enviado a governar as armas na Estremadura espa-
nhola, viesse invadir Portugal com o intuito de o conquistar, como
proclamava a todos os ventos, e como davam a entender os grandes
preparativos que fazia, e o importante exército de que dispunha.
Quando chegaram os contingentes da Beira, já o marquês de La-
ganes havia começado a pôr em execução o seu plano, sendo contudo
muito infeliz. Veiu com um exército de 8.000 infantes e 3. 000 ca-
« Doe. LXXVIII. — 2 Doe. CXII.- ' Doe. LXXII.
320 'Brás Garcia ^Mascarenhas
valos atacar de surpresa, a 20 de junho, a nossa praça de Olivença,
governada por D. João de Meneses. A defesa foi heróica, o gover-
nador recebeu três graves ferimentos no peito, houve muita mortan-
dade, mas os castelhanos tiveram de retirar para Badajoz com grandes
perdas.
Este desastre quebrou bastante as fúrias de Laganes, e desvaneceu
os seus sonhos de conquista de Portugal. Por isso, na campanha do
outono os portugueses não tiveram de se bater em combate campal,
como esperavam, nem sequer tiveram de defender praças atacadas
pelos espanhóis. Tudo se limitou a escaramuças, em que a adversi-
dade continuou a perseguir as tropas inimigas.
Numa entrada que os nossos fizeram até Talavera-la-Real, sobre
o Guadiana, a mais de três léguas da fronteira, não encontraram re-
sistência ; voltaram carregados de grande presa, e passaram à vista
de Badajoz, sem que daquela praça buscassem embargar-lhes o passo.
Em breve começa a época das chuvas ; as tropas de socorro, que
haviam vindo das outras províncias, são licenciadas, e regressam às
suas terras. Brás Garcia, se é que então acompanhou ao Alen-
tejo, como creio, os contingentes da Beira, foi, ao que parece, a
última vez que abandonou a sua terra, a família e os amigos, para
servir o rei e a pátria. Não mais encontro vestígios dele em cam-
panha, nem em outros serviços da guerra. Os desgostos que teve
com a leva de Esgueira devem ter arrefecido bastante os seus ar-
dores.
Além disso ia fazer no próximo fevereiro 53 anos; j mais de meio
século ! Vida intensa, acidentada, cheia de trabalhos e de desgostos.
As forças iam em grande decadência. Sentia necessidade, cada vez
maior, de descanso.
Envelhecido antes de tempo, dá por finda a sua vida pública;
retira-se definitivamente ao seu Avô, consagrando às Musas, à família
e aos amigos os anos de vida que ainda lhe restavam.
VIII
No declinar da vida
Principia no outono de 1648 a decorrer o último período da vida
de Brás Garcia Mascarenhas.
Foi na sua vivenda e jardim de Avô que passou a maior parte
desses oito anos incompletos, cuidando da administração da sua casa,
revendo-se na afectuosa e dedicada esposa e nos filhos, que de tempos
a tempos iam aumentando em taúmero. A criançada punha uma nota
alegre, viva e buliçosa na velha habitação, cujos antigos rnoradores,
já bastante palpados pela idade, pelos cuidados e pelas agruras da
vida, ouviam com prazer esse chilrear da nova idade.
Marcos Garcia, o patriarca da família, soldado retardatário duma
legião que passara, tendo atingido em 1648 os oitenta e quatro de
idade, lá ia andando com passos vagarosos, mas ainda firmes, no
gozo de velhice alegre e sadia, labutando sempre, e sentindo-se feliz
no meio dos filhos, que o cercavam de carinhos, e dos netos em
quem se sentia rejuvenescer. Continuava servindo o ofício de escrivão
das cisas gerais e dos panos, e não sei se ainda teria por sua conta
a antiga fábrica de tecidos.
Dos irmãos de Brás, só a Verónica é que parece ter já a esse
tempo falecido. A viltima referência, que a ela tenho encontrado,
reporta-se a 4 de fevereiro de i635, em que foi madrinha de um ba-
ptizado, servindo de padrinho seu irmão Brás *.
Continuavam a viver em comum o Dr. Manuel e as irmãs Maria,
Ana, Isabel e Antónia, na mesma casa onde residia seu pai, e o
nosso herói.
0 padre Pantaleão lá proseguia no exercício do ministério paro-
quial, no seu priorado de Travanca, donde raras vezes se afastava.
1 Doe. XXX.
32 S 'Brás Garcia õMascarenhas
Bem pouca vocação sentia para a vida sacerdotal o irmão Matias.
Depois de ter recebido priíiux-tonsura e ordens menores, quando já
se aproximava dos 3i anos de idade, como dito fica *, passou a fazer
mais larga residência em companhia do Pantaleão em Travanca-de-
-Farinha-Pôdre, onde, não obstante a sua idade ser já bastante afas-
tada da juventude, ia dando desgostos ao irmão com aventuras amo-
rosas. Por fim, depois de tantos anos de vida airada, caiu em si, e
resolveu-se a receber ordens sacras, sendo a seguir encarregado de
pastorear a freguesia de Anceriz, na qual o vamos encontrar a exercer
as funções de cura desde os princípios de setembro de 1647 *. De
Anceriz a Avô é perto ; por isso Matias vinha muitas vezes passar
dias inteiros em companhia do pai e irmãos.
Feliciana Monteiro continuava à frente da sua casa em Anadia,
com os seus filhos já criados, duas meninas e quatro rapazes, o mais
novo dos. quais contava, no principio do período de que nos ocupamos,
18 anos, e o antecedente, com os seus 20 anos feitos, preparava-se
para a sua próxima ordenação, e era já pelos patrícios, com grande
satisfação da mãe, denominado o senhor padre Fernando. Havia
anos que eia não voltara a Avô a passar alguma temporada em
companhia de seu pai e de seus irmãos, mas mantinham-se por
emquanto excelentes relações eutre as duas famílias.
A respeito de Francisco Garcia Mascarenhas, nada mais sei do
que deixo dito noutro lugar ^. Desde que se fez frade, cessaram
todas as referências a êle. Continuo porem persuadido de que vivia
no ascetério do Buçaco; as relações da família avoense dos Gar-
cias Mascarenhas com este convento mantinham-se assíduas, amis-
tosas, e tão íntimas, que dão lugar a me parecer não só verosímil
mas bastante provável aquela hipótese. Alguns factos, para exemplo:
— Na casa de Brás havia uma escrava preta de nome Isabel, que
andava em constantes caminhadas entre Avô e Buçaco, levando e
trazendo encomendas e recados. Nestas idas e vindas passava sempre
por Travanca, onde se deixou seduzir por um rapaz da terra, de
* Vid. supra, pág. 171.
* No registo paroquial de Anceriz, o primeiro assento, que nos aparece lavrado
pelo padre Matias, é de um baptismo administrado pelo padre João Caramelo, por
doença do padre Francisco de Queiroz, a 18 agosto 1047; remata assim: — «e eu
Pfi Mathias GrS" que ora siruo de cura fij este hoie des de setembro 64-. — (a) Ma-
thias GrS"». — -Desta redacção se infere que ainda não tinha sido nomeado cura,
mas já desempenhava as respectivas funções.
' Vid. supra. págs. 170-171.
Cap. VIII — U^o declinar da vida 32g
nome João, vindo a ter um filho, baptizado na igreja de Avô em dia
de S. João de 1649 com o nome de Marcelino '.
— Quando em i(55g os irmãos de Brás Garcia quiseram instituir
uma capela para sepultura de família, e para vincularem os seus bens,
entenderam-se com os frades do Buçaco, e não com outros (embora
ali tivessem a dois passos o convento franciscano de Vila-Cova-sob-
-Avô), para eles lhes cederem o padroado de uma das capelas da sua
igreja conventual; a esta capela vincularam os ditos bens, instituindo
com eles um duplo morgado, como a seu tempo se verá ^.
— Em fevereiro de i6õo, correndo um processo eclesiástico em
que era réu o padre Matias Garcia, e havendo necessidade de este
apresentar uma carta inibitória na Relação metropolitana de Braga,
para onde fora interposta apelação, foi por intermédio dos carmelitas
descalços do Buçaco remetido o documento aos carmelitas de Aveiro,
e por estes aos de Braga, para o apresentarem na Relação braca-
rense ^.
— O padre Pantalcão escolheu em março de 1660 para sua sepul-
tura a igreja do convento do Buçaco, ao qual pagou logo 6oíí)00o réis
por compra da capela transeptal do lado do Evangelho, onde ficaria
sendo a dita sepultura, e prometeu dar mais 20íí'ooo réis dentro de
um ano, para a fábrica da mesma, e bem assim o cálice de prata e
os paramentos da capela de S. Brás, de Avô, que seriam entregues
depois da morte de seu irmão Dr. Manuel Garcia *.
Tudo isto são indícios, simples indícios é verdade, mas tão repe-
tidos, que tornam mais e mais verosímil a minha hipótese.
Quando Brás Garcia, no princípio do verão de 1648, partiu para
a comarca de Esgueira a organizar a leva de soldados, a pedido
de D. Rodrigo, governador da província da Beira, deixara sua mulher
em estado de gravidez. Aproximava-se agora, ao regressar da cam-
panha do Alentejo, o nascimento do seu terceiro filho. Não foi
um rapaz, mas uma menina, que abriu os olhos à luz na véspera do
« Doe. LXXX. — í Doe. LXXXIX.
' Consta do respectivo processo, em que foi autor Bernardo Duarte de Figueiredo
e réu o padre Matias, por este o haver chamado ^ui/eií. Veja-se o processo, exis-
tente na Câmara Eclesiástica de Coimbra, a foi. 9 e segg.
•> Doe. XCI.
33o 'Brás Garcia cMascarenhas
Natal, sucesso muito festejado de toda a família, por ser a primeira
filha.
Baptizada segundo o uso ao oitavo dia, foi-lhe imposto o nome de
Isabel, escolhido talvez pelo pai, recordando com saudoso reconheci-
mento a sua fuga épica (j já lá iam tantos anos !), em que escapou
por milagre da Rainha Santa Isabel, cuja festa se celebrava naquele
dia '. Quis assim mostrar a gratidão piedosa da sua alma para com
a santa Esposa de D. Dinis, a cuja intervenção atribuirá a série de
circunstâncias fortuitas, sem as quais não seria possível a sua sal-
vação. Era a primeira filha que lhe nascia: deu-lhe o nome da Santa,
sua protectora.
Ainda lhe nasceram depois mais três crianças, completando o
número de seis filhos: — Quitéria, baptizada a 29 de junho de i65i *,
Brás a 22 de março de i653 3, e Maria a 20 de maio de i655 *. Na
sossegada e tranquila vida da família avoense, cada um destes nasci-
mentos era festejado como um sucesso, que nela vinha introduzir
mais uma nota alegre de expansão e felicidade.
l Quais os entretenimentos ordinários do poeta durante este último
período de oito anos da sua vida, passados em Avô ? Escusamos de
dar largas à imaginação para os conjecturar; êle próprio deixou isso
registado no seu poema. Viriato, adormecido naquela mesma região,
sonha ; e em seu sonhar maravilhoso, transpondo com vista profética
longa série de séculos, vê surgir a nobre vila de Avô, e observa as
obras importantes nela realizadas por moderno Jilho, que é o próprio
Brás. Por último o guerreiro lusitano, atentando neste,
Repara mais, & vè, que anda cantando
Em numerosos versos seus louvores
Entre jardim, que fez, de quando a quando
Tosando as murtas, & compondo as flores *.
Entram os dois em conversa. Viriato, cheio de interesse, pede
ao poeta que lhe conte a sua vida, o que este faz prontamente, e de
mistura com a auto-biografia vai narrando os sucessos da restauração
' Vid. supra, págs. 43 e seg.
2 Doe. LXXXIII. - ' Doe. LXXXVI. — ♦ Doe. LXXXVIII. — ^ V. T., xv, 26.
Cap. VIII — Tsj) declinar da vida 33 1
e os serviços por ele mesmo prestados nessa guerra patriótica. Ulti-
mamente acrescenta :
Retiro-me a estes valles, a estas fontes,
A estes frescos jardins, & pátrios Rios,
Quando vaó cheos caço pellos montes,
E nelles pesco quando vaõ vasios,
Contente destes ares, & orizontes,
Sem a corte invejar, passo os Estios,
Pellos Invernos canto teus louvores,
De outra musa melhor merecedores '.
Não podíamos desejar testemunho mais autorizado e fidedigno.
Os passatempos de Brás eram estes: — a caça no inverno e a pesca
no verão, os passeios pelos arredores de Avô respirando os exce-
lentes ares e admirando os belos horizontes, a jardinagem no pitoresco
retiro que arranjara em frente da sua casa, alem do formosíssimo
lago, e, finalmente, o convívio ameno com as Musas, recitando versos
nos mesmos /"rescos jardins, completando, retocando e aperfeiçoando
a sua obra poética, especialmente o poema de grande folgo que deno-
minara Viriato Trágico.
Mas nem assim deixava de relembrar com orgulho as peripécias
da guerra, os seus feitos patrióticos, os serviços que prestara. Fre-
quentes vezes, trepando pela vereda íngreme e tortuosa que dá acesso
à porta do castelo de Avô, iria ali avivar saudades dos heróicos tempos
de Alfaiates e gozar os ares e lioriíontes, percorrendo o adarve
circundado pela muralha ameada, subindo ao terraço da torre de
menagem, e contemplando de lá, por entre as ameias, o soberbo e
encantador panorama '^.
* V. T., XV, 104.
* Aproveito o ensejo para aqui publicar, convenientemente ampliado, um pe-
queno cliché fotográfico do castelo de Avô, fixado em 1871 pelo meu bom amigo
sr. A. Augusto Gonçálvez, então estudante de preparatórios, por ocasião de umas
férias de Natal, passadas em casa de um seu amigo daquela vila, para onde levara
uma máquina fotográfica. Por um feliz acaso conservava ainda esse cliché, em-
bora já bastante deteriorado, e assim devo àquele distinto professor e excelente
amigo a oferta desta preciosa relíquia, que, habilmente restaurada e ampliada
na Fotografia Conimbrigense do sr. José Maria dos Santos, agora se reproduz
em gravura. Já então as ameias se achavam destruídas em partes, e a muralha
tinha pedaços demolidos. Da torre de menagem nem vestígios se divisam na
fotografia, porque dela restavam, ao temptf, pouco mais do que os alicerces.
Depois tudo desapareceu, demolidas as muralhas, já por particulares já pela obra-
S32 'Brás Garcia (^Mascarenhas
Então, neste declinar da vida, lamentava êle não lhe ter sido
possível gozar m«is cedo esta doce e tranquila existência no seu belo
cantinho de Avô, e, sem dar por mal empregado o tempo que dedi-
cara à defesa da pátria, à vingança da honra e autonomia de Portugal,
deplorava a má fortuna, que desde a juventude o levara para tão
longe da verdadeira felicidade. São-lhe bem aplicáveis as palavras
que põe na boca de Viriato :
Ay quã tarde a fortuna me declara
Que a vinganç.i me priva de alegria !
Quanto ganhey em vos perder trocara
Por vossa solitária companhia.
O não poder sofrer na Pátria cara
Jugo vil, do repouso me desvia,
Guiando as vagamundas esperanças
A sangue, estragos, mortes, & vinganças '.
Amigos não lhe faltavam : umas vezes, em correspondência epis-
tolar, com éle trocavam impressões, ou o consultavam sobre assuntos
de guerra; outras, vinham de lon^e gozar a sua companhia, e deli-
ciar-se com a sua conversação alegre, erudita, variada e interessante.
-pública, para o aproveitamento dos materiais em novas construções; esta aplicou
grande quantidade de pedras do castelo a construir os muros de suporte da es-
trada distrital n.° 106, que atravessa Avô. Pode confrontar-se o estado do cas-
telo em 1871 com o que dele restava em 1912, olhando para as estampas que se
defrontam nas páginas 78-79 do presente livro. Neste último ano subsistia o
arco ogival ou porta de ;entrada apenas, que felizmente ainda não foi demolido
até ao presente, mas que provavelmente qualquer dia desaparecerá. Já depois
de 1912, em que recolhi várias fotografias de Avó, algumas publicadas neste
livro, a selvajaria municipal, conjugada com a inépcia interesseira dos mandantes
da vila, tem-se deleitado a estragar brutalmente muitas das belezas daquela pi-
toresca povoação. A casa da câmara, representada na estampa da pág. 102,
foi desfigurada ignobilmente, demolindo-lhe o alpendre, arrancando-lhe as in-
teressantes grades de ferro que resguardavam as duas varandas, trabalho bem
caraterístico de serralharia do século xvi, estendendo um terraço à frente, e fazendo
outras diabruras; as fotografias das estampas fronteiras às págg. i56 e i58
já hoje não podiam ser tiradas, porque andam neste momento a construir
um casarão hediondo, não sei se armazém se fábrica, na estreita faixa de terreno
que medeia entre a casa de Brás Garcia e o largo do Pego ; etc, etc. ] Parece
haver o propósito, não só de destruir todas as belezas e atractivos da linda vila,
mas também de apagar tudo quanto nela recordava o poeta seiscentista, que tanto
a amou e honrou ! i Para onde caminhamos nós ?
» V. T., XIV, 108.
Cap. VIU— 7^0 declinar da vida 333
Já encontrámos o general D. Álvaro de Abranches em Avô, hós-
pede de Brás ; D. Rodrigo de Castro também o honrava com suas
visitas, quando os cuidados da guerra e do governo da província lhe
permitiam alguns dias de descanso; e, como estes, outros dos muito
numerosos amigos, que o admiravam e estimavam, iam fazer-lhe
companhia e folgar no seu interessante convívio. Era de vêr a hos-
pedagem afectuosa e fidalga que o poeta lhes dispensava no seu
solar *.
Vários registos conheço da presença de Brás em Avô durante
este último período da sua vida ^; uma só vez o encontro ausente, e
por pouco tempo.
Foi nos fins da primavera de i653. Teve casualmente de passar
por Coimbra, na ocasião em que na Universidade se achava anunciado
para muito breve um certame poético, em demonstração de pesar
pelo falecimento do príncipe-real D. Teodósio, ocorrido a i5 de
Maio '. O poeta deteve-se na cidade universitária, preparou-se, e
» Doe. CXII.
» Doe. LXI, LXII, 1,X1II, LXVI, LXXXI, LXXXII, LXXXIV, ete.
' B. Madeira de Castro no seu Breve resumo da vida de B. G. M., que pre-
cede a 1.' edição do V. T., diz que isto sucedeu na morte do Senhor Príncipe
D. Duarte; mas há nesta notícia êno evidente. O infante D. Duarte, irmão de
D. João IV, nunca teve o tratamento de príncipe, que ilie não pertencia, e em 1648,
por ocasião da morte deste infeliz mártir, vítima da fraqueza criminosa do impe-
rador Fernando III, e da infâmia de ministros comprados pelo ouro de Castela, a
Universidade não fez demonstrações públicas e solenes, por isso não estar nos usos
nem nos estatutos. Madeira de Castro equivocou-se evidentemente no nome;
quis referir-se à morte do príncipe-real D. Teodósio, primogénito de D. João IV,
ocorrida a i5 de maio de i653, a qual foi profundamente sentida pela corte e pela
nação, e comemorada em demonstrações solenes de luto e de pesar pela Universi-
dade, segundo consta das actas dos claustros-plenos reunidos para este fim em
sessões sucessivas, a primeira das quais foi a 21 de maio e a última a 22 de julho.
(A. U., Conselhos, vol. 23, liv. i.°, íls. yS ¥."-76 v."). O rei, logo no dia imediato à
morte do príncipe, participou à Universidade o lutuoso acontecimento na carta
seguinte: — «Reitor amigo, lentes, conselheiros e deputados da Universidade de
Coimbra. Eu El Rey uos enuio muito saudar. — Ontem ás dose e meya do dia, foi
Deos seruido leuar para sy o Príncipe Dom Theodosio meu sobre todos muito amado
e prezado filho, de que fico com sentimento igual a perda que recebeo este Reino na
falta de hum Príncipe tão cheo de todas as uertudes, de que me pareceo auizaruos,
para que me ajudeis a encomendar a Deos sua alma, e para que conforme ao cos-
tume em semelhantes occasiões ordeneis se facão officios, sufFragios, Missas, E
334 'Brás Garcia cMascarenhas
apresentou em concurso hiia nova esquipação de poema vulgar, que
de todos os lados se lia com diversos sentidos, & todos certos Jia me-
dida, & animados com epigrama ao intento, que intitulou «Laberintho
do Sentimento» — Pello qual poema lhe julgou, sem opposição de outro
aventureiro, a Vniversidade o primej-ro, & melhor premio, sendo
mayor o da fama, que adquiria excedendo os raros engenhos, que
illihtravão esta Athenas Lusitana, calijicando-se por não menos fa-
vorecido de Marthe, que mimoso de Apollo *.
Vê-se pois que o poeta, que escrevera —
Nota do Alva a trágica Poesia
Desprezada em sua margem deleytosa,
Porque entre variedades tão confusas
Quem ama as armas, põem de parte as Musas *,
— agora, postas de parte definitivamente as armas, consagra-se prin-
cipalmente às Musas, aproveitando todos os ensejos para se deliciar
no seu convívio.
Foi durante este período que êle mais se ocupou nos retoques do
Viriato Trágico, já precedentemente redigido, para o levar a estado
de merecer as honras da publicidade.
orações pello bem de sna alma, E aos lentes e officiais dessa Uniuersidade deueis
também Ordenar tragão luto, roupeta, carapuça E capuz serrado por tempo de trinta
dias, que abrirão passados elles, aliuiarão aos seis mezes, e tirarão de todo ao anno ;
Espero do amor que tendes a meu seruiço, e da boa uontade q uos tinha o Prín-
cipe uos hajais nesta occasião de man.", que tenha aliuio de saber nella uosso pro-
cedimento. Escrita em Alcântara a i6 de Mayo de i653. — {a) Rey •• -^ — P.* a Uni-
uersidade de Coimbra» — (A. U., Provi joeiís antes da novafund. da Univ., vol. Ill,
foi. 43 1). — As grandiosas manifestações de pesar realizadas pela Universidade foram
agradecidas na seguinte carta régia : — «Manuel de Saldanha Reitor amigo, Depu-
tados, Lentes, E conselheiros da Uniuersidade de Coimbra. Eu El Rey uos enuio
muito saudar. — Pella uossa carta entendi o animo E a grandeza com que se ouue
essa Uniuersidade nas demonstrações de sentimento pello falecimento do príncipe
D. Theodosio meu sobre todos muito amado e prezado filho que Deos tem, e nos
officios e sutfragios com que ajudou sua Alma ; tudo lhe agradeço muito, e tudo he
muito conforme, ao que sempre experimentei do amor E lealdade dos sojeitos que
nella me seruem, ainda em menores occasióes ; quando se ofFerecerem de lhes fazer
m", me será muito prezente este seru.'^°, entre os mais que tenho recebido delles,
de que sempre terei a deuida lembrança, E assy lho direis em meu nome a todos,
E mais particularmente aos que nesta acção tiuerão mayor parte. Escrita em Lix.'
a 10 de Julho de i653. {a) Rey- -> — P.« a Uniuersidade de Coimbra». — (A. U., ibid.,
foi. 435).
1 Doe. CXII.— 2 V. r., XIV, 81.
Cap. VIII— 7-(p declinar da vida 335
Em diversos cantos se encontram vestígios cronológicos. Por
eles não só conhecemos a época em que Brás Garcia resolveu escre-
ver este poema heróico, mas também temos indicações de quando
foram redigidas algumas das suas partes, na forma em que actual-
mente se encontram.
Quando preso no Sabugal, isto é no ano de 1642, é que o poeta,
levado por inspiração patriótica, concebeu a ideia de o escrever. Diz
êle na conversa que finge ter com Viriato, comandante dos lusitanos:
Agradece a meu trágico Planeta,
E a viis emulos meus este cuydado,
De por Patrício teu, querer louvarte,
Pois quando prezo, emprendi cantarte '.
Depois não o escreveu continuadamente, mas aos poucos e com
largos intervalos, ocupados nos serviços da guerra. Era o seu agra-
dável entretenimento nos períodos de descanso passados em Avô.
Ele mesmo o diz ao caudilho lusitano:
Entre o rumor de Marte estrepitante
As horas, que me deyxa, te concedo,
Que a cantarte na paz, mais elegante
Estilo ornara tão capaz enredo ^.
As operações da guerra realizavam-se geralmente nas estações de
transição, primavera e outono ; o estio e o inverno passava-os de or-
dinário em Avô : mas era na rigorosa estação hiemal que êle mais se
ocupava do poema, segundo refere numa estância ■*, já há pouco
transcrita *.
Ia alternando esta ocupação literária com os cuidados de jardina-
gem próprios do inverno — tosar ou espontar as murtas, plantar,
podar e concertar as roseiras e outras plantas floríferas — como êle
refere no primeiro quarteto de uma estância ^, que me dispenso de
aqui copiar, por ficar transcrito em dois lugares *.
Fora nos anos de 1644 e 1Õ45, que desenvolvera maior actividade
na elaboração do poema. As estâncias, em que se encontram refe-
rências a factos ocorrentes, ou havia pouco ocorridos, mostram isto
com suficiente clareza.
No canto v, estância 14, há uma alusão expressa ao livro III,
' V. r., XV, io5. — í Ibid., 106. —' Ibid., 104. -♦ Pág. 33i. — * V. T., xv, 26.
^ Vid. supra, pág. i53 posl. med., e pág. 33o.
336 Brás Garcia cMascarenhas
cap. 1 da obra Successos militares das armas portuguesas, do Dr. João
Salgado de Araújo, livro que saiu a público depois do meado de de-
zembro de 1644, como se vê das datas das respectivas licenças, que
traz à frente. Essa estância é portanto posterior a esta época.
Lêem-se na est. 20 do canto vii estes versos :
Marchaõ daqui a Burdua, agora Ouguella
Neste mez, em que escrevo, em vam tentada
De Cario Carachiola, porque delia
Se retirou sua Gente destroçada.
Essa frustrada tentativa castelhana, para tomar de surpresa Ou-
guela, deu-se na manhã de 9 de abril de 1644 * ; corria pois ainda
este mês, quando Brás Garcia escreveu aqueles versos.
Foi neste mesmo ano de 1644 que o poeta escreveu a estância 5
do canto xii, onde deixou consignado o enredo de amor e justiça em
que andava envolvido havia dez anos, desde 16.34.
É nas estâncias bg-Gz du canto xiii, que vem referida, como fica
dito, a campanha da Estremadura espanhola no outono de 1643, no
fim da qual o poeta sofreu grave doença ; não foram escritas portanto
antes do princípio de 1644.
A comemoração epitalâmica do casamento do poeta, que se lê no
canto XIV-, é sem dúvida de 1645. embora nesse canto se encontre ^
uma referência entusiástica à excelente retirada de 'Badajoz, ocorrida
em 1643.
Temos de atribuir a redacção do canto xv, em cujas últimas três
estâncias o poeta se nos apresenta a alternar os trabalhos da guerra
com os escassos mas muito deleitosos descansos de Avô, no período
que decorre de 1644 a 1648.
Vê-se pois que, ao principiar o período final da vida do poeta,
em que, já livre das agitações intensas da guerra, os dias lhe decor-
riam tranquilos e sossegados, estava já muito adeantado o Viriato
Trágico. Os trabalhos viriatinos, nesse período realizados por Brás,
terão sido passagens de lima, obras de retoque e aperfeiçoamento,
mais do que de redacção primeira.
Infelizmente Brás Garcia não poude ultimar este trabalho de cor-
rigir e polir o seu poema para a impressão,
Que atalha a morte muyto bons intentos ♦.
1 Successos militares, fl. 225 v." ; — Portugal restaurado, liv. vii, pág. mihi 459.
» Est. 43-99. — ' Est. 8. — « V. r., X, i3o.
Cap. VIII— 7^0 declinar da pida 337
S>
Náo se cuide porêm que tudo foi sossego e quietação neste
declinar da vida do nosso Brás Garcia. Alguns desgostos vieram
ainda perturbar a sua tranquilidade. Mas, antes de falarmos desses
dissabores, temos de retroceder alguns anos, para tomarmos conheci-
mento do que originou os que mais o incomodaram.
Em 1641, a 8 de fevereiro, celebrou-se em Avô, na capela de
Nossa Senhora do Mosteiro, o casamento de D. Maria Jácome de
Mendonça, filha de Simão Madeira da Costa, irmão da que veiu em
breve a ser sogra de Brás, com Bernardo Duarte de Figueiredo,
sargento-mór da vila de Pombeiro '. Brás Garcia não assistiu a este
casamento, porque andava então, em companhia do general-gover-
nador da Beira D. Álvaro de Abranches, por Viseu, Trancoso e Pinhel ;
mas parece que mais ou menos interviera nas negociações prelimi-
nares, sendo-lhe atribuída grande parte das responsabilidades de tal
união.
Ora, uma vez introduzido na sociedade de Avô, Bernardo Duarte,
que era vivo, esperto, gracioso e insinuante, principiou a colocar-se
em evidência, a captar simpatias, e a apresentar a sua candidatura
aos empregos principais da terra, não só aos de eleição popular, mas
também a alguns de nomeação. Assim foi dentro em pouco, àlêm
doutras cousas, alferes da milícia de Avô, e juiz ordinário da vila e
seu termo; conseguiu mesmo servir alguns cargos da igreja, reputados
nobres. Por fim já era também tabelião do público e judicial nas
quatro vilas de Avô, Vila-Cova, S. Sebastião-da-Feira e Nogueira-
-do-Cravo.
Não tardou o tempo em que algumas pessoas das famílias prin-
cipais avoenses se sentiram deprimidas, vexadas por este ambicioso
recém-vindo. Foram-se avolumando os ressentimentos, e por fim de-
generaram em ódios profundos. Em terreno assim hostil, qualquer
semente de descrédito germinaria e não tardaria a frutificar.
Aí por i65o começou a correr o boato de que Bernardo Duarte
de Figueiredo era cristão-novo, e que alguns ascendentes e colaterais
seus, lá das bandas de Mortágua, haviam sido condenados pela Inqui-
sição por judaizantes. Isto, que a princípio se murmurava à boca
pequena, já por liltimo se dizia em alta voz. Quando a murmuração
' 'Not. geneal; III, vi a.
338 'Brás Garcia ^Mascarenhas
se tornou pública, a prosápia dos Madeiras da Costa sentiu-se ferida
gravemente por ter caído tal labéu sobre a família, que, apesar dos
boatos em contrário, orgulhosamente se jactava da limpeza e nobreza
^ fv éa C\- imaculada do seu sangue. Brás Gar-
/^rjvj» 3^i^^^^>^ ^\ '''^' então já casado com D. Maria
^ &^^-^^^_^ '^'1 Costa Fonseca, prima inteira da
Assinatura mulher de Bernardo Duarte, sofreu
de Bernardo Duarte de Figueiredo'. i i- i i •
grandes dissabores com tudo isto,
especialmente por se lhe atribuírem responsabilidades no casamento
deste ^.
Nas acusações ao poeta deve-se ter salientado a sogra, cujo ódio
velho andava um pouco atenuado, mas que, reacêso agora, não dei-
xaria de se traduzir em remoques e censuras ao genro, por haver
concorrido para lhe ser conspurcada a família com enxertia tão da-
nosa. O aborrecimento de Brás Garcia, por esta atitude hostil e
impertinente de D. Maria Madeira da Costa, revela-se nos dois versos
seguintes, introduzidos no poema por esta ocasião, segundo conjec-
turo :
Bella sem tacha, rica sem ter sogra,
Partes, que buscão mil, & nenhum logra '.
Tudo isto não era segredo para Bernardo Duarte ; e bem sabia
êle que um dos principais e mais acirrados acusadores da sua honra
era o padre Matias Garcia.
No ano de i632 houve em Avô umas eleições muito renhidas,
em que se interessavam, por um lado o Figueiredo, por outro o
padre Matias com vários conterrâneos. Mais se azedaram os ânimos
na luta eleitoral, chegando a irritação ao cúmulo *. E natural que
Brás se não envolvesse em tais galopinagens, que êle detestava :
Já os votos de então se subornavão,
Pellos possantes, em despreso, & dano
De muytos beneméritos de fora ;
Mal hè de então, que se experimenta agora '.
Por essa ocasião, quando mais exaltadas andavam as paixões, foi
' Na fôlha-corrida, junta ao processo para a ordenação de menores de Tomás
Garcia Mascarenhas, na qual Bernardo Duarte, como tabelião de Avô, certiíica a
ausência de culpas a 9 de maio de 1664.
s Doe. LXXXV. — 3 V. T., iii, 58. — i Doe. LXXXV. — * V. T., v, 3i.
Cap. VI JI — íTX^o declinar da vida 33 g
um dia o Bernardo a cavalo à freguesia de Anceris; ao chegar perto
da aldeia, encontrou-se com o padre-cura Matias, que, vindo para
Avô, seguia o mesmo caminho em sentido oposto. A explosão de
ódios era fatal. Ao passarem um pelo outro, aos ouvidos do Figuei-
redo soou a palavra yz/í^ew, rosnada em tom abafado pela raiva. Não
foi preciso mais. Apenas ouve tal epíteto, salta do cavalo abaixo,
e vibra uma chicotada á cara do Matias, que era valente e deste-
mido, e que responde à violência com violência, desafrontando-se.
Isto sucedia à vista de Anceriz, sendo observado por gente, que
acudiu logo. Á aproximação de pessoas estranhas apartaram-se, um
montou a cavalo e seguiu o seu caminho, o outro, a pé, veiu para
Avô, causando grande escândalo o vergão do chicote que se divisava
no rosto do padre '.
Seguiram-se dois processos eclesiásticos perante a cúria episcopal
de Coimbra: um contra Bernardo Duarte de Figueiredo pelo crime
de sacrilégio, gravemente punido pelo cânon Si quis^ suadente diabolo;
outro contra o padre Matias Garcia pelo de injúria e difamação.
O escândalo aumentava, e Brás Garcia Mascarenhas, que se con-
servou até ali estranho a tais lutas e paixões, interveiu então, procu-
rando evitar que as querelas prosseguissem -. ; Quem sabe se a
doutrina exposta na seguinte estância, resume alguma das falas do
poeta a Bernardo Duarte, procurando convencê-lo a pôr ponto final no
processo e a desistir da acção, sob promessa de idêntico procedi-
mento de Matias ?
Perdoar as injurias, que nos tocão
Muyto na honra, obra hè meritória ;
Opiniões a vingalas nos provocaõ,
Porque hé toda opinião comum vangloria.
Quantos descanços por trabalhos trocaõ
Notoriamente, os que sem notória
Afronta, vingam os seus pontinhos de honra !
Que hà hum género de honra, que deshonra'.
Mas o argumento não colhia, e tal desistência era impossível.
Bernardo Duarte de Figueiredo carecia de esclarecer a sua situação,
para não continuar sob a suspeita formidanda de trazer nas veias
sangue de infecta nação; e esse esclarecimento público e solene tor-
nava-se tanto mais indispensável, quanto era certo que parecia haver
fundamento para as acusações de seus inimigos.
« Doce. LXXXV e XCVIII. — ' Doe. LXXXV. - 3 V. T., vn, 2.
340 'Brás Garcia óAIascarenhas
Huuvera na sua família uma mulher, vinda dos lados du Porto,
chamada Ambrósia de Figueiredo, que tinha fama de cristã-nova, e
cuja filha Brites de Figueiredo, prima co-irmã de Catarina Gomes da
Silva, mãe de Bernardo Duarte, chegou a estar presa nos cárceres
da Inquisição, e saiu confiscada e sambenitada, assim como seu ma-
rido Mateus Fernandes, de Vila-Gosendo ; dois irmãos deste foram
queimados, e Ambrósia de Figueiredo, filha do Mateus e da Brites,
e portanto segunda prima do dito Bernardo de Figueiredo, que ainda
continuava usando o mesmo apelido, foi também queimada em um
auto-de-fé.
Veja-se pois que sudário este, e se Bernardo Duarte tinha ou não
necessidade de se expurgar de tal labéu. ; Era o perigo de, tanto êle
como os seus, de um momento para o outro, se verem a contas com
o tribunal do Santo Oficio, e, talvez, depois dos tormentos do estilo,
terem de figurar de carocha e sambenito em algum auto-de-fé; era ainda
o vexame de se sentirem segregados da bôa sociedade, repelidos por
toda a gente, <pt\o foetor judaicus que deles emanava, bem mais re-
pugnante do que as pústulas da lepra I Não havia pois outra solução,
que não fosse ir por deante o processo contra o padre Matias, no
qual Duarte de Figueiredo trataria de demonstrar a pureza e limpeza
do seu sangue, por forma que a sentença, que condenasse o réu, fosse
ao mesmo tempo reabilitadora do autor.
E assim sucedeu. 1
Conheço todo esse processo, por se encontrar na câmara ecle-
siástica de Coimbra, apenso a um outro processo, que correu para a
ordenação do Dr. Matias Jácome de Figueiredo, que foi denunciado
como cristão-novo, impedimento que obstava à sua ordenação, e de
que êle teve de se justificar com as sentenças pronunciadas a favor
de seu pai Bernardo Duarte de Figueiredo. Provara este, como autor,
que a Ambrósia de Figueiredo, oriunda das bandas do Porto, de
quem provinha o sangue impuro, não era sua ascendente, nem com
êle tinha relação alguma de consanguinidade, apesar da identidade do
apelido. Fora casada (; infelizmente !) com um irmão de sua avó ma-
terna Angela Gomes, chamado Gaspar Gomes ; mas este seu tio-avô
era de muito bom sangue, e tanto que, tendo sido casado em pri-
meiras núpcias com Francisca de Frias, desse matrimónio houve um
filho, o padre Fr. António de Frias, franciscano, pregador de grande
nomeada, sobre o qual jamais incidira suspeita alguma. A infelici-
dade do seu segundo matrimónio é que lhe conspurcou a descendên-
cia, sem que daí resultasse infâmia para seus irmãos, o padre Fran-
ESQUEMA GENEALÓGICO DA FAMÍLIA MATERNA DE BERNARDO DUARTE DE FIGUEIREDO, DE POMBEIRO,
ENLAÇADA COM A DOS FIGUEIREDOS, CRISTÃOS-NOVOS DE VAL-DE- AÇORES, DONDE ÀQUELA RESULTOU RUMOR, EMBORA INFUNDADO, DE SANGUE JUDAICO,
O QUE DEU LUGAR A PROCESSOS RUIDOSOS, E ORIGINOU GRAVES DESGOSTOS A BRÁS GARCIA MASCARENHAS (Pág. 341)
Nos fins do século xv residiam em Santa-Comba-Dão, donde eram naturais, dois irmãos :
João Gomes, c. c. Maria Ro-
drigues, de Val-de-Açores
(Mortágua)
Domingos Gomes, c. c. ?
i
Maria Gomes, c. c. João Luís,
de Val-de-Acores.
I Henrique Gomes.
Angela Gomes, c.
Tomé, de Poiares.
P « Francisco Gomes, pároco
de Oliveira de Cunhedo.
Pedro Gomes da Silva. c. c. ?
de Val-de-Acores.
Francisco da Silva
l
Catarina Gomes da Silva, c. c.
Salvador Duarte de Figuei-
redo, capitáo-mor de Pom-
beiro.
i
Gaspar Gomes, casado
em I." núpcias c. Francisca em 1." c. Ambrósia de Fi-
de Frias. gueiredo, cristã-nova.
- ■ -^
Brites de Figueiredo, c. c. Ma-
teus Fernandes, cristãos-
-novos.
1
Fr. António de Frias, francis-
cano.
Mateus Duarte de Figueiredo, j Bernardo Duarte de Figuei- i Marcos Duarte de Figueiredo,
capitão-mór de Pombeiro. I redo, c. em Avô c. D. Maria 1 c. na Covilhã c. D. Ana Ro-,
Jácome de Mendonça. drigues.
Ambrósia de Figueiredo, quei-
mada pela Inquisição.
P.« Afonso Gomes.
L.<'o João Soares da Silva, fa-
miliar e secretário da Inqui-
sição.
I Maria Gomes, c. c. António
Fernandes.
---^ -^^
Francisco Fernandes, o Cativo
(em Alcásser-Kíbir), c. c.
Leonor da Silva.
1
Maria da Silva, c. c. Jorge Dias
de Oliveira, familiar da In-
quisição.
P.« Manuel Soares, jesuita. | Fr. F. . . . religioso franciscano L.Jo Francisco Soares da Silva.
ESQUEMA GENEALOG.
ENLAÇADA COM A DOS FIGUEIREDOS, CRISTÃOS
O QUE DEU LUGAR A PROCE!
Nos fins
João Gomes, c. c. Maria
drigues, de Val-de-Aç
(Mortágua).
l
Maria Gomes, c. c. João I
de Val-de-Acores.
Angela Gomes, c.
Tomé, de Poiares.
João I P « Francisco Gomes, pál
de Oliveira de Cunhedc
Pedro Gomes da Silva. c. c. ?
de Val-de-Acores.
i
Francisco da Silva
l . I
Catarina Gomes da Silva,
Salvador Duarte de Fig
redo, capicão-mor de P
beiro.
, 1 , 4
Mateus Duarte de Figueiredo, Bernardo Duarte de Fig
capitão-mór de Pombeiro. ! redo, c. em Avô c. D. M
Jácome de Mendonça.
Cap. VIII — C\o declinar da vida 341
cisco Gomes, pároco de Oliveira-de-Cunhêdo, e a dita Angela Gomes,
avó dele autor, nem para os descendentes desta *.
Podem lêr-se algumas das principais peças do processo na colecção
de Documentos, que servem de apêndice a este trabalho -. A causa
arrastou-se pelos tribunais eclesiásticos durante largos anos. Em
todas as três instâncias saiu condenado o réu e justificado o autor;
mas, quando a última sentença foi pronunciada, era março de 1666,
Já o réu era falecido.
Ora esta pendência tão grave entre seu irmão e o marido de uma
prima inteira de sua mulher, e as responsabilidades que lhe eram
atribuídas, devem ter preocupado e magoado muito o nosso Brás, nos
liltimos anos da sua vida.
Em 1654 novo desgosto o vem ferir. Seu pai viera gozando ve-
lhice sadia, alegre e bem equilibrada, até ao fim do verão deste ano.
Seus filhos estremeciam-no, e o poeta não seria uma só vez que lhe
recitaria o elogio da velhice, que a propósito do ancião Lícias inserira
no canto iii do \lriato Trágico. Diz assim:
He a velhice hum mal, que debilita
A toda a cousa, que animada crece ;
Ao rico enoja, ao pobre necessita,
Gasta a belleza, as forças infraquece :
As arvores robustas decrépita.
As feras vigorosas intorpece,
Erva lhe não escapa, ou flor suave,
Nadante peyxe, ou volátil ave.
He com tudo, por sabia, respeytada,
Que muyto importa do astuto velho
Em qualquer occasião calamitosa,
Que se offreça, o maduro, & bom conselho.
A idade respeytada, a barba annosa
Hè da verde puerícia claro espelho
A quem se humilha, contra quem não ousa
O sangue pueril, que não repousa.
O vinho velho sempre hé mais cheyroso,
Dos corpos [não do meu] alegre amigo :
Quanto hé mais velho o barbo, mais gostoso,
E do azeyte hé melhor o mais antigo.
• Veja-se a árvore genealógica em frente.
2 Doe. LXXXV.
34'-i 'Brás Garcia oMascar&iihas
Sempre Exercito velho hè temeroso,
Que velho Terço estraga ao Inimigo ;
E velhos chama a Guerra, ou Veteranos
Aos expertos, que são moços nos annos.
O pano, seda, ouro, telaria.
Que a velha idade tanto não prezava,
Quando de tudo menor copia avia,
Era muyto melhor, menos custava :
Desce em bondade, sobe de valia.
Quanto não basta hoje, então sobrava;
Porque exemplo dos velhos não tomamos
De cada vez de mal em peor vamos.
Era Lisias velho, era sezudo,
Que hà velhos, que caducão com a idade;
De robusto vigor, de ingenho agudo,
De pouco fausto, & grande authoridade :
Com ella o Auditório tinha mudo,
Quando com repousada gravidade
A boca abrindo, & a cabeça erguendo,
Com voz clara, & pausada foy dizendo '. Etc.
No principio do outono deste ano, com grande sentimento da
família, falece o velho patriarca dos Garcias de Avô, quando ia fazer
go anos de idade.
O provedor da comarca da Guarda, a cuja circunscrição pertencia
o concelho de Avô, apressa-se a dar logo parte, para a corte, da vaga
do ofício de escrivão das cisas gerais e dos panos desta vila, havia
6o anos servido por Marcos Garcia com tnuita satisfação, sem nunca
cometer erro; e propõe que no mesmo ofício seja provido o filho Brás
Garcia Mascarenhas. Não se demora a expedição da carta régia de
provimento ou nomeação, datada de 2 de novembro do mesmo ano *,
e o agraciado entra na posse do cargo, que bem modesto era, e que
pouco tempo veiu a gozar.
Com maus agouros entrou o ano de i656.
Principiou ao sábado, dia dominado pelo fatídico planeta Saturno,
o meu trágico Planeta, como lhe chamava o poeta Brás ', pelo facto
de ter nascido ao sábado. Pior do que isso: — era ano bissexto.
A 1 1 de janeiro (terça feira — \ mau dia !), achando-se o sol na
t V. T. Ill, 3-7.-2 Doe. LXXXViI. — 5 V. T. xv, io5.
Cap. VIII — íT^o declinar da vida 343
casa do Capricórnio (; tudo isto coincidências funestas !), a lua-cheia,
pouco depois de nascer, principiou a tornar-se cris, e quase toda a
sua face foi coberta por véu de sombra nefasta.
Como se este sinal não fosse ainda bastante para aterrar a gente
simples, bem como a naturalmente predisposta a superstições, de-
corridos apenas quinze dias, na quarta-feira 26 de janeiro, quando o
sol já havia entrado na casa do Aquário, eis que êle mesmo, o astro
do dia, a meio do seu curso sobre o horizonte, oculta parte do disco;
e em Avô algumas pessoas afirmavam ter visto no interior das casas
pequenas imagens da kia em quarto crescente ou minguante (neste
ponto havia divergência de testemunhos), estampadas a luz onde
quer que um feixe de raios solares, penetrando por qualquer orifício,
fosse beijar a parede fronteira ou o pavimento. Triste ocorrência
ia dar-se, para assim se mostrar em parte
Occulto o Rey dos lúcidos Planetas '.
i Maus sinais I ; maus agouros I ; Que desgraça iria suceder ?
Brás, espírito animoso e forte, esclarecido com a ilustração do
seu tempo, não devia deixar-se avassalar por temores pueris e infun-
dados, nem dar a fenómenos naturais significação de avisos sobrena-
turais de desgraças iminentes. Parece que a superstição devia ser
incompatível com a ilustração; mas é certo que muitas vezes se en-
contram irmanadas em convívio híbrido. O nosso poeta havia nos
últimos tempos decaído muito, física e moralmente. Quão diferente
se encontrava do que era na época em que (já lá iam cerca de i5 anos)
repreendeu severamente, no arrabalde de Almeida, os seus soldados,
por se deixarem assustar com um enorme meteoro luminoso, que
rasgou larga estrada de fogo na atmosfera, em frente e muito perto
deles ^.
A crença em preságios, em avisos do céu, em profecias populares,
teve-a êle sempre, como a teem tido muitos espíritos ilustrados e su-
periores, i Fosse lá alguém dizer-lhe que a restauração de Portugal
não estava de há muito predita nas profecias do sapateiro Bandarra,
cuja sepultura êle com devoção visitou em. Trancoso, juntamente com
o general e restante oficialidade do exército da Beira, consagrando-lhe
a memória com uma campa votiva ! ^
' V. T. X, 66.
2 Vid. supra, pág. 216. — ^ Ibid., pág. 208.
34 f 'Brás Garcia dMascarenhas
As profecias bandárricas do século xvi, alusivas a D. fuão, que
os patriotas do século xvii habilmente transformaram em £). Joãoy
encontra-se referência clara e precisa nas estâncias seguintes:
Antiguas prophecias, bem que escuras
Notadas ' de prudentes curiosos,
Por entre a confusão das desventuras
Huns longes trasluziiiõ venturosos.
Porém sendo em propheticas figuras
Os alvos de acertar dificultosos,
Tendo perto de si o a que atiravão,
Como cegos sem luz, todos o erravão.
Abrio-lhe os olhos a necessidade,
Ajudou a ocasião o intento honrado,
Tântalo a vista da Real Cidade,
. Pondo o futuro Rey prophetisado.
Que a gosar agoa, & fruta se persuade,
Mas vendo seu intento mal logrado,
Precursor de si mesmo se publica,
O nome o diz, o tempo o verifica'.
Acreditava também piamente nos preságios ou sinais do céu,
favoráveis à restauração, cujas narrativas corriam de boca em boca
e se espalhavam em folhas volantes ; postas em versos de pé que-
brado as noticias de tais portentos, os cegos cantavam-nas pelas pro-
víncias ao som das suas violas, ai pelos anos de 1641 e seguintes, o
que muito contribuía para levantar o espírito do povo e acender os
ardores patrióticos, A tais preságios se refere o poeta nestes versos:
Preságios mil celestes, & terrenos,
Por huas, & outras partes repetidos,
Estavaõ prometendo, quando menos,
Grandes mudanças, Reynos divididos '.
Antigamente porém Brás Garcia, embora acreditasse nessas cousas,
reagia e não deixava que a superstição se apossasse dele e o domi-
nasse; mas agora, gasto pela idade e pelos trabalhos, achava-se nesse
estado em que os espíritos mais fortes sossobram e caem. Via por
toda a parte multiplicarem-se os preságios calamitosos, sinais vários,
insólitos, de significação aterradora ; e deixava-se sucumbir.
1 Notada, tem a i." ed , erro manifesto, emendado na 2.'.
i V. T. XV, 74-75. — 3 F. T. XV, 76.
Cap. VIII— UXp declinar da vida 34$
Suponho que os sinais fatídicos, que o poeta descreve no canto
final do Viriato Trágico, como precedendo a morte do herói lusi-
tano, são os que ele, com a sensibilidade super-exaltada, com a
mente ofuscada por apreensões indefinidas, inexplicáveis, ia obser-
vando no declinar da vida, ia registando, e que deixavam no fundo
da sua consciência um receio vago, um mal-estar incompreensível,
um presentimento doloroso da proximidade da morte. Eram factos
naturais, que em outro tempo não mereceriam reparo, mas que agora
recebiam essa interpretação nefasta; pois
Que de desditas, que inda estam secretas,
Sam sempre os corações grandes profetas '.
Façamos uma leitura atenta dessas passagens, começando pela
invocação à Musa :
Inspira em mim, pêra chorar cantando,
Harmonia de Cisne lastimosa,
Que suas próprias exéquias celebrando,
Morrendo entoa musica saudosa ^.
l Não parece que o poeta, indo falar da morte de Viriato, por um
fenómeno que nele não é raro, segundo temos várias vezes notado, vê
âobreporem-se e confundirem-se duas imagens distintas, uma antiga e
outra moderna, ou, melhor, vê repentinamente e sem transição substi-
tuir-se à antiga imagem, que estava focada, a moderna, passando, sem
se saber como, a falar de si mesmo, para um pouco adeante se achar
novamente, e sem solução de continuidade, a tratar do chefe lusitano ?
l Pois não pede ele à Musa que lhe inspire um canto lacrimoso, como
a harmonia lastimosa de cisne, que ao morrer celebra em música
saudosa as suas próprias exéquias ? i Quem é aqui o cisne ? i quem
é que vai cantar essa harmonia lastimosa ? ,; não é o poeta ? i mas
então as exéquias que vai celebrar são as de Viriato, ou as do pró-
prio poeta moribundo ?
São evidentemente as de Viriato ; há porem aqui, como em muitos
outros lugares do poema, uma confusão propositada de pessoas, do
tipo com o antítipo, do ideal antigo com a realidade actual, da figura
com o figurado. Na vida e acções do caudilho dos lusos e dos seus
companheiros, a defenderem a pátria contra a opressão romana, o poeta
í V. T. XX, 79. — 2 V.T. XX, 2.
346 liras Garcia ^Mascarenhas
quis celebrar disfarçadamente a sua própria vida e acções, e as dos
outros patriotas, consagradas à defesa de Portugal contra o domínio
castelhano. Daqui as confusões frequentes, que por vezes temos
notado. Não é pois estranhável que o poeta, descrevendo os presá-
gios de mau agouro que finge precederem a morte de Viriato, fosse
nessa descrição introduzindo factos impressionantes que ia observando
nestes últimos anos, e aos quais, mesmo sem querer, talvez com re-
volta da sua razão, por uma obsessão supersticiosa, por uma fra-
queza a que nem os mais fortes escapam, quando chega a decadência
da vida, dava significação presaga da sua morte, cuja proximidade
não via, mas presentia. Ele mesmo lamentava :
Desdita humana hé, que perto estejão
Da morte os homes, & que não a vejão *.
Se isto assim é, como suponho, Brás Garcia nos líltimos tempos
da existência passava uma vida triste e atribulada, vendo no céu do
seu Avô, nos montes que o circundam, nas fontes, vales e rios que
o embelezam, nas árvores, nas flores, nas aves, nas ovelhas, que
tantas vezes cantara em seus versos e que tanto prazer lhe davam
outrora, nas pessoas de família e nos amigos, que muito estremecia,
repetidos avisos tétricos, constantes anúncios fatais, de que a vida lhe
ia terminar brevemente.
Seja o poeta, quem fale :
O Ceo cuberto de nocturno luto
Parece que sua morte lhe revela,
E que dela presago o moço louro
Avaro à terra occulta o monho de ouro.
Os pátrios montes, ásperos gigantes
Pellos olhos das fontes o choravão :
As plantas braços seus tremendo amantes
Parece que de longe lhe acenavão;
Entre seus pès nos valias retumbantes
As agoas temerosas se queyxavão.
Sendo agoas, plantas, montes, fontes, valles,
Presagios tristes dos futuros males.
As flores, como infermas de advertidas
A se murcharem presto se condenão;
' V. T. VII, 97.
Cap. VIII — UXp declinar da inda 347
As Cáfilas voláteis encolhidas
Com os bicos as penas desordenão ;
As ovelhas das ervas esquecidas
Aos ares balão, porque não serenão :
Que ares, ovelhas, ervas, flores, & aves,
Retratando-lhe estaõ prodígios graves.
As terras, em que mais o festejavão,
Com tristeza mayor o despedião,
1'orq^e todos os rostos se enfiavaõ,
Todos os olhos lagrimas vertião:
Os corações nos peytos se alteravão,
As lingoas ao falar lhe immudecião;
Que lingoas, corações, olhos e rostos,
Adivinhão sua morte, & seus desgostos *.
As apreensões do nosso herói realizam-se emfim. O sol entrara
no signo do Leão; as canículas principiaram destemperadas, com
excessivos calores, mais próprios da zona tórrida, do que daquela
região tão amena.
Brás sente-se doente, e recolhe à cama.
E chamado o vigário Roque Dias de Matos, para confessar e via-
ticar o doente. A família, assustada, cerca-o de carinhos, e aplicalhe
quantas mezinhas a arte medicante aconselha. Nenhuns cuidados
porém conseguem suster o progresso da doença.
Na terça feira (; dia aziago I) 8 de agosto do referido ano da
Graça de i656, quando a lua caminhava para o quarto minguante
(j péssima fase !), na sua casa de Avô, e no quarto cuja rasgada ja-
nela ainda hoje se encontra guarnecida com o mesmo parapeito de
ferro, que nesse tempo a ornava, contemplando da cama, onde jazia, o
formoso lago do Pego, que êle tanto amava e tão entusiasticamente
cantara em seus versos — ali, cercado de sua mulher, de seus cinco
filhinhos, pois o primogénito era falecido, e de suas quatro irmãs que
viviam com êle, tendo junto da cabeceira o irmão Dr. Manuel Garcia,
que na sua qualidade de sacerdote e capelão da família lhe minis-
trava os tjltimos socorros espirituais acolitado pelo outro irmão, o
padre Matias, exalou o liltimo alento Brás Garcia Mascarenhas.
Assim desapareceu desta vida, na idade de 60 anos, 6 meses e
» V. r. XX, 8-11.
34^ 'Brás Garcia oMascarenhas
5 dias, o maior de todos os filhos da fidalga, pitoresca e encantadora
vila de Avô — grande patriota, grande soldado, grande poeta.
Saudoso accento, grave retumbando
Console com piedade artificiosa
A viuva Pátria, que tal filho perde,
Convertendo em cypreste o louro verde '.
Foi sepultado na igreja paroquial de Nossa Senhora da Assunção
de Avô, em sepultura rasa e comum, sem qualquer sinal ou inscrição
que a distinguisse. Passados anos ninguém podia informar onde pa-
ravam os seus ossos.
Nem o vigário da vila cumpriu o dever de lavrar o respectivo
assento de óbito; esqueceu-se. Felizmente Bento Madeira de Castro
teve conhecimento da data da morte por qualquer nota particular da
família, e registou-a^; se não fora isso, nem hoje saberiamos essa
data.
A má sorte, que acompanhou em vida Brás Garcia Mascarenhas,
ainda pois continuou a persegui-lo na morte.
V. r. XX, 2. — í Doe. CXII.
IX
Factos póstumos
■ Por morte de Brás Garcia Mascarenhas ainda não se fez, que me
conste, a partilha dos bens do casal, que tivera por chefe Marcos
Garcia. D. Maria da Costa continuou a viver com seus filhos na
casa que agora era, indevisamente, destes e de seus tios. As dívidas,
noutros tempos contraídas por Marcos, também se não tinham solvido.
Aparecem-nos credores do casal os cunhados de Feliciana Monteiro,
residentes em Anadia '.
D. Maria Madeira da Costa, a sogra de Brás, continuava a dar-se
mal com a família de seu genro, hostilizando-a, quando para isso se
oferecia ocasião.
Pouco tempo sobreviveu D. Maria da Costa ao marido. Depois
de viiiva, sempre triste e doente, sempre inquieta com a preocupação
do futuro dos filhos, que na morte do pai haviam perdido a melhor
garantia de felicidade. No declinar do ano de ibb^ achava-se tão
definhada, que não era preciso ser profeta para prever um desenlace
a curto prazo.
Chegam as festas do Natal. Em casa dos Garcias Mascarenhas
foram esses dias de tristeza e angústias. Receavam-se complicações
desastrosas na liquidação da herança pelo falecimento de D. Maria da
Costa, que estava iminente. Não era herdada de pai nem de mãe,
ambos ainda vivos. Seu falecido marido nunca fizera partilhas com
os irmãos. Estava pois bastante embrulhada a situação do casal.
Por parte da sogra havia a temer todas as hostilidades, pelo ódio
que tinha a esta família, não exceptuando os próprios netos, pois
todas as suas simpatias iam para os nascidos de suas filhas Isabel
e Ana, ambas casadas em Moimenta da Serra 2. Temia-se, pelo menos,
> Doce. LXXXIX e CVII. — * Not. geneal. III, v b. 2 e 4.
3So 'Brás Garcia ^Mascarenhas
que viessem demandas longas, intermináveis, que devorariam parte
dos bens do casal.
Ponderada a situação numa espécie de conselho de família, to-
mou-se uma resolução, cujas vantagens e eficácia não posso aquilatar.
A viiiva, apesar-de doente in extremis, foi decerto conhecedora e
conivente. Assentou-se no seguinte: — que os irmãos e as irmãs sol-
teiras de Brás Garcia, isto é, Manuel, Pantaleão e Matias, Ana, An-
tónia e Isabel, fizessem um testamento de máo-comum, em que
instituíssem uma capela, à qual ficassem vinculados todos os seus
bens, que seriam administrados por eles enquanto vivos, revertendo
os direitos dos que fossem morrendo para os sobreviventes. Por
morte do último, seriam os bens divididos em duas partes iguais, e
ficaria com a administração de uma das metades seu sobrinho Tomás
Garcia Mascarenhas, filho do seu falecido irmão Brás, e na da outra
metade sua sobrinha Maria Monteiro, filha de sua irmã Feliciana,
residente em Anadia; com a cláusula porem de que, se em algum
tempo os tios paternos da dita sua sobrinha viessem a exigir alguma
dívida contraída por seu pai Marcos Garcia, de que eles fossem cre-
dores, tal dívida seria paga somente pela referida Maria Monteiro,
ou por seus herdeiros nos bens do vínculo. Acautelar-se hiam todas
as hipóteses sobre sucessão em cada uma das partes dos bens vincu-
lados, como costumava fazer-se ordinariamente em semelhantes in-
stituições *.
Havia porém uma dificuldade a vencer na execução deste plano.
Era preciso que de tudo se guardasse completo segredo, e por isso
não podiam pensar em fazer a escritura em Avô, onde não seria fácil
obter inteiro silêncio das testemunhas ; ; e quem lavraria a escritura ?
; o tabelião Bernardo Duarte de Figueiredo, cuja causa criminal
contra o padre Matias andava então correndo pelos tribunais eclesiás-
ticos ?
Pretextou-se qualquer motivo para irem todos em certo dia a
Travanca-de-Farinha-Pôdre, e, deixando em Avô a cunhada com
seus filhos, partiram em direcção ao priorado do Pantaleão; mas a
certa altura enveredaram para Norte, passaram o Mondego, e, en-
trando no termo da vila de Ovoa, foram até ao fundo do Vale do
Castitiçal, junto ã estrada que vem do lugar do Sobral. Aí os
aguardava Manuel de Lindos {?), tabeUao do piiblico, judicial e notas
daquela vila e seu termo, para isso prevenido, e mais ^eis testemu-
» Doe. LXXXIX.
Cap. IX — Factos póstumos 35 1
nhãs, trazidas ad hoc de Travanca pelo padre Pantaleão. Logo
ali em continente, aos 3o de dezembro de 1659 ', foi lavrada a escri-
tura.
Voltando para Avô, ainda assistiram à cunhada nos seus últimos
dias, pois veiu a falecer a 4 de janeiro de 1660, depois de ter rece-
bido os sacramentos, sem fazer disposição alguma testamentária 2.
D. Maria da Costa Fonseca tem sido injustamente acusada de não
haver salvado pela publicação as obras de seu marido, j Pobre se-
nhora ! Só poderá cometer tal injustiça, quem desconheça as condi-
ções de vida da infeliz viúva durante esses atribulados três anos e
alguns meses, que sobreviveu ao poeta.
A capela em que foi instituído o vínculo pelos Garcias Mascare-
nhas em seu testamento, era sita na igreja do convento do Buçaco,
tendo por contrato verbal sido cedido pelos carmelitas o respectivo
padroado. A escritura desta cedência veiu a ser feita 3 meses de-
pois, a 3o de março, e nela figura como comprador o padre Pantaleão
apenas, que reservou o direito de ali ser sepultado êle e os seus su-
cessores no vínculo ^
E não tiveram os bons dos frades de esperar muito pelo cadáver
do Pantaleão, que faleceu em Travanca-de-Farinha-Pôdre a 14 de
outubro imediato, sendo logo transportado para o dito convento *.
A seguir foram desaparecendo deste mundo os irmãos: — Manuel
a 21 de janeiro de 1662 ^ Ana a 10 de fevereiro de i663*, e Matias
a 23 de dezembro de 1664 '. Só restavam a Isabel e a Antónia,
' Diz o sr. Visconde de Sanches de Frias que o referido testamento se lavrou
em 3o de dezembro de 1660. (O Poeta Garcia, pág. 24, nota). — Esta asserção re-
pousa sobre um equívoco, havendo erro de um ano na interpretação da data da
escritura, que constitue o doe. LXXXIX. Escreveu o tabelião: — no anno do na-
cimento de noso Senhor Jesus Cristo de mil e seis centos e sesenta amws por ser
pasado dia de natal em os trinta dias do mes de desembro etc. A redacção desta
última parte nos revela claramente que o tabelião seguia o uso, que não era raro,
de antecipar uma semana o começo do ano, principiando a 25 de dezembro, dia da
festa do Natal, a datar do novo ano do Nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo.
Se a escritura fosse de 3o de dezembro de 16G0, não podia figurar nela como parte
o padre Pantaleão Garcia, falecido em outubro precedente (Doe. XCII).
' Doe. XC — í Doe. XCI.-* Doe. XCII. — ^ Doe. XCIV. — « Doe. XCV. —
' Doe. XCVII.
ÇJ/Cm^<^cia94^^^
352 Uras Garcia ^Mascarenhas
sôbre as quais ticou impendendo o pesado encargo de cuidarem
da educação e do futuro dos sobrinhos, que viviam na sua compa-
nhia.
Tomás Garcia, o mais velho destes, pois o António morrera
de tenra idade, foi destinado à car-
reira eclesiástica, por melhor lhe
garantir uma colocação honrosa,
, . j T- r- „ , , sem grandes despesas. Lá ia estu-
Assinatura de Tomas Garcia Mascarenhas '. O r
dando o latim, a lógica e a retó-
rica; em 1664 habilitou-se para a recepção át prima-tonsura e or-
dens menores *. Então reaparecem neste processo de inquirição de
genere os rumores de impureza de sangue, que acompanhavam a
família, dos quais já noutro tempo se fizera éco o vigário da vila,
Roque Dias de Matos, chamando judeu (ou cristão-novo) ao padre
Simão Madeira, eremitão de Nossa Senhora do Mosteiro, de Avô ';
mas fazendo duas testemunhas referência a esses rumores, acres-
centaram que eram infundados, como Simão Madeira demonstrara
em juizo, sendo o vigário condenado por sentença pelo crime de
caluniador *.
Arranjaram os amigos de Brás Garcia para dote de Isabel, a
mais velha das filhas do poeta, a propriedade do ofício de escrivão
geral das cisas e panos, que havia sido desempenhado por seu avô e
por seu pai, e que agora seria servido pela pessoa que viesse a casar
com ela. Tem o diploma régio a data de 6 de agosto de 1670^.
Assim se ia procurando providenciar sôbre o futuro dos órfãos.
Entretanto o jovem Tomás aspira a mais alguma cousa do que
ser simples padre de Reqitiem; sente-se com forças para conquistar
os pergaminhos universitários. Prepara-se, faz o seu exame de su-
ficiência, e matricula-se, em outubro de 1672, nos cursos de Instituta,
que constituíam o primeiro ano comum das faculdades jurídicas de
Cânones e de Leis. Durante este ano trava relações amorosas com
1 A.U. — Esta assinatura firma a sua matrícula na cadeira de Instituta. — A/<7-
triculas, vol. 16, 1. 3, fl. log v.°.
2 Doe. XCVI.
5 Vid. supra, pág. 16, nota 4, e pág. 166 e segs.
* Doe. XCVI. — Vê-se claramente no processo de habilitação para familiar do
Santo Oficio do padre António Madeira (iSçi), que o fundamento desses rumores
estava apenas no facto de ser baça ou mestiça Leonor Fernandes, mulher de Hen-
rique Madeira Arrais, tronco da família materna do poeta e da de sua mulher.
s Doe. XCIX.
Cap. IX — Factos póstumos 353
uma menina, de quem nada mais sei do que o nome de Comba da
Conceição, e casa com ela nos fins daquele ano lectivo de 1672-1673.
Provou ter frequentado as quatro cadeiras de Instituía desde o prin-
cipio de outubro até ao fim de maio; provou mais assistir na Univer-
sidade aos exames dos bacharéis nos meses de junho e julho, e assim
ficou com a frequência do i ." ano jurídico validada •.
Mas a infelicidade, que acompanhou o poeta durante quase toda
a vida, continuou ainda depois da morte a perseguir-lhe os filhos.
Brás falece a 25 de novembro de ibyS *; Tomás, minado pela doença,
não pode prosseguir nos seus estudos, recolhe a Avô, onde, sem
deixar geração, termina os seus dias a 9 de abril de 1674 3; é seguido
de perto ao túmulo pela irmã mais nova, Maria, a 20 de julho de
1675'; a mais velha, Isabel, pouco sobrevive, expirando a 8 de ja-
neiro de 1Ó76 ^: e assim, em pouco mais de dois anos, morrem quatro
dos cinco filhos que Brás Garcia deixara, restando apenas a Quitéria.
O oficio de escrivão das cisas e dos panos, reservado para o futuro
marido de Isabel, não passou em dote, por nova mercê régia, á irmã
Quitéria, como era razoável; apenas aquela morreu, foi dado a pessoa
estranha à família ^.
Em princípios do ano de 1676, a casa dos Garcias Mascarenhas
de Avô era pois habitada somente por duas pobres velhas, Isabel e
Antónia, irmãs do poeta Brás Garcia, contando uma 71 e a outra
68 anos, e pela única filha existente do mesmo, D. Quitéria, senhora
de 24 anos e meio.
,; Só por estas três mulheres ?
Não, infelizmente. Havia um quarto morador, a quem D. Qui-
téria tratava por primo Manuel. ; Donde lhe viera este priminho ?
Vamos sabê-lo.
Quando Matias Garcia habitava na residência paroquial de Tra-
vanca, aí pelos anos de 1645-1(346, seduziu uma rapariga do lugar,
bem reputada, que então contava 23 anos. Chamava-se Ana Duarte,
e era filha de João Jorge e Maria Duarte, lavradores abastados,
muito bem vistos e queridos na terra '.
Procuraram encobrir quanto possível, aos olhos de todos, as re-
lações que mantinham; mas nos fins do ano de 1646 não podia ela já
» Doe. C. — z Doe. Cl. — J Doe. CII. — ♦ Doe. CHI. — » Doe. CIV. — « Doe. CV.
— ' Doe. XXV.
23
354 ^rás Garcia Mascarenhas
ocultar por mais tempo a sua falta. Para evitar o escândalo, e o
descrédito da rapariga, foi o Matias a Bobadela falar com sua tia
paterna Isabel Antunes, e fez-lhe confissão sincera do ocorrido ; então
esta dispôs tudo para que a Ana Duarte fosse recatadamente reco-
lhida em casa de família discreta, onde deu à luz uma criança do sexo
masculino, a quem, a i8 de fevereiro de 1647, foi no baptismo im-
posto o nome de Manuel"', sendo padrinho José Marques, de Olivei-
rinha, primo inteiro do pai da criança ^, e madrinha a dita Isabel
Antunes, sua tia ^. As relações entre os dois jovens tinham cessado.
Depois disto, Matias recebeu ordens sacras, e foi paroquiar An-
ceriz; passado algum tempo, trouxe o filho, ainda criança, para Avô,
e entregou-o a suas irmãs, em cuja companhia cresceu, até ser
homem *.
Viviam juntos e na maior intimidade os dois primos, intimidade
inconveniente e cheia de perigos. Vm dia, em 1674 ou 1675, tendo
D. Quitéria de 23 para 24 anos e o Manuel cerca de 28, esquece-
ram-se do que deviam à sua honra e ao bom nome da família.
; Pode-se imaginar o enorme desgosto que este desastre causou
às duas pobres velhinhas e à parentela mais chegada !
O mal estava feito; era necessário saná-lo. Mas não podiam
casar sem dispensa do impedimento que havia: o próximo parentesco
de 2." grau de consanguinidade. Escreveu-se para Roma a pedi-la
com urgência, e, quando veiu, obteve-se do bispo-conde D. Fr. Álvaro
de S. Boaventura um despacho, em que permitia que o casamento se
fizesse na igreja paroquial de Galizes, recatadamente, longe da fa-
mília e dos vizinhos, para se evitarem novos ditos, comentários e
vexames.
Ali se realizou efectivamente o matrimónio a 1 1 de fevereiro de
1677 s.
É uma página bem triste da história da família dos Garcias Masca-
renhas de Avô, esta que acabo de esboçar; nem eu teria coragem para
tocar em tal assunto, se ainda fosse inédito. Por um bem natural
sentimento de piedade e comiseração, e pela simpatia e respeito que
nos merece a memória de Brás Garcia Mascarenhas, eu deixaria
esta folha em branco e passaria adeante, sem que a consciência me
1 Doe. LXVIII; — cf. doe. CXVI.— 2 Notas geneal. I, iii, c, 3.
' Notas geneal., I, ui, c, 8. — ■• Doe. CXIII. — 5 Doe. CVI.
Cap. IX — Factos póstumos 355
acusasse de ter faltado ao dever de cronista. Mas o caso deu em
Avô e cercanias tal brado e causou tanto escândalo, que a sua me-
mória transpôs as gerações e os séculos e chegou até nós. A culpa
desta longa notoriedade e retumbância cai principalmente sobre a
avó de D. Quitéria, a velha odienta e rancorosa, que até á morte
mostrou a preversidade que lhe ia na alma.
No testamento de D. Maria Madeira da Costa, aprovado em
i6 de dezembro de 1680, achando-se já sanada pelo matrimónio
aquela desgraça, lê-se um trecho repugnante, reproduzido pelos
genealogistas que se ocupam do ramo avoense dos Garcias Masca-
renhas, e já publicado no seu livro O poeta Garcia pelo sr. Vis-
conde de Sanches de Frias '. ; Aquela mulher, no referido testa-
mento, desherda sua neta, contando ao vivo, em termos despejados
e repelentes, a desgraçada falta em que ela caíra, embora o casa-
mento houvesse legalmente apagado essa nódoa I ; É um período
infame, que define bem o ódio vesgo da megera desnaturada que o
ditou I Se não fora essa declaração testamentária, ninguém hoje
saberia de tal episódio doloroso de família; passaria sem reparo o
facto de haver nascido o primogénito antes do casamento dos pais,
porque, de certo propositadamente, para evitar, quanto possível, que
ficassem para o futuro vestígios daquela irregularidade, deixou de se
lavrar o assento do seu baptismo.
Mas, àlêm de ser infame, esta denúncia está cheia de falsidades
para mais denegrir a falta. Dá o Manuel Garcia Mascarenhas
por filho espúrio do Padre Matinas, o que é falso, porque foi ge-
rado sendo este ainda leigo -, ou, mais rigorosamente, quando era
simples minorista. Afirma que a mãe, Ana Duarte, então ainda viva,
alem de ser de gente vil e baixa, é molher de ruim fama; o que não
passa de flagrante mentira, pois os pais, embora fossem de categoria
social modesta, eram contudo lavradores dos principais da terra,
gente honrada e de vergonha. Ana Duarte nunca foi molher de ruim
fama, apesar de haver tido a infelicidade de cair naquela falta, que
se tornou do domínio piiblico; depois desta infelicidade, ela, pelo seu
bom comportamento e pelas suas estimáveis qualidades, continuou a
ser bem vista de toda a gente ^. Apareceu-lhe mais tarde, ao fim de
14 anos de vida irrepreensível, um bom homem de Travanea-de-Fa-
rinha-Podre, também lavrador, viúvo, de nome Sebastião Marques,
' Pág. 27, nota I.
» Doe. CXIII. — 5 Doce. CXIII e CXV,
356 'Brás Garcia ^Mascarenhas
a pedi-la em casamento a seu pai João Jorge, a esse tempo também
já viúvo. Casaram a 5 de outubro de 1661 ', e alguns meses depois,
a 17 de fevereiro de 1662, morreu-lhe o dito pai; a 1 1 de agosto deste
último ano foi-lhe baptizada uma filha com o nome de Maria ^. Ficou
viúva a 16 de maio de 1674^, e veiu a morrer a i5 de novembro de
1684 *, sem que nesse período de 87 anos, decorridos depois do
nascimento do seu filho bastardo, houvesse alguma nota a macular-lhe
a reputação. E o que resulta da leitura dos processos de inquirição
de genere, que correram para as ordenações de Brás Garcia Masca-
renhas e MarRjel Garcia Mascarenhas, filhos de D. Quitéria, e por-
tanto netos paternos de Ana Duarte ^.
Nasceram a D. Quitéria três filhos e uma filha: — José, ai por
cerca de 1676; Manuel, que foi baptizado a 8 de setembro de 1678;
Brás a 9 de fevereiro de 1680; e Maria a 7 de Março de i685.
Em 1681, quando dos irmãos do poeta Brás Garcia só restavam
Isabel e Antónia, estas, por escritura de 27 de janeiro, lavrada pelo
tabelião Alexandre de Figueiredo Jácome ^, revogaram o testamento
de mão-comum que com seus irmãos haviam feito em lõSg, e funda-
ram um novo vínculo'. Nomearam administradores deste, depois da
morte da última delas, seus sobrinhos D. Quitéria e marido, devendo
suceder a estes o filho mais velho. A sucessão continuaria sempre
na linha da primogenitura legítima masculina, e na falta de descen-
dência legítima masculina passaria à feminina, igualmente legítima.
Faz-se nesta escritura menção de todos os prédios compreendidos na
instituição, que são trinta e dois, figurando em piimeiro lugar a casa
de habitação onde residiam, e que ainda hoje é habitada por um dos
netos do último administrador do vínculo. Explicam a revogação da
primitiva instituição vincular, de metade da qual deveria ser adminis-
tradora sua sobrinha Maria Monteiro, de Anadia, e sua descendência.
' Doe. XCIII.
' C. S., Registo paroquiai de Travanca-de-Farinha-Podre, 1. 1, cad. 2, fl. 14.
' Ibid., cad. 5, fl. inumer.
« Ibid., cad. final, fl. 78.
5 Arquivados na C. E.
* Filho de Bernardo Duarte de Figueiredo. — Notas geneal. III, vi, a, 3.
1 Doe. CVII.
Cap. IX — Factos póstumos 35 j
A explicação c esta: — havia sido na escritura testamentária posta a
cUlusula de que ficaria a cargo desta pagar quaisquer dividas, que
restassem das que seu avô Marcos Garcia contraíra com os cunhados
de sua filha FeUciana, tios da dita Maria Monteiro; ora, em vez de
assim se fazer, vieram os ditos tios vexar com uma execução os
herdeiros de Marcos pela dívida de lyo-Tíooo reis, ou mais. Des-
gostos e aborrecimentos de família, que deram em resultado ficarem
todos os bens do casal reunidos e vinculados em posse da única filha
do poeta, que teve descendência.
Brás deixou inéditas as suas obras literárias todas. Estafam es-
critas em cadernos, que êle guardava cuidadosamente, fechados talvez
na gaveta do bufete de castanho, que ainda hoje se conserva na sala
nobre da sua casa de Avô, com a restante mobília do século xvii,
grandes cadeiras de braços, de carvalho, substituído vergonhosa-
mente o antigo estofo de damasco por tábuas de pinho.
Nem um só dos versos de Brás Garcia chegou a ser impresso em
vida do autor; e, depois da sua morte, a má fortuna perseguiu-lhe a
família, como acabamos de ver, não havendo ocasião asada para em
tal se pensar.
Em 1671 publicou-se um livru, em cujo frontispício se lê: — A
destruiçam I de Espanha, / reslaiiraçam siimmaria / da mesma. / Ao
Princepe / Dom Pedro / nosso Senlioi; / Governador, & legitimo Siic-
cessor do Reyno / de Portugal, j (Armas reais, encimadas pelo dragão
em timbre) /Por o Doutor André da Sf Iva I Mascarenhas, do De-
sembargo do dito Senhor. / lÀsboa. Com as licenças necessárias, j
Por António Craesbeeck de Mello, Impressor do / Princepe N. S.
Anno i6ji. — As licenças, que traz no fim e no princípio, são da-
tadas, a primeira de 1 de setembro de 1669, a última de 5 de junho
de 1671.
É um poema em oitava rima, distribuído em 9 cantos, denomina-
dos livros; tem por assunto a queda do reino visigótico pela invasão
muçulmana, e o começo da restauração pelo início da reconquista
cristã. Vem antecedido de um prefácio do autor ao leitor, e de vários
elogios encomiásticos em versos portugueses, latinos e espanhóis,
assinados por diversos, entre os quais figura a M.^ Violante do Céu.
Pois nesse livro encontra-se o corpo de delito de um estupendo
roubo literário, descarado e escandalosíssimo. De plagiato se lhe
358 ^rás Garcia ^Mascarenhas
tem dado o nome; é certo porêm que uma grande parte do poema
não passa de simples cópia de longas séries de estâncias do Viriato
Trágico. Confronte quem quiser os dois poemas, e encontrará,
entre várias outras transcrições, as seguintes: só no livro III da Des-
triiiçam de Espanha, a série de onze estâncias compreendendo os
n."* 26-36 são cópia da série n."* 2-12 do canto iv do Viriato Trágico;
as trinta e uma que teeni os n."* 39-69 reproduzem a n.° 6 e de 8 a 37 do
canto u; finalmente as dezasseis que vão do n." 71 a 86 lêem-se no
canto IV, onde teem os n."* 14-32. K não se diga que foi só neste
livro III que o desembargador se apropriou da fazenda alheia. No
livro IV as nove estâncias 98-106 são trasladadas do canto v, estân-
cias 2-10; no livro V lemos, sob os n."' 7-8, as estâncias 1-2 do
canto XX, e com os n."^ q-i3 as cinco de igual numeração do mesmo
canto; na que tem o n." 16 lá estão engastados cinco versos da es-
tância 7.* do canto xv. E assim por deante.
Mas i quem era este extraordinário gatuno literário, que se enco-
bria com a beca de alto magistrado judicial ? Vamos sabê-lo.
O Doutor Aucire da Sylra Mascarenhas, do Desembargo do Prin-
cepe D. Pedro, nosso Senhor, Governador, 6' legitimo Successor do
Rejno de Portugal, na interdição del-rei D. Afonso VI, tem sido até
hoje um desconhecido para toda a gente. Sabia-se apenas que figu-
rava como autor do poema .1 Destruiçam de Espanha. ; Qual a sua
família e naturalidade, as suas carreiras académica e judicial .' Nada
se sabia.
O sr. Visconde de Sanches de Frias apenas diz a tal respeito que
êle — , pelo apelido e vizinhança da sua naturalidade, parece apa-
rentado dos Mascarenhas, de Ai'ó •. Mas i qual era a sua naturali-
dade ?
Inocêncio Francisco da Silva escreveu a respeito deste publicista :
— Doutor em Leis pela Universidade de Coimbra, Desembargador
da Relação do Porto, de que tomou posse a 20 d' Agosto de i6y3. —
Consta que/ora natural de um logar da Beira alta, nos limites do
bispado de Lamego; — e mais adeante, referindo-se aos furtos por
êle feitos à obra de Brás Garcia Mascarenhas, acrescenta — que pa-
' O poeta Garcia, pág. 64.
Cap. IX — Factos póstumos 35 g
rece seria até seu próximo parente, a julgarmos pela identidade dos
appellidos e proximidade das pátrias d'ambos *.
Antes destes, Barbosa Machado referiu que André da Silva Masca-
renhas foi — natural de hum lugar da Beira entre os limites do Bis-
pado de Lamego, Doutor na faculdade de Direito Cesáreo ^. — Eis a
fonte onde todos foram beber. De um modo vago, Barbosa Machado
disse que ele era do bispado de Lamego. Não foi preciso mais : era
da província da Beira, usava o apelido de Mascarenhas, logo, inferi-
ram os outros, deverá ser parente do poeta.
A averiguação precisa e séria destes dois pontos — naturalidade e
suposto parentesco — tem muito interesse para se vêr como é que
André da Silva conseguiu apropriar-se de um exemplar do Viriato
Trágico, poema cuja existência era conhecida apenas de uma roda
muito restrita de amigos do poeta, e de que pouquíssimas cópias se
tiraram, talvez somente aquela que pelo desembargador foi aprovei-
tada. Este viveu na persuasão de que nenhum outro exemplar sub-
sistia; aliás não se atreveria a trazer à publicidade com o seu nome
de autor á frente, um poema, que em grande parte não passava de
obra alheia. Era preciso que estivesse bem seguro de não poder ser
desmascarado; que supusesse com sério fundamento hão existir outro
exemplar àlêm do seu.
Se êle pertencia realmente a família, compreende-se que obtivesse
por empréstimo da mulher do poeta, ou, mais verosimilmente, do
irmão Dr. Manuel Garcia, o próprio autógrafo, que o conservasse
em seu poder algum tempo, até morrer quem lho emprestara, e mais
tarde, seguro de que já lho não exigiam, e supondo de todo o ponto
inverosímil que alguém o tivesse copiado, realizasse então o latrocínio
e a publicação, persuadido de que não poderia jamais ser descoberto.
A hipótese porem cai pela base. Arquitectou-se este castelo de
cartas, que um sopro faz vir abaixo. André da Silva nem era da
Beira, nem tinha parentesco algum com os Garcias Mascarenhas ;
também não pode ser contado entre os doutores em leis pela Univer-
sidade de Coimbra. Tudo pura fantasia dos biógrafos.
Vejamos o que consegui averiguar.
Fazendo parte da magistratura judicial, André da Silva tinha,
sem dúvida, um curso universitário jurídico, probabilissimamente na
' DiccioiíLirio bibliographico portugue:^.
^ Bibliotheca lusilana.
36o ^rás Garcia ^Mascarenhas
Universidade de Coimbra, como refere Inocêncio da Silva. Foi
para aqui que dirigi as minhas primeiras investigações.
Rebusquei no Arquivo desta Universidade os termos de Matrículas
nos cursos de Institiita. comuns às duas faculdades jurídicas, e nos
de Cânones e de Leis, e bem assim os assentos de Provas de curso
e os de Autos e graus, retrogradando de i665 para trás. Entre os
estudantes que frequentaram as faculdades de Cânones e de Leis e
que nelas fizeram actos e se graduaram nos 48 anos decorridos de
1(322 a i665, não encontrei nenhum André da Silva Mascarenhas,
nem André Mascarenhas ; mas achei um único André da Silva.
l Seria este ?
Reparei no nome do pai, constante dos termos de matricula: não
usava nem o apelido Silva, nem Mascarenhas, pois se chamava muito
chãmente Manuel P^ernandes Camarena. Percorri os livros de Provas
Assento de malriculd de André da Silva na faculdade de Leí>, a i3 out. 1(340 *.
de curso respeitantes ao período em que este André da Silva foi
aluno da Universidade; só ali é que, por acaso, poderia aparecer
a sua assinatura, como testemunha abonatória da frequência de algum
condiscípulo. Esta indagação deu resultados completos para a iden-
tificação. Encontrei três assinaturas suas: a i.* diz simplesmente
André da Silua-; a 2." e 3.* estampam um segundo apelido — André
da Silua M\q^^ abreviatura bem conhecida de Mascarenhas.
Encontrara pois o nosso homem a frequentar a Universidade ; e
de todos os termos que dele rezam, com excepção de um, consta
qual a sua naturalidade : era de Lisboa. Andam por tanto erradas
as notícias transmitidas por Barbosa Machado, Inocêncio da Silva e
Sanches de Frias.
Apurei o curriculum uitac academicae do autor do furto literário
a Brás Garcia.
Frequentou o primeiro curso de Artes no convento de S. Domin-
1 kM. — Matriculas, vol. 8, 1. G fl. 38 v.°.
' Provas de curso, vol. 21, 1. i, fi. i5 v.".
3 Ibid., 1. 2, fl. i5 e H. 3i v.".
Cap. IX — Factos póstumos 36i
gos em Lisboa *, e depois apresentou-se na Universidade de Coimbra
em outubro de 1634, a fazer a sua primeira matrícula, com certidão
de suficiência nos conhecimentos preparatórios, datada de 14 do
mesmo mês ^. Neste ano
lectivo de i634-35 frequen'
tou as quatro cadeiras de 4
Instituta^; em 1 635-36 cur- ( '/^9,,'n^^Lc^
sou seis cadeiras de Leis *;
em i636-37 seis de Câno-
nes^; em 1637-38 quatro . . ^ » ^ . j c, „ , •
' ' ' Assinatura de André da Silva Mascarenhas ■.
de Leis^; em i638-39 ma-
triculou-se em Leis a 16 de outubro*, não ficando registo da sua
prova de curso, entretanto a 17 de maio deste ano fez o seu acto
de bacharel e recebeu o grau em Leis''*; em 1639-1640 frequentou
duas cadeiras de Cânones*''; em 1640-41 duas de Cânones**, e
concluiu pelo respectivo acto, a 27 de maio, a sua formatura na fa-
culdade de Leis **. Saiu pois de Coimbra em maio de 1641, levando
as suas cartas de bacharel formado, e não mais voltou à Universidade
como candidato aos graus superiores.
Assim caiu por terra quanto se tinha dito e escrito para explicar
o facto de ter ido parar às mãos deste Mascarenhas de contrabando
o manuscrito do poema composto pelo outro Mascarenhas, esse
autêntico. Nem eram da mesma região, nem tinham laços de paren-
• Obteve depois uma provisão régia, mandando levar em conta este curso, a
qual foi apresentada na secretaria da Universidade no ano lectivo de i636-37, onde
ficou registada. — A.U. — Provas de curso, vol. 22, 1. i, fl. ty.
2 Matriculas, voi. 7, 1. 5, fl. 42 v.".
' Provas de curso, vol. 21, 1. 1, fl. i5 v.°.
• Matriculas, vol. 8, 1. 1, fl. 33 ; — Provas de curso, vol. 21, 1. 2, fl. 14 v.».
^ Matriculas, vol. 8, 1. 2, fl. 19 v.°; — Provas de curso, vol. 22, 1. 1. fl. i5.
'• Matriculas, vol. 8, 1. 3, fl. 3j; — Provas de curso, vol. 22, I. 2, fl. i5.
" Provas de curso, vol. 21, 1. 2, fl. 52 v.".
' Matriculas, vol. 8, 1. 4, fl. Sg v.°.
' Autos e graus, vol. 3i, 1. 3, fl. 69 v.°.
'" Matriculas, vol. 8, 1. 5, fl. 39 v.»; — Provas de curso, vol. 23, I. 2, fl. 10 v.».
" Matriculas, vol. 8, 1. 6. fl. 38 v."; — Provas de curso, vol. 24, 1. 1, fl. 7 v.«.
'2 Autos e graus, vol. 32, 1. 2, fl. 76 v.°.
302 'Brás Garcia Mascarenhas
tesco, nem, provavelmente, se conheciam. Havia um fortuito en-
contro do mesmo apelido nos dois, mas Brás usava-o jure hereditá-
rio, enquanto que em André o Mascarenhas não passava de um
anagrama, de ares afidalgados, do Camarena, plebeíssimo apelido
(se não era alcunha) do pai. Dando outra disposição às letras, e
introduzindo dois ss, que lá não existiam, arranjou para si o apelido
Mascarenas ou Mascarenhas, de famílias nobres de Portugal e Es-
panha. Vê-se que desde novo o acompanhou a mania de cobiçar
nobreza que não tinha, e de se apropriar do que não era seu; de
eugenetómano passou a cleptómano.
l Como poude êle então obter o manuscrito do Viriato Trágico,
não tendo laços alguns, nem de família, nem de província com os
Garcias Mascarenhas de Avô, para quem era um estranho, um des-
conhecido ?
As investigações ainda não estavam concluídas. Talvez o curri-
culum uitae iudiciariae do nosso desembargador fornecesse algum
elemento para a solução do problema.
F^screvi ao meu bom e velho amigo sr. Pedro de Azevedo, i." con-
servador da Torre do Tombo, a pedir-lhe noticias, e em breve recebi
da sua incansável amabilidade esclarecimentos preciosos, acompa-
nhados de cópias diplomáticas de vários registos das Chancelarias de
D. João IV e D. Afonso VI.
O licenciado ' André da Silva Mascarenhas, depois de ter servido
o cargo de juiz-de-fora na vila de Chaves, e em seguida o de corre-
gedor da comarca da cidade de Miranda ^, foi nomeado por diploma
régio de 17 de novembro de lõSg para o logar de corregedor da
cidade da Guarda, por tempo de três anos ^. Mais tarde foi provedor
da comarca e vila de Santarém*; em 1671 já êle se decorava, no
frontispício do seu livro, com o título de desembargador; no ano de
1673 foi provido em um logar de desembargador extravagante da
relação e casa do Porto ^; finalmente em 1694 passou ao de desem-
bargador dos agravos da mesma casa *.
' Era o tratamento que geralmente se dava naquela época aos bacharéis for-
mados.
2 Chancelaria de D. João JV, 1. 22, fl. i63.
' Chancelaria de D. A/onso VI, 1. 21, fl. 92.
♦ Ibid., 1. 37, fl "37,
^ Ibid.
6 Ibid., I. 46, fl. i3o V.».
Cap. IX — Factos póstumos 363
Ora, durante a sua estada de três anos na Guarda, era bem pos-
sível que lhe chegasse às mãos o ]'iriato Trágico. Brás Garcia,
apenas terminado o seu poema, naturalmente enviaria uma cópia a
qualquer dos generais ou oficiais, seus amigos e admiradores, que
militavam na fronteira, com o qual mantivesse correspondência afec-
tuosa; e esse exemplar, por uma série de circunstâncias fortuitas,
poderia, decorridos anos, ir parar às mãos do corregedor da Guarda.
E perfeitamente verosímil esta hipótese.
Apresenta-se-me porem uma outra, do mesmo modo verosimil, e
talvez mais provável ainda.
André da Silva Mascarenhas tinha um irmão, militar aguerrrido,
e patriota cheio de serviços, que se chamava Manuel da Silva Boto.
Em 1641 a conspiração contra D. João IV, em que se acharam im-
plicados alguns fidalgos da primeira nobreza, foi descoberta e denun-
ciada por um Manuel da Silva Mascarenhas. ; Haverá entre eles
alguma relação ? Ignoro-o.
Manuel da Silva Boto residia na vila de Moimenta da Beira, bis-
pado de Lamego, onde era capitão-mór havia muitos anos ', e onde
tinha gente miliciana sempre equipada e pronta a combater à pri-
meira voz. Todas as vezes que se dava alguma invasão castelhana
nos territórios de Riba-Côa, ou que ali se realizava qualquer operação
militar ofensiva ou defensiva, êle, ao mais leve rebate, ao mais
simples aviso, reunia logo a gente do seu distrito armada, corria a
Pinhel, juntava-se com a tropa paga que guarnecia esta praça, e dali
ia combater com denodo o inimigo, entrando várias vezes por terras
de Espanha. Assim é que tomou parte activa nos sucessos de Aldeã
do Bispo, castello da Guarda e outros muitos de incêndios de villas
e lugares de Castella, sendo dos que milhor Ji~erão sua obrigação e,
também não faltou no incêndio da villa de Albergaria -.
Tudo isto foi alegado e provado por seu irmão o licenciado André
da Silva Mascarenhas. Em virtude disso foi concedida ao dito Ma-
nuel da Silva, por diploma de 28 de abril de 167 1, em satisfação
de tudo, uma renda de 20^000 reis, assinados no almoxarifado da
Guarda ^.
Deve notar-se que Aldea-del-Obispo foi tomada e queimada por
D. Sancho Manuel em 1642; o assalto, saque e incêndio na vila de
Albergaria, sem se conseguir tomar o castelo, realizou-se sob o co-
' Daqui resultou o atribuir-se esta naturalidade ao irmão
' Chancelaria de D. Afonso V, 1. 43, fl. 179 v.' — ' Ibid.
304 'Brás Garcia oMascarenhas
mando de D. Álvaro de Abranches a 3o de agosto de 1643, tendo
nesta empresa parte importante a tropa auxiliar, entre a qual a de
Moimenta, que foi retida perto de vinte dias em Alfaiates pelo general,
imaginando viria o inimigo tomar satisfação da queima de Altter-
garia *.
Militaram pois na mesma região e serviram com dedicação e pa-
triotismo a causa da pátria, combatendo por ela na mesma fronteira
e pela mesma época, os dois capitães, Brás Garcia e Manuel da
Silva. E pois bem natural que tivessem travado relações de bôa
amizade, e nada inverosímil que o poeta brindasse o capitão-mór
com uma cópia do Viriato Trágico, se porventura este fosse um
intelectual, e nada nos diz que o não era. i Seria da mão de seu
irmão que André da Silva recebeu o exemplar do poema ? E pos-
sível.
Fosse porém como fosse, o que é certo é que o manuscrito caiu
em poder do juiz, e que este, sabendo que o autor era já falecido, e
supondo que ninguém mais conhecia o poema, persuadido leviana-
mente de que o poeta não deixara outro exemplar, entendeu que
podia aproveitar dele tudo aquilo que lhe conviesse, e apresentar,
como obra sua, bôa parte dele, sem perigo de jamais ser descoberto
o latrocínio.
|j E seria de entre os manuscritos de Brás Garcia, somente o Vi-
riato Trágico, que chegou às mãos do desembargador ? ,; Não iria
junta cópia do Tomo de Saneias & Remanses vários, ou dos versos
em que celebrou a festa das 40 horas, ou finalmente das Comedias cÕ
que festejou muytos Santos? Levantaram-se no meu espírito algumas
suspeitas ao reler a declaração com que André da Silva remata o
prefácio de A Destruiçam de Espanh x nos termos seguintes: — «Outra
mais alta historia, que a da Destruição de Espanha tenho eu proposto
de compor dos milagres, que em húa Lapa obrou aquella soberana
Princesa, que em outra Lapa nos deu o Rey do Ceo, & da Terra ;
mas como esta divina Historia procedeu da Destruição de Espanha,
foi conveniente primeiro tratar da dita Destruição: que sendo aceita
(como confio) em breve com o favor de Deos, darei satisfação ao que
nesta prometo». — Certamente que entre as poesias sacras de Brás
haveria muitas tendo por objecto as excelências e milagres da Virgem
santíssima.
Estava o desembargador tão cônscio do excelso merecimento das
' Sttccessos militares, fl. 172.
Cap. IX — Factos póstumos 365
poesias religiosas que tencionava publicar, e que haviam de dar
grande brado no mundo literário e fa^er espanto a todo o universo,
que não duvida coroar o seu poema heróico, estampando-lhe as se-
guintes duas estâncias finais, dirigidas ao príncipe regente:
Por Tymbre as Armas tendes do divino
Capitão, que por nós morreo na Cruz,
Que Rey pode no mundo aver tão dino,
Que na stemma logre as chagas de Jesus:
Com tal escudo mais que adamantino.
Mandado pello Rey da eterna luz.
Podeis bem segurar vossa clemência,
Que armas de Deos naõ sofrem resistência.
Nas armas de Jesus, & vossas, paraõ,
Alto senhor meus versos numerosos;
Em quanto as Mundas outros me preparaõ,
Para vossos louvores gloriosos:
Se Apolo, & as nove Irmaãs me não reparaõ
Nas audácias de feitos tão famosos,
Ei de formar de vós taõ raro canto.
Que a todo o universo faça espanto '.
Prometia cantar os louvores gloriosos do príncipe, que no escudo
tinha as próprias armas de Jesus, Deus e Rey da eterna lii\; ma*
Brás já tinha cantado as grandezas d o Monarcha da celeste glória,
quando anualmente em sua honra juntava nos valles de Avô cortes
bellas, nas quais sua divina Majestade assistia quarenta horas, cer-
cado de
applausos grandiosos.
Que inda estão repetindo eccos saudosos *
l Estaria André da Silva de posse taníbêni duma cópia do caderno
dos persas com que o poeta avoense celebrou a festa das 40 horas, e
tencionaria aproveitá-los também para a projectada publicação ? Que
andava entusiasmado com a excelência das espécies poéticas de ca-
rácter religioso, que possuía armazenadas para um dia, em momento
oportuno, com elas causar o espanto do universo, não resta diivida.
,1 Seriam elas de lavra própria ou alheia ?
Isto não passa de uma suspeita, infundada talvez; é entretanto
1 A Destr. de Esp. ix, 62-63.
» V. T. XV, 63.
366
'Brás Garcia ^Mascarenhas
bem certo o anexim popular: — Cesteiro que fa^ um cesto, também
fa\ um cento ; o caso é ter madeira e tempo *.
^
Felizmente, na casa dos Garcias Mascarenhas, de Avô, ainda con-
tinuavam a esse tempo guardados os copiosos cadernos e tomos de
poesias de Brás, avultando entre eles os volumes que continham o
]'iriato Trágico e as Ausências Brasilicas. Nos fins do século xvii
foram esses manuscritos lidos e saboreados por Bento Madeira de
Castro, que em 1699 afirmava: — que ainda existem pêra credito de
seu engenho ; — que de sua letra hoje existem, dignos de áureos Ca-
racteres, — desses copiosos cadernos, que durão ; — Finalmente este
Tomo de Viriato como morgado de sua affeyção, tendo-o composto
quando militava, o pretendia dar à estampa, & purificar, se a morte
lhe não atalhasse os intentos, que agora em parte logramos na publi-
cação deste seu volume -.
Não era pois único o exemplar do Viriato Trágico, aproveitado
por André da Silva Mascarenhas. Havia outro, o que Brás deixara
em sua casa, e que foi aproveitado e editado pelo referido Bento
Madeira de Castro, a quem se deve o altíssimo serviço de evitar
que desaparecesse integralmente a obra poética do nosso biografado.
l Quem era este benemérito das letras pátrias ? Um rico morgado
da região, senhor de importantes vínculos herdados de seus pais,
bisneto de Gaspar Dias da Costa avô da mulher de Brás Garcia; era
portanto segundo primo de D. Quitéria Garcia, como se pode vêr no
seguinte esquema :
Gaspar Dias da Costa
c. c. Susana Manuel
D. Maria Madeira da Costa c.
c. João Manuel da Fonseca
António Madeira da Costa c.
c. D. Maria de Brito Barreto
D. Maria da Costa Fonseca c.
c. Brás Garcia Mascarenhas
D. Quitéria G.' Mascarenhas
Manuel de Brito Barreto c. c.
D. C.na Bg.' de C.ro e Abreu
Bento Madeira de Castro
1 É esta a forma que tem na Beira-alta, referente ao material de que ali se
fazem os cestos — madeira de castanho, devidamente preparada em tiras delgadas
como correias. Noutras partes o anexim fala de verga e tempo.
í Doe. CXII.
Cap. IX — Factos póstumos 36^
Correspondeu realmente a um grande serviço a publicação do
Viriato Trágico. Infelizmente porém a edição saiu muito imperfeita
e errada •.
O poeta ainda não tinha dado por detinitivamente pronto e devi-
damente limado o seu poema; trabalhava em o purijicar, quando a
morte o surpreendeu. Mas são nele frequentes os erros de linguagem
e de métrica, as passagens obscuras ou sem sentido, que não pode
admitir-se haverem saído assim da pena do escritor, ainda mesmo na
sua primitiva redacção,
Sabemos, por Bento Madeira no-lo dizer, que os cadernos poéticos
do seu parente por afinidade eram autógrafos ; autógrafo devia ser
pois o original do Viriato, lido e relido muitas vezes pelo autor, que
corrigiria logo á primeira leitura qualquer lapsus calanii que tivesse
escapado. Não é portanto admissível que esses erros da edição do
Viriato Trágico sejam devidos á ignorância ou descuido do escre-
vente.
São resultantes sim, já de equívocos de leitura do tipógrafo, que
mal entenderia a letra, aliás suficientemente clara, do poeta, já de
lapsos tipográficos ou erros de caixa cometidos no acto da composi-
ção. Todos eles se corrigiriam, se houvesse uma boa e acurada
revisão de provas, conferindo-as com o original e emendando as gra-
lhas existentes. Mas Bento Madeira de Castro não reviu, nem para
isso teria a indispensável competência técnica. Mandou para Coim-
bra o manuscrito, que foi entregue na oficina tipográfica de António
Simões, privilegiado da Universidade. Ali se compôs e imprimiu o
•poema, entregando-se depois os exemplares do livro já estampado,
com o recheio de erros que o conspurcam. Do manuscrito original
não torna a aparecer notícia. "^
De muitos versos errados é fácil reconstituir o texto, sem hesita-
ções e sem receio, pois através da lição viciada transparece clara-
mente o que o poeta escrevera. Sirva de exemplo o seguinte facto.
No canto xv descreve Brás a revolução restauradora de 1640 triun-
fante em Lisboa, e a aclamação do duque de Bragança, repetida de
' Publicamos na página seguinte uma reprodução do frontispício desta pri-
meira edição.
VIRIATO
TRÁGICO
E M
POEMA HERÓICO
• .• ESCRITO TOR
BRÁS GARCIA MASCARENHAS
natural da f^illa de Avo na Premiada da Bejra, (^
Governador, que foy da Praça de^/^lfajates
na mefma Provinda.
OBRA POSTHUMA.
OFFERECIDA AO SERENÍSSIMO PRÍNCIPE
DOM lOAM
QUE DEOS GUARDE.
BENTO MADEYRA DE CASTRO
Cavaleyro Profeíío da Ordem de Chrifto.
<§|» «||(><í|^ «1^ ^^|o ^|9-4|o (41» «H» «lio. «||o.«|§o fo
EM COIMBRA, Com asUcen^as necejfdrias.
NaOfficinade A N TON lO^SIMOENS ImpreíTordaUni-
verfidade Anno deM.DC.LXXXXlX.
(Reprodução, um pouco reduzida, do frontispício da i.' edição do poetní).
Cap. IX — Fados póstumos 36 g
terra em terra, de fortaleza em fortaleza, por todo Portugal, de forma
que
Em todas as mais Praças Portuguesas,
Foy com pressa tão celebre acclamado,
Que em dez dias não fica ao que bravea
Palmo de terra, nem de muro amea '.
Conta a saída rápida de todos os espanhóis do solo portu-
guês, e o amor, a quase adoração, que os nacionais tributam a
D. João IV. A narrativa conclue com estas duas estâncias, em que
refere como foi a bôa-nova recebida nas nossas possessões :
Nas mais partes do Império dilatado
Por ultra mar aonde a nova soa,
Hè logo Rey legitimo acclamado,
Sem discrepar a voz de húa pessoa :
Porque o propinquo, ou longínquo Estadb
Observa sempre a grimpa de Lisboa ;
Mas que os ventos lhe dem de vários modos,
Pêra donde ella vira, viram todos.
Só a Terceyra pessoa, força de grã nome,
Depois de largo cerco foy tomada
Ao contrario, que a vio a pura fome,
Inda que inexpugnável, espugnada.
Se há força, que por força se não tome,
Por fome a mais difficil hè tomada.
Esta, que de grã fama o mundo enchia,
Oppiimida se vio dos que opprimia 2.
O primeiro verso desta segunda estância, não só é horrorosamente
hipermétrico, mas não faz sentido. Temos aqui erro graúdo. Não
haverá porem indivíduo tão pouco atilado, que não veja logo à pri-
meira vista que o tipógrafo, ao compor, fez a intercalação absurda da
palavra — pessoa — lembrando-se talvez da terceira pessoa da Santís-
sima Trindade ; eliminado este vocábulo, fica o texto com a pureza
nativa que lhe deu o poeta, ao descrever a rebeldia da ilha Tercej-ra,
que só pela força das armas, e depois de largo cerco, foy tomada ao
contrario.
Como este, outros muitos versos há no poema, errados na gra-
mática, no sentido, ou na métrica, que facilmente se restauram ; mas
j quantos não se lêem por todo o poema que, reconhecidos como
« t^. T. XV, 96. — « F. r. XV, 99-100.
3'] o Brás Garcia <£Mascarenhas
deturpados na composição tipográfica, não podem emendar-se sem
grave risco de se adulterar por nova forma o que o poeta escrevera !
Tenho-me abstido quanto possível, sistematicamente, de transcrever
estes versos; quando porém a isto tenho sido forçado, por conterem
notas auto-biográficas interessantes, uso sempre a cautela de, ao
propor qualquer emenda hipotética, a indicar como tal, pois pode não
corresponder ao manuscrito do autor.
Segunda edição do Viriato Trágico saiu em 1846, dirigida e cus-
teada pelo Dr. Albino de Abranches Freire de Figueiredo. Também
foi um bom serviço prestado por este benemérito beirão, natural de
Côja: concorreu para se divulgar o poema, que era ainda pouco
conhecido, pela gi'ande raridade dos exemplares da i.* edição. Mas,
infelizmente, o'Dr. Albino de Figueiredo não cuidou de fazer uma
edição crítica, nem sequer de procurar restaurar o texto, até onde é
realizável com segurança esta operação; na 2.* edição aparecem, em
regra, os mesmos erros da i.*, aumentados com algumas novas gra-
lhas tipográficas. Houve porém a infeliz idea de lhe moderniiar a
ortografia, e assim aparece o texto bem mais viciado a este respeito
do que na editio princeps.
Jus a grande reconhecimento alcançará quem, dispondo de com-
petência, cuidado e amor, tomar sobre si a empresa, que demanda
largo folgo, de produzir 3.* edição, esta crítica, da qual resulte, até
onde puder ser, o restabelecimento do texto na sua forma primitiva.
Quem a tal se abalançar, tem de proceder previamente a um estudo
confrontado do poema Destrinçam de Espanha com o Viriato Trá-
gico, pois estou convencido de que algumas das lições variantes que
encontramos nos versos furtados por André da Silva, serão apro-
veitáveis para corrigir deturpações, que o tipógrafo introduziu
nos versos de Brás. É muito delicado e melindroso esse trabalho,
que se impõe, de uma edição crítica; mas não é isso razão para
que o não tente alguém, que por suas superiores qualidades esteja
em condições de o fazer.
Voltemos a Avô, e vejamos o que entretanto sucedia em casa doS
Garcias Mascarenhas.
Cap. IX — Fados póstumos 3ji
A 18 de agosto de 1686, coni 39 anos de idade e 9 de casado,
falecia Manuel Garcia *, deixando viuva D. Quitéria. Decorridas
pouco mais de duas semanas, morrem no mesmo dia, a 1 1 de se-
tembro, as duas únicas irmãs do poeta que restavam ^, causando sen-
sação na vila as duas urnas funerárias, levadas uma junto da outra
no saimento para a igreja, e nesta colocadas a par sobre a essa du-
rante as exéquias. Quatro anos depois expira D. Quitéria Garcia,
a i3 de abril de i6go^, deixando os quatro órfãos todos menores: —
José, Manuel, Brás e Maria '. Ignoro quem foi o tutor deles.
Em 1Õ97 casou o primogénito José da Costa Mascarenhas com
D. Joana Gomes de Mi-
randa, irmã do vigário de
Avô, Luís Velho de Miran-
da, e filha do capitão de Mi-
' Assinatura de José da Costa Mascarenhas ■.
randa do Corvo, João Ve-
lho de Miranda •*. Contava ela 3b anos e meio, êle cerca de 21.
O mais novo dos rapazes, o Brás, ao atingir a maioridade dos
21, passou para a companhia de um tio materno de sua mãe, o padre
Matias Quaresma da Fonseca, licenciado na faculdade de Cânones, o
Assinatura do licenciado Matias Quaresma da Fcnseca'.
último dos filhos de D. Maria Madeira da Costa *. Tinha sido reitor
da igreja de S. Paio de Fão até 1692, em que veiu para reitor do
Espinhei, comarca de Esgueira, hoje concelho de Águeda, igreja
esta, que era do padroado dos duques de Bragança.
Foi em 1701 que Brás Garcia Mascarenhas (3.° do nome na fa-
mília avoense), neto do poeta, foi viver com seu tio-avô para o Es-
« Doe. CVIII. — 2 Doce. CIX e CX. — 3 Doe. CXI.
* A'oí. geneal. IV, 11.
* CE. — Firma o depoimento que fez como testemunha, em Avô, a 23 fev. 1701,
no processo para a ordenação de diácono de Manuel Nunes.
'' Not. geneal. IV, 111.
1 C.E. — Em um processo para a ordenação de diácono de António Ribeiro,
subscrevendo uma declaração datada em Avô a 6 jun. 1672.
' Not. geneal. III, v t 8.
3t2 "Brás Garcia oMascarenhas
pinhel. Ordenou-se de menores em 1702 ' e de ordens sacras em
1710, sendo o seu património eclesiástico constituído em bens, que
para este efeito lhe doou por escritura de 2 de dezembro de lyoS
D. Susana Manuel da Costa, irmã do licenciado Matias Quaresma 2.
Vê-se pois que os filhos de D. Maria Madeira não herdaram os ódios
desta ao poeta Brás e à sua descendência, antes pelo contrário iam
reparando, quanto podiam, os males por ela causados. Em 1710 toi
o padre Brás apresentado pelo tio como cura da igreja de S. Simão
de O vã, anexa à de Espinhei; ali se conservou até 12 de março de
1714, em que faleceu, deixando em testamento todos os seus bens
ao irmão Manuel. Seu lio e protector Matias Quaresma havia mor-
rido em Avô, a 14 de abril de 17 13.
Lembrou-se então o
Manuel Garcia Masca-
renhas de se ordenar, o
que fez em 1715-1717',
constituindo o patrimó-
nio eclesiástico, por escritura de 3 de março de 17 17, nos próprios
bens que herdara do irmão.
Quanto à irmã Maria Garcia Mascarenhas nada sei, senão que
morreu nova e solteira.
José da Costa Mascarenhas teve apenas um filho, Brás Garcia
Mascarenhas (4." do nome na descendência de Marcos Garcia, de
Avô), o qual veiu a casar com a sua conterrânea D. Maria da Costa
de Mesquita, com quem se achava ligado por duplos laços de con-
sanguinidade, pois seu bisavô, o poeta Brás Garcia Mascarenhas, era
primo inteiro da bisavó dela. que se chamava Maria de Mesquita, e
a bisavó dele, D. Maria da Costa Fonseca, era sobrinha do bisavô
dela, Francisco Dias da Costa, como se vê no esquema da página
fronteira.
Tiveram quatro filhos e sete filhas. Dos rapazes houve dois, a
quem foi dado o nome de Brás, o primeiro dos quais morreu criança,
Assinatura de Manuel Garcia Mascarenlias *
« Doe. CXIII.
> Not. genel. III, v b 6.
» Doe. CXV.
* CE. — A autenticar o depoimento que fez na vila de Avô era 1701, sendo
então estudante, no citado processo para a ordenação de Manuel Nunes.
5S
ín
4J
O
c
U
o
^
■o
K
rt
T3
73
3
2
S
r:
o
o
s
Q
o
y
5
o
<
[d
Z
u
a
<
s
[I]
D
C
« s
s «
ti s
-•a
"^ 'O
o
3
O
Q,
3
^
>
s
«1
•a
T3
m
to
Tn
.:3
O
■n
u
ca
ri
S=
T3
a>
CQ
c
U
2
:3
■_j
cr
<
S
u.
(U
T)
w
?■
U
M
h^
73
•D
Q
O
^
!
■u
n
73
s
C)
5=
w
O õ
o
3'j4 'Brás Garcia (^Mascarenhas
assim como o José; subsistiram o segundo Brás (6." do nome na fa-
mília) e o Tomás Caetano, de todos o mais novo. As irmãs chama-
vam-se — Quitéria-Angélica, Mariana, Josefa, Maria, Joana (única
que tomou estado), Antónia, e Tomásia '.
Brás Garcia Mascarenhas (6.°) recebeu ordens menores em 1763
para obter o privilégio do foro eclesiástico, sem intenção de ascender
às sacras, por ser o morgado da casa. Formou-se em Cânones em
1768, e por morte de seu pai, ocorrida a 24 de novembro de 177 1,
sucedeu-lhe na admmistração do vínculo, que possuiu apenas 21 dias,
pois foi surpreendido por morte prematura a i5 de dezembro ime-
diato, sendo ainda solteiro.
Passou o vínculo para o mais novo de todos os irmãos, Tomás
Caetano, único subsistente do sexo masculino. Contava então i5 anos,
ficando sob a tutela de sua mãe até atingir a maioridade. Nunca
lhe deixaram vêr a escritura de instituição do vínculo, cuja adminis-
tração lhe pertencia ; ocultaram-lha por tal forma, que muito mais
tarde, em 1824, se queixava ele deste facto, e declarava: — quero
saber em que Lej jhvo, e se o tal vinculo deve ser ou não reputado
tal ^. Se tivesse visto essa escritura, ficaria sabendo que, conquanto
fosse êle, enquanto vivo, o administrador dos bens vinculados, por
sua morte passaria o vínculo à linha feminina, revertendo para a des-
cendência legítima de sua irmã Joana, pois os filhos que êle tinha
eram excluídos da sucessão por serem bastardos. Talvez (; quem
sabe ?) se êle conhecesse as condições dos bens que administrava,
tivesse dirigido a sua vida de outra maneira, por forma que, tendo
prole legítima, esses bens ficassem na sua descendência. Em carta
escrita a um sobrinho *, queixa-se das tias deste, suas irmãs, atri-
buindo-lhes o terem sumido a escritura de instituição, sem deixarem
traslado algum.
Contou-me o meu velho amigo António da Costa Mesquita, de
Avô, parente dos Garcias Mascarenhas e conhecedor das tradições
da sua casa *, que as irmãs de Tomás Caetano, quando esconderam o
traslado da escritura, por forma que o irmão não tivesse conhecimento
das suas disposições, ao mesmo tempo queimaram toda a papelada
antiga da casa, receando, na sua ignorância, que entre ela houvesse
algum documento de que o irmão pudesse aproveitar-se para desviar
1 Not. geneal. IV, iv.
2 Doe. CXVII.-J Ibid.
* Not. geneal. II, xiii c".
Cap. IX — Factos póstumos 3-/ 5
para os seus filhos ilegítimos os bens vinculados, em detrimento do
fílho legítimo de sua irmã Joana. Mais informava António da Costa,
que foi nesse auto de fé aos documentos e papelada antiga da casa,
que desapareceram os cadernos com a obra poética do nosso herói.
Ignoro qual a fonte de informação daquele meu amigo, infelizmente
já falecido, e qual o grau de credibilidade dessa fonte.
D. Joana Margarida de Mesquita Mascarenhas, irmã de Tomás
Caetano Garcia Mascarenhas, nascera em lybo e casou em 1789 com
Antóniç da Gama e Gouveia de Abreu Leitão, já viúvo, senhor de
casa abastada, residente em S. Martinho-da-Cortiça *. Em Avô
nasceu seu filho único, Brás Garcia Mascarenhas (7.° do nome). A
mãe de António da Gama era natural do Casal-do-Fundo, freguesia
de S. Miguel de Rio-de-Moinhos, hoje concelho do Sátão, onde pos-
suía bens ; foi ali que Brás casou com D. Maria Albina de Lucena
Cardoso, e teve dois filhos, Tomás e José Maria, e uma filha, D. Maria
Amália -. Não chegou a entrar na posse da administração dos bens
do vínculo de Avô, porque faleceu em i838, sendo ainda vivo seu tio
Tomás Caetano.
O primogénito, Tomás Garcia Mascarenhas ^, casou na terra da
naturalidade de sua mãe, Sarrazela, hoje freguesia de Vila-de-Igreja,
concelho do Sátão. Houve sete filhos, nascidos uns em Casal-do-
Fundo, outros em Sarrazela. Comu por morte de seu tio-avô Tomás
Caetano, o Tomás Garcia lhe sucedeu no vínculo dos Garcias Mas-
carenhas, transferiu a residência para a vila de Avô, onde ficou vi-
vendo com seus filhos, dos quais é actualmente vivo apenas um, o
senhor Francisco Garcia Mascarenhas, cujo filho único, senhor Tomás
Brás Garcia Mascarenhas, é quem hoje habita com sua esposa o solar
onde nasceu e viveu o capitão-poeta, seu 8." Avô. Dos filhos falecidos
de Tomás Garcia deixaram descendência : — João Tomás Garcia
Mascarenhas, na freguesia dos Olivais, aros de Lisboa; António
Garcia Mascarenhas em Decermilo, concelho do Sátão ; Luís Augusto
Garcia Mascarenhas em Avô.
José Maria de Mesquita Garcia Mascarenhas, filho segundo de
Brás Garcia e irmão de Tomás Garcia *, casou em Rio-de-Moinhos
» Not. gcneal. IV, v. — 2 ;v'oí. geneal. IV, vi. — ' Not. geneal. IV, vii a.
♦ Not. geneal. IV, vii b.
3j6 'Brás Garcia ^Mascarenhas
com D. Ventura de Jesus de Almeida Souto-Maior, de quem teve uma
filha e um filho. Aquela, de nome D. Constança Garcia de Mesquita
Mascarenhas ', casou com o Dr. Luís Xavier do Amaral Carvalho, e
houve deste consórcio duas filhas, ambas ainda vivas, — a senhora
D. Júlia Xavier de Carvalho Mascarenhas, viúva do juiz de direito
Dr. Francisco Soares de Albergaria, sem geração; e a senhora
D. Leonor Xavier Garcia Mascarenhas, casada com o senhor An-
tónio Cardoso de Meneses, director da Escola Agrícola Morais
Soares, que residem em Coimbra a educar seus filhos, duas meninas
e um rapaz, ainda menores.
São estes dois ramos, nos quais seguem a linha de Tomás Garcia
e a de José Maria de Mesquita, os únicos que hoje representam a
descendência directa do poeta avoense Brás Garcia Mascarenhas.
* Not. geneal. IV, vm b.
SEGUNDA PARTE
Estudo critico-literário
PELO
Prof. Dr. Carlos de Mesquita
Agradece a meu trágico IManeta,
E a viís emulos meus este cujdado,
De por Patrício teu, querer louvartc.
l'ois quando preso, emprcndí cantarte.
Entre o rumor de Marte estrepitante
As lioras, que me deyxa, te concedo,
Que a cantarte na paz, mais elegante
Estilo ornara tão capaz enredo.
Brás Garcia Mascarenhas, Viriato
Trágico, xv, io5-io6.
ADVERTÊNCIA
Inctimbiu-se de escrever esta segunda parte do estudo sobre o
poeta Brás Garcia Mascarenhas, com a alta competência que todos
lhe reconheciam, o tioss» distinto colega no professorado da Facul-
dade de Letras da Universidade de Coimbra, Dr. Carlos de Mes-
quita.
Um estudo critico-literário sobre o poema Viriato Trágico era o
assunto preciso, de que se encarregara. Nele pensava com amor e
entusiasmo, quando a morte o surpreendeu a g de maio de igi6.
Nada chegara a escrever; mas os poucos amigos, com quem trocava
impressões a tal respeito, tiveram ocasião de admirar várias ve\es a
agude'{a de engenho, a profundidade de vistas e a originalidade de
apreciações da sua crítica, ao apreciar o poema viriatino. Era
um trabalho de largo folgo, cheio de interessantes aspectos.
Em homenagem ao grande professor, aqui publicamos um artigo
sobre o mesmo assunto, que êle em tempo escreverá despretenciosa-
mente, currente calamo, — confiando na sua grande memória, sem
dispor de recursos alguns bibliográficos, tendo à mão apenas um
e\emplar truncado do Viriato Trágico, — para ser estampado em um
modesto jornal de pr.ovíncia, A Gazeta da Beira, que se publicava
em Oliveira do Hospital. Saiu em o n.° iii, correspondente a do-
mingo 3 de março de igo'j, sem que o autor sequer revisse as provas
tipográficas.
Ainda então não cogitava, que viria a tentar fa'{er um estudo
especial do assunto. Não pode pois, em face deste rápido esboço,
ajui\ar-se dos méritos e desenvolvimento que teria o trabalho, que
ultimamente o preocupava.
Coimbra, 21 de abril de igsi.
A. DE Vasconcelos.
o Viriato Trágico
A velha alegoria da Ocasião, que c preciso agarrar pelos cabelos,
sendo calva da nuca e fugindo com coturnos alados, que se encontra
logo nas primeiras páginas do Viriato Trau;ico, tem uma rigorosa
aplicação ás condições históricas dos monumentos literários. A His-
tória tem instáveis momentos de crise que, fazendo-se consciência no
cérebro dum homem de génio, desabrocham nos Lusíadas, no D. Qui-
xote, na Comédia Humana. Passados eles, debalde se tenta igualar
essas imagens, que a onda grava do seu equilíbrio, em chapas de
excepcional sensibilidade, durante a inapreciával tracção de segundo
que medeia entre a ascenção e o espraiamento. Depois da sazão
épica, as epopeias, embora às vezes tenham excelentes trechos líricos
e descritivos, não passam de pachorrentos exercícios de retórica. E
na calmaria morta dos tempos, o esforço impotente para atingir o
clangôr da «tuba canora e belicosa», em vez de «acender o peito» e
de «mudar a côr ao gesto», só produz a compaixão por quem se
mostra assim incapaz de compreender a sua época, e de se resignar
sensatameníe às condições dela. E o que acontece a todas as nossas
pseudo-epopeias posteriores aos Lusíadas, as nossas epopeias de es-
tufa, podemos assim chamar-lhes.
Os autores delas não tinham o génio de Camões, nem para lá
caminhavam, porque, como todas as excepções humanas, mantendo o
génio com a população uma relação numérica aproximadamente con-
stante, e sendo exígua a sua percentagem, não era natural que o
mesmo século visse nascer dois Camões num país de dois milhões
de habitantes. Mas ao próprio Camões, com as mesmíssimas qua-
lidades individuais, teria sido impossível alguns anos mais tarde es-
crever os Lusíadas.
Nesse livro maravilhoso, o mundo moderno, atingindo a plenitude
da força, toma consciência da sua grandeza, e compara-se com or-
gulho ao mundo antigo, e é isto que constitue o interesse universal c
38o 'Brás Garcia ^Mascarenhas
eterno do poema. Ele é a epopeia da civilização moderna, da Re-
nascença, cantada pelo Poeta supremo de uma das duas nações, que
vão na frente do movimento, não já da romanização de uma faixa da
Europa, mas da arianização do globo. Camões apareceu no momento
preciso, apareceu mesmo quando a onda. continuando 'com a compa-
ração de há pouco, já se precipitava para se espraiar e desfazer. Ele
bem sentia em volta de si a «austera, apagada e vil tristeza», que ia
avassalando tudo. Mas a grandeza ainda estava muito próxima,
ainda lhe permitia crer na possibilidade de suspender o desabamento,
na possibilidade de um Portugal que fosse, como outra Roma, a
metrópole dum império imenso, não se limitando como o dela a en-
volver o Mediterrâneo, mas abrangendo dentro de si os grandes
mares «nunca dantes navegados».
O momento duma vasta epopeia moderna passara, e o espirito
público em Portugal, na época de Brás Garcia Mascarenhas, pode
exprimir-se por uma palavra : o sebastianismo.
O profeta desta interessante religião nacional fora, todos o sabem,
Gonçalo Anes Bandarra, sapateiro de correia, natural de Tran-
coso, que a Dedução Cronológica decidiu não passar dum embuste
dos jesuítas, mas cujo processo inquisitorial existe na Torre do
Tombo. Bandarra era como Bunyan, o escritor caldeireiro da Ingla-
terra, um homem do povo exaltado pela leitura da Biblia, a que se
entregara durante oito anos, segundo a sua confissão no processo,
em 1641. As suas trovas vagamente proféticas, inspiradas em remi-
niscências bíblicas, falavam de grandes desgraças e da aparição dum
príncipe, que lhes poria fim. um príncipe cujo nome era «Dom foam» *,
que
Tirará toda a Erronia,
Fará Paz em todo o mundo,
' Eis o tento bandárrico :
• S.iya ? Saya esse Infante
Bem andante ?
O seu nome he Dom foam:
Correrlheam o Pendam,
£ o Guiam,
Poderoso e triumphante.
Virlheam noúas num instante
DaqucMas terras pres.idas.
As quaes estam derramadas,
E declaradas
Por seu Rey dally a diante».
(Parapkrase et concordância / de algvas Prophe- ,' cias de
Bandarra, capateiro j de l rançoso. / Por Dom Ioah Dt
Castro. / Gravura tosca / ióo3 — na fl. ii3)-
Tarte II — O « Uiriato Trágico-» 38 1
De quatro Reys_o segundo
Averii toda a vitoria '.
O comentador e parafraseador destes enigmas proféticos, D. João
de Castro, explicava em iCo3 que este príncipe era D. Sebastião,
como numerosíssimas pessoas acreditavam, e que, se a trova lhe
chamava o segundo dos quatro grandes reis, é porque considerava o
papa como o primeiro.
Um homem de génio, para compreender e encarnar este espírito
colectivo, devia participar do misticismo do seu país, ter um espírito
filosófico que tirasse ao objecto dele, o príncipe encoberto^ a signi-
ficação estreitamente individual, alargando-o em símbolo, e um forte
saber para lhe insuflar a autoridade das «letras sagradas e profanas»,
dando-lhe aos olhos dos cultos o prestígio, de que pela sua humilde
origem carecia.
Para agarrar esta Ocasião pelos cabelos, faltavam quase total-
mente as qualidades a Brás Garcia Mascarenhas, que o seu poema
nos mostra como um espírito liícido, sem grande profundidade e sem
complexidade, ponderado, são, e vendo no mundo apenas os aspectos
exteriores, como um pintor ou um escultor. O homem da Ocasião
foi o padre António Vieira, já Oliveira Martins o disse.
Ao contrário porem do autor da História de Portugal, eu ouso
considerar a nação sebastianista, não como o cadáver dum povo, mas
como uma nação empobrecida, inculta, ignorante, meio despovoada,
sim, mas conservando o fecundo núcleo essencial duma nacionalidade ;
um espirito, um ideal colectivo, i Como se pode dizer que estivesse
morto um povo, cuja poesia consistia precisamente na fé inabalável
no próximo advento duma grandeza politica, que eclipsaria as mais
brilhantes épocas da sua história ? Eu, pela minha parte, considero
morto um povo quando ele se reduz a urna massa amorfa, sem outro
elemento de coesão àlêm do território e da língua, e não quando os
espíritos apresentam esta perfeita convergência, que foi o misticismo
sebástico,
O padre António Vieira fez, com esse misticismo político do poVO
português, o que todo o homem de génio capaz de compreender o
seu tempo e o seu país e de influir neles faz com os fecundos germens
' Ibid,, fl. 123 V.».
3S2 ^rás Garcia ãAIascavenhas
da alma colectiva. O seu papel é semelhante ao de Garrett na época
do romantismo. Sim, dizia êle, o rei esperado, o Encoberto, voltará,
já mesmo voltou, mas feito carne em D. João IV: — e, talvez por in-
dústria sua, o príncipe Domfoam das trovas do Bandarra aparecia
agora transformado em Dom João. O glorioso império profetizado
virá; — e a sua erudição em letras sagradas desenterrava incansavel-
mente, dos profetas e dos escritores eclesiásticos dos primeiros sé-
culos, predições que os feitos já passados dos portugueses tinham
realizado em parte, o que era um seguro penhor da realização das
outras. Em i83i foi pela primeira vez publicada uma carta dele ao
conde de Cantanhede, que diz dos sebastianistas :
«... São os sebastianistas uma sorte de gente, que, quanto em
si há, faz este reino seguro e feliz; ... se vêem prosperar as armas
de Sua Majestade, ostentam aplausos e júbilos maiores, porque teem
por certo que principia ali a sua desejada monarquia; se vêem mur-
murar da frouxidão e descuidos da defensa, não presumem culpa dos
ministros, mas misteriosa disposição da Providência Divina ; porque
teem por infalível que não serve mais Portugal a Castela».
A resignação passiva perante as desgraças e o contentamento
inerte perante os triunfos não eram, como se vê, do seu agrado. As
profecias, diz a História do Fiiiuro, asseguram-nos o Quinto-lmpério,
mas é necessário que sejamos instrumentos dos decretos divinos.
Levando essas profecias como divisa nos escudos, os nossos soldados
seriam invencíveis nas batalhas.; — mas era preciso batalhar. Com-
pare-se o tom quase de gracejo da carta transcrita com a arguta
dialéctica da História do Futuro e com o ardor de convicção dos
sermões políticos, compare-se a sua fé mística no Quinto-lmpério
com o espírito pratico revelado na sua vida de conselheiro pohtico e
de diplomata, e ver-se-há que mixto (mas mixto coerente e organizado)
de ironia, de simpatia, de sinceridade e de astiicia era o homem a
quem verdadeiramente só cabe o nome de poeta, ou, melhor, de pro-
feta do Portugal restaurado.
Desta exaltação mística da alma portuguesa no tempo de Brás
Garcia Mascarenhas apenas se encontra um frouxo reflexo no
canto XV do seu poema. Por ai se vê que o poeta conhecia as trovas
em que o sapateiro de Trancoso profetizava grandes e jubilosos acon-
tecimentos para a era de 40 '. Esta data não fora forjada depois da
* 0iz assim a trova :
«È depois dá embaixada
Declarada
'Parte II — O a Viria lo Trágico ^^ 383
Restauração para pôr o facto consumado de acordo com a profecia.
Já em i6o3 D. João de Castro, na sua Paráfrase e Concordância
dava tratos à imaginação para a aplicar ao século que começava, o
que conseguia elevando ao quadrado o número 40, e obtendo assim
1600 *. Vê-se bem pela palidez das oitavas de Brás Garcia, que êle as
escreveu apenas por dever patriótico e por gratidão para com o mo-
narca, a quem devia o governo de Alfaiates e a liberdade, depois da
sua prisão no Sabugal, e não porque se sentisse sinceramente arras-
tado pelo espírito sebástico da época.
Quem não conhecesse outro documento dela, nem suspeitaria
sequer que alguém então sonhasse com um império mais quimérico
do que a Ilha das Sete Cidades, que procuravam os nossos navega-
dores do século XV, munidos do pergaminho régio, que lhes assegurava
a capitania dela, com toda a jurisdição civil e criminal sobre os en-
cantados que a povoavam. Todavia o Viriato Trágico é um poema
da Restauração. Mas o espirito positivo do seu autor apenas encarou
a conjuntura sob o ponto de vista prático e restrito da defesa do
território, que simbolizou na resistência dos antigos lushanos á con-
quista romana.
Ele próprio o dá a entender no começo do canto n, quando diz;
Se assumpto fora muito mais honrado,
O que a presente Guerra me offrecia
Hé melhor, por frustar Zoilos nocivos,'
Cantar aos mortos, que adular aos vivos '.
Agora que correm corenta,
Erguersea gram tormenia
No que atenta,
Mas logo 9era amansada.
E tomaram a estrada
Da cilada:
Nam auera quem os acotitei
Darlheam aquella noute
Tal açoute,
Que a Fe seja eXalçaJa».
(Ibid., fl. 87).
' «Comecemos pois a interpretaçam & a declâfar os Corenta: os quaes se há
de entender quadrados, quero dizer, multiplicados em si, que somam mil & seis
centos. O qual numero quadragenario nam he pouco mysterioso na Escritura
sagrada^ de que se Deos tem por muytas veze« seruido em castigos, como tambe
agora aquy delle se serue pêra o mesmo fira. AlgCas cousas ha que fazem o prin*
çipio desta profecia muy escuro ou mais propriamente fallando, muy escuras d(
diíRceis de alcançar», — (Ibid. fl. 88).
» V. T. 11, 1,
384 'Brás Garcia oMascarenhas
Muito verosimilmente o poema foi concebido durante o curto pe-
ríodo em que o autor comandou a Companhia dos Leões, Não podia
deixar de dar-se em Brás Garcia Mascarenhas, simultaneamente le-
trado e homem de acção, um facto tão velho, não direi como o
mundo, mas, sem dúvida alguma, como a literatura: o hábito de,
mesmo nos momentos de mais febril actividade, contemplar como
um espectador estranho os próprios actos, aferindo-os pelos padrões
literários. D. Quixote, recitando pelos campos sobre o rocinante um
começo de capítulo imaginário, em que a sua primeira sortida à
procura de aventuras heróicas é descrita no estilo das suas leituras
cavalheirescas, é uma caricatura desta prática, aconselhada pelo
Dr. António Ferreira, como meio de estimular a bravura, numa epís-
tola ao seu amigo João Lopes Leitão, que militava na índia:
Ou teu armado braço este no que usa,
Com Marte contendendo em fortaleza
Sem ao Rume acceitar ouro, ou escusa,
Ou rompendo com fúria, e com braveza
As escumosas ondas, vás levando
Soccorro á quasi entrada Fortaleza,
Não deixes de ir cos olhos só passando
Estes versos, verás quanto ás trombetas
Mais animoso som estaram dando
As Musas ouve sempre, acendem fogo
Nos altos corações, e o mór perigo
Te fazem parecer prazer, e jogo '.
Servindo-se dum daqueles símiles frequentes no seu estilo e tão
cheios da frescura das cousas realmente vistas, que às vezes não é
excessivo dizer deles, aplicando a frase de A. de Vigny, que enter-
necem como uma criança afirmando simplesmente o que viu, conta-nos
Brás Garcia que construiu o seu poema sobre o testemunho insu-
speito das «extranhas penas»,
Como quem pela praya vae pisando
Pisadas que outro deyxa nella impressas.
E mais que possível que já então tivesse lido nos historiadores
latinos as referências a Viriato, que lhe serviram mais tarde de
» poemas lusitanos do Dr. António Ferreira, 5.' ed. (iSag), t. II, pág. ii5.
"Parte II— O ^^ Viriato Trágico» 385
guia, e que essas passagens já se misturassem na sua memória às
poucas oitavas dos Lusíadas, de que é assunto o pastor,
que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve '.
As reminiscências literárias acordadas pela analogia das situações
deviam acender nele «o fogo» de que fala António Ferreira, e fazê-lo
sentir-se como que possesso pelo espírito do remoto chefe lusitano.
Para nos convencermos de que o Viriato do poema, pelo menos na
fase ainda regional e guerrilheira da sua história, é o autor transpor-
tado para os tempos pre romanos, basta comparar o feito de armas,
que rendeu a Brás Garcia a prisão no Castelo do Sabugal, com um
dos primeiros actos de bravura do seu herói, o que começa na es-
tância 58 do canto ii. São perfeitamente idênticos tanto no objecto
como na estratégia.
O objecto do primeiro foi o destroço duma força espanhola, que
levava consigo boas prezas feitas áquem fronteira; o do segundo o
ataque duma força romana, que escoltava as bagagens dum forte exér-
cito, ainda distante. A estratégia de ambos é a das guerrilhas: a
emboscada num desfiladeiro de passagem forçada em país monta-
nhoso, o ataque imprevisto, a retirada pronta. A teoria dessa tática
é eloquentemente feita nesta oitava, que o poeta pÕe na boca de Vi-
riato:
A princesa das Aves nos insina,
Como ha de ser a guerra executada :
Nam vedes como dece repentina,
Sobre a caça, que pasce descuydada ?
E que não pára nunca em tal rapina.
Senão que pello ar arrebatada
A vem comer sobre um penhasco duro,
Que inda que bruta, juiga-o por seguro ? ^
Neste poema a expressão directa dos sentimentos — o amor do
território, a revolta perante a invasão, a indignação contra os actos
cruéis e traiçoeiros dos inimigos — é sempre breve, e, quando o não
é, é frouxa e convencional. Na pintura animada dos actos, por que
se traduzem esses sentimentos, é que consiste a verdadeira superiori-
dade deste poeta. E assim deve ser, tratando-se duma epopeia bár-
' Lusíadas, m, aa.
í V. T. u, 5i.
35
386 'Brás Garcia '^Mascarenhas
bara. Em espíritos simples, tendo ao seu serviço músculos fortes e
ágeis, não há intervalo sentimental entre a impressão e a reacção.
Por isso as decisões do herói e do seu cortejo de figuras secundárias
são frequentemente comparadas aos impulsos das aves de rapina,
dos lobos, dos cães de caça. As scehas de bravura e violência orga-
nizam-se quase sempre em imagem nítida no espirito do leitor. Mas
um episódio então, que para mim é encantador, é o de Serralvo, es-
pécie de Caliban gigantesco, informe e inconsciente da própria força,
que num recontro se esconde detrás das bagagens, amedrontado
como um javardo. Uma repreensão do chefe prestigioso, que êle
recebe tremendo, fá-lo partir numa explosão de furor súbito, que o
torna irresistível e destruidor como um ciclone.
Desejava poder copiar aqui todas essas oitavas *, porque esse admi-
rável quadrinho é feito com tal sobriedade, e reduzido de tal forma
aos traços essenciais, que é impossível dar uma idéa dele e fazer
compreender porque é que a figura e a ferocidade cega, como a
duma força da natureza, desse monstro e o seu ar grotesco de urso
domado, depois de vestido com os ricos despojos dum legionário, se
nos gravam tão profundamente na visão interior.
Ao passo que a área das façanhas de Viriato se vai alargando, e
que o seu prestígio e poder vão aumentando, fazendo-o passar de
simples chefe de montanheses, amantes da independência, a um ver-
dadeiro general e monarca, a epopeia bárbara vai-se transformando
num poema de cavalaria, com amores, descantes nocturnos, desafios
e torneios.
Quando Viriato, fatigado da guerra e sentindo a sua gente e os
seus cavalos igualmente fatigados, resolve ir passar umas festivas
férias às suas montanhas natais, aparece metamorfoseado num cortês,
magnânimo e faustoso rei Artur. A pintura do acanhamento rústico
dos serranos á chegada do seu antigo companheiro, no meio dum
deslumbrante cortejo, é um dos mais breves, mas sem dúvida um dos
mais admiráveis quadros, que o poeta traçou:
A turba pastoral, que prevenida
Estava, para seu recebimento,
Quando vio tanta Gente, & taõ lusida,
* Encontram-se transcritas nas págs, 207-398.
"Vavte 11— O » Viriato Tranco» 387
Tão Guerreyro, & pomposo ajuntamento ;
Pellos altos penhascos dividida
Com mudo, & vergonlioso acatamento,
Encolhida entre os rústicos penedos,
Seu Pastor sinalavão com os dedos '.
Antes de partir para a serra, Viriato mandara espalhar por toda
a Península cartéis convidando a um torneio todos os cavaleiros que
quisessem mostrar o seu valor, prometendo aos vencedores grandes
prémios. Assim costumava fazer o grande rei Artur. Acodem ao
• convite cavaleiros de todo o mundo então conhecido, que viajavam
pela Espanha buscando glória e instrução, e trazem brasonadas nos
escudos alusões a seus passados feitos, a suas mágoas amorosas, e,
por baixo das insígnias, divisas, ora lastimosas, ora arrogantes.
Milhares de operários, erguendo torres, anfiteatros, circos, con-
struindo barcos para regatas nas lagoas, transformam magicamente a
áspera e selvagem serrania numa cidade maravilhosa. Além do
torneio e da regata, as festas compõem-se também duma tourada,
do jogo das canas, de combates de feras com cativos. Quase todo
este canto é admirável, e sem diívida o melhor do poema. A tou-
rada, o torneio, a regata, são obras primas de colorido e de movi-
mento. As descrições de cavalos soberbos e garbosos são verda-
deiros modelos de precisão de termos, e de justeza de ritmo. Uma
pequena amostra :
Soprando aqui, & ali fogo evapora,
Com húa, & outra maõ bate na silha,
Com tanta força as desce, que sonora
Cayxa parece a terra quando a trilha '.
Este poema de cavalaria, enxertado na rude epopeia da indepen-
dência, e que com ela se mistura, não descende directamente da lite-
ratura cavalheiresca anónima, neni mesmo das novelas portuguesas
que nela se filiam. E um fruto tardio, talvez até o liltimo, do inte-
ressante ramo, que a Itália dos séculos xv e xvi fez brotar da velha
árvore épica com Boiardo e com o seu grande continuador Ariosto.
Os elementos dos dois ciclos épicos medievais, o carolingio ou franco
e o arturiano ou bretão, fundem-se. Do primeiro aproveitam o
pessoal e a localização histórica, do segundo o maravilhoso e a parte
> V. T. XI, i5. — J V. T. XI, III.
388 'Brás Garcia oMascarenhas
do pessoal destinado a manobrá-lo: — o sábio Muerlin com o seu nu-
meroso cortejo de encantadores e feiticeiras, e com o seu material de
anéis mágicos, de lanças encantadas e outros talismans. A colossal
e justíssima popularidade dessa incomparável obra-prima de poesia
fantástica, humana e maliciosa, que é o Orlando Furioso, deteve
cerca de meio século os modelos clássicos e a poética clássica em
respeito perante os domínios da poesia narrativa. Por cerca de meio
século se sucederam as tentativas infelizes, para conciliar os elementos
clássicos da epopeia com os elementos cavalheirescos, que a influência
dos dois Orlandos, principalmente do segundo, tornara inabaláveis..
Mascaravam-se de pares de Carlos Magno os heróis de Homero, e
pregavam-se asas de anjo aos deuses, que na Ilíada descem do Olimpo
para tomar parte nos combates em frente das muralhas de Tróia.
Prolongaram-se estes artifícios para resolver o conflito até que, já no
último quartel do século xvi, um grande poeta, não se pode bem
4 dizer que concihasse, mas forçou pela autoridade do seu génio as
duas tendências antagonistas a uma trégua mais duradoura, com mais
aparências de paz definitiva aos olhos da sua geração e da geração
seguinte. Reíiro-me ao Tasso e à Jerusalém Libertada, de que de-
riva imediatamente a estrutura fundamental do Viriato Trágico.
A actualidade, que acontecimentos contemporâneos davam aos
assuntos remotos dos dois poemas — a atitude ameaçadora dos turcos
no tempo de Tasso, a guerra da restauração no tempo de Brás Garcia
— torna ainda maior a analogia dos dois poemas, apesar da grande,
da enorme diferença de valor que os separa. No Viriato Trágico
a supressão de todo o maravilhoso medieval aproxima mais este poema
da epopeia neo-clássica, embora também o maravilhoso pagão nele
se ache reduzido às modestíssimas proporções de ornato literário, em
uma pálida alegoria, no canto i *, e a poucas referências a divindades
antigas. E é precisamente por esse aspecto mais clássico e também
pelo grande afastamento da época em que se passa a acção, que a
parte cavalheiresca, sendo nesta obra muito mais atenuada que no
seu modelo italiano, tem nela um destaque muito mais violento.
A influência directa de Ariosto, alêm desta pelo intermédio de
Tasso, é reconhecível até na creação da amazona Ormia, que é a
Bradamante do Orlando (o poeta chama-lhe mesmo uma vez «a nossa
animosa Bradamante» -) apenas com os vários auxiliares mágicos da
> Estâncias Sz-gt.
« V. T. IX, io6.
Tarte II — O « Viriato Trágico >^ 38(j
sua força invencível racionalmente substituídos por uma ginástica
adequada :
Era quanto bellissima, animosa
Ormia, e tanto na caça exercitada,
Que a pê corria a serra mais fragosa,
E a cavallo a campanha dilatada '.
O enxerto cavalheiresco da obra é quase sempre incomparavel-
mente superior à epopeia fundamental; depois da leitura, esta empa-
lidece em grande parte na memória, ao passo que aquele fica gravado
com um relevo nitidíssimo.
Nas boas passagens do poema a narrativa tem o andamento ini-
mitável da convicção. Essas boas passagens são as evoluções de
forças, os duelos, os recontros, os galopes ã rédea solta. Vê-se que
o espadachim e cavaleiro precoce, que dizia.de si próprio com visível
indulgência —
Entro na adolescência, ponho espada,
E delia aprendo huma, & outra regra,
Ramo não fica, em que não vá provada.
Nem cabello, em que não me dem com a negra.
O tanger, & dançar nnuto me agrada.
Mais o cavallo brincador me alegra ',
— que o defensor das colónias americanas, que o reconquistador pelas
armas da igreja usurpada do irmão clérigo, que o valente guerrilheiro
da Restauração, aposentado agora na sua casa de Avô, se exaltava
até á alucinação perante os fantasmas creados pelo seu próprio cé-
rebro, como D. Quixote a vêr galopar Gaifeiros, com sua esposa
Melisendra à garupa, deante duma nuvem de mouros, num teatro de
títeres. E, arrebatada por esses sonhos heróicos, a sua pena, com a
agilidade que tinha outrora a espada deposta, a aparar os golpes e a
abrir caminho por entre uma muUidão de inimigos, voava ritmica-
mente de verso para verso, deixando presa em cada curva airosa
uma rima excelente e naturalissima. A sua forma poética tinha então
os movimentos infaUveis, o equilíbrio prodigioso de gamo do sonâm-
bulo, que percorre píncaros escarpados, que desce, a correr, estreitos
carreiros à beira de precipícios, que atravessa rios em pedras onde
mal há logar para firmar os pés. Veja-se o combate de Silo com
> V. T. VI, 8i. — 2 V. T. XV, 34.
3go 'Brás Garcia dMascareuhas
Ormia. O cavaleiro e a amazona partem em direcções opostas para
ganhar velocidade e aumentar assim a violência do choque :
Tão velloses hum de outro se partirão
Que apenas sobre a terra os cascos soaõ
Tão valentes se encontrão
; Lá se esbarrondou o sonâmbulo ! exclama o leitor neste ponto,
sem compreender como eles se «encontram» tendo «partido um do
outro».
i Qual ! As três sílabas, que faltam para acabar o verso, bas-
tam-lhe para fazer dar a volta aos cavalos, sem afrouxar o galope,
aproveitando ainda esse vacilante ponto de apoio para uma rima, que
dá à descrição toda a naturalidade sintática, a rima dum presente
com um pretérito:
Tão valentes se encontram, quando viraõ,
Que as lanças pello ar, em rachas voaõ '.
São assim sempre os seus bons trechos; não há neles uma palavra
inútil, e as rimas são invariavelmente palavras sem as quais a frase
ficaria sem sentido. Outra descrição de galope :
Sobre um Ginete tal, que parecia
A todos, que no ar as maós dobrava ;
E tão somente o secco pó, que erguia,
Insinava aos de longe que o tocava '.
Espadachins e guerreiros tem havido muitos em todas as litera-
turas; basta citar um, que um drama, de que êle é protagonista, tornou
conhecido, mesmo aos que nunca leram as suas obras : Cyrano de
Bergerac.
Mas em Cyrano o espadachim c o escritor estão inteiramente des-
ligados, e é impossível através deste adivinhar aquele. O que eu
acho um caso fisiológico interessantíssimo, é esta coincidência exacta
dos dois, que se dá em Brás Garcia Mascarenhas; é sobrepòr-se ao
complexo sistema de reflexos, que constitue o espadachim, um outro
sistema, em que aos incidentes reais se substituem as imagens, e à
faculdade de actuar com precisão um dom de expressão não menos
i V. T. IX, 2 1. — 2 V. T. VI, 39,
Tarte II — O ^í Viriato Trágico» 3gi
preciso e o sentimento do ritmo. Um creador de caracteres pode
inventar um organismo destes; de carne e osso não me consta que
tenha havido outro exemplar em literatura alguma.
E por isto que, estudando-se atentamente a obra de Brás Garcia,
desaparece toda a estranheza de êle ter escapado aos arrebiques con-
ceitistas. i Como se havia de divertir a brincar com as palavras um
homem, que escrevendo obedecia a uma alucinação ? Quando ela o
abandonava, adeus concisão maravilhosa, movimento, quadro visível.
Nas scenas, que pretendem ser corhoventes, como a morte de Flora
abandonada pelo amante e o suicídio do assassino de Viriato, é em
vão que êle afecta a voz para fingir lágrimas. O seu talento, forte
mas estreitamente limitado, não lhe permitia realizar o patético. H
nessas, e noutras passagens análogas, que êle remenda a falha da
imaginação com as peores extravagâncias de linguagem. A pintura
da noite, em que Viriato é traiçoeiramente assassinado, constitue uma
excepção, talvez única. Aí a linguagem é sóbria e sã, e o colorido
trágico, sem ser extraordinário, é ainda assim intenso. Mas há nessa
passagem uma parte, em que a imaginação dos conflitos humanos
honraria um romancista de hoje, provando que em Brás Garcia o
moralista, o conhecedor dos homens e da sociedade, era muito supe-
rior ao trágico. K a recepção glacial de Cepião aos assassinos de
Viriato, que antes instigara com lisonjas e promessas de prémio:
Chegados a Scipíão, grande alegria
Tal nova em todo o Exercito causava :
Todos applaudem, elle só fingia
Que de tal feyto, & morte lhe pezava.
Com differente rosto os recebia,
Desabrido, & pesado se mostrava,
Por não mostrarse complice no feyto,
Que todo o medo lhe tirou do peylo.
Porem, como a Scipião importunassem
Pellas promessas vãas, lhes respondia.
Que os cargos lhos daria, se vagassem,
O dinheyro que dalo não podia '.
1 V. T. XX, 5o e 52,
3g2 ^rás Garcia ^Mascarenhas
As duas parcelas do composto híbrido, que é, como já disse, o
Viriato Trágico, prejudicam-se reciprocamente. O leve e gracioso
poema de cavalaria tira à epopeia bárbara a magestade severa, e esta,
por sua vez, amortece o encanto daquele, i Como pode a imaginação
abandonar-se a um poema de cavalaria, desenvolvendo-se num sce-
nário tão rigidamente histórico, a que os nomes de pretores e funcio-
nários romanos, a escrupulosa cronologia e a geografia irrepreensível
dão a nitidez brutal de contornos, que tomam as montanhas escalvadas
sob a crueza da luz, e na secura excessiva do ar ? Não há maneira
de transformar a Lusitânia do século ii antes de Christo, lutando
pela sua independência e pela sua originalidade bárbara contra a
prosaica e administrativa Roma, no pais de neblina impalpável, em
que só é possível a cavalaria. Modernamente Tennyson fez uma
série de deliciosos poemas do ciclo arturiano, e é certo que a rude
Britânia prè-saxónica não obscurece neles o brilho dos palácios de As-
tolat, capital do rei Artur, nem cobre de nevoeiro negro o deslum-
brante Montsalvat, cujo cimo, duma alvura celeste e mística, serve de
trono ao Santo Graal. Mas, entre a antiga Lusitânia e a Britânia
antiga, a diferença é — para o caso — enorme. Nós só conhecemos a
Lusitânia prè-romana pelos historiadores clássicos e pelos arqueólogos
modernos; ao passo que o império do rei Artur, que vemos nos Idylls
ofthe King, não é a Britânia da arqueologia.
O fecundíssimo ciclo da Távola Redonda encantou dentro da ilha
bárbara um mundo quimérico, que lhe repassa a aspereza, como um
espaço suspenso, no fundo do qual passara as nuvens, imaterializa a
espessura dum penedo, quando numa pequena depressão dele a água
da chuva para lá projecta uma imagem do céu. No poema de Brás
Garcia Mascarenhas, por mais que se admire a execução, é impossível
impedir um desencanto profundo perante aqueles desafios a combate
em honra duma dama, aqueles torneios, aqueles pundonorosos cava-
leiros, aqueles escudos brasonados e devisados, — da Lusitânia de
Viriato.
Mas uma cadeia de antecedentes históricos privava o poeta da
liberdade de compor por outra forma a sua obra. Ele escreveu-a
assim em virtude duma pressão do passado, tão irresistível como por
exemplo aquela que nos faz falar português em vez do latim que fa-
lavam os vencedores e os descendentes romanizados de Viriato.
'Parte II — O «Viriato Trágico^* 3g3
Camões referira-se com desdém aos heróis de Ariosto, opondo-
Ihes as figuras da história nacional
Que excedem Rodamonte, & o vão Rugeiro,
E Orlando, inda que fora verdadeiro '.
Tasso dava-lhe o exemplo duma verdadeira epopeia cavalheiresca,
baseada na história das cruzadas, e com uma população histórica e
inventada substituindo a população tradicional do género. Mas Brás
Garcia Mascarenhas podia, sem deixar de obedecer a esta corrente,
ter escolhido para assunto do seu poema histórico um episódio da
reconquista do território português aos muçulmanos, e aí achar-se ia
na verdadeira Terra-da-Promissáo do romanesco. As paixões por
princesas mouras, a conversão delas por amor de cavaleiros christãos,
as maravilhas dos palácios mouriscos, que os jardins de Armida do
seu mestre autorizariam e ajudariam a edificar, os encantamentos dos
heróis, os tesouros encantados, tudo isto, apoiado por uma forte tra-
dição do «tempo dos mouros», reforçada pelo romantismo e pela
imensa popularidade das Mil e uma noites, faria, sem dúvida, do
poema uma das obras portuguesas hoje mais conhecidas, mais lidas
e mais" amadas.
Não nos iludamos porem. Pedir isto ao século xvii seria den-
unciar um grande desconhecimento da história literária, ou uma
absoluta falta de senso histórico. Aí mesmo a força da torrente des-
viá-lo hia de fazer o poema, em que lastimamos não vêr empregado
o seu talento. Entre o Orlando Furioso e o Viriato Trafico apa-
recera um livro genial, que não só acabara de dissipar às gargalhadas
o já abalado maravilhoso da Távola Redonda, mas formulara mesmo
o plano a que devia obedecer, para ser aceitável, todo o livro de ca-
valaria. Escusado é dizer que me refiro a D.' Quixote.
; Como teria podido o então obscuro poeta da Beira, se pensasse
(admitamos por um momento a hipótese absurda) em pintar um
cavaleiro detido por sortilégios num palácio encantado, como teria êle
podido, digo, resistir ao pavor do ridículo, lembrando-se de scena
análoga descrita com entusiasmo pelo próprio herói de Cervantes,
mas na qual o cavaleiro, no meio das maravilhas que se ocultam no
fundo dum lago, ao fim dum banquete servido por donzelas formo-
síssimas, — palita os dentes !
' Lusíadas, I,
3g4 'Brás Garcia óMascarenhas
Uma outra personagem de Cervantes, um cónego letrado, deplorando
a loucura do fidalgote manchego, e amaldiçoando as novelas de cava-
laria, cheias de impossíveis, de maravilhas irrisórias, de anacronismos
grosseiros e duma geografia fantástica, louva contudo o género cava-
lheiresco, que, podado desses absurdos, achava altamente próprio
para pôr em evidência as mais nobres virtudes militares e políticas,
e para o autor se mostrar consumado humanista, excelente cosmó-
grafo e homem versado nos negócios do Estado. Este cónego, para
mim simbólico do amanhecer triste e cinzento da sensata idade clás-
sica, oprimia Brás Garcia Mascarenhas com todo o peso da sua au-
toridade de erudito. No seu discurso a D. Quixote para o chamar à
razão, entre os modelos de perfeitos cavaleiros, que lhe cita como
devendo substituir os desprezíveis heróis da epopeia medieval, figura
precisamente Viriato. Se já então existisse o poema, que lhe celebra
os feitos, seria sem dúvida citado com louvor, porque o Viriato Trá-
gico é um poema de cavalaria com qualidades para cair no agrado
do douto eclesiástico. Foi em sua homenagem que o poeta escreveu
as longas dissertações sobre a organização militar dos romanos, sobre
geografia, sobre as instituições políticas de quase todas as nações,
ocupando com elas talvez um terço da ubra.
Esses tratados, sendo, como não podiam deixar de ser, poetica-
mente nulos, literariamente são quase sempre excelentes. Realmente,
não é possível escrever melhor em verso sobre assuntos daqueles.
A vivacidade do estilo, devida ao interesse real pelas matérias
tratadas, aligeira consideravelmente a leitura. ; Como ali se está longe
dos circunlóquios descritivos, substituindo os nomes das cousas, e de
todo o arsenal da futura poética de Boileau 1 Os termos técnicos
ainda se chocam em rimas a cada passo, dando às oitavas sabor e
animação. Alem disso, essas dissertações suprem a falta de notícias
contemporâneas sobre o autor, e apresenlam-no como um espírito
cultíssimo, amadurecido pela experiência e pelas viagens, decerto um
dos portugueses mais instruídos do seu tempo. E no decorrer delias,
como também na parte auto-biográfica do canto xv, encontram-se
frequentes reflexões sobre a vida, sobre os preconceitos, sobre o sé-
culo, que colocam Brás Garcia, como moralista, á altura do seu grande
contemporâneo D. Francisco Manuel de Melo.
Apesar de tudo que lhe afrouxa o efeito poético, e apesar da insu-
portável mediocridade de certas personagens, como são as cartas de
amor com oitavas bombásticas em rimas exdrúxulas, o Viriato Trá-
gico é ainda assim um dos pouquíssimos livros interessantes que.
Tarre II — O « Viriato Trágico:'^ 3g5
fora da literatura de claustro e de púlpito, nos legou o século xvii, e
o seu autor é uma das quatro ou cinco sérias figuras literárias dessa
época triste, e intelectualmente miserável, da nossa história.
l Antes de Brás Garcia Mascarenhas, já algum escritor português
teria localizado no Hermínio a pátria de Viriato, contribuindo assim
para que essa figura se lhe imposesse como modelo de bravura du-
rante sua obra patriótica de defesa da Beira, e como herói do poema,
cuja primitiva intenção foi sem dúvida simbolizá-la ? A estreiteza
do tempo não me consente agora pacientes pesquisas bibliográficas
para o apurar. Mas, tanto quanto me é lícito fiar-me na memória,
estou convencido de que essas buscas são tão escusadas, como esca-
vações arqueológicas na Serra da Estrela, para encontrar relíquias
das construções sumptuosas, que Viriato lá fez erigir para recreio da
sua corte e dos seus antigos companheiros. A suposta tradição,
quer-me parecer, data apenas da publicação do poema '. Se assim é,
a sua influência indirecta tem sido larguíssima. Conhecimento directo
dele raríssimas pessoas o teem; e dessas ainda uma bôa parte só leu
as passagens, que os compiladores de selectas, com o seu infalível
faro para descobrir num livro precisamente a página mais medíocre,
mais incaracterística e mais enfadonha, teem servido aos estudantes
de literatura portuguesa.
Resta-me agora falar do Brás Giwcva filósofo, na acepção popular
dá palavra, isto é, despido de ambições de glória e mergulhado com
• Apesar da sua memória tenaz e pronta, e da vasta leitura que possuía, o
autor enganou-se neste ponto. Se ao escrever este artigo tivesse à mão (que não
tinha) a primeira parte da Monarquia Lusitana, não deixaria de recorrer a ela,
como uma das fontes do Viriato Trágico, para verificar a exactidão desta sua su-
speita. Abrindo o primeiro volume daquela obra, 1. Ill, cap. i, na foi. 209, col. i.' da
edição princeps, leria o seguinte: — «... o insigne Capitão Viriato, nacido pêra
terror dos Romanos, & pêra gloria, & liberdade do pouo Lusytano. Foy este sin-
gular Capitão, como diz Alladio, nacido na Lusitânia interior, que he, conforme
nosso estillo de faliar moderno, a que agora chamamos Beyra, filho dos Lusytanos
antigos, verdadeyros moradores da terra, sé mestura de nenhiía outra nação, das
muytas, que vierão pouoar esta prouincia : e como tal he necessário confessarmos
ser da casta dos bárbaros, moradores entre as brenhas, & asperezas da Beyra,
cujos costumes, & modo de viuer, deyxamos declarado no primeiío liuro». — É o
que sobre o assunto escreveu o Dr. Fr. Bernardo de Brito no dito volume, publi-
cado em 1597, quando Brás tinha de idade um ano. — A. de V
3q6 'Brás Garcia oMascareiíHas
delícia na paz do seu retiro, á beira do Alva, fase esta de que há
diversos reflexos espalhados pelo poema.
Quando os lemos pensamos em Sá de Miranda, refugiado na sua
comenda do Minho, celebrando lá os encantos da vida rural e falando
com horror na da corte, cujas intrigas conhecia demasiadamente.
Mas ocorre-nos então esta pregunta: j Porque é que Brás Garcia,
desiludido do mundo e celebrando o viver de fidalgo aldeão, apesar
de ter um maior domínio da forma, de exprimir não raro muito mais
plenamente o seu pensamento, de ser, mais escritor do que Sá de
Miranda, nos interessa muito menos ? Parte da explicação deve ser
outra vez pedida à divindade calva da nuca e de pés alados, que o
poeta celebrou. Ela andava distante do seu tempo nada menos dum
século.
Sá de Miranda escrevera as églogas filosóficas e a carta a António
Pereira, senhor de Basto, numa época de transformação da vida por-
tuguesa, quando o comércio da índia e a consequente atracção da
vida de Lisboa arrancavam aos seus solares a nobreza da província,
fazendo dos antigos chefes do país rural simples figurantes de corte.
A sua voz era a duma minoria da nação, terrivelmente lúcida no
meio da embriaguez geral, e clamando contra a loucura da índia,
contra a loucura de
Lisboa,
Que ó cheiro desta canelia
O reino nos despovoa '.
Ele era, usando da sua própria alegoria, o homem enxuto no meio
de todos os que molhara a chuva no primeiro de Maio, que, segundo
uma crença popular, enlouquece. Por isso via tão bem a insânia dos
outros, mas em vez de se banhar numa poça da chuva mágica, como
a personagem da sua fábula, para ficar semelhante aos mais, preferia
conservar estoicamente a sua lucidez, e, do isolamento em que se
confinara, enviava aos loucos correndo alegremente para o abismo o
seu brado triste e solene.
O caso de Brás Garcia é, pelo contrário, individual. A revoltante
injustiça de que foi vítima, e que o desgostou para sempre da vida
pública, não tem significação histórica; com aspectos diversos, segundo
as épocas, é de todos os tempos. Leia-se esta observação do Viriato
' Poesias de F. de Sá de Miranda, carta v .4 António Pereira, in ediç. de Ca-
rolina MiCHAELis, pág. aSy.
^arte II — O << Viriato Trágico» 3g7
Trágico sobre o servilismo da vida da corte, que abate o orgulho
aos mais soberbos :
Hé mar a Corte, & rios os senhores,
Que entrando nella, como nelle os rios,
Os que se tem cá fora por mayores,
Perdem lá dentro a fúria, nome, & brios '.
Sá de Miranda não escreveu nada mais eloquente nas suas poesias
de carácter social, j E todavia estes versos, tão finos, estão bem longe
de ter o interesse histórico dos conselhos ao senhor de Basto ! É
que isto é uma rellexao abstrata, universal, de moralista desse árido
século XVII, que, depois da agitação e das transformações profundas
da Renascença, dá a impressão dum convento, cheio de quietação
monótona, e estudioso.
O Jilósofo de Avô é, mais do que outra coisa, um homem fatigado
duma vida aventurosa, e que resolve, como Candide, cultirer son
j ardi II.
Esta particularidade é-nos fornecida por ele próprio em versos
melodiosos e cheios de frescura, ao descrever o sonho profético de
Viriato, que se estende até á vila de Avô do século xvii, onde o poeta
anda cantando
Em numerosos versos seus louvores
Entre jardim, que fez, de quando a quando
Tosando as murtas & compondo as flores *.
Alêm das causas históricas, há uma causa individual para a subal-
ternidade de Brás Garcia, poeta da paz rural, relativamente a Sá de
Miranda.
O autor do ]'iritiío Trágico não via nos aspectos da natureza «a
túnica viva da Divindade» como dizia Goete ; para êle só existiam no
mundo belas formas, belas atitudes, belos movimentos. Do mesmo
modo, no remanso da sua aldeia e do seu jardinzito, só sentia agra-
dáveis emoções, puramente orgânicas, de paz. E a linguagem gráfica
e luminosa, que tinha ao serviço desta mediania de espirito, era como
uma água transparente, deixando ver o fundo próximo, em que se
toma pé. Esta referência à música é uma prova tirada ao acaso,
» V. r. XV, 47, — í r. r. XV, a6.
3gB Èrás Garcia oAIascarenhas
de entre muitas ouiras, da superficialidade e materialidade do seu
sentir:
Amante foy sem falta o cuiioso,
Que a musica chamou d'alma igoaria:
Não tem o mundo prato mais gostoso
ctc. K
Sá de Miranda, pelo contrário, elevava-se à contemplação pan-
teista. Na sua obra encontram-se frequentemente frases, como esta
da carta a António Pereira, falando da Natureza :
Deixais esta madre antiga',
que, pelo menos aos meus ouvidos, ecoa gravemente nas naves do
mistério. Até a evocação das merendas de agosto na fonte da Bar-
roca teem nele uma gravidade, um tom de veneração, vizinho da
religiosidade. A sua obscuridade resultava dum desiquilíbrio entre a
profundidade da visão e o poder de a traduzir; e as incessantes cor-
recções dos seus versos, que ás vezes os punham ainda mais obscuros,
representam a luta com a forma rebelde, para exprimir o inefável.
Voltando a Brás Garcia Mascarenhas.
É altamente louvável que se assinale por uma lápide, se não a
sua casa, pelo menos o sitio onde ela existiu ^. Ali, sem a menor
esperança de glória nem de publicidade, sem mesmo ter provavel-
mente um auditório culto, a quem lesse o que escrevia, passou esse
admirável artista os tiltimos anos da sua vida a compor os seus qua-
' V. T. VIU, I20. — 2 Loc. cit., pág. 248.
> Ao escrever este período, supunha o autor que já não existia a própria casa
onde o poeta nasceu, viveu e morreu. Esta persuasão era comum em Avô ; e foi
pelos estudos feitos sobre os documentos da família Garcia Mascarenhas, em que
muito me auxiliou Carlos de Mesquita, que um e outro chegámos à conclusão, se-
gura e indiscutível, de que essa tradição era errónea, e que a primitiva casa dos
Mascarenhas de Avô nos séculos xvi e xvii era a mesma que, descrita em primeiro
lugar na escritura de instituição do vínculo (doe. CVII), sempre foi e ainda hoje é
possuída e habitada pelos descendentes do poeta. A ela nos referimos já larga-
mente nas págs. 9, 18, 3;, 106, etc, explicando a origem do erro vulgar na pág. 112
e segs. Acha se hoje signalada, segundo o desejo do autor, aqui expresso, por
uma bela lápide de mármore, esculpida por João Augusto Machado, comemorando
que ali nascera o poeta a 3 de fevereiro de 1596. — A. de V,
'Parte II — O •■(.'Viriato Trágico» 3gg
drinhos, no género incomparáveis, só para se dar o prazer de os vêr
ir nascendo, como as Bores do jardim «que lez», de vêr a beleza ir
saindo debaixo da sua pena. Grande parte dos papéis escritos com
tão verdadeiro amor, em obediência a uma vocação tão nobremente
desinteressada, foram aplicados em embrulhar semente de repolho,
melão e outros mimos de horta, de que descendem talvez muitos dos
que ainda hoje se comem em Avô e cercanias. Basta porém o que
escapou aos embrulhos de sementes e aos recheios de novelos, para
exigir mais que essa lápide à região, que tem a honra de ser
pátria desse grande homem, pessoal e literariamente tão simpático.
Gustavo Flaubert teve a ideia de fazer erigir em Rouen ao seu
amigo Luís Bouilhet um monumento, que consistiria em uma fonte
simples e graciosa, encimada pelo busto do poeta. Se não houvesse
este precedente, eu não me atreveria a arrostar com os gracejos dos
espirituosos, alvitrando um monumento semelhante ii memória de
Brás Garcia Mascarenhas. Forte, porém, com o exemplo dum homem,
que tão alto sentimento teve da beleza, e tão grande horror ao ridí-
culo, pregunto: — ,1 Tendo de se fazer uma fonte na sede do concelho
de Oliveira do Hospital, a que pertence a terra onde nasceu, tra-
balhou e morreu o poeta, porque se não há de aproveitar esta ocasião,
e dar à parte ornamental dessa fonte o carácter dum monumento
modesto, mas artístico ? Bastava um pedestal, encimado por um
busto, e tendo uma inscrição, para que não seria difícil encontrar
no Viriato Trágico uma sentença apropriada. Podia também ser
o pedestal rodeado das armas das famílias, de quem descendia o
poeta, com os patjuifes no estilo das ornamentações heráldicas do
século XVII. Para o projecto está naturalmente indicado um distin-
tíssimo artista e arqueólogo da capital da região, o sr. António Au-
gusto Gonçálvez.
l O acréscimo da despesa, embora pequeno, c excessivo para os
modestos recursos do município ? Abra-se uma subscrição. E a
região da Beira, onde o poeta estava enraizado por muitas gerações e
por muitas linhas (como se vê do excelente trabalho biográfico e ge-
nealógico do sr. Visconde de Sanches de Frias), considerando que
um grande homem é a líôr em que se concentra, de longe a longe, a
seiva dispersa duma população, saberá mostrar-se digna de quem
tão brilhantemente a representa na literatura nacional.
Carlos de Mh:sQt;itÂ.
APÊNDICES
26
APÊNDICES
a) — Documentos
b) — Notas genk.m.ógicas
c) — Esquemas genealógicos
DOCUMENTOS
ALVARÁ DE D. JOÃO III NOMEANDO ESCRIVÃO DAS CISAS GERAIS
E DOS PANOS DE AVÔ E DE S. SEBASTIÃO A SIMÁO GARCIA,
AVÔ MATERNO DE BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS
fj janeiro i55j)
Dom Joham etc. aos que esta mjnha carta virem face saber que cõfiamdo eu de
symaão guarcia morna villa dauoo que nos ofícios de scr/puam das sysas geraees e
dos panos da d'a villa e de são sebastiam seu Ramo me serujra bem e ffielm'« como
a meu serujço compre e por elle ser examjnado e auydo per auto pêra me nos d>os
oficjos serujr pio barão dallujto vlor de mjnha faz'Ja tenho per bem e me praz de
lhe fazer delles Mercê os quaees tinha per mjnha carta fernaão giz mor em olyu" do
esprítall e os Renúciou em mjnhas maãos per aniRique madra crjado de Joham
gomez th» do dro da casa da Jmdia seu ppdor per vertude de sua ppam bastamte que
parecia ser fia e asynada per ao Rõiz tam do ppi^o e judiciall na villa de bobadella aos
xxbj d. do mes de dezo que ora pasou deste ano presemte de b<: Ibij e a RenO-
çiação do dito amRique madr* parecia ser sobscrípta e asynada per Jorge píriz f""
das notas desta cidade de lix^ e seus termos e casa do ciuel aos ij d. do mes de
janeyro deste dto ano cõ testas nelle nomeadas etc. E os d'os ofícios serujraa o d'o
symaão guarcia emquamto eu ouuer per bem e não mãdar o comtro e auera cõ elles
o mãtymfo abayxo declarado ss. cõ ho das sysas geraees a Rezão de sesemta rs per
mjlheyro ate cheguar a cõthya de mill rs per ano e mais não posto que as d'as sysas
mais Remdão e cõ o dos panos aueraa dozentos rs per ano e mais não que são ao
todo per ano mill e dozemtos rs que he outro tamto como tynha e auya o d'o fernão
giz pia dta mjnha carta os quaees serão paguos ao d'o symão guarcia a custa dos
Remdros das d'as sysas quamdo forem aRemdadas e quamdo não ha custa de mjnha
faz^a e asy auera os proees e percallços que lhe drtamtf pertencerem e forem orde-
nados aos d'os ofícios os quaees elle será obrjguado a serujr jumtamt^ e não ser-
ujmdo ho das sysas geraees lhe não será esta carta guardada E Mamdo ao comtador
da comarqua e a quaees qr outros oficiaees a que o c'o desto pertemcer que lhe
dem a pose dos dtos ofícios e lhos deyxem serujr e aver o dto mátym'o proees e per-
callços pia man" que dito he sem duujda nem embarguo que lhe a isto seja posto
porque asy he mjnha merçe E elle jurara em mjnha choa aos samtos euangelhos
q bem e verdadramte syrua os d'os ofícios guardamdo em todo meu serujço e as
partes seu dr'o e paguou dordenado delles na dta cho* mill quatro cemtos vjmte rs
que se careguarão ê Rp'a sobre o Ror delia segdo se vyo per hú seu c'o em forma
que se Rompeo ao asynar desta carta cõ ha outra que dos dws ofícios tynha o dto
(4) 'Brás Garcia de SMascarenhas
fernão giz e estrom'" de Renuciação el Rcy noso sõr ho mamdou per dom R° lobo
barão dallujto do seu coHiselho v^or de sua fazíia Joham esteuão ha fez é lix" a bij d.
do mes de Janeyro ano do nacimto de noso sõr Jhu xpo de jm b": Ibij.
iT.T. — Cli.ii:.-c:!.uia de D. João III, 1. liv, fl. 187).
II
ASSENTO DO BAPTISMO DE MARCOS GAKCIA, PAI DO POETA
(i- novembro i564)
Ano de 1564. cura ãtonjo frz'.
Em hos dezasete dias do mes de novembro baptizei marcos fo dantonjo alúiz e
de sua molher Ana marquez foj padrinho gaspar fr^o i madrinha florentina de
lourejro apresetado per marta de fig.^o todos m"'es nesta vila.
Antonjo frz'.
{i.C — Registo paroquial Ja Bobadella,\. i, cad. i.°, fl. 39 v.").
III
ASSENTO DO BAPTISMO DE SUSANA MANUEL, AVÓ MATERNA DA MULHER DE BRÁS
fijlll.ho l56')
Jo de 1567
no primro dia de Junho bautizey eu fernã Rõiz cura (.'') a susana f^ de manoel
Joã e m3 digo C'» Rõiz m^es nesta vila e fora padrinhos s» frz' e a ca nuiz desta
vila daboo hoje o primeiro de Junho 1567 anos.
(CS. — Registo paro^iiia! de Avó, \. i, cad. 2.", fl. 3)
IV
ASSENTO DO BAPTISMO DE HELENA MADEIRA, MAE DO POETA
(26 setembro i568)
Hera de i568
ao 26 de setembro bautizei a ilena fa de Simão gracia mor nesta vila e sua
molher forão padrinhos anto de gouueia mor em galizes e a molher de iõm frz' o
preto * m<"" nesta vila '.
(CS. —Registo paroquial de Avó, 1. i, cad. 2.°, fl. 8 v.').
' Casado com Maria .Marques, tia materna do neófito íVid. \ot. geneat. 1, 11, 5).
2 Consta do registo paroquial de Avô que naquela época residiam na referida vila nada menos
de cinco indivíduos de nome João Fernandes, os quais se distinguiam uns dos outros pelas designações
seguintes : — o velho — o moco — o preto — do íen-eiro — da escada, — N'ote-se que a alcunha o preto
não indica de modo algum que a pessoa a quem era applicada fosse da raça negra. Contemporâneo
deste, havia em Avô um outro homem de alcunha semelhante, que figura em vários assentos de baptismos
com o nome de João Affonso o negro.
3 Não é assinado íste termo, mas pela caligrafia reconhece-se ter sido lavrado pelo padre
Pedro Nunes, cura de Avô.
I
'Documentos (5)
V
ALVARÁ DE D. FILIPE 11 DE CASTELA PERMITINDO A SIMÃO GARCIA,
AVÔ DO POETA, QUE CONTINUE FABRICANDO PANOS COMO ATÉ ALI,
APESAR DO SEU CARGO DE ESCRIVÃO DAS CISAS
(6 julho 158-2)
Eu el Rej faço saber aos q este alu." vire que eu ej por be e me prnz que sjmão
garcia m'"' na villa de voo posa por tenpo de três annos fazer panos de lã como os
ate ora fez caregandosse os panos que asj fizer e liuro pello escrjuão da camará
da dita villa como os dantes caregaua pa q os dr"»» q delles deuer possão vir ê boa
aRecadação o q assj ej por bê sê embargo de o dito sjmão garcia ser escrjuão das
sjsas da mesma vila vista a êformação atras escrjta q me deste caso mandou o
prouedor da comarca da cidade da guarda e o que os oíficiais da camará da dita
vila sobre jso apontarão pello q mando ao dito prouedor e a todas mjnhas Justiças
Officiais e pas a q este allu^ for presentado q deixe ao dito sjmão garcia fazer os
tais panos pH" dito tempo de três annos pondose ê aRecadação no modo sobredito
e cumpra e guarde este allua como se nelle contem e ej por bê que valha etc
djo lopez o fez c lix» a bj de julho de mil b<: Ixxxij e eu dj» velho o fiz escrever.
IT.T. — Chanceltaria Je D. Filippc I, 1. 5, fl. 5.)
VI
ASSENTO UO CASAMENTO DE GASPAR DIAS DA COSTA COM SUSANA MANUEL,
AVÓS MATERNOS DA MULHER DO POETA
(1 6 fevereiro i586)
Do Anno de 86.
Aos 16. de feuero recebi a gaspar diz filho de fcrnão gil de villa Cova com su-
zana m«' fa de AU' Joani e de c^ rõiz desta villa. tesl" o prior de villa Cova Marcos
frz' e go m^i.
Anto Diaz
(CS. — Registo paro^uiíil Jc Avó, 1. i, cad. i.", II. lo v.°).
VII
ASSENTO DO CAS.AMENTO DE MARCOS GARCIA CO.M HELENA MADEIRA,
PAIS DO POETA BRÁS
(ii) acosto iSgiJ
Do Anno de i5qi
Aos dezanoue de Ag,io recebi eu Ant." diaz Vig.ro a Marcos gracia filho de
Ant.o alúz e de sua molher Anna marques iá defunta ' m.ois na bobadella com Ilena
í L inexacta esta declaração. Quando se Invrou o presente assento eram vivos ambos os pais do
noivo, que residiam na Bobadela. António Alves Abranches faleceu passado ano e meio, a 21 fevereiro
iSgB, e Ana Marques, sua mulher, só veiu a morrer quási centenária, e caquética, a 18 abril 1619. (CS. —
Registo paroquial da Bobadela, 1. i, cad. 1, 111. 14? e 147 v.").
(6) Uras Garcia de oMascarenhas
mad.ra filha de (está roto o fundo da Jolha, onde continuava a linha, e acham-se
intercaladas do^ie folhas com outros assentos; na iS." folha, depois desta, vem o resto
do assento, assim:) e de sua molher Varoniqua nunez ia defuncta m.<"'s em esta
d'» villa de Auo. Forão tas os p.^s Christouão giz' e diogo piz' beneficiados nesta
lg." e o p.e p.o nunez cura em aldeã das dez, e o p.« bernardo caramello cura em
Villa pouqua ', e outros m'os.
Ant.o diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. i, cad. i.°, fl. i3+ v," e 147).
VIII
ASSENTO DO BAPTISMO DE FELICIANA MONTEIRA, IRMA DO POETA BRÁS
(11 junho i5g2)
Do Anno de i.ígi
Aos onze de junho baptizei eu Ant.o diaz vig.ro a feliciana filha de Marcos gra-
cia, e de sua molher Ilena mad.ra desta villa foi padrinho o s.or João freire da
bobadella^, madrinha Joana pegada molher de simão g.''"'.
Ant.o Diaz.
(CS. —Registo paroquial de Avô, I. 1, cad. 2.°, fl. 370).
IX
assento do baptismo de MANUEL GARCIA, IRMÃO DO POETA
(10 fevereiro i5g4)
Do Anno de 94
Aos dez dias do mes de feuero baptizei eu Ant.o Diaz vig.ro a Manoel f.o de
Marcos graçia e de sua molher Ilena madr.a m.ors nesta uilla foj padrinho João
peres m.or em oliueirinha, e madrinha Maria Jacome^ molher de Ant.o Simões desta
mesma uilla.
Anto diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. 1, cad. 2 °, fl. 39).
X
alvará de d. FILIPE II DE CASTELA PROVENDO MARCOS GARCIA, PAI DO POETA,
NO OFÍCIO DE ESCRIVÃO DAS CISAS GERAIS E DOS PANOS DE AVÔ,
VAGO PELA RENÚNCIA FEITA POR SIMÃO GARCIA, SOGRO DAQUELE
{4 setembro i5g5)
Dom filipe etc faço saber aos que esta carta uijrem q hauemdo Resp'o a symão
guarcia Renuciar ê mjnhas mãos o oficio de scripuão das sysas geraees e dos Panos
1 Parente dos Madeiras Arrais de Avô.
2 Representante da casa dos Freires de Andrada, senhores da Bobadela, iiltimaniente representada
pela condessa de Camaride, ha poucos anos falecida.
3 Avô materno da neófita, ora casado em 2.** núpcias.
< Era prima coirmã de Helena Madeira, mãe do neófito (Vid. NoI. geiíeal. II, ni f, iv h e n c, 1
e }. — Esq. gencal. II, 11, i3, 54 e Cg).
'Documentos (7)
da uilla (iauoo e seu Ramo pa delle fazer mercê a quem me aprouuese como se vijo
per huú estrom'o da d'a Renúciação que dizija ser fto per paulo joão tam do ppi^o e
judiciall na villa de coja e fto é ella aos xiiijo do mes de Janeyro deste ano preséte
de bc IRb cõ tas nelle nomeadas comfiamdo de marcos guarcia que me serujraa
bem e fielmts como a meu serujco cumpre ey por bem e me praz de lhe fazer mercê
do dto oficio de scrípuão das sysas geraees e dos Panos da d'» villa da voo e seu
Ramo asy e da maneyra que os seruja o d'o sjmáo guarcia seu sogro e as mães
pas que delle forão proujdas o q' oficio elle marcos guarcia teraa e syrujraa êquãto
o eu ouuer por bem e não mãdar o comtro e cõ declaração que tyramdose ou ex-
tjmguvndo se ê allgú tpo per ql qr causa que seja lhe não fique mjnha faz^a por
iso hobrjguada a satysfação allgúa cõ os quaees haueraa o mãtym'o habayxo decla-
rado ss.cõ o das sysas geraees a Rezão de Ix rs por mjlhr.o te cheguar a comtya
de mill rs ê cada ano e mais não e cõ o dos panos ij<: rs por ano q lhe serão paguos
ha custa dos Remdr»* quãdo as d'as sysas forem aRemdadas e quãdo não ha custa
de mjnha faz^a que he outro tamto como tynha e auya o dto seu sogro pio que
mamdo ao prouevdor da comarqua da guarda que lhe dee a pose do dto oficio e
lhe deyxe auer o mãtymto acima declarado e o dto marcos garcia foy examjnado e
auydo por auto pa os serujr e jurara ê mjnha ch^ya aos sãtos euamgelhos que bem e
verdadramte os syrua guardamdo ê tudo meu serujco e o dirto das partes e paguou
dordenado delles ao thro da dta cho» biijc rs como se vyo per seu cto é forma fto
pio scrípuão delia que os sobre elle careguou ê Repta e asynado por ambos q foy
Roto ao asynar desta que por firmeza de todo mãdey dar ao dto marcos guarcia
selado do selo pemdemte dado ê a cidade de lixa a iiij de setro el Rey o mãdou per
fernão da syllua do seu coHiselho do estado e v<lor Je sua faz^a mel vaaz a fez de
jm b<; IRb sebastyão perestrello a fiz screpuer.
(T.T. - ChancelUria de D. Filipre I, 1. 38, fl. 3o2).
XI
ASSENTO DO BAPTISMO DO POETA
(10 fevereiro i5r)6)
Do Anno de 96
Aos dez ' de feuero baptizou o p.« Diogo p/riz a bras filho de Marcos gracia
e de sua molher Ilena madr.a foi padrinho gaspar diaz ^ e madrinha Joana pe-
gada molher de Symão gri,7c;a ' todos desta uilla.
Ant.o Diaz
iC.S. — Registo paroquial de .Avó, I. 1, cad. 2.', fl. 43 v.°).
1 Tinha sido escrita a palavra noue, qiie em seguida foi riscada, escrevendo a mesma mão, em
entrelinlia, de^.
2 Casado com D. Susana Manuel, avós que vieram a ser de D. Maria da Costa, mulher do poeta.
3 Avó materno do neófito, com cuja madrinha era casado em segundas núpcias.
(8) 'Brás Garcia de cMascarcii/ias
XII
ASSENTO DO BAPTISMO DE VERÓNICA NUNES, IRMÃ DO POETA
(6 de^ewbro ligjj
Do Anno de 97
Aos seis de Dezembro o p.e Dioguo píz com minha licença baptizou a Varo-
niqua filha de Marcos gracia e de sua molher Ilena madr.a foy padrinho felippe
madr.a filho de Symão g •■•' ' e madrinha suzana Manoel molher de g.ir díz ^
todos desta villa e por uerd. etc.
Ant.o Diaz.
(CS. — Regislo paroquial de Avó, 1. i, cad. 2.", fl. 46I.
XIII
ASSENTO DO CASAMENTO DE GASPAR GARCIA, IRMÃO GERMANO DA MAE DO POETA
f.So dezembro iSgj-j janeiro i5gH)
Do Anno de 98.
Aos sete dias do mes de Janr.o eu Ant.o Diaz vig™ fiz as bênçãos a porta da
igr.a a g.^r gracia filho legitimo de Symão g." e de sua molher Joana pegada ja
defunta m.ors nesta villa, e a Maria manoel, filha legitima de M.ei João m.or em
buarcos e de sua molher Cfi vou ia defunta m.or q foy nesta villa. Forão test.as
destas bênçãos Symão madr" Thisour.o nesta ig." D.os pTz. João lopez, g.ir díz'
Juiz ordinário e outros m.'"*
E em o penúltimo de Dezembro do anno passado de 97. recebi em face da ig."
aos sobre ditos sem serê corridos os banhos por assi o mãdar o l.do g.lo do quintal
uisitador por lhe constar per test.as q perguntou q maliciosa m.t« se podia impedir
este matrimonio, e estando apartados se correrão os banhos e por não auer impe-
dimto lhe fiz as sobridas (?) bênçãos. Forão test.as do casam.to em face da ig.ra
antes dos banhos o dito Symão mad.""» Thisour.o p.o carualho g.ar João ferrador
Ant.o Marques, Symão pTz Alu.o anes. Ant.o frz' çapatr.o Ant.o frz' do outr.o todos
desta villa e outros m.tos E por verd. etc.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Avô, I. 1. cad. 1.", fl. i3S v.").
1 Portanto tio materno dn baptizada, a quem deu o nome de sua mác, Verónica Nunes (JVo(.
geitenl. II, me, 4).
2 Avós maternos de D. Maria da Costa, que veiu a ser mulher do poeta Hrás Carcia (No/.
gencal. Ill, 11).
3 É o mesmo Gaspar Dias da Costa, avô materno da mulher do poeta.
documentos Cg)
XIV
ASSENTO DO BAPTISMO DE MARIA GARCIA, IRMA DO POETA
(21 dezembro iSfjç))
Do Anno de qo
Aos 21. de Dezembro baptizei eu Ant." Diaz vig.™ a Maria filha de Marcos g."
e de llena madr^ sua mol desta villa foy padrinh. o p.c Ant." gomez vig ro do Er-
uedal, e madrinha Isabel nunez filha de Symão g." '
Ant.o Diaz
(CS. — Rej^isto paioquial de Avó, 1. 1, cad. 2.°, 11. 5o).
XV
ASSENTO DO BAPTISMO DE PANTAI.EÃO GARCIA, IRMÃO DO POETA
(5 agosto 1601)
Anno de 1601
Aos sinquo de Agto baptizey eu Ant.o Diaz vig.ro a Pantalião filho da Marcos
g.ra e de sua mol. llena madr.a foy padrinho Symão g.ra 2 madrinha Agost.a lou-
renço mol. de fi-.™ marquez da bobadella ^ e por verdade fiz este assento.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. 1 , cad. 2", fl. 53).
XVI
ASSENTO DO BAPTISMO DE ANA MONTEIR.\, IRMA DO POETA
(i5 setembro i6o3)
Anno de ôo3
Aos quinze de septembro baptizei eu Ant.o Diaz vig.™ a Anna filha de Marcos
gracia, e de sua molher llena madr» desta uilla. forão padrinhos assignados na
forma do s.to Concilio Affonso Vas m.or em Ansariz* e madrinha suzana manoel
molher de gaspar diaz desta dita villa =, e por verd. fiz e assiney este assento.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. i, cad. 2.°, fl. 58).
1 Tia materna da neófita {Not. geneal. II. iii c, 2; — Esq. geneal. II, (Si-
2 Avô materno do neófito. «
3 Irmão de Marcos Garcia, por isso tio paterno do baptizado {Not. geneal. I, lii, 2).
4 Casado com Leonor Jácome, segunda prima da mSe da neófita í.Voí. geneal. II, 111 b, 11 c, e iii c).
^ Avós matemos da mullicr do poeta.
(lo) lirds Gil r cia de ^Mascarenhas
XVII
ASSENTO DO BAPTISMO DK ISABEL GARCIA, IRMA DO POETA
(6 março i6o5)
Anno de i6o5
Aos seis de Março baptizei eu Ant." Diaz Vig.ro a Isabel filha de Marcos g." e
de sua molhar Ilena madr.a desta uilla, forão padrinhos assignados na forma do
s.io Concilio João madr.» ' e madrinha Eufemea paez de mesquita - molher de fe-
lippe madr.a todos desta dita villa, e por verd.e fiz este assento.
Ant.o Diaz
CS. — Registo paroquial de Ai>ô, 1. i, cad. 2.°, fl. 6i v.").
XVIII
ASSENTO DO B.\PTISMO DE .MATIAS GARCIA, IRMÃO DO POETA
(3 março i6oj)
Anno de 607
Aos 3. de Março baptizou o p.^ M.«i Simois cura em Ansaris a Mathias filho
de Marcos gracia e de sua molher Ilena madr.a desta villa forão padrinho, e ma-
drinha assignados na forma do s.to concilio o p.e João nunez cura em Aldeã das
dez e Arina gracia sobrinha do dito Marcos g.^a ' e pêra lembrança fiz eu Ant.» Diaz
vig.ro este termo.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, I. 1, cad. 2.°, fl. 65 v.°).
XIX
ASSENTO DO BAPTISMO DE ANTÓNIA GARCIA, IRM.\ DO POETA BRÁS
(2 novembro 1608)
Anno de ôo&
Aos dous de Novembro baptizei eu Ant.o Diaz vigr.o a Antónia filha de Marcos
g.ra e de Ilena madr.a desta villa forão padrinho e madrinha assignados na forma
do s.to concilio felippe madr.a * e Antónia curada molher de Symâo de freitas
desta uilla.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Ayó, 1. 1. cad, 2.', fl. 68 v.°).
1 Marido de Joana Garcia .\ntunes, tia paterna da neófita i\ot. geneal. I, 111, 9).
1 Tia por afinidade da neófita, pois seu marido era irmão de Helena Madeira (.Voí. geneal. II, 111 c, 4).
3 Filha de sua irmãJMaria Garcia, residente na Bobadela i.Vo/. geneal. I, 111, 4).
' Tio materno da criança [Sot. geneal. II, nic, 4).
T)ocume)Uos (i i)
XX
ASSENTO DO BAPTISMO DE FRANCISCO GARCIA, IRMÃO DO POETA
(g março 1612)
Anno de 1612
Aos noue de Março baptizei eu Ant.» Diaz Vig.r» a fr.co filho de Marcos gracia
e de sua molher Ilena madr.a desta villa. forão padrinho e madrinha assignados
José Marques m.or em oliuejrinha' e Antónia Curada molher de Sjmáo de freitas
desta mesma villa, e por verd.e fiz e assinei este termo.
Ant.o Diaz
{C.%. — Registo paroquial de Avó, I. i, cad. 2.°, ti. 73).
XXI
matrícula na UNIVERSIDADE DE COÍMBRA E FREQUÊNCIA
DE MANUEL GARCIA, IRMÃO DO POETA
(Anno lectivo de i6i6-i6ij)
MATRÍCULA NO CURSO DE INSTITUTA
^ m«l gracia f." de marcos gracia de Auo vinte c hum de outubro com certidão
(A.U. — Matriculas, vol. 4, 1. 5 [1616-17], 11. 35).
FREQUÊNCIA
^ Manoel garçia de Auo.
prouou cursar de uinte e hum de Outubro de 616. te o fim de maio de 617. as
4.0 de Instituta t.^s Miguel peixoto E Martim da costa.
E eu sobred.o o escrevi.
D.or Anto L<-o Miguel Peixoto Martim da Costa
(A.U. — Proras lie curso, vol. 11, 1. 1.° [1616-17I, fl. 128 v.").
XXII
assento do casamento de fei.iciana monteira, irmã do poeta
(21 agosto i6i~)
Anno de 1Õ17
Aos 21. de Ag.'" Recebeo o p^ feliciano gomes ' m.T na villa da Nadia estãodo
nesta Villa de Auo com minha licença dada in scriptis e em face da ig." a sebas-
tião gomes filho de João gomez ia defuncto e de felippa barosa m.o" na dita villa
dí Nadia freg.a de São paio de Argos e de são tiago da Mouta com Feliciana Mon-
tr.a f.a de Marcos g." e de Helena madr.a m.cs nesta villa de Auo. forão test.as
deste casam.io eu Ant.o diaz vig.™ e o XA" Ant.o Diaz meu sobrinho, e os p.«s Sjmão
Suponho que era (illio de Francisco Marques, irmão de .Marcos Garcia, casado em Oliveirinha
com Agostinha Lourenço \Not. geiíeal. I, iii, 2).
2 Irmão do noivo.
(i2) 'Brás Garcia de S\/lascarenhas
mad." beneficiado nesta ig." e o p.^ Sjmão mad.ra cura de pumares ' e felippe
madr.a tabalião nesta villa^ e outros m.'os. E por uerd.« eu sobredito Ant.o Diaz
vigjo fiz e assinej este termo.
Ant.o Diaz
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. i, cad. i.°, fl. i5o v.").
XXIII
ASSENTO DO BAPTISMO DE D. MARIA DA COSTA, MULHER DO POETA
(i8 novembro i6iS/
Anno de iói8.
Aos dezoito dias do mes de oIto da mesma era sendo eu o padre Simão frz?
cura nesta jgr.a de nossa srá da uilla de Auoo, com minha licensa baptizou o padre
joam núz cura de Anseris, A maria filha de Joam m^' e de maria madr^ da Costa
forão padrinhos bernardo caramelo beneficiado de ArganiP, e cesilia madr:» soltr^
filha de gaspar dias* e por tudo, passar na uerdade fiz este termo e o Asiney.
Simão frz
(CS. — Registo parochial de Avô, I. i, cad. 2.», fl. 81 v.").
XXIV
REQUERIMENTO DE MANUEL GARCIA, IRM.\0 DO POETA,
PARA SER ADMITIDO A CONCLUIR A SUA ORDENAÇÃO DE MENORES,
E A RECEBER O GRAU DE SUBDIÁCONO
(Novembro de 1621)
Diz Manoel Guarçia f.» legitimo de marquos Guarçia e de sua molher Hiena
madeira m.or em a uilla de Auo deste Bispado de Coimbra; q elle esta ordenado de
prima tonsura, e primeiro Grão no ano de 6i5 =, e que ora com o fauor deuino se
quer ordenar dos outros três Graus, e de ordens de Epistula nestas têmporas q
uem. E porq nelle concorrem as partes nececarias pêra as dd. ordens.
(Acrescentamento da mesma letra :)
declara q os auos da parte de seu pai
forão Ant.o alz' e ana marqz m.ors na
villa de bobadella e da mai Simão guarçia
e varonica nunes m.ors em Auo.
P. a V. S. q dispensando com elle
o admita e lhe mande fazer as deli-
gencias nececarias.
E. R. M.
(CE. — Processo para a ordenação de Manuel Garcia).
• Estes dois padres homónimos eram ambos parentes da noiva.
2 Tio ma'erno da noiva INot. geneal. II, 111 c, 4).
3 Da família dos .Madeiras Arrais de Avò.
i Tia materna da neófita (jVoí. geneal. Ill, 11. 6).
5 Foi engano de guem escreveu o requerimento, que não é autógrafo. Manuel Garcia recebeu
prima tonsura e o grau de ostiârio a 18 fev. 1617, como dei.xamos dito no texto.
'Documentos (í3)
XXV
ASSENTO DO BAPTISMO DE ANA DUARTE,
MÃE DE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS, SOBRINHO E GENRO DO POETA
. (14 agosto 1622)
As quatorze dias do mes de Agosto de seis cétos e uinte dous annos o P.e M.e'
da ponte capellão desta Igr» de Santiago de Trauãqua baptizou a Anna f de João
Jorge e de sua molher M.a Duarte foráo padrinhos Dos João de quintella freg.a de
S. Po de farinha podre e frca simõis desta freg.a e assinei.
O Po'' Amador Vieira
(CS. — Registo paroquial de Travanca de Farinha Podre, 1. 1, caJ. 1.", ti. 5? v.°).
XXVI
informação DO CURA DE AVÔ,
RELATIVA AO ORDINANDO MANUEL GARCIA, IRMÃO DO POETA
(2í fevereiro 1626)
Certefiquo eu o P.^ Ignacio Rõiz Cura q ora sou nesta Igr.» da villa de Auô que
he verdade que eu publiquei e li o mandado do sõr Bispo Conde da Cidade e Bis-
pado de Coimbra á estação da missa em como o P.« M.ei gr.c» natural desta Villa
Clérigo de ordiís de euangelho se queria ordenar de ordiís de missa, o qual mãdado
li, e publiquei Domingo passado que forão quinze dias deste mes de feuer.o e o li
em vos alta e entelegivel estado todo o pouo junto o qual li de verbo ad verbum,
& ate oie nao saio impidimt» algú dos cõtheudos no dito mdo nê outro algú: em
comprim'o do qual digo que m'o bé conheço ao sobre dito P.e ser fo legitimo de
Marcos gracia e de sua molher Ilena madr.a Christaós velhos dos principais da
terra, & sendo eu Cura nesta mesma Igra lhe fiz as deligencias por onde o dito
Pe se ordenou de ordiís de euãgelho, o qual sempre regedio nesta Vila frequentado
suas ordfis nesta Igr.a e nas mais annexas a ella com mto bom exemplo de sua pa,
e home de m.to boa vida e custumes, mt» virtuoso cõfessasse e commúga mias vezes
nesta Igra, he m'o bom latino, he mto bõ casuista, & entendo em minha conçiencia
que são mto bem empregadas nelle as ordfis que pertéde por entender & conhecer
delle ter todas as partes requisitas pa sacerdote de missa.
E no toquãte aos signais do rosto e home aluo do rosto, os dentes aluos, a
testa grJe, não mto gordo; no toquãte aos signais do corpo não he mto alto, o corpo
bê feito; de sua Idade achei... (transcreve o assento de baptismo). E feita assi esta
carta e certidão com a deligéncia e segredo nescessario com forme ao mandado do
Snõr Bpõ a cerrei e selei, & a entregei a um fiel, pa que a entregasse ao Arcipres
de trauãqua pa que elle a inuiasse ao Sõr Doctor Berndo da fonssequa saraiua Pro-
uisor na Cidade e Bispado de Coimbra, oie aos uinte e um dias do mes de feur.o da
era de mil e seis centos & uinte e seis annos.
O P.« Ignacio Rõiz
(CE. — Processo para a ordenação de Manuel Garcia).
(i4) ^rás Garcia de oMascarenhas
XXVII
INFORMAÇÃO DO CURA DE AVÔ, RELATIVA AO ORDINANDO
PANTAI.EÂO GARCIA, IRMÃO DO POETA
(ij fevereiro 1628)
Certifico eu o P.e Ignacio Rõiz Cura q ora sou na Igr.a desta Villa de Auo, q
he Verdade, q por pe do P"-" Pantaleão gja Clérigo de ordens de Euãgelho meu
freiges me foi dado hú mãdado do Sõr Dom João Manoel Bispo de Cidade & Bis-
pado de Coimbra pa q o desse sua devida execução, o qual recebi com o acatam'"
devido, e loguo na segúda DomTga deste mes, q forão aos onze dias deste mes de
feuero á estação da missa conuentual q disse a meus freigeses estado todo o powo
junto li e publiquei o sobredito mãdo em vos alta e inteligiuel em forma q todos
ouuirão ler, o qual li de verbo ad verbú e não sahio ate oie impidim'» algú de todos
os contheudos no dito mãdado, & de ferindo ao que nelle me em carregão digo e
dou minha fé q a seis annos, que nesta terra sou cura, & em todo este tempo
conheci sempre ao ordinãdo Pantaleão gr. a, o qual he f» legitimo de Marcos gr. a,
e de sua molher Ilena madr.a Christãos velhos dos prlcipais desta terra ', o qual
ordinãdo foi sempre e he ao presente m.'o virtuoso, paciffiquo, quieto, m'° frequete
na Igr.í> exercita m.to bê suas ordns confessasse m'as vezes, e comúga pello discurso
do anno, & entoda esta terra não da escandallo algií ^, he m'o curioso de apréder,
e saber casos de conciencia, e outras cousas, que pertécé o seu officio ', E em
minha conciencia digo e afirmo, q as ordens, q pertende são mto bé empregadas
nelle por q da mostras de ser sacerdote de m'" Virtude. No que toqua aos signais
do rosto he home alto do corpo, ainda sé barba * a barba a modo de aguda o rosto
comprido não m.'o aluo *, os olhos fermosos, as mãos grades e brado da fala * e não
mostra quãto ao aspecto do rosto ser de tãta Idade quanta té'. Acerqua de sua
Idade. . . (transcreve o assento de baptismo) O que tudo passo na uerdade oie
em os dezassete de feuereiro da era de mil e seis centos e uinte e oito annos.
O P.e Ignacio Róiz
(CE. — Processo para a ordenação de Pantaleão Garcia).
< e núqua ouue nelles raça algúa de algúa Infecta nação, acrescentava o mesmo cura na infor-
mação para a ordenação de menores do mesmo, escrita a i5 setembro 1025.
2 não resediofora desta villa tempo algú senão quãdo estudou nessa Cidade. (Informação para a
ordenação de diácono, escrita a 7 setembro 1627).
3 Na informação, a que se refere a nota anterior, o elogio do ordenando era feito nos termos seguin-
tes : — he mãcebo m.lo hórrado e de m.to boa vida e costumes, e de m.to entédim.lo e sabe m.to bê latim
{e algfís casos de conciencia, diz outra informação de 1 março 1626), m.to teméle a Deus m.to coniinoo na
Ig.ra dado sempre dessi m.lo bõ exéplo, núqua casou né he casado, né ate oie lhe sei falta algúa antes da
dessi mostras de m.ta virtude. (Informação cit. de i5 setembro lôsSj.
4 algúa cousa lhe apúta ia pello beiço de cima. ( Ibid.)
^ as macans das faces sobre o uermelho. (Ibid.)
6 os deles aluos, sempre resedio nesta villa. (Informação do mesmo cura datada de i março 1626).
7 No toquãle aos signais do corpo he home alto não mto. grosso o rosto algú tanto aluo, os dentes
aluos as mãos grades, os olhos garços e bé proporcionado en tudo. (Informação do mesmo para a orde-
nação de subdiácono, escripta a 11 fevereiro 1627}.
1>ociimeiiíos fiSJ
XXVIIl
PRIMEIRO ASSENTO DO REGISTO PAROQUIAL DE TRAVANCA DE FARINHA PODRE,
EM QLE FIGURA COMO PÁROCO MANUEL GARCIA, IRMÃO DO POETA
fS outubro l63o)
Aos outo de Outubro de mil e seiscentos e trinta, eu o P.e Pantaleão Garcia
com licença do K.à° Prior M.«' Garcia, bautizei a Anna f.^ de Ant.» Rúiz e Anna
ferreira dos Couais forão padrinhos P.» Giz' e Luzia Cordeira deste lugar de Tra-
vanqua.
Pantaleão Garcia
(CS. — Registo paroquial Je Travanca Je Farinha Podre, 1. i, cad. i.', fl. 66 v.').
XXIX
primeiro documento em que figura COMO presente em avô
o poeta BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, DEPOIS DO SEU REGRESSO DO BRASIL
(21 novembro lôSsj
Anno de 632.
Aos uinte e hu dias de Nouembro baptizei a António filho de Migel Núz ' e de
Maria de Cáceres, forão padrinhos assignados bras Garcia Mascarenhas, e Maria
Gomes m.^r de p." de Matos' por uerdade fiz e assinei no mesmo dia era atras.
Roque dias de Mattos
IC.S. — Registo paroquial de Avô, 1. i, cad. 2.", fl. gg v.°).
XXX
assento de um baptismo em que foi padrinho o poeta BRÁS
(4 fevereiro i635)
i635
Aos 4. dias de feuer.» era presente baptizei a bras í.° de Migel Núz do casal da
moura e de sua m.«'" q ueyo da Serd^^" forão padrinhos assignados bras GvS'^ mas-
charenhas, e sua irmão Varonica Núz por lembr.^a fiz e assinei no mesmo dia.
Roque dias de mattos
(CS. — Registo paroquial de Avó, \. r, cad. 2.°, fl. 101 v.*).
* Miguel Nunes, irmão do L.do António Dias, e do baptizante Roque Dias de Matos, então cura e
mais tarde vigário de Avô (Vid. p. 25, nota).
2 Pedro de .Matos, irmão dos três a que se refere a nota antecedente. Eram todos sobrinhos do
velho LM António Dias, vigário de Avô, de quem nos ocupámos no cap. II (vid. loc. cit.).
(i6) ^ràs Garcia de ^Mascarenhas
XXXI
ASSENTO DE 01 TRO BAPTISMO EM QUE FOI PADRINHO O MESMO
(4 fevereiro i635)
i635
No mesmo dia !4 de feuereiro) baptizei a Anna filha de Gp.ar da Silua e de sua
m.c" luisa Núz. forão padrinhos assignados bras Gr.^a Mascharenhas e Anna madJ»
m.«r de Miguel Núz. de Campos de q. fiz e assinei eodé die.
Roque dias de mattos
CS. — Registo farvquial de Avó, I. i, cad. 2.", ti. lol v.*),
XXXII
informação do vigário de avô, rel.\tiva ao ordenando
francisco garcia, irmão mais novo do poeta
(•2-j fevereiro i635)
O P.« Roque dias de mattos vig.ro em a parrochial íg." de nossa Srã. da
Assumpção da uilla de Avo. Certefiquo q hé uerdade me foi appresentado hú m.do
do Sõr. Deão, e mais dignidades do Cabido da s."" Sé de Coimbra pêra ser publicado
nesta ditta ig." á stação da missa, em como fr.co Gare." desta mesma uilla filho de
Marcos Garcia e sua m." Hiena Mad." se queria ordenar de ordens menores, ao q
satisfiz como nelle se continha, lendo o de uerbo ad uerbum em o dominguo da
sexagessima onze dias de feuer.o presente, E certefiquo não auer impedimto algum,
antes todos una uoce (ao publicar do TnA°) disserão ser o ditto ordinando fr.">
Gar." mancebo benemérito, por ser honrado de sangue, pessoa, uirtude e bons
costumes, e eu assi o certefico na uerdade, Certefiquo mais ser o ditto fr.™ Garcia
nacido nesta ditta uilla e na pia baptismal da ig.ra baptisado, e de quatorze anos
pêra sima de idade, e na mesma ig.ra foi chrismado como tudo consta do liuro dos
baptisados e chrismados q ha na ditta ig.ra e em poder meu está a q me reporto e
por uerdade passei a presente q fiz e assinei hoie 22 de feuer.° de 635 anos.
Roque dias de mattos
Declaro q o ditto fr."^» Gar.<^a ordinando he mancebo alto do corpo idade 22
Snos (como ui do liuro) corado da cara, olhos baxos e inquietos, ou espertos, socioso
em p.te da falia gentil home, sem barba, começa o buço por uerdade fis e assinei
eodé die.
Roque dias de mattos
;C.E. — Processo fará a ordenação de Francisco Garcia, de Avô).
^Documentos (i 7)
XXXIII
ASSENTO DE UM BAPTISMO EM QUE FOI PADRINHO O POETA
(j3 outubro i635)
1635
A i3 dias de 8.t'i'o baptizou o p.^ Simão mad.'-' de !.<;" minha João f.o de J.o Go-
mes e de m.a misquitta ' sua m.«r forão padrinhos Brás Gr.ca M.^s e Catherina ba-
ratta pêra lembr.ca fiz eodem die.
Mattos
(CS. — Registo pnroqttial de Avó, 1. i, cad. 2.», ti 102).
XXXIV
assento de outro baptismo em que foi padrinho o mesmo
(2u abril i636)
Aos 20 dias de Abril baptisei Ageda filha de Migel Núz da Moura e de sua m.er
Isabel gr.ca forão padrinhos assignados bras Gr.<^a m.as e híía tia da baptisada do
lugar da Serdr.a cuio nome me não constou de q fis este termo eodem die.
Mattos
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1. 1, cad. 2.», íl. 102 v. ).
XXXV
assento de outro baptismo com o mesmo padrinho
(2^ setembro iG3g)
Anno de ibSij
Aos 28 de 7.t"'o baptizei a Isabel f.a de Ant.o ferrão e de sua m." m.» peres,
forão padrinhos assignados bras Gr.ca m.a* e m.a de mesquitta * m." de J." Gomes
botelho por lembr.ca fis e assinei.
Roque dias de mattos
(CS. — Registo paroquial de Avó, I. i, cad. 2.", fl. lOí v.").
* Prima inteira do poeta, por ser filha de Filipe .Madeira, tio materno deste (Notas geiíeal. II, m c, 4,
e IV c" ;—Esquem. geneal. II, d).
2 Vid. a uota antecedente.
(i8) ''Brás Garcia de oMascarenhas
XXXVI
ASSENTO DE UM CASAMENTO EM AVÔ, NO QUAL FIGURA
COMO TESTEMUNHA BRÁS GARCIA
(KJ maio il)4'j)
Anno de Uqo
Aos dez dias de mayo se receberão nesta ig."'" marcos Rõiz. com C.na Gomes,
elle f.o de Ant." marques, e m.» Gomes, e ella f.» de m.sl frz'. e m.a Gomes, o
p.<= Migel frz'. do emparo prior da feira lhe fez as bencõens nuptiais. forão test.^s
Ant.o Rõiz Migel Núz. mathias frz'. maicos Gr.<;a bras (jr.<^a e outros m.''s por uer-
dade fiz e assinei eodem die.
Roque dias de mattos
(CS. — Regiíto faroquial Je Avó, 1. i, cad. i, fl. 161 v.°).
XXXVII
resposta de d. .TOÃO IV
A CONSULTA DO CONSELHO DE GUERRA DE 23 DEZ. 164O,
QUE FORA DE PARECER QUE SE NOMEASSEM DESDE LOGO
OS OFICIAIS NECESSÁRIOS PARA O EXERCITO QUE SE IA CONSTITUIR
(2rj dezembro i^>40)
Por as considerações que se tem appontado ao Cons.o em resposta de outras
consultas, parece que por agora ate ver o numero de gente q se poderá leuantar
no Reino E adonde conuira accudir primeiro com ella, se pode dilatar o prouimento
de tantos ofíiciais como ha de hauer em três exércitos, E a grande despesa q será
forçoso fazer com elles, consumindo o cabedal q se ha de hauer mister para ao
diante; com este supposto me proponha o Cons.o de nouo sogeitos para escolher
ate doze Capitães q se enuiem a differentes lugares a leuantar gente declarando per
maior os seruiços e partes de cada hum; E segundo a quantidade de gente q se
for leuantando, e o que pedirem as occasiões se prouera no de mais. Em Lisboa
a 29. de Dez.ro de 640.
(Rubrica del-rei)
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, março 1, n.** 12).
XXXVIII
CARTA RÉGIA NOMEANDO D. ÁLVARO DE ABRANCHES DA CAMARÁ
PARA O CARGO DE CAPITÃO-GERAL
DE TODAS AS COMARCAS DA BEIRA, E DOS SEUS EXÉRCITOS
(jS janeiro 1641)
D. João &. faço saber aos que esta minha carta patente virem, que pela con-
fiança que tenho de D. Álvaro d' Abranches da Gamara, fidalgo da minha casa, do
meu Conselho de guerra, governador e capitão geral de Mazagão, pela particular
confiança que delle faço, tendo respeito as partes, calidades, valor e merecimentos
'Documentos (ig)
que concorrem em sua pesson, e á experiência que tem dáj coisas da guerra, e que
em tudo em que o encarregar me servirá a todo meu contentamento e satisfação
e procederá com o mesmo zelo, e amor e fidelidade que procedeo na ocasião pre-
sente e em tudo o mais de que foi encarregado, e da mesma maneira procederá na
guarda e defensa das Comarcas da Beira e dos logares da raia delia, de que ora o
encarrego, e por folgar, por todos estes respeitos, de lhe fazer honra e mercê : Hej
por bem e me praz de o prover do cargo de Capitão geral de todas as Comarcas
da Beira e dos exércitos que nella se levantarem, para que me sirva na forma dos
regimentos e ordens do dito cargo. Pelo que mando a todos os Alcaides mores,
donatários, e fidalgos. Corregedores, Provedores, e Ouvidores, juizes, e justiças e
mais pessoas das ditas Comarcas, mestres de campo, sargentos mores, capitães assi
de infantaria, como de cavallo e mais officiaes e soldados e exércitos das ditas
partes, a todos em geral e cada um especial, que obedeçam em tudo ao dito
D. Álvaro d'Abranches da Camará, como a seu capitão geral, e cumpram suas
ordens e mandados, como são obrigados e tão inteiramente como devem, sob pena
de minha desgraça. E por esta carta o hei por metido de posse do dito cargo, e
por fiimeza de tudo lhe mandei dar esta carta por mim assinada e selada com o
selo grande de minhas armas. Dada na cidade de Lisboa aos quinze dias do mes
de janeiro. Domingos Luis a escreveu, anno do nacimento de Nosso Senhor Jhús
Cristo de mil e seiscentos e quarenta c um annos. António Pereira a fez escrever
Rej
(T.T. — Si/c rclaria do Conselho de Guerra, 1. i, 111. iti c 25).
XXXIX
CARTA RÉGIA PROVENDO BRÁS GARCIA NO CARGO DE CAPITÃO DE INFANTARIA
(24 janeiro i>)4i)
Dom João. etc. faço saber aos que esta minha carta patente virem que pella
confiança que tenho de braz gracia mass. e auendo resp.to a suas partes e mere-
cim.'os seruicos e experiência que tem das cousas de guerra e per confiar delle
que en tudo o de que o emçnregar me seruira con toda satisfação ej por bem e me
praz de o prouer do cargo de capitão de hila conpanhia de infantaria do exercito
das comarcas da beira de que he capitão geral don aluaro dabramches da camará
do meu conss.o de guerra pêra cora ella me seruer a sua ordem aonde comvier e
isto emquanto eu ouuer por bem e não madar o cont.o com o qual cargo auera o
soldo que lhe pertence e gozara de todos preuelegios liberdades jzencões franquesas
que dr.'-im.i« lhe tocarem e de que gosão os mais capitães de infanteria e a dita
companhia terá senpre prestes pêra acoder com ella aonde se lhe ordenar como
espero delle que o fará E per esta carta o ej per rnitido de posse do dito cargo
jurando pr.o em minha Chr." que conprira intr.^m.te as obrigacois delle E mando
Rtj
(T.T. - Chanccllaria de D. João IV, 1. 12, (I. i3. >).
i A fl. 21 do !. 3 da Secretaria do Conselho de Guerra eticontra-ae, em seguida ao registo de uma
outra carta do capitão, a nota seguinte : — outra tal patente Como a de cima de cap.m de infanteria pr.a
a beira a Brás garcia inaacarenhas.
f2oJ 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
aos officiães e soldados da dita companhia que o tenhão per seu capitão e lhe obe-
decão e guardem suas ordens como são obrigados E per firmeza de tudo lhe made)
dar esta carta per ml asinada e selada cõ o sello grande de minhas armas Dada na
cidade de Is. a a uinte quatro de jan.™ António marques a fez ano de mil e seis-
centos quarenta e hú eu ant." pja a fiz escreuer diz o emmendado — António.
XL
CARTA REGIA A D. ÁLVARO DE ABRANCHES DA CAMARÁ,
RECOMENDANDO-LHE QUE NÃO CONSINTA QUE SE PONHA INCÊNDIO
NOS LOGARES DO INIMIGO, A NÁO SER QUE ESTE, DEPOIS DE POUPADO,
INCENDEIE O QUE É NOSSO; DEVENDO, EM TODO O CASO,
POUPAR-SE SEMPRE AS IGREJAS, AS MULHERES E AS CRIANÇAS
fig setembro 16J./J
Dom Álvaro de Abranches e Camará, amigo. Eu el Rei vos envio muito
saudar. Considerando os grandes inconvenientes que trás consigo o modo de
guerrear pondo o fogo e queimando os logares, experimentando sempre este dano,
pela maior parte os mais pobres e miseráveis de cada parte, fui servido resolver
que quando se offereça e haja occasiáo de se entrar em terras do inimigo, toman-
do-se alguns lugares seus que não se possam guarnecer para me ficarem, sejam
saqueados, mas que não se queimem, porem se depois de feita desta parte esta
demonstração, que se hade procurar seja notória nos lugares dos inimigos, e se
elles da sua proseguirem o modo de guerrear dos incêndios, em tal caso se fará o
mesmo com todo o rigor, guardando-se, porem, sempre as ordens dadas acerca das
Igrejas, molheres e meninos. Do que me pareceu avisar-vos, para que tendo en-
tendido o que se refere nesta carta, façaes que em conformidade delia se proceda
pelas partes a que abranger a vossa jurisdição. Escrita em Lisboa 19 de setembro
de 1641 1.
Rej
(T.T. — Sccrelaría do Conselho de Guerra, 1. i, ti. 102 v.°).
XLI
CARTA RÉGIA EXONERANDO, POR MOTIVO DE DOENÇA,
D. ÁLVARO DE ABRANCHES DA CAMARÁ,
DO CARGO DE CAPITÃO-OERAL DA BEIRA,
E COMUNICANDO QUE ERA NOMEADO PARA ESSE CARGO
FERNÃO TELES DE MENESES
(■25 outubro 1641)
Dom Álvaro d'Abranches amigo. Eu el Rei vos envio muito saudar. Tendo
entendido que vos achaes muito enfermo e impossibilitado de acudir ás obrigações
desse cargo e que tendes precisa necessidade de vos curar houve por bem con-
cedervos licença para o fazerdes e nomeio para o cargo de capitão geral dessa
província da Beira a Fernão Telles de Meneses do meu Conselho de Guerra. E
para que possaes logo usar da licença, sem esperar que chegue antes, mando en-
carregar a João de Saldanha, tenente geral da cavallaria dessa província, em quanto
< Idênticas se expediram aos outros governadores das fronteiras, com as datas de 18 e 19.
'Documentos (21)
Fernão Telles não chega, que governe as armas. E vos fazendolhe entrega de
tudo o que tocar a ellas, e está por vossa conta, com toda a boa razão e fazendolhe
as advertências necessárias, para melhor cumprir com a obrigação de meu serviço,
vos podereis vir. Escrita em Alcântara a 25 de outubro de 641 '.
Rej
(T.T. — Secrelaria do Conselho da Guerra, 1. i, 11. 112 v.°l.
XLII
CARTA RÉGIA NOMEANDO O CAPITÃO K SARGENTO-MÓR D. SANCHO MANOEL
MESTRE DE CAMPO DO EXERCITO DA BEIRA
(i3 novembro 1 f')4i)
D. João etc. faço sab:-r aos qu; esta minha carta patente virem que pella con-
fiança que tenho do Capitão e Sargento mor Dom Sancho Manoel fidalgo de minha
casa e por esperar delle que no de que o encarregar me servirá com toda a satis-
fação tendo respeito a suas partes qualidade merecimentos experiência e serviços
feitos por discurso de algús annos em Milaõ Lombardia e flandes achandosse em
muitas ocasiões de guerra e particularmte na tomada de Belsuert donde sahio
muito mal ferido c alem disto embarcarse para o Brasil na armada de que foi ge-
neral o Conde da torre aonde assistio dous annos e achar se nas quatro batalhas
que teue com a armada de Olanda sobre a Ilha de Tamaraca peleijando com muito
uaior Hey por bem e me praz por todos estes respeitos de o prouer do cargo de
mestre de campo da gente de guerra paga que ouuer na prouincia da Beira aonde
vay seruir com o qual auerá o soldo que lhe pertencer e gosará de todas as pre-
minencias graças priuilegios isenções e franquesas que direitamente lhe tocarem e
de que gosaõ os mais Mestres de campo de meus exércitos pello que mando ao
meu capitão geral da dita prouincia o tenha conheça honre e respeite como a tal
mestre de campo e lhe deixe seruir e exercitar o dito cargo e ao Sargento mor
capitães ajudantes officiaes e soldados do dito terço lhe obedeção cumpraõ e guar-
dem suas ordens como deuem e saó obrigados e por esta o hey por metido de
posse do dito cargo jurando primeiro na forma costumada que cumprirá inteira-
mente as obrigações delle e por firmesa de tudo lhe mandei dar esta carta por
mim assinada e sellada com o sello grande de minhas armas. Dada na cidade de
Lisboa aos treze dias do mes de nouembro Domingos Luis a fez anno do nacimento
de nosso senhor Jesu Xpo. de Í64Í.
Rej
iT.T. —Secretaria do Conselho de Guerra, 1. III, fl. 112).
XLIII
RESPOSTA DE EL-REI A DUAS CARTAS DE JOÃO DE SALDANHA, SOBRE A URGÊNCIA
QUE HAVIA DE CONCLUÍR AS REPARAÇÕES DAS PRAÇAS DA FRONTEIRA.
(3 dezembro 1641J
Joaõ de Saldanha Ev El Rej vos emuio muito saudar receberão se duas cartas
vossas de 12. e i5. do mes passado em que auisais da necessidade que ha de se
I Semelhante se escreveu a João de Saldanha.
f22) Ur ás Garcia de ^Mascarenhas
concertarem e repararem os muros das praças dessa fronteira que falta gente para
as acabar de prisidiar por naõ hauer mais de 1400 infantes e faltar dinheiro para
continuar as leuas, que se tomem por empréstimo 3á e tanto cruzados tocantes ao
Inquisidor geral que estaó na maó do Corregedor da Guarda em deposito e o que
mais se ouuer de cobrar delias pello natal e 4Íí> cruzados que estaó em Viseu de-
positados do Duque de pestrana e vendo tudo e o que mais aduertis me pareçeo
dizeruos que Cbtas dua<; partidas de dinheiro que appontais se ordene as pessoas em
cujo poder está que o tenha em deposito prompto para quando se lhe pedir que
será quando se ouuerem de continuar leuas de gente por se ter por bastante a que
agora ha, e os dous Engenheiros que pedis se enuiaraó para se acabarem as for-
tificaçois começadas e anisarem de outras que mais sejaó necessárias. E por onde
toca se tem ordenado que o dinheiro das 3. as se naõ diuirta das despezas das for-
tificaçois a que está aplicado, de armas se tem mandado prouer essa prouincia
com as mais que ha sido possivel, e das que mais forem vindo se acudirá, e em
quanto esse gouerno estiuer por vossa conta espero naõ faltareis com o zello e
cuidado deuido a quem sois Escrita em Lixboa a 3 de dezembro de 1641.
Rej
iT.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. I, H. 114 v.°).
XLIV
CARTA RÉGIA A FERNÃO TELES DE MENESES COMUNICANDO A IDA DE
DOIS ENGENHEIROS PARA VEREM AS PRAÇAS E DESENHAREM
AS OBRAS QUE HAVIA A FAZER
(■/fevereiro 1642)
Fernaõ Telles de Meneses amigo Ev El Rej vos enuio muito saudar a Pêro
Girles Sam Paulo e Nicolas de lile engenheiros enuio a essa prouincia para verem
as fortificaçois que está feitas nas praças delia, e desenharem as mais que forem
necessárias para sua defenssa e segurança, encomendouos que com toda a breui-
dade procureis por em execução a obra que elles desenharem fazendo que se tra-
balhe nella com toda aplicação para que se acabe antes que entre o veraõ e que
com as pessoas destes engenheiros se tenha toda a boa correspondência que se
lhes deue para que obrem em tudo o que estiuer por sua conta com gosto e von-
tade. Escrita em Lisboa a 7 de fevereiro de i»)42.
Rej
iT.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. 1, li. 140).
XLV
EXCERPTO DE UMA CARTA DE FERNÃO TELES DE .MENESES A D. JOÁO IV
PEDINDO A NOMEAÇÃO DE PESSOA COMPETENTE PARA GOVERNADOR
DA PRAÇA DE ALFAIATES ; PARECER DO CONSELHO DE GUERRA E RESOLUÇÃO RÉGIA
(Maio-junho 1642)
De uma carta de Fernão Telles de Meneses de 23 de May o de 1642.
Senór. A Praça de Alfayates he a chaue de toda esta prouincia da Beira, ne-
cessita para a gouernar de húa pessoa de grande experiência e de grande talento.
'Documentos (23)
porque nella se manda pôr o mavor golpe de gente que ouuer paga, por que ademais
de ser. necessário para sua defensa delia se acode a muitos legares uisinhos quando
necessitaõ de socorros, o que soe ser muitas uezes por naõ se poderem deffender
de outra maneira, e asy se V. Mg.de for seruido mandar sogeito para ella tal que
possa ocupar bem este lugar, entendo que será muito conueniente a seu seruiço.
Portaria
Manda elRej nosso Siínhor que se ueja logo no Conselho de Guarra e se con-
sulte o que p;ireccr. Em Alcântara 2 de Junho de 642.
Francisco de Lucena.
Conniilta do Conselho de Guerra
Snor ,
Aduerte o General Fernaõ Telles de Meneses no Capitulo da c.irta sua incluso,
que V. Mgd« manda se veja e consulte, quanto convém enuiarselhe hií sogeito de
grande experiência e talento que gouerne a praça de Alfayates por ser a chaue de
toda a Prouincia da Beira, e hauer de assistir nella o mavor golpe de gente paga
que ouuer nella.
O Conselho entendendo a grande importância de que he assistir naquella praça
hum soldado de experiência, valor, e toda a confiança e de quem ; 2 possa fiar a
segurança e. detTensa dell.i, e considerando em quais dos que de pre.;ente se achaõ
nesta corte concorrem estas partes propõem logo por ganhar tempo para o posto
de Capitão mor de Alfayates ao Sargento mór Diogo Gomes de Figueiredo que o
he do terço da nobreza que gouerna o Marques de Montaluaõ, o capitão Fran-
cisco Barroso, e ao Capitão João Babilão de Sousa todos três sogeitos de muitos
annos de seruiço em guerra viua, e que nos postos que occuparaõ nella deraõ in-
teira satisfação, e o que V. Mg^^ escolher deue uençer o soldo que lhe tocar pelo
ultimo posto que ouuer tido, pagandosselhe conforme as ordens di V. Mgde por
serem todos três soldados de fortuna e naõ terem cabedal para se sustentar sem
soldo, e naõ se poder escusar dalo aos Capitães mores que o forem de praças que
ficaõ taó vezinhas a Raya como Alfayates. Lisboa 21 de Junho de 642.
CTrés rubricas V
Resolução da Consulta
Nomeo ao Capitão João Babilaõ de Sousa e o soldo seja com > parece. Em
Alcântara 21 de Junho de 642.
(Rubrica del-rei)
íT.T. — Consultas do Conselho de Guerra maço 2, n." 180).
1 Ue D. João de .Meneses, do Conde de Penaguião, e de D. Joáo da Gosta, conselliciros presentes.
(24) ^rás Garcia de éMascaren/ias
XLVI
RELATÓRIO DIRIGIDO A D. JOÁO IV POR FERNÃO TELES DE MENESES
SOBRE ASSUNTOS DA GUERRA, EM QUE REFERE TER PRESO
POR INCONFIDENTE O CAPITÃO BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, COM UM OUTRO;
CONSULTA DO CONSELHO DE GUERRA
(Jiilho-agosto 1642)
Relatório
S.o»
Duas Cartai de VMgde recebi com este correo húa escrita pella secretaria de
estado, e outra pella do Cons.° de guerra, e a data de ambas em hú mesmo dia,
pella p.a me manda V Mgde que faça com breuidade segar o pam que ouuer por
esta aRaya naó admitindo pratica que o inimigo intente fazer, em rezão de se
poderem Recolher os trigos de húa e outra parte sem perigo, e que eu lhe precure
fazer a guerra em toda a ocaziaó que se me offerecer com todo o rigor, e trás disto
me faz V Mg^e na dita carta as honrras que costuma fazer aos que o seruem com
o zello e amor que em mf Reconhesse ter a seu Real seruisso, e pella segunda feita
pelo Cons.o de guerra me faz V M^e ni. de me dizer que pella experiência ter mos-
trado que nas emtradas que pellas fronteiras se tem feito he maior o dano que se
recebe que a utilidade que se consegue e que o que couem sobre tudo he tratar
de fortificar e ter as prazas -em estado defensiuel e que conuinha ao seruisso de
V Mgáe que asim como se lhe da conta das emtradas que se fazem nas terras do
inimigo e do dano que recebe se lhe desse também dos que elle fes neste Reyno
e dos danos que delle se recebe mandandome fizesse rolação por menor das em-
tradas e danos que o inimigo tem feito nesta Prouincia e por que partes e a que
luguares chegou e o que obrou nelles asi de mortes como de roubos e insendios
por ser seruido de querer ter de tudo inteira noticia, e satisfazendo ao que V. Mgde
me manda nesta parte, digo que desdo pr." dia que cheguei a esta Prouincia ate
hora prezente cm que faço esta dei conta a V Mg.^e mui por menor de tudo o que
nella sucedeo pello gouerno e como me não descuidey desta obrigação o fazello por
Duplicadas uias me não pareceo necessário por não cansar a V Mg.de a quem sem
embargo de ter dado conta de tudo o torno a fazer agora como mo manda fazendo
relação de todos os sucessos, e así digo que cheguando aqui em 3o de Março, tra-
tei logo de sabjr o estado em que o inimigo estaua de forças e auendo conhecido
seu poder que se não hera maior que o nosso não hera menor e mouido da rezão
que logo reprezentei a V Mgd^ aiuntei a gente que pude q ao todo entre gente
paga e da ordenãça faria mil e quoatro sentos infantes e com elles entrei a serra da
gatta tomei o Castello d'Elges a uilla de Valuerde e a uilla d'Elges, fazendo lhe
tomar a estas duas Villas a uos de V Mgd^ clamando o por Rey e s.or pella qual
rezão os liurei de serem saqueados obrigandosse as ditas duas villas por este be-
neficio a dar cada somana o pão aseite e uinho necessário p.^ sustentação do presidio
que hauia metido no Castello E nesta entrada morrerão do inimigo 8, ou 9, pessoas
e da nossa parte nem morto nem ferido algú, e no Castello deixei ao Mestre de
Campo D. Sancho M.^i com Soo infantes e me retirei a uilla de penamacor aonde
comesei a tratar da fortificação delia por ser fronteira tão importante e 4 dias
J
* 1
l^ociuncntns (2S)
depois de minha cheguada me ueo noua como o inimigo tinha sitiado o dito Cas-
tello e tendo asim entêdido tratei de lhe fazer leuantar o serquo aiuntando p.a este
effeito a gente que pude que foi m.to menos que a da pr.-i entrada, marchei na uolta
do dito Castello ao qual fiz logo leuantar o serquo que o inimigo fez sem esperar
m.'3s horas e perdeo nesta refrega 5, ou 6 soldados e da nossa parte não ouue perda
algúa e somente o inimigo matou nos dias que teue sercado o dito Castello ao ca-
pitão João Corrêa de Sousa q por húa torneira lhe entrou hua bala perdida e na
mesma noute q seguio o dia que fiz leuantar o serquo me aloiei na Villa de Valuerde
com toda a gente q leuaua. Em o outro dia auistei a uilla de são Martinho con
tenção de acometer como fiz occupando três postos por onde enuisti suas trinchei-
ras conbatendo as e dando lhe grandes cargas de mosquetaria por mais de 4 horas
porem o tempo me aiudou tão mal que depois de estar arrimado as ditas trincheiras
choueo tanta agoa en tanta cantidade e tão continuada q molhou a poluora murão
e casoletas de sorte q não tomauão fogo e asim foi forcado uisto cheguarsse a
noute e não ter aonde me acortelar retirarme como fiz deixando morto ao inimigo
120 homens e queimadas alguas cazas na mesma villa e estando o socorro q de
Cidaud Rodrigo uinha p» a dita villa a minha uista e constando de caualharia e
infantaria não som.te me não busquarão uendo o dano q lhe estaua fazendo ao
dito luguar mas nem me impedirão o passo na retirada e da nossa parte so ouue
perda de 8 soldados e três ou quoatro feridos e naquella noute me tornei aloiar na
Villa de Valuerde e no outro dia auendo reconhecido hú Padrasto que o Cas-
tello de Elges tinha de q se não auia dado ja por estar na serra cuberto com
algu mato e que uoltando me eu a Portugal o inimigo poderia tornar a serqualo
e não ser posiuel ir cada dia aleuantar serquos por não ter gente necessária me
resolui a desmantelar o dito Castello como logo fis queimando a maior parte delle
e a uilla de Elges por auer quebrado a palaura que tinha dado de reconhecer
sempre a V. Mg.de por seu Rey e s.o"" foi saqueada e abrazada e com isto me
uoltei outra ues a Penamacor aonde me detiue algús dias continuando com a for-
tificação e passados elles me fui a Almeida aonde logo tratei de tomar AJdea Do
Bispo por ser luguar mui uezinho e auendo no dito luguar 200 soldados pagos e 200
moradores q com elles tomarão armas estando bem forteficados foj Ds. seruido de
q conseguisse o intento entrando o dito luguar e matando lhe ao inimigo mais de
123 homens e trasendo prisioneiros 146 e o gouernador da Praça e 2 Alferes e 2
sargentos e outras pessoas particulares, e da nossa parte não ouue mais que dous
(á margem: o luguar de Casteleio queimei neste mesmo dia) feridos e morto o Ca-
pitão alonso de touar e como o dczeio de seruir Mg.de me não deixaua descuidar
de o fazer despois deste dia fiz fazer 4 entradas das quais se trouxerão cantidade
de gado e trás destas se fez outra em Villar de porquo de donde se trouxe outra
preza e com ella a dous clérigos q no dito luguar se acharão sendo hii delles degni-
dade da See de Cidad Rodrigo e outro benefeciado daldea do Bispo e saindo o ini-
migo a querer resgatar a dita preza com caualharia e infantaria lhe forão tomados
doze caualos com seus soldados e armas e se trouxe a preza tanto a seu pezar q
dahi a pouquos dias fiz arazar a fontes luguar de Castella húa cazaforte na qual se
recolhia gente p.a fazer correr a Raya e como esta caza p.a elles hera de tanta im-
portância em breues dias a tornarão a reedifiquar, e así me resolui acabar aquelle
luguar de húa ves e sahi de Almeida com a pouqua cavalharia q ali tinha e com
5oo infantes sabendo q o inimigo estaua com golpe de gente lhe amanhasi sobre
(26) ^rás Garcia de oMascareiíhas
o dito luguar e comesando a bater a dita caza com 2 peças que leuei me ueio auizo
q o inimigo por três partes o uinha socorrer como de feito fes porem succedeu lhe
tão mal que iuntandosse todo seu socorro em que uinha o seu mestre de campo
general e lho rompi matando lhe m."> gente e tomando lhe cantidade de armas
seis caualos 6. prizioneiros 4. tambores e emtre os seus mortos hú capitão de que
fizerão grande sintim.to e fiquei s.or do campo e com este sucesso me recolhi outra
ues a Almeida sem da minha parte auer mais q 3 feridos e nenhií morto e com isto
o inimigo despegou o lugar e eu lhe mandei arazar a cazaforte dali a huns dias de
maneira fiquou que a não tornarão a leuantar mais, e em 3 de julho indo comesar
a tratar da sega do pam sahio o inimigo do guardão com 600 infantes e m.ta caua-
Iharia e em campanha raza se cõbateo cón nosco e da nossa parte aueria 400 in-
fantes e 80 caualos e durou a resfregua quazi três horas e resultou delia o matar
lhe ao inimigo 2 capitõis e a m.tos soldados e trazer prezo hu sargento mor e a des
soldados e lhe tomarão m.tas armas que deixarão no campo auendo o desemparado
cõ grande desordem que foy cauza de lhe matarem tanta gente sem da nossa parte
auer morto, nem ferido mais que dous, e hú caualo morto e depois deste sucesso
se fes outra entrada junto a gualheguos em que se tomou ao inimigo boa cantidade
de gado, e agora ultimam.'^ em 22 do prezente se fez híía entrada em o pinhal de
Cidad rodrigo 4 legoas a dentro de Castella de donde se trouxe 450 cabeças de
gado uacão e alguns prizioneiros, e nas distancia destas 4 legoas saquearão os sol-
dados alguns luguares q acharão despelados e este he o dano q ao inimigo tenho
feito q não ha sido pouquo porque em espaço de 3 mezes q ha q comessei a guerra
lhe tomei hu castello e o fis des serquar e o arazei e hua cazaforte e destruy as
Villas d'Elges Valuerde Aldeã do Bispo Casteleio e fontes e lhe tenho morto
mais de quinhentos homens e prezo mais de duzentos com tantas prezas de gado
como se ue per esta carta coraprindo mui inteiram.te a ordem q V. Mg.Je me tem
dado p.a q faça a guerra con todo o rigor encontrandome c5 o inimigo tantas uezes
ficando eu sempre s.or do campo com tanta reputação das armas de V. Mg de O
dano que elle nos tem feito relatarei eu agora a V. Mg.d^.
Estando em Penamacor aonde me recolhi da pr.a entrada que fiz em Castella
como tenho relatado me ueio auizo q descarigo auião fogido pêra Castella 2 ca-
pitõis hú pago que ahi estaua de gornição com huma companhia e outro da orde-
nança con quoatro ou sinquo pessoas das mais nobres do dito luguar de cuios
nomes e sua fugida dei logo conta a V. Mg.d« e depois de estarem em Castella com
informação q delles deuia tomar o inimigo e com o fauor que achou em Brás gra-
cia mascarenhas gouernador de Alfaiates que eu tenho prezo por pouquo confidente
porq quando menos lhe queria emtreguar a praça, como consta de sua deuassa,
ueio por aquella parte da nossa aRaya e achando resistência em aldeã da ponte
de donde Brás gracia tinha tirado a gornição q ali estaua porq milhor pudesse con-
seguir seu intento, e uendo com isso não podia passar adiante pêra se meter em
Alfaiates como lhe tinha prometido o dito Brás gracia se foi fazendo algú dano
nas aldeãs daquella arava como são forcalhos fuinhos lagioza aldeã uelha quei-
mando em cada hua destas aldeãs algumas cazas, e seya lhe a V. Mg.de prezente
como cada aldeã destas consta hua de trinta cazas e outras de uinte e sinquo
e que p.a lhe fazer este pouquo dano bastauão seis ou sete homens porque não
tem nem pode ter nenhua resistência e se eu quisera queimar em Castella lugua-
reios semelhantes o tiuera feito a mais de sinquoenta mas não me pareceo que
"Docuiuenlos f2j)
seria facão de estima obrar nada em couza tão uil da mesma maneira pello fauor
que o inimigo achou em Rodrigo soares pantoia gouernador de Almeida, e prezo
por mim por esta cauza como do auto de sua prizão e deuassa se uera, ueio no
mesmo tempo a uai de la mula húa aldeã nossa bem no estremo da Raya q não
chega a 35 cazas cuios moradores uierão a Almeida q dista so meia legoa da dita
aldeã a pedir socorro q o dito R.o soares lhe não quis dar pella qual rezão pegou
fogo o inimigo a esta aldeã e hera tão pouquo o seu poder q resoluendosse des
soldados q na Praça de Almeida asistião a socorrer a dita Aldeã uendo q Ro soares
lhe negaua o socorro bastarão elles só p.=> fazerem retirar o inimigo e trazer
alguns despoios que os moradores tinhão deixado antes de se sairem deste luguar
como fizerão tanto q auistou o inimigo, os moradores de freneda e de escarigo
e de são p.o de rio sequo, sem o inimigo lhes fazer dano algú obrigados do te-
mor por estarem tão perto da Raya despelarão os luguares recolhendosse ao certáo,
como também em Castella os Castelhanos despeiarão villar de seruo, e uilar de
la egeia Alameda Barquilho espcia Tontes uilar de porco obrigados do temor q lhe
cauzou a minha uinda de Penamaquor a Almeida aonde logo uim em socorro das
nossas aldeãs fazendo m.'as prizóes em pessoas pouquo confidentes de q logo fiz
relação a V Mg.<i^ E este he o dano q o inimigo tem feito fiandosse no fauor q
achou nos seus confidentes, agora seia V Mg.de seruido de julguar se he maior o
dano q o inimigo nos tem feito que a utilidade q se consegtiio nas emtradas e danos
q lhe tenho contado, como consta da relação q nesta carta faço tão aiustada com
os sucessos q tem passado pellos quais V Mg.de por tantas cartas suas q em meu
poder estão me tem honrado fazendo me a m q de sua grandeza podia esperar
Nosso s.or G.de a católica pessoa de V. Mg.de como seus vazalos auemos mister.
Guarda 25 de julho 642.
FERNÃO TELLES DE MENESES '
Consulta do Conselho de Guerra
Refere o General da Beira Fernão Telles de Meneses na carta inclusa que re-
cebeo duas de V Mg.de húa escrita pela secretaria destado e outro pela do Conso
de guerra. Na i' lhe manda V Mg.de que com toda a breuidade faça segar o pão
que ouuer junto á raya não admittindo pratica q o inimigo intente fazer em rasão
de se poderem recolher os trigos de hua, e outra parte sem perigo, e q procure fa-
zer lhe guerra em toda a occasião com todo o rigor. Na 2.' Que pella experiência
ter mostrado que nas entradas que pellas fronteiras se tem feito he major o dano
que se recebe, que a vtilidade q se consegue, conuem sobretudo tratar de fortificar,
e ter as praças em estado defensauel; E que assim como da conta das entradas
que tem feito nas terras do inimigo, e dos danos que lhe tem dado, a dee também
das que elle fez neste reyno, e dos danos que delle se recebeo, mandando de tudo
relação por menor, para V Mg.de ter inteira noticia do q nesta matéria ha passado.
— Ao que Fernão Tellez satisfaz na carta inclusa particularizando os successos, e os
dannos q o inimigo tem recebido em espaço de três meses que ha que gouerna a
guerra naquella Prouincia, fazendo entradas em Castella, nas quais tomou hum
Castello ao qual sitiando despois o inimigo, o fez descerquar, e o arrazou e a hua
caza forte, destruindo lhe as villas de Elges, Valuerde, Aldeã do Bispo, Castellejo,
< Esta carta relatório é toda autografa.
(28) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas''
e Fontes matando lhe mais de quinhentos homés, prisionando mais de duzentos,
tomando lhe m.'o gado, encontrandosse m.ws ueses com o inimigo ficou sempre
senhor do campo com muita reputação das armas de V Mg.<i« E posto q do inimigo
se tem recebido também algum dano nas entradas que fez nas Aldeãs da Ponte,
Forcalhos, Lagiosa, e Aldeã Velha queimando algúas casas, (dando causa a isto a
infidelidade dos Capitães Brás Garcia Mascarenhas, e Ro Soarez Pantoja com que
tinha trato, que por esta rasão os tem prezos) com tudo foi de tão pouca conside-
ração, a respeito do que tem recebido, como se pode ver mais particularmente da
relação que faz por menor na carta inclusa.
Ao Cons.o pareceu dizer a V Mg.de que a carta que pella Secretaria deste
Cons.o se escreueo a Fernão Tellez, que se encontra com a que lhe foi da mesma
datta pia do Estado procedeo da resolução que V Mag.de tomou em hua cons.w, e
sempre conuira que quando succeder escreuer aos Generais e frontr.os sobre hSa
mesma matéria por differentes uias, não se diffira na sustançia por não causar en-
leos, e o descontentamento que Fernão Tellez mostra ter de que hauendosse lhe
escrito pela secretaria destado com fauor, e agradecimento, fazerse pella de guerra
com aduertencias do q deuera, e ha de fazer. Lxa 8 de Agosto de 1642.
(Duas rubricas V
Resolução à tnargem
Fiquo aduertido do q se contem nesta consulta. Em Lx.a a i3 de Agosto de 642.
(Rubrica del-rei)
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, março 2, n.° r43.
XLVII
CARTA DE D. SANCHO MANOEL A EL-REÍ PEDINDO LICENÇA PARA SE RETIRAR
DA CAMPANHA, POR NÃO PODER CONTINUAR A SUSTENTAR-SE SEM RECEBER DINHEIRO,
E POR LHE SER DIFÍCIL SERVIR COM O GENERAL FERNÃO TELES ; RESOLUÇÃO REGIA
(■- novembro 1642)
Snr
Bem notório será A Vmag.de ho animo E zelo q Ei mostrado em todas as ho-
casihõis q se ão hoferesido do Real seruiso de Vmg.de nesta fronteira comrespõ-
dêdo A minhas hobrigasõis. Agora se me hoferese Representar a Vmg.de A inposi-
bilidade con que me Acho de poder Comtinuar ho que tãto dezeio nesta fróteira E
É deuerêseme oito mezes de soldo q pa quem E tão pobre como Vmg.de sabe que
Eu sou me parese que não A sido pouca fineza ho sustétarme todo este uerão sendo
sépre em tudo ho que se emprêdeo ho primeiro E se as posibilidades de uma mai
pobre e uiuua forão bastãtes continuara por diante como atéqui. Ademais Siõ
que nesa Corte tenho negosios así meus como de minha may q nesesitão de minha
Assistésia e sê ela pereserão e o inuerno q inposibilita cõ seu rigor as entradas
de Castela pode fasilitar A Vmg.de ho fazerme merse de cõsederme lisensa polo
1 Do Conde de Penaguião e de Joanne .Mendes de V.isc.»', que foram os conselheiros presentes
neste Conselho.
T>ocitmcntos (sg)
têpo limitado que for seruido E quando Vmg.d"^ não seya seruido de comsederme
esta merse ma fasa dando me lisensa que me recolha este inuerno a uma comêda
de que me fes merse porq ale de não ter conq me sustétar, com lio general fernão
telles me é mui dificultoso seruir por uer quão pouca conta fas dos soldados hóra-
dos e ualentes e quam remisso é no inportãte do seruiso de Vmg.^^^ cuia Católica
e Real pesoa Ds' guarde largos e felizes anos como a cristãdade a mister. Guarda
7 de nouêbro 642.
Dom Sancho Manoel '
Resolução regia
Veja-se e consulte-se no Conselho de guerra — I.isboa a 28 de nouembro 642.
(Rubricii del-rei)
XLVIII
CONSULTA DO CONSEI HO DE GUERRA SOBRE ACUSAÇÕES
FEITAS POR FERNÃO TELES DE MENESES CONTRA D. SANCHO MANOEL
(ly novembro 164-2)
Snor. — Na carta inclusa que V. Magestade manda se lhe logo dá conta a V.
Magestade o general fernão Telles de meneses do motivo que o Mestre de Campo
Dom Sancho Manoel tomou para se descontentar e se retirar do exercício do seu
cargo e seruiço de V. Mag.de q em sustancia vem a ser que mandando o general
prender hum capitão de infanteria por haver afrontado a outro scandalosamente,
e havendo primeiro que procedesse á prisão tirado devassa o Auditor do exercito
da pendência, lhe hir pedir o Mestre de Campo que lhe desse menagem em sua
casa, o que elle fez e tornando lhe a pedir de ali a três dias q-.e lhe desse o lugar
por prisão lho negou por evitar inconvenientes porque ou este capitão havia de
ser julgado (suposto q a parte o acusasse) ou hauia ella de desistir e fazerem se
amigos para o poder soltar e que constaua de muitas testemunhas, como só por
esta cauza deixou o Mestre de Campo o quartel e se foy para a Guarda donde
está, deixando o seruiço de V. Magestade porque mandando lhe elle o general hum
papel de hum soldado para informar como he costume respondeu que não hera
Mestre de Campo e não exercita o officio má acção para este tempo em que o ini-
migo anda tão inquieto e os soldados com pouco gosto por falta das pagas e lhe
parece que o seruiço de V. Magestade se atrasa muito por não hauer ali Thenente
general da Cavallaria despois que se veo João de Saldanha nem agora hauerá
Mestre de Campo e em toda a parte he costume serem os supperiores respeitados
quando obrão bem no que fazem em ordem ao seruiço de seus Reis que de tudo
dá conta a Vossa Magestade para que sobre esta matéria mande V. Magestade or-
denar o que mais conuier a seu seruiço que sempre deve ser de modo que fique
com satisfação quem serve a Vossa Magestade bem. Vendosse e considerandosse
tudo Pareçeo ao Conselho dizer a V. Magestade que o delicto que cometteo o
Mestre de Campo he grave e de muito ruim exemplo e que he de parecer que se
responda ao General que elle o deuerá mandar prender logo que ser provido quar-
1 Toda a carta é autografa,
(3o) 'Brás Garcia de oAIascarenhas
tel, e que o prenda logo e depois de estar preso poderá V. Magestade usar de sua
clemência conforme elle o merecer nos termos com que conhecer o erro que fez
que sem duvida foi grande e a razão de estar tão vezinho ao inimigo e a gente de
V. Magestade falta de cabos fazer mayor a sua culpa e delicto e a prisão vem a
ser hum castigo publico e exemplar para dar satisfação também publicamente a
desobediência feita ao general; e se a demonstração não passasse da reprehensão
a poderá elle fazer secreta ficando com o exemplo a porta aberta para os que qui-
serem desobedecer aos generaes o fazerem sem nenhum respeito nem receio de
castigo.
Dom José de Meneses diz que he do mesmo parecer porem que visto o gene-
ral o não prender logo como pudera e se houuer metido tempo em meio, não ha-
uendo hoje naquella província Thenente General da Cauallaria nem outro Mestre
de campo e Dom Sancho segundo as noticias que ha he bom e valente soldado,
ainda que se entende que não sabe muito estando a guerra tão viua de presente
naquella fronteira entende elle Dom Joseph que será justo mandar V. Magestade
reparar nestas razões e considerar se bastará dar-se huã reprehensão a Dom Sancho
visto também não hauer sido ainda ouuido nem se saber a razão que poderá ter e
dar em desculpa do que fez. Lx.a 17 de Novembro de 1642.
(Com três rubricas).
Nota do secretário
Também foy voto Dom Aluaro de Abranches.
Resolução
Tenho defirido em outra consulta da data desta. Lx.a 1 1 de Dez.o de Õ42.
(Rubrica del-rei).
(1,7. — Consultas do Conselho de Guerra, maço 2, n.° 4i3).
XLIX
REL.\TÓRIO DIRIGIDO A D. JOÃO IV FOR FERNÃO TELES DE MENESES,
SÔBRE ASSUNTOS DA GUERRA, EM QUE REFERE QUE D. S.^NCHO MANOEL
ABANDONARA O SERVIÇO. PARTINDO DE ALFAIATES PARA A GUARDA,
E DALI PARA PARTE INCERTA
(21 novembro 1642)
Snõr
Com este Correio recibi húa carta V. Mg.d^ pella qual se seruiu V. Mg.<ie de
me mandar aduertir que despois de aueré marchado p.^ esta Prouincia os cauallos
que uierão da Ilha como se me tinha auizado, se considerou que no estado da fra-
queza em que se achauão se podia temer que morreçem no caminho, e que soçe-
deria o mesmo aos que aqui chegasem por cauza da destemperança e frialdade da
terra, que este dano se poderia remediar com os inuiar a alojar a terra menos fria
p.a se refazerem e por em estado de poderem com o trabalho da Guerra e que com
estes supostos fora V. Mg.de seruido de mandar ordenar aos capitães das compa-
nhias que do lugar em que os achaçe esta ordem Marchassem pêra Évora e aloja-
cem naquella cidade e lugares de seu termo pêra se repararem ate Março e despois
'Documentos ' (3i)
seruirem na fronteira de Alemtejo ou donde a necessidade o pedir, que dos cauallos
que ha nesta Prouinçia se podia ella remediar milhor e com menos despeza reco-
lhendo aos i5o cauallos que D. Alu." de Avranches tinha alistado e que sendo ne-
cessário mais caualr." nesta mesma Prouinçia se podião leuantar e fazer ate Soo
cauallos de mais dos i5o e que serião de mais préstimo e proueito, e se seruia V.
Mg.íi^ de me mandar auizar pêra que o tiuesse assi entendido e procurasse que logo
se recolhecem os i5o cauallos e fizesse alistar os mais que entendesse herão neces-
sários p.a que haja os que baste p.-> a defença destas Praças, e que p." se conser-
uarem huns e outros, e se lhes acudir pontualm'^ com seus socorros se me man-
daria o dinheiío necessário. E auendo uisto tudo o que V. Mg.<i« se serue de me
mandar per esta carta Digo que suposto auer ja escrito a V. Mg.de sobre a caualaria
que se mandou retirar e hir p." Alemtejo não direy sobre esta matéria mais nada,
sem embargo do m.'o que esta Prouinçia necessitaua delia pois V. Mg.<ie assi foi
seruido ; E emq.'o aos i5o cauallos que V. Mg.de rne manda que faça recolher, e
são os que D. Alu.» de Avranches tinha alistado acho que delles se seruiu V. Mg.de
ategora nesta fronteira porque estes tais alistados por não virem a ella derão ca-
uallo e armas e dr." p.-' os soldados que em seu lugar se montarão, de modo que a
caualr.í» que eu açhev q do vim a esta Prouinçia em todas as companhias foi feita
por este modo, e com ser tão pouca que não chegaua a 140 cauallos mais da me-
tade anda auzente por f^ilta de soccorros, e alguns cauallos morrerão com o exces-
siuo trabalho q tinhão, a falta delles nesta Prouinçia he grande mas sem embargo
disso farey Diligencia que V. Mg.de nie manda em que se continue com a lista das
comarcas fazendo a de todos os que tiuerem fazenda p.» ter cauallo na forma do
regim.to aduertindo lhes a M. que V. Mg.de lhes faz de que p.a a conseruarée se
serue de mandar com que sejáo socorridos sendo isto assim e achandosse cauallos
poderão estar as frontr.as como conué sem embargo de q auera Dillação no effeito
da execução desta Diligencia, e do q delia resultar darey cont 1 a V. Mg.de O ene-
migo tem alojado a sua caualr." pellos lugares vezinhos á Raya, e faz outra Praça
de armas a de mais da que tinha em Cidad R." em Alcântara auizao assi M.el Lopez
brandão que esta em Saluaterra : Crece lhe o poder, e a mim se me deminue o que
tinha pella Rezão que tantas vezes tenho reprezentado a V Mg.de for seruido de
que esta gente seja socorrida estarão as Praças seguras e sem isso reçeyo lhe
grande trabalho porque ja auizei a V Mg.de como os soldados que estauão em Vil-
ar mayor, chegarão a dezemparar a villa e o casstello de sorte que soo oito ficarão
naquella praça, e os quatro mil cruzados que agora aqui remeteo o o Th." dos três
estados forão a mayor p.a delles em Realles singellos castelhanos moeda que esta
prohibida per húa Ley de V Mg.de com penna de que a pessoa que for com ella
achada emcorrera na que se dà a quê faz moeda falça, e assi ande ter trabalho os
pobres soldados em a passar porq não auera quê lha tome, eu ordeney como ja
tenho auizado que deste dr.o que V Mg.de se seruiu de mandar se fosse dando cada
dia a cada soldado jnfante e de cauallo o que lhe tocasse a Rezão de seu soldo
p." que com isso os tiueçe sertos esses dias que o dmheiro durasse suposto que
não hera bastante p.a fazer pagas ; do descontentamento que sobre isso ouue entre
elles dey eu conta ja a V Mg.de e do estado de tudo tão meudam.'e que me parcsse
que poderia ser mollesto se o tornaçe a referir tudo consiste em andar a gente
paga como isto seja terá V Mg.de soldados e as Praças seguras que tanto importa
pois o enimigo anda vigillante.
Mandame V. Mg.de comforme as ordens que tinha sua difira ao que M.el Lopez
(32) ^rás Garcia de oMascarenhas
brandão gou.o"' de Saluaterra pede em a sua carta que juntamente com a de V
Mgde me veyo, e m.tos dias ha que eile poderia estar prouido de tudo o que
pede se ouuera dr." e â falta delle não tem esta Praça e as demais o necessário,
não faitãodo elle nesta Prouinçia mas ouue ordens p.í" todo se remeter a essa ci-
dade e sobre esta matéria tenho dado larga conta a V Mg.de e poucos dias ha que
ordenãodo ao Juiz de fora de Castello br.™ q serue de C.<"" fizesse mantim.tos p.a
meter na fortaleza de Saluaterra me respondeu que pedindo ao Prouedor dr " p.a
os fazer lhe dissera que tinha ordem expreça de V Mg.de p.a mandar todo o que
inha a essa cidade, e algu Pão que em ocazioens apertadas que aqui ouue se to-
mou a Particullares se lhes esta ainda deuendo por não auer com que lho pagar e
elles clamão e com isso nem a elles nem a outros se lhes pode pedir mais, assi
que V Mg.de se deuia seruir de mandar se satisfizesse a estes p.es e sobre tudo to-
mar contas como tantas vezes hey pedido p." que o Pagador as possa dar, e com
isso lhe ser a V Mg.de prezente o que elle tem recebido, e despendido, e assy mais
o que se deue aos Particullares como tenho referido.
O Mestre de Campo D. Sancho M.el tem deixado o seruiço de V Mg.de a cauza
de o fazer foi que mandando eu prender a hú Cap.nm por auer afrontado a outro,
pediu me que lhe desse omenajê em sua caza o que logo fiz sem embargo de ter
parte por mo elle pedir, e dahi a dous dias me pediu o ditto Mestre de Campo que
lhe desse o lugar por prizão, isto me pareseu que não deuia fazer sem o ditto Ca-
pitão ser julgado ou a p.e dezistir da acusassão que lhe fazia porque como se sentia
aggrauada puderia rezultar mayor incõuiniente de se soltar o prezo a de mais de
que fazello não hera Justissa, por isto se foi, sem l.Ç» de Alfayates a donde eu me
auia recolhido o dia em que desbaratey ao enemigo em Aldeã da Ponte pêra a
guarda, e mandando lhe hú papel p.a imformar sobre hu sarjento respondeo que
ja não hera Mestre de Campo, e da Guarda se foi e delle não tiue mais noua : se
esta acssão foi boa, e se aos Generais de V Mg.de he justo que os inferiores lhe
tenhão resp.t» V Mg.de o mande julgar, e se conuê tão bem a seu real seruiço que
as pessoas de semelhantes postos o deixe andando o enimigo tão inquieto como
ategora andou por estas arayas, e prezéte lhe será a V Mg.de que em todas as rel-
lacões que mandey dos bons suceços que nosso s.cfoi seruido de dar as armas de
V Mg.de por estas p.es aboney nellas a pessoa do Mestre de Campo D. Sancho M. el
e se elle quiser fazer boa informação com verdade poderá asegurar que não poderia
topar com General que tão bem lhe diferisse a tudo o que elle queria como eu, e
q.io mais isto asim he tãoto menos disculpa terá no que fez mas eu nisto ssô quero
que o seruiço de V Mg.de se respeite, e assim mandara V Mg.de ordenar o que for
seruido sobre este Particullar.
Thenente General p.a a Caualr.a não ha nesta Prouinçia despois que se foi
João de Saldanha bem pudera fazer este ofíiçio P.o de Souza de Castro que de
prezente rezide em Vizeu por Cap.am mòr he fidalgo de vallor, tem seruido, e sobre
tudo a sua callidade : tãobem ha m.ta falta de cabos, e os demais dos Cap.^ms e go-
uernadores das Praças me pede l.ca p.a se hirem eu lha tenho negado pella falta
que vejo ficão fazendo ao seruiço de V Mg.de a quê me paresse que alguns deué
de recorrer p.a a pedir; se a alcançarê não ha pessoas que possão suprir a sua pre-
zença V Mg.de fará o que for seruido cuja católica pessoa nosso s.o"" g.de como
seus vassallos auemos mister. Guarda 21 de nou.™ 1642.
Fernão Telles de Meneses
^.1,— Consultas do Conselho de Guerra, maço 2, n.° 456).
^ociímenlos . (3SJ
REQUERIMENTO DE D. SANCHO MANUEL A EL-REI, EM QUE ALEGA OS SERVIÇOS VALIOSOS
PRESTADOS NA GUERRA, EXPLICA A RAZÃO PORQUE SE AUSENTARA DURANTE UNS DIAS
E PORQUE EXIGIRA DINHEIRO AO PAGADOR SEM ORDEM DO GENERAL,
E SE QUEIXA DE ESTE O MANDAR PRENDER,
REMATANDO POR PEDIR UMA DEVASSA AO SEU PROCEDIMENTO
(Fins de novembro 1642)
Dom Sancho Manoel representa a V. Mag.^ie que elle esta seruindo a V. Mg.de
no cargo de Mestre de campo do Exercito da Beira de que V. Mg.de Jhe fez mercê,
com o zelo, cuidado e desejo de asertar no seruiço de V. Mg.de que espera seja
(iresente a V. Mg.de não só pelas cartas e informações do general daquella provín-
cia Fernão Telles de Meneses, mas ainda por todas as pessoas daquellas partes, de
que V. Mg.de fosse servido querer se mandar informar, e até o presente assistiu
sempre naquellas fronteiras, tendo com os inimigos delias os recontros e pelejas
que são notórias a V. Mg.de e de maneira que nunca chegou a ter vista delles, sendo
muitas, que os não pusesse em desbarato e alcançasse delles muitas vitorias com
que as armas de V. Mg.de tem nellas a reputação que se sabe; e porque com a
entrada do inverno e neves que naquellas partes fazem a campina intratável, lhe
pareceu não poderia fazer falta qualquer ausência que fizesse, e se achou cançado
da continua assistência passada, se foi estar sete ou oito dias descançando do tra-
balho delia em húa aldeã, sete ou oito léguas da Guarda, continuando até li nella
com o exercício de seu officio, de que algCas pessoas pouco amigas do serviço de
V. Mg.de tomaram occasiâo para dizerem ao General que elle largaua o posto e de-
sobedecia a suas ordens por haver feito esta jornada sem lha communicar, o que
não fez, por ella ser por tão poucos dias, e em que se não necessitava de sua pre-
.sença. Persuadido o Geral destas razões se queixou a V. Mg.de parecendolhe que
elle Dom Sancho não queria exercitar seu cargo, o que nunca deixou de fazer, nem
se podia esperar de seus procedimentos e qualidade, nem da larga experiência que
tem da milicia, em que sempre se criou; antes tornou logo para a Guarda, e sem
saber da queixa que o General havia feito a V- Mg.de, pois não havia dado causa
para ella, pediu ao seu pagador lhe mandasse dar seus soldos, por não ter outra
cousa para continuar o serviço de V. Mg.de, e por que com elles sustentava e dava
mesa a muitos soldados que o ajudam a servir a V. Mg.de; e porque o pagador lhos
não quis dar, tendo dinheiro para o fiizer, foi a sua casa, e elle reconhecendo a
razão que para isso havia lhe pagou, e por que o fez sem ordem do General, que
para este caso não era necessária, o Geral julgando por culpa a instancia que
elle fez para se lhe pagarem seus soldos, o mandou logo prender e fica na cadea
publica da Cidade da Guarda, com tão grande escândalo e sentimento do povo e
soldados, que teve grande trabalho em os aquietar de fazerem um grande motim.
O que tudo sofreu com o animo que tem de não dar occasiâo a que se perca ou
arrisque o serviço de V Mg.de, mormente estando avista do inimigo; e porque sua
honra e a reputação com que até gora serviu a V. Mg.de e venceo tantas vezes os
inimigos, está tão arriscada, núa prisão tão afrontosa, quando devera esperar gran-
des satisfações da grandesa de V. Mg.de merecidas por seus serviços e animo com
c
(34) ^ras Garcia de (P^Iascarenhas
que tantas vezes offereceu a vida pela honra e reputação das armas de V. Mg. de e
de novo as arriscara outras tantas pela mesma causa.
P. a V. Mg.de lhe faça mercê mandar
por um Ministro de grande confiança e
inteireza devassar dos procedimentos com
que elle tem servido a V. Mg.de e achan-
do-se que cometeu culpa algua o mande
V. Mg.de castigar com todo o rigor de
justiça, e quando conste o zelo, lealdade
e riscos com que tem continuado até o
presente o serviço de V. Mg.de lhe faça V.
Mg.de mercê de mandar dar satisfação de-
vida a prisão tão afrontosa e em que tem
padecido tanto sua honra e reputação, e
não pede melhoramento de prisão, para
que achandose-lhe culpa, o tenha V. Mg.de
mais pronto para o castigo, e. R. m.
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, maço 3, n.° 36).
LI
RELATÓRIO DO GENER.\L FERN.lo TELES DE MENESES EXPLICANDO O SEU PROCEDIMENTO
COM D. SANCHO MANUEL, E AFEANDO O 1'ROCEDKMENTO DESTE
(i dezembro 1642)
Senhor — Tenho dado conta a V. Magestade dos excessos de D. Sancho Ma-
noel e de como per elles estaua prezo na Caza da Camera d3 Cidade da Guarda
sendo assi que seu Procedimento meressia outra prizão diferente perque até dali
está encontrão do o seruiço de V. Magestade de modo que sendo tão necessário nas
fronteiras que os Capitães e officiaes assistão nellas assi para segurança das mes-
mas Praças como para que os soldados com esse exemplo as não dezemparem
mandou ao Capitão Manuel Teixeira de Macedo e ao Alferez Flami Pertal que o
he da Companhia do ditto D. Sancho e a híi soldado de a cauallo que veio com
Sebastião de Mahe a essa cidade sem 1.?^ minha sendo assy que V. Magestade tem
ordenado que todo o official ou soldado que se for sem ella lhe não admittirá Pe-
tição algOa em rezao de seus requerimentos alem de que estas companhias total-
mente faltão todas de todo assi per ficarem sem capitão e officiaes que os detiuessera
como pello dito D. Sancho lhe dar ocasião a isso pello que faz porque pubhca que
se os soldados não são pagos como quizerão he porque eu faço tramoyas com o
dinheiro de V. Magestade e como baste pouco para que os soldados se persuadão
mayormente quando he dito por hú mestre de Campo andão de sorte que os não
posso aquietar e muitos se tem ido Particularmente da Companhia do ditto Mestre
de Campo, e primeiro que se fossem vierão vinte sinco delles a Guarda armados;
a tenção não sej qual fosse, mas sei que alguns faltarão com o dito D. Sancho e
porque eu os mandaua prender per aueré deixado seu quartel se forão da cidade,
toda a diligencia que pode fazer per me malquistar com elles faz, e não he isto em
pouco prejuizo do seruiço de V. Magestade mayormente em tempo em que o ene-
Dociímenlos (35)
migo anda tão solicito per se aproueitar da ocazião quando se lhe offerecer ; e estas
inquietações e sizania que anda metendo pode ser muita parte disso o que Deos
não quererá e para que em parte pudesse encubrir suas demazias andão solicitando
por sua via que todas as Cameras das cidades e lugares desta Província escrevão a
V. IMagestade em abonação sua, mas os que procurão isto são duas pessoas grandes
suas amigas paressendo lhe que com isso poderá sahir dali melhor do que merece.
O que eu escrevo a V. Magestade he mui ajustado com a verdade e não tão so-
mente não conuem que esteja ocupado em Seu Real Seruiço mas que ainda se faça
com elle hO tal exemplar castigo que sirua de exemplo para que outros se não de-
maziem pois por tão leue ocazião como a que teue de que ja dei conta a V. Ma-
gestade tem feito taes couzas como as que já tenho referido por outras cartas, e
faço per esta tanto contra seu Real Seruiço, e respeito que deuia ter ao seu Gene-
ral, pello que V. Magestade se deue seruir de mandar tomar com elle a rezolução
que seu procedimento merece, e emquanto o eu não conheci bem sabe o mundo
toda a estimação que fazia delle, e quanto abonaua suas couzas porem agora des-
pois de se descobrirem seus excessos não fazia o que devia senão desse de tudo
conta a V. Magestade nem se conservará em nenhuma parte pois em nenhuma das
em que esteue deixou de fazer taes couzas que foi força deixar o seruiço como foi
em Malta, flandes, Itália e o Brazil. Sobre o que conuem á defença destas Praças
e dotação que V. Magestade me auizou tinha feito para ellas e o quanto importa
acudir a estes soldados com suas pagas tenho escrito pello Correio desta somana
e por não paresser importuno o não torno a repetir nesta, ssó digo que a defença
desta Província está nisto porque se se lhe faltar a estes soldados com suas pagas
ou de dezemparar as Praças como jà fizerão, e agora suposto o que tenho referido
o farão mais facilmente nem a dotação bastará para a metade do que he necessário
para a guarnissão das fronteiras como bem declaro pella carta que mandej a V.
Magestade no Correio, e se eu me aproveito ou faço tramoyas do dinheiro co diz
D. Sancho couza he esta que se pode saber bem depreça, e bem de vezes tenho
pedido a V. Magestade de mercê se seruice de mandar tomar contas ao pagador
porque com isso se saberá o dinheiro que entrou em seu poder despois que eu
estou nesta Prouinçia e b como e em que se gastou; e paresse que os que se forão
para essa corte sem licença mayormente avendo culpas contra elles como ha do
ditto Manoel Teixeira de Macedo e Flami Pertal que os deue V. Magestade de
mandar prender porque se não for assy todos se hirão, e os francezes que aqui
andão trazem o mesmo pençamento de se hirem porque dizé que ou lhe an de
arrematar contas ou se an de hir couza que nunca disserão mas os ruins exemplos
podem muito. Nosso Senhor guarde a católica pessoa de V. Magestade como seus
vaçallos auemos mister. Villa 5 de Dezembro de 1G42.
Fern.Io Telles de Meneses
(T.T. — Consuluis do Conselho de Guerra, maço 2, n.° 448).
(36) ^Brás Garcia de ^Mascarenhas
LII
CONSULTA DO CONSELHO DE GUERRA SOBRE DUAS CARTAS
DE FERNÃO TELLES DE MENESES, NAS QUAIS RELATAVA ASSUNTOS DA GUERRA,
SENDO UM DESTES O ABANDONO DE D. SANCHO MANOEL. — RESOLUÇÃO REGIA
(i5 dezembro 1642)
Consulta
Snor
Escreue fernão Telles outras duas cartas a V. Mg.de ambas de 21 do mesmo
mes de Nou.ro Em húa delias diz q não tem que dizer acerca da ordem per q V
Mg.d« mandou ir para Euora a cauallaria q veyo da Ilha terceira. E que a q V. Mg.<'«
lhe da para aleuantar cauallaria naquella Prouincia a seguira: q dos cento e sin-
coenta cauallos q deixou Dom Alu.o de Abranches, alguns morrerão, e outros se
forão por falta de soccorros, e torna a reprezentar sua necessidade estando a vista
do inimigo e com tanto poder, para q V. Mg.de o mande considerar e accudir com
o remédio. Da conta de como o Mestre de Campo Dom Sancho Manoel deixou o
seruiço de V. Mag.de e se auzentou sem sua licença, e ser a causa por não conceder
a hum capitão, que elle G.»' mandou prender, o lugar por prisão, e que V. Mg.de
mande julgar se conuem de pessoas de semelhantes postos os deixem estando o
inimigo tam inquieto e o resp.to que os inferiores deuem ter aos superiores.
Na outra representa as mesmas necessidades com q se acha de cauallaria e
infantaria por falta de dr.o sê o q he im.possiuel conseruaremsse. Repete a auz.a de
Dom Sancho Manoel e as causas delia atras referida e q as fortificacois se não
acabão pella mesma falta de dr.o.
Ao Cons.o pareceo remetter a V. Mag.de as três cartas referidas do G.^l Fernão
Telles com relação em sustancia do q contem para q seja prezente a V. Mag.de os
termos com que reprezenta as necessidades com q se acha sobre as quais tem o
Cons.o dito a V. Mag.de em outras muitas consultas o que se lhe offerece e V. Mg.de
mandara se acuda a ellas na forma q entender conuê para q se possáo reparar, e
remediar. Lx.a a i5 de Dez.o de 642.
(Três rubricas ^)
Resolução da Consulta
Escreua o cons.» a fernão telles que a Rui correa se tem dado a ordem ne-
cessária p." o prouer das municois que for pusiuel, e q se lhe enuiou o dinheiro q
sofreo a estreitesa do tempo e q se lhe não faltara com sua consignação emq.'o se
não cobrão os efeitos das cortes e q sobre Dom Sancho se tem deferido. Lx." i5
de dez.o de 642. E o Cons.o me proponha pesoa p.a ocupar o posto de Dom Sancho.
(Rubrica del-reij
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, maço j, n.° 456).
' Do Conde de Penagulio, de D. Gastão Continlio e de D. José de Meneses.
T>ocinnentos (Sj)
LIII
CONSULTA DO CONSEI,HO DE GUERRA PROPONDO A EI,-REI PESSOAS QUE ESTEJAM
NAS CONDIÇÕES DE OCUPAR O POSTO DE MESTRE DE CAMPO DO EXÉRCITO DA BEIRA,
ATÉ AGORA EXERCIDO POR D SANCHO MANOEL. RESOLUÇÃO REGIA
(if) dezembro 1642-4 fevereiro 1643)
Consulta
Snor
V. Mg.de em resposta de outra Consulta que este Conselho havia feito a V Magde
em i5 do presente sobre as necessidades com que se acha o general da Beira
manda se lhe proponham pessoas para o posto de mestre de Campo em que se
exercitou até agora Dom Sancho Manoel.
Satisfazendo a esta ordem propõe dom Gastão Coutinho a VMg.de para este
cargo ao Sargento mor Manoel de Sousa de Abreu que ha trinta e quatro annos
que serve na guerra, e feito no discurso delles serviços mui particulares e sinalados,
e de presente está ocupado no governo das armas de Villa nova de Cerveira exer-
citando o cargo de Capitão mor daquella praça, e diz dom Gastão que dando elle
conta do préstimo e experiência deste sujeito e terem habilitado para maiores ocu-
pações V Mg.de lhe mandou responder avisasse em que poderia ser melhorado/
Roque de Barros Rego Superintendente das armas em Valença, sujeito também de
muitos serviços, valor e experiência, e que ha perto de dous annos serve em Va-
lença á sua custa, e Diogo de Mello Pereira, Capitão mor de Barcellos, um dos
governadores das armas da província de Entre Douro e Minho, fidalgo de valor e
que tem servido e serve mostrando zelo do serviço de V. Mg.de.
O Conde de Penaguião propõe a Francisco de Mello, que sérvio de Capitão
mor de Olivença, fidalgo sizudo e de bons procedimentos, e que tem noticia e pra-
tica da arte da fortificação./ Ao Sargento mor Fernão Telles Cotão que tem ser-
vido com satisfação exercitando este cargo no Castello de S. Jorge e na Beira, e
sobre tudo é rico e poderá com isso luzir mais o posto/ E ao tenente de Mestre
de Campo general Manoel Lopes Brandão, que tem trinta e três annos de serviço
de Frandes, e actualmente está servindo de Capitão mor da praça de Salvaterra.
Dom José de Meneses a Francisco de Mello pelas mesmas razões que o Conde
refere em seu favor, a F"ernão Telles Cotão, e ao tenente de Mestre de Campo ge-
neral Manoel Lopes Brandão que ambos saõ práticos das cousas da Beira.
Jorge de Mello e Dom Álvaro dAbranches a Francisco de Mello, julgando-o
por sujeito capaz de maiores postos por suas boas partes/ ao tenente de Mestre
de Campo general Manoel Lopes Brandão, e a Fernaõ Telles Cotaõ que ha muitos
annos que serve, e o fez no exercício do cargo de Sargento mor no Castello e
na Beira na forma que fica referida. Lisboa 19 de dezembro Ó42.
(Três rubricas V
Nota do secretário
Também foraõ votos o Conde de Penaguião, e Dom Álvaro de Abranches e
naõ rubricaram por naõ estarem presentes.
• De Jorge de .Mello, de D. Gastaó Coutinho, e de D. José de Meneses.
(38) 'Brás Garcia de oMascarenhas
ResoluçM
Sentenceada a culpa de D. Sancho se poderá tratar deste posto. Lisboa 4 de
fevereiro de 643.
(Rubrica del-rei)
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, maço 2, n. 4Ó3).
LIV
REQUERIMENTO DE D. SANCHO MANOEL, EM QUE SE QUEIXA DE HAVER SIDO PRESO
POR ORDEM DE FERNÃO TEI.ES DE MENESES, E DE HAVER SIDO TRANSPORTADO
DA GUARDA A LISBOA ENTRE SOLDADOS COM GRANDE RIGOR,
SEM SE LHE DIZER DE QUE É ACUSADO; NELE PEDE A EL-REI QUE LHE MANDE
DECLARAR AS CULPAS POR QUE ESTÁ PRESO, A FIM DE PODER JUSTIFICAR-SE
(Principio de março de i643)
Requerimento
Sr.
Diz Dom Sancho Manoel Mestre de Campo do Exercito da Beira que V. Mg «i'
pelas razões que se lhe representaram por parte do general Fernaõ Telles de Me-
neses, foi servido de mandar que viesse preso da Guarda a esta Cidade, sem ser
ouvido, nem elle Supp.^ saber até o presente as causas que o dito General teve para
o mandar prender e lhe formar taes culpas, que obrigassem a V. Mg.de a mandar
fazer com elle taó grande demonstração de castigo, como trazerem-no preso a esta
cidade com des homens de guarda um juiz, e um meirinho e um escrivão com
muito maiores preços á sua custa do que se custumam dar aos ministros de justiça
que saem de suas casas, parecendo esta demonstração aos que o viam por essas
estradas que era elle um delinquente mui facinoroso, ou que havia cometido alguã
culpa de traição contra o Real serviço de V. Mg.^e e havendo elle Suppe servido
naquella fronteira a V. Mg. de com tantos riscos de sua vida, taõ grande e taõ con-
tinuado trabalho e alcançando taõ bons successos e victorias, como deve ser pre-
sente a V. Mg.de e constará geralmente em toda aquella província, e porque dese-
jando tanto continuar o Real serviço de V. Mg.de e mostrar o zelo, amor e fideli-
dade com que atégora se empregou nelle, sente muito achar-se nesta corte ocioso :
P. a V. Mg.de lhe faça mercê man-
dar declarar as culpas porque está preso,
porque espera de sua inocência mostrar
em continente a V. Mg.de Je serem falsas
todas as que lhe puseram.
Despacho
Veja-se e consulte-se logo no Conselho de Guerra e a Consulta me virá por
mão de Pedro Vieira. Lisboa 10 de Março de 643.
(Rubrica del-rei)
(T.T. — Consultai do Concelho de Guerra, maço 3, n.° 36|.
'Docmneiitos (3g)
LV
REQUERIMENTO DE D SANCHO MANOEL A D. JOÃO IV, DECLARANDO SLISPEITO
O AUDITOR DO EXÉRCITO QUE LHE FEZ A DEVASSA, POR SER SEU INIMIGO FIGADAL,
E FEITURA DO SEU PERSEGUIDOR FERNÃO TELES DE MENESES
(Abrili 164'^
Dom Sancho Manoel representa a V. M.gde que havendo mais de oito meses
que está preso por ordem de Fernão Telles de Meneses, sendo General da provín-
cia da Beira, sobre haver servido a V. M.g^^^ com a lealdade, valor e bons sucessos
que a V. Mg.íie lhe foram notórios, até pelo mesmo Fernão Telles, seu inimigo capital,
a pedindo por alguas vezes a V. Mg.de instantemente lhe fizesse mercê, que man-
desse devassar de seus procedimentos por todo o ministro que V. Mg.i^^ fosse ser-
vido, excepto só o Auditor do seu exercito, com quem havia tido grandes desa-
venças, pelo serviço de V. Mg.<i« e era feitura do-dito General, e entendendo que
V. Mg.de^ como Rei e Senhor, mandaria fazer a justiça que faz a todos neste parti-
cular,_lhe veio ora a sua noticia que o dito Auditor tirara com effeio devassa delle
Supp.e , e a remettera ao Conselho de Guerra, onde elle Supp.« fez a mesma suplica
que se consultou a V. Vi^A^ por constar que o Auditor era seu inimigo capital.
Pela dita devassa mandava V. Mg.de proceder, e inda que elle Supp.« espera de sua
innocencia e do zelo e fidelidade com que sempre serviu e V. Mg.de não possa re-
sultar contra elle Supp.<í culpa contra o serviço de V. Mg.de com tudo sendo a dita
devassa tirada por um inimigo seu tão conhecido e com assistência do mesmo Ge-
neral que faria tudo o que pudesse pelo culpar, o representa assi a V. Mg.di^ e em
consideração do referido e do que a V. Mg.d<^ lhe tem constado de seus serviços :
P. a V. Mg.de lhe faça mercê mandar
tomar nesta matéria a resolução que for
servido, sendo-lhe a V. Mg.d« presente o
pouco credito que se deve dar a devassa
processada por um inimigo por ordem e
com assistência do mesmo General, que
se empenhou em suas cousas na forma
que a V. Mg.de lhe é notório
E. R. M.
(T.T, — Consultas do Conselho de Guerra, maço 3.°, 11.° 36).
LVI
CONSULTA DO CONSELHO DE GUERRA FAVORÁVEL A REINTEGRAÇÃO DE D. SANCHO
NO POSTO DE MESTRE DE CAMPO DE UM DOS TERÇOS DO EXÉRCITO DA BEIRA.
EL-REI, ANTES DE RESOLVER, PEDE RELAÇÃO POR MENOR DAS SUAS CULPAS : E DEPOIS
MANDA QUE O PRESO PASSE PARA O LIMOEIRO, ONDE COM SUMO SEGREDO
SE LHE DARÁ NOTA DAS CULPAS, E VISTA DA DEVASSA
(2g abrU-2g maio 1643)
Snõr
V. Mag.e tem resoluto que haja dous terços na Beira, e que delles sejam mes-
tres de Campo Dom Sancho Manoel e Manoel Lopes Brandão, e ainda se naõ de-
(40) ^rás Garcia de oMascarenhas
clarou a Dom Sancho a resolução de V. 'ÍA^A^ por naõ vir deferido ao que em
razaõ deste particular se consultou a V. Mg.J« em outra consulta deste Conselho
de 17 do presente ; e porque a pessoa de D. Sancho, por seu valor e experiência e
zelo com que tem servido a V, Mg.d^ é justo naõ esteja sem ocupação, e o veraó
é entrado, tendo os terços necessidade de quem os governe, e a causa, havendo-se
de tratar ordinariamente, será dilatada, e os moradores dos logares da província
pedem com instancia se lhes envie a Dom Sancho, lembra o Conselho a V. Mg.d^
mande declarar se ha por bem que se avise a Dom Sancho da resolução de V. Mg.de
para ir servir na forma delia e naõ perca tempo no serviço de V. Mg.de
O Conde de Penaguião diz que a culpa que Dom Sancho cometeu em se fazer
pagar por si é uã das maiores que se cometem na milicia, que a devassa que V. Mg.de
mandou tirar de seus procedimentos é vinda com úa carta do juiz que a tirou e outra
de Fernaõ Telles, que ambas vaó inclusas, e que é de parecer que Dom Sancho
naõ deve tornar á Beira sem se livrar, ou V. Mg.de mandar pôr perpetuo silencio
na causa, o que elle ficará devendo á grandeza de V. M.de e que sempre será de pa-
recer que V. Mg.de lhe perdoe polo que merece por seu valor e experiência.
Dom Gastão Coutinho, o Bailio e o Conde da Torre acrescentam que da queixa
que se fez de Dom Sancho se fazer pagar naõ consta que quebrasse arca nem fe-
chadura nem puchasse por arma alguã, mais que o medo que o pagador quis ter.
Lisboa 29 de abril de 648.
(Com três rubricas y
Nota do secretário
O da Torre naõ rubricou por se sair antes de se acabar de escrever a consulta.
Resolução
O doutor João Pinheiro me faça relação por menor do que constar das culpas
de Dom Sancho, vendo para isso a devassa e mais papeis que delias houver e me
diga seu parecer e com isso me torne esta Consulta. Lisboa 8 de maio de 643.
(Rubrica del-rei)
Consulta
Snõr
Em cumprimento da ordem dada na resposta da Consulta que torna com esta
se remeteram ao Dr. João Pinheiro a devassa e mais papeis que vieram da Beira
sobre os procedimentos do Mestre de Campo Dom Sancho Manoel ; e João Pi-
nheiro satisfaz com a relação que fez e vai juntamente com esta Consulta. Lisboa
28 de maio de 643.
(Com duas rubricas y
Resolução
Seja Dom Sancho levado ao Limoeiro desta cidade, onde estará preso, e se lhe
darão em cargo, as culpas referidas na informação do dr. João Pinheiro que se
guardará com summo segredo, e na descarga que der Dom Sanho poderá alegar a
suspeição que dis tem ao Ministro que tirou a devassa e o mais que lhe parecer,
e com os cargos que fará o fiscal ira ao Reo vista da devassa : Alcântara 29 de
maio de 643.
(Rubrica del-rei)
< Do Bailio, de D. Gastão Coutinho e do Conde de Penaguião.
- Do Conde de Penaguião, e de Jorge de Mello.
'Documentos (41)
Nota do secretário
Em virtude desta resolução remetti a devassa a António de Beja com papel
meu que está registado a f.
(T.T. — Consultas do Conselho de Guerra, mai,'o3.° n.'*3ò).
LVII
OFÍCIO DO SECRETÁRIO DO CONSELHO DE GUERRA A MATIAS DE ALBUQUERQUE,
COMUNICANDO-LHE A ORDEM REGIA PARA D. SANCHO SER LEVADO AO LIMOEIRO.
(3 junho 1643)
Para Matias d'Albuquerque
Sua Magestade, que Deus guarde, em resposta de uma Consulta do Conselho de
Guerra de 24 de maio passado, manda que o mestre de campo dom Sancho Ma-
noel seja levado ao Limoeiro desta cidade, onde estará preso para se lhe darem
cargos de suas culpas e aviso a V. S.» desta resolução de Sua Magestade para que
mande executar. Guarde Deus a V. S.a como desejo, do Paço 3 de junho de 643.
António Pereira
(T.T. — Secretaria do Coiisellw de Guerra, 1. v, (1. 87).
LVIII
PORTARIAS reconhecendo E ENUMERANDO OS SERVIÇOS VALIOSOS
PRESTADOS NA GUERRA PELO CAPITÃO BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS,
E DECLAR.INDO QUE EL-REI D. JOÃO IV LHE FAZ MERCÊ DA PROMESSA DE 20ÍÍÍ>000 REIS,
COM O HÁBITO DE S. BENTO DE AVIS
(5 abril 1 644)
El Rey noso Senhor tendo respeito aos seruiços que despois de sua fellice
aclamação lhe fez Brás garçia de Mascarenhas natural da Villa de Auo nos lugares
da prouincia da Beira e Alemtejo fronteiras de Castella até o anno de 643 em praça
de Capitão de Infantaria leuantando gente e reconhecendo dentro das terras do
inimigo os paços mais arriscados nos quaes ajudou aobraralguas facções rendendo
com valor muita gente que por vezes trouxe prisioneira, assi no tempo que gouer-
nou as armas na villa de Alfaiates a que fortificou e pos em estado de defençavel
por meio de seu zelo e cuidado, como nas mais ocasiões de guerra que se offere-
ceram em que se achou correndo por sua via e inteligência matérias de importân-
cia que os ministros superiores fiavam de sua lealdade, para se poderem alcançar
os desenhos do contrario; e passandosse despois no anno de 643 a servir na pro-
víncia do Alemtejo donde sahiu a campanha seguindo o exercito em praça de ca-
pitão reformado a principio e ultimamente de capitão vivo, governando com sua
companhia e outras de capitães feridos na guerra se achar em todos os assaltos e
recontros que houve na Villa de Valverde e nas mais praças de Andaluzia que o
verão passado se renderam à força de armas sem receber naquelle tempo cousa
algCa da fazenda real, até que do trabalho e rigor da campanha veio a adoecer gra-
(42) 'Brás Garcia de (£Mascarenhas
vemente, procedendo nas occasiões referidas sempre com a devida satisfação :
Ha por bem de lhe fazer merca de promessa de vinte mil reis de pensão em huã
comenda das que se houverem de pensionar da ordem de S. Bento de Avis, para os
ter com o habito delia, que S. Mg.'''^ lhe tem mandado lançar. Em Lisboa a 5 de
abril de 644
El Rey noso Senhor ha por bem de mandar lançar o habito de S, Bento de
Avis a Brás Garcia Mascarenhas para o ter com vinte mil reis de pensão em huã
comenda da ordem, dos quais lhe tem feito mercê de promessa e manda que para
haver de receber o habito se lhe façam as provanças e habilitações de sua pessoa,
na forma dos estatutos e definições da mesma ordem. Em Lixboa a 5 de abril de
Ó44.
(T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. 1 das Portarias, fl. |58 v.")
LIX
CARTA RÉGIA E DOIS ALVARÁS DE D. JOÃO IV, COMO GOVERNADOR E GRÃO-MESTRE
DA ORDEM DE S. BENTO DE AVIS, MANDANDO LANÇAR O HABITO DE FREIRE NOVtÇO,
AUMAR CAVALEIRO, E RECEBER A PROFISSÃO, A BRÁS GARCIA
(14 maio 1O44J
Dom João etc. Como Gou.or etc. faço saber a uos RA° Dom fr. Bento Pr.a de
Mello Prior mor da d. ordem e do meu Cons.° q Eras graçia Mãz me pedio por
m.« q porq.io elle desejaua e tinha deuaçáo de seruir a nosso s.or e a mim na
mesma ordem, ouuesse por bem de o receber E mandar p'uer do habito delia E
antes de lhe fazer a d. m.<:« E o receber a Ordem, habilitou sua p.a diante do Pre-
zidente E Deputados do desp." do meu Tribunal da meza da Cons.cia E ordens E
Juis delia E per que me Constou pela habilitação que se lhe fez segundo forma das
difíiniçóes E estatutos da mesma ordem o d. Braz Gracia maz. ter as qualidades
p.'«s pessoaes, e a limpeza necess." Conforme a ellas p^ ser recebido E prouido do
habito da d. ordem, E por Esperar que nella poderá fazer m.tos seru.os a nosso s.<"'
E a mim. Hey por bem E me praz de o receber a d. ordem e per esta vos mando
dou poder e Comissão q lhe lanceis o habito dos freires nouiços delia nesse Conu.to
com todos os actos E serimonias q a Regra dispõem E tanto q o dito habito lhe
for lançado o fareis assentar no 1." da matricula dos Caualr.os nouiços com decla-
ração do dia, mes E anno E esta- carta mandareis guardar na arca das semelhantes
que esta nesse Conu.to de que lhe passareis certidão có o traslado delia pa sua
guarda, E se cumprira sendo passada p^^ chra da ordem Esteuã tauares a fez em
Lx' a 14 de Majo de 1644 Christouáo de Sousa a fez escreuer.
El Rey
Ev El Rey como Gou-or etc Mando a ql quer Caualr» pfesso da d. ordem a
que este alua for apresentado que dentro da minha Cap.a ou na Igr.a de nossa s"
da Encarnação da mesma ordem armeis Caualr.o a Braz graçia Mãz a quem ora
Mando lançar o habito delia E pa seus padrinhos nisto ajudarem, podereis mandar
requerer a dous Caualeiros mores da d. ordem, E de como asy o armardes Caualr"
'Documentos (48)
lhe passareis Certidão na forma Costumada e se cumprira sendo passado pella
Chra da ordem Esteuão Tauares a fez cm Lx» a 14 de Mayo de 1644 Christouão de
Sousa o fez escrever
Rey
Ev El Rey Como Gou»"" etc faço saber a uos Rdo Dom fr. Bento pra de Mello
Prior Mor da d. ordem E do meu Cons° q Braz Graçia Maz a quem ora mando lan-
çar o habito da mesma ordem nesse Conu'o me enuiou a dizer que dezejaua e
tinha deuação de viuer Em toda sua vida e permanecer na d. ordem e nella queria
façer p'fissáo E Renunciar o anno e dia de seu nouiçiado E aprovação na forma das
diffinições ouuesse por bem de o receber a ella, perq.'» tinha Corrido folha, E
vendo Eu sua deuação e como he pessoa q a ordem e a mim pode bem seruir me
praz de o admitir a profissão, E por este vos Mando dou poder E Comissão q o
Recebais a ella com todos os actos E serimonias q a regra dispõem, pa o q lhe
mando resida nesse Conu'" o t.po q ella ordena, assistindo aos officios diuinos q nella
se fizerem aprendendo as cousas q os Caualr.os p'fessos da d. ordem são obrigados
saber. E passado o d. t.po querendo elle permanecer na Ordem e fazer expreza
p'fissão vos lha fazey na man." q acima se Refere parecendouos q sua vida e costu-
mes são taes per que lhe deua ser feita E se outra cousa vos parecer mo fareis a
saber p" Eu mandar o q ouuer por meu seru." E tanto q a d. profissão lhe for
feita o fareis assentar no 1." da matricula dos Caualr.os pTessos com declaração do
dia mes E anno E o seu assinado delia mandareis guardar no Cofre dos semelhan-
tes q esta nesse Conu.to de q lhe passareis certidão nas costas deste na forma cos-
tumada. E se cumprira sendo passado p'a chr.a da ordem. Esteuão Tauares o fez
em Lx.a a 14 de Mavo de 1644. Chritouão de Sousa o fez escreuer
Rey
(T.T. — Chancellaria antipa cia Ordem de Avis, 1. xiv, 11. 166 e 166 v.°).
LX
ALVARÁ DO MESMO REI, COMO GOVERNADOR E GR.\0-MESTRE DA ORDEM
DE S. BENTO DE AVIS, EM QUE SE REFEREM OS GRANDES SERVIÇOS PRESTADOS
rOR BRÁS GARCIA NA GTERRA COM ESPANHA, E SE LHE FAZ MERCÊ DA PROMESSA
DE PENSÃO DE 20íí)000 REIS EM UMA COMENDA DA DITA ORDEM
(14. maio 1644)
Ev El Rey Como Gou.or etc faço saber aos q este alu.a virem q tendo respeito
aos seru.os q depois de minha feliçe aclamação me fes Braz Graçia Mãz natural da
V.a de Auo, nos lugares das Prouincias da Beira, E Alentejo fronteiras a Castella
ate o anno de seis centos E quarenta e três Em praça de Capitão de jnfantaria,
leuantando gente E Reconhecendo dentro das terras do inimigo os paços mais
aRiscados nos quais ajudou a obrar algCias facções Rendendo com ualor m.ta gente
q por vezes trouxe prisioneira asy no t po q gouernou as armas na V.-'' de Alfaiates
a q fortificou e pos em estado defensauel por meio de seu zello E Cuidado como
nas mais occasiois de guerra q se offerecerão em q se achou correndo por sua via
e intelligencia matérias de importância q os ministros superiores fiauão de sua
lealdade, p" se poderem alcançar os desenhos do Contrario e passandosse depois
(44)
'Brás Garcia de oMascarenhas
no anno de seis sentos E quarenta e três a seruir na Proua de Alentejo donde saio
a Campanha, seguindo o exercito em praça de Capam reformado a principio, E vi-
timam '« de Capam viuo, gouernando a sua Compa e outras de Capitães feridos na
guerra, se achar em todos os asaltos e Recontros q ouue na V.^ de Valuerde, E
nas mães praças de Andaluzia que o verão passado se Renderão a força de Armas
sem receber naquelle t.P» Cousa algúa da faz.a Real ate q do trabalho E Rigor da
Campanha veo adoecer grauem.te procedendo nas ocasiões referidas sempre Com a
deuida satisfação Hey p' bem de lhe fazer m^e de promesa de vinte Mil rs de pen-
ção em húa Comda das q se ouuerem de pensionar da d. ordem de São Bento de
Auis pa os ter com o habito delia q lhe tenho m^o lançar E pa sua guarda e minha
lembrça lhe mandej dar este alu.a que lhe mandarey inteiramtc Comprir E guardar
sendo passado pela chra da Orden E valera como Carta supposto q seu Effeito aja
de durar mães de hú anno sem embargo de q' quer prouizão ou regim."» en confo
Esteuão Tauares o fez em Lxa a 14 de Mayo de 644 Christouão de Sousa o fiz
escreuer.
Rey
(T.T. — Oiancetaria antiga da'Ordem de Anis, 1. xiv, fl. i66 v.°)'
LXl
ASSENTO DUM BAPTISMO EM AVÔ, NO QUAL FOI PADRINHO O POETA
(14 julho 1644J
1644
Aos 14 de Julho baptizei mathias filho de bernardo duarte de fig.do e de sua
mer m.a Jacome ' forão padrinhos o Capitão bras GrJa M.as e m.a madr.a m." de
João m.*:' - todos desta uilla por lembr.i:^ fis e assinei
Mattos
(CS. — Registo paroquial de Apó, I. i, cad. 2.°, fl. 107 v.").
LXII
assento do casamento do poeta BRÁS GARCIA r>E MASCARENHAS
fig fevereiro 1645)
1645
Aos 19 de feuer.o se receberão em minha presença (feitas 2 denunciaçóes de
l.ça do ordinário) frei Bras Gr.ca M.as filho de marcos Gr." e de Ilena madr.a cõ
dona m.a da Costa filha de J.» m.e' de da fonseca, e de m.» mad.ra da Costa, forão
test.as marcos gr.cai J.o m.eH o D. m « ' gr. ca 5 mathias frzí e outros da mesma uilla
de q fiz e assinei eodem die.
Roque Dias de Mattos
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1 i, ead. 1.", fl. i63 v.*).
1 Maria Jacome de Mendonça, prima inteira da muUier de Bras (.Vol. geneal. III, iii,a 4 ; — Esq.
geneal. 11, a.
i Pais da que veiu a ser, poucos meses depois, molher de Brás.
3 Pai do noivo. — * Pai da noiva. — 5 0 Ur. Manoel Garcia, irmSo do noivo.
documentos (4^)
LXIII
ASSENTO DE UM CASAMENTO DE QUE FOI TESTEMUNHA O POETA
(12 outubro 1645)
Em dose dios de 8>ro de 645 se receberão em minha presença e fiz as benções
nuptiais a Siluestre RÓiz filho de João Rõiz e de m.^ J.o sua m.e.' m.ors no lugar de
moimenta, e a Isabel da fons.ca da Costa ' filha de J.o m.ei da fons.ca e de m.a mad.ra
da Costa desta uilla a que forão test.a^ frei bras Gr.ca m.as mathias frz: Ant.o da
Costa m «1 Aiurzí todos desta uilla de q fis e assinei eodem die.
' Mattos.
(CS. — Registo piito^iiúil de Avô, vol. i, cad. i, fl. i63 v.").
LXIV
carta DEL REI D. JOÃO IV .AGRADECENDO A BRAS GARCIA
OS SERVIÇOS PRESTADOS, E A BOA VONTADE COM QCE OS PRESTOU,
NO LEVANTAMENTO DE GENTE DE VARIAS PARTES, PARA O GUARNECIMENTO
DAS PRAÇAS DA FRONTEIRA
(8 novembro ifj^S)
Bras Garcia Mascarenhas. Ev El Rey vos enuio muito saudar. O Conde de
Serem Gouernador das armas nessa prouincia me deu conta das Ordens q vos
tinha dado para fazerdes conduzir gente de differentes partes para guarnecer as
praças da fronteira dessa prouincia em quanto a gente paga q tenho mandado ve-
nha de socorro a esta não se torne a recolher, e do bom animo com q vos despu-
sestes a me seruir nesta ocasião o que vos agradeço muito, tendo por certo q no
comprimento das ordens q vos tiuer dado e der o Conde e em tudo o mais q con-
uenha a meu seruiço obrareis com tal cuidado e deligencia q comprindo com vossa
obrigação folgue eu de vos fazer a honra e mercê q tenho por certo me sabereis
merecer. Escrita em Aldeã galega a 8 de novembro de 1645.
Kej
(T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, I. vu, H, 41 v.").
LXV
ASSENTO DO BAPTISMO DE ANTÓNIO GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DO POETA
(14 dezembro 164Í)
1645 —
Baptisou o p.e João Caramello de minha 1." Ant.o filho de frei bras Gr.ca m.as
e de sua m." D. M.a em os 14. dias de lo.^ro foi padrinho taõ som.te Steuão Soares
de Melo. per lembr.i^a fis eodem die.
' Mattos
(CS. — Registo paroquial de Avô, 1. 1, cad. 2.°, fl. 108 v.').
• Cunhada do poeta.
{46) ^rás Garcia de ^Mascarenhas
LXVI
ASSENTO DE UM CASAMENTO EM QUE FOI TESTEMUNHA O POETA
(2 fevereiro 1646)
1Õ46
Aos i) de feuer.o se receberão em minha presença e fiz as benções nuptiais a
J.o Rõiz filho de João Rõiz e de maria João m.o^s no lugar de mo\(menta) e a Anna
da fons." da Costa ' f." de J.o m.":! e de m.a mad." àtslz (villa) & q forão test.as frei
bras Gr.ca m.^s Siluestre Rõiz * i.° m.e' 3 m.'os por lembr.<:a fis e assinei
eodem die.
Mattos
iC S. — Registo paroquial de Avô, vol. i, cad. i, fl. i63 v.").
LXVII
carta régia de d. JOÃO IV A BRAS GARCIA, ENCARREGANDO-0 DE LEVANTAR
NA BEIRA UMA COMPANHIA, E PASSAR COM ELLA AO ALENTEJO
(4 agosto 1646)
Capitão Bras Garcia Mascarenhas. Ev El Rej vos enuio m.to saudar Tenho
mandado preuenir nessa prou.^ da beira mil homes para passarem a reforçar o
Exercito de Alentejo tanto q haja recado do Conde de alegrete para isso E por fa-
zer toda a deuida estimação de vossa pessoa e do com q tendes acudido sempre
as obrigacõis de meu seruiço me pareceo encarregaruos leuantardes hua das com-
p.as que se hão de formar e passardes com ella a Alentejo na forma em q mais
particularm." o entendereis do Conde de Serem q vos dará ordem do q haueis de
seguir em tudo e poderes estar certo q sempre me será presente o seruiço que
nesta occasião me fizerdes, e particularm.'^ nas de vossos acrescentam. tos escrita
em Lx.a a 4 de agosto de 1646.
Rej
(T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. vii, fl. i32 v.").
LXVIII
ASSENTO DO BAPTISMO DE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS,
FILHO NATURAL DE MATIAS GARCIA E DE ANA DUARTE
DE TRAVANCA DE FARINHA PODRE
(:8 fevereiro l64j)
Enos dezouto dias do mes de feu.ro bautizei da mesma era (1647) m.e' f.o
dAnna solteira forão padr.os Joseph marques doliveirina » e Isabel Antunes desta
uilla K
G.AR FR.CO
(CS. — Registo paroquial da Bobadela, I. 1, cad. 2.° fl. i5)
1 Cunhada do poeta.
! Irmão do noivo, e casado com uma irmã da noiva (doe. l.XIII).
3 Pai da noiva.
< Era primo inteiro do pai da criança, por ser filho de Francisco Marques, irmão de Marcos Gar-
cia. Este Francisco Marques era casado em Oliveirinha com Agoslinha Lourenço.
6 Esta Isabel Antunes também era irmã de Marcos Garcia, e por isso tia paterna do pai da criança.
Nascera na Bobadela, e casara com António .Madeira, de Avò, residindo ambos naquella freguesia.
T>ocumentos (47)
LXIX
ASSENTO DO DArTISMO DE TOMAS d'aQUINO GARCIA DE MASCARENHAS,
FILHO DO POETA
(j março 1641)
1647 —
Aos 7. dias de Março baptizei Thomas q loguo ao baptizar foi nomeado Tho-
fnas de aQuino filho de frei Brás Garcia M.as e de D. M.a da Costa forão padrinhbs
J.o m.el o moço', e Isabel Garcia 2 f." de Marcos Gr.cia per lembr." fiz eodem die.
Mattos
(í:..%. — Registo paroquial de .\vò,\. 1, cad. 2.», fl. 110).
LXX
carta DE D. JOÃO IV AGRADECENDO A BRÁS O ZELO E VALOR COM QUK SE HOUVE
NA TOMADA DE S. FELICE DE LOS GALLEGOS
(i3 setembro 1647J
Bras Garcia Mascarenhas. Eu el Rei uos enuio muito saudar. O Gouernador
das armas Dom Rodrigo de Castro me significou o zelo e ualor com que proce-
destes na ocasião da entrepresa da praça de S. Felices de los Galhegos e pareceome
agradeceruolo como por esta carta o faço e dizeruos que o seruiço que nesta oca-
sião me fizestes me hade ser sempre presente para uos fazer a honra e merçe que
ouuer lugar. Escrita em Lisboa a i3 de setembro de 16./7.
Rey
(T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, I. xii, fl. 11).
LXXI
CARTA DE D. JOÃO IV A D. SANCHO MANOEL, CAPITÃO GENERAL
DAS ARMAS NO PARTIDO DE CASTELO BRANCO, ORDENANDO-LHE QUE LEVANTE
MIL E QUINHENTOS HOMENS NAS SUAS COMARCAS, POIS A D. RODRIGO DE CASTRO,
CAPITÃO GENERAL NO PARTIDO DA GUARDA, MANDARA FAZER OUTRA LEVA
DE DOIS MIL HOMENS NAS SUAS QU.\TRO COMARCAS
(i 5 junho 1648J
P.a Dom Sancho m.el
Dom Sancho m.ei Ev el Rej uos enuio m.w saudar Do que me escreuestes em
carta de 26 do passado entendi a diligencia que tínheis feito em ordem a formatura
dos três terços de infantaria que me otTerecestes fazer nessa prou.ca e de nouo uos
torno a agradecer o bom animo com que uos tendes disposto e dispondes a fazer
me este seruiço, e dizer uos que será elle neste tempo e ocasião o mais agradauel
e de major importância que de uos posso receber e que me ha de ser sempre prez'e
1 Era filho de Joáo Manuel da Fonseca, e por Í3so tio materno da criança.
2 Tia paterna do neófito.
(48) 'Brás Garcia de óMascaretihas
para folgar de uos fazer por elle toda a honra e m.<:^ que ouuer lugar e porque
conuem não se perder nisto hum so momento de tempo para que se consiga com
breuidade o que tanto importa e se reparta o trabalho entre uos e dom R.o a quem
encarrego que nas quatro com.cas do seu partido leuante dous mil homés e que
uos nas três do uosso leuanteis mil e quinhentos vos encomendo e mando que logo
façais alistar estes mil e quinhentos que hao de ser dos mais nobres afazendados
desobrigados e que tiuerem mais préstimo p.a o seruico que se acharem e hão de
seruir so nesta ocasião e o Conde de São Ls° tem ordem minha para que acabada
ella despida esta gente e a deixe ir p.^ suas terras a qual fareis também armar e
separar formando as comp.as com capitães alferezes e sargentos que hão de uencer
o mesmo soldo que gosao os dos terços pagos e auisarmeheis em toda a dilig.ca
logo que tenhais isto desposto e executado para se uos remeter logo dinheiro para
ser socorrida esta gente e marchar porque segundo os auisos que se tem a saida
do inimigo esta tão próxima que não poderá dar lugar a elle se auer de aquartelar
como uos na vossa carta acertadamente aduertis se deuia fazer p.a se exercitarem
os soldados e torno uos a encomendar m.'o o effeito deste neg.o e a dizer uos que
com o cuidado com que estou certo o aueis de dispor e executar deponho a major
parte do a que me obriga o grande poder que o inimigo tem preuinido e uay jun-
tando em dano deste Reino aduertindo uos lambem que o Conde da Ericeira com
ordens minhas tem partido a fazer 400 infantes socorridos para esta mesma oca-
sião as com.i^as de Coimbra e Esgueira p.a que tendo a entendido não haja emba-
raço p.lo que toca aos que o Conde tirar da com.<^a de Coimbra que he do uosso
partido Escrita em Lx.a a i5 de junho de 1648.
Rey
iT.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, 1. xii, fi. 57 \.°).
LXXII
CARTA DE D. JOÃO IV AO CONDE DA ERICEIRA, DANDO-LHE INSTRUÇÕES
SOBRE UMA LEVA QUE BRÁS GARCIA ANDAVA ORGANIZANDO NA COMARCA DE ESGUEIRA
(24 julho 1648J
Conde amigo. Eu el Rej vos enuio muito saudar, como aquelle que amo. Re-
cebeuse a uossa carta de 18 do presente com copia da ordem com que o gouerna-
dor das armas Dom Rodrigo de Castro mandou ao capitão Brás Garcia Mascarenhas
aleuantar oito centos infantes á Comarca de Esgueira, avisandome que tinheis re-
metido a Estremoz hua tropa de vinte e oito cauallos e quarenta soldados pagos,
e que os duzentos socorridos da Comarca de Coimbra partirão logo que vos che-
gue resposta do que me tinheis escrito em razão da duuida que se vos offereceu
acerca dos Capitães^ e officiaes que hauiam de leuar esta gente, a que se vos tem
deferido, e persuadome que ja iria marchando esta infantaria, e tornandouos a agra-
decer muito o zelo e cuidado com que em tudo tendes procurado abreuiar esta
leua, que é mui conforme a grande confiança que faço do zelo e amor com que
vos empregais em meu seruico. Emquanto a duuida que se vos offerece em ha-
uerdes de passar de Esgueira, assistindo nella Brás Garcia fazendo outra leua, me
pareceu dizervos que despois de vos passarem as ordens e vos partirdes desta corte
a fazerdes a leua que vos encarreguei, pela continuação dos avisos que se tiveram
do maior poder com que o inimigo se está preuenindo em Badajos e sendo precisa-
'Documentos (4g)
mente necessário acrecentar o do meu exercito, para se lhe opor e obviar os danos
de seus designios, foi necessário expediremse nouas ordens aos dous Gouernadores
das armas da Beira para fazerem leuantar nos seus partidos três mil e quinhentos
infantes socorridos, para os enuiarem a Alemtejo e seruirem alli nesta occasião,
que devia ser o motiuo com que Dom Rodrigo mandou a Brás Garcia à Comarca
de Esgueira a leuantar oitocentos homens, persuadindose que como aquella Co-
marca fica mais apartada da raia e menos sujeita por esta causa a acudir a ella
nas ocasiões de rebates se poderiam tirar dalli estes oitocentos homens; mas por-
que eu quero e sou seruido que o que nella obrar seja por ordem vossa, fui ser-
uido resoluer que agora que vos tendo expedido o soccorro de Coimbra, passeis
logo a Esgueira e chamando a Brás Garcia e mandando lhe dar a carta que com
esta será para elle, lhe peçais as listas da gente que tiver alistada e precedendo as
diligencias que julgardes por necessárias dos que houuer alistados ou de outros, se
entenderdes que os hauerá mais desobrigados e capazes para ir seruir nesta oca-
sião fazei separar quinhentos infantes ajustando vos para isto as ordens que leuas-
tes e formando cinco companhias com os Capitães e officiaes que vos enuiará
Dom Rodrigo com as patentes que se lhe remeteram, e socorrendoos do dinheiro
que se vos proveu e do mais que vos enuiará Dom Rodrigo ireis expedindo estas
companhias íía e úa ou na forma que vos parecer, e Brás Garcia vos assistirá a
tudo o que lhe ordenardes como lhe mando aduertir e encarregar; e a Dom Ro-
drigo de Castro mando também avisar desta minha resolução e encomendar que
vos faça prover o dinheiro que faltar e enuie os officiaes e capitães para estas com-
panhias, e vos lhe avisareis da quantia de dinheiro que pode faltar para que elle
vola enuie do que lhe está consignado para a leua que se lhe encarregou. E em
tudo o mais que se ofFerecer tocante a esta matéria, vos correspondereis com o
dito Dom Rodrigo, para facilitar e expedir mais breuemente este socorro, e fio de
vossa prudência e zelo que tudo disporeis e encaminhareis como mais convenha a
meu seruico. Escrita em Lisboa a 24 de Julho de 648.
Rey
íT.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, I. x, fi. 121 v.°).
LXXIII
CARTA RÉGIA A D. RODRIGO DE CATRO SOBRE O MESMO ASSUNTO
(24 julho 164S)
Dom Rodrigo de Castro. Eu el Rey vos enuio muito saudar. Como ja uolo
mandei auisar se tinha dado ordem ao Conde da Ericeira para leuantar 400 Infan-
tes socorridos nas comarcas de Coimbra e Esgueira para o socorro de Alentejo e
tendo o Conde concluída a leua que tocaua a Coimbra reparou agora em passar a
Esgueira em razão de hauerdes enuiado aly a Brás Garcia Mascarenhas a leuantar
800 Infantes para se prefazerem com elles os dous mil que tocão a uossa repartição
e não ser possiuel tirarse de húa ues de hfia comarca tão pequena tam grande nu-
mero de gente ; e porque persuadindome, que cõ a authoridade e zelo do Conde
se fará aly melhor esta leua lhe mando ordene que logo passe a Esgueira e pe-
dindo a Brás Garcia as listas que tiuer feitas da gente delia, ou de outra se lhe
parecer que na Comarca hauera homens mais desobrigados e capazes para hirem
(5o) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
seruir nesta ocasião aliste 800 infantes e que destes forme sinco companhias e cõ
os capitães e officiaes que llie haueis de enuiar as faça marchar para Alentejo na
forma em que expedio as duas Companhias de Coimbra, ou como melhor lhe pa-
recer auisandouos do dinheiro que demais do que leuou lhe faltar para socorrer
esta gente, para que uos da consignação que se uos tem dado lho prouejaes como
uos encomendo o facaes para que por hila e outra parte se procure que esta gente
marche cõ a maior breuidade que for possiuel. E a Brás Garcia mando escreuer
e ordenar que assista ao Conde e guarde as ordens que elle lhe der tocantes a esta
leua de Esgueira e de tudo me pareceo mandaruos auisar para o terdes entendido.
E destes 800 infantes os 3oo hão de fazer por conta da uossa repartição e fio do
uosso zelo e cuidado procurareis que não haja dillação nenhúa no que tanto con-
ucm a meu seruiço abreuiarse por todas as partes. E ao Conde da Ericeira aduerti
daquillo que se uos offerece para melhor se encaminhar o que se pertende. Escrita
em Lisboa 24 de Julho de 1648.
Rey.
(T.T. — Secretariei do Conselho Je Guerr.1, I. xii, fl. 55).
LXXIV
CARTA RÉGIA A BRÁS GARCIA AINDA SOBRE O MESMO OBJECTO
(24 julho 1648J
Bras Garcia Mascarenhas. Eu el Rej vos enuio muito saudar. Eu mando
ordenar ao Conde da Ericeira, que se acha em Coimbra, passe logo a essa Comarca
de Esgueira para que dos soldados que com a ordem que vos deu o Governador
das Armas Dom Rodrigo de Castro tendes alistado nella, ou de outros, se lhe pa-
recer que os hauerá mais desobrigados e mais capazes para o exercício da Guerra,
faça formar cinco companhias de quinhentos infantes que são os mais que segundo
o aviso que tenho se podem tirar nesta ocasião dessa comarca para o socorro do
Alentejo, e o Conde estando formadas e ajustadas estas companhias com seus ca-
pitães e officiaes hade fazer marchar para Alentejo na forma que lhe mando orde-
nar e agradecemdouos a vos a boa diligencia que tendes feito na leua de que me
tinha avisado o Governador das Armas Dom Rodrigo de Castro, vos encomendo e
mando que entregando logo as listas que tínheis feitas ao Conde, lhe assistais em
tudo o que elle vos ordenar para que a gente se ajuste e se formem e marchem as
companhias com a breuidade que tanto conuem a meu seruiço, e para isto guar-
dareis em tudo as ordens que o Conde vos der, assegurandouos que heide ter mui
particular lembrança do seruiço que me fizerdes nesta ocasião, para folgar de vos
fazer por elle toda a mercê e honra que houuer logar. E ao Gouernador das ar-
mas Dom Rodrigo de Castro mando auisar desta minha resolução, para ter enten-
dido a forma delia. Escrita em Lisboa a 24 de Julho de 1648.
Rey
(T.T. — Secretaria do Conselho de Guerra, I. x, fl. 122).
'Documentos (5i)
LXXV
NOVA CARTA RÉGIA A BRÁS GARCIA
EM RESPOSTA A UMA DKSTE, VERSANDO A MESMA MATÉRIA,
(g agosto 1641^)
Bras gracia Mãrz. Ev El Rey vos inuio mto saudar Recebeosse a uossa carta
de 2. do presente em que me daes conta do modo em q hieis obrando na diligen-
cia da leua de q vos hauia encarregado o gou.of das armas dessa prou.^a Dom R.o
de Castro fizésseis na Com*^" de Esgueira e de como a hauieis suspendido cm re-
zão de se hauer encarregado esta diligencia ao Conde da Ericeira c5 ordem q lhe
assistísseis nella, E hauendo uisto tudo o q sobre este particular appontacs na uossa
carta, me pareceo dizeruos q nesta diligencia, e assistência q haueis de fazer ao
Conde procedaes na conformidade das ordens q para isso se uos tem dadas. Es-
crita em Lx.3 9. de Agosto de 1648.
Rey
(T.T,~ Secretaria do Conselho Je Guerra, I. ix, II. 139).
LXXVI
OUTRA CARTA REGIA A D. RODRIGO DE CASTRO A RESPEITO DA MESMA LEVA
fí4 agosto 1648)
Dom Rodrigo de Castro. Eu el Rej uos enuio muito saudar. Em carta de
3o do passado me daes conta das deligencias que tínheis feito para se cobrarem os
(Joo^ooo reis que Dom Sancho Minoel uos hauia de remeter para a leua que corre
por uossa conta e que estes aplicareis a gente que na comarca de Esgueira alistaua
Braz Garcia, e que tanto que chegasse o mais dinheiro se expediria o mais de que
hade constar o socorro que corre por uossa conta, perguntando se o conto oitenta
e quatro mil oitenta e sete reis que hú comissário hauia entregue ao Pagador em
25 do mesmo são para a leua ou para que outro effeito. E pareceome dizeruos
que como ja uolo aduertio António Pereira remetendouos a resposta de hú escrito
que de minha parte se escreueo ao Bispo eleito do Porto, este dinheiro era para a
leua, e espero de uosso cuidado e zello que quando chegar a uossas mãos esta carta
se terá expedido toda a gente da uossa repartição e não tardara muito em chegar
a Alentejo. Escrita em Lisboa a n de Agosto de 1648.
Rey.
(T.T. — Secretaria do Conselfio de Guerra, 1. xii, li. &5).
LXXVII
CARTA RÉGIA Á CAMARÁ DE AVEIRO TRATANDO DO MESMO OPJECTO
(30 agosto 1648)
Juiz vreadores e Procurador da Camará da Villa de Aueiro. Ev El Rey vos
enuio m.to saudar. Hauendo uisto tudo o q na uossa carta do prim.» deste appon-
(SsJ 'Brás Garcia de <£Mascarenhas
taes em ordem a se tirar gente dessa Villa, e seu termo, nem dos lugares duas le-
goas ao redor por rezão de ter essa uilla porto de mar, com húa barra aberta sem
fortificação q possa impedir ao inimigo a entrada delia quoando o intente ; me pa-
receo dizeruos q cõ attenção a tudo o q aduertis e appontaes na uossa carta, e a
estarem os lugares dessa Comarca tam uesinhos do mar, se reduzio o numero de
oitocentos homens que hauia de leuantar nella Brás gracia Mãrz a quinhentos q
hade fazer o Conde da Ericeira para hirem seruir nesta occasiáo a Alentejo e
passada ella se hão de recolher as suas terras para cujo effeito foy necess.o e pre-
ciso puxar por esta gente. E no q toca ao forte que se deue fazer na barra dessa
V." para sua deffensa fico aduertido e cõ cuidado p.a tomar nisso a resolução que
mais conuenha a meu seru.o e a segurança da mesma barra. Escrita em Lx.a 20 de
Agosto de 1G48.
Rey
\l.T.—Seerelaria do Conselho de Guerra, 1. ix, fl. 141 v.").
LXXVIII
CARTA RÉGIA AO CONDE DA ERICEIRA, COMUNICANDO-LHE UMA QUEIXA
FEITA CONTRA BRÁS GARCIA POR TOMAS DA COSTA CÔRTE-REAL, DE AVEIRO,
A RESPEITO DA LEVA, E ENCARREGANDO-O DE SYNDICAR EM SEGREDO
E INFORMAR SOBRE O ASSUNTO
(IO setembro 1648)
Conde da Ericeira
Conde amigo Ev El Rej vos enuio mw saudar como aquelle que amo. Com
esta carta vos mando remetter outra que me escreueo de Aueiro Thomas da Costa
Corte Real em q me faz queixa dos procedim">s do capitão bras guarcia mãrz q a
comarca de Esgueira foi com ordem de dom Ro de castro gouor das armas da beira
a reconduzir os soldados fogidos de suas bandeiras, e a q Ev também vos hauia
mãdado, e a leuantar outros. E pareceome remeteruola, E encomendaruos q
vendo a e fazendo com todo o segredo as deligencias que vos parecer e tiuerdes
por mais acertadas para alcansar o que passa nisto me informeis de q na verdade
achardes para mandar prouer o que tiuer por mais seruiço meu. Escrita em Lx.a
a 10 de Sefo de 1648.
Rej
(T.T. —Secretaria do Conselho de Guerra, \. viu, H. i33).
LXXIX
ASSENTO DO BAPTISMO DE ISABEL GARCIA, FILHA DO POETA BRAS
(3i dezembro 1Ò4S)
1648 —
Aos trinta e hú, uel ultimo dia de lo.tro baptizei Isabel filha de frei bras Gr.ca
M.as e de sua m." dona M.a , forão padrinhos assignados Luis de Mello e sua m.^r
dona Maria de Villa Coua por lemb.ra fiz eodem die.
Mattos
(CS. Registo paroquial de Anô, 1. i, cad. 2.', fl. II v.°).
^Documentos (53)
LXXX
ASSENTO DO BAPTISMO DO FILHO DE UMA ESCRAVA PRETA,
QUE TINHA BRÁS GARCIA
(24 junho 1640)
1649 —
Aos 24 de Junho baptizei Marcelino filho de húa pretta cativa de bras Garcia
M.as nomine Isabel, filho q disse ser de hu mácebo de Trauãqua de farinha podre
por nome J.» forão padrinhos o p.^ fr.<-o frzí e maria pretta desta uilla de q fiz e
assinei eodem die.
Mattos
(CS. — Registo paroquial Je Avó, I. i, cad. 2.», fl 112).
LXXXI
assento dum baptismo em que foi padrinho o poeta
(25 junho i64g)
1649
Em 25 de Junho baptisei Anna filha de Miguel Núz de Campos e de Anna
mad.ra sua m.er forão padrinhos frei bras Gr." m.as e sua ra." D. M.» por lemb. fis
eodê die
Mattos
íC.S. — Registo paroquial de Avó,\ . 1, cad. 2.», li. ii2|
LXXXII
assento de outro baptismo com o mesmo padrinho
(4 setembro i64gj
1649
Aos 4. dias de jMo baptisou o p.« m.^l Garcia' de minha l.ca Ant.o filho de J.»
Gomes botelho, e de sua m.er m.a de misquitta^ forão padri. frei bras Gr.ca M.as e
sua m." D. M.a por lembr.ca fiz eodem die.
Mattos
{CS. — Registo paroquial Je .ivô, 1. 1, cad. 2.°, H. 112).
^ Irmão de Brás Garcia.
s Filha de Felipe Madeira, tio materno do poeta.
(54) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
LXXXIII
ASSENTO DE BAPTISMO DE QUITÉRIA GARCIA DE MASCARENHS, FILHA DO POETA BRÁS
(2g junho i65i)
i65i —
Hoje 29 de Junho (Appostolorum die) baptizei Quitéria filha de frei bras Gr.ca
e de Dona Maria sua m." forão padrinhos o R.do p.e M.cl Gr^a ' e susana filha de
J o m.el 2 por lembr'» fiz eodem die
Mattos
(CS- — Registo paroquial de Avó, 1. 1, cad. 2.", fl. ii3 v.°)
LXXXIV
assento dum baptismo em que foi padrinho o poeta
(í8 outubro i65'j)
i652
Aos desoito dias do sobre dito mes (outubro) Baptisou o dito M.«l Graçia a João
filho de Migel nQz. Campos e sua m.er Ana mad.a forão padrinhos bras Gr.ca M.as
e Ceçilia madr.a soltr.a todos desta uilla de que fis e assinei eodem die.
Mattos
(CS. — Registo paroquia! de Aró, 1. 1, cad. 2.", fl. ii5).
LXXXV
processo crime instaurado contra o P.e MATIAS GARCIA,
POR TER chamado «JUDEU» A BERNARDO DUARTE DE FIGUEIREDO, AUTOR NESTE PROCESSO
(Principiado em j65'j)
Artigos do libelo
Piouaria que sendo o Reo inimigo capital e descuberto delle autor por duvi-
das e differencas que tinha tido asim com elle Reo como com seus Irmãos pella
qual rezam andava o Reo buscando todas as ocasiois que podia pêra o afrontar e
injuriar em resam de lhe ter ódio por ser Respeitado na dita villa sendo que tinha
uindo hauia pouquo tempo pêra ella de morada de sorte que asim o Reo como seus
Irmãos por seus inimigos herão tidos hauidos e conhesidos no que não hauia du-
uida, e sendo isto asim —
Prouaria que o Reo em resam do dito ódio que tinha a elle autor pellas Resois
presedentes que com elle tinha tido, e com seus Irmãos aonde quer que se achaua
em luguares públicos soo a fim de injuriar e afrontar a elle autor desia, e publicaua
que elle hera hum judeu uindisso de fora, o que desia e Repetia muitas e uarias
ueses, aonde quer que se achaua chamandolhe de judeu, e que nas Eleissois dos
* Tio paterno da baptizada.
2 Tia materna da baptizada.
'Dociiinenlus (55)
carregos da dita uilla não emtrasse ellc autor que emtrasse quem quer que tosse, e
perguntandolhe algumas pessoas o porque, e porquem o desia, elle Respondia que
pello autor em Resão de ser judeu, e o mesmo Reo se gabaua a muitas pessoas ter
chamado a elle autor judeu na cara —
Prouaria que elle autor cm Resão de ser assim tam publica mente de ordinário
afrontado e injuriado pio Reo com elle lhe chamar judeu que sempre se dera por
muito injuriado e afrontado, e tomara antes perder ou deixar de ganhar quatro mil
cruzados que serlhe feita tal injuria e afronta e dita por uarias uezes pello fico,
aqual injuria c difamasão que o Reo fazia da pessoa delle autor lhe fora por elle
feita de outo meses a esta parte como também —
Prouaria que elle autor hera filho legitimo de legitimo matrimonio de Salua-
dor Duarte de figueiredo e de sua molher Catherina Gomes que Deus tem, e o
dito seu paj hera Sargento mor na uilla de Pombeiro aonde hera morador e nella
fora Capitão e ouuidor do Senhor da dita uilla e asim os parentes da parte do dito
seu paj como da dita sua may herão dos milhores da dita uilla, e das mais uillas
aonde uiuião os quais todos seruião, e seruirão, os carguos nobres da guouernanca
delias assim na Republica como nas Igreias —
Prouaria que a maj delle autor hera filha de João Thome que Deus tem mora-
dor que foj em uai de asores termo da uilla de Mortagoa, e filha de Angela Gomes
os quais herão dos principais da dita uilla e fora Capitão toda a sua uida no dito
comselho como de presente também o herão dous Irmãos da maj delle autor na
dita uilla, e comselho de mortagoa, e todos seus parentes seruirão, e seruião na dita
uilla e comselho todos os carguos nobres na guouernanssa delia —
Prouaria que elle autor tinha dous Irmãos dos quais hum delles estaua actual
mente seruindo de Capitão de Infantaria na uilla de Pombeiro, e outro seruira de
Alfes, e de Almotasel nella : sendo como hera huma uilla notauel, e elle autor
tinha seruido na dita uilla de Auo de Alfes, e juis ordinário por uerdadeira elleisão
de Pelouro e os mais carguos nobres da igreia, e actual mente estaua seruindo de
tabalião de notas publico e judisial em quatro uillas de propriedade, como hera auó,
uilla coua de sob auo, nogueira, e São Sebastião da feira —
Prouaria que asim os parentes da parte do Paj delle autor como de sua maj
nunqua tiuerão nem forão infamados de terem Raça alguma de mouros nem judeus
nem de outra infecta nasção antes sempre de todos, e das pessoas mais uelhas das
uillas, e dos ditos luguares forão sempre tidos e hauidos, e conhessidos por chris-
tãos uelhos de todos os quatro costados sem nunqua hauer fama alguma de em
huma ou outra gerasão auer Raça alguma de judeu nem de outra infecta nasção, e
essa hera a fama publiqua que sempre ouuera assim nas ditas uillas como luguares;
e sem nunqua em comtrario que uerdadeira fosse, pella qual Rezam ficaua sendo
muito major a injuria feita a ellc autor —
Prouaria que o Reo hera hum saserdote muito soberbo e aRogante c de muito
Ruim lingoa que se presaua de vallente, e useiro, e ueseiro em afrontar c injuriar
pessoas honrradas pello que ett.^ fama publica ad nesessaria tantum. —
Artigos de comtrariedade
Prouaria que o Reo nem seus Irmãos forão nunqua inimigos do autor antes
Brás Grasia mascharenhas Irmão delle Reo o casara, e lhe fizera dcspois de ca-
(56) 'Brás Garcia de oMascarenhas
sado emprestar dinheiro a Pedro de Afonseca de Arganil pêra comprar o offisio
de Tabalião, e sempre o autor Resebera boas obras delle Reo e de seus Irmãos e
por amor delles se fizera Respeitado e estimado na uilla de Auô e auendo isto feito
falço dizer que herão seus inimiguos e que disião delle mal —
Prouaria que fasendosse publico e notório a todos na dita uilla de Auo que o
autor hera christão nouo sem o autor nem seus Irmãos comsentirem nisso por ser
grande meixilhão, e se emtrometer nos prouimentos dos carguos do conselho se
escandalisara a gente muito delle e se desia que hera mal feito emtrar elle autor
nas eleissois —
Prouaria que despois de se saber na dita uilla que o autor estaua notado e em-
famado de ser Christão nouo os parentes de sua molher se queixaram muito do
Irmão do Reo os mesturar com elle, e de os fazer uir em tão Roim casamento, e
elles mesmos o tem por Christão nouo e lho chamão na presença, e na absensia,
sem elle autor se afrontar disso nem se defender porque —
Prouaria que Catherina Gomes cujo filho o autor dis que he fora filha de An-
gella Gomes moradora que fora no luguar de uai de Asores, a qual Angella Gomes
fora filha de Henrique Gomes natural e morador que fora em uilla gosendo, e com-
forme a estes grãos ficaua elle autor sendo legitimo netto da dita Angella Gomes
nem elle o nega, e bisnetto do dito Henrique Gomes —
Prouaria que a dita Angella Gomes auo do autor fora sempre tida nomeada e
tratada no logar de uai de Asores, uilla de mortagoa, e por todos seus arre-
dores por Christam noua, e o dito Henrique Gomes seu bisauo por elle o tratauão,
e nomeauão em uilla gosendo donde fora natural, e não ouuera nunqua outra fama —
Prouaria que do dito Henrique Gomes bisauo do autor pella parte de sua maj
nasceo também Gaspar Gomes morador que fora em mortagoa, e deste nascera
Brites de figueiredo, presa que fora nos carseres do sancto ofisio por Christam
noua, e sahira comfiscada, e sambenitada, e desta Brites de figueiredo nascera Am-
brósia de figueiredo, a qual fora também presa e sahira a queimar —
Prouaria que tam publico hera ser o autor da nassão hebrea que Bertholameu
da guerra filho de Dominguos da guerra tio do autor estando no nouisiado de
sancto . . . pêra frade, o lansarão fora da Rellegião pello defeito de Christão nouo
que padesia, e querendo Pedro Gomes, e António Gomes Capitais e tios do autor
nomeados no quinto artiguo de seu libello fazer seus filhos Clérigos se lhe pos im-
pedimento de Christãos nouos, e os purgarão no dito juiso sem parte pello que —
Prouaria que o autor motejaua muito das uidas alheas, e disso hera muito no-
tado, e de faser escarninhos e zombarias comtra as uidas alheas, e com isso fasia
apurar a fama que tinha. O Reo hera saserdote de boa fama uida e costumes, e que
não afrontara ninguém nem dissera nunqua mal de pessoa alguma e a todos daua
bom exemplo com seus prossedimentos pio que deuia ser absoluto. E assim se
deuia julgar ett.a ,
Sentença na ifl instancia (14 nov. iG52)
Vistos estes autos, libello do autor, comtrariedade do Reo mais artigos Rese-
bidos, proua por parte do autor somente dada, papeis juntos: mostrasse que sendo
o Reo inimiguo do autor publica mente, e com animo de o injuriar e afrontar em
toda a parte e luguares públicos e perante muita gente chamaua a elle Reo de
judeu uindisso de fora Repetindo a dita afronta por muitas vezes em toda a parte
'Documentos (5 7)
que se achaua dizendo mais que nos carguos dos eleitos não emtrasse o dito autor,
e que emtrasse quem quer que fosse, de sorte que de lhe chamar tais nomes se
andaua gabando a toda a pessoa e as mais que lhe perguntauão por quem o desia
da qual injuria se deu loguo o autor por muito afrontado por quanto he filho le-
gitimo de Saluador duarte de figueiredo e de Catherina gomes sua molher, e que
o dito seu paj he sargento mor na uilla de Pombeyro, onde foy Capitão, e ouuidor
do senhor da dita uilla, e que todos seus parentes asim da parte do dito seu paj
como da dita sua maj são dos milhores da dita uilla e das mais aonde uiuem ser-
uindo nellas todos os cargos nobres asim das igreias como do guoucrno. Outro
sim se mostra que a maj do autor he filha de João Thome de uai de Asores termo
da uilla de Mortagoa e de Angella gomes que foj Capitão no dito Comselho aonde
ainda o são dous Irmãos da dita sua maj, e que o dito autor tem dous Irmãos dos
quais hum serue de Capitão na uilla de Pombeyro e outro de Alfes na uilla de
Couilham onde tem seruido de Almotasel ; e que final mente o autor tem seruido
de Alfes e de juis ordinário na dita uilla de Auó e que he tabaliam proprietário do
auto publico judisial nas quatro uillas, de Auó, uilla coua, nogueira, e São Sebas-
tião da feira. Mais se mostra que assim os parentes da parte do Paj do autor
como de sua maj são todos Christãos uelhos e sem Raça de mouros judeus nem
mulatos nem disso forão difamados, e por tais forão sempre tidos e hauidos. Mos-
trasse outro si que suposto do dito autor ouuesse fama de Christão nouo ella foj
pello Reo e seus Irmãos inimigos do dito autor o deuulgarem pêra assim o infama-
rem porquanto Catherina gomes maj do mesmo autor de quem o Reo lhe impõe
nota de Christão líouo nasseo de João Thome e Angella Gomes moradores que
forão no uai de Asores, aqual Angella Gomes foi filha legitima de João luis e de
sua molher maria Gomes moradores que forão no mesmo luguar que todos forão
tidos e hauidos e conhecidos por Christãos uelhos sem nenhum outro Rumor em
comtrario de sorte que a dita Angella gomes auo do autor por parte da dita sua
maj não foj filha de Henrique gomes de uilla gozando por quanto nasseo e foj mo-
radora em uai de Asores donde falesseo, e prosedeo de sancta Comba dão. Mais
se mostra que o dito João luis, e Maria Gomes uisauos delle dito autor que herão
todos Christãos uelhos inteiros e que suposto Brites de figueiredo nasesse do dito
Gaspar gomes foj comtudo de sua segunda molher de quem lhe uejo a Rassa que
tinha de Christã noua e não pella do dito seu paj que era Christão uelho inteiro, e
porque também a dita Brites de figueiredo foj casada com Matheus fernandes de
uilla gosendo que hera Christão nouo, e foj preso, e comfiscado pello sancto ofisio,
e dous Irmãos seus que forão queimados e que suposto Ambrósia de figueiredo
sobrinha dos sobreditos fosse queimada não prejudica a geração do autor que he
limpa e sem Raça de judeu mouro, ou mullato. Mostrasse outrosi que Berthola-
meu da guerra não emtrou numqua em Relligião alguma de que fosse lanssado fora
pello dito effeito, porque se nella entrara fora Rellegioso como o foj frej António
de frias frade de sancto António filho do dito Gaspar gomes, e que na gerasão do
autor assi por parte do dito seu paj como da dita sua maj ha muitos frades Relle-
giosos clérigos, e Priores de authoridade grande, e que dado sahissem com empe-
dimento de Raça de Christão nouo a francisco da silua filho de Pedro Gomes de
uai de Asores tio do autor esse o purgou pella dita Resam de parentesquo que lhe
não prejudicou de que ouue sentença cujo treslado anda junto nestes autos. E
finalmente proua o autor que o Reo he muito soberbo e aRogante e que solta pa-
(58) 'Brás Garcia de cMascarenhas
lauras bem estranhadas, e descandallo grande emtendendo com todos e em tudo
molestando a muitos e aos melhores sempre afronta. O que tendo uisto e consi-
derado a qualidade do autor e de soltura costumada do Reo palauras injuriosas
que lanssou Repetida mente inconsideradas comtra o autor, e por sua parte não
fazer proua alguma, disposissão de Direito em tal caso. Comdeno ao Reo em uinte
mil rs' pêra o autor de emmenda e satisfasão, e nas custas destes autos. Em Rella-
ssão quatorze de nouembro de seis santos sincoenta e dous.
Monteiro Ribeiro
Sentença na 2.^ instancia (g março i655)
Accordao em Rellassão etc.a bem julgado foj pello vigairo geral do Bispado
juis a quo em comdenar ao Reo em pena pecuniária pêra o autor porem em ser em
tam pouqua quantia foj por elle menos bem Arbitrado. Reformando nesta parte sua
sentença cumprasse o comfirmado por seus fundamentos e o mais dos autos, os
quais uistos, e como por parte do autor se proua ser pessoa nobre Christão uelho
sem Raça alguma por seus auos paternos e maternos, e ser seu paj sargento mor
na uilla de Pombeiro, e hum Irmão Capitão, e elle auer seruido os carguos nobres,
e como outrosi se mostra não ser o autor bisnetto de Henrique gomes como o Reo
articullou, mas antes ser bisnetto de João luis e sua molher Maria Gomes christãos
uelhos inteiros, e como final mente se mostra insistir o Reo em seus artiguos
nestes autos nesta instansia em faser o autor Christão nouo, e não o prouar, com
que lhe ficou fazendo major injuria, e mostrou o animo que tinha de o injuriar e
afrontar, o que tudo uisto, auendo Respeito a qualidade da pessoa do autor e da
injuria que o Reo repetiu nos últimos artiguos dos embargues com o mais que dos
autos consta Comdenão ao Reo em mais sincoenta mil rs' de emjuria emmenda
e satisfasão pêra o autor, e em hum anno de degredo pêra a cidade de Euora que
hira cumprir dentro de trinta dias, e pague as custas dos autos prinsipais em
ambas as instansias, e dos últimos, e dos últimos embarguos de premeio. Bragua
noue de março de seis sentos sincoenta e sinco.
Mourão — Olheira — Ferreira — Rebello
Libcllo appellatorio em um incidente da causa '
Por uia de libello apellatorio nesta Instancia, ou como em direito melhor haia
luguar diz o P.« Mathias Gracia Cura da 3'greia de Ançeris deste bispado contra o
apellado Bernardo Duarte de figr.d» da villa de Auo q semdo nesesario —
Pr.a — I — Que o d. Bernardo duarte apellado demandou a elle aPellante ante
o R.do Vigr.o geral deste Bispado de Coymbra por huma jmjuria uerbal dizemdo q
elle decendia de nação hebrea nam auendo tal nem elle apelante lhe disse tais pa-
llauras —
Pr. a — 2 — Que pondosse a dita cauza da primeira jnstançia em proua tratou
o appellado composiçam na cauza com Eras graçia mascarenhas Irmão delle appel-
lante para q a sobra do femgido concerto elle dar sua proua muito a seo guosto e
sem parte como foj e elle se descudase em dar proua em sua defeza como suçedeo
1 foi apresentado pelo procurador do appellanle padre Mulhias Garcia, o licenciado Luis Cor
Jeiro, a i3 de maio de itíOj.
documentos (5g)
em boa fee, e tanto q teue seu negocio preparado fes sentensear os auttos em q
elle appellante sahio comdenado em vinte mil rs. e por lhe pareser a comdenacam
piquena appellou para a Rellacam de Bragua onde elle appellante sahio comdenado
em quorenta mil reis e hum anno de degredo ou o q na verdade se achar —
Pr.a — 3 — Que desta exçeciua comdenacam appellou elle appellante ad sanctam
sedem apostollicam em tempo hahel, de que jmpetrou rescripto em q ueio nomeado
por juis oRd.o uigr.o geral deste Bispado que no tal tempo hera o D.o' João Alures
Brandão o quoal por se sintir peiado na cauza em Rezam de ser parente delle
appellante sobdeleguou no D.ur Dionyzio Rebello de gondim que aceitou a subdel-
legação, e mandou pasar ynhibitoria compulsória e citatoria em forma —
Pr.» — 4 — Que semdo ella imtimada aos dezembarguadores da Rellação de
bragua a mandaram dar vista ao appellado Bernardo Duarte, e elle por seo procurador
a embarguou jmpedindo que os autos se compulsasem, e pello q articuUou lhe foram
Recebidos seus emb.os e auidos por prouados na dita Rellação thomando os dezem-
barguadores delia por fumdamento q no dito rescripto uinha imserta a clauzulla •/.
ser uata relleguatione /, e que em quoanto elle appellante não podia ser ouuido
emquoanto não estiuesse no degredo e que aliem disso a dita cauza hera criminal
da quoal o dito Doutor nam podia conhecer por nam ser uiguayro geral —
Pr.a — 5 — Que tendo elle appellante noticia deste despacho pedio segunda jnhi-
bitoria em que mostrou por direito e Rezullução dos Doutores que a dita clauzulla
se punha por estillo e q somente en três cazos se goardaua a saber quoando o
apellante se acha no degredo ou quoando he comfesso ou quoando ha três sen-
tenças comformes e fora delles nam tem efeito e que a cauza de q se trataua hera
meramente siuel e que nam tinha a callidade de creminal e sem emb.o disto não
quizeram obedecer a esta segumda inhibitoria nem a terceira que outrosim se
pasou —
Pr.!" — 6 — Que uendose elle appellante sem Remédio Recorreu a dispoçissão do
Comcillio tridentino que em cazo semelhante manda anullar os autos e sentença
appellada e condenar a parte nas custas e hasim o Requereo elle appellante ao
R.do juis a quo como dos autos appencos largamente consta —
Pr.a — 7 — Que deuendo o Reuerendo juis a quo deferir a elle appellante e dar
a execução os decretos do dito comcillio sahiu com despacho que se louuaua no
ponto da jurisdição semdo que por direito se mostrou diante delle que a elle per-
tencia conhecer delia e nam a outro nem por allgúa das partes lhe foj Requerido
q se procedesse o tal louuamento do quoal decrecto appellou elle appellante ad
sanctam sedem apostollicão em que se pasou o rescripto de que voça merçe he
yuis nesta instancia —
Pr.» — 8 — Que elle appellante foy muito aggrauado pello KA" juiz a quo por
muitas Rezois. Primr.» porq comforme a direito todo o juis Regullarmente he
competente para julguar se lhe pertence a jurisdição da cauza de q se trata o que
elle não foj. Segumda em querer Reduzir esta cauza a louuam.'" na jurisdição
nam hauendo cauza p.» hisso por quoanto histo so tem lugar quoando dous juizes
ecc.os ambos pertendem ser competentes na mesma jnstancia e não quoando esta
controuerçia sucede entre o juiz a quo e o juis ad quem. Terceira em se louuar
em juis arbitro sem elle appellante, e app.<io serem citados. Quoarta em não
goardar a dispoçição do comcillio Tridintino que em termos próprios falia a fauor
delle appellante, semdo lhe pedida sua execução —
(6o) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Pr.a — 9 — Que o appellado não somente Impedio o compulso dos autos ao juizo
do Reuerendo juis a quo, mas também nesta o empede como consta da certidão
que anda nestes autos foi. 21. ibi com o q ham por difirido a Rezão ofrecida por
emb.os e isto so defejto de se não saberem as jmjustiças que os desembargadores
da Rollacam de Bragua tem feitto a elle appellante.
P. R.to e prouado o q baste integrum sibi fieri iustitiíe complementum,
quod cum expencis.
(CE. — Documentos apensos ao processo para a ordenação do Dr. Matias Jácome de Figueiredo
Jilho de Bernardo Duarte de Figueiredo).
Sentença Jinal (16 março 1666J
Dei no;ni;ie inuocato. Vistos estes auttos e forma do rescripto por Sua Santidade
a mim commetido, em que sua S. me commete o conhecimto e discisão dos Inci-
dentes de q se appellou contheudos no mesmo rescripto e juntam'« a discisão da
cauza principal entre partes appellante o Reo originário o R.<lo P« Mat^s G" olim
cura de Anceris e appellado Bernardo Duarte de fig.do m.or na v." davô e nesta
Sarg.to major, tudo do Bispado de Coimbra ; E uisto como ja não ha q differir aos
jncidentes sobre o compulso dos auttos pois a morte do juis sobdeleguado e a do
Reo originário lhe differiOj e com effeito os auttos estão compulsados nem menos
ao jnçidente sobre o Vigro Geral de Coimbra querer tornar a rezumir a si a luris-
diçam q seu antessesor subdellegara com clausula reasumendi pois com este re-
scripto passou toda a cauza a este meu Juizo e só fiqua q defferir as appellaçõis q
o Reo originário interpôs em a Cúria de Bragua de lhe não auerem os artiguos de
noua Rezam e do conserto per prouados por quem da prim.ra foj uisto dezistir em
uir com segundos embarguos e bem diffamatorios que também lhe não foram re-
cebidos e se sentensiou a cauza final e desta interlucutoria não nos consta q appel-
lasse, e q offizesse hera injusta, porquãto o chamado concerto se não prouou,
ainda q duas test.as tiradas subrepticiam.'^ diserão q o ouuirão ao Autor appellado,
q são P.o Fran.>:o e Fran™ Pires em casa de Brás Graçia mascarenhas parenta sua
da molher do Reo '. . . nisso pio modo q depõem não he verisimil o q dizem, que
vinha a ser, q offaria excuzar de ter cauallo auxiliar se elle comprisse o q tinha
prometido ao vigro de Farinha Podre sobre este conserto, e desistimento desta
cauza; e o dito viguajro diz, que neste conserto não affectuara nada, e mais q o
Autor dissera q se sentensiaria a cauza, e que então não faltarião homens honrados
q se metessem de premejo e uinha a ser estipuUar pêra outrem quãto mais q as
d.íis test.as dizem fora pia Senhora de março e consta pio escrito do Gouernador
das Armas estar o Autor ja escuzo do cauallo em feuerejro do mesmo anno e por
isso os R.dos Juizes aqq. não fizerão cazo do chamado conserto; no q tudo con-
fforme o ness.™ proçedim.to e sn.ca e sendo isto antes do Reo appellante contrariar
não oppos do tal conserto, q hauia de alleguar antes de contestar pois p.ro tiuera
nascim.to se fora verdad.ro. E deferindo a cauza principal da jnjuria declaro q foj
mal appellado pio appellante e bem julguado pios Rdos Juizes a qq. confirmo a sua
sentensa por seus fundam.tos e pios mais dos auttos de q consta a Iniuria não só
< Houve aqui evidente lapso do copista que escreveu o traslado. Na sentença original devia estar
escrito: «parente da sua molher e irmão do Reo».
^Documentos (6i)
ser uerbal e mais uezes em publico repetida com animo de afrontar e injuriar, mas
tãobem de inhabilitar ao Autor e seus f.os e descendentes p.-! os cargos e officios
e postos nobres mas p.^ não poderem ter estado e dignidades eclesiásticas, afron-
tando uiuos, mortos e por nascer. E o pior foj confirmar por escrito, c por arti-
guos o mesmo q tinha dito in varias instancias, mostrando a sua pertinácia e obsti-
nado ódio com q foj com o libello diffamatorio, q em drt.o tem graues pennas.
E o peior ja depois de ter uista a largua proua do Autor appellado porq se mostra
por grande numero de testemunhas ser Xpão uelho int.™ sem raça alguma infecta
e homem nobre e seus antepassados e q seruião os carguos nobres nas terras
aonde uiuião asi da milliçia como da justiça e nas Ig.^s e o mesmo fazem oje o
Autor e seus Irmãos e parentes, e ja hú seu primo foj por tal iulgado e de puro
sangue por esta mesma parte e descendência, q o Reo appellante quis diffamar, the
cheguar a dizer que alcansará sn.ca por negociação com os ministros q tâo terri-
bele atreuido e aperfiado hera o Reo q ja terá dado conta disso a Deus e dos m'os
guastos q fez fazer ao Autor com diilação de dezojto annos nesta cauza q uejo a
ser segundo laberinto de Creta, e mal compensará com a condenação os guastos
das ferraduras dos cauallos conq fes tantas jornadas. Visto como Man.^' soltr.o
está habilitado por único e universal erd.ro do Reo originário e como tal contra
elle passou a Auçam por ja estar a demanda contestada quando seu pay falleçeo e
ja sentenciada, julguo que contra elle pasou a Aução no tocante a penna pecuniária
dos 70 mil reis na segunda snça julguados e por esta confirmada e pague elle as
custas na forma da mesma sns'^ segunda e as mais dos jncidentes na forma das
sn.cas nelles dadas e as dos autos q nesta Instancia acrescerão. Viseu 16 de m.™
de 666.
Duarte Pachequo de Abreu
(Traslado que aiuiava na posst.' Ja família Garcia Je Mascarenhas, de .4i'ô, e hoje esla em meu poder),
LXXXVI
assento do baptismo de BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DO FOETA
(2-j março i653)
i653 —
Em OS 22 de março baptisou de minha l.ca o d.tor M.el Garcia bras filho de bras
Gr.ca M.as e de sua m.sr dona M.» forão padrinhos o l.do prior de S. Romão, e
Anna montr.a ' filha de Marcos Gr.i-n por lembr.<;a fiz eodem die.
Mattos
[C%. — Registo paroquial de Avô. \. i, cad. 2.°, fl. ij5 v.»).
I Tia paterna do neõfilo
(^62) ^rás Garcia de óMascarenhas
LXXXVII
CARTA RÉGIA, PELA QUAL D. JOÂO IV PROVK BRÁS GARCIA NO LUGAR DE ESCRIVÃO
DAS SISAS GERAIS E DOS PANOS NA VILA DE AVÔ, VAGO POR MORTE DE SEU PAI
f-j novembro i054>
Dom João etc. faço saber aos questa minha carta virem que tendo resp'o a
Marcos gracia ia falecido que foi proprietário do oficio de escriuão das sisas geraes
e dos pannos da villa davoo e seu ramo e seruio sesenta annos com m'» satisfação
sen nunca cometer ero e bras gracia más seu filho ter as p'^s nesesarias pêra o
seruir como se uio por informação do prouedor da comida da cidade da guarda;
hei por bem fazerlhe m." da propriedade do dito oficio de escriuão das sisas geraes
e dos panos da dita Villa davoo e seu ramo asi e da man.ra que o seruia o dito seu
pai e as mais pessoas q delle fora prouidas o qual oficio terá e seruira enq.'o eu
ouuer por bem e não mandar o cont™ con declaração que tirando lho en algú
tenpo minha faz.da lhe não ficara obriguada a satisfação algOa com o qual hauera
de mantim'o a saber con as sisas geraes a rezão de sesenta rs por milheiro te chegar
a quantia de mil rs cada anno e mais não e con os panos dusentos rs por Anno
que lhe serão pagos a custa dos Rendeiros quando as ditas sisas forem arendadas
e quando não a custa de minha faz^ q he outro tanto como tinha e hauia o dito
seu pai pello que mando ao prouedor da Comida da guarda lhe de a posse do dito
oficio e lhe deixe hauer o mantimto asima declarado e juramto dos santos euan-
gelhos q bem e uerdadra mte o sirua guardando en tudo meu seruiso e as p'" seu
dirto de q se fará asento nas costas desta q por firmeza de tudo lhe mandei dar
sellada do meu selo pendente e pagara os direitos q deuer e o nouo conforme o
Regim.io el Rei nosso snor o mandou por Ruj de Moura telles do seu conselho
de estado e do de guera e ueedor de sua faz." João da silua a fez en Ix» a dous de
nou.ro de seis centos cincoenta e quatro Eu fran.co guedes pereira a fis escreuer.
(T.T. — Chancellaria de D. João IV, 1. 27, f . ^5 v.»)
LXXXVIII
ASSENTO DO BAPTISMO DE MARIA GARCIA DE MASCARENHAS, FILHA DO POETA
(20 maio if')55)
Era de 655 —
Aos 20 do sobreditto fmjyo) baptisei M.a filha de bras Gr .ca M.as e de sua m."
dona M.a forão assignados padrinhos o p.^ M.el Gr." e Isabel fr.^a todos desta uilla
de q fiz eodem die
Mattos
t,C.i. — Registo paroquial de Avô, 1. i, caj. :.° ti. 117).
documentos (63)
LXXXIX
ESCRITURA DE INSTITUIÇÃO DE UM VÍNCULO, PELOS IRMÃOS E IRMÃS DO POETA,
PARA, POR MORTE DO ÚLTIMO DELES,
SER ADMINISTRADO E POSSUÍDO POR SEUS DOIS SOBRINHOS,
TOMÁS, FILHO DE BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS jÁ FALECIDO,
E MARIA, FILHA DE FELICIANA MONTEIRO,
E PELOS LEGÍTIMOS DESCENDENTES DESTES
(3o dezembro idS^))
Saibam quantos este publiquo instromento de teslamento e doacam e insti-
tuição de Capella e Morguado na milhor forma e uia de direito que ser posa e
milhor aja luguar uiiem como no anno do nacimento de noso Senhor Jesus
Cristo de mil e seis centos e sesenta annos por ser pasado dia de natal em os trinta
dias do mes de desembro no fundo do uai do Castincal junto a estrada que uem
do luguar do Sobral do termo da uilla de Ouoa estando ahi presentes o Doutor
Manoel gracia e seu hirmão pantaliam gracia prior de trauanqua e o Reuerendo
padre Matias gracia seu hirmão e bem asim suas hirmãs Maria gracia e ana mon-
teira Isabel gracia e Antónia gracia naturais da uilla de auo todos maiores de uinte
e cinquo annos todos pesoas reconhecidas de mim tabaliam loguo por elles todos
juntos e cada hum de per si foi dito perante mim tabaliam e testemunhas todas ao
diante nomiadas e asignadas que elles em nome da santisima trindade padre e
filho e espirito santo trcs pesoas e hum so deos uerdadeiro em cuja fee protesta-
uam uiuer e morer asim como o tem e defende a santa madre jgra de Roma e seja
notório a todos os que este instromento uirem que estando todos elles sobreditos
jrmaos e hirmãs de pai e mai naturais da dita uilla de auo e por nam terem her-
deiros forcados queriam e hera sua uontade instetuir e faser de todos seus bens
de Rais auidos e por auer huma Capella e morguado como em direito melhor se
possa diser com obriguacam de cinqia misas que se ham de diser por suas almas
e de seus defuntos no Conuento de Santa Cruz de busaquo he isto em cada anno
e emquanto o mundo durar em altar preuillegiado ou na sua Capella delles insti-
tuidores que he da inuocacam de sam Joseh sita no mesmo Conuento por estarem
contratados com o Reuerendo prior e padres do dito mosteiro no padroado delia
em as quais misas se dirá hum responso sobre a sua sepultura que Ha tem pellas
almas delles instituidores disendo mais elles ditos instituidores que faziam inReuo-
guauel doacam dos ditos seus bens huns aos houtros e a dita Capella e instituíam
por administradores delia huns aos houtros sobreditos instituidores e o que delles
ultimamente fiquar uiuo será o ultimo adeministrador com obriguacam das ditas
misas e por morte do ultimo que delles fiquar socedera em ametade dos ditos seus
bens tomas gracia mascarenhas filho de seu hirmão bras gracia que deos tem e na
houtra ametade sua sobrinha Maria monteira filha de sua hirmã feleciana monteira
moradora na anadia e sendo caso que se peca em algum tempo alguma diuida que
seu pai Marquos gracia que deos tem deuese aos absentes tios da dita sua sobrinha
Maria monteira será hella obriguada ou seus sucesores a paguar a dita diuida
toda e por sua morte delles ditos administradores tomas gracia Mascarenhas e Maria
monteira sucederam na dita Capella seus filhos machos mais uelhos legítimos auidos
de legitimo matrimonio e nam tendo filhos machos sucederam a filha mais uelh:i
(G4)
'Brás Garcia de ^Mascarenhas
legitima de legitimo mntrimonio cada hum na sua miacam como dito tem e nam
tendo a dita filha filhos ou faltando em algum tempo em sua decendencia sucesor
legitimo sucedera na dita admenistracam o parente mais cheguado de cada hum dos
ditos sucesores sucedendo sempre em macho e nam no auendo a femia sendo sem-
pre de legitimo matrimonio indo sempre em nossa linha direita e sendo caso que
algum dos ditos sucesores seus sobrinhos primeiros instituidores digito primeiros
adeministradores nam tenham erdeiros de sua linha direita em tal caso a sua ame
tade sucedera ao outro admenistrador que uiuo for e pêra que fique a dita Capella
sempre conjunta em seus direitos sucesores com declaracam que qualquer dos
sucesores e admenistradores seram sempre Cristãos uelhos sem raça de mouro ou
judeu ou de outra nacam infecta e cometendo algum delles crime de lesa magestade
diuina ou humana hum dia dantes que o cometa o ham elles doadores por priuado
da dita admenistracam e ham por chamado e metido de pose delia o que auia de
suceder como se elle naturalm'« morrera e querem que em nenhum tempo o fisquo
entre nella nem leue emolumento algum e sendo caso que algum dos que nella
entrar legitimamente dispois diso casar com alguma pesoa infamada de decender
de alguma infecta nacam pello mesmo caso ham por priuado de todo o direito que
na dita Capella e bens a ella auinculados tinham e ham por metido de pose delles
o que lhe auia de suceder se elle morrera e outrosi querem que nesta Capella
nam suceda frade nem freira e se algum suceder porfesar em alguma Religiam
ainda que se, faca pas de bens em comum loguo pase ao legitimo sucesor e que
houtro sim queriam que na dita Capella nam sucedese pesoa douda ou de tal modo
desatinada que nam tiuesse admenistracam de seus bens próprios mas isto se nam
entendera no que o nam tiuer por defeito de idade porque este a terá e admenis-
trara por seu tutor ou curador ate cheguar a sua legitima idade nem outrosim su-
cedera nella surdo ou mudo ou mudo somente nem cego de ambos os olhos nem
coxo de ambos os pes poremse depois de suceder legitimamente lhe suceder diguo
lhe sobreuier alguma das sobreditas aleijois ou todas nam será delias priuado se
ainda fiquar com juiso em forma pêra admenistrar seus bens por seus procuradores
e he sua uontade que o segundo que delles dotadores suceder faca inuentario de
todos os ditos seus bens de Rais dentro de hum anno depois de qualquer delles
falecer do qual se mandara hum treslado autentico aos Religiosos do dito Con-
uento de busaquo e se guardara pêra sempre em seu Cartório os quais bens an-
daram sempre conjuntos sem se poderem uender aliar nem escambar por modo
algum nem outro sim se poderam danefiquar e sendo caso que algum dos adme-
nistradores danefique os ditos bens e fazenda ou alguma delia ou deixar de re-
parar os detrimentos que naturalmente ou por obra de mãos sobreuierem se refa-
ram a sua custa por conta dos bens próprios que deile fiquarem e bem assim as
aruores que cortarem pêra isto se fazer milhor cada hum que suceder dispois do
ultimo delles doadores dará fiança na uilla de auo a entreguar a dita fazenda mi-
Ihorada ao que lhe ouuer de suceder e será obriguado a guastar do rendimento da
dita fazenda no primeiro anno no reparo e acrecentamento delia e será outrosim
obriguado a mostrar todos os annos aos uisitadores da dita uilla certidam do prior do
dito conuento em como tem paguo a esmoUa das misas naquelle anno e o tratado
e dará ao dito uisitador duas gualinhas ou sua justa ualia por tomara dita conta e
sendo caso que se descude hum anno a satisfaser a paguar a dita esmolla o dito
uisitador ou uiguario geral deste bispado faram soquesiro nos ditos rendimentos
^Documentos (65)
da dita fasenda e pelo faserem com efeito na forma ordinária teram mais houtras
duas gualinhas que uem a ser quatro duas polia conta que ham de tomar e duas
por porem o dito soquestro em efeito o qual se nam leuantara sem primeiro se
paguar tudo o que se estiuer deuendo e desta Capella nam poderam ministro
algum secular tomar conta saluo os eclesiásticos forem negligentes por tempo de
dois annos porque em tal caso o corregedor ou prouedor da guarda poderam cons-
tranger o dito admenistrador e fazer o dito soquestro e aueram a pitança que os
menistros eclesiásticos aueriam se o formasem e constrangesem na forma que fiqua
dito e sendo caso que o pam do cerco auincullado a esta Capella se rima será o
admenistrador obriguado a empreguallo dentro em seis meses em fazenda bem
parada que nam seiia de pesoa mais poderosa que elles e morrendo sem o empre-
guar dentro em os ditos seis meses seus erdeiros o empreguaram dentro em três
immediatamente seguintes e toda a perda que nesta parte ouuer se auera por seus
bens propios e fiança e querem e sam contentes que as ditas misas se diguam loguo
e comecem a correr da feitura desta em diante por tencam delles doadores e de
seus erdeiros em fee e testemunho de uerdade asim o outorguaram e de tudo man-
daram ser feito este ínstormento nesta nota que todos asignaram ao que foram
testemunhas presentes IVIanoel pires morador em laguares do termo da uilla de
pena coua que asignou pellas ditas doadoras a seu Roguo e foram mais testemu-
nhas presentes An'o fran^ e Melchior Rõiz e bertolameu í\a.n<:° e acenso Rõiz e
domingos duarte todos moradores no luguar de trauanqoa que todos nesta nota
asignaram sendo-lhe primeiro lido e declararam mais elles doadores que os adme-
nistradores da dita Capella uisto serem dois paguaram cada hum ametade da es-
moUa das misas que daixam em cada hum que se diguam no dito Conuento de
Santa Crus de busaquo e eu Manoel de lindos (?) tabaliam que o escreui e desta
nota pediram os trasllados necesarios e eu sobredito o escreui — O P.e Matias gra-
cia — pantaliam gracia — Manoel gracia — Manoel pires — melchior róis t.a —
Acenso róis t.a — An. 'o fran.co t.a — Dos duarte ta — bertolameu fran.co ta. = he eu
Joam fran co taballiam do publiquo judisiall he notas nesta uilla de sam joam da-
reias seu termo por el rei noso S.or etc. treslladei de meu lliuro de notas ben he
fiel m.'« he asinei de meu sinall publico e raso que tall he oje uinte he três de
agosto de mill he seis semtos nouenta he sinco annos he asinei de meu p<;o sinall . .
meu publiquo j o raso que tall he
Joam fran<:o
fLogar do y^ signat público;
/Traslado autêntico existente em meu poder. As repetições extravagantes que se encontram na
subscrição do tabelião, que autenticou o traslado, explicamse pela conveniência de completar a pá-
gina, onde já não cabia o aparatoso sinal público, que por este artificio tabeliónico passou para a
página imediata.
(66) 'Brás Garcia de <£Mascareiihas
XC
ASSENTO DO ÓBITO DE D. MARIA DA COSTA, MULHER DO POETA
(4 janeiro 1660J
Dona Maria molher de Brás gracia desta Villa faleceu em os mesmos 4 dias
do mes de Janr.o da ditta era de 1660 esta enterrada dentro Igr.a Recebeu todos
os sacram.ws não fes manda dia mes era ut supra.
O P.C Gaspar nunez
(Cota marginal) — tense satisfeito com todos os off.os
misa prezen'^ dita. I I \__
I I I
(CS. — Registo faroquial de Avô, 1. i , cad. 3.°, fl. Io5).
XCI
escritura de compra de uma capela, existente dentro do convento do BUÇACO,
FEITA AO PRIOR E RELIGIOSOS DAQUELE ERMITÉRIO
PELO PADRE PANTALE.\0 GARCIA, PARA SUA SEPULTURA
(3o março 1660J
Saibaõ quantos este publico Instrumento de Carta de venda de Capella, ou
como em Direito melhor sepossa diser ou chamar de hoje para todo o sempre
virem que no anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Christo, de mil seis
centos e sessenta annos, aos trinta dias do mes de Março do mesmo anno em o
Comvento de Santa Cruz do Bussaco na Gaza da Hospedaria adonde Eu Taballiáo
fui, e estando ahi presentes o Muito Reverendo Padre Frei Sabastião de Santa Maria
Prior do dito Comvento e os mais Relligiosos abaixo assignados. e bem assim es-
tando ahi prezente, o Reverendo Padre Pantelliaõ Gracia Prior da Igreja de Sam
Thiago de Travanca, Logo pelo dito Padre Prior Frei Sabastião de Santa Maria,
emais Relligiosos do dito Comvento, que elles tinhaõ concertado com o dito Padre
Pantelliaõ Gracia Prior da dita Igreja de Sam Theago deTravanca de lhe venderem
huma Capella que tem no dito Convento que está a banda do Evangelho com res"-
pondente a Capella dos Reis para sempre e em quanto o Mundo durar aqual lhe
vendiaõ deste dia para todo o sempre como fica dito e lhe davam o Padroado delia
para elle comprador e as pessoas que sucederem pelo tempo adiente na forma
de huma Escriptura de Doaçaó que entre ele Comprador e sseus Irmaons, e Irmaã
tem feito em que ordenaõ que no altar Privelligiado ou nesta Capella se lhe digaõ
sincoenta Missas em cada hum anno as quaes o Admenistrador da dita Capella será
obrigado a pagar em cada hum anno ao dito Convento pelo niez de Dezembro
a sessenta reis por cada Missa, e a dita Capella lhes vendiaõ em preço de sessenta
mil reis os quaes logo receberão da maõ do comprador em dinheiro de contado
moeda ora corrente neste Reyno sem faltar nada perante mim Taballiaõ, e Teste-
munhas ao faser desta Escriptura com o que se deraõ por pagos intregues e satis-
feitos e por todo davaõ ao comprador e seus sucessores por quites e livres de hoje
para todo o sempre, e que dimitiaõ de si, e trespassavaõ nas maons e poder delle
comprador todo o Direito que tem e podiaõ ter na dita Capella e nella seria sepul-
'Dociiiueiitos (^7)
tado o corpo delle comprador se elle assim o ordenar, e todos o mais seus descen-
dentes com a obrigação delle dito comprador e os ditos seus descendentes serão
obrigados a toda a fabricada dita sua Capella para a qual fabrica dará elle compra-
dor vinte mil reis os qiiacs os ditos relligiozos poderão dar a rasaõ de juro para
renderem para a dita fabrica e estes por huma vez somente com aquelle comprador
e sseus descendentes ficaõ desobrigados da dita Fabrica para sempre; outrosim por
morte do Padre o Doutor Manoel Garcia Irmaõ delle comprador hum cálix deprata
com mais ornamento que tem em a ssua Capella de Avó, e os vinte mil reis da fa-
brica dará elle comprador dentro em hum anno para se darem a razaõ de Juro como
fica dito, e pelos ditos Padres Prior, e mais religiosos foi dito que elles se obriga-
vaõ em seu nome e de seus sucessores a sempre terem a dita Capella livre e fabricada
na forma que fica dito, o que tudo o dito Comprador dice aceitava com todas as
clauzullas, e obrigaçoens aqui declaradas; e em ffé e testemunho de verdade assim o
quiseram e outorgarão, e de tudo mandarão fazer este Instrumento de carta de
venda de capella neste Livro de Nottas aonde asegnaraõ, e delle mandarão dar ao
comprador hum histrumento deste Theor; Testemunhas que a tudo foraõ pre-
sentes Leonardo da Silva murador em villa nova de Monssarros, e António Antunes
morador em luzo, e Joaõ Francisco da Pampilhosa que todos aqui asignaraó com
o dito comprador e os relligiosos vendedores, e Eu Miguel Ribeiro Taballiaó que o
escrevi.
Frei SabastiJvo de Santa Maria Prior
Frei Mauro de Santa Isabei,
Frei João do Espirito Santo
Freí Vallekio do Espirito Santo
Frei José dos Santos
Pantauâo Garcia
Frei Inocêncio i e Santo Alberto
Frei Manoel da Açumpssáo
Frei João da Trindade
Frei André de SA^TO Angelo
Frei ThomXs dos Reis
Leonardo da Silva
António Antunes
João Francisco
iDuma certidão passada a 2^ set. 1S24 por José da Costa de Carvalho e Lemos, escrivão proprietá-
rio dum dos ofícios da Correição e chanceler da comarca de Viseu, cm face de outra certidão passada a
20 maio 1737 por José de Morais, público tabelião de notas no couto de Vacariça, em face do respec-
tivo livro existente no seu cartório, onde se encontrava esta escritura, a ti. 109 v,° — Pertence ao
sr. António da Costa Mesquita, de Avô).
XCII
assento do Óbito do padre pantai.eâo garcia, irmão do poeta
(j j. tnitiibro I GGo)
Aos quatorze dias do mes de Sbr.o de (úto annoí faleçeo o R.J' Ps P.mtaLiU)
Garcia Prior desta Igr.a de Santiago de Travanca rccebeo os sacramentos por
(68) 'Brás Garcia de óMascarenhas
mim o p.e Manoel giz' está sepultado no mostr.o de Busaco em húa Capella de
. Joseph que elle comprou ao prior e mais religiosos fes testamento in scriptis.
(Cota marginal) — Estão feitos os offisios todos,
e seis mezes de estassão.
(CS. — Registo paroquial de Travanca-de-Farinha-Pódre, 1. i, cad. 5.°, fi. inumer.).
XCIII
ASSENTO DO CASAMENTO DE ANA DUARTE, MAE DE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS,
SOBRINHO E GENRO DO POETA
(5 outubro i66r)
Em OS sinquo dias do mes de 8bro de i66i annos feitas as denunciacois pre-
mitidas em três dias santos continues próximos a este e não auendo impedimto algú
eu o P.« Ant o da fon.^a cura nesta Igr.a de S. Tiaguo de Trauanqua perguntei a
Sebastiam Marques homem ueuuo morador neste luguar de trauanqua e Anna
duarte f.a de João gorge e de sua m.^r Maria Duarte deste lugar de de Trauanqua
desta freg3 e con consentim'o de ambos em face da Igr.a em minha prensença
comforme ao concilio tridentino e constituicois deste Bispado se receberam por
marido e m^r aos quais dei as bençõns matrimoniais de q forão mais t^s Grabiel
Leitam de Magualhães e Gil de fgdo de Castro morador em Loruão e m.t^s mais
pessoas, e eu Ant.o da fon^a que o escreui hoje era ut supra.
Ant.o da fon.ca
(C%. — Registo paroquial de Travanca-de-Farinha-Põdre, I. i, cad. 4.°, ti. 4( v.°).
XCIV
ASSENTO DO ÓBITO DO DR. MANUEL GARCIA, IRMÁO DO POETA
(21 janeiro 1662J
Anno de 1662 —
O D.or M.el Gracia faleceo em 21 de Janeiro da era sobredita recebeo todos os
sacramentos esta enterrado dentro da ig.ra desta u.a iunto ao altar de nossa Se-
nhora do pranto, e não fez manda de q. fiz este no mesmo dia ut supra.
O P.E M.EL Dias
(Cota marginal) — missa presente dita.
feitos off.os I I I
I I I
(CS. — Registo paroquial de Avô, 1. i, cad. 3."^, fl. 108 v.').
^Documentos (6g)
XCV
ASSENTO DO ÓBITO DE ANA MONTEIRA, IRMA DO POETA
(lO fevereiro 1663)
Anna montr.a f.a de marcos Garcia desta uilla faleceo em os dez dias de feue-
reiro da era de i663 Annos. ias enterrada dentro da ig." iunto da porta principal,
a parte do norte, e por verdade, asinei, ut supra, recebeo os sacram.to^.
Mattos
(Cota marginal) — missa presente dita.
ofRcios de noue licoís _l I I 3.
(CS. — Registo paroquial de Avó, I. i, cad. 3.", fl. log).
xcvi
DEPOIMENTOS DE DUAS TESTEMUNHAS, E INFORMAÇÃO DO VIGÁRIO DE AVÔ,
NA INQUIRIÇÃO de genere, vila et moribus,
PARA A ORDENAÇÃO DE TOMAS DE AQUINO GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DO POETA
(8 maio 1664)
Em OS outo dias do mes de Maio da era acjma declarada (1664) nas pousadas
e moradas do Reverendo prior de Couas ' ahi em lugar secreto e apartado tiramos
as testemunhas abaixo assinadas cuiios ditos e nomes sam os seg.'«s de que elle me
mandou fazer este termo de asentada que assinou e Eu o padre gaspar nunes es-
criuão que o escreuj.
Costa
Bento de paiua homem cassado e offisial de çapateiro morador em a uilla de
Avó testemunha nomeada pelo parrocho do ordinando...
E perguntado elle testemunha pello contheudo no mandado atras que lhe foi
lido e declarado pello Reuerendo Arcipreste disse elle testemunha quera uerdade
que elle conhecia muito bem ao dito ordinando thomas gracia o qual he filho legi-
timo de Brás gracia e de sua molher Dona Maria ia defunctos moradores que forão
da uilla de Auó e outrosi disse que também conhecera os Auos paternos do dito
ordinando assaber Marquos gracia e sua molher ilena madeira ia defunctos mora-
dores que forão da dita villa e outrosi disse elle testemunha que também conhece
os Auos Maternos assaber ioão Manoel da fonsequa e sua molher Maria madeira
moradores da dita uilla de Auo e que todos estam tidos e auidos por christãos
uelhos e elle testemunha por tal os tem sem auer fama nem Rumor em contrario
e so disse elle testemunha que sendo vigairo da igreiia de Avó Roque dias de
mattos tiuera duuidas com o padre ermitão Simão madeira e lhes chamara chris-
1 O licenciado Manuel da Costa Brandão, arcipreste do distrito.
(70)
'Brás Garcia de oMascareií/ias
tão nouo de que elle lhe leuou huma iniuria e prouou ser christão uelho e o dito
vigairo desia que no dito Simão madeira auia a dita Raça por decender de huma
molher que uiera de Tomar que chamauão a Regateira da qual também era decen-
dente o dito bras gracia mas elle testemunha sabe que o dito bras gracia tinha três
irmos clérigos e hu frade e elle era caualeiro professo da ordem de Sam Bento por
donde a dita fama ser falsa e o dito ordinando e seus ascendentes serem christãos
uelhos como dito tem.
E perguntado elle testemunha pellos mais interrogatórios do mandado que
todos lhe forão lidos e declarados pello Reuerendo Arcipreste disse elle teste-
munha que era uerdade que ella não sabia impedimento algum por donde o dito
ordinando deixasse de ser promouido as ordens que pertendia e mais nam disse e
assinou com o Reuerendo Arcipreste e Eu o padre gaspar nunes escriuão que o
escreuj.
Costa
Bento de Paiua
Pedro Fernandes o gaio por alcunho uiuuo e morador en a uila de Auó. . .
E perguntado elle testemunha pelo contheudo no mandado que todo lhe foi
lido e declarado pelo Reuerendo Arcipreste disse elle testemunha que hera uer-
dade que elle conhece muito bem o ordenando Thomas gracia o qual he filho
legitimo de Bras gracia e de sua molher Dona maria ia defunctos moradores que
foram da uilla de Auo deste Bispado e por tal estaua tido e auido e Reputado e
outrosi disse elle testemunha que também conhecera muito bem os Auos paternos
do ordinando assaber Marquos gracia e a sua molher ilena madeira ia defunctos
moradores que forão na dita uilla de Auó e outrossj disse que também conhece
os Auos maternos do dito ordinando assaber ioam Manoel da fonsequa e a sua
molher Maria madeira moradores da dita uilla de Auó aos quais todos elle teste-
munha conhece e conheceu por christãos uelhos limpos de boa geração somente
disse elle testemunha que no tempo que o vigairo Roque dias de mattos era uiuo
que foi vigr.o na uilla de Auó chamara iudeu a hu clérigo por nome Simão madeira
que era parente do dito ordinando mas que sabe elle testemunha que o dito clérigo
Simão madeira tiuera sentença contra o dito vigairo e lhe fizera pagar as custas e
ficara o dito clérigo com sentença por sua parte e alem de que o pai do dito ordi-
nando era caualleiro professo de Sam bento e tinha três irmãos clérigos em que
ellé testemunha pelo que sabe sempre teue aos sobreditos assi a huns como outros
por christãos velhos e dos principais destes pouos o que elle testemunha sabe por
ser seu natural e uisinho e sempre desde o tempo de que tem lembra a esta parte
nunqua uiu nem ouuiu diser que os sobreditos fossem com uerdade enfamados de
Raça de iudeu ou de mulato ou de outra qualquer infecta nação e por serem todos
vesinhos e naturais tem elle este conhecimento e sempre assi o uiu e ouuiu sempre
desçr.
E perguntado elle testemunha pello mais contheudo no mandado que todo lhe
foi lido e declai'ado pelo Reuerendo Arcipreste disse elle testemunha quera uerdade
que cllc não sabia cmpedimcnto algum por donde o dito ordenando deixasse de
'Documeníos (j i)
ser promouido as ordens que pertendia e mais não disse e assinou com o R.d" Ar-
cip.'« e Eu o padre gaspar nunes escriuão que o escreuj.
Costa
Po f NZ
Certefiquo eu Gaspar dias de mattos vigro em a parochial Igr.a da V.» de Auo
que sendo em os 27 do mes de abril de 664 annos em a Estacam da missa da terça
publiquei a meus fregueses hum m.'^" q me apresentou Thomas Garcia p.» ordens
menores e nam me sahio empcdimento algum mas antes conheço do ordinando
ser Benemérito das ordens q pretende christam uelho sem Raça de mouro nem
Judeo nem de outra infecta naçam de boa vida e costumes e frequente na Igr.a e
os sinais sam os seg."^s cabello crespo e castanho sobrancelha cerrada Buxigoso. e
do meu liuro dos bautizados consta. . • (transcreve o assento de batismo). E tudo o
sobredito passo asi e o iuro in uerbo sacerdotis e por uerdade assinei oie 8. dias
de maio da era de 664. Annos.
Gaspar dias de mattos
(CE, — Processo para a ordenação de Tomás Garcia),
XCVII
assento do óbito do padre MATIAS GARCIA, IRMÃO DO POETA
(23 dezembro 1664J
O P.« Mathias Garcia cura que foi em Anceris faleceu em os 23 dias de de-
zembro de 664 Annos. recebeu os cram.'os da s.'a madre igr.a não fes manda e ias
emterrado dentro da igr.a na cepultura de seus irmãos e para lembrança fiz e aci-
nei, em fe de verdade oie. 24 dias do dito mes em que recebeu sepultura, dia mes
e anno ut supra.
Mattos
(Cota marginal) — missa presente dita
eitos officios _l I I
I I I
(CS. — Registo paroquial de Am, 1. i, cad. 3.°, fl. ii3).
XCVIII
DEPOIMENTO DUMA TESTEMUNHA SOBRE O CONFLITO
HAVIDO ENTRE O PADRE MATIAS GARCIA E BERNARDO DUARTE DE FIGUEIREDO
{16 março 1668)
Pedro Dias Escrivão das cizas e décimas de sua magestade nesta dita villa de
Avo junto ao hjrol testemunha nomeada pelo Parocho a quem o Reuerendo Se-
nhor Commissario (Dr. João Ferreira Barreto, Desembargador da Relação Ecle-
siástica de Coimbra, Jiii^ Comissário da Inquirição sabre a pureza de sangue do
dr. Matias Jácome de Figueiredo, filho de Bernardo Duarte de Figueiredo) deu
(12)
'Brás Garcia de oMascarenhas
juramento dos santos Euangelhos em que pos sua mão E prometeo dizer uerdade,
e de sua idade disse ser de sincoenta e três Annos pouco mais ou menos.
E perguntado elle testemunha se conhecia ao Justificante IVlathias Jacome de
figueiredo e seus pais e Auos donde erão naturais e moradores, disse elle teste-
munha q conhece muito bem ao dito Justificante Mathias Jacome de figueyredo, e
sabe q he filho legitimo de Bernardo Duarte de figueiredo Sargento major desta
villa, e nella morador, e natural da de Pombeiro, e de Maria Jacome natural e mo-
radora nesta dita villa ; E perguntado se conhecera aos Auós paternos do Justifi-
cante disse que somente conhecera a Saluador Duarte pai do dito Bernardo Duarte,
o qual Saluador Duarte vinha a esta terra algumas vezes por ser rendejro do Reue-
rendo Cabido de Coimbra, e quando o dito seu filho tam ao b diguo também
nesta cazara com a dita Maria Jacome' E perguntado elle testemunha pia limpeza
do sangue do dito Justificante pia parte parte paterna disse que elle testemunha
teue e tem por Christão uelho ao dito Bernardo Duarte; e somente sabe que o dito
Bernardo Duarte indo para Ansaris se encontrara com o Padre Mathias Graçia
cura do dito lugar, e com elle tiuera differenças sobre humas EUeisois q se tinhão
tratado nesta dita villa de Auó das quais difFerensas resultou chamar o dito Padre
Judeu ao dito Bernardo Duarte, o qual se apeou e deu alguns cintarasos em o dito
Padre, e offerio de q resultou demandar o dito Padre ao dito Bernardo Duarte em
Coimbra pio sacrilégio, e o dito Bernardo Duarte ao dito Padre pia dita Injuria, o
qual teue sentenças contra o dito Padre, e a ultima deu o uigario geral de Vizeu,
o que elle testemunha sabe por ver a dita Sentença, e noteficar por ella ás Irmáas
do dito Padre Mathias Graçia ; E perguntado pia rezam do seu dito no tocante a
briga q disse tiuera o dito Bernardo Duarte de figueiredo com o dito Padre Mathias
Graçia disse q estando em Ançaris na dita occasião ouuira rumor e bulha dizen-
dosse q o pai do Justificante e o dito Padre brigauão, e acodindo elle, uira ao pai
do Justificante porse a caualo e o dito Padre uir apee pêra Auó, e logo ahi se disse
publicam.te q elles brigarão, e tiuerão rezois na forma q dito tem ; E que outro
sim sabe q o dito Bernardo Duarte teue hum Irmão Inteiro que chamauão Marcos
Duarte o qual Marcos Duarte tem hum filho cleriguo sacerdote q esta em Lisboa
em caza do Conde de Pombejro, e tem outro filho frade de samfran.™ q foi tomar
o Abito a figueira o que elle testemunha por conhecer aos sobreditos e os uer
nesta terra; E perguntandolhe testemunha pios Auos maternos do Justjficante disse
q os conheçeo munto bem e se chamauão Simão Madeira e Isabel Nunes, naturais
e moradores nesta dita villa, E que também conheçeo aos pais dos ditos auos ma-
ternos q se chamauão Gaspar Dias da Costa, o qual ouuio dizer uiera de villa coua
de sob Auo para esta villa e nella cazara com Susana Manoel natural e moradora
nesta villa; E que também conhessera a dita diguo a Maria Jacome a uelha uisauo
do Justificante natural desta villa, e q a maj do dito Justificante, e seus Auos ma-
ternos na forma que declarado tem sam e foram todos Christãos velhos intejros
sem raça alguma de Judeu, mouro ou mulato, nem de outra infecta nação, e que
por tais foram sempre tidos e reputados geralmente de todos nesta dita villa e seus
arredores, sem fama nem rumor em contrario, e que erão dos principais desta villa,
e q seruirão nella os cargos honrrosos da Igreja, e Republica, o que elle testemunha
disse q sabia por ser natural e morador em esta dita villa, e conhesser, e tratar as
sobreditas peçoas na forma q tem declarado. E ai não disse nem do costume sen-
dolhe perguntado. E sendolhç lido seu testemunho pio dito reuerendo Senhor Co-
1)ociimentos (j3)
missario disse estaua escripto na uerdade. E assinou com o dito Senhor Juis Co-
missário, E eu João Perejra notário Apostólico o escreuj.
Ferreira Pedro Diaz
(CE. — Processo para a ordenação de Matias Jácome de Figueiredo, cad. final, fl. 55 v.^-Sól.
XCIX
ALVARÁ DO PRÍNCEPE-REGENTE D. PEDRO,
CONCEDENDO A D. ISABEL DE MASCARENHAS DA FONSECA, FILHA DO POETA,
A PROPRIEDADE DO OFÍCIO DE ESCRIVÃO DAS CISAS E PANOS DE AVÔ,
PARA SER EXERCIDO PELA PESSOA COM QUEM ELA VIER A CASAR
(6 agosto i6yo)
Eu O Princepe como regente e gou-or destes Rejnos de Portugal e dos Algarues
faco saber aos que este meu Aluara uirem que temdo Respeito a vagar por faile-
cimento de Brás garcia o officio de escriuão das sisas e dos pannos geraes da villa
do Auo o qual seruio com satisfação alguns annos e por sua morte lhe ficarem
sinco filhos dous machos e três fêmeas, e ser a mais velha Dona Izabel Mascarenhas
da fonsequa com pouco Remédio : Hey por bem de lhe faser m.ce da propriedade
do d. o officio de escriuão das sisas geraes e pannos da uilla de Auo, a d. a Donna
Izabel Mascarenhas da fonsequa pêra a pessoa que com ella cazar, e para minha
lembrança e sua goarda lhe mandey dar este Aluara que se inteiramente como
nelle se comtem pello coal se pacara carta a pessoa que cazar com a d.» Donna
Izabel Mascarenhas sendo auta para o seruir e este não pacara pia chans.» sem
embargo da ordenação em contrario e ualera como carta posto que seu effeito aja
de durar mais de hum anno, e pagou de dir.'os nouos trinta rs que se carregarão
ao Thez.ro delles Aleixo pr.a a fl. 287 do liuro de sua R.>a pio escriuão de seu
cargo, Manoel gomes de oliu." o fes em lisboa a seis de Ag. ° de seis centos e
setenta annos: Seb.í"" da gama lobo o fes escreuer.
Princepe
IT.T. — Chancelaria de D. Afonso VI, 1. 29, fl. i53).
MATRICULA E FREQUÊNCIA UNIVERSITÁRIAS DE THOMAS DE AQUINO GARGIA DE MASCARENHAS,
FILHO DO POETA BRÁS
(Anno lectivo de i6j2-i6y3)
MATRÍCULA NO CURSO DE INSTITUTA
^ Thomas gracia M.as f.o Je Brás gracia M.as do V.a de Auo consertidão do
p.ro dSiTO
Thomas Garcia MAsq.
Thomas Garcia iMAsq. Thomas Garcia MAsq. '
(A.U. — Matriculas, vol. 16. 1. 3." (1672-73), fl. 109 v.").
* Estas três assinaturas correspondem âs três épocas do ano, em que os alunos eram obrigados a
ir assinar o termo de matrícula, para assim provarem a sua residência em Coimbra.
(■]4) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Frequência
^Thomas gracia Mascarenhas de auóo
prouou cursar com sertidáo do pfo dSbro de 672 ate fim de Mayo de 678
4 enstituta t^s Ant." frasão e Fr.co de serq.ra— João Corrêa da Sylua o fiz.
O G.o«
Fr.co Cerq.Ra António Frazão
% O Mesmo Thomas gracia Mascarenhas de auoo
prouou Resedir aos bb. os meses de Junho e Julho de 673. t.^s Roque Rib.°
E M^i Alz' — João Corrêa da Silua fiz.
O G.o«
Roque Rib.Ro de Aureu M.el Alz' Bramdão
{\.V. — Proi>as de curso, vol, 37, 1. i.° (1672-73). fl. 223 v.").
Cl
ASSENTO DO ÓBITO DE BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DO POETA
faS novembro i6j3)
Em os uinte e sinco de nouembro de 678 anos faleseu bras grasia marquare-
nhas moso solteiro não fez testam. t" de q fiz este termo q asinei dia mes era ut
supra.
Luís Velho Miranda
(Cota tnarginal)
Officios 1 I I
I I I
(CS. — Registo paroquial de Avó, 1- i, cad. 3.°, fl. 123).
CII
ASSENTO DO ÓBITO DE THOMAS DE AQUINO GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DO POETA
fg abril i6j4)
Em OS noue de Abril Da era 674 Annos faleseu tomas grasia mascarenhas ca-
sado q era em Coimbra teue todos os sacram.tos e por uerdade pasei esta q asinei
dia mes era ut supra.
(Cota marginal)
fes hu oficio os mais
em Coimbra.
Luís Velho de Miranda
[CS. — Regislo paroquia! de Avô, 1. i, cad. 3." fl. 124).
'Documentos (75)
cm
ASSENTO DO ÓBITO DE D. MARIA DE MASCARENHAS, FU.HA DO POETA
(20 julho 167 5)
Aos 20' de julho de 1675 Annos faleseu M.a mascarenhas desta villa resebeu
todos os sacram.tos não fcs testam.'» e por uerdade fis esta lembransa.
Miranda
(Cota marginal)
Ofisos
feittos
((,.%. — Registo paroquial de Avô, 1. i, cad. 3.», (1. 124 v.").
CIV
ASSENTO DO ÓBITO DE D. ISABEL DA FONSECA DE MASCARENHAS, FILHA DO POETA
(8 janeiro i6-]6)
Era de 1676
Em OS oito dias do mes de janeii'o era asima faleseu isabel da fonsequa mas-
carenhas fes testam.'" esta en terada nesta ig." e por uerdade fis esta lenbransa
dia mes era ut supra.
(Cota marginal)
Ofícios
feitos
Miranda
(C%. — Registo paroquial de Avô, \. i,cad.3.<>, fl. I25).
cv
alvará do PRÍNCEPE REGENTE D. PEDRO,
PROVENDO O LOCAR DE ESCRIVÃO DAS CISAS GERAIS E PANOS DE AVÔ,
VAGO POR TER FALECIDO SEM DESCENDÊNCIA D. ISABEL DA FONSECA DE MASCARENHAS,
FILHA DO POETA
(in julho l6-]6)
Dom Pedro etc. faco saber aos q esta minha carta virem q tendo resp.'» a
estar vago of.» de escriuão das sisas geraes e panos da V.a davó por falecim.to de
D. Izabel Mascarenhas a quem não ficarão f.os como constou por jnformação do
Prou.oi" da Com.a da Ci.dc da guarda e cofiar eu de fran.co do couto frz. q níquillo
em q o emcarregar me seruira bem e fiehn.ie como cumpre a meu seruiso... hej
I O vigário Luís Velho de Miranda, ao exarar o assento, deixou um espaço em branco paia depois
acrescentar o dia do falecimento. O número 20 foi depois escrito por mão diferente.
(•j6) ^rás Garcia de oMascarenhas
por bem faser lhe m.« da propi.de do d.» oíT.o o qual terá e seruira emq.ío eu ouuer
por bem e não m.dar o contr.o con declaração q hauendo de lho tirar ou estinguir
em algú tempo por qual cazo q seia minha faz." lhe não ficara por isso obrigada a
satisfação algúa co o qual off.o hauera de mantim.to a elle ordenado em cada hú
anno 1200 q he o mesmo que tinhão e auião as mães pessoas q antes delle o sir-
uião q lhe erão pagos a custa dos rend.os das áfi^ sisas q.do forem arend.as e q.d"
não a custa de minha faz.a e todos os proes e precalsos q dir.iam.te lhe pertenserem.
Pello q m.do a uos prou or da com. a da d.a ci.de lhe deis a posse do d.o of.o e lho
deixeis siruir e delle uzar e auer o d." ordenado proes e precalsos como d." he
dando lhe prim.ro juram.'» dos santos avang.os q bem e uerdadeiram.te o sirua
guardado em tudo meu seruiso e as p.t« seu dir.t" de q se fará asento nas costas
desta q se conprira tão intr.am.te como nella se contem e não pagou nouos dir.fs
por ser hu dos cau.os do despelo de tangere como se uio por certidão dos ofif." da
Chr.a que foi roto ao assinar desta minha Carta q por firmesa de tudo lhe m.dei
dar ao d.to fran.co do couto sellada cõ o meu sello pemdente. o Prinsepe nosso snõr
o mandou pello Conde de villar major do seu cons.» gentilhomen da sua cam.a
vedor de sua faz.a M.ei da Silua pinh." a fis em Ix.a a dez de julho de 1676 SeB.ão
da gama lobo a fis escreuer.
O Conde de Vii.lar Major
P.» Marchão Themudo
(T.T. — Chancelaria de D. Afonso VI, 1. 42, fl. 362 v.°).
CVI
assento do casamento de d. QUITÉRIA GARCIA DE MASCARENHAS, FILHA DO POETA
(II fevereiro i6~j)
Aos onze dias do mes de feu.fo de mil e seis centos e setenta e sete annos em
presença de mim o p.e cura abaixo asinado, e de Miguel Marques, e de sua m."
Maria Brandoa, e de João pegado e de sua m.er e de outras pesoas se Receberão
Manoel gracia mascarenhas e Qiteria gracia mascarenhas moradores na villa de
Avô, por húa ordem q me mostrarão do Sr. Bispo p.a q em minha presença se
pudesem receber de q fiz este asento q asinei dia e era ut supra.
O P.e Mel da Costa Botelho
(CS. — Registo paroquia! de Gali\es, 1. i, cad. 2.0, fl. 102 v.").
CVIl
escritura de instituição dum vínculo
PELAS DUAS ÚNICAS IRMÁS DO POETA SOBREVIVAS AO TEMPO,
COM REVOGAÇÃO DE SEMELHANTE ESCRITURA ANTERIOR, DE 3o DE DEZEMBRO DE i65q,
DEVENDO ESTE VINCULO SER POSSUÍDO E ADMINISTRADO
POR QUITÉRIA GARCIA DE MASCARENHAS, FILHA DE BRÁS,
E POR SEUS DESCENDENTES LEGÍTIMOS
(2-^ janeiro 1681J
Saibam quantos este publico Instrumento de Instituição perpetum fidei co
misso, ou como em Direito melhor lugar haja, virem que no Anno do Nascimento
1>ocwttetítos ('/'])
de nosso Senhor Jezus Christo de mil e seis centos oitenta e hum, sendo em os vinte
e sete dias do mez de Janeiro do dito anno em esta villa de Avo casas e muradas
de Isabel Garcia e Antónia Garcia muradores em a dita villa que hé correição da
cidade da Guarda, e pessoas conhecidas de mim Taballiam e por elles e por cada
hum delles foi dito perante mim Taballiam e das testemunhas ao diente nomeadas
e asignadas que que elles ambos juntos com sseus Irmaons Manoel Garcia, e Ma-
thias Garcia e Pantellião Garcia e Anna Monteira e Maria Garcia tinhaõ feito hum
testamento, e Doaçam de mam comum em o qual avinculavaõ todos seus bens em
dois vincules e que por morte do ultimo que delles ficasse testador e Duadores
sucederia em hum dos vínculos os filhos de Brás Garcia Mascaranhas e ssua Irmaã'
murador que foi nesta uilla de Auô; e no outro vinculo sucederiaõ nos filhos de
Felliciana Monteira morador em Anadia, e porque estas Instituiçoens foram feitas
por via de testamento e ella dita Antónia Garcia e Isabel Garcia podiaó revogar
a dita Instituição e testamento e o podem todas aveses que o quiserem revogar e for
sua vontade como também a podiaó revogar se fora feita por Doacçaõ porquanto
naõ foi aceita pelas partes nem por Taballião que fez a dita Instituição, ou por
outra alguma pessoa que tivesse direito poder para o aceitar digo para o poder
aceitar em nome das ditas partes, e para discargos de ssuas consciências e de suas
próprias e livres vontades no que toca as suas partes de todos os seus bens revo-
gavaõ a dita Instituiçam na melhor forma que haja lugar e em dereito ser possa
de sser fasiaõ de novo nova Instituição de vinculo e perpeto fidei comisso por Doação
entre vivos valledoru na forma e maneira seguinte=Diceraõ elles ditos Isabel Garcia
e Antónia Garcia maiores de vinte e sinco annos pessoas que Eu Taballião reco-
nheço que ellas em nome da Santíssima Trindade Padre filho e Espirito Santo três
pessoas e hum so Deos verdadeiro em cuja tVé protestavam viver e morrer assim
como o tem e dependem ^ a Santa Madre Igreja de Roma e seja notório a todos que
este Instrumento virem que estando ellas sobre ditas duas Irmans de Pay e May
naturais e por naõ terem Erdeiros forçados dispunhaõ dos seus bens na forma se-
guinte = Primeiramente diceram que reservavam para si de todos os seus bens os
uzos e frutos que ao presente avinculaváo a este Morgado em ssuas vidas a dez mil
reis para cada huma para delles poder testar e que nomeavam por admenistrador do
dito vinculo e perpeto fidei comisso por morte da ultima que ficar a Quitéria Gar-
cia Mascaranhas sua sobrinha filha de Brás Garcia Mascaranhas seu Irmaõ e mulher
de seu sobrinho Manoel Garcia Mascaranhas muradores em esta villa de Avó, e por
morte delia administradora sucederá em ella seu filho varaõ mais velho, e dahi por
diante hira correndo a dita sucessão na forma que sucedem os mais Morgados,
e bens avincuUados perferindosse sempre os machos as femias, e andara sempre
na famillia, e Jeracaõ delias Isabel Garcia, e Antónia Garcia para consservacam e
memoria de geracam delias Isabel Garcia, e Antónia Garcia e os ditos bens andarão
sempre avincuUados comjuntos e sem se poderem alienar nem vender somente se
poderão trocar com condição que sempre o dito Morgado fique melhorado, e não
peiorado com a dita troca, mas que naõ poderá ser vendido, qualquer peça delle
por via alguma e que naõ sucederá, este vinculo por pessoa fidei comisso senam os
filhos de legitimo matrimonio, e declararão ellas Isabel Garcia e Antónia Garcia que
neste vinculo Frades nem clérigos havendo filhos legítimos de legitimo matrimonio
1 Aliás %eu Irmão. — 2 Aliás defende.
Í'j8) 'Brás Garcia de óMascarenhas
nem fosse digo matrimonio nem sucederão Judeos nem Mouros, nem outras qual-
quer pessoas de enfeta Naçaõ nem os que sucederem em este vinculo poderão casar
com pessoa da sobredita raça, e fazendo o contrario perderão o dito vinculo e pas-
sará a pessoa que por direito havia de passar por ssua morte, e sendo caso que alguns
dos sucessores deste cometam algum crime por donde seus bens hajam desser
confiscados passará logo ao futuro sucessor por que as suas vontades delia Isabel
Garcia e Antónia Garcia he averemno por excluído dois dias antes de cometerem
o tal crime, e serem os ditos seus sobrinhos primeiro nomeados como as mais pes-
soas que suscederem em o dito vinculo, e lhe mandarão diser pelas almas sobre-
ditas Isabel Garcia e Antónia Garcia como desseus Irmaons, e Irmans ja defuntos
sincoenta Missas cada hum anno em quanto o Mundo durar em assua Capella que
he da invocassaõ de Sam José sita em o Comvento de Santa Cruz do Bussaco, e
aonde tem sua sepultura; e outro sim diceraó ellas sobreditas Izabel Garcia, e An-
tónia Garcia que os sucessores do dito Morgado traram os bens melhorados e não
peiorados; e por estar presente a dita Quitéria Garcia de Mascaranhas, e sseu Marido
Manoel Garcia de Mascaranhas foi dito que aceitavaõ o vinculo asima na forma dita
por si, e em nome de sseus filhos prezentes, e mais futuros sucessores do dito Mor-
gado a quem aceitação do dito Morgado tocasse e aceitavam na melhor forma que
em direito podiam e lugar ouvesse, e declararão ellas Izabel Garcia, e Antónia Gar-
cia que logo ademetiam todo o domínio que tinhaó nos ditos bens e toda a posse
actual, e corporal para que os ditos seus sobrinhos primeiro nomeados neste vin-
culo possam tomar por si, ou por autoridade de Justiça qual mais quiserem posse
e que em quanto a naõ tomarem se constituiaõ por suas simples Colonas e Inclinas,
por quanto para sim só transferiaõ todo o domínio e posse que tinhaó em os ditos
bens ; E declararão ellas mais ditas Izabel Garcia, e Antónia Garcia que quando
fizeraõ a primeira Instituição com os ditos seus Irmaons Manoel Garcia Mathias
Garcia Pantellíaó Garcia e Anna Monteíra e Maria Garcia ja defuntos fizeraó a dita
nomeação filha de sua Irmãa Fellíciana Monteíra foi com a condição que ella no-
meada havia de pagar toda a dívida que seu Pay Marcos Garcia devia a seus filhos
digo a seus thíos absentes d'Anadia, e por quanto naõ cumprirão a dita condiçam mas
antes os avexaram e executarão por cento e setenta mil reis, ou mais na melhor
forma que em direito melhor lugar tiver, e possa ser revogavaõ também a dita Ins-
tituição nos que podíaõ acontecer dos ditos seus Irmaons Manoel Garcia Pantellíaó
Garcia Mathias Garcia, e Anna Monteíra ja defuntos e todos anexavaõ a esta nova
Instituição e os anexavaõ pela qual haõ por revogada a primeira e só esta querem
que valha na melhor forma que em Direito haja lugar com as condicoens asima
recontadas e ao todo cumprirem em Juiso e fora delle ao que obrigaram suas pes-
soas e bens e de tudo mandarão fazer este publico Instrumento na nota de mim Ta-
ballíam como pessoa publica stipuUante e aceitante Estípullei, e aceitei era nome
de quem tocar aceitação dos bens do dito Morgado aquém tocar; E outro sim di-
ceraó e declararão que os bens que nomeavam e avínculavão, e obrigavam a esta Ca-
pela ou Morgado ou como em Direito melhor se deva chamar e lugar haja heraõ
os seguintes = Porquanto nas Instituiçoens que tinhaó feito os naõ tinhaó no-
meados— primeiramente, as cazas em que vivem que partem com João Gomes Bo-
telho e Rua publica, — E assim mais outras cazas que tem e parte defronte das em
que vivem que partem com Manoel Garcia Madeira com sseu quintal, e com Damá-
sio Madeira deVíseu — E assim mais hum cham pumarque tem defronte das nossas
'Documentos (jg)
casas que parte com João Gomes Botelho, e Maria Madeira da Costa, e caminho
que vae para a fonte dos piolhos — E assim mais huma orta que está por baixo da
ponte nova a porta de Sam Braz que parte com o Rio Alva e casal de António Fran-
cisco— E assim mais um soito que está a fonte dos piolhos que parte comigo Tabal-
liaõ, e com António Francisco Thomé Chicharro de Villa pouca — E assim mais outro
soito que esta por sima da fonte que parte comigo Tabailiaõ onde chamaõ ao co-
vam, e com Maria Madeira da Costa, e com João Gomes Botelho — E assim mais outro
soito que está aonde chamaõ as Moutas que parte com Passais da Igreja desta villa,
e com o Rio Alva e com Erdeiros de Joaõ Rodrigues de Moomenta — E assim mais
outro soito que está aonde chamaõ ao Sarrilho que parte com os Erdeiros de Ma-
noel Luis Guerra e com António Matheus — E assim mais outro soito que está
aonde chamaõ a Filgueira que parte com Maria Madeira da Costa, e com Erdeiros
de Manoel Alves Ferreiro — E assim mais outro soito que está aonde chamaõ as
Infestas com ssuas terras que partem com Manoel de Brito Barreto de Pomares e
António Afonsso — E assim mais hum soito que está aonde chamaõ ope deira que
parte com António de Moraes e António Nunes do fundo do lugar de Aldeia — E
assim mais hum soito ao Porto do Mosteiro que parte com Domint;os Antunes
desta villa e caminho que vae para a Aldeã — Mais hum olival que está aonde cha-
maõ avajum que parte com Erdeiros de Isabel da Fonsseca e Matheus Fernandes
desta villa — E assim mais outro digo mais nove oliveiras que estam no Tapado de
nossa Senhora do Rosário aonde chamaõ a do Pereiro — Mais hum olival tapado
sobre sim que está onde chamaõ a do Pereiro que parte com Erdeiros de Isabel da
Fonsseca, e olival da Confraria do Senhor desta villa — Mais hum olival que está
aonde chamaõ a Siseira que parte com António da Costa desta villa e com Manoel
de Brito Barreto de Pomares — Mais hum olival a de Marianes no mesmo sitio que
parte com Erdeiros de Joaõ Rodrigues de Moumenta e Manoel de Brito de Poma-
res— Mais hum olival as quelhas que parte com Erdeiros de Pedro Gomes e Erdeiros
de Domingos Antunes — Mais sinco oliveiras aos Mullatos que partem com Maria
Madeira da Costa e com João Dias de Asanha — Mais hum olival ao porto das Noivas
que parte com António Dias Madeira e passal da Igreja — Mais hum cham aonde
chamaõ ao Cabreiro que parte com António Francisco, e Erdeiros de Joaõ Rodri-
gues de Momenta — Mais hum cham aonde chamaõ aos chapeleiros a do carvam
com outro pedaço de cham que esta por sima do caminho que vae para o cabreiro
pegado ao sobredito que partem com Manoel Barata de Gois e com o Doutor; Pedro
Madeira- — Mais hum Tapado aonde chamaõ a Santo André com ssuas terras de fora
que partem com o caminho que vae para Santa oVaija, e Damazio Madeira de Viseu
Mais huma orta tapada com suas terras de fora que está ao Loureiro que parte
com Manoel Madeira desta villa, e com Fellipe Madeira de villa pouca— Mais hum
Tapado aonde chamaõ a Barranha que parte com Erdeiros de Joaõ Rodrigues de
Moumenta e Miguel Nunes Ribeiro desta villa — Mais humas terras que estaõ aonde
chamaõ a dona Maria que partem com Erdeiros de António do Abrantes de Aldeã e
caminho que vae para o dito Lugar — Mais hum tapado aonde chamaõ a Portella
que parte com Manoel Lopes desta villa, e Joaõ Alves de villa cova — Mais humas
terras a Matosa que partem com António Alves desta villa, e com Francisco Fer-
nandes Tareco — Mais hum Forno com ssua caza junta que está nesta villa que parte
com Erdeiros de Joaõ Alves e Praça publica — Mais hum carvalhal que esta aonde
chamaõ a Larangeira que parte com Manoel Madeira, e Joaõ Gomes Botelho, e
(8o) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Erdeiros de Braz Garcia Mascaranhas — E assim mais huma orta com suas terras de
fora aonde chamaõ ao Casal que partem com Manoel Garcia Madeira e Maria Ma-
deira da Costa. ^ Os quaes bens asima nomeados e declarados e Comfrontados estaõ
no limite desta dita villa e diceram serem se digo e diceraõ heraõ seus livres sem
foro ou senssus, sem encargo algum o vinculavaõ ao Morgado digo algum ónus
o vinculavaõ ao Morgado asima com a obrigação declarada e sollemnidades em Di-
reito necessárias, e requesitos, e que alguma fazenda que ao presente naó especifi-
caõ nem fazem menssaõ delia em esta Epoteca, he que a deixaõ de fora para delia
poderem testar na condicçaõ declarada dos dez mil reis a cumprimento de ssuas
almas, e que crescendo alguns dos bens de que ao presente naõ fazem menssaõ,
por seus fallescimentos pagos os Legados pios o que acrescer se acumulle a este
Morgado; E por de tudo serem contentes assim o quezeraõ e outorgarão, ouvirão ler
e por ellas asignaraõ Manoel Garcia Madeira o qual asignou a rogo de Isabel Gar-
cia, e Domingos Pinto Ribeiro de Pomares que asignou a rogo de Antónia Garcia,
e Simão Madeira da Costa que asignou arogo da dita Quitéria Garcia como aceita-
vam, de que foram mais testemunhas a tudo prezíntes, Manoel da Costa e Gaspar
Garcia todos desta villa, e Eu Alexandre de Figueiredo Jacome publico Taballião
oEscrevi.
Domingos Pinto Ribeiro
Manoel da Costa
Manoel Garcia Madeira
Simão Madeira da Costa
(Duma certidão passada a 24 set. 1824 por José da Costa de Carvalho e Lemos, escrivão proprie-
tário dum dos ofícios da Correição e clianceler da comarca de Viseu. — Pertence ao sr. António da
Costa Mesquita, de Avô).
CVIII
ASSENTO DO ÓBITO DE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS, GENRO DO POETA
(18 agosto 1686)
Em dezouto de Agosto da era de mil e seis centos e outenta e seis annos fa-
leceo manoel gracia mascarenhas desta villa jas sepultado dentro desta igr.a e por
verdade fiz este assento era ut suprí7.
Luís Velho de Miranda
(Cota marginal)
officios feitos
(CS. — Registo paroquia! de Avô, I. i, cad. 3., fl. i3i).
T>()ciimentus (Si)
CIX
ASSENTO DO ÓBITO DE ANTÓNIA GARCIA, IRMA DO POETA
(II setembro 1686)
Em onze de setembro da era de mil e seis centos e outenta e seis faleceo
Ant.a gracia mosa soltr.' ' desta uilla foj sepultada dentro desta Igr.a iunto ao altar
da sr.a da piedade e por uerdade fis este asento, era ut sup'.
Luís Velho de Miranda
(CS. Registo paroquial de Avô, 1. 1, cad. 3.°, fl. i3i v.").
cx
assento do óbito de ISABEL GARCIA, IRMA DO POETA
(11 setembro i686j
Em onze de setembro da era de mil e seis centos e outenta e seis annos fa-
leceo Isabel gracia mosasoltr.'^ desta villa jas sepultada dentro desta Igr.a junto ao
Altar da sr.a da piedade, e por uerdade fis este asento, era ut sup'
Luís Velho de Miranda
(CS. — Registo paroquial de Avô, I. i, cad. 3.°, fl. i3i v.»).
CXI
ASSENTO DO ÓBITO DE D. QUITÉRIA GARCIA DE MASCARENHAS, FILHA DO POETA
(i3 abril i6go)
Quitéria Garcia Mascarenhas desta uilla faleceo ab intestada aos treze dias de
abril de seiscentos e nouenta annos ias sepultada dentro da igr.a ao pe da porta
traves da porta do norte de q fiz este termo q assinei hera ut supra.
O p.« Affonso RÍz Aluarez
(CS. — Registo paroquial de Avô, 1. 1 , cad. 3.°, fl. i38 v.').
1 Não se estranhe que seja denominada wóca uma dama de 78 anos de idade como Antónia Gar-
cia, ou de 81 como sua irmã Isabel Garcia, de quem fala o documento CX. E:ntre os variados sentidos
êm que se empregava nos documentos antigos a palavra moça, não liá, por vezes, referencia à idade,
mas à condição, ao estado e á reputação. Assim encontramos designadas mulheres que por serem soltei-
ras, e gozarem boa reputação de honestidade, se consideravam virgens ou donzelas. E íste o caso pre-
sente.
"SVid. nota precedente.
(82) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
CXII
NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE BRÁS GARCIA PELO SEU AFIM BENTO MADEIRA DE CASTRO,
PUBLICADAS Á FRENTE DA PRIMEIRA EDIÇÃO DO VIRIATO TRÁGICO
O 699)
BREVE RESUMO
DA VIDA DE
BRÁS GARCIA MASCARENHAS
AUTHOR DESTE POEMA
A Pátria, q nos deu este Homero Poituguez^ he a nobre, & antiga Villa de Avó
não longe da Serra de Estrella na Provincia da Beyra, Bispado de Coimbra, emno-
brecida cõ hum Castello, & duas Pontes fabrica primorosa do Senhor Rey D. Diniz:
he retalhada de dous rios o Alva, & o Rio de Pomares, como a ambos chama
Abraham Ortelio em suas taboas geográficas, & muyto mimosa de excellentes
frutas. Aqui a 3. de Fevereyro na era de ligõ. nasceo Brás Garcia Mascarenhas,
seu pay se chamava Marcos Garcia ; — & sua Mãy Helena Vladeyra — gente nobre,
& da principal da terra. Passada a infância, & puericia, em companhia de outros
seus Irmãos, que estudavaó tomou algúas noticias da lingoa Latina, que ao depois
soube com perfeição por sua muyta, & natural curiosidade, & prompto engenho,
que certo foy muyto particular, & pêra tudo universal. Vindo a Coimbra assistir a
hOas festas celebradas no terreyro de Sãosam por correspõdencias com húa Dalila
perdeo a liberdade sendo prezo na cadea da Portajem, da qual depois de algils
mezes de prizão ao recolher de hú grande, & industrioso presente se escapou entre
muyta gente deixando mal ferido o Carcereiro; & bem montado na Ponte por não
voltar ao Cativeiro de ambas as liberdades se passou a Madrid Corte de Hespanha,
& também nesse tempo de Portugal; & passado hú anno neste Empório do mundo,
enfadado já da estancia, ou a instancia da bolsa se partio, & se embarcou em o
porto mais vesinho em hum Pata.\o, que fazia viagem a Lisboa : Apenas se tinhaõ
feito ao largo quando deo sobre elles húa forçosa Nao de Turcos, & pondo-se em
resistência tão desiguaes no partido em pouco tempo forão mortos quasi todos, &
desforçado o Pataxo; Eisque antes de se renderem lhes assoma por barlavento húa
poderosa Fragata de Hereges Cossarios, à vista da qual fugirão os Turcos, & elles
ficando preza dos Hereges, que os roubarão, & finalmente expuzeraõ em húa praia
de Itália : Aqui à custa de suas perigrinações tomou muytas noticias da Itália,
França, & Hespanha pêra onde voltou por mar, & terra, até que outra vez chegou
à sua pátria aonde ainda não esquecerão suas juvenilidades, & não se dando ainda
por seguro, nem cabendo seu animo em taõ curtos limites se passou á Cidade do
Porto, & deahi ao novo mundo, & ambicioso de noticias, & gloria militar discorreo,
naó sem naufrágios, por todo o Brasil, & ahi por espaço de nove annos militou
contra Olandeses servindo de Alferes reformado, & obrando sempre como esfor-
çado, & ardiloso: Porem vencido ja do amor da Pátria pêra se achar presente á
Restauração do Reyno remeou outra vez o Oceano, & a pezar de tormentas, & ini-
migos tomou Lisboa, & voltou à Pátria aonde ja era esquecido, mas logo se fez
lembrar rebatendo húa briga em que ouve mortos, & feridos por conservar hum
seu Irmaõ no Priorado de Travanqua; Porém como neste comenos se levantasse o
i
T>ucumetitos (83)
Reyno reconhecendo a seu legitimo Rev o Senhor D. João o Restaurador, teve
occasião com esta revolta de se fazer esquecido ao crime, & lembrado na guerra;
por quanto ajuntou húa Companhia de mancebos nobres, & lusidos das terras
circunvesinhas, que levados de ambição da honra, & gloria militar, que elle lhes
persuadia espontaneamente se apresentarão em a Praça de Pinhel, & o tomarão
por seu Capitão como experto, & practico na guerra, & com tanto esforço, brio,
& generosidade se portarão nas emprezas, que por abono lhe chamarão a Compa-
nhia dos Leoens, como ainda hoje testemunhão esses poucos, que ainda vivem.
Deste posto foi assumpto pêra Governador da Praça de Alfayates em que se ouve
com muyto acerto, & aceitação, não sem utilidade da Praça, que fortificou na
forma, que hoje permanece eternisando-se em seus mármores por Amphion desta
Thebas. Mas nesta mayor prosperidade voltou a fortuna a roda, & cahio no antigo
fado sendo a causa, que entrando pellas nossas terras um trosso de Cavallaria, &
Infantaria Castelhana depois de feitas muytas hostilidades se retiravão carregados
de despojos, & com mais de vinte mil cabeças de gados; Chegou-Ihe ordem de
Dom Sancho Manoel, que não sahisse da Praça pella não expor a perigo, por
quanto logo chegaria com socorro ; & no mesmo dia chegou recomendação de
Fernando Telles de Meneses, que de outra parte o avizava visse se podia impedir
o passo ao inimigo ; a esta segunda ordem, como mais gloriosa, se lhe acomodou
o animo, & deixadas algúas Companhias de presidio, sahio com duzentos mosque-
teiros, & os dispoz de emboscada sobre o rio Águeda em o porto de S. Martinho
dividindo-os em dous montes, que abrião o valle por donde necessariamente avião
de passar os Inimigos, os quais sendo ja chegados passarão diante todos os gados,
& entrados ja no valle lhes sobrevierão tais cargas de mosquetaria, que se derão
por obrigados a virar as costas persuadidos ser muyto numeroso o poder contrario,
& deixando muytos mortos, & toda a preza se retirarão fugitivos: com taõ glorioso
successo se voltou o nosso Governador triunfante à sua Praça de Alfayates, aonde
logo chegou (como prometera) D. Sancho Manoel, & achando jà a empreza ven-
cida, sentindo, ou a perca desta gloria em que também hia enteressado, ou naõ se
guardar a sua ordem, quando o Governador se saboreava nas esperanças do pre-
mio, de improviso se achou prezo na Torre do Sabugal, & accusado a El Rey por
falsario, que tinha tratos occultos com Castella, allegando por fundamento húa
correspondência urbana, que tinha com hum seu grande, & antigo amigo chamado
vulgarmente o Maçacam Governador de hQa fortaleza fronteyra; nesta prizão soli-
tária o privarão de toda a communicação, & subtrahindolhe pouco a pouco o man-
timento, lhe pretendiáo abriviar os dias; atèque vendo-se ja desemparado de todo
o favor humano se valeo de sua industria mandando pedir pello seu servente, que
ao menos lhe mandassem hú livro seu ordinário alivio, jà que lhe não consentião
o devertimento de escrever, & juntamente que pêra seus achaques lhe mandassem
farinha, & linhas, & tisoura pêra refazer seus vestidos : logo lhe mandarão hum
Fios Sanctorum dizendo, que era o que mais lhe servia pêra se encomendar a
Deos, & com o livro lhe mandarão as mais miudezas que pedia, & pegando da ti-
soura foi cortando as letras húa a hua as que lhe servião do livro; fez cola da fa-
rinha com a qual unindo-as com niuyto vagar, & industria compaginou húa discreta
carta em verso muy limado pêra o Senhor Rey D. João o IV, em que relatava sua
prizão, & innocencia. & dependurando-a pellas linhas da muralha no escuro da
noute falou a hum soldado da guarda seu confidente, que a entregasse a seu Irmaõ
(84)
'Brás Garcia de ^Mascarenhas
pêra que logo n levasse a Lisboii, como succeJeo; & lendo o paternal Rey a carta
também lançada, despedio logo hum decreto em q ordenava aparecesse sem demora
em Lisboa Brás Garcia Mascarenhas. Chegou à Corte rodeado de guardas, & quando
todos agouravâo final sentença a sua vida, lhe deu o piadosissimo Rey audiência
affavel, na qual de tal sorte se limou, & inteirou o seu negocio, que sahio despa-
chado com Abito de Avis, & boa tença, & restituído por entre tanto ao seu Go-
verno de Alfayates. Voltou a Lisboa triunfando da inveja, & do ódio, & repetida a
posse do seu Governo a pezar de seus emulos, aconselhandose consigo se retirou
á pátria, assim por não irritar mais a impaciência de seus adversos, como também
pêra lograr algum descanso devido a sua idade, & muytas perigrinações por mar,
& terra em que os trabalhos sempre acompanharão a este Hercules; & pêra q o
ócio fosse divertido o fizerão Superintendente da Cavallaria da Comarca de Es-
gueyra, que rectamente administrou. Finalmente ordenada sua familia se consagrou
todo às Musas, sendo também oráculo nas emprezas de seus Comilitoens, que ve-
neravão seu parecer por muyto acertado, & em especial seus grades amigos D. Ro-
drigo de Castro D. Álvaro de Abranches, que alem de o buscarem, por carta,
quando a campanha permitia ferias, afroixavão o arco em companhia, & casa
deste seu prezado amigo, que lustrosa, & amigavelmente os hospedava. Aqui in-
stituio, & celebrou có versos a festa das 40. horas, qhoje logramos em Avò, & fes-
tejou muytos Santos cõ Comedias, que ainda existem pêra credito de seu engenho;
mais deu a luz hú Tomo de Sanctos, & Remanses vários dignos de áureos Cara-
cteres, que da sua letra hoje existem; sobre tudo suspira nosso affecto por \\\x
Tomo, que cõpoz quando se voltou do Brasil, intitulado Ausências Brasílicas, pois
nesses copiosos cadernos, que durão, nos excita as saudades do que quasi gastou
o tempo, & o descuido. Finalmente este Tomo de Viriato como morgado de sua
affeyção tendo-o composto quando milita\'a o pretendia dar à estampa, & purificar,
se a morte lhe não atalhasse os intentos, que agora em parte logramos na publi-
cação deste seu volume. Não refiro outras particulares poesias, & que passando
de caminho por Coimbra em occasião que se publicarão prémios aquém melhor
expressasse o sentimeto Portuguez na morte do Senhor Príncipe D. Duarte de
saudosa memoria, se deteve algum tempo, & sahio cõ hiáa nova esquipação de
poema vulgar, que de todos os lados se lia com diversos sentidos, & todos certos
na medida, & animados com epigrama ao intento, que intitulou — Laberintho do
Sentimento — Pello qual poema lhe julgou, sem opposição de outro aventureiro, a
Vniversidade o primeyro, & melhor premio, sendo mayor o da fama, que adquirio
excedendo os raros engenhos, que illustravão esta Athenas Lusitana, calificando-se
por não menos favorecido de Marthe, que mimoso de Apollo. Finalmente em ma-
dura, & robusta velhice faltou aos dias na era de i656. a 8. de Agosto sem faltar
às eternas memorias, que seu valor, & poemas enthesourou no archivo de toda a
posteridade mais entendida, q desapaixonada o venera immortalisado em suas
Obras, & animado em seus escriptos, que o zelo pátrio, & affinidade propinqua
agora nos dà a estampa pêra eterno obelisco do Heroe decantado, & credito im-
mortal do engenhoso Author desta Lusiada Viriatina.
T>ociimL'ntos (85)
CXIII
EXCERPTOS DOS DEPOIMENTOS DE ALGUMAS TESTEMUNHAS
NA INQUIRIÇÃO de genere, vila et moribus,
PARA A ORDENAÇÃO DE BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DE D. QUITÉRIA,
E NETO DO POETA
(3 e 4 março i~02)
Em OS tres dias do mes de Março de mil sette centos e dous annos nesta villa
de Auo e na capeilade Santo António da dita villa ahi em segredo o Reverendo
Arcipreste ', comigo escriuam perguntou as testemunhas que pelo Parocho desta
villa foram dadas a Rol para a inquiriçam de genere vita & moribus do ordinando
Brás garcia Mascarenhas natural desta villa cuius ditos nomes e sobre nomes sam
os que ao diante se seguem de que mandou fazer este termo de asentada que asinou.
Manoel Godinho da Costa escriuam - que o escreui.
M.ei Nunes Marques
Lourenço Nunes homem casado que vive de sua fazenda natural c morador
nesta villa testemunha dado a rol pello Parocho. . . — Ao segundo disse que conhece
ao ordinando Brás garcia Mascarenhas natural desta villa filho legitimo de Manuel
garcia Mascarenhas e de Domna Quitéria garcia Mascarenhas e por seu filho legi-
timo esta tido e havido e de todos geralmente reputado sem cousa em contrario
e o dito seu Paj Manoel garcia Mascarenhas nasceu em o lugar de trauamca de
farinha podre e sendo menino uejo para casa de suas tias e aqui se criou, e a dita
Donna Quitéria garcia he natural desta villa aos quais todos conheceu e uiuiam de
sua fazenda e eram dos principais desta villa e mais nam disse a este. —Ao terceiro
disse que o ordinando é netto dos Auos que nomeja em sua petiçam a saber pella
parte de seu Paj e netto de Mathias garcia natural desta villa e teue o Paj do or-
dinando asistindo em trauanca de farinha podre sendo ainda leigo e dipois se or-
denou e fez sacerdote de Missa porem nem conheceu a molher de quem o teue,
porem por seu filho foi tido e hauido e reputado de todos o que he publico, e sabe
por uer que o dito Mathias garcia fazia caso dclle e o criou e sempre o teue em
casa de suas tias Maria garcia, e Isabel garcia Irmãs do dito seu Paj e por morte
lhe deixaram seus bens cre que he seu Auo paterno e declarado na petição. E pella
parte Materna he o ordinando netto de Brás garcia Mascarenhas e de Donna Maria
da Costa naturais e moradores que foram nesta villa aos quais conheceu e com
elles tratou por mais de trinta annos indo a sua casa algumas vezes e eram os
principais desta villa, e elle foj gouernador nos tempos da guerra ' e conhecido por
homem de grande préstimo, e delles nasceu a dita Donna Quitéria garcia Mascare-
nhas Maj do ordinando e sam seus Auos Maternos declarados na petiçam o que
n.im tem duuida e também conheceu o Paj de Brás garcia que se chamou Marcos
! Manoei Nunes Mai-queâ, arcipreste de Galizes e seu distrito.
2 Escrivão do arciprestado.
3 «e foi capitam de infantaria'), acrescenta no seu depoimento a testemunha PaJre António Ribeiro.
(86) 'Brás Garcia de ^Mascarenhas
garcia, e também conheceu o Paj de Donna Maria que se chamou João Manoel de
Affonseca que sam os Bis Auos do ordinando e todos eram dos principais desta
villa e mais nam disse a este. — Ao quarto disse que o ordinando por si, seus Pais,
Auós e Bis Auos que conheceu he legitimo e inteiro Christam uelho limpo e de
limpo sangue e geraçam sem raça de ludeu, mouro, mourisco, mulatto, herege ou
de outra nassam infecta das reprouadas em direito contra nossa santa fee catholica
e por legitimos e inteiros e inteiros Christãos velhos sam e foram sempre tidos
hauidos e de todos geralmente reputados sem fama ou rumor em contrario, e elle
testemunha por tais os conhece e conheceu seu Pae porque sendo de tanta idade
e criandosse e uiuendo sempre nesta villa nunca ouuiu o contrario do que tem dito
e mais não disse a este —
/Sam contestes com este os depoimentos das testemunhas Bento Nune^, Pedro Goncalve\, Afonso
Gonçalves, Estevão Alvarez de Siqueira, Padre Amónio Ribeiro, e Miguel Simões, todos de Avô, que
depuseram neste dia).
Aos coatro dias do mes de Março de mil e sete centos e dous nesta casa de
Nossa Senhora das ermidas (em Travanca-de- Farinha- Podre) aonde estaua o KA'>
Arcipreste Manoel Nunes Marques para tirar a inquirição do ordinando Brás Gracia
Masquarenhas pella parte de sua auo Anna Duarte natural do luguar de Trauanca
e por estar empedido o seo escriuão com legitimo impedimento me elegeo a mim
o P.e João Ribeiro natural e morador em farinha podre para escriuão desta deli-
gencia e para isso me deu juramento dos Santos Euangelhos sob cargo do qual
me encarregou escreuesse na uerdade tudo o que por elle me fosse dito e man-
dado o que prometti cumprir. . .
Sendo no mesmo dia asima dito elle R.do Arcipreste comigo escriuão preguntou
as testemunhas que lhe forão dadas a rol pello KA° Prior de Trauanqua cujos ditos
e nomes são os que adiante se seguem de que mandou fazer este termo de asen-
tada que assinou e eu o P.e João Ribeiro escriuão que o escreui.
M.el Nunes Marques
Manoel Gonsalves home uiuuo que uiue de sua fazenda natural e morador no
luguar de Trauanqua... — Ao terceiro diçe que munto bem conhesera Anna Duarte
natural do luguar de Trauanqua como também conheceo seo pai João Jorge e sua
mai Maria Duarte, e esta Anna Duarte teue hum filho de Mathias Garcia da Villa
de Auo sendo ainda leigo, e asistindo no dito luguar em casa do Prior Pantalião
Gracia seo Irmão e ouuio diser que este tal casara com huma sua prima direita
filha de Brás Gracia e que tiuerão filhos e hum delles he o ordinando com que he
esta sua auo paterna e a mesma nomeada na petição, e hera dos bons do dito
luguar e mais não diçe a este. — Ao quarto diçe que o ordinando por seu pai e sua
auo paterna que tem dito he legitimo e inteiro Christão uelho sem rasa de mouro,
mulato, mourisco, judeo, herege, ou outra nação infecta reprouada em direito
contra nossa santa féé catholica e por legitimos e inteiros christãos uelhos são e
forão sempre tidos e reputados sem fama nem rumor em comtrario e mais não diçe
a este. — :
(São contestes com este os depoimentos das testemunhas António Rodrigues, João Henrique^, e
António Francisco, todos de Travanca-de-Farinha-Pódre, que depuseram neste segundo dia).
(CE. — Processo para a ordenação de Brás Garcia de Mascarenhas\ .
documentos (S7)
CXIV
APONTAMENTOS ESCRITOS POR LETRA DO PRIOR DE TRAVANCA-DE-FARINHA-PÔDRE
ANTÓNIO MARTINS GOULÃO, NO FIM DUM LIVRO DE BAPTISMOS.
DELES CONSTÃO OS USOS E COSTUMES DAQUELA FREGUESIA
SOBRE O QUE ERA O PRIOR OBRIGADO A FORNECER Á IGREJA,
E O QUE PERCEBIA DE OFERTAS, DÍZIMOS E PRIMÍCIAS,
E BEM ASSIM QUAIS OS BENS ECLESIÁSTICOS IMÓVEIS DA PAROQUIA,
TODOS OU QUÁSI TODOS USUFRUÍDOS PELO PÁROCO
fiyii, OU um pouco posterior)
Tem obrigação o RA° Prior de por o Cirio e Candieiro das treuas, e a Can-
della ; e por duas uellas no altar todos os Domingos e Santos excepto na festa do
Natal athe a segunda oitaua e a Semana Santa e Domingo de Páscoa e a primeira
oitaua e Domingo do Spirito S.to e a primeira oitaua.
Dia de S.<a Anna, e também excepto todos os domingos terceiros dos Mezes.
Tem obrigação o R.do Prior
Ao reparo da Capella Mor, e a Samcristia me diçe o Rà° Vizitador q perten-
cia ao pouo sem embargo q todos os Priores a vam reparando.
O Rdo Prior tem obrigação
de dar seis alqueires de azeite todos os annos p." a Lâmpada, e se faltar algú,
o darão os Mordomos do Senhor; e anda com quem cobra a renda. E isto despom
hú Statuto da confraria moderno, que fez Lourenço de Albuquerque, Prior q foi
desta Igr.» e o aprouou pello Senhor Bispo sem ter breue, nem bulia apostólica p. a
por esta pensão á Igr.a
Do pr. o domingo, de Majo athe o S. .loão se pagam todos os domingos dizimo
de lejte.
— Usos e custumes nesta Ig.ra de S. Tiago da Trau.a de Farinha Podre.
De pam trigo, vinho e azeitona, e castanhas, linho, gado, bácoros, lentilhas e
granis fruta de maçans, peras, de cada dez se paga hum. e também de cebollas,
alhos, & milho, feijão e boletas.
Do gado huns Priores do q não chega a sinco accejtam almoedas 4 reis (?) de
cada cabeça, outros as ajuntam de huns anos p.» outros e tanto q fazendo o nu-
mero de 5 desimão meja cabeça. EUes não querem estar quietos mas p.a se defê-
derem tem a posse quebrada, q lhe era necessário continuada.
Custumão ajuntar bácoros enxames ao gado e intão dezimão.
Mas melhor dezimarião se fosse na forma da Constituição.
Em os baptizados custumão dar sua vela e offerta voluntária em dinheiro.
Q.<Jo nos Offos sendo de 9 licois tem os clérigos de cantoria em cada hum i5o
e o mesmo tem o Parocho tem mais as offertas q se podem uer na Sn.^ • junta q
esta junta em o liuro q estaua p.a seruir do inuentario dos bens e moueis &c. mas
não seruio.
(88) 'Brás Garcia de oMascarenhas
Tem cazas de residência e hoje não estão más e reparadas.
Hija vinha m.'o boa com chans e hum oliual e pomar em o assento da IgT^.
Tem húa courella de terra entre os bens do KA° Miguel Cord fo q sahe la fora
a portella, e pella outra parte fora da vinha athe a fazenda de Fran.™ João o Mo-
rejra.
Também hum oliual ou oliu.ras em o cham da bica, cujo cham he também da
Ig.ra e de assento, como também a tem aonde esta o Pombal e quasi por toda a
parte marquado mas não ha Tombo, mas a posse he immeraorial.
Hum oliual com sua terra em Lagares.
Húa orta pequena entre o chão do R.Jo Miguel Cord.™ p.» o verão com poço
dentro.
E tem mais húa vinha aqual dejxou perder M.":' Cord.™ e húa tem junto que
a dej de graça por quatro annos a João Rõiz da Portella aonde chamão a Serra,
na Portella.
Tem mais húa oliuejra cam.o da Fonte.
Tem mais hum cazal q possuem os goncalues, e pagam todos os anos dous
alq.r«s de trigo.
Tem mais outro cazal que paga M.e' Cord.™ cujdo (?) chamado da Rione-
qua (?) de q paga M.e' Cord.™ também dous aiq.res de trigo, e consta q o R.do
Prior João Philippe mandava cobrar pellas ejras os cabaços.
Os herd.ros do R.^o Prior João Philippe de S. Pajo derão as madejras e taboas
de pinho p.a as alcobas, e dezasete mil reis para o reparo Jas cazas, com o q en-
tendo q so o D.or Fajardo deu o sustento p.a os officiais, e não tratou de reparar
as cazas.
Tem mais três casas hua serue de adega, outra de palhejro, e outra onde esta
o lagar com uara, fuso a pezo, e húa dorna de pedra.
Declaro q toda a fazenda q esta pegada com a Ig.ra se chama assento, e sam
necessários cem annos p.a prescreuer.
A fazenda q tem fora do assento se chamão passais, e p.a prescreuer bastam
40 anos assim se pratica na prouincia do Minho.
Pagasse primícia do uinho mejo almude de pam trigo de cada des húa 4.^ e
chegando a 40 hum alq.r^ e dahi p.i" não paga cousa algúa.
No cazal da Aguiejra tem assim de ojtauo como o do foro de sinco tem o
morgado do Alborge três e a Ig.ra dous e sempre esteue a Ig.ra de posse ha mais
de 400 anos. e não ha memoria em contrario o foro o seu dizimo.
Esta Ig.ra cobra o dizimo por intejro dizem elles q se fizer a cobrança em
azeite q pagam de 12 hum alq.re e assim o fazem os de fora da freg.a.
Agora os lagarejros querem uintena e cujdo se pagam de cada uinte hum e so
este ano o dizem mas eu não estiiia quieto e não consentj.
O lagar do porteilo paga hum alq.re de azejte de auença todas as uezes q chega
a lancarse a moer.
O lagar nouo mejo alq.re de azejte no ãno q se lança a moer.
Fazendose hum off.o so de corpo de presente he mais offertado e prefere a
todas as diuidas, como a sepultura e habito.
{C.%. —Registo paroquial de Travanca-deFarinhaPódre, I. i, cad. 3." fl. 41 e segg.).
i
Documentos (8g)
cxv
EXCERPTOS DOS DEPOIMENTOS DE ALGUMAS TESTEMUNHAS NA INQUIRIÇÃO dc gClíCre
PARA A ORDliNAÇÃO DE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS, FILHO DE D. QUITÉRIA,
E NETO DO POETA
(n janeiro ijiS)
Aos honze dias do mes de Janeyro de mil e sete sentos e quinze, nesta Igreja
de Samtiago de Trauanca de Farinha podre adonde veyo com migo escriuam o
Rd.o Ld.o Juliam Ribeyro pêra com migo escriuam preguntar as testemunhas dadas
em Rol pelo Rd» Prior desta Igreya pêra a Inquiricam do Habilitando Manoel gar-
cia Mascarenhas pela parte de sua avo paterna Anna Duarte natural e moradora,
que foj deste dito lugar e freguesia, os quais notificados por mim escriuam mandou
uir a noca prezemca pêra por elle serem preguntadas, na forma da commissam as
quais, e seus testemunhos, sam os que ao diente se seguem, de que mandou fazer
este termo de asentada, que eu o P.^ Domingos de Oliueyra escriui.
António Francisco laurador, natural e morador deste lugar, e freguesia dé
Santiago de Trauanca de farinha podre... — Ao quarto interrogatório dice que co-
nheseu muto bem a Anna Duarte avo paterna que se diz ser do Habilitando Ma-
noel Garcia Mascarenhas da Villa de Avo, a qual dita Anna Duarte sabe asim se
chamaua, e que nesta freguesia viueu dos rendimentos de suas fazendas como la-
uradora e filha de lauradores dos principais desta freguesia donde também foi na-
tural, e Batizada nesta Igreya de Santiago aqual sobredita Anna Duarte, diz elle
dito testemunha, que conheseu ja casada com Sebastião Marques seu marido tam-
bém desta freguesia natural, e ao dipois de viuva sempre nesta freguesia moradora
e com ella falou e comversou por tempo de quinze annos pouco mais ou menos
athe seu falecimento por serem anbos vizinhos da mesma freguesia por cuya causa
sabe o q dito tem e mais nan dice deste — Ao seisto artigo dice q sabe q a dita
Anna Duarte foj por sim, seus pais, e todos seus assendentes intejra e legitima
Christam velha limpa e de limpo sangue e geracam sem raça ou descendência al-
guma de Christam noua judia negra mulata, moura ou de outra alguma infecta
nacam das reprouadas indirejto contra nosa santa ffe Catholica, nem de pesoas a
ella noua mente conuertidas ; e também dice elle testemunha, que sabe que sendo
o dito Habelitando Manoel gracia Mascarenhas seu neto como alega he por esta
parte digno das ordens q. pertende sem impedimento algum na limpeza do sangue
e procedimentos destes seus Ante pasados porq todos e cada um de percim foram
sempre muj tementes a Ds' e zelosos da Igreya e de todos geralmente tidos e
auidos nomiados, conhecidos e estimados por intejros e legitimes Christans velhos
e por tais os tem e teue sempre elle dito testemunha sem fama, noticia, suspejta,
ou rumor algum, em contrario o que tudo neste seu testemunho declarado dice
elle testemunha que sabe he uerdade por ser homem velho noticioso natural e
sempre moradoi- deste lugar e freguesia donde o foj a dita avo paterna do ordi-
nando per cuya cauza sabe o q dito tem e tinha rezam de saber o comtrario se o
ouuera, e mais não dice. . .
(go)
'Brás Garcia de ^Mascarenhas
Miguel Francisco laurador, natural e morador deste lugar e freguezia de Sam-
tiago de Trauanca... — Ao tercejro interrogatório dice que muto bem conheseu
a Manoel Garcia Mascarenhas, paj que se diz ser do Justificante Manoel garcia
Mascarenhas, o qual asim se chamou, e sabe que foi natural deste lugar e fregue-
zia de Trauanca, e Balizado nesta Igreia de Samtiago de Trauanca, adonde asistiu
mutos annos com hum seu tio Pantaliam garcia Prior desta dita Igreya e daqui foj
pêra a uilla de avo ser morador, adonde também cazou ao qual elle testemunha
conheseu pois com elle tratou, e conversou asim no tempo que aqui asistio soltejro,
como no tempo de cazado em avo asistente por tempo de mais de trinta annos ate
seu falecimento, por elle dito testemunha Ir mutas vezes a Villa de Avo, e o dito
M.el Gracia vir mutas vezes a esta freguezia, e mais nam dice deste. — Ao quarto
Interrogatório dice que sabe que sendo o dito Habilitando filho do dito Manoel
Gracia Mascarenhas como alega, he nepto pela parte paterna de Anna Duarte desta
freguezia, e por tal tido e auido a qual Anna Duarte asim se chamou, e teue este
dito Manoel gracia Mascarenhas seu filho sendo soltejra de hum Matias gracia
Mascarenhas Irmam de Pantaliam gracia Prior desta Igreya adonde asistia, sendo
natural da vila de Avo, e ao dipois de ter o dito filho cazou com Sabastiam alves
deste mesmo lugar e freguezia donde hera natural e sempre foj moradora, e nesta
Igreya batizada, e viveo sem outro algum oficio mais que so o dos rendimentos de
suas fazendas como lauradora e filha de lauradores, e dos principais desta freguezia
adonde elle testemunha a conheseu soltejra, e cazada, e depois viuua, por tempo
de vinte annos pouco mais ou menos e pelo mesmo tempo com ella falou e com-
versou como vizinha sua, e mais nam dice deste. — Ao seisto Interrogatório dice
que sabe que o dito Justificante pelo dito seu Pai e avo Paterna asima nomeados
he legitimo Christam velho, limpo e de limpo sangue e geraçam sem raça de
Christam nouo, ludeu, negro, mulato, mouro, mourisco nem de outra alguma im-
feta nasam das reprovadas imdirejto contra nosa santa ffe Catholica nem de pesoas
a ella noua mente comuertidas ; e também dice que sabe que nenhum assendente
do dito Justificante por esta parte foj preso pelo Santo Oficio, nem lhe pagou finta
ou pedido lançado a gente de nacam ebrea nem commeteu crime de erezia comtra
leza Maestade Deuina, nem emcorreo em imfamia publica de fejto ou de direjto,
nem de tais cousas foram os desta geraçam em tempo algum imfamados; mas sim
foram sempre todos e cada hum de per cim tidos e auidos, nomeados conhecidos
e geralmente de todos estimados por imtejros e legítimos Christans velhos, e por
tais os tem e teue sempre elle dito testemunha sem fama noticia ou rumor algum
em comtrario. o que e tudo o mais que dito tem neste seu testemunho dice sabe
he uerdade por ser homem velho natural e sempre morador desta freguezia donde
o foram os assendentes do Justificante por esta parte por cuya cauza sabe ser uer-
dade o que dito tem e tinha rezam de saber o Comtrario se o ouuera e mais não
dice. . .
(São contestes com estes dois depoimentos os das testemunhas Matheus Goncalve\, Úrsula Dia\,
e Isabel Simóe^, todos da freguesia de Travancade-Farinha-Pódre) .
(CE. — Processo para a ordenação de Manuel Garcia de Mascarenhas).
T>ocumcntos (9 1)
CXVI
CERTIDÃO PASSADA PELO PRIOR DE S. TIAGO DE FARÍNHA-PÔDRE,
DONDE CONSTA QUE MANUEL GARCIA DE MASCARENHAS, GENRO DO POETA,
NASCEU E FOI BAPTIZADO NA FREGUESIA DA BOBADELA
(2 março lyrSJ
O D.of Manoel Mor.a Rebello, Prothonotr.o Ap>o de Sua Sanctid.e Juiz dos
cazam.'os habilitacoins de Gr.e e Provisor em esta Cid.e e Bispado de Coimbra pello
lil.mo Snr. Bispo Conde &c.a Mando em virtude de S. obediência, e sob pena de
excomunhão mayor ao R.<^° Parocho de Travanca q sem a p." intervir nem outrem
q por elle o fassa no q m.t° lhe encarrego sua conciencia fassa exacta delegencia
nos liuros dos baptizados dessa freguezia e delles tire por certidam jurada o thior
do assento do Baptismo de Manoel Garcia Mas."' Pay dohabelitando Manoel Gar-
cia Mas.cas n.al da V." de Avó o qual M.el Garcia Mascarenhas pay do d.» habeli-
tando foi í.° de Mathias Garcia Mas.cas da d.a V.a de Avo e de Anna Duarte dessa
freg.a de Trauanca de Farinha podre, a qual certidam passara nas costas desta que
em carta fechada remetera por via segura ao Escrivam da Camera do Bispado e
delle hauera seu sellario p.a o q o declarara ao pe da mesma certidão. Dada em
Coimbra sob o meu signal som.te ao prim.» de M.™ de 171 5. Francisco Maciel Ma-
lheiro Escriuáo da Camr.a Ecclez." o sobscreuj.
Rebello
Ordem secreta p.a o RA° Pr.co de Travanca de Farinha podre satisfazer ao q
nella se lhe ordena &c.n.
Obedecendo hordem do m.to Rd." S.r D.or Prouisor deste Bispado de Coimbra
certifico eu António Míz goulaõ Prior de S. Tiago da Trau.a de farinha Podre,
que eu ui de uagar e con toda a exação os assentos dos baptizados q fizeram M.«l
Gracia, e Pantaliam Gracia Priores q foram nesta Igreja, e não achej o assento que
se me pede, so me informej q Mathias Gracia sobro do Prior Pantaliam Gracia digo
Irmão do Prior tiuera hum {.° chamado M.d Gracia de Anna Duarte desta freg.^
a qual foj parir a Boadeila que esta junto a Oliuejrinha dizem deste Bispado, onde
presumo estará o assento pedido, por esta cauza não estará o assento no l.o dos
baptizados desta Ig " e o d." M.e' Gracia se criou em caza do R.do Prior depois de
andar. O que tudo juro in uerbo sacerdotis. S. Tiago da Trau.a 2 de Marco de 1715.
O Prior An.™ Míz GoulaÕ
(CE. — Processo para a ordenação de Manoel Garcia de .Mascarenhas).
f()2j 'Brás Garcia de SMascarcnhas
CXVII
CARTA DE TOMÁS CAETANO GARCIA DE MASCARENHAS,
A SEU SOBRINHO BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS, QUARTO NETO DO POETA,
EM QUE SE FAZ REFERENCIA AO DESAPARECIMENTO DE PAPEIS DE FAMÍLIA
(14 setembro 1824)
Sobrinho e amigo
Desejo te fFellecidades, e a toda a tua famillia; Como ha muito tempo naõ
sahio de caza nem faço jornadas que excedaõ a huma ou duas Legoas, por isso
naó vou verte e dizerte pessoalmente os meus_ sentimentos, mas vou por este
modo exporte que tenho quebrado a cabeça para alcançar a Instituição do vinculo
desta casa, porem nem trasUado, nem própria aparece e porque tuas Thias ma su-
mirão, e naõ deixarão Trasllado algum e foi o motivo porque requeri hum Alvará
a Sua Magestade para abollição delle de que juntei huma Rellaçaõ dos bens, que
por tais sempre foraõ tidos, naõ tenho empenho em o abolir, só quero saber em
que Ley vivo, e se o tal vinculo deve ser, ou não reputado tal, podes responder o
que quizeres, porque a nada me oponho e fico pela decisão do Tribunal muito sa-
tisfeito, seja qual for o Despacho, porque como já dice quero saber em que Ley
vivo. e vé se te sirvo de alguma cousa nestas terras que hei de mostrar, que sou
teu Thio, e amigo.
Thomás Garcia Mascarenhas
Avó de Setembro quatorze demil oito centos vinte e quatro.
SOBESCRITO
A Braz Garcia Mascarenhas meu Sobrinho goarde Deos muitos annos. Rio de
Moinhos.
iDuma certidão passada a 24 set. 1S24 por José da Costa de Carvalho e Lemos, escrivão proprie-
tário dum dos ofícios da Correição e chanceler da comarca de Viseu, em face do próprio original,
— Pertence ao sr. António da Costa Mesquita, de Avô).
CXVIII
NOTAS BIOGRÁFICAS DE BRÁS GARCIA, ESTAMPADAS Á FRENTE DA SEGUNDA EDIÇÃO
DO Viriato Trágico pelo dr. albino de Abranches freire de figueiredo,
PARENTE DA MULHER DO POETA
(1^46)
, Na antiga villa d' Avó, a 3 de fevereiro do anno de 1396, e de paes nobres,
nasceu Braz Garcia Mascarenhas, na casa que elle descreve na est. 29 do canto XV
deste poema. A qual foi propriedade daquelle famoso pagem do Sr. D. Fernando
(como se vè de papeis antigos de sua familia, descendente deste pagem) que, ser-
vindo d"arraes na linda barca em que o inonarcha portuguez foi ao encontro do
hispanhol, pela elegância da sua figura, concorreu para a exclamação do monarcha
estrangeiro, referida pelos nossos historiadores.
^Documentos (g3)
Nas estancias seguintes á que acima retiro dá o poeta alguma noticia da sua
vida; e, porisso, sobre este objecto só direi o necessário para melhor inteliigencia
delias.
Indo a Coimbra por occasião de festas publicas, entrou em uma correspon-
dência amorosa de que lhe resultou ser preso na cadea da Portage. Seus irmãos,
que então frequentavam a universidade, fingiram um grande presente para o preso.
Ao abrir-se a porta para entrar o presente, sahio o preso, á força, deixando o car-
cereiro perigosamente ferido, montou em uma cavalgadura que estava para isso
preparada na ponte e, pôde assim evadir-se á multidão que o seguia Daqui prin-
cipiaram as suas longas viagens (a parte das quaes elle se refere neste poema) pelo
Brazil, Itália, França, Flandres e Hispanha.
Já elle estava em Avô quando um seu irmão, que era prior do, então, rendoso
priorado de Travanca, recolhendo de uma viagem que fizera a Roma, achou na sua
egreja, que era d'alternativa, um intruso, appresentado na sua ausência, por diflFe-
rente donatário.
Esta appresentação deu origem ao pleito, e rixa de que falia o poeta na est. 67
e seguintes do canto XV, e maiores trabalhos lhe produziria, se por esse tempo
não occorresse a revolução de 1040, e se não houvesse conhecimento e necessidade
dos seus talentos e serviços militares.
Depois de conquistada a egreja de seu irmão veiu á corte, e, com franqueza
de soldado, expoz o succedido ao Sr. D. João IV, que lhe respondeu : — «Faze
tu pela minha coroa, como fizeste peia egreja de teu irmão, e ficaremos recon-
ciliados».
Voltou á pátria, e inspirando á mocidade luzida delia e suas visinhanças am-
bição pela honra e gloria militar, a persuadiu a formar uma companhia de cavalla-
ria, para que elle foi escolhido commandante, honra esta que lhe era affiançada
pela sua reconhecida valentia e experiência militar.
Esta companhia occupou a praça de Pinhel, e deu do seu grande valor tão
claras provas que mereceu ser reconhecida pelo nome de companhia dos leões.
Existiam no cartório do convento das freiras daquella cidade (onde então estava
uma parente de Braz Garcia Mascarenhas) esclarecimentos relativos a esta com-
panhia, que foram recolhidos, segundo me constou, pelo curioso antiquário, bispo
que foi daquella cidade, D. José de Mendonça Arraes, parente do poeta, e de
alguns dos que então militavam com elle.
Fiz por obter estes esclarecimentos, dirigindo-me ao meu amigo o Sr. Joaquim
Pinto de Mendonça Arraes, sobrinho daquelFe illustre prelado, porém não appare-
ceram, talvez que por estarem nessa occasião em desordem os papeis pertencentes
ao esm." bispo.
Do commando desta companhia foi Braz Garcia Mascarenhas mandado para
governador da praça de Alfaiates, que logo fortificou com obras novas; e neste
logar foi victima da prepotência do general, governador das armas da província,
D. Sancho Manuel.
Entrando pelas nossas terras um trosso de cavallaria, e infantaria castelhana,
depois de feitas muitas hostilidades, se retiravam carregados de despojos, e com
mais de vinte mil cabeças de gados; chegou-lhe ordem de D. Sancho Manoel, que
não sahisse da praça pela não a expor a perigo, por quanto logo chegaria com
soccorro; e no mesmo dia chegou recomendação de Fernando Telles de Menezes,
(g4) 'Brás Garcia de oMascarenhas
que de outra parte o avizava visse se podia impedir o passo ao inimigo. A esta
segunda ordem, como mais gloriosa, se lhe acommodou o animo, e, deixadas algumas
companhias de presidio, sahio com duzentos mosqueteiros, e os dispoz de embos-
cada sobre o rio Águeda em o porto de S. Martinho, dividindo-os em dois montes,
que abriam o valle por onde necessariamente haviam de passar os inimigos, os quais
sendo ja chegados passaram diante todos os gados, e entrados já no valle lhes
sobrevieram taes cargas de mosquetaria, que se deram por obrigados a virar as
costas persuadidos ser muito numeroso o poder contrario, e, deixando muitos
mortos, e toda a pressa, se retiraram fugitivos.
Com tão glorioso successo se voltou o nosso governador triunfante á sua praça
de Alfayates, aondo logo chegou (como promettêra) D. Sancho Manoel, e achando
já a empreza vencida, sentindo, ou a perda desta gloria em que também ia enteres-
sado, ou não se guardar a sua ordem, quando o governador se saboreava nas espe-
ranças do premio, de improviso se achou prezo na torre do Sabugal, e accusado a
el-rei por falsario, que tinha tractos occultos com Castella, allegando por funda-
mento uma correspondência urbana, que tinha com um seu grande e antigo amigo
chamado vulgarmente o Macacão governador de uma fortaleza fronteira.
Nessa prizão solitária o privaram de toda a communicação, e, subtraindo-lhe
pouco a pouco o mantimento, lhe pertendiam abreviar os dias. Até que vendo-se
já desemparado de todo o favor humano se valeu de sua industria mandando pedir
pelo seu servente, que ao menos lhe mandassem um livro, seu ordinário alivio, já
que lhe não consentiam o devertimento de escrever; e junctamente que para seus
achaques lhe mandassem farinha, e linhas e tisoura para refazer seus vestidos.
Logo lhe mandaram um Fios Sanctorum dizendo, que era o que mais lhe servia
para se encomendar a Deus, e com o livro lhe mandaram as mais miudesas que
pedia. Pegando da tisoura foi cortando as lettras uma a uma as que lhe serviam
do livro ; fez cola da farinha com a qual unindo-as com muito vagar, e industria
compaginou uma discreta carta em verso mui limado para o senhor rei D. João, IV
em que relatava sua prizão, e innocencia, e dependurando-a pelas linhas da muralha
no escuro da noite fallou a um soldado da guarda seu confidente, que a entregasse
a seu irmão para que logo a levasse a Lisboa, como succedeu. Lendo o rei a
carta tão bem lançada, despediu logo um decreto em que ordenava aparecesse sem
demora em Lisboa Brás Garcia Mascaranhas.
Chegou á corte rodeado de guardas, e quando todos agouravam final sentença
á sua vida, lhe deu o rei audiência affavel, na qual de tal sorte se limou, e inteirou
o seu negocio, que saiu despachado com habito de Avis, e boa tença, e restituído
por entre tanto ao seu governo de Alfayates.
Voltou de Lisboa triunfando da inveja, e do ódio, e repetida a posse do seu
governo apezar de seus emulos; aconselhando-se comsigo se retirou á pátria,
assim por não irritar mais a impaciência de seus adversos, como também para
lograr algum descanço devido á sua idade, e muitas perigrinaçóes por mar, e terra
em que os trabalhos sempre o acompanharam; e para que o ócio fosse divertido o
fizeram super-intendente da cavallaria da comarca de Esgueira, que rectamente
administrou. Finalmente ordenada sua familia se consagrou todo ás Musas, sendo
também oráculo nas emprezas de seus commilitões, que veneravam seu parecer
por muito acertado, e em especial seus grandes amigos D. Rodrigo de Castro, e
D. Álvaro de Abranches, que, além de o buscarem por carta, quando a campanha
documentos fgS)
permittia ferias, afrouxavam o arco em companhia, e caza d'este prezado amigo,
que lustrosa e amigavelmente os hospedava.
Foi zeloso pelas coisas da egreja, como provam as obras e festas a que allude
nas est. 62 e 63 do cit. canto, — as comedias que, segundo o gosto do seu tempo,
fez a vários santos, — e, por ventura, a capella que os administradores do vinculo
da sua familia possuíam no exemplar convento do Bussaco, instituída por esses
tempos.
Falleceu a 8 d'agosto de i655 na mesma villa em que nascera. Entre os seus
manuscritos appareceu este poema que o auctor pretendia publicar, logo que o
tivesse revisto e corrigido. A morte lhe frustrou os intentos, no que muito perdeu
a obra não sò na falta das correcções que o auctor lhe pretendia fazer, mas por
ficar, assim, sugeita aos defeitos d'uma edição descuidada.
Bento Madeira de Castro, capitão-mór d' Avô, senhor da casa que hoje possua
seu bisneto, o sr. António de Brito, de Coimbra, próximo parente do auctor foi
quem publicou o poema em Coimbra no anno de 1699.
Apezar de todos os defeitos da edição, em que visivelmente se mudaram al-
gumas palavras como no verso 5.° da est. 5.' do canto G, em que se escreveu
«Ataide» em vez «d'alcaide,>) na primeira palavra da est. 71." em que se escreveu
«escuta» em vez de «escusa,» em outra parte «camas» em vez de «Canas» etc. ;
apezar, digo, de todos estes defeitos, e d'outros em que abunda a edição, é certo
que muito se deve ao primeiro editor. Sem elle, ter-se-ia perdido este poema,
assim como se perderam as Ausências Brazilicas e outros manuscriptos do mesmo
auctor. Mas a edição, além de tudo o mais, foi escassa, e o poema estava outra
vez em risco de se perder, se não fosse este meu esforço, inspirado pelos estímulos
de patrício do auctor, e pelos do sangue, á similhança do primeiro editor (como
elle nos diz no fim do que escreve sobre a vida do poeta), e animado por alguns a
quem movem iguaes razões.
Vai esta edição adornada com duas estampas. A que reprezenta o juramento
de Viriato depois da traição de Galba, referido na est. 102 e seguintes do canto VI,
é copia d'outra muito conhecida, estimada e rara; a segunda é o retrato do auctor,
copiado daquelle que se conserva na sua casa.
Desejava ter enriquecido mais esta edição, porém corre-se em taes publicações
risco de grandes perdas, em um paiz que contem tão poucos leitores, como muito
bem conhecem os que d'ellas tem practica.
NOTAS GENEALÓGICAS
NOTAS GENEALÓGICAS
As uotas, que i'ão seguir-se em Apêndice ao nosso 2." estudo,
representam uma não pequena soma de trabplho em colheita de no-
ticias pelos nobiliários e árvores genealógicas, e em buscas e veri-
Jicações persistentes e conscienciosas, durante largos anos, pelos
arquivos. Assim conseguimos corrigir e ampliar muitas árvores e
notas genealógicas, que existiam em poder de algumas famílias nobres
da proi'íncia.
Prestaram-nos grandes e importantíssimos materiais para a or-
ganização deste trabalho: — i.") o registo paroquial, posterior ao
meado do século 'xvi, arquivado no Seminário de Coimbra e nas Câ-
maras Eclesiásticas da Guarda e de \'iseu; — 2.") a colecção, de alto
valor, de processos de genere para ordenações, que se guardava na
Câmara Eclesiástica de Coimbra, e remontava aos princípios do refe-
rido século" XVI ; — 3.") os processos de habilitação para familiares do
Santo Ofício, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo; — 4°) os
processos de habilitação para profissões nas Ordens militares, no
mestno Arquivo; — 5°) a muito interessante e riquíssi/na colecção
alfabética de certidões de idade para as /natrículas na Universidade
de Coimbra, existente no respectivo Arquivo; eic.
As indicações genealógicas dos nobiliários e árvores de famílias
foram verificadas e emendadas em face dessas fontes documentais,
até onde isso nos foi possível. O leitor desculpará benevolamente as
inevitáveis incorrecções deste modestíssimo ensaio.
Coimbra, iH de junho de igsi.
A. DE Vasconcelos.
NOTA I
FAMÍLIA PATERNA DE liRÁS GARCIA MASCARENHAS
Tronco
1) — Marcos Garcia Mascarenhas, tidalgo vindo de Espanha, que os
genealogistas dizem pertencer à primeira nobreza da nação
vizinha, casou em Valezim, depois do meado do século xv,
com uma filha de Martim Anes, pessoa principal da terra, e
dela houve um único filho, de nome igual ao seu,
11) — Marcos Garcia Mascarenhas (2."j, casado em Folhadosa com Brites
Marques, senhora nobre e rica, da qual teve dois filhos e
cinco filhas, ignorando-se a ordem cronológica dos seus nas-
cimentos, e até os nomes de três:
I (III). Marcos Garcia, que segue (III a).
■1 (III). /•., tilho segundo, que, ao que parece, não teve prole.
3 (111). Brites Marques, que segue (111 b).
4 (111). Alta Marques, que segue (III c).
5 (III). Maria Marques, que segue (111 d).
("> tlll). A-. e
7 (III). -V. Estas duas filhas de Marcos Garcia casaram em Sandomil, lá
liveram prole, existindo ainda hoje descendência, pelo menos de
uma delas — uma família de apelido Fernando, que nuns aponta-
mentos do genealogista Nicolau Pereira de Mendonça do Amaral
e Vasconcelos Falcão, da casa de Girabolhos, existentes no car-
tório da casa de Folhadosa, é denominada a F ernandagem de
Sandomil. Estes apontamentos, que são muito interessantes,
foram-me amavelmente facultados pelo último possuidor da casa
de Folhadosa, meu primo o senhor António Vieira de Tovar e
Albuquerque, há pouco falecido.
Ramo primário a)
III a) — Marcos Garcia Mascarenhas (3.°), casado no Ervedal da Beira
100 'Brás Garcia ^Mascarenhas
a 14 de janeiro de 042 com Helena Esteves, filha legí-
tima de Catarina Luís e de seu marido F., já falecido ao
tempo em que se celebrou este casamento. A noiva tinha
dois irmãos, António Esteves e Tomé Esteves, pessoas
muito consideradas no Ervedal. Além de outros filhos,
este casal teve
IV .7) — António Garcia, que casou em Folhadosa com sua prima Ana
Marques, neta de sua tia Brites Marques (vid. infra III b i, 1)
e irmã do padre João Marques ; vieram a falecer em Fo-
lhadosa — o António Garcia a i jul. 1645, e sua mulher a
1 1 fev. i6óq. Tiveram:
1 (V). L.^^o João Garcia Mascarenhas, baptizado a i5 jun. i6i3. Depois
de formado em Cânones, foi prior da igreja de Folhadosa e
da sua anexa de S. Paio de Gramaços, ordenando-se em se-
guida de ordens sacras em 1646.
2 (V). Aiilóiiio Garcia, b. 28 set. 1G16.
3 (V). Domingos Garcia, b. 1 abr. ló.g, que segue (V íi').
4 (V). Maria, b. 19 out. 1621, que faleceu criança.
5 (V). D. Maria Mascarenhas, b. 24 ag. 1624, c. em Trevões c. Manuel
de Afonseca de Almeida, filho de Gaspar de Anciães da Costa,
familiar do 5.'° Ofício ', e de Isabel Caiado de Almeida, de Tre-
vões. Teve os filhos seguintes :
1 (\'l). Dr. Francisco Je AlmeiJj CaiaJo e Gamboa, cónefjo doutoral, depu-
tado do Santo Oficio, leme de Cânones da Universidade;
2 (VI). LA" Nicolau de Almeida Mascarenhas, cavaleiro da Oídem de Cristo,
familiar do Santo Oficio, juiz de fora em Coimbra;
3 (Vn. Manuel da Fonseca de Almeida, c. c . . ?, de quem nasceram :
— ti (Vil). Domingos Caiado, que casou com uma senhora da família
dos .\Imeidas e Vasconcelos, da quinta de Santo Estêvão,
juntfi de Viseu (cf. infra VI a" .. i) ; *
- b (Vil) t). Pauta de Almeida Caiado, c. c. Mateus Correia de Sei-
xas, capitão mor da Fonte-Arcada, de quem teve— (VIII).
Carlos Correia de Almeida.
6 (V). P« Marcos Garcia, b. 7 out. 1627.
7 (V). Manuel Garcia Mascarenhas, n. em i63o, que segue (V a").
8 (V). Francisco Garcia Mascarenhas, b. 9 maio i633, que segue (V a"').
9 (V). Dr. Simão Garcia Mascarenhas, b. 5 set. i636, que segue (V a"")-
i Nunca deixo de mencionar esta qualidade de familiar do S.'" Oficio, como
indicação ao."; que desejem esmiuçar mais, ou verificar a árvore genealógica, pois
assim ficam sabendo que no Arquivo da Torre do Tombo, na secção dos processos
de habilitação para familiares, que se acha muito bem organizada com índice alfa-
bético, encontram excelentes elementos de estudo.
C^ota I — Família paterna do poeta (^oi)
Ramo secundário cC)
V a') — Domingos Garcia c. c. D. Maria Ferrão, filha do capitão-mór
Francisco de Abranches Ferrão, de Torrosêlo, e de sua
mulher e prima D. Luísa Ferrão, e neta de Mateus de
Abranches, filho segundo da casa da Bòa-Vista, de Sa-
meice, sobrinho, afilhado e legatário do inquisidor MateUs
de Abranches. Tiveram:
1 (VI). Marcos Giirci.i .^íjscjreií/ias, que segue.
2 (VI). D. Mitria Ferrão de Abmitches c. c. o juiz dos órfãos António
Mendes de Abreu, de S. Romão, de quem teve
— (VU). António Mendes de Abreu M,jscarenlh7s, tanibím juiz dos órfãos da
mesma vila e de outras, que casou em Valezim com D. Teresa Rosa
Freire de Figueiredo, filha do Dr. João Nunes de Figueiredo e
I.ima, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, corregedor de Porta-
legre, e de L). Maria Freire da Cunha Castelo-Branco. Tiveram :
— a (Vlll). D. Maria Rila Bárbara Freire Mascarenhas, que fa-
leceu solteira;
— * |\'lll|. Manuel Freire Mascarenhas Caslelo-Branco, que
casou na Lageosa de Celorico com 1). Maria Clara
.Mendes Escobar, filha do Sargento-mór António
-Mendes e de D. Ana Escohar, e teve, àlêm de ou-
tros que morreram crianças, quatro filhos e duas
filhas, uma das quais
— (IX). U. Ana Cândida Freire Mascarenhas Cas-
teloBranco, casou em Valezim com Joa
quim .'Vntónio Calheiros, de quem teve:
— (X). António Mascarenhas Calheiros,
bacharel formado em Leis c. c D. Henri-
queta de Oliveira Sá Prego;— |X). P.' José
Freire Calheiros; — (X). Augusto Freire
Mascarenhas de Calheiros; — (X). Albino
Freire Mascarenhas ; — e (X). Alexandre
Augusto Freire de Calheiros c. c. D. Ma-
ria Vilhena do Quental e Câmara, da ilha
de S. Miguel (Açores).
3 (VI). P.^ Manuel Garcia Mascarenhas, b. i nov. i6ó3, ordenou-se em
lóyS-iõSi), e foi beneficiado.
4 (VI). Fr. Nuno Mascarenhas, cistercien-Je, professou em S. João de
Tarouca em 1694. Ocupou , os cargos mais elevados e hon-
rados da sua Ordem, chegando a ser eleito em 1729 Dom
Abade do R. Mosteiro de Ceiça, em t732 Prior do R. Mos-
teiro de Alcobaça, e em 1735 Dom Abade geral e Esmoler-
-mór do reino. Foi em 1744 nomeado definidor da sua Ordem
por molu próprio do papa Benio XIV, cargo que pouco tempo
poude desempenhar, por falecer a 2 de junho do mesmo
ano '.
' Encontram se noticias minuciosas de Fr. Nuno Mascarenhas no códice
102 'Brás Garcia ^Mascarenhas
b (VI). Soror F., religiosa de Semide.
VI a) — Marcos Garcia Mascarenhas, cavaleiro professo da ordem
de Cristo, moço-fidalgo com exercício, c. c. D. Maria de
Elvas de Abreu, de Penamacor, filha de Belchior Ferreira
da Costa, moço da câmara de D. João IV por alvará de
14 fev. 1647, e de D. Felipa de Abreu; neta paterna 'de
António Simões, cavaleiro-fidalgo por alvará de. 3o mar.
iõi5. Tiveram:
1 (VII). Dr. João de Elvas Mascarenhas, que segue
2 (VII). P.e Marcos António Garcia Mascarenhas, que se ordenou em
1732-1737.
3 (VII). P.e Luís de Abranches.
4 (VII). D. Maria Mascarenhas.
5 (VII). D. Felipa de Elvas Mascarenhas.
6 (VII). D. Micaela de Elvas Mascarenhas.
7 (VII). D. Bernarda de Elvas Mascarenhas.
S (VII). D. Rosa Perpétua Mascarenhas.
VII a) — Dr. João de Elvas Mascarenhas, moço-fidalgo, c. em primei-
ras núpcias em Travanca de Lagos, com D. Ana de . .
(tia de D. Bernarda Umbelina, de Midões, mãe de Sebas-
tião de Albuquerque, do Krvedal), que faleceu sem gera-,
ção, deixando ao marido a sua casa de Travanca ; casou
em segundas niipcias em Vila-Pouca com D. Josefa Maria
de Figueiredo, de quem teve :
1 (VIII). Luís de Elvas Mascarenhas, que segue.
2 (VIII). João de Elvas Mascarenhas.
3 (VIII). José António de Elvas Mascarenhas., c. em Vila-Cova com
D. Maria da Conceição, de quem teve três filhos : — (IX).
João, José e D. Ludovina.
4 (VIII). D. Rita de Elvas Mascarenhas c. c. Rafael José de Abran-
ches, filho de João de Abranches da Gosta, e de D. Ana
de Brito da Fonseca.
VIII tj') — Luís de Elvas Mascarenhas c. em Sandomil c. D. Ana Joa-
manuscrito intitulado — Catalogo dos Dons .ibbades Triennaes do Real Mosteiro de
Ceiça. ■ . por Fr. Manoel de FiGUEiREfjo Chronisia Mor dos Cisiercienses de Por-
tugal. Anno de iy63—a fl. 232. (Bibl. Nacional de Lisboa, Fundo geral, cód. 1485). A
amabilidade do muito zeloso e obsequiador funcionário daquela Biblioteca, sr. No- •
gueira de Brito, devo a comunicação de uma cópia do parágrafo relativo a Fr. Nuno.
Trotai — Família paterna do poeta (jo3)
quina Mendes de Abreu, filha de Domingos Mendes de
Abreu, de S. Romão, e de D. Maria Alves da Fonseca,
de Sandomil. Tiveram:
1 (IX). João de Elvas Mascarenhas, que segue.
2 (IX). D. Maria Rosália de F.lvas Mascarenhas, c. c. Francisco An-
tónio Jácome cie Gouveia Freire e Vasconcelos, filho de
Francisco Jácome, de Paranhos, e de D. Antónia Caetana,
de S. Romão, senhor dos vínculos da antiga casa de Para-
nhos de Cima. Tiveram :
1 iXj. i). .l/;i/-.\i /l«iíi/;'j -j- solteira;
2 (\\. D. Ana Casimira Freire f soUeira em 18)5 ;
3 (X). 0. Francisca de Vasconcelos Jácome ;
) IX). D. Antónia Luduvina Freire e Vasconcelos;
5 (Xí. Francisco Jácome Freire de Gouveia e Vasconcelos, que seguiu a
Mitgistratuia judicial, sendo juiz de fora em ÀldiaGalega, mas
abandonou a vida pública em 1834. Casou com sua parenta
D. Ana Carolina de Abreu Magalhães e Figueiredo, filha do de-
sembargador do I*aço João de Figueiredo de iVloura, Fid. da C.
K , e de D. .loaquina de Magalhães e Abreu, de quem se falará
adeanlc (inTra, VH a"." 2, 2), e teve:
— a (XI). D. Maria Carolina Jácome Freire de Gouveia e Vas-
concelos, n. em Lisboa a 25 jan. i83o, c. c. .loão de
Albuquerque do Amaral Cardoso, filho segundo de
António José de Albuquerque, de Viseu (X a"" 3), e
teve : — (XII). Afonso de Albuquerque do Amaral Car-
doso, c. c. D. .Maria Inácia de Utcslre de Auvergne
Soares de Albergaria, filha de .Miguel Aquiles Soares
de .\lbergaria, senhor da casa de Vila-do-.Mato (.Mi-
dóes), com três filhas ; — (XII). P.' João de .Albu-
querque do Amaral Cardoso, da Companhia de .lesus,
falecido; — (XII). /). Maria Emilia de .Albuquerque do
.Imaral Cardoso, solteira; — (XII). />. Maria de la
.Salteie de Albuquerque do Amaral Cardoso, solteira ;
— (XII). b. .Maria das Dores de .Albuquerque do .ima-
ral 6'arJoso, falecida; — (XII)' D. ..., falecida; —
(XII). /). Maria da Conceição de .Albuquerque do
.hnaral Cardoso, c. c. Nicolau Nunes Ferreira, com
quatro filhos ; — (XII). D. Maria Ana de .Albuquerque
do .Amaral Cardoso, c. c. António Carneiro de Sousa
Lara, com quatro filhos ;
— b (.\I|. D. .Maria .Augusta Jácome Freire de Gouveia e Vascon
celos, n. em Lisboa a 27 fev. i836.
IX a'j — João de Elvas Mascarenhas c. na Lageosa (Oliveira do Hos-
pital) c. D. Mana Rita Pinto de Figueiredo e Castro, de
quem houve :
/
i (X). D. Maria Amália, freira no convento do Desagravo em Vila-
-Pouca-da-Beira;
2 (X). A). Maria Pulquéria, idem.
3 (X). Z,i/t.ç de Elvas .Mascarenhas, que sutiue.
(104) 'Brás Garcia <£Mascar enfias
4 (X). Francisco Maria de Elvas Mascarenhas, militar.
5 (X). José Maria de Elvas Mascarenhas, idem.
D (X). P.^ João de Elvas Mascarenhas.
7 (X). D. Ana Emília de Elvas Mascarenhas.
8 (X). D. Rosa de Elvas Mascarenhas.
9 (X). D. Inês de Elvas Mascarenhas.
X a) — Luís de Elvas Mascarenhas foi oficial de voluntários de Ar-
ganil, e c. c. D. Maria Emília Xavier de Pina, filha de
Kstanislau Xavier de Pina, de Várzea de Meruge, que
veiu a ser assassinado a 8 jan. i85o, junto de Lourosa,
pela quadrilha dos Brandões.
Ramo secundário 'i")
V a"} — Manuel Garcia Mascarenhas, filho de António Garcia (IV a 7),
c. c. D. Maria da Mota Godinho, de Midões, filha de Je-
rónimo Godinho da Costa, de Midões, e de Ana Pais da
Veiga, de Gavinhos, freguesia de Oliveira do Hospital.
Teve:
1 (VI). D. Amónia Godinho Mascarenhas, que segue (VI a'\).
2 (VI). D. Maria da Mota Godinho Mascarenhas, que segue (VI a'\J.
Ramo terciário a'\)
VI a'\) — D. Antónia Godinho Mascarenhas c. em Seia c. o L.-^" Ma-
nuel de Magalhães Basto de Castelo-Branco, cavaleiro da
Ordem de Cristo, corregedor de Santarém, bisneto por
sua avó materna de Atanásio Ribeiro de Abreu, gover-
nador de Cascais, fid. da C. R. por alvará de i583, ano
em que também lhe foi concedida carta de brasão de ar-
mas dos apelidos de Abreus e Regos (cf. infra V a'").
Teve entre vários filhos, que desempenharam elevados
cargos :
1 (Vil). Inácio de Magalhães Castelo-Branco, que segue (VII íj", *).
2 (VII). D. Josefa de Magalhães Castelo-Branco, que segue (VII
Ramo quaternário '^ "i*)
VII a"\*) — Inácio de Magalhães Castelo Branco, cavaleiro da Ordem
C\pta I — Família paterna do poeta (i o5)
de Cristo, familiar do S.'" Ofício, viveu em Seia cer-
cado de grande fausto e aparato, e c. c. D. Josefa
Caetana da Mota Veiga, de Farinhão, filiia de José
Cardoso Coelho e de D. Maria da Mota Veiga. Ti-
veram, entre outros filhos,
VIII a'\ *) — Manuel Carlos de Magalhães Castelo-Branco e Vasconcelos,
cavaleiro da Ordem de Cristo, c. c. sua prima D. Isa-
bel Antónia Pinto de Sequeira Cabral, filha de Manuel
Pinto Monteiro, de Folhadosa, de quem adeante fala-
remos (VI a'\ 3), e de sua 2.* mulher. Teve
IX a'\ *) — Inácio de Magalhães Pinto de Sousa Ferrão Castelo-Branco
(■i-4 abr. 1801), c. c. sua prima D. Clara Maria Pinto
Boto Machado ( t 27 mar. 1801), filha de Jorge Boto
Machado, de S. Romão, e de D. Maria Mendes Pinto
de Gouveia, de Vila-Cova-à-Coelheira (VIIí,t"\^ i), e
teve
Xa'\*) — D. Maria Máxima Pinto Boto de Castelo-Branco, n. i3
uut. 1772, c. 22 abr. 1792 c. Francisco de Paula Vieira
da Silva Tovar, n. 8 fev. 1774, i." Barão de Molelos
por decr. 17 dez. 181 5, i.° Visconde do mesmo título
por decr. 6 fev. 1826, môço-fid. com exercício por al-
vará 14 fev. 1779, do Cons. de El Rei D. João VI,
comendador das Ordens de S. Tiago e da Torre e
Espada, brigadeiro dos reais exércitos em 1826, con-
decorado com a cruz da Campanha n." 3 da guerra
peninsular, deputado às cortes em 182 1 e 1822, aju-
dante-general do exército de observação na guerra
contra os franceses, secretário militar do Infante co-
mandante-em-chefe do exército em 1823, governador
das armas da Beira, tenente-general, bacharel formado
em matemática e filosofia, -J- 7 dez. i852, tendo sua
esposa falecido a 24 out. 1834. Tiveram
XIíi'\*) — D. Maria Carlota Vieira de Tovar Pinto de Magalhães, n.
8 março 1800 {•{• em 1872), c. 8 ag. 1824 c. seu tio
paterno António Vieira de Tovar e Albuquerque, n.
i5 maio 178(5 ( •;- 14 jun, i838), môço-fid. com exerci-
(io6) Uras Garcia éMascarenhas
ciô, comendador da Ordem de S. Tiago, desembar-
gador da Casa da Suplicação, fiscal das matas, etc.
Tiveram :
1 (XII). Francisco de Paula de Tovar de Magalhães e Albuquer-
que, n. ir) mar. 1826, f maio 1847.
2 (XII). José Mari.7, n. 2 jan. 1827, f em t8?i.
3 (XII). AiUónio Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque,
que segue.
XII a'\ *) — António Vieira de Tovar de Magalhães e Albuquerque, n.
póstumo a 19 ag. i838, 7 a 5 mar. 1020, bacharel
formado em Direito, c. 7 set. i8õi c. D. Maria dos
Prazeres de Magalhães Perfeito, n. 14 abr. 1887, filha
de José de Magalhães de Meneses Vilas-Bôas Sampaio
de Barbosa (môço-fid., alferes de cavalaria em 1827,
coronel do regimento de milícias de Barcelos em i83i,
comendador da Ordem de Cristo, cavaleiro da Torre
e Espada, senhor da Casa de Vilas-Bôas em Barcelos;
e da casa de Alvelos em Amarante, deputado ás Cortes
em 1857, -|- em 24 out. 1870), e de sua molher D. Ana
Adelaide Perfeito de Aragão Sousedo, senhora da casa
da Corredora e da de Mesão-Frio. Teve uma única
filha,
— (XIII). D. Maria dos Prazeres, n. 25 nov. i865, f 24 fev. 1869.
Ramo quaternário a " **)
VII a'\ **) — D. Josefa de Magalhães Castelo-Branco, filha de D. An-
tónia Godinho de Mascarenhas e de seu marido o
L.'^° Manuel de Magalhães Basto de Castelo Branco
(supra, VI a",), c. c. o capitão Roque de Abreu, des-
cendente legítimo dos Abreus de Vila-Pouca (cf. infra
VI è'\ ** I, e Not. geneal. Ill, IV 2, e VI c), filho de
Luís de Abreu e de sua mulher D. Maria do Amaral,
a qual descendia de um ramo da família Garcia Mas-
carenhas, como a seu tempo diremos (infra VI b''\ ** i),
que tinha fixado residência em Sandomil, onde pos.suia
uma importante casa. Teve:
i (VIU). Luís de Abreu Magalhães, que segue.
T^ota I — Família paterna do poeta (loy)
2 (VIU). D. Teodora de Abreu Magalhães, que casou cm Sando-
mil com João Félix, e teve :
1 (IX). D. Maria de Magalhães Abreu, casada contra vontade da fa-
mília em Saiidomil com Félix Nunes Macliado. de quem
houve três filhas : — a Oí). D. Maria Amália de Magalhães,
c. c. Joaquim Pereira Maciel, de Faro, com ger., — i (X).
D. Rita Valentina de Abreu Magalhães, c. c. António de
Sousa Sobral, de Sandomil. sem g.-r., — c (X|. D.Joaquina
de Abreu Magalhães c. c. Manuel Nunes Machado, de San-
domil, com ger., — as quais todas casaram, como sua mãe,
com desgosto e reprovação da família.
2 (IX). 1). Joaquina de Magalhães e Abreu c. c. .loão de Figueiredo
de Moura, de Sandomil, (id. da i;. K., cavaleiro da Ordem
de Cristo, disemhargador da Relação do Rio de Janeiro, e
ali provedor da ('asa da moeda, falecido em Lisboa em i834.
Tiveram :
— o (X). Manuel Luciano de Magalhães de Abreu e Figuei-
redo, n. no Rio de Janeiro a 22 jan. i8oo, seguiu a
magistratura judicial, sendo já desembargador efe-
ctivo da Casa da Suplicação aos 24 anos de idade;
foi môço-íid. com exercício, cavaleiro da Ordem
de Oisto, e desempenhou várias comissões impor-
tantes com grande rectidão e desinteresse ; exilado
em i834, só voltou à pátria em i85o, falecendo
pouco depois, a i3 dez. do mesmo ano ;
— b (X). b. .ina Carolina de Abreu Magalhães e Figueiredo,
n. também no Rio de Janeiro, sucedeu na casa de
Sandomil a seu pai e a seu irmão ; casou com seu
parente Francisco Jácome Freire de Gouveia e
Vasconcelos, juís de fora de .Mdeia-Galega, senhor
da casa e morgado de Paranhos de Cima, no termo
de Seia, de quem já nos ocupámos e cuja descen-
dência apontámos (supra VIII a' 2, 5).
VIII a\ **) — Luís de Abreu Magalhães c. c. sua prima D. Antónia de
Barros, tilha de Mateus Garcia Lobo e de D. Fran-
cisca de Barros e Oliveira (infra VIII b'\^ 2), e teve,
àlêm de outros filhos:
1 (IX). José Cíilisto de Abreu Magalhães, c. c, . . , ?
2 (IX). D. Maria Rita de Magalhães e Barros, que casou em
S, Gião.
3 (IX). Roque de Abreu Magalhães, que segue.
IX a'\ **) — Roque de Abreu Magalhães teve de Ana Mendes, mulher
solteira, uma filha natural, reconhecida e legitimada
por provisão régia, de nome
X a'\ **) — D. Perpétua Margarida de Abreu Magalhães, que sucedeu
na casa de seu pai, e c. c. Francisco de Paula P^iguei-
(jo8J 'Brás Garcia oMascarenhas
redo, major de milícias de Arganil, filho do bacharel
Domingos José de Figueiredo, e de sua mulher D. Rita
Maria da Silva. Teve :
1 (XI). Luís de Abreu Magalhães Figueiredo, bacharel formado
em Cânones.
2 (XI). José de Abreu Magalhães Figueiredo, b. 25 nov. iSi i, ba-
charel em Teologia.
3 (XI). Francisco de Paula Magalhães Figueiredo, que segue.
4 (XI). António de Barros Magalhães Figueiredo, professor régio
em S. Gião.
5 (XI). D. Maria da Natividade Magalhães Barros de Figueiredo.
6 (XI). D. Ana Alexandrina de Magalhães Figueiredo.
7 (XI). D Ângela Adelaide de Magalhães Figueiredo.
8 (XI). D. Rita Cândida de Magalhães Figueiredo c. c. Luís An-
tónio Monteiro, senhor da casa da Póvoa-das-Quartas
(Lagos-da-Beira), onde residia, a qual deixou a seu sobri-
nho por afinidade Luís de Abreu Magalhães Figueiredo
de Moura Portugal (infra XI a", -*4).
9 (XI). D. Felícia de Magalhães Figueiredo.
XI a'\ **) — Francisco de Paula Magalhães Figueiredo, h. 26 nov. 18 17,
bacharel formado em Direito, deputado a Cortes, c. c.
D. Maria Bárbara de Moura Portugal, filha de Joaquim
Homem de Moura Portugal, de Rio-Tôrto, concelho
de Gouveia. Tiveram:
1 (Xlf). Francisco de Paula de Figueiredo Moura Portugal c. c.
D. Sofia da Glória Brito Madeira Portugal, e tiveram:
I (Xlll). Francisco de Paula Figueiredo dn Portugal e Brito;
i (Xin).D. Inácia de Barros Magalhães Portugal e Brito, c. , com
descendência ;
3 iXIIIi. D. Elvira de Barros Magalhães Portugal, com descenJíncia;
1 (Xlll|. D. Maria Vitória de Barros Magalhães Portugal ;
5 (X1II|. D. Alice de Barros Magalhães Portugal.
2 (XII). D. Maria Adelaide de Moura Portugal c. c. Artur Soares
de Brito, e tiveram :
1 (XIII). Humberto Soares Je Brito Portugal ;
2 (XIII). D. Maria Olímpia Soares Je Brito Portugal, c, com descen-
dência ;
? (XIIÍ). Raul Soares de Brito Portugal, c. com descendência;
^ iXIlI). Alfredo Soares de Brito Portugal, c ;
^ (Xlll). Ariur Soares de Brito Portugal, c;
b (Xlll). D. Lúcia Soares de Brito Portugal, c. c. o Dr. Germano An-
tunes do Amaral, advogado, notário em Tábua, com descen-
dência.
^ota I — Família paterna do poeta (^09)
3 (XII). Z). Ana da Natividade de Moura Portugal f solteira.
4 (XII). Luís de Abreu Magalhães Figueiredo de Moura Portugal
c. c. D. Maria do Ceu da Costa Morais, e tiveram :
1. (XIII). D. Miiria da Nalivijjde Morais Purtugal, c. com descend. ;
2. (.\11I). João de Morais Purtugal, capitão de artilham, + solt. ;
3. (XIII). D. Maria Margarida de Morais Portugal, c. c. Ur. José Cra
veiro Lopes, com desc. ;
4. (XIII). O. Maria Bárbara de Morais Portugal, c. c. Dr. Elmano da
Cunha e Costa, com desc. ;
5. (XIII). I.uis de Morais Portugal, alferes de artilharia, c. ;
6. (XIII). José de Morais Portugal, alferes de artilharia, f solt.;
7. (XIII), /). Maria José de Morais Portugal, c. com desc. ;
8. IXIII). António de Morais Portugal.
5 (XII). António de Barros de Moura Portugal f solteiro.
Ramo terciário ii'\.)
^í ''"u) — D. Maria da Mota Godinho Mascarenhas, filha de Manuel
Garcia Mascarenhas e de D. Maria da Mola Godinho (supra
V a"), casou em S. Romáo com o desembargador du
Porto e juiz da coroa Manuel Pinto Monteiro, cavaleiro
professo da Ordem de Cristo, auditor geral da gente de
guerra do Alemtejo, familiar do S.'° Ofício, filho dé
Manuel Duarte Pinto, capitão da vila de S. Romáo, e
de D. Maria da Mota. Por falecimento de sua mulher,
Manuel Pinto Monteiro veiu a contrair 2.** niipcias com
D, Maria Luísa Saraiva, viúva do familiar do S.'° Ofício
António de Almeida Beltrão. D. Maria da Mota Godinho
Mascarenhas deixou a seguinte prole :
I (VII). D. Inácia Maria Pinto, c. c, João de Almeida de Melo e Vas-
concelos, senhor da quinta de S.to Estêvão, junto de Viseu,
filho de António Peçanlia de Vasconcelos (filho 2.° da casa
dos Almeidas), e de sua mulher D. Maria Soares de Melo,
senhora da referida quinta de S.to Estêvão, e da casa da
Torre, na rua da Cadeia, em Viseu, que fora de seu avô
materno Diogo Soares de Melo, môço-fidalgo da C. R.,
filho de Gomes de Abreu, clérigo iji minoribus, cónego
da Sé daquela cidade, primo co-irmão da duquesa de
Bragança D. Joana de Mendonça, 2.' mulher do duque
D. Jaime, e descendente por varonia dos Abreus, senho-
res de Regalados. Teve, entre outroF filhos,
— (VIII). José de Almeida e Vasconcelos, c. c. D. Francisca de Abreu
Castelo-Branco, filha bastarda legitimada dí Francisco de
.•\breu Castclo-Branco de Figueiredo, e teve: (IX) D. F. . .,
(iro) 'Brás Garcia {Mascarenhas
de Almeida e Vasconcelos, herdeira da grande casa de seus
pais, c. c. Luís Augusto de Nápoles, senlior das casas dos
Lemos e Nápoles, de Viseu, Penacova * lourais. Falecendo
sem geração esta última senhora de S.io Estêvão, sucederam-
llie na casa os Caiados de Trevóes (Pesqueira), por Domingos
Caiado (IV a 5,3 a) ser casado com uma irmã (ou tia?) da-
quela última possuidora.
2 (VII). D. Antónia Pinto da Mota, que segue.
3 (Vil). Manuel Pinto Monteiro, cav. da Ordem de Cristo e familiar
do S.'" Ofício, sucedeu na casa de seus pais, e c. c. sua
prima D. Maria Eufemia de Sequeira Cabral, de S. Romão,
de quem faiaremos adeante (VI a"\^ 2) e teve
— (VIU). L>. Isabel Antónia Pinto de Sequeira Cabral, herdeira da casa
de seus pais. c. c. seu primo Manuel Carlos de Magalhães Cas-
telo-Branco e Vasconcelos, de quem já nos ocupámos (Vlil
<i", *) e cuja descendência já descrevemos.
4 (VII). José Pinto Monteiro, cavaleiro de Cristo.
VII a"j - D. Antónia Pinto da Mota, c. c. Luis de Oliva de Sousa
Cabral, de Sameice, seu parente, bisneto por varonia
de João de Oliva de Sousa. Teve
VIII ti\^)— D. Maria Angélica Pinto de Sousa Cabral, c. c. Manuel de
Lemos e Nápoles, lid. da C. R., capitão-mór de Pena-
verde (Aguiar-da-Beira), filho de Diogo de Lemos e
Nápoles, e de D. Mariana Pereira Pimentel, de Freixo
de Numão. Teve :
1 (I.X). António Manuel de Lemos e Nápoles, fid. da C. R. e fami-
liar do S.to Ofício, t sem descendência.
2 (IX). D. Isabel Mauricia de Nápoles, c. c. Luís Sebastião da
Cunha Pereira de Castro, fid. da C. R , capitão-mór de
Proença-a- Velha, cavaleiro de Cristo, filho de João Felipe
Pereira de Castro, fid. da C. R., comendador da Ordem
de Avis, governador de Salvaterra, e de D. Brites da Cunha,
senhora da casa dos Cunhas de Proença-a Velha. Teve :
1 (X). D. F.. .. de Lemos Nápoles e Castro, c. c. seu primo direito Luis
Ferreira de Nupoles (infra 5, 2), senhor da casa do S.irzedo, termo
de Leomil, e teve, eutre outros filhos, — (XI) José de Lemos e Ná-
foles, sucessor naquela casa, que casou com sua prima U. Maria
de Meneses (infra 4, 2).
a iX). João Felipe da Cunha e Castro, fid. da C. R., capitão-mór de
Proença, c. c. D. Ana Joaquina de Meneses, filha de Inácio Pita
Leite e de D. Sebasliana Maria de Meneses, a qual D. Ana era
irmã de h. -Maria Rosa Pita Leite c. c. .losé de Lemos e Nápoles,
tio de João Felipe (infra 4), e tiveram — (XI). Rodrigo Pita de
JS^ota I— Família paterna do poeía fui)
Caslru c Meneses, que em iHií^ era juiz de direito em tlastelo-
-Branco.
3 (IX). D. Florência Jacinta de Lemos e Nápoles, que segue
4 (IX). José de Lemos e Nápoles, fid. da C. R., c. c. D. Maria Rosa
Pita Leite, a quem já nos referimos (supra 2, 2), e teve :
I (X). Diogo Je Lemos e Nápoles Manuel, senhor das casas de Penaverde
e Sameice, tid. da C. R.. bacharel formado em Cânones ;
5 (X). D. Maria de Meneses, c. c. seu primo José de Lemos e Nápoles,
senhor da casa do Snrzedo e da quinta da Bôa- Vista, de quem já
falámos (supra 2. i), c teve geração ;
í (X). Ura outro íilho F. .
5 lIX). D. F... , c. c. José Beinardo Ferreira, senhor de impor-
tante casa, o teve :
I IX). Francisco Ferreira de S'ãroles -j- sem geração na sua casa de
I tarei, concelho de Mangualde ;
J (X). Luís Ferreira de Nápoles, c. c. sua prima direita I). F de Le-
mos Nápoles e Castro, a quem já se fez referência (supra 2, 1).
IX a" ) — D. Florência Jacinta de Lemos e Nápoles, c. c. Manuel Me-
telo Monteiro, senhor da casa e morgado dos Metelos
da Freixeda do Torrão, termo de Castelo Rodrigo.
Teve :
1 (X). António Metelo Pacheco Monteiro de Nápoles, c. c. D. Ma-
riana de..., filha de Gaspar Felipe, de Manteigas (senhor da
casa de Teixoso, Covilhã), e de sua mulher D. Rosa. Ti-
veram:
1 iXl). Manuel Metelo Pacheco f solteiro, sem geração :
2 (XI). Anlonio da Cunha Metelo (que sucedeu, ja velho, a seu irmão), c. c.
D. F Metelo, filha de Manuel Maria Metelo, capitáo-mòr de
Pinhel, descendente de Alexandre Metelo, do Conselho Ultramarino,
embaixador na China. Faleceu este António da Cunha .Metelo
sem geração, deixando a parte da sua fortuna, de que podia dispor,
3 sua mulher, que veiu a casar em 2.^* núpcias com Tomas Metelo
Pacheco, primo de seu primeiro marido (infra 2. a).
2 (X). ,.4ii/cim'o Monteiro Metelo Pacheco de Nápoles, filho 2°, c. c.
D. F , rica proprietária no termo de Pinhel, e teve, entre
outros filhos,
— (XI). Manuel Metelo Pacheco Monteiro de Nápoles, sucessor na casa de
sua mãe, vindo no fim da vida, quaudo já tinha mais de noventa
anos, a herdar a casa de seu primo direito .Vntónio da Cunha Me-
telo (supra I, 2). Casou em i."*' núpcias com D. F.... e em 2.*"
com r>. Vicència Côrle-Real. irmã de sua primeira mulher, e se*
nhora da casa da Freineda, termo de Castelo-Bom. Teve do 1.^ ma*
Irimónio: — a (XIi). Tomás Metelo Pacheco, que casou com a viúva
de seu primo António da Cunha Metelo (supra 1,3;, para tornar a
reunir a grande casa deste, e teve descendência; — * IXII) Jerõ'
(lia) 'Brás Garcia (£Mascarenhas
nimo Meteio, senhor de uma importante casa em a Nave do Sabu-
gal. 1)0 2.° matrimónio teve : — c (XH|. D. Maria Augusta Melelo.
i (X). D. Maria Benedita Melelo, que segue.
X a" ,^) — D. Maria Benedita Metelo, c. c. António Pacheco Loureiro
de Vasconcelos, senhor da casa dos Pachecos de Celo-
rico da Beira e monteiro-mór do respectivo castelo,
cuja chave esteve em seu poder até i834, em que a ve-
reação municipal foi solenemente recebê-la. Teve :
1 (XI). António Pacheco, que foi capitão de voluntários realistas na
Guarda, herdeiro da casa de seus pais, e administrador dos
. vínculos. Faleceu solteiro.
2 (XI). Luís Metelo.
3 (XI). Manuel Metelo.
4 (XI). D. Maria Miquelina Metelo Pacheco de Lemos e Nápoles,
que segue.
5 (XI) D. Maria da Conceição Pacheco.
XI íj" ^)— D. Maria Miquelina Metelo Pacheco de Lemos e Nápoles, de
Celorico, c. c. Francisco Cabral da Fonseca Cerveira
da Cunha Osório, de Açores (Guarda), senhor da casa
dos Cabrais de Açores. Teve :
I (XII). Francisco Cabral Melelo Pacheco de Lemos e Nápoles
Manuel, que segue.
1 (XII). António Pacheco Metelo de Nápoles Manuel, bacharel for-
mado em Direito, deputado às cortes em diversas legis-
laturas.
3 (XII). Luís Metelo Pacheco de Lemos e Nápoles Manuel.
4 (XII). José Melelo Pacheco de Lemos e Nápoles Manuel.
5 (XII). D. Alaria Francisca Metelo Pacheco de Lemos e Nápoles.
6 (XII). D. Emília Metelo Pacheco da Cunha Coutinho, c. c. Dr. An-
tónio Augusto da Cunha Coutinho, juiz de Direito apo-
sentado como auditor militar em Viseu.
XII a'\^) — Francisco Cabral Metelo Pacheco de Lemos e Nápoles Ma-
nuel, c. c. D. Maria Amália Freire Cortês de Albu-
querque (XII a""J, e teve:
I (XIII). D. Maria Riia Freire Cabral Metelo de Sacadura, c. c. o
Dr. Júlio César de Sande Sacadura Bote, lente da Facul-
dade de Medicina. Tiveram :
I (XIV). Francisco Cabral Je Sacadura, bacharel formado em Oireit»,
c. c. IJ. Maria de Sousa Sacadura Bote, e tcem:
— a (XV). D. Maria Liberala ;
OHiota I — Família paterna do poeta (n^)
— h (X\';. D. Maria Uiisa ;
— c- (X\'). D. Maria de Lourdes;
2 (XUj. D. Maria Cabral de Sacadura (f na Suiça) c. c. o Doutor An-
tónio Faria Carneiro Pacheco, lenfe da Faeuldade de Direito,
sem fíor.
2 (XIH). Antfmio Freire Cortês Cabral Metelo Pacheco de Albu-
querque, c. c. D. Maria da Conceição iVladeira de Abreu,
da Quinta-da-Costa (AW. gen. Ill, XI a" i). Tiveram :
1 (Xl\'). António Freire Cortês Cabral Madeira, c. c. D. Sara Madeira,
com ger. ;
2 |Xf\'). João Caril s Freire Cortês Cabral Madeira, c. c. D. Cesaltina
Planas Dória, com ger.;
3 (Xn-). D. Maria de Lourdes Madeira de Abreu, c. c. Arnaldo Portas,
contador na comarca da Guardo.
3 (XIII). Frandsco Cabral Metelo.n iS abr. iS58, bacharel formado
em Direito, grã-cruz de Isabel a Católica, antigo depu-
tado da Nação, governador civil de Lisboa, secretário
geral da Câmara dos Faies, c. c. D. Maria Emília de Vas-
concelos Pereira Coutinho de Macedo, filha do par do
Reino, juiz da Relação de Lisboa, Dr. António de Vas-
concelos de Faria Pereira Coutinho, herdeira do vínculo
de Oliveira-do-Ho^pital, fundado no século xvii por Jorge
de Faria Garcês. Tiveram:
1 (XI\-; D Mari., l.uisa Cabral Metelo Pinto Barreiros, c. c. o enge-
ntieiro civil Domingos Pinto Barreiros, sem ger. até hoje ; "
2 (\IV). Franci,.:, Mam.el Cbral Metelo de Vasconcelos, solteiro.
4 (XIII). n. Maria Miquelina Freire Cabral Metelo Pacheco, f
solteira.
5 (XIII). o. Mana da Conceição Freire Cabral Metelo do Amaral,
c. c. António do Amaral Cabral Saraiva, senhor da casa
de Val-de-Azares. Tiveram:
1 {\IV). D. Maria Amália do Amaral Cabral, c. c. Joáo de Passos de
Sousa Manuel Canavarro, bacharel formado em Direito, e
lêem :
— a (X\-;. A„lri„io Canararro do Amaral Cabral,
— * |X\ ). D. Maria da Conceição Canavano do Amaral
Cabral,
— c (XV), João Canavarro do Amaral Cabral,
— d (XV). D. Maria Amália Canavarro do Amaral Cabral,
— e (X\j. D. Maria Luísa Canavarro do Amaral Cabral,
— /(XV). D. Marta Isabel Canavarro do Amaral Cabral,
~S 1X\ ). O, Maria do Carmo Canavarro do Amaral Ca-
bral;
a (XI\'). D. Maria Adelaide do Amaral Cabral Campos Melo, c. c. AI-
berto de Campos Melo, bacharel formado em Direito, e
tecm :
— a (XV). António do Amaral Campos Melo,
— b (XV). D. Mjria da Lu:; Campos Melo;
(114) 'Brás Garcia cMascarenhas
3 (XIV). D. Maria Emilia do Amaral Cabral, solteira ;
4 (XIV). D. Maria das Dores do Amaral Cabral, solteira ;
5 (XIV). D. Isabel Maria do Amaral Cabral Parreira, c, c. seu primo
António Parreira Luzeiro de La-Cerda (infra 6 [XIIIj i), com
geração ;
6 (XIV). D. Maria Constança do Amaral Cabral de Almada e Melo, c.
c. José de Almada e Melo, bacharel formado em Direito, sem
geração;
7 (XIV). José Cabral Metelo do Amaral, c. c. D. Maria Augusta Pais de
Faria Amaral, e teem :
— a (XV). António Cabral Metelo do Amaral,
— * (XV). D. Maria de Lourdes Pais Cabral do Amaral ;
— c (X^'), D. Alaria Fernanda Pais Cabral do Amaral ;
8 (XIV). António do Amaral Cabral, f solteiro ;
9 |XI\'l. Luís do Amaral Cabral, f solteiro ;
10 (Xl\'). D. Maria Teresa do Amaral Cabral Fesas Vital, eco Dr. Do-
mingos Fesas \'ital, lente da Faculdade de Direito da Univer-
sidade de Coimbra, e teem:
— a (XV). João do Amaral Cabral Fesas Vital ;
— b {XV). D. Maria da Conceição do Amara! Cabral Fesas
Vital.
6 (XIII). D. Maria Teresa Freire Cabral Metelo Parreira, c. c.
António Parreira de Aboim La-Cerda, bacharel for-
mado, de Santiago de Cacem. Tiveram :
1 (XIV). ,4níon/o Parreira Luzeiro de La Cerda, bacharel-formado em
Medicina e Filosofia, c. c. sua prima D. Isabel Maria do Ama-
ral Cabral Parreira (supra 5 [XIII] 5) e teem :
— a (XV). António Parreira do Amaral,
— b (XX'). D. Maria Teresa Parreira do Amaral Cabral ;
2 (XrV). D. Maria Amália, f criança;
3 (XIV). D. Maria das Dores Parreira Cabral Luzeiro de La-Cerda, c.
c. Amónio Lobo de Portugal e Vasconcelos;
4 (XI\'). D. Maria da Conceição Parreira Cabral do Amaral, c. c. Ni-
colau de Mendonça Falcão do Amaral, bacharel formado em
Direito, com geração ;
5 (XIV). Carlos José Parreira, solteiro;
6 (XI\'). D. Maria Emilia Parreira Cabral do Amaral, solteira.
7 (XIII). Baltasar Freire Cabral, c. c. D. Maria Luísa de Almeida
e Vasconcelos, filha dos Condes de Mossâmedes e neta
dos Condes da Lapa. Teem :
1 (XIV). Francisco de Vasconcelos Freire Cabral ;
2 (XrV). José de Vasconcelos Freire Cabral.
8 (XIII). D. Maria Francisca Freire Cabral Metelo Lobo de Vas-
concelos, c. c. o engenheiro civil Francisco Lobo de Vas-
concelos, da Quinta-da-Ponte (Guarda). Teem:
1 (Xl\). D. Maria .imália Cabral Lobo de Vasconcelos ;
2 (XIV). José Cabral Lobo de Vasconcelos ;
3 (XIV). Francisco Cabral Lobo de Vasconcelos.
9 (XIII). D. Maria Isabel Freire Cabral Metelo, f solteira.
U^ota I — Família paterna do poeta (^^^)
Ramo secundário a'")
V a'") — Francisco Garcia Mascarenhas, filho de António Garcia (IV a)
e de Ana Marques, de Folhadosa, foi cavaleiro professo
da Ordem de Cristo, e c. em Seia a i8 out. 1678 c.
D. Maria Coelho de Sousa, filha de João Cabral de Abreu,
de Seia, fid. da C. R., e de D. Antónia Coelho de Sousa,
de S. Romão; neta paterna de António Ribeiro de Abreu,
moço da Câmara, e de D. Maria Cabral, de Seia, e bis-
neta de Atanásio Ribeiro de Abreu, fid. da C. R-, go-
vernador de Cascais, tronco de muitas famílias ilustres
da Beira (cf. supra VI a'\). Este Francisco Garcia Masca-
renhas instituiu o vínculo da casa de Folhadosa, de que
foi último administrador António Vieira de Tovar de Ma-
galhães e Albuquerque (Molelos), G." neto do instituidor,
e há pouco falecido (5 mar. 1920). Tiveram:
1 (VI). D. Maria Garcia Coelho, b. 16 jun. 1680, que segue (VI a'",).
2 (VI). Manuel Cabral Mascarenhas, b. 21 jun. 1682, que segue (VI
3 (VI). /). Maria Dorotêa Coelho, b. 3 set. i(J83, que foi freira.
Ramo terciário à"\)
VI a"\) — D. Maria Garcia Coelho, casou com oposição e grande des-
gosto da família, a 22 mai. 1702, com o seu parente An-
tónio Marques, mercador de panos e chapéus, de Folha-
dosa. Teve :
1 (VII). Maria, b. 2 fev. 1703, -J- pouco depois.
2 (VII). Isabel, b. 4 out. 1704, -J- creança.
3 (Vil), Manuel Garcia Marques, b. 1 1 out. 1706, que segue.
4 (VII). D. Maria Garcia Marques, b. 21 mar. 1709.
5 (VII). António Garcia Marques, b. i3 jul. 1713.
VII a"\) — Manuel Garcia Marques, c. a 8 nov. 1731 c. D. Maria Ri-
beiro (^ 20 out. 17G3), filha de José Rodrigues Seco,
proprietário e mercador de panos, de Paços, e de D. Ma-
ria Ribeiro, da família dos Ribeiros de S.'" Eulália. De
uma irmã daquela D. Maria Ribeiro, chamada D. Inês
Ribeiro, também casada em Paços, era bisneto o R."*" Ma-
nuel Joaquim Pereira Ribeiro da Rocha, cónego capitu-
(ii6) 'Brás Garcia oMascarenhas
lar da Sé de Coimbra; e era 3." neto o sobrinho deste,
Monsenhor António Ribeiro dos Santos Viegas, prior
dos Mártires em Lisboa, e depois abade de S. Tiago-de-
-Anta, proto-notário apostólico ad-instar e prelado do-
méstico de S. Santidade, deputado em várias legislatu-
ras, presidente da Câmara dos deputados, e por tim par
do Reino. Manuel Garcia Marques teve :
1 (VIII). Fr. Manuel Garcia Ribeiro, n. 26 set. 1734, freire pro-
fesso (la Ordem de Malta, vigário de Oliveira-do-Hospi-
tal, respeitabilíssimo e muito venerado por suas virtudes,
prudência e saber. Foi uma e outra vez instado pelo
bispo-conde D. Miguel da Anunciação para que entrasse
para o Seminário de Coimbra (que aquele benemérito
prelado acabara de fundar), como professor de Teolo-
gia moral ; mas recusou-se, resistindo quanto poude, a
essas grandes instâncias e às vantagens que o prelado
lhe oferecia. A interessante correspondência autografa
que então se trocou entre o bispo conde e o padre Ma-
nuel Garcia existe em poder do Dr. António de Vascon-
celos, sobrinho bisneto deste. Chegou a ser por algum
tempo professor do Seminário, mas não descansou en-
quanto não obteve dispensa deste múnus, para se consa-
grar inteiramente ao ministério paroquial. Faleceu na
sua vigararia a 7 mai. i8i3.
2 (VIII). Francisco José, b. 3o dez. 1736, j creança.
3 (VIII). D. Bernardina Garcia Ribeiro, b. 3i mar. 1739, -j- solteira.
4 (VIII). D. Maria do Nascimento Garcia, b. 1 jan. 1742, -f de idade
de 19 anos.
5 (VIII). D. Josefa Garcia Ribeiro, n. 27 abr., b. 10 mai. 1744, c,
com descendência.
6 (VIII). D. Quitéria Garcia, n. e b. 25 out. 1740, -j- solteira.
7 (VIII). D. Francisca Bernarda Garcia Ribeiro, que segue.
8 (VIII). Tomás Garcia Ribeiro, n. 5 mar. 1755, f solteiro.
VIII a"\)— D. Francisca Bernarda Garcia Ribeiro, n. 8 jul. 1752, c. a
4 mai. 1778 c. José Fernandes Nunes Martins, de Sazes,
e -j- a 25 nov. 1790. Teve:
1 (IX). P.e Joaquim Bernardo Garcia Ribeiro, b. de oito dias a 24
out. 1779. Foi vigário de Oliveira-do-Hospital em seguida
a seu tio Fr. Manuel Garcia Ribeiro, de quem fora coadju-
tor com futura sucessão, por bula pontifícia.
2 (IX). José Garcia Ribeiro, b. i6 jan. 1782, f creança.
3 (IX). D. Maria Garcia, n. i3, b. 19 out. 1784 em Sazes, sendo
padrinhos o capitão-mór de Oliveira-do-Hospital, Diogo
C^ola I — Família paterna do poeta (i i ~)
José de Faria Macedo e Vasconcelos, e sua mulher D. Maria
Josefa Pinto.
4 (IX). Agostinho Garcia Ribeiro, b de nove dias a 4 set. 1787. c,
e deixou descendência.
5 (IX). João Garcia Ribeiro, b. de nove dias a 29 nov. 1790, que
segue.
IX a"\) — João Garcia Ribeiro, c. a 22 mar. i8o8 c. sua parenta D. Ma-
ria Clara da Conceição Rodrigues Alves, de S. Paio de
Gramaços f-j- .^ set. 1840), e -7 a 17 abr. 1870. Tive-
ram:
1 (X). José de Cupertino Garcia, b. 3 jan. 1809, foi tabelião em Oli-
veira-do-Hospital, •}• solteiro a 1 nov. i865.
2 (X). D. Claiidina Rita da Conceição Garcia, n. no Parceiro, lo-
garejo da serra, pertencente à freguesia de S. Gião, quando
a família andava homiziada por motivo da incursão fran-
cesa ; veiu a ser baptizada em S. Paio-de-Gramaços
doze di;is depois, a 11 março 1811; ■f solteira a i3 out.
1886.
3 (X). Maria Augusta, b. i3 abr. i8t3, f 18 out. 1818.
4 (X). Joaquim José, h. de vinte dias a 16 fev. i8i5, f 23 nov. 1S16.
5 (X). Antónia, n. 14 fev., b 4 mar. 1817, f 3o abr. 1824.
6 (X). D. Maria Luísa Garcia Ribeiro, n. 7, b. 27 abr. 1819, 7 i5
nov. 1837.
7 (X). P.^ Dionísio Garcia Ribeiro, n. 22 ag., b. o out. 1821. Desti-
nando-se ao estado eclesiástico, estudou os preparatórios
cora o P.e Joaquim de Miranda, da Lageosa, e com o
P.e Francisco Gomes Viegas, arcipreste-pároco de Vila-
-Ponca da-Beira. afamados leccionistas, aquele de latim e
este de humanidades. Em outubro de 1840 entrou para
o Seminário de Coimbra, donde frequentou a Universi-
dade, seguindo o curso eclesiástico da faculdade de Teo-
logia, no qual foi condiscípulo de Joaquim Cardoso de
Araújo, José da Encarnação Coelho e António José de
Freitas Honorato, que depois se doutoraram e foram lentes
daquela Faculdade, subindo o último às mais altas digni-
dades eclesiásticas, pois foi arcebispo de Mitilene, durante
anos governador do Patriarcado, e por fim arcebispo de
Braga, primas das Espanhas, conservando sempre com o
seu condiscípulo Dionísio as mais afectuosas relações de
amizade. Também pertenceu a este curso o notável hu-
manista e cla^sicista Dr. Joaquim Alves de Sousa, que
veiu a ser professor de filosofia e de hebreu no Liceu de
Coimbra, e mais tarde preceptor do príncipe-real D. Carlos
e do infinte D. .Afonso. — Terminado o curso, foi pelo vi-
(líS) 'Brás Garcia oMascarenhas
gário-capitular Dr. António Lopes de Morais e pelo vice-
reitor do Seminário José Henriques Toscano convidado e
instado para professor do dito estabelecimento de ensino
não acedeu porem, por desejar regressar para junto de
seu pai e irmãos, a quem estremecia. — Recebeu prima
-tonsura e os quatro graus de ordens menores a 16 dez,
1842, e o subdiaconado a 10 jun. 1843, na igreja paroquial
de S.'a Catarina, próximo das Caldas-da-Rainha, patriar
cado de Lisboa, das mãos do Bispo de Bragança e Mi
randa D. José António da Silva Rebelo, que ali residia
Foi promovido à ordem de diácono a 23 set. 1843 pelo
bispo de Leiria D. Guilherme Henriques de Carvalho
(mais tarde cardial-patriarca) na capela do seu paço epis-
copal ; ordenado presbítero pelo mesmo D. Guilherme
a 21 set. 1844 na capela do Seminário episcopal de
Coimbra, ali celebrou a sua primeira Missa no dia 23 do
mesmo setembro. — Por decreto de 12 jul. 1845 foi apre-
sentado prior da igreja paroquial de S. João Baptista de
Moimenta-da-Serra ; sendo-lhe passada carta-régia a 24
set. seguinte, recebeu instituição canónica a 27 nov. do
mesmo ano, e tomou posse a 12 jan. 1846. Obteve em data
de 22 ag. i85o permissão régia para permutar com o pá-'
roço de S. Paio-de-Gramaços, sua terra natal, sendo-lhe
conferida instituição canónica deste priorado a 14 nov.
seguinte, e tomando posse a 27. jan. i85i. — Querendo
dirigir pessoalmente em Coimbra a educação literária de
seu sobrinho, que escreve estas linhas, e que ao tempo
contava 8 para 9 anos, concorreu à igreja paroquial de
S. Martinho-do-Bispo no subúrbio desta cidade. Nela foi
apresentado por decreto de 3 dez. 1868, de que se passou
carta-régia a 21 jan. 1869; recebeu instituição canónica a
5 fev., e tomou posse a 1 1 do mesmo mês. — Em todas
estas freguesias, que pastoreou sucessivamente e sem in-
terrupção durante o largo período de 41 anos, deixou a
sua passagem sinalada por obras importantes; e assim é
que o seu nome ainda hoje nelas se memora com re-
speito, admiração e louvor. Em todas três construiu ce-
mitérios, vencendo com muita prudência e bom senso a
relutância que os povos a isso opunham : fundou e refor-
mou instituições beneméritas ; promoveu a construção ou
reparação de edifícios públicos, dando para isso do seu
bolso subsídios importantes, etc. Enquanto foi prior de
S. Paio, manteve ali sempre uma escola de instrução pri-
mária inteiramente gratuita, por ele mesmo regida, na qual
eram fornecidos, a expensas suas, aos alunos pobres, li-
vros, papel, tinta e restantft material necessário à aprendi-
zagem ; daqui resultou que nas gerações de rapazes que
U^ota I — Família paterna do poeta (i ig)
se criaram durante aqueles i8 anos, não havia analfabetos,
a não ser uma ou outra excepção raríssima. Em reconhe-
cimento dos altos serviços por ele prestados à Igreja e ao
Estado, o bispo-conde D. José Manuel de Lemos solicitou
oficialmente do governo o grau de cavaleiro da Ordem
militar de Nossa Senhora da Conceição de Vila-Viçosa
para este seu pároco, tão cheio de benemerências. Por de-
creto de I jul. i865 foi-lhe realmente dispensada esta graça
régia, de que o agraciado teve conhecimento, com grande
surpresa sua, por um ofício, datado de 26 do referido mês,
assinado pelo vigario-geral Dr. Manuel Correia de Bastos
Pina em nome do Prelado, em que lhe era comunicado o
facto e a sua explicação, em expressões de congratulação
e elogio; a carta régia tem a data de 7 jul.— Foi nomeado
arcipreste do distrito eclesiástico de Cernache por pro-
visão episcopal de 12 nov. 1875, em termos altamente
honrosos. — Em ofício de 18 dez. 1881 comunicou-lhe o
bispo-conde D. Manuel Correia de Bastos Pina com muita
satisfação, que por decreto de i5 havia êle prior-arcipreste
sido por S. Majestade apresentado arcediago de Seia, di-
gnidade da Sé de Coimbra, como testemunho de conside-
ração pelos seus merecimentos. Não chegou a ser passada
a respectiva carta-régia, porque foi pouco depois promo-
vido à dignidade de arcediago da cidade, ou do báculo, na
mesma Sé, por decreto de 16 mar. 1882. A carta-régia
desta apresentação tem a data de 6 jul. do mesmo ano ;
a instituição canónica foi a 25 set. e a posse a 14 out. se-
guintes.—Faleceu emS. Martinho-do-Bispoa 12 nov. 1886,
cheio de méritos e consumido de desgostos, causados por
alguns dos seus paroquianos, que mais favores lhe deviam.
e que injusta e infamemente torturaram os últimos meses
da sua vida. Ao funeral, realizado na igreja de S. Mar-
tinho-do-Bispo, e no qual a freguesia em peso manifestou
em lágrimas e lamentos quanto o amava e considerava,
assistiu o Cabido da Sé de Coimbra, presidindo e dando a
absolvição ad feretrum o governador do bispado na au-
sência do bispo-conde, o cónego Dr. José Ferreira Fresco
e fazendo o elogio fúnebre o Doutor Francisco Martins
opositor ao professorado da faculdade de Teologia, amigo
e confessor do finado, que tomou para tema do seu sentido
e improvisado discurso o texto da i.' Epístola de S. Paulo
a Timóteo v, 17 : — Qui bene praesunt presbyteri, duplici
honore digni habeantur. — Um sobrinho, que lhe deve a
educação e a situação social, e que, na qualidade de sa-
cerdote, teve a santa consolação de lhe ministrar os últi-
mos sacramentos e de lhe assistir à morte edificante, aqui
deixa consignado este singelo tributo de amor filial.
(i2oJ 'Brás Garcia ^Mascarenhas
8 (X). Serafim Garcia Ribeiro, n. 3, b. i6 set. 1823, f 17 set. 1912,
que segue.
9 (X). António Garcia Ribeiro, n. 24 set., b. 17 out. 1825, f solteiro
a 16 jun. i853.
10 (X). D. Maria Augusta da Natividade Garcia, b. 29 mai. 1828, j-
solteira a 22 mar. 1881.
1 1 (X). João Garcia Ribeiro, n. em iS3f, foi director da estação do
correio de Oliveira-do-Hospital, -j- a 22 dez. 1918, com ge-
ração.
X a'"J — Serafim Garcia Ribeiro, c. em i.*' núpcias com D. Maria
Máxima Garcia da Fonseca (n. em i<Si5, -f- em 3o abr.
i85o), de S. Paio-de-Gramaços, filha do tenente de mi-
lícia,s Manuel Joaquim da Fonseca Ferreira e de D. Ma-
ria Rosa Garcia da Fonseca, 4/ neta de D. Maria Borges
da Fonseca e de seu marido António Lopes, a qual D. Ma-
ria Borges era irmã do P.^ Manuel da Fonseca, de
S. Paio, que viveu na segunda metade do século xvii, e
que foi o instituidor de um dos vínculos da casa de Gi-
rabolhos (Seia), onde casou sua sobrinha D. Ana Águeda
Borges da Fonseca, uma das avós dos Pereiras de Men-
donça, senhores daquela casa, em cuja capela, da invo-
cação de Nossa Senhora da Natividade, se vêem as
armas dos Fonsecas, e ali e.stá sepultado o dito P.' Ma-
nuel da Fonseca, seu fundador. Não havendo prole
daquele i.° casamento, Serafim Garcia Ribeiro casou
em 2.** niápcias em Arganil, a 8 jun. 1837 com D. Maria
José Cândida Coelho Freire de Faria da Cunha e Vas-
concelos (n. 12, b. 24 out. 1825, ■]; 5 nov. i865), filha
de Francisco Inácio Coelho Freire de Faria, da casa de
Folques ; da sua ascendência se talará em nota a IX
a"" 2. — Teve de sua segunda mulher:
1 (XI). Menino, que apenas nascido, logo faleceu, a 7 abr. 1859.
2 (XI). António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, sacerdote, doutor
nas Faculdades de Teologia e de Letras pela Universidade
de Coimbra, lente catedrático daquela, professor ordinário
e 1." director desta, na mesma Universidade.
3 (XI). D. Maria do Carmo Cândida Garcia Ribeiro de Vasconce-
los, que segue.
4 (XI). Menina, n. 3o, •]- 3i out. i865.
XI a ",) — D. Maria do Carmo Cândida Garcia Ribeiro de Vasconcelos,
'JX.ota I— Família paterna do poeta ('^0
n. 23 out., b. 19 nov. 186 1, c. 23 jan. 1886 na igreja
paroquial de S. Martinho-do-Bispo, concelho de Coim-
bra, com Adelino Mendes de Abreu, de S. Paio, e -{- '
ela a ig mar. igo3 e ele a 3o abr. 1921. Tiveram:
1 (XII). António Maria Ribeiro de Abreu e Vasconcelos^ que segue.
2 (XII). José Mendes de Abreu e Vasconcelos , n. 19 mar. 18S8, f 4
out. 1918.
3 (XII). D. Maria dos Prazeres de Abreu e Vasconcelos, n. 8 nov.
1889, c, com descendência.
4 (XII). D. Maria Claudina Ribeiro de Abreu e Vasconcelos, n. 25
jan. 1891, c, com desc.
5 (XII). Lourenço Garcia de Abreu e Vasconcelos, n. 10 jan., f 5
jun. i8o3.
6 (XII). D. Maria da Assunção de Abreu e Vasconcelos, n. 3 jul.
1895.
7 (XII). Plínio de Abreu e Vasconcelos, n. 14 jul. 189S.
8 (.\II). D. Maria do Rosário Garcia de Abreu e Vasconcelos, n. 1
abr. 1900.
9 (.XII). D. Maria Isabel Garcia Ribeiro de Abreu e Vasconcelos,
n. 2 mar. 1902.
Xll a"'j — António Maria Ribeiro de Abreu e Vasconcelos, n. 22 mar.
iS8t, diplomado pela Escola Superior de Farmácia da
Universidade de Coimbra, tenente-farmacêutico do qua-
dro do serviço de saúde da província de Moçambique,
actualmente director da Farmácia do Estado e do La-
boratório de análises químicas de Lourenço Marques;
c. em Quelimane c. D. Maria Luísa Pontes de Abreu e
Vasconcelos, e tem os seguintes filhos:
1 (XIII). António Maria, n. 23 mai. 1917, em Lourenço-Marques.
2 (XIII). Maria do Carmo, n. 7 jul. 1918, em Quelimane.
3 (XIII). Maria Isabel, n. 28 maio 1920 em Lourenço-Marques.
Ramo terciário a"\,)
VI a"\^) — Manuel Cabral Mascarenhas, filho de Francisco Garcia
Mascarenhas (V a'"), c. c. D. Eufemia Sequeira Boto,
de S. Romão, irmã do cónego Boto, tesoureiro-mór da
Sé da Guarda, filha de Dionísio Boto Machado e de
D. íCutemia da Mota, de S. Romão, e bisneta do co-
mendador Denis Boto Machado. Teve :
I (Vil). António de Sequeira Boto Machado, que segue.
(r22) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
2 (VII). D. Maria Eufemia de Sequeira Cabral, c. c. seu primo
Manuel Pinto Monteiro (VI a",, 3), cuja descendência já
foi descrita (ibid., e segue em VIII a",* etc).
3 (VII). Manuel Cabral Mascarenhas, que foi clérigo, habilitando-se
para a ordenação em tyiS.
VII a"\J — António de Sequeira Boto Machado, foi capitão de orde-
nanças em S. Romão, e casou com D. F. ... Teve:
1 (VIII). Jorge Boto Machado, c. c. D. Maria Mendes Pinto de
Gouveia, de Vila-Cova-à-Coelheira, e teve :
1 (IX). António Boto Machado, que sucedeu a seus pais no morgado de
S. Uomáo, c. em Vila-Covaà-Coelheira c. D. Josefa Micaela,
de quem teve :
— a (X). António Joaquim Boto Machado, c. em Vila-Cova c.
D. Maria José Freire de Andrade Castelo-Branco;
— b (X). D. Bernardino Rosa Boto Machado ;
— c (X). D. Clara Delfina Boto Machado, que ». em Midóes c.
Roquf Monteiro Cabral de Vasconcelos, e teve : —
(XI). António Cabral de Vasconcelos; — e (XI).
D. Maria Carlota ;
2 (IX). D. Clara Maria Pinto Bolo Machado, de S. Romão, c. c. seu
2." primo Inácio de Magalhães Pinto de Sousa Ferrão Castelo-
Branco, de quem já tratamos (IX a",').
2 (VIII). Leonardo Boto Machado, que segue.
3 (VIII). Bernardo Boto Machado.
4 (VIII). Fr. Manuel, religioso de S. Paulo em Évora.
5 (VIII). Fr. Inácio, idem.
6 (VIII). P.^ José Boto Machado.
7 (VIII). D. Maria Boto Machado, c. c. F , de S. Romão, com
geração.
VIII a"\j — Leonardo Boto Macliado, c. em S. Romão c. D. Eufemia
de Abranches, fiUia de Francisco Ferrão de Abranches,
pessoa das principais da terra. Teve
IX a"\) — D. Maria Cândida Boto Machado Pinto, c. c. José Joaquim
de Abranches Homem de Oliveira e Cunha, cuja ge-
ração será descrita noutro lugar (XI ^"„).
Ramo secundário a "")
V a"") — Dr. Simão Garcia Mascarenhas, filho de António Garcia
(IV a), c. em Tourais c. sua parenta D. Catarina Garcia
Mascarenhas, filha de Pedro Garcia Mascarenhas (?), e
U^ota I — Família paterna do poeta (^^^)
foi o instituidor do vínculo da casa de Tourais. Jaz
sepultado na capela desta casa. Teve
VI a"") — D. Maria Josefa Mascarenhas, c. c. o mestre-de-campo Luís
do Loureiro e Vasconcelos, de Celorico, filho de Ma-
nuel de Figueiredo Loureiro, de Figueiredo, freguesia
de Tourais (Seia), e de D. Isabel de Vasconcelos, de
Celorico. Teve:
1 (VII). Manuel de Loureiro e Vasconcelos, que segue.
2 (VII). D. F.. ., que casou na casa dos Pachecos, de Celorico, de
quem procedem os senhores daquela casa.
VII a"") — Manuel de Loureiro e Vasconcelos, cavaleiro da Ordem de
Cristo, familiar do S.'° Ofício (carta de u jul. 1710), c.
c. D. Ana Maria Mafalda de Morais e Castro, filha do
capitão-mór de Penaguião, Francisco Borges de Car-
valho, e de D. Ana Maria Teixeira de Morais. Tive-
ram :
1 (VIII). D. Alaria Vitória de Vasconcelos Loureiro e Meneses, que
segue.
2 (VIII). D. Luísa de Vasconcelos e Meneses, c. c. F. . . Sanches Fa-
rinha, de Lisboa, fid. da C. R , secretário da Mesa do
Desembargo do Paço, e tiveram
— (IX). Anlànio Sanches Fíirinha, fid. da C. R., que sucedeu a seu pai
na casa c no oficio.
VIII a"") — D. Maria Vitória de Vasconcelos Loureiro e Meneses, c. c.
António José de Albuquerque do Amaral Cardoso, fid.
da (.1. R., cavaleiro da Ordem de Cristo, familiar do
S.'" Ofício, senhor da casa dos Coutos, em Viseu, a
quem fazemos referência adeante (VII F\ *). Teve :
1 (IX) Francisco de Paula e Albuquerque do Amaral Cardoso, que
segue.
2 (IX). D. Josefa Pórcia de Gusmão, f em 1849.
3 (IX). D. Maria Cândida de Gusmão e Albuquerque, c. c. Manuel
de Sequeira de Almeida, do Douro, e tiveram três filhas,
— (X) D. Rosa, D. Emília e D. Carlota, que viveram em
Tourais, e existe no Douro geração da primogénita;
4 (IX). António José de Albuquerque do Amaral Cardoso, fid. da C.
R., c. c. D. Ana Vitória de Carvalho e Meneses Pinto de
Sousa, filha natural legitimada de Alexandre Luís Mendes
( {■24) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
de Vasconcelos Pinto de Sousa e Carvalho, cavaleiro da
Ordem de Malta, môço-fidalgo, senhor da antiga casa
dos Rangeis de Vila-Bôa-de-Quires (Marco-de-Canavezes).
Teve, entre outros filhos — (X). Anlónio de Vasconcelos
Carvalho de Meneses e Albuquerque, fidalgo-cavaleiro da
C.R., corregedor em Angra do Heroísmo, c. c. D. F.. . .,
do Porto.
3 (IX). Manuel de Loureiro de Albuquerque do Amaral Cardoso^
fidiílgo da C. R., que foi juíz-de-fora em Trancoso, e na
Cachoeira (Brasil), -j- solteiro em Tourais.
6 (IX). D. Toinási.i Antónia de Gusmão e Albuquerque, -]- solteira
em Tourais.
7 (IX). José Franciico de Albuquerque do Amaral Cardoso, fidalgo
da C. R., foi capitão-ajudante de seu irmão Francisco de
Paula, que lhe deu a capitania de Sofala e Rios-de-Sena,
e f solteiro em Tourais.
S (IX). D. Maria Benedita de Gusmão e Albuquerque, que -f solteira
em Tourais.
IX a"") — Francisco de Paula de Albuquerque do Amaral Cardoso, fi-
dalgo da C. R., comendador da Ordem de Cristo, coro-
nel de milícias da Guarda e, em seguida, de Viseu, mais
tarde brigadeiro de milícias, e líltimamente capitão-ge-
neral de Moçambique, onde faleceu a 27 (ou 29) de
dezembro de 1807. Casou com D. Francisca de Sam-
paio Cortês de Carvalho e Vasconcelos, irmã da 1.* con-
dessa de Anadia, e de D. Josefa Cortês de Carvalho, c.
c. Baltasar Freire, senhor da casa de Freineda, concelho
de Almeida, sendo estas três damas filhas de Manuel
António Cortês de Carvalho, môço-fidalgo com exercí-
cio, senhor da antiga casa e quinta de S.'^ Eufemia, no
termo de Trancoso (cf. XI a"'\). Teve:
1 (X). D. Alaria Rosa de Sampaio de Albuquerque, -j- solteira em
i85o.
2 (X). D. Maria José do Carmo de Sampaio e Albuquerque, c. c.
José Freire de Sequeira Coelho Neves Geada, senhor da
casa do Barril (Vila-Cova-sob-Avô), filho do capitão-mór
de Vila-Cova Bento José Freire de Faria Sequeira Geada
(a quem foi por D. Maria 1 concedida carta de brasão de
armas a 8 jan. 1785) e de D. Isidora Bernarda de Abreu;
neto paterno de Luís Marques de Sequeira, capitão-mór
da mesma vila, e de D. Engrácia Luísa Freire de Faria
Geada, de Folques, filha do Dr. Simão Martins da Costa
Coelho, ouvidor em Arganil, c de D. Maria Micaela Freire
C^ota I — Família paterna do poeta (^^^)
de Faria Geada, 4"' avós maternos do compilador destas
notas '. Teve:
— (XI). o. Maria José Freire Cortes de Carvalho e Albuquerque, c. c.
seu parente José Monteiro de Abreu Lopo, dos Casais do Campo
(S. Martinho-do-Bispo), filho do Dr. José Inácio Monteiro Lopo
e de D. Maria Vitória Monteiro, dos Casais do Campo, e tive-
ram
— (XII). Juse Freire de Carvalho Lopo e Albuquerque, do
Barril, n. 8 abr. 1839, c. 30 fev. i8b3 c. U. Maria
Emília Freire de Carvalho Amorim Pacheco, filha de
Antonino Ribeiro de Carvalho Pessoa Amorim Pa-
checo, da casa do Sarzedo, e de Li. Maria .Máxima
' Eis a árvore genenUií^ica ;
I). — Dr. Simão Martins da Costa Coelho, de Folqnes. c. c. íi. Mari.i Micaela Frciíe de Faria Geada, do
Espinhal. Destes:
1 (II). D. Bernarda Jacinta, que segue;
2 (II). P.* Paulino António Coelho de Faria, bacharel fonnado em Cânones a 37 maio 1761
pela Univ. de Coimbra;
3 (II). P' Estanislju da Costa, doutorado In utroque jurt a ig maio l^l^ pela Universidade
italiana de Macerata, conde palatino, cavaleiro da milícia dourada, ele. ;
.( (11). D. Engràcia Luisa Freire de Faria Geada, c. e. Luís Marques de Sequeira, senhor da
casa do Barril, acima referido.
II). — D. Bernarda Jacinta Angélica de Faria, de Folques, c. c. o capitão Lourenço .Mendes Pimenta, de
Ribalvla (S. Aleixo-do-Beco^ concelho de Ferreira do ZOzere). Destes nasceu
III). — Capitão António Inácio Coeilio de Faria, de Ribalvia, c. 2 março i;S3 c. D. Maria Inácia do Ro-
sário .Marques, de l-olques. Tiveram nove filhos, entre os quais:
1 (I\). Dr. António Freire Coelho de Faria, n. 21 dez. 1783, sacerdote, vigário-geral e provi-
sor do bispo-conde D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho ;
2 (l\'). José Freire Coelho de Faria, n. 28 fev. 1785, avô do Dr. Antonino .\ugusto Freire Ri-
beiro de Campos, actualmente juiz da Relação do Porto;
3 (W). Francisco Inácio Coelho Freire de Faria, n. 2 maio i- .2, que segue ;
4 (1\). [). Teresa Freire Coelho de I'aria, n. 5 dez. 1795, entrou em religião no convénio do
Ues.igravo de Vila-Pouca-da-Beira, onde foi abadessa e floresceu em virtudes, com o
nome de Madre .Maria do Lado; os seus reslos jazem em S. Paiode-Gram.iços, em
cdiculo especial com inscrição latina, na capela sepulcral do seu sobrinho-neto Dr. An-
tónio de Vasconcelos.
IV). — Francisco Inácio Coelho Freire de Farin, c. 04 nov. 1824 c, D. Beatriz Cândida da Cunha e Vas-
concelos, de Arg;mil. Tiveram :
1 (V). D. Maria José Cândida, a. 12 out. iS25, que segue;
2 (V). P.« António Inácio de Vasconcelos Delgado, n. i^ março 1827;
3 (V) P.' Joaquim Inácio de Vasconcelos Delgado, n. 11 set. 1828;
4 (V). D. Maria do Nascimento Freire de Faria da Cunha e Vasconcelos^ n. 20 dez. i83o ;
5 (V). Manuel Inácio, n. 7 ag. i!s34, t criança ;
6 (V). Gabriel da Costa e Vasconcelos, n. 10 julho i836, c. em Nogueira do Cravo, e deixou
descendência ;
7 (\'). Dr. José da Costa de Vasconcelos Delgado, n. 28 nov. i8?9, c. c. D. .Mariana de Paiva
e Vasconcelos, de iVrganil, e deixou descendência.
V|. — D. Maria José Cândida Coeilio Freire de Faria da Cuniia e Vasconcelos, c. c. Serafim Garcia Ri-
beiro, de S. Paiodc-Gramaços, de quem já nos ocupamos IX íi"'.I, pais do organizador desta:
notas.
(126)
Brás Garcia óÁíascarenhas
Cardoso Homem Freire, da Bobadela. Houve os
filhos seguintes: — a (XIII). António Freire de Car-
valho e Albuquerque, n. 5 dez. i865, c c. D. Leo-
poldina de Abreu Magalhães, filha de Gelásio Va-
lério da Cunha Pereira de Magalhães, de Ovoa, e de
D. Inês Augusta de Abreu Castel-Branco (n. 21 jan.
iS35), filha dos 2.°^ condes-de-Fornos-de- Algodres,
Alexandre de Abreu Castel-Branco Cardoso e Melo
e D. Maria Emília de Melo Mendonça Abreu Maga-
lhães ; tiveram; — (XIV). António Freire de Abreu
e Albuquerque, n. 23 dez. 1892, — e (XI\0. O. Maria
da Conceição Freire de Abreu e Albuquerque, n. :
maio 1895, c. c. o tenente da armada Armando Pe-
restrelo Botelheiro, filho do Dr. Manuel Fernandes
Botelheiro, juiz de direito, e de D. Júlia Perestrelo
Botelheiro, -j- deixando uma filha ; — * (XIII). José
Monteiro Freire de Carvalho e Albuquerque, n. 9
jan 18Ó7, c. c. D. Margarida Pinto Ferreira Leite
Borges de Castro Soares de Albergaria e Albuquer-
que, filha de António Pinto Borges de Castro Soares
de Albergaria, e de D. Maria Teresa Leite Ribeiro
Freire; neta paterna do Dr. Antónia Ferreira de
Abreu Pinto, de Pomares, e de D. Carlota Borges de
Castro Soares de Albergaria, filha dos Viscondes
de Oliveira do Conde Miguel Borges de Castro Ta-
vares e D. Ana Soares de Albergaria ; neta ma-
terna do Dr. Luís Leite Ribeiro Freire e de D. Cân-
dida Leite Pessoa, de Montessáo (S. Martinho do
Bispo) : teem — (XIV). José Freire de Carvalho e
Albuquerque.
3 (X). António José de Albuquerque do Amaral Cardoso, que segue.
4 (X). Francisco de Albuquerque Cortês de Carvalho Maltês.
5 (X). Francisco de Albuquerque de Vasconcelos Maltês.
6 (X). D. Maria das Dores de Sampaio.
7 (X). D. Maria da Piedade de Sampaio Albuquerque.
X a"") — António José de Albuquerque do Amaral Cardoso, bacharel
formado em Matemática, môço-fidalgo com exercício,
comendador da Ordem de Christo, coronel de milícias
em Viseu, c. c. D. Emília José de Bourbon e Almeida,
filha de Silvério da Silva da Fonseca, môço-fidalgo, se-
nhor da casa de Alcobaça, alcaide-mór de Alfaceirão,
e de D. Maria Cândida da Silva Barba Alardo, senhora
da casa do Castelo em Leiria, e morgada de Cardelas.
Teve :
I (XI). D. Rita de Bourbon Silva e Albuquerque, que segue (XI a'"\).
1 (XI). António de Albuquerque do Amaral Cardoso., que segue
(XI a-J.
3 (XI). João de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. em Paranhos
JXpla I — Família paterna do poeta (^^l)
c. D. Maria Carolina Jácome Freire de Gouveia e Vascon-
celos (VIU a 2, 5 ij), e já lhe descrevemos a geração.
4 (XI). D. Emília de Bourbon Silva e Albuquerque, c. c. Pedro
Carlos Teixeira de Sampaio, filho 2." de José Ernesto
Teixeira de Carvalho, de Vilar-Sêco, e de D. Maria José
de Sampaio, irmã do conde de Laborim, José Joaquim
Giraldo de Sampaio. Foi oficial de caçadores, e teve:
1 (XII). António Teixeira de Albuquerque, que casou em Nápoles (Itália),
e teve um filho;
2 (XII). José Teixeira de Albuquerque, engenheiro, c. c. D. Constança Er-
* neslo Teixeira de Albuquerque, viuva de seu primo co-irmão
Silvério de Albuquerque Pereira da Silva, de quem se falará
adeante (XI a"", 2) ;
3 (XII). Francisco Teixeira de Albuquerque, c. c. D. Perpétua, de Leiria;
4 (XU). D. Maria das Dores Teixeira de Albuquerque, freira no convento
de Santa Teresa de Coimbra.
5 (XI). D. Carolina de Bourbon Silva e Albuquerque.
6 (XI). José de Albuquerque do Amaral Cardoso, bacharel formado
em Direito, Hdalgo-cavaleiro, c. c. sua sobrinha D. Marga-
rida de Albuquerque do Amaral Cardoso de Almeida Teles
da Silva (XI ^""„ 6).
7 (XI). D. Maria Cândida de Bourbon, -j- solteira em i833.
8 (XI). Manuel de Albuquerque do Amaral Cardoso, ■[• criança.
9 (XI). Luis de Albuquerque do Amaral Cardoso, •{• criança.
10 (XI). Francisco de Albuquerque do Amaral Cardoso, f novo.
1 1 (XI). Luis de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. c. D. Maria dos
Prazeres de Melo e Nápoles, da casa da Prebenda, em Viseu.
Teve :
I (XII). António José de Albuquerque do Amaral Cardoso, engenheiro, c.
c. D. Maria dos Prazeres Mimoso, com três filhos — (XIII) Luis,
falecido em Campolide, Bernardo, engenheiro em África, e
D. Maria, todos solteiros ;
1 (XII). D. Emília de Albuquerque do Amaral Cardoso, que professou nas
Salésias.
12 (XI). Manuel de Albuquerque do Amaral Cardoso, frequentou a
faculdade de Matemática, casou em Gouveia com D. Maria
do Carmo de Figueiredo Homem, e teve :
1 (XII). Aires de Albuquerque do Amaral Cardoso, bacharel formado em
Direito, conservador do registo predial em Gouveia, c. c. D. Efi-
génia Còrte-Real, da casa de Pinhanços, e tem :
— a (XIII). Fernando de Albuquerque, c. c. D. Alda de Lacerda,
de Lourosa, irmã do falecido conde de Beirós, di-
vorciados, com um filho ;
— * (XIII). José de Albuquerque, c. c. D. Maria Luísa Sávedra,
filha de Hipólito Sávedra, de Fornos de Algodres;
— c (XIII). Nicolau de Albuquerque.
2 (XII). D. Maria Joana de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. c. José
Caetano Còrte-Real,* teve:
(r28)
'Brás Garcia ^Mascarenhas
— a (XIU). Afonso de Albuquerque, c. no Rio de Janeiro, onde
vive;
— b (Xlll). António de Albuquerque, solteiro;
— c (XIII). Álvaro de Albuquerque, solteiro.
3 iXll). O, Maria Emília de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. c. o
Dr. Domingos Pais Saraiva do Araaral, de Paços-da-Serra, que
foi juiz de direito, e tiveram :
— a (XIII). D, Margarida de Albuquerque, c. c. o Dr. Luís Osó-
rio da Gama e Castro de Oliveiía Baptista, com
dois filhos;
— * (XIII). José do Amaral Albuquerque, solteiro:
— c (XIU). D. Maria Rita de Albuquerque, c. c. o Dr. José Dias,
de Seia, com um filho:
— d (XIII). Manuel do Amaral e Albuquerque, solteiro;
— e (XIII). U, Mai ia José de Albuquerque, solteirii ;
— _f\X\\l). D, Emitia de Albuquerque, solteira ;
— g (XIII). D. Beatrij de Albuquerque, solteira ;
— h (XIII). Domingos do Amaral e Albuquerque, solteiro;
— í (Xlll). Vítor do Amaral e Albuquerque, solteiro.
4 (XII). José de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. c. D. Beatriz Qui-
rino, da casa de Cassurráes, com f;eração;
5 (XII). Afonso de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. c. D. Maria José,
com uma filha — (XIII). D, Maria de Lourdes;
b (.Ml). D, Maria do Carmo do Amaral Cardoso, c. cm i.*' núpcias com
o Dr. Vitcr Saraiva Pais do Amaral, e em 2." c. Avelino Pais
Bcges de Brito ^dos barões de Nelas), sem geração.
i3 (XI) João de Albuquerque do Amaral Cardoso, bacharel formado
em Direito, c. c. D. Carolina de Abranches, de Sandomil,
com geração.
14 (XI). Miguel de Albuquerque do Amaral Cardoso.
Ramo terciário íi"'\)
XI a''\) — D. Rita de Bourbon Silva e Albuquerque, c. em i.*' núpcias
com o primo de seu pai, António Freire Cortês da Fon-
seca Osório, fidalgo da C R., coronel de milícias em
Lisboa, tenente-rei de Almeida, senhor da casa de Frei-
neda na raia, o qual faleceu em Lisboa ao regressar da
emigração. Casou D. Rita em 2.*"* ntipcias com seu tio
materno José Maria da Silva da Fonseca, senhor da
casa de Alcobaça, proprietário da Quinta das Varandas,
subúrbio de Coimbra, que comprou ao conde de Far-
robo. Teve do i." matrimónio;
I (XII). D. Maria Amália Freire Cortês de Albuquerque, que segue.
Teve do 2." matrimónio:
a (XII). Silvério de Albuquerque Pereira da Silva, senhor da casa
de Alcolwca, c. c. D. Constança Ernesto Teixeira de Al-
^ota 1 — Família paterna do poeta (^^ç)
buquerque, a qual, depois de viuva, sem geração, veiu a
casar com José Teixeira de Albuquerque, primo co-irmão
de seu i.° marido (X a"" 4, 2).
XII íj"'\) — D. Maria Amália Freire Cortês de Albuquerque, n. 1 1 agosto
i838, c. em i."' núpcias c. Francisco Cabral Metelo Pa-
checo de Lemos e Nápoles Manuel, de quem já se falou,
e teve dele nove filhos, cuja descendência se descreveu
(XII a'\j; c. em 2.^' núpcias com o Doutor Manuel
Paulino de Oliveira, lente da Faculdade de Filosofia, de
quem teve um único filho,
10 (XIII). Fernando Paulino Freire de Oliveira, f solteiro, sendo
aluno da Escola do Exército.
Ramo terciário ^' '^c)
XI tj"'\.) — António de Albuquerque do Amaral Cardoso, fidalgocava-
leiro, fez como cadete em infantaria 1 1 a campanha le-
gitimista até Evora-monte, tendo já então o posto de
alferes. Emigrou e militou em Espanha no exército
de D. Carlos, com distinção, subindo os diversos postos
militares até coronel de linha, e alcançando a cruz de
ouro de S. Fernando. Duas vezes prisioneiro, foi por
ílm entregue ao governo português, e esteve para ser
fusilado. Casou com D. Ana Teles da Silva (n. 4 dez.
1825), filha de Luís Teles da Silva Caminha e Meneses
(5." marquês de Alegrete, 8.'' conde de Tarouca, 12." se-
nhor de Penalva, par do reino em i825, gentil-homem
da câmara da rainha D. Maria I, grã-cruz da Ordem da
Tòrre-e-Espada, comendador das de Cristo e da Con-
ceição, governador e capitão-general de S. Paulo e Rio-
-Grande-do-Sul), e de sua 2.* mulher a marquesa D. Mar-
garida de Almeida. Teve :
I (XII). António de Albuquerque do Amaral Cardoso, senhor da
casa do Arco em Viseu, c. c. D. Emília Bárbara Alarde
de Lencastre e Barros, filha dos viscondes do Amparo,
de quem foi herdeira como filha única. Tiveram :
I (XIII). Rodrigo Barba AlarJo de Lencastre e Barros, f criança ;
1 (XIII). António de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. e. D. Maria
Luísa de Pinho Mousinho de Albuquerque, filha dos Baróea
de Salgueiro, de Leiria, com ger.
3 (X11I|. Alfredo Barba Alardo de Lencastre e Barros.
(iSo) Brás Garcia ^Mascarenhas
a (XII). Luís de Albuquerque do Amaral Cardoso, c. na casa das
Obras (Seia) c. D. Maria Joana Pinto de Mendonça
Arrais de Melo Stockler, filha de António de Melo Car-
doso Pinto de Mendonça Stockler, de Vila-Cova-à-Coe-
Iheira, e de D. Maria Joana Pinto de Mendonça Arrais,
de Seia. Tiveram :
1 (Xillf. D. Ana de Guadalupe Pinto de Albuquerque, t* criança;
2 (XIII|. B.«' António Pinto de Albuquerque Stockler do Amaral Car-
doso, ■}- solteiro;
'i (XIII). D. Afaria da Conceição de Albuquerque Stockler do Amaral
Cardoso, c. c. o Dr. António Máximo Branco de Melo e Fi-
gueiredo, juiz de ííirciío, com ger. ;
4 (XIII). B.'' Luís Pinto de Albuquerque Stockler do Amaral Cardoso,
solteiro ;
5 (XIII|. José Pinto de .Albuquerque, empregado publico;
6 (XIII). fi.'' Fernando Pinto de Albuquerque Stockler do Amaral Car-
doso, médico, c. c. b. Ester Beltrão Seabra, com ger. ;
7 (XIII). Dr. Henrique Pinto de .Albuquerque Stockler do .Amaral Car-
doso, juiz de Mireito, c. c. 1). Julieta de la Sallete Mota, de
Melgaço, com ger.;
S (XIII). Francisco de Albuquerque Pinto Stockler do Amaral Cardoso,
capitão do CNército em serviço no Ultramar, c. c. D. Ilda Cas-
tela, c<)m ger. ;
g (XIII). D. .Maria de Lourdes Pinto de .Albuquerque Stockler do Ama-
ral Cardoso, solteira ;
10 tXlII). .Afonso Pinto de .Albuqiterque Stockler do Amaral Cardoso^
-f- solteiro, sendo estudante em Coimbra;
11 (XIII). João Pinto de .Albuquerque, f criança,
3 (XII), Francisco de Albuquerque do Amaral Cardoso, zuavo pon-
tifício, oficial da Câmara dos Deputados, falecido.
4 (XII). Fernando de Albuquerque do Amaral Cardoso, general re-
formado de cavalaria, c. c. D, Maria Francisca Brandão
Guedes, filha do conde de Terena e viuva de D. Luís
Teles da Silva (.■\legrete, Penalva e Tarouca), falecido;
5 (XII). Miguel de Albuquerque do Amaral Cardoso, falecido.
6 (XII). D. Margarida de Albuquerque do Am.iral Cardoso de Al-
meida Teles da Silva, c. c. José de Albuquerque do Ama-
ral Cardoso (X a"" G), senhor das casas do Sardoal e de
Alcobaça.
Ramo primário ^)
III b) — Brites Marques, filha de Marcos Garcia Mascarenhas 2.° (II,
3), casou em Torroselo com Domingos Afonso. Teve :
I (IV). João Marques, c. c, Catarina .Mendes, de Manteigas, de quem
houve :
I (V). Ana Marques, c. c. seu primo António Garcia, de quem nos ocupá-
mos já (IV a), descrevendo a sua larga descendência ;
C/S^ota I — Família patertia do poeta (^^^)
2 (V). /'.' João Marques, ordenado de menores e subdiácono antes de i62i).
Quando se preparava para a ordenação de diácono, apareceu de-
núncia de que sua mãe Catarina Mendes tinha sangue judaico, e
daí resultaram embaraços para a ordenação ; pelo que teve de correr
um rigoi oso processo de geneie nos bispados de Coimbra e Guarda,
julgado por sentença curial do bispo-conde D. João Manuel, datada
de 23 de janeiro de iõ3o, em que foi julgado e declarado cristão
velho inteiro de pais e avos de uma e outra parte, sem raça de in-
fecta nação. Ksta sentença original existe erii poder do compilador
destes apontamentos, 7.° neto da referida Catarina Mendes.
2 (IV). António Marques, c. em Folhadosa com uma sua parenta, de
quem houve prole.
3 (IV). habel Garcia, que segue (IV b').
4 (IV). Clara Garcia, c. c. Tomé Mendes Pinto, da I.ageosa, de quem
teve :
— (V). António Mendes Mascarenhas, c. c. D. Paula de Abranches da Costa,
do Carvalhal-Gcdondo (Canas de Senhorim), filha de António de
Abranches da Costa, do Carvalhal-Kedondo, e de D. Leonor Mar-
ques de Abranches, das Contcnças, bispado de Viseu Tiveram :
— (VI). Martinho de Abranches da Costa, familiar do Santo-Ofício,
habilitado em 1673, c. c. D. Maria Monteiro Godinho, de
Olivciíinlia, lillia de António Godinho da (^osta, de Olivei-
rinha, e de IJ. Maria Monteiro Velosa, de Oliveirado-
-Conde.
5 (IV). Catarina João, c. em Sandomil, e teve descendência.
6 (IV). Maria ,Ioãc, que ?cgue (IV b").
7 (IV). Ana Garcia, c. c. Luís Fernandes, de Várzea-de-Cima, fregue-
sia de Várzea-de-iMeruge.
S (IV). F.. . ., c. c. Tomé Luís, de S. Romão.
9 (IV). Francisca Garcia, c. c, Salviídor Nunes, da Cerdeira.
Ramo secundário ^')
IV í»') — Isabel Garcia, de Torrosélo, filha de Briles Marques (III b),
c. c. Diogo Brás Pinto de Gouveia, filho de António Pinto
de Gouveia e de D. Inês Pinto, neto paterno de Jerónimo
Ferreira e de Isabel de Gouveia, e materno do capitão
António Pinto Ribeiro e de D. F.. .. Teve
V b') — D. Maria Pinto Garcia, c. em Lagares c. António Pires, de
quem houve
VI b') — António Garcia Mascarenhas, de Lagares, c. em i.*' niipcias
c. D. Ana Antunes, de quem teve :
I (VII). Dr. Nicolau Garcia Pinto Mascarenhas, que segue,
(iSs) 'Brás Garcia oMascarenhas
1 (VII). Manuel Garcia Pinto, c. c. D. Serafina Ribeiro, da casa de
Santa Eulália, e teve
— (VIU). D. Patrícia Garcia, de Lagares, c. c. Manuel de Abranches Car-
doso, da I'óvoa-de-Midoes, os quais tiveram
— (IX). D. Maria Josefa do Espirito Santo Mascarenhas, que
casou com o seu parente João do Amaral Garcia Mas-
carenhas Castel-Branco, de quem logo falaremos (IX b').
VII V) — Dr. Nicolau Garcia Pinto Mascarenhas, c. c. sua parenta
D. Inácia Coelho de Figueiredo, de quem adeante falare-
mos (VI í/" 1 ). Dela teve
1 (VIII). D. Maria Garcia Mascarenhas, que segue.
Também teve de Maria Simões, mulher solteira,
2 (VIII). António Garcia Mascarenhas, c. c. Maria de Gouveia, do Er-
vedal, de quem houve
— (IX). José Garcia Mascaren/ias, c. c. F.. • ■, c teve
— (X). Mamtel Garcia Nunes de Gouveia, c. c. D. Joana Baptista
da Silva iíibeiío, de;Travanc3-de-S. Tomé (Oliveira-do-
-Conde); distes nasceu — (XIj.JD. Maria Eufrásia Pinto
Mascarenhas, c. c. António José da Fonseca Saraiva, de
Correios, que houveram — (XO), Jaime Garcia Masca-
renhas, o célebre e popularíssimo patriota da patoleia, c.
c. D. Teresa Emília Pais, de Travanca-de-S. Tomé, da
qual nasceu — (XIII). Adriano Augusto Garcia Masca-
renitas, bacharel formado era Medicina, c. c. D. Eduarda
Augusta Monteiro l.opes Mascarenhas, da freguesia do
Sobral, concelho de Mortágua; e tiveram um filho e duas
lillias — IXIV). Jaime Garcia Mascarenhas, bacharel for-
mado em Direito, D. Angelina Garcia Mascarenhas, já
falecida, e D. Amélia Garcia Mascarenhas.
VIII F) — D. Maria Garcia Mascarenhas, c. c. Dionísio Soares do Ama-
ral Castel-Branco, de Gouveia, filho de Luís Marques da
Fraga e de D. Maria do Amaral Castel-Branco, residentes
em Gouveia, neto paterno de Domingos Dias Fragoso (ou
da Fraga), fidalgo-cavaleiro da C. R., instituidor das ca-
pelas da Póvoa de Cervães e de Santa Marinha. Teve
IX è') — João do Amaral Garcia Mascarenhas Castel-Branco, c. c. sua
prima D. Maria Josefa do Espírito Santo Mascarenhas,
de Lagares da Beira, ambos bisnetos de António Garcia
Mascarenhas (VI b')\ e tiveram
X V) — Dionísio Soares do Amaral Garcia Castel-Branco, bacharel
T^ota I — Família paterna do poeta (^^3)
formado em Leis, de Lagares, c. c. D. Eufrásia Rita de
S." Clara Mascarenhas Soares, de Folques (b. i jan. 1756).
Tiveram
XI b') — José António Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco, bacharel
formado em Leis, corregedor de Vila-F^ranca, juiz do
crime em Coimbra, desembargador da Casa do Cível. Foi
senhor dos importantes vínculos de Gouveia e Lagares, e
casou com D. Rita de Azevedo Costa e Andrade, senhora
da quinta da Ccirredoura, em Sortelhe, comarca do Sa-
bugal. Deles nasceram:
1 (XII). D. Luísa Benedita Pinto Mascarenhas Furtado, que segue
(XII b\) ;
2 (XII). João Soares Pinto Garcia Mascarenhas, f assassinado cotio
miguelista, sem ger.
3 (XII). B.<^t José António Soares Pinto Mascarenhas, que segue (XII
*',.)■
4 (XII). Dionísio Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco, que herdou
de suas tias paternas, D. Maria e D. Joaquina, a casa de
Kolques (Arganil), e ali se estabeleceu. Casou com D. Maria
da Conceição de Brito Castelo-Branco, de Vila-Cova-sob-
-Avô, filha de António de Brito da Costa Brandão Castelo-
Branco, e de D. Luísa Emília de Freitas Leitão, de quem
houve :
1 (Xltl). Dionísio Soares Pinto Mascarenhas, com geiaçáo;
2 (XIII). Francisco Soares Pinto Mascarenhas, sem ger. ;
3 iXlIIl. D. Maria da Conceição Soares Pinto Mascarenhas, sem ger. ;
4 (XIII). José Mascarenhas Castelo-Branco, sem ger.
3 (XII). Pedro Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco, que segue
(XII b'J.
6 (XII). Fernando Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco, que se
estabeleceu na casa da Corredoura (Sortelhe), herdada de
sua mãe. Casou com sua sobrinha D. Maria Luísa de Sa-
cadura Bote Pinto Mascarenhas (XII í',^, 4), e faleceu dei-
xando dois filhos:
1 (XIII). Fernando Soares Pinto Mascarenhas ;
2 (XIII). D. Maria Júlia Soares Pinto Mascarenhas.
Ramo terciário b\)
XII b\) -- D. Luísa Benedita Pinto Mascarenhas Turtado, c. em Foz-
-de-Arouce (Louzã) c. Francisco Furtado de Mesquita
Paiva Pinto, filho de Joaquim José Furtado de Mesquita
fi34) ^rás Garcia oMascarenhas
Paiva Pinto e D. Maria Caetana Joaquina Angélica de
Paiva Pinto: neto paterno de Mateus António de Paiva
Pinto e de D. Maria Angélica Furtado de Mesquita e
Távora, de Vilarinho da Louza; materno de Ascenso
Rodrigues de Paiva Pinto e de sua ^^ mulher D. Ca-
tarina Marques, de Foz-de-Arouce. Era môço-fidalgo
da C. R., e teve
XÍII b\) — Doutor Francisco Augusto Furtado de Mesquita Paiva Pinto,
1." visconde e i.° conde de Foz-de-Arouce, n. 22 mai.
i833, môço-fidalgo da C. R., c. 18 abr. 1860 c. D. Maria
Joana de Bourbon Melo Giraldes de Sampaio Pereira,
n. 2 fev. 1842, filha dos i."* condes e i."* marqueses da
Graciosa, Fernando Afonso Giraldes de Melo Sampaio
Pereira e D. Maria José Caldeira Pinto de Albuquerque
Leitão. Teve :
1 (XIV). D. Maria de Melo Furtado Caldeira Giraldes de Bourbon,
n. 8 jun. 1864, c. 4 jun. 1884 c. o 2." visconde de Proença-
-a-Velha João Felipe Osório de Meneses Pita, e teve :
1 (XV). D. Maria Joana, n. 20 jul. 1886;
2 (XV). D. Luísa. n. 20 jul. 1888.
2 (XIV). Francisco Furtado de Melo, n. 8 mar. 1866, 3.° marquês da
Graciosa.
3 (XIV). D. Emília Furtado de Melo, n. 9 mar. 1868, sem ger.
4 (XIV). D Luísa Furtado de Melo, n. 1 abr. 1870, c. c. Melchior Ba-
rata de Tovar Pereira Coutinho, já falecido ; reside na quinta
da Arregaça, em Coimbra.
Ramo terciário VJ
XII t',,) — José António Soares Pinto Mascarenhas, bacharel formado
em Direito, c. em Vila-de-Barba (Santa-Comba-Dão) c.
D. Maria Peregrina de Gouveia Juzarte Figueiredo e
Sousa. Teve :
I (XIII). José Soares Pinto Mascarenhas Gouveia, que foi tesoureiro
da Universidade àc Coimbra. Casou com D. Maria da
Assunção de Cabedo Henriques Lencastre e Almeida, de
Taveiro, filha de José Bruno de Ciibedo Lencastre e Al-
meida e de D. Maria Quitéria de Lencastre Henriques.
Teve :
I (XIV). Dr. José Soares Pinio de Cabedo e Lencastre, )uiz de Bireito, c.
U^ota I — Família paterna do poeta (i-^^)
c. D.Clarisse Braamcamp Freire, e tiveram — |XV|. José Antó-
nio, + criança;
2 (XIV). D. Maria Joana Pinto Mascarenhas ;
3 (XIV). /). Maria do Amparo Pinto Mascarenhas ;
4 (XIVj. Jorge Soares Pinto Mascarenhas, capitão condecorado com ooljcia-
lato da Torre e Espada pelos serviços distintos prestados na cam-
panha do Cuamato. c. c. l). .Maria da Assunção de Mancelos
Ferraz, da casa da Corujeira.
2 (XIII). D. Maria José Soares Pinto Mascarenhas Gouveia, c. em
S. Joaninho (Santa-Comba-Dão) c. seu primo Francisco de
Gouveia .\lmeida Bandeira de Figueiredo. Tiveram:
1 iWX). Francisco de Gouveia Pinto Mascarenhas, bacharel formado em
Direito, visconde de Freixedo, com descendência ;
2 (Xl\j. Afonso Gouveia Pinto Mascarenhas, bacharel formado, solteiro;
3 (XIV). Fernando de Gouveia Pinto Mascarenhas, solteiro.
Ramo terciário l>\^)
XII b\j — Pedro Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco, c. na Louzã
c. D. Ana Bárbara de Sande Sacadura Bote, filha do
bacharel José Maria Còrte-Real Sacadura, e de D. Maria
Liberara Arnau Gamboa, de Alfochim. Deles nasceram
na Louzã (casa da Rua-Nova, do ramo Arnau) os se-
guintes filhos:
1 (XIII). D. Maria José de Sacadura Mascarenhas de Sousa Pinto, c.
c. o Doutor José Freire de Sousa Pinto, lente da faculdade
de Matemática, proprietário da quinta de S. Jerónimo, aros
. de Coimbra, por herança de seu tio paterno o doutor Ba-
sílio Alberto de Sousa Pinto, visconde de S. Jerónimo, sem
ger.
2 (XIII). D. Maria Miquelina de Sacadura Bote Pinto Mascarenhas,
recolhida no convento das comendadeiras de Santos-o-Novo
(Sintra), sem ger.
3 (XIII). D. Maria Lusitana de Sacadura Mascarenhas de Lemos, c.
na Louzã c. João Gonçalves Viana de Lemos, da fábrica de
papel do Penedo. Teve :
1 (XIV). Pedro Mascarenhas de Lemos, bacharel formado em Direito, car-
torário da Sanla Casa da Misericórdia de Coimbra, c. a 2o out.
1913 c. D. Eugenia de Almeida de Abreu Castel-Branco, filha dos
condes de Fomos de Algodres ;
2 (Xl\'). D. Maria Luisa Mascarenhas Viana de Lemos, c. c. seu primo
bachanl Américo Viana de Lemos, residentes no Penedo da
Saudade (Coimbra), com ger. ;
3 (XI\'V João Mascarenhas Viana de Lemos, administrador da fábrica de
p.npel do l^enedo, c. c. [). Maria de Nazaré Magalhães Mexia
M.icedo Pimentel, única filha legítima do morgado de Santa Rita
(Louzã), Luís de Magalhães Mexia, e t»m ger;
(r36)
'Brás Garcia ^Mascarenhas
4 (XIV). Alexandre Mascarenhas Viana de Lemas^ alfere« da a4tninisjra- < ^ / /í^
ção militar, solteiro ; C . e ^.ã^^tí^-^/tu^'^*^ j/^^yrí -^^j^f.f
5 (XIV). B.'i Júlio Mascarenhas Viana de I.emos, solteiro ; ■í-e^*-'*'^ '
6 (XlVi José Mascarenhas Viana de Lemos, solteiro ; <«-^ ^^-íí^^-^j
7 (XIV). Eugénio Mascarenhas Viana de Lemos, solteiro. /'o^<j'^-c-^í''^ ^ -' '
4 (XIII). D. Maria Luísa de Sacadura Bote Pinto Mascarenhas, c. em
■ ."•ntípcias com seu tio Fernando Soares Pinto Mascare-
nhas Castel-Branco (XI b' 6), e em -j.*" niipcias com João
de Sacadura Bote Corte Real, filho de João de Sacadura
Bote Côrte-Real, e de D. Margarida Amélia Santiago de
Lisboa, senhor por vinculo da casa da Aguieira, freguesia
de Carvalhal-Redondo (Nelas). Tem do i.° matrimónio dois
filhos, já mencionados (XI b' 6); do 2." matrimónio tem:
3 (XIV), João de Sacadura Bole Côrte-Real, bacharel formado em Direito,
advogado, c. com descendência;
4 (XU^). D. Maria Luisa Mascarenhas Sacadura, c. c. Joaquim Ferreira
Cabral Tei.teira Homem Barbosa, bacharel formado em Direito,
filho do Conseliíeiro Alexandre Ferreira Cabral r*ais do Amaral,
antigo ministro do Reino e Reitor da Universidade de Coimbra,
c teem :
— a (XV). D. Maria Virgínia n. na casa de Sequeiros (Ancêde)
a 3 nov. igi.^. e
— b (XV). Alexandre Ferreira Cabral Teixeira Homem de Bar-
bosa, n. ibid. ;
5 (XIV). José da Costa Pereira Côrte-Real Sacadura ;
6 (WY). Nuno Pereira de Sande Sacadura BoteU^pC- , ^O
5 (XIII). Carlos' de Sacadura Bote Pinto Mascarenhas., bacharel iov-^^
mado em Direito, advogado e conservador na Louza; casou
em Celas (quinta de Vimarães), subiirbio de Coimbra, com
D. Emília Soares de Albergaria Pessoa, filha do B.«' José ,
Pessoa da Silva Pinheiro e de D. Maria José Soares de Al-
bergaria, e tem os filhos seguintes :
1 (XI\'). José Arnau Soares de Albergaria Pinto Mascarenhas ;
2 (XIV). D. Ana de S. José Soares de Albergaria Pinto Mascarenhas ;
3 (XIV). Pedro Soares Pinto Mascarenhas Castel-Branco ;
4 (XIV). D. Maria Emitia, gémea com sua irmã —
5 (XIV). D. Maria José.
6 (XIII). D. Maria Emília de Sacadura Bote Mascarenhas Castro e
Almeida, c. c. o Dr. Aires de Castro e Almeida, juiz de Di-
reito, filho do Conselheiro Dr. Luís da Costa e Almeida
(lente-decano da Faculdade de Matemática, e ílltimamente
director da Faculdade de Sciências da Universidade de
Coimbra) e de D. Ermelinda de Castro Freire de Vascon-
celos. Teem os filhos seguintes, todos ainda menores :
1 (XIV). D. Maria Ermelinda ;
2 (XIV). D. Maria Antónia ;
3 (XIV). Pedro Mascarenhas de Castro e Almeida ;
4 (XIV). D. Maria Eugenia.
C^ota I — Família paterna do poeta (^-^7)
Ramo secundário ^ "^
IV è") — Maria João, filha de Brites Marques (III b 6) casou em San-
domil com João Dias, de quem houve :
1 (V). D. Ana Garcia, que segue (V b'\)\
2 (V). D. Alaria João Garcia, que segue (V b'\^).
Ramo terciário b'\)
V b'\) — D. Ana Garcia, c. c. Belchior Pais do Amaral, filho de Marcos
Pires e de D. Leonor Pais do Amaral, moradores nas
Contenças (Mangualde), sendo esta da família dos Pais do
Amaral de Azurara-da-Beira (Mangualde). Viviam aque-
les em Sandomil, onde tiveram:
1 (VI). D. Ana do Amaral, que segue (V[ b'\*).
2 (VI). D. Josefa do Amaral, c. c. Sebastião Garcia, seu primo, de
quem se falará adeante (VI í",,).
? (VI). D. Maria do Amaral, que segue (VI b'\ **).
4 (VI). P.e António do Amaral, prior de Sandomil, senhor de uma im-
portante casa, que deixou a sua sobrinha D. Maria do Ama-
ral (VI í".** i),
Ramo quaternário b'\ *)
VI b'\ *) — D. Ana do Amarai, casou em Azurara (Mangualde) com
0 seu parente Miguel Pais do Amaral, filho de Miguel
Pais do Amaral, familiar do S.'° Oficio, e de D. Jeró-
nima do Amaral. Foi capitão-mór de Azurara-da-Beira,
cavaleiro da Ordem de Avis, i." senhor do morgado de
S. Bernardo em Mangualde (instituído por seu tio Gaspar
Pais do Amaral em 1646); teve o foro de fidalgo da C.
R. por mercê de i665, em virtude de serviços que
prestou na guerra da restauração. Houveram:
1 (Vil). Bernardo Pais do Amaral Castelo- Branco, e
2 (VII). Gabriel Pais do Amaral Castelo- Branco; ambos estes ir-
mãos foram mortos em Santar, numa pendência que ti-
veram com alguém da casa dos Lucas-Melos daquela
vila, a quem foram provocar à própria casa.
3 (VII). P.e Miguel do Amaral, jesuíta, que em 1682 foi como mis-
sionário para Gòa, onde exerceu os cargos de provincial
« visitador, indo mais tarde para Roma.
( i38) 'Brás Garcia dMascarenhas
4 (VII). Simão Pais do Amaral, que segue.
5 (VII). D. Mariana da Purificação, que professou no mosteiro be-
neditino de Ferreira-de-Aves (Sátão).
VII F\ *) — Simão Pais do Amaral, fidalgo da C. R., capitão-mór de
Azurara, suces.sor na casa de seus pais, cavaleiro da
Ordem de Cristo, familiar do S.'° Ofício, capitão-mór
de Azurara-da-Beira, c. c. D. Leonor Maria de Castel-
-Branco e .Albuquerque, filha de Manuel de Vilhegas
Cardoso (bisavô por varonia de António José de Albu-
querque do Amaral Cardoso, de quem já falámos em
VIU a""), e de D. Maria de Albuquerque Pacheco,
neta paterna de Gonçalo Vilhegas Cardoso e D. Leo-
narda de Castel-Branco, da freguesia do Couto-de-
-Baixo (Viseu), e materna de Jerónimo Rebelo de Al-
buquerque, alcaide-mór de Ormuz, e D. Leonor de
Albuquerque, de Esporões. Teve:
1 (VIII). Miguel Pais do Ameal, que segue.
2 (VIII). Fr. Bernardo Pais de Castelo-Branco, comendador e
grão-chanceler da Ordem de Malta.
3 (VIII). Dr. Bento Pais do Amaral., canonista, inquisidor em
Coimbra, fidalgo da C. R., do conselho del-rei, mestre-
-escola da Sé de Viseu, beneficiado da Colegiada de
Santa Justa de Coimbra.
4 (VIII). L.^o Simão Pais do Amaral, canonista, fidalgo da C. R.,
prior de Freixedo.
5 ( VIIIj. Francisco Xavier Pais do Amaral, qut professou na Com-
panhia com o nome de Miguel do Amaral, foi lente do
Seminário de S. Patrício, e examinador das Ordens mi-
litares.
6 (VIII). Gabriel Pais, f criança.
7 (VIII). Pedro José, f criança.
8 (VIII). João Pedro Pais do Amaral, que entrou para a Compa-
nhia com o nome de Pedro do Amaral.
9 (VIII). Fr. Gabriel do Amaral, monge cisterciense.
10 (VIII). Fr. Inácio do A/iiaral, dominicano.
11 (VIII). D. Bernarda Teresa de Castelo-Branco, freira em Viseu.
12 (VIII). D. Dorotéa Micaela, idem.
i3 (VIIIj. D. Antónia Felipa, idem.
14 (VIII). D. Maria Eufrásia, idem.
i5 (VIII). D. Ana Josefa, idem.
16 (VIII). D. Leonor Clara, idem.
17 (VIII). D. Maria Luísa Manuela Natália de Castelo-Branco e
Albuquerque, c. c. António de Aragão Sanzedo Pinheiro,
U^ota I — Família paterna do poeta (i-^ç)
fidalgo da C. R., senhor da casa dos Pinheiros de Ara-
gão, de Lamego, cavaleiro de Cristo, familiar do S.'o
- Ofício; de quem foi neto João Pinheiro de Aragão, que
voltou a casar nesta casa dos Pais de Amaral, como
adeante se dirá (X b'\* 5). Tiveram geração.
VIII í>'\ *)— Miguel Pais do Amaral, fidalgo da C. R., cavaleiro de
Cristo,, familiar do S.'° Oficio por carta de lo mar. *
1710, serviu na guerra no posto de capitão de cavalaria,
e depois no de mestre-de-campo de auxiliares da co-
marca de Viseu; c. c. sua prima D. Maria Arcangela
de Castelo-Branco, senhora de Albergaria, de Alca-
fache, e de seis vínculos, com capela de S. Lourenço
na igreja de S. Tiago, instituída em 1672, e o de
Abrunhosa-Velha com grande rendimento, e ainda o
da Cunha-Alta, instituído em 1627; e era filha de Do-
mingos (ou Diogo ?) Marques Ferrão Castelo-Branco,
das Folgosas, e de D. Juliana Marques Pimentel, da
Cunha-Alta, concelho de Azurara-da-Beira; neta pa-
terna de João Ferrão, das Folgosas, e de D. Luísa
Coelho, de S. Romão; materna de António Marques
Pimentel, das Contenças, e de D. Maria Cardoso do
Amaral, da Cunha-Alta. Tiveram:
1 (IX). Simãu Pais do Amaral, f criança.
2 (IX). Bernardo (depois crismado com o nome de Simão) Pais
do Amaral, hnbilitou-se para familiar do S.'o Oficio, mas
não chegou a tirar a respectiva carta, porque faleceu
novo, sem geração.
3 (IX). Miguel Pais do Amaral, que segue.
4 (IX). D. Leonarda Maria Xavier de Castelo-Branco, freira em
Viseu.
5 (IX). D. Bernarda Constantina de Castelo-Branco, idem.
6 (IX). D. Maria Joaquina de Castelo-Branco, idem.
7 (IX). D. Ana Felícia de Castelo-Branco, freira em Ferreira-de-
-Aves.
8 (IX). D. Eufrásia Inocência de Castelo-Branco, idem.
9 (IX). D. Mtcaela Natália de Castelo-Branco, idem.
10 (IX). I). Maria Eugenia de Castelo-Branco, idem.
u (IX). D. Rosália Margarida de Castelo-Branco, idem.
IX b'\ *)— Miguel Pais do Amaral, fidalgo da C. R., sucedeu na casa
de seu pai, e foi senhor de Abrunhosa e Vila-Macedo,
(140} 'Brás Garcia oMascarenhas
cavaleiro de Cristo, juiz de fora em Coimbra, familiar
do S.'° Ofício por carta de 24 ag. 1743; c. a 8 set. 1749
c. D. Joaquina Teodora de Sá e Meneses, n. em 1729,
segunda filha de Manuel de Sá Pereira (cavaleiro de
Cristo, fidalgo da C. R., familiar do S.'° Ofício, mestre-
-de-campo dos auxiliares na comarca de Coimbra, se-
nhor da casa dos Sás de Condeixa e da quinta da Anadia,
subúrbio de Coimbra) e de sua 2/ mulher D. Mariana
Plácida de Meneses, senhora das casas da Freiria e de
Argemil, e de alguns morgados. Teve:
1 (X). Simão Pais do Amaral, que segue.
2 (X). Aliguel Pais de Meneses, môço-fidalgo da C. R., n. 22 dez.
1758, seguiu primeiro a magistratura, que depois largou
para professar na Ordem militar de Malta, na qual foi co-
mendador, e 7 em Mangualde a 7 abr. iSSg. A ele se deve
o moderno templo de Nossa Senhora do Castelo, acabado
em i838, e bem assim o arranjo magnificente do jardim e
mata da casa de Mangualde.
3 (X). Bernardo Pais de Castelo-Branco e Meneses, n. 22 ag. 1761,
môço-fidalgo da C. R., professou novo na Ordem de Malta,
e ainda esteve com seus irmãos em serviço da Ordem
nesta ilha ; foi bàlio de Leça, e acompanhou durante
muitos anos seu tio materno José de Sá Pereira de Me-
neses, 2.° conde de Anadia (vid. X b'\ * 2), na embaixada
de Nápoles ; a êle se deve em grande parte a sumptuosi-
dade com que foi mobilada e ornada a casa de Mangualde,
sendo obra sua grande número de quadros que nela há,
com paisagens de Malta, Nápoles, e vários pontos de Itália.
De idade avançada f era Mangualde a iS set. 1840, e jaz
na igreja de Nossa Senhora do Castelo.
4 (X). Manuel Pais de Sà e Meneses, môço-fidalgo da C. R., co-
mendador da Ordem de Malta, à qual prestou bons ser-
viços.
5 (X). José Pais de Sá e Meneses, n. 12 nov. 1766, môço-fidalgo da
C. R., foi cónego na Sé de Coimbra, arcediago na de Viseu,
inquisidor em Coimbra, •}• em Mangualde a 27 mar. 1837,
e jaz em N. Senhora do Castelo.
6 (X). Bento Pais do Amaral, môço-fidalgo da C. R , deputado do
Conselho geral do S.'o Ofício, inquisidor em Lisboa.
7 (X). João Pais do Amaral e Meneses, conhecido vulgarmente
pelo nome de João dos Vargos, foi môço-fidalgo da C. R.,
senhor da vila de Carrapato, comendador de Cristo, co-
ronel do regimento do termo oriental de Lisboa, c. c.
D. Maria Leocádia de Faria Pereira e Sousa, senhora da
casa dos Vargos, filha de Simão José de Faria, desembar-
U^ota I — Família paterna do poeta (141)
gador do Paço e riquíssimo proprietário do Ribatejo.
Teve:
I (XI). João Miguel Pais do Amaral de Faria, mõço-fidalgo da C R., n.
5 set. 1804, c. c. n. Maria Joana de Sousa de Barros Carvalhosa,
filha dos 1.°' viscondes de Santarém, da qual houve :
— i! (.\ll). D. Maria Joana Pais de Faria Pereira, c. c. Roque
Jacinto da Câmara e Melo, que teve : — i (XIII).
i). Maria Joana Pais de Faria da Câmara e Melo,
c. em novembro de i.;8f) c. Manuel da Silva Gaio,
bacharel formado em Direito, actual Secretário geral
da Universidade de Coimbra, sócio correspondente
da Academia das Scièncias de Lisboa, e de várias
outras sociedades literárias, filho do Dr. António de
Oliveira da Silva Gaio, lente da faculdade de Medi-
cina de Coimbra, e de D. Emília Augusta de Campos
Paredes ; neto paterno do Dr. Manuel Joaquim de
Almeida Silva Gaio, magistrado distinto, que muito
sofreu nas prisões de Almeida, e de D. Ana Augusta
de Oliveira e Almeida ; neto materno do Conselheiro
Manuel da Cunha Paredes, iuiz do Supremo Tribu-
nal de Justiça, deputado às cortes, governador civil
de vários distritos, e de D. Ana Augusta de Campos,
lilha do Dr. António Joaquim de Campos, do Con-
selho de S. M., lente de prima da faculdade de Me-
dicina. Houve dCste consórcio uma filha — (XIV).
D. Maria Manuela Pais de Faria da Câmara Melo
e Silva Gaio. c. a 12 out. 191C c. Manuel de Oliveira
Esteves, proprietário, e tcem actualmente dois filhos
de tenra idade — |X\'). Manuel Pais de Faria da
Câmara Melo Silva Gaio de Oliveira Esteves, e
D. Joana Maria da Conceição de Sá Pereira Me-
ireses Silva Gaio de Oliveira Esteves. — Aquela pri-
meira D. Maria Joana teve mais: — 2 (XIII). D. Ma-
ria Carlota Pais de Faria da Câmara e Melo, c. c.
Joaquim José Ferreira de Aguiar, com sete filhos:
— (XIV). D. Maria do Pilar de Melo Ferreira de •/'■ ji
Aguiar, Roque Artur de Melo Ferreira de Afiuiar,^. t. *^- - ^
D. Maria Carlota de Melo Ferreira de Aguiar, c. / *': >éíí^iv4' ^j
c. GonçíioCdbval, com ger., Joaquim José de Melo /-' /- jg
Ferreira de Aguiar, António de Melo Ferreira de
Aguiar, D. Maria da Arrábida de Melo Ferreira de
Aguiar, e Francisco de Melo Ferreira de Aguiar ;
— b (XII). Simão Pais de Faria Pereira do Amaral e Meneses,
c. c. D. Maria do Pilar Sérgio de Sousa, tilha dos
1.°' condes de Sérgio de Sousa, sem ger. ;
— c (.\II). D. Rita Pais de Faria, que vive solteira ;
— d (XII). D. Ana Pais de Faria Pereira, f solteira ;
— e (XII). Álvaro Pais de Faria, -f solteiro ;
— /(XII). D. Irene Pais de Faria, c. c. Pedro de I.ima Coupors,
com ger.;
— g (XII). Francisco Pais de Faria Pereira, f solteiro ;
3 (XI). Bernardo Pais do Amaral;
3 (XI). José Pais do Amaral, que morreu no cerco do Pôrlo, sendo capitflo
de artilharia ;
4 (XI). Simão Pais do Amaral.
(142) 'Brás Garcia zMascarenhas
8 (X). Joaquim Pais do Amaral e Meneses, moço-fidalgo da C. R.,
comendador de Malta, f afogado no Tejo.
0 (X). D. Joana Brígida de Meneses, c. c. Manuel Estêvão de Al-
meida Vasconcelos Quifel Barbarino, que já era viúvo,
sogro de seu irmão Simão Pais do Amaral, que segue ;
não teve ger.
X b'\ *) — Simão Pais do Amaral, sucedeu a seu pai na casa de Man-
gualde, de que foi 9.° senhor, sendo 2.° senhor da Abru-
nhosa e Vila-Mendo, moço-fidalgo da C. R., cavaleiro
da Ordem de Cristo, do Conselho Ultramarino. Casou
com D. Isabel Luísa de Almeida e Vasconcelos Quifel
Barbarino, senhora dos morgados de Monperres e
Almeida, filha de Manuel Estêvão de Almeida Vas
concelos Quifel Barbarino (moço-fidalgo da C. R., de-
sembargador da Casa da Suplicação, alcaide-mór de
Penegono, cavaleiro de Cristo, do Conselho Ultrama-
rinoj, e de sua 1.* mulher D. Caetana Eugenia do Vale
de Brito e Silva, filha de Mateus Martins do Vale Bo-
telho e de D. Escolástica de Abreu. Teve :
1 (XI). Miguel Pais do Amaral de Almeida Quifel Barbarino, n. 6
' fev. 1777, moço-fidalgo com exercício, sucessor de seus
pais, comendador de Cristo, tenente-coronel de cavalaria,
c. i3 maio 1810 c. D. Maria Joana de Saldanha Oliveira e
Daun, filha dos i."' condes de Rio-Maior, João de Salda-
nha Oliveira e Sousa, e D. Maria Ana de Carvalho e Daun,
3.^ filha do i." marquês de Pombal; f sem ger. deixando a
sua mulher todos os seus bens livres.
2 (XI). D. Maria Joana de Sá e Meneses, dama da Ordem de
S. João de Jerusalém, n. i3 dez. 1779; c. c. seu tio-ayô
José de Sá Pereira de Meneses (vid. IX b'\ * 3), comenda-
dor de Cristo, cavaleiro não professo de Malta, enviado
em missão diplomática a várias cortes, ministro plenipo-
tenciário de Portugal em Nápoles, o qual veiu a suceder
nos títulos a seu irmão João António de Sá Pereira, i.° barão
de Alverca, e a seu sobrinho João Rodrigues de Sá e Meio
Meneses Souto-Maior, x." conde de Anadia. Foi i.° vis-
conde de Alverca e 2.° conde de Anadia, mas a carta-régia
desta mercê, expedida do Rio de Janeiro, onde se achava
a corte, já o não encontrou vivo quando chegou a Portu-
gal, pelo que somente sua mulher usou o título de 2.* con-
dessa de Anadia. Não teve filho varão, mas apenas as
seguintes filhas :
I (XII). />. Maria Luisa Je Sá Pereira de Meneses de Meto Souto-Maior,
^ota I~ Família paterna do poeta (^4^)
3.' condessa de Anadia e 2." viscondessa de Alverca, n. 28 abr.
1801, c. c. seu tto materno Manuel Pais de Sá, que segue
(Xl b", '), com descendência;
2 (XU). O. Maria José de Sá, n. 20 set. 1S04, c. c. José Maria Salema de
Saldanha, môço-fidalgo, de quem teve geração, e f moça do
coro no R. IVlosteiro da Kncarnação das comendadeiras de Avis,
em Lisboa, a 29 ahr. i&- ;
3 (XU). JJ. Maria Joana de Sá, n. 11 jun. 1807, f solteira.
3 (XI). Manuel Pais de Sá e Meneses, que segue.
4 (XI). Simão Pais do Amaral e Meneses, c. c. a filha de um nego-
ciante rico de Lisboa, pelo que a família de Mangualde
teve tal desgosto, que se vestiu de luto, e mandou cobrir
as armas. Teve um só filho, que morreu novo, do qual o
pai herdou grossa fortuna, que deixou à sua família de
Mangualde, a qual a não rejeitou.
5 (Xlj. D. Maria do Patrocínio do Amaral e Meneses, c. c. seu
primo João Pinheiro de Aragão (vid. Vil b'\ 17), fidalgo
da C. R., senhor da casa dos Pinheiros de Aragão, de La-
mego.
XI b'\ *) — Manuel Pais de Sá do Amaral de Almeida e Vasconcelos
Quifel Barbarino, n. 7 abr. 1781, filho 2." de Simão Pais
do Amaral, sucedeu a seu irmão Miguel, em novembro
de i85o, nos vínculos apenas. Formou-se na Faculdade
de Leis em 1802. Foi deputado presidente da Junta da
Casa de Bragança, comendador de Cristo, môço-fidalgo
com exercício, par do reino, 3." conde de Anadia e
2." visconde de Alverca pelo casamento que fez a 23
mai. 1821 com sua sobrinha materna D. Maria Luísa
de Sá Pereira de Meneses de Melo Souto-Maior, filha
mais velha e sucessora dos 2.°' condes de Anadia e
1.°' viscondes de Alverca ((X F\ * 2). Teve :
1 (XII). D. Maria Joana de Sá Pereira de Meneses Melo Soulo-
Maior, n. 29 ag. 1822, c. i3 jan. 1842 c. o 4.» conde da
Louzã D. João José de Lencastre de Basto Baharem, e
faleceu um mês depois, a 19 fev. do mesmo ano de 1842.
2 (XII). D. Maria Isabel, n. 29 mar. 1825, f 7 dez. i85g.
3 (XII). D. Maria da Glória, n. 27 jun. 1826, f em abril de i85...
4 (XII). José Maria de Sá Pereira de Meneses, que segue.
5 (XII). Simão das Chadas de Sá Pereira de Meneses, n. 6 fev.
1841, c. c. D. Carlota Amália de Morais Sarmento, n. em
Londres a 2 fev. 1840, filha do 1.° matrimónio do i." vis-
conde da Torre de Moncorvo, e mais tarde marquesa de
Oldoini, pelo seu casamento em 2." núpcias, a 28 nov.
1877 com o marquês deste título, enviado extraordinário
(r44) 'Brás Garcia oMascarenhas
do rei de Itália em Lisboa. Houve do casamento de
Simão das Chagas as filhas seguintes:
I (XIII). D. Maria Luisa, n. 24 abr. ibõ3, solteira;
3 (XIII). D. Maria Carlota de Sá Pereira e "Sleneses, n. 4 mar. 1864, c.
c. D. .Toáo de Lencastre e Távora de Sá .Meneses Almeida
Caslelo-Branco Vasconcelos Silveira \'alente Coutinho Bar-
reto Lemos e Gois, 12." conde de Vila-Nova-de-Portimáo.
C (Xll). D. Maria das \Dores de Sá Pereira de Meneses, n. 6 ag.
1842, c. i3 junho 1861 c. Manuel de Almeida e Vascon-
celos de Soveral de Carvalho da Maia Soares de Alber-
garia, í.° barão de Mossâmedes, filho dos 2.°' condes da
Lapa. Tiveram :
— (Xlll). D. Maria Luisa, n. 25 abr. 1864, c. c. D. Francisco Lobo de
.\lmeida Melo e Lencastre, com geração.
XII b'\ *) — José Maria de Sá Pereira de Meneses Pais do Amaral de
Almeida e Vasconcelos Quifel Barbarino, n. 4 mar. 1839,
4.° conde de Anadia, c. 12 dez. 1861 c. D. Ana Maria
Juliana de Morais Sarmento, n. em Londres a 10 fev.
1844, filha dos i,°" barões e i."'' viscondes da Torre
de Moncorvo. Houveram :
1 (XIII). Manuel de Sá Pais do Amaral Pereira de Meneses,
i." conde de Anadia, que segue.
2 (XIII). José de Sá Pais do Amaral Pereira de Meneses, 4.° vis-
conde de Alverca, n. 7 março 1864, c. c. D. Felipa
Lopes Casado, e teve :
1 (XIV). José de Sa Pais dó Amaral, n. 12 jau. 188Ó ;
2 (Xl\'). /J. Felipa de Sa Pais do Amarai, c. c. Armando Coelho,
com descendência.
3 (XIII). Carlos de Sá Pais do Amaral Pereira de Meneses, i.» Vis-
conde e i." Conde de Alferrarede, n. 3 out. i865, c. c.
D. Maria da Luz de Barros Lima, e teve :
— (Xl\'). D. Maria de Barros Uma Sa Pais do Amaral, Condessa
de Calhariz, c. c. o Conde de Calhariz, filho dos Duques
de Palmela.
XIII b'\ *) — Manuel de Sá Pais do Amaral Pereira de Meneses, 5." Conde
» de Anadia, n. 2 out. 1862, c. c. D. Maria da Graça
de Barros Lima, i3." senhor da casa de Mangualde.
Teve, alem de outros filhos:
I (XIVJ. José de Sá Pais do Atnaral, 6.' Conde de Anadia, ainda
solteiro.
UH^ota I — Família paterna do poeta (^4^)
1 (XIV). Miguel de Sá Pais do Amaral.
3 (XIV). D. Maria de Sá Pais do Amaral.
Ramo quaternário b'\**)
VI ^'\ **) — D. Maria do Amarai, filha de D. Ana Garcia e de Belchior
Pais do Amaral (V b'\ 3) c. c. Francisco Nunes Lobo,
da Bobadela, já viúvo de Isabel de Sequeira, de S. Ro-
mão, e teve
1 (VII). D. Maria do Amaral, única herdeira da importante casa
de seu tio, o prior de Sandomil P.« António do Amaral
(V b'\ 4), pelo que passou a viver nas suas propriedades
da vila de Sandomil ; casou com Luís de Abreu, da li-
nhagem dos Abreus de Viia-Pouca da Beira (vid. m d 3;
cf. Nota genealog. III, iv 2, e vi c), que veiu residir para
casa de sua mulher, de quem teve :
— (VIII). Roque Fernandes de Abreu, que casou com sua parenta D. Jo-
sefa de Magalhães, e a descendCncia que houve já fica des-
crita (Vil ii". ").
2 (VII). António do Amaral Lobo, que segue.
3 (VII). P.^ Manuel do Amaral Lobo, cuja escritura de património
foi feita pelos pais em abril de 1671, e existe na Câmara
Eclesiástica de Coimbra.
Vllí>'\**) — António do Amaral Lobo, b. 19 maio 1654, sendo pa-
drinho seu lio, prior de Sandomil; c. 3 nov. 1699 em
Lourosa c. D. Ana de Quadros, b. 5 jun. 1678, filha
de Manuel Correia e D. Ana de Quadros ; na Boba-
dela, onde residiam, tiveram
VIII b'\ **) — D. Caetana do Amaral, c. c. Sebastião de Campos, filho
de Sebastião de Campos, da freguesia de S. Tiago
de Coimbra, e de Maria Antunes, de S. Paio de Gra-
maços, e houveram
1 (IX). Dr. Bartolomeu José de Campos Lobo do Amaral, que
segue.
2 (IX). Onofre Lobo do Amaral, b. 17 junho 1739.
3 (IX). José Lobo do Amaral, b. 10 maio 1744.
IX b", **)— Dr. Bartolomeu José de Campos Lobo do Amaral, b. 3o
ag. 1732, c. em i."' niipcias c. D. Micaela Vitória Freire
(i4^) 'Brás Garcia oMascarenhas
de Figueiredo, e em 2.*" a 26 jan. 1785 c. D Joaquina
Rosa Freire de Figueiredo Castelo-Branco, de S. Gião,
filha de João Francisco Mendes de Castelo-Branco, de
Alvôco da Serra, e de D. Rita Bernarda Freire de Fi-
gueiredo e Cunha. Teve sucessão apenas do 2." ma-
trimónio :
1 (X) Bartolomeu José Lobo, sargento-mór de Lagos da Beira, y
solteiro.
2 (X). Dr. Francisco Freire Lobo do Amaral, que "segue.
3 (X). Dr. António Freire de Campos, gémeo com o anterior, "f-
ifj junho 1854.
4 (X). P.^ João Freire de Campos Castelo-Branco^ abade de Sa-
modães, -j- em Gramaços a 26 dez. 1846.
5 (X). D. Maria Freire de Campos.
6 (X). D. Rita Emília Freire.
7 (X). D. Aurélia Ermelinda Freire.
8 (X). D. Joaquina Máxima Freire.
X b'\ **) — Dr. Francisco Freire Lobo do Amaral (-[• 12 mai. 1867), c.
em Gramaços a 27 set. 1837 c. D. Antónia Delfina Gar-
cia (•]- 23 dez. i852), herdeira da casa de Gramaços, e
houve :
1 (XI). Dr. Francisco Freire Lobo do Amaral, n. 10 ag. i838, •}•
solteiro, na Bobadela, a 24 abr. igoS.
2 (XI). D. Maria dos Prazeres Freire, b. de i3 dias a 3o dez. 1839,
■j- solteira, em Gramaços, a i5 out. 1866.
3 (XI). Dr. António Freire Garcia Lobo, que segue.
4 (XI). Bartolomeu José Lobo do Amaral, n. 28 nov. 1842, 7 na Bo-
badela a 27 maio 1910.
5 (XI). Joaquina, n. 19 mar. 1844, •{• 22 dez. 1845.
6 (XI). Dr. João Freire Garcia Lobo, b. de 26 dias a 3 nov. 1846,
úniio dos irmãos que ainda vive, no estado de solteiro.
7 (XI). Dr. Ale.vandre Freire Garcia Lobo, médico, n. 16 maio 1848,
■j* em Gramaços i3 out. 1905, e teve
— (Xll). Al/recto Freire Garcia Lobo, que vive em Gramaços, solteiro,
8 (XI), Dr. José Freire Lobo do Amaral, n. i3 jan. i85o, do Con-
selho de S. M , juiz do Supremo Tribunal Administrativo,
f em Gramaços em ag. 1919.
9 (XI). Dr. Manuel Freire Garcia Lobo, n. 11 nov. i85i, f nas
Caldas de S. Paulo (Penalva de Alva), a 17 nov. 1901.
XI í»", **) — Dr. António Freire Garcia Lobo, n. u jul. 1841, coronel-
T^ota I — Família paterna do poeta (^47)
-médico (y em Galizes a 17 jan. iQiS), c. 25 nov. 1897
c. D. Maria Emília Toscano Tinoco, e teve :
1 (XII). D. Maria da Assunção Freire Tinoco Lobo do Amaral, x\.
20 out. 1898, vive solteira.
2 (XH). D Antónia Freire Tinoco Lobo do Amaral, que segue.
XII b'\ **) — D. Antónia Freire Tinoco Lobo do Amaral, n. 16 dez.
1899 em Galizes, c. 23 out. 1920 c. o Dr. António
Vaz Pato de Figueiredo Martins, médico.
Ramo terciário ^'\J
V b'\) — D. Maria João Garcia, filha de Maria João e João Dias (IV
b"), c. c. o seu parente Marcos Garcia, de Sandomil.
Teve
VI b'\j -- Sebastião Garcia, c. c. sua prima D. Josefa do Amaral (V
b'\ 2), e foi o i." administrador do vínculo de Sandomil,
instituído em i653. Teve
VII b'\^) — Mateus Garcia Lobo, 2." administrador do vínculo de San-
domil, c. c. sua parenta D. Águeda Mendes de Gouveia,
de Vila-Cova-á-Coelheira, e houve
VIII è'\j) — Mateus Garcia Lobo, 3." administrador do referido vinculo,
c. c. D. Francisca de Barros e Oliveira, da antiga casa
de Outeiro-do-Bispo, em Aldeia-Nova-do-Cabo (Fundão).
Deles nasceram :
1 (IX). Anacleto Garcia Lobo, que segue.
2 (IX). D. Antónia de Barros, que casou com seu parente Luís de
Abreu Magalhães, de Sandomil, com geração já descrita
(VIII a'\ **}.
IX í»"„) — Anacleto Garcia Lobo, corregedor de Castelo Branco, c. c.
D. Margarida de Gouveia. Tiveram um íilho e algumas
filhas, que morreram novos, sobrevivendo apenas a única
herdeira,
X b'\) — D. Ana Joaquina de Barros e Oliveira, c. em Torrosêlo c.
Luís José de Abranches Homem Ferrão, bacharel for*
(i^8) 'Tiras Garcia SMascarenhas
mado em Cânones, sargento-mór de Torrosêlo, Lagos e
mais vilas da Universidade, senhor da casa dos Abran-
ches-Homens, de Torrosêlo. Teve:
1 (XI). António Homem de Abranches, herdeiro da casa e vínculos
de seu pai, -f solteiro em i833.
2 (XI). Jusé Joaquim de Abranches Homem de Oliveira e Cunha,
que segue.
XI í»",^) — José Joaquim de Abranches Homem de Oliveira e Cunha,
sucessor de seu irmão primogénito, sargento-mór de Tor-
rosêlo, senhor da casa dos Abranches-Homens, de Tor-
rosêlo, da de Aldeia-Nova-do-Cabo (Fundão), e do mor-
gado de Sandomil. Casou com sua parenta D. Maria
Cândida Boto Machado Pinio, de S. Romão. Tiveram :
1 (XII). D. Angela Adelaide Augusla de Abranches Boto Machado,
que -f solteira.
2 (XII). D. Ana Júlia de Abranches Boto Machado, c. c. José Caetano
da Costa Brandão Brito de Mesquita (infra IX d' 3), sem
descendência.
3 (XII). D. Maria Máxima Leopoldina de Abranches Boto Machado,
c. c. seu primo Luís de Albuquerque Pimentel de Vascon-
celos, filho 3.° de José Bernardo de Albuquerque Pimentel
Souveral (fidalgo-cavaleiro da C. R., senhor de vários vín-
culos em Fornos-de-Algodres, Figueiró-da-Granja e Quin-
tela-de-Azurara), e de sua mulher D. Maria Antónia Pinto
de Sá Machado. Tendo falecido solteiro seu irmão mais
velho António Maria, e tendo o imediato José Maria (pri-
meiro e único barão de Fornos-de-Algôdres, casado com
uma senhora da casa dos condes de Samodães), morrido
também sem geração, sucedeu-lhes nos vínculos da casa
de seus maiores. Foi oficial do exército na campanha pe-
• ninsular. Teve:
I (XIiI). D. Maria Cândida de Albuquerque Pimeiíle! e Vasconcelos, n.
S out. iS36, c. c. seu primo José Maria de Sá Melo Cõrte-Real,
de Fornosde-Algodrcs, e teve — (Xl\'). José Córte-Real de
Albuquerque, bacharel-formado. c. c. D. Maria Isabel Jácome,
da casa do Avelar, em Braga, com três filhos — (XV). Vasco
Anes dn Albuquerque, José Maria CòrleReal de Albuquerque,
e Francisco Augusto de Albuquerque;
i (XIII). D. Ana de Albuquerque Pimenlel e Vasconcelos, n. 5 out. i837,
f solteira cerca do ano ide 1906;
3 (XIII). Crislína, f criança;
4 (XIII). José de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos Souveral, n. 20 Jall.
iS^o, bacharel formado em Direito, c, c. sua prima co-irmá
D. Ana Isabel de Albuquerque Côrte-Real. Tiveram;— a (XIV).
José de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos, n. i5 jan. 1870,
CN^ota I — Família paterna do poeta (^49)
bacharel formado em Direita, conservador do registo predial
em Fornos-de-Algodres, c. c. D. Maria Helena Homem Rebelo
Freire de Almeida, filha do Dr. João Homem Rebelo de Al-
meida, auditor admiivstratívo em Viseu, e tem deis filhos c
três filhas — (XV). D, Maria Helena Homem de Albuquerque
Pimentel e Vasconcelos, José de Albuquerque Pimentel e Vas-
concelos, D. Maria Francisca Je Albuquerque Pimentel e Vas-
concelos, Joáo de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos, e
D. Ana de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos ; — b (XIV).
D. Maria Litha de Albuquerque Pimentel eVasconcelos, c. c.
seu primo em 3." grau Dr. José Maria de Albuquerque da
Costa Brandão, actualmente juiz de direito em Vila-Nova-de-
-Ourcin, cuja prole vai indicada noutro lugar (X d' 3) ; — c
(XIV). D. Maria da Conceição de Albuquerque Pimentel eVas-
concelos, c. c. seu con-cunhado e primo o 2.° visconde do Er-
vedai da Beira, cuja prole se menciona noutro lugar (XI d' >);
— d (Xl\'i. D. Ana Ermelinda de Albuquerque Pimentel eVas-
concelcs, sem estado; — e (XIV). Francisco, f criança;—/
(XIV). Luís de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos, solteiro,
capitão de intantaria 14, actualmente batendo-se em França
com os inimigos da pátria ; — g (XIV). /). Maria José de Albu-
querque Pimentel e Vasconcelos, c. c. Joáo de Azeredo Lobo
Pinto Melo e Leme, filho do Dr. Alexandre de Azeredo Pinto
Melo e Leme, e de D. Maria do Carmo Vasconcelos (Leiria),
sem descendt-ncia ;
5 (XIII). D. Carlota de Albuquerque Pimentel, viscondessa do Granjlo,
n. 19 fev. 1841, c. em i!-57 c. Amónio Botelho Teixeira, vis-
conde do Granjão, já falecidos ; deixaram uma filha — (XIV).
D. Amélia Botelho Teixeira e Albuquerque, c. c. o Dr. José de
Abranches Homem da Costa Brandão, de Torrosèlo (XII b",, 4),
sem dcscendè-ncia ;
6 (XIII) António de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos, n. 8 nov. 1842,
c. em i.''* núpcias c. sua prima D. Carlota Ermelinda de Sá
Melo Côrte-Real, e em 2." c. D. Clotilde Osório de Castro e
Vasconcelos, c teve cinco filhos: — a (.XIV). Luis de Albuquer-
que Pimentel e Vasconcelos, c. c. D. Estrela da Conceição
Ribeiro da Cosia, de Torres-Novas, que teve — (XV). D. Ma-
ria Helena Ribeiro de Albuquerque, D. Maria Francisca Ri-
beiro de Albuquerque, D. Maria Estrela Ribeiro de Albuquer-
que, José de Albuquerque, António de Albuquerque, e Luis de
Albuquerque ; — b (XIV). Francisco de Albuquerque Córle-
-Real ; — c (KIV). D. Carolina de Albuquerque Côrte-Real; —
d (XIV). D. Maria Joaquina de Albuquerque Côrte-Real ; —
e (XIV). D. Maria Carlota de Albuquerque Côrte-Real, c. c.
o Dr. José de Brito e Faro, e tiveram — (XV). O. Maria
Antónia de Albuquerque, e José Maria de Albuquerque Còrte-
•Real e Faro.
7 (XIII). Luis de Albuquerque Pimentel c Vasconcelos, c. c. D. Virgínia
de Almeida Borges, filha do Dr. José Januário de Almeida
Borges, de Oliveira, concelho de .MesãoFrio, falecidos sem
deseendència.
4 (XII). fi-ancisco Augtislo de Abranches Homem, que segue.
XII b"J — Francisco Augusto de Abranches Homem de Oliveira e Cunha,
bacharel formado em Leis, capitão de voluntários rea-
(iSo) Brás Garcia dMascaren/ias
listas de Mangualde, c. a 14 fev. 181 1 c. D. Maria Emí-
lia da Costa Brandão e Albuquerque, filha do capitao-
-mór de Oliveirinha, António José da Costa Brandão
(infra IX í/'), e irmã de José Caetano da Costa Bran-
dão Brito de Mesquita (supra XI b''\^ 2). Tiveram :
I (XIII). D. Carlota de Abranches Homem da Costa Brandão, c. c.
0 Dr. César Augusto Homem de Abranches Brandão, des-
embargador da Relação de Lisboa, filho do Dr. António
Henriques Ferreira, do Ervedal, e de D. Maria Amália de
Abranches Brandão, de Travancinha. Tiveram :
1 (XI\'). D. Elvira das Dores de Abranches Brandão, c. c. Armando de
Azevedo de Almada, sem geração ;
2 (XIV). Francisco Augusto de Abranches Brandão, médico pela Escola
de Lisboa, vive em iMangiialde, solteiro ;
3 (XIV). D. Clotilde de Abranches Brandão, c. c. Domingos António
T.opes. médico pela Escola de Lisboa. Vivem em Pedrógáo-
■Pequeno, com dois filhos menores — (XV). Eduardo, e D. Ma-
ria Constança;
4 (XIV). D. Henriqueta de Abranches Brandão, c. c. o Dr. Luis de
Sousa Sereno, delegado na Certa, sem gcr. ;
5 (XIV). D. Maria Emília de Abranches Brandão, c. c. Mário Júdice
de Oliveira, farmacêutico da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, com dois filhos menores — (XV). D. Maria Emitia, e
Ernesto.
1 (XIIJ). D. Maria Constança de Abranches Homem da Costa
Brandão, c. c. Manuel José da Silveira Castelo-Branco,
o Morgado de Sandomil, que linha casa em Arganil,
onde foi administrador do concelho largos anos, e onde
faleceu sem descendência.
3 (XIII). D. Maria Emil ia de Abranches Homem da Costa Brandão,
c. 7 jan. 1867 c. seu tio materno, o conselheiro Dr. Se-
bastião Carlos da Costa Brandão e Albuquerque, vis-
conde do Ervedal-da-Beira, de quem adeante se faz
menção, e se descreve a descendência (X d').
4 (XIII). Dr. José de Abranches Homem da Costa Brandão, fidalgo
da C. R., deputado da Nação, senhor das casas de Tor-
rosêlo e Sandomil, c. c. sua prima D. Amélia Botelho
Teixeira e Albuquerque, filha única de sua prima D. Car-
lota de Albuquerque Pimentel, viscondessa do Granjão
(XI b'\^ 3, 5), sem descendência.
Ramo primário c)
III c) — Ana Marques, filha de Marcos Garcia (2."), de Foihadosa (II,
4), casou na Bobadela com António Alves de Abranches.
U^ota I — Família paterna do poeta (^^^)
Ele faleceu a 21 fev. iSgS, ela veiu a falecer a 18 abr.
1619. Tiveram :
1 (IV). Manuel GarcLi, b. i3 abr. i552, c. em Pinhanços, com ger.
2 (IV). Francisco Marques, b. lo abr. i554, c. c. Agostinha Lourenço,
filha de Pedro Afonso de Figueiredo, de Oliveirinha, teve al-
guns filhos, em cujo número se conta
— (\'). José Marques.
3 (IV). Ana Garcia, b. 25 fev. i556, c. 12 out. 1572 c. Pedro Anes, o
Ruivo, de Galizes, com ger.
4 (IV). Maria Garcia, b. 3o jan. i558, c. 3i ag. 1578 c. Manuel Afonso,
de Sinde, ficando a residir na Bobadela, onde aquela faleceu
a 12 jan. iSgS, com geração, da qual mencionamos
— (V). Ana Garcia, c. 2S jan. 1Õ19 c. Lourenço Vaz, filho de Belchior Vaz e
de Catarina Jácome, de Sinde.
5 (IV). António Marques, b. 28 abr. i56o, c. c. Florentina Borges, com
ger.
6 (IV). Brites Marques, b. 5 mar. i562, que segue (IV c').
7 (IV). Marcos Garcia, que segue (IV c").
8 (IV). Isabel Antunes, b. 16 abr. i567, c. c. António Madeira, de Avô,
que veiu residir para a Bobadela, onde tiveram ger.
9 (IV). Joana Garcia Antunes, b. 6 fev. iSõg, c. 18 ag. iSgi c. João Ma-
deira, filho de Simão Garcia e Verónica Nunes, de Avô, e ir-
mão de Helena Madeira, mãe do poeta Brás Garcia Mascarenhas;
e tiveram, entre outros filhos:
1 (V). Maria Garcia, b. 10 mai. i5()2 j
2 |V|. António Madeira, b. 4 mar. iSgi;
3 |V). Helena Aniunes, h. 18 dez. 1606 ;
4 (V). Joáo Madeira Garcia.
10 (IV). Antónia Garcia, b. 5 out. 1570, c. 26 abr. 1593 c. Gaspar Antu-
nes, filho de António Afonso e de Mecía Rodrigues, da Bar-
rosa (Tábua), e irmão de Baltasar da Fonseca, c. em Avô c.
Brites Madeira (Nota geneal. II, ni b 3).
1 1 (IV). Felipa Garcia, b. 2 ag. 1574, c. c. Simão das Neves, da freguesia
do Couto-do-Mosteiro (Santa-Comba-Dão).
Ramo secundário c')
IV c') — Brites Marques, c. 29 abr. 1682 c. António Afonso da Costa,
da Barrosa, freguesia de Tábua, onde era capitão-mór,
filho de João Afonso de Figueiredo (que se dizia ser des-
cendente, por um lado, de João Afonso da Costa, que no
meado do século xv vivia na Bobadela, sendo neto de
(iSz) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
Fernando Afonso da Costa, vassalo de D. Afonso IV, e,
por outro lado, de Gonçalo de Figueiredo, fidalgo muito
ilustre, valido de D. Pedro I), e de sua mulher Catarina
Anes Homem, do Vale-de-Bèsteiros. Teve, entre outros
filhos :
1 (V). Manuel de Afonseca da Costa, que segue (V c').
2 (V). Ana de Afonseca de Brito, c. c. Manuel Homem de Figueiredo,
de Vila-Cova-sob-Avô, e tiveram, além de duas filhas,
— (VI). Manuel Homem Afonso, avô de — (VIII). Manuel de Gamboa, da
quinta da Barrosa.
3 (V). Simão de Afonseca de Brito, que segue (V c").
Ramo terciário c\)
V c\) — Mannel de Afonseca da Costa, c. em Oliveira-do-Conde c. Isa-
bel Simões, e teve
VI c\) — António de Brito da Costa, que foi soldado da companhia dos
leões, capitaneada por seu primo o poeta Brás Garcia Mas-
carenhas, sendo depois capitão-mór de Oliveira-do-Conde,
e c. c. D. F. . . . Teve
VII c\) — Manuel de Brito Ribeiro de Figueiredo, capitão-mór de Oli-
veira-do-Conde e de Correios, c. c. D. Maria Bernardes,
e tiveram
VIII c\) — João de Brito Ribeiro de Figueiredo, capitão-mór de Oli-
veira-do-Conde e de Correios, c. c. D. Maria Caetana
de Abranches Madeira. Houve
IX c'J — Manuel António de Brito Madeira de Figueiredo.
Ramo terciário c\j
V c\^) — Simão de Afonseca da Costa, c. c. D. Maria da Cunha de
Essa, neta de Gaspar da Cunha, fid. da C. R. por alvará
do ano de 1622, filho de João Gomes da Cunha, de Tábua,
também fid. da C. R. Esta D. Maria era senhora, por
sucessão, do morgado instituído em 1435 por Vasco Mar-
^ota I— Família paterna do poeta (^^^)
tins da Cunha, filho de Martim Vasques da Cunha, que
se notabiHzou nas guerras com Castella. Tiveram
VI c\J — D. Ana da Cunha da Costa, c. c. o seu parente Luís Pessoa
de Melo, e tiveram
VII c\^ — Luís Vasques da Cunha e Melo, c. c. D. F — , e nasceu
VIII c',J — Bernardo da Cunha e Melo, c. c. D. F — , e houve:
1 (IX). Lids Atanásio da Cunha e Melo.
2 flX). D. Ana da Cunha e Melo, que segue.
IX c\)- D. Ana da Cunha e Melo, c. c. o seu parente António Pedro
de Gamboa e Vasconcelos, descendente de Ana de Afon-
seca de Brito, de quem já falámos (IV c' 2).
Ramo secundário c'")
IV c") — Marcos Garcia, b. 17 nov. 1564 na Bobadela, c. em Avô a
19 ag. 1Õ91 c. Helena Madeira {Not. geneal. II, iv c'),
filha de Simão Garcia e de sua primeira mulher Verónica
Nunes, pertencente à família dos Madeiras Arrais, de
Avô. Pela resignação de seu sogro, foi Marcos Garcia
provido, a 4 set. iSgS, no cargo de escrivão das cisas e
dos panos nas vilas de Avô e S. Sebastião-da-Feira. Fa-
leceu em 1654, sendo viúvo desde 1634 ou princípio de
i635. Tiveram os seguintes filhos :
1 (V). Feliciana Monteiro, b. 11 jun. iSgí, c. 21 ag. 1617 c. Sebastião
Gomes, irmão do padre Feliciano Gomes, de Anadia, e teve
os filhos seguintes:
1 iVI). JoJO. b. em S. Paio de Arcos (Anadia) a 19 iul. 1Õ18 ;
2 (VI). Marra, b. ibid. a 17 ju!. 1620 ;
3 (VI). Catarina, b. em Avô a 25 nov. i^>22 ;
4 (Vt). Fernando, que veiu a ordenar-se, e seu irmão gémeo
5 (VI). Pedro, ambos b. em S. Paio de Arcos a 23 jul. 1628 ;
6 (VI). Um menino, cujo nome náo chegou a ser escrito no espaço, que para
isso ficou em branco no assento de baptismo, realizado ibid a 11
março i63o.
2 (V) Dr. Manuel Garcia, n. 3, b. 10 fev. 1594, presbítero, prior de
Travanca-de-Farinha-Pôdre desde i63o até i636, -1-321 jan.
1662.
(r54) 'Brás Garcia éMascarenhas
3 (V). Brás Garcia Mascarenhas, o nosso poeta, que segue.
4 (V). Verónica Nunes, b. 6 dez. iSgy, ainda era viva a 4 fev. i635, em
que figura como madrinha em um baptismo (doe. XXX) ;
nenhuma referência encontro a ela, posterior a esta data.
5 (V). Maria Garcia, h. 21 dez. iSgo, ainda era viva em 3o dez. lôSg,
quando com seus irmãos e irmãs fez testamento de mão co-
mum (doe. LXXXIX).
6 (V). P.e Pantaleão Garcia, b. 5 ag. 1601, cura de Santo Isidoro de
Almassa desde meado de i63i até fins de i635; em seguida
pároco encomendado de Travanca-de-Farinha-Põdre até i638,
e por fim prior da mesma igreja até ali falecer a 14 out. ió6o.
7 (V). Ana Monteiro, b. i5 set. i6o3, ■\ 10 fev. i663.
8 (V). Isabel Garcia, b. 6 mar. i6o5j -j- ii set. 1686.
9 (V). P.f Matias Garcia, b. 3 mar. 1607, foi cura de Anceriz desde
meado de 1647 até falecer a 23 dez. 1064 em Avô ; antes de
ser sacerdote, teve de Ana Duarte, mulher solteira de Tra-
vanca-de-Farinha-Pôdre, um filho,
— (VI). Manuel Garcia Mascarenhas, b. na Bobadela a 18 fev. 1647, <!"* ^^
a casar com sua prima D. Quitéria, filha do poeta, cuja descendência
se descrevera {Nota geneal. I\').
10 (V). Antónia Garcia, b. 2 nov. 1608, f 11 set. 1686.
11 (V). Francisco Garcia, b. 9 mar. 1612, começou a sua ordenação na
Quaresma de i633, e em seguida entrou em religião.
V c") — Brás Garcia Mascarenhas, capitão de infantaria, governador
da praça de Alfaiates, autor do poema épico Mriato Trá-
gico^ n. 3, b. 10 fev. iSgõ, c. 19 fev. 1646 c. D. Maria da
Costa Fonseca, de Avô, e -j- a 8 ag. i656, com ger. A
sua descendência até à actualidade vai descrita era a Nota
genealógica IV.
Ramo primário d)
III d) — Maria Marques, filha de Marcos Garcia (2."), de Folhadosa
(II 5), c. na Bobadela c. Gaspar Francisco, e teve
1 (IV). Belchior Francisco^ que segue.
2 (IV). Francisco Nunes, sem ger.
3 (IV). Domingos Marques, c. c. António Fernandes de Abreu, de
Vila-Pouca-da-Beira, filho de outro Amónio Fernandes de
Abreu e de Isabel Nunes ; neto paterno de Roque Fernandes
de Abreu, de Lourosa, e de sua mulher Briolanj.n Fernandes
Sequeira Castelo-Branco, tronco este de que procedem por
varonia os Abreus da Quinta da Costa (Nogueira-do-Cravo),
e por linha feminina os Abreus de Vila-Pouca, os de Lo«-
T^ota I — Família paterna do poeta ('^^)
rosa, e os de Sandomil, e muitas outras famílias nobres da
Beira. Domingas Marques teve os filhos seguintes :
1 (V). Isabel Nunes, c. c. Helcliior Dias, de Nogueira, de quem dessendem
os Lobos de S. Miguel-do-Outeiro ;
2 (V). Maria Marques, c. c. Ascenso Unhão, de Nogueira ;
3 (V). Francisco Fernandes, c. em Travanca c. Mecía Correia ;
4 (V). P.e Inácio Nunes;
5 (V). Joana Francisca, c. c. João da Fonseca ;
6 (V). António Nunes ;
7 |\') António Fernandes.
IV d) — Belchior Francisco, c. c. Brites de Abranches, de Sameice, e
tiveram :
1 (V). D. Maria de Abranches, b. 4 jan. iSgo, c. c. Domingos Nunes,
de Covas.
2 (V). D. Apolónia de Abranches, que segue (V d').
3 (V). D. Ana Francisca de Abranches, que segue (V d").
4 (V). D. Leonor de Abranches, b. 19 fev. iSgS.
5 (V) D. Antónia de Abranches, b. 1 1 ag. 1600.
6 (V). D. Isabel de Abranches, b. 23 jan. i6o3.
7 (V). D. Bealrij de Abranches, b. 4 abr. 161 1 '.
Ramo secundário d')
V d')— D. Apolónia de Abranches, b. 23 fev. 1592, c. 11 jan. i6i5,
c. Gaspar Nunes, de Covas, oficiando o vigário de Avô
licenciado António Dias, da casa do Adro, daquela vila.
Tiveram
VI d) — D. Isabel de Abranches, b. 20 nov. 1624, sendo padrinhos
Francisco Nunes e D. Leonor de Abranches, e c. em
Covas a q out. 16. . c. João da Costa Brandão, filho de
Gaspar Nunes Brandão e Maria Godinho. Tiveram
VII d') — João da Costa Brandão Nunes, c. na Bobadela a i5 mai.
1698, c. D. Maria Barreto de Figueiredo, filha de Manuel
de Figueiredo Brandão (2.° administrador do vínculo de
' Esta família bobadelense abandonou mais tarde o apelido de Abranches, que usara através de
várias gerações, passando os seus membros a ser conhecidos pelo apelido de Godinhos, que usam, desde
que uma senhora, única representante desta casa, se matrimoniou com um Godinho, de Midóes, que veiu
residir para a casa de sua mulher na Bobadela, onde deixou prole. Morreram há umas dezenas de anos
naquela freguesia duas velhinhas fidalgas, de quem ainda me reccrdo, conhecidas pela denominação de
— as senhoras Cadinhos da Bobadela — . Foram as últimas representantes da família, residentes nesta
terra.
(i56) 'Brás Garcia oMascarenhas
Vila-Cova-sob-Avô, instituído por seu tio-avô, o padre
João Homem de Figueiredo, e de que fora i." adminis-
trador o dito seu pai Manuel de Figueiredo Brandão) e
de sua mulher D. Maria Barreto. Ele faleceu a 27 mar.
1736, ela a 17 nov. 1755, em Oliveirinha. Tiveram
VIII tf) — José Caetano da Costa Brandão, c. em 2.*' núpcias c.
D. Luísa Teresa Joaquina da Nazaré Almeida Castelo-
-Branco, de Vila-Deanteira. Tiveram
IX í/') — António José da Costa Brandão Brito de Mesquita Vaz Velho
Castel-Branco, b. o mai. i75_|, capitão de Oliveirinha,
senhor da casa dos Costas de Oliveirinha e dos Britos
de Vila-Deanteira, c. em i.** núpcias c. sua prima D. Ma-
na Francisca Emília de Albuquerque Pinto Tavares Cas-
tel-Branco, e em 2.^' c. sua prima, afilhada, cunhada e
comadre D. Teresa Augusta de Albuquerque Pinto Ta-
vares Castel-Branco. Teve do i.° matrimónio:
1 (X). Comendador António da Costa Brandão e Albuquerque Brito
de Mesquita, n. i5 dez. 1809, fidalgo da C. R., coronel do
exército de D. Miguel, bateu-se heroicamente no cerco do
Porto e na batalha de Asseiceira; c. c. sua prima D. Ana
Delfina de I-oureiro Cardoso, de Carvalhiços, e tiveram:
1 (XI). Amónio da Costa Brandão e Albuquerque Brito de Mesquita, f sol-
teiro.
3 (XI). D. Maria da Conceição.
1 (X). D Maria Emília da Costa Brandão e Albuquerque, b. 14 fev.
iSii, c. c. seu primo Dr. Francisco Augusto de Abranches
Homem de Oliveira e Cunha, cuja descendência já fica
descrita (XII b" J.
!5 (X). José Caetano da Costa Brandão Brito de Mesquita, fidalgo da
C. R., c. c. sua prima D. Ana Júlia de Abranches Boto Ma-
chado, (XI 6",, 2), sem descendência.
4 (X). D. Maria dos Prajeres da Costa Brandão e Albuquerque, 7
solteira.
5 (X). Dr. Luís Cândido da Costa Brandão e Albuquerque, fidalgo
da C. R., senhor da casa de Oliveirinha, 7 solteiro.
6 (X). D. Maria da Glória da Costa Brandão e Albuquerque, c. c. o
Dr. Miguel António de Sousa Horta, filho dos barões de
Santa-Comba-Dão (já viúvo de D Maria Ladovina de Sousa
Almeida e Vasconcelos, filha dos 1.°' barões de Alvaiázere,
da qual tinha uma filha, D. Maria Ludovina de Sousa Horta,
T^ota I — Família paterna do poeta i^^l)
que casou com o Dr. António Osório Sarmento de Figuei-
redo, advogado, antigo ajudante do procurador geral da
Coroa e Fazenda, e juiz de direito). Teve:
1 (XI). Dr. Miguel Maria de Sousa Horta e Costa, juiz da Relação do
Porto, c. c. D. Maria Leonor de Sousa Monteiro Gomes, e teve
os filhos seguintes : — a (XII). Dr. Miguel de Sousa Vasconcelos
Horta e CosM; — * (XII). António, falecido ; — c (XII). Maria
Manuela, falecida ;
2 (XI). José Maria de Sousa Horta e Costa, coronel de engenharia, c. c.
D. Adelaide Silvano, de quem tem os seguintes filhos: — a (XII).
Miguel Silvano Horta e Costa ; — b (XII). D. Vera Silvano Horta
e Costa ; — c (XII). Vasco Silvano Horta e Costa ;
3 (XI). Dr. António Maria de Sousa Horta e Costa, juiz da Relação de
Lisboa, c. c. U. Maria Luisa da Câmara, e tem: — a |XII). Dr. An-
tónio Miguel da Câmara Horta e Costa, — i>(XII). .-ilvaro Luis
da Câmara Horta e Costa, — c (XII). D. Maria Luisa da Câmara
Horta e Costa ;
4 (XI). Dr. Sebastião filaria de Sousa Horta e Costa, c. c. D. Maria Clara
Monteiro Gomes, e tem os seguintes filhos: —a (.Xll). D. Maria
Susana Monteiro Gomes Horta e Costa, c. c. o capitão Carlos
Mascarenhas de Meneses ; — b (XII). D. Maria da Gloria Mon-
teirg Gomes Horta e Costa, c. em i."' núpcias c. o Dr. Francisco
de Paula do Vale e Vasconcelos, de quem teve um filho — (XIII).
Francisco, e em 2.°' núpcias c. o i.'' tenente da armada Francisco
Eduardo de Azeredo e Vasconcelos;
5 (XI). D. Maria da Conceição de Sousa Horta e Costa, c. c. José da
Costa Henriques, de Oliveira do Hospital, chefe da secretaria da
extinta Circunscrição escolar da Instrução primaria em Coimbra,
professor da Escola Normal Primária da mesma cidade, e profes-
sor livre de ensino secundário. Tem: — w (Xil). Sebastião José
Horta da Costa Henriques ; — b (XII). Luciano José Horta da
Costa Henriqws ; — c (XII). Joaquim José Horta da Cesta Hen-
riques ; — d (XII). Francisco José Horta da Costa Henriques ;
b (XI). Dr. Luis Maria de Sousa Horta e Costa, juiz de direito em Olhão,
e tem os seguintes lilhos, todos legítimos: — a (XII). D. ."alaria
Margarida, falecida, — * (XII). D. Fernanda Margarida, fale-
cida, — c (XII). D. Maria Raquel Pereira Horta e Costa, — d
(XII). Gastão Pereira Horta e Costa ;
7 (XI). Diogo Maria de Sousa Horta e Coíta, i." oficial do Ministério da
Instrução, solteiro, cora um filho - (XII). Luis Diogo de Sousa
Lopes e Horta ;
8 (XI). Bernardo Maria de Sousa Horta e Cosia, proprietáiio, c. c. D. Ca-
tarina Borges, de quem tem um filho — (XII). .Miguel António
Borges Horta e Costa.
7 (X). Dr. João da Cosia Brandão e Albuquerque, fidalgo da C. R,,
deputado da Nação, director do Arquivo do Ministério das
Obras Públicas, c. c. D. Maria Luísa Vilar Ferreira Palha 9
Almeida, sem ger.
8 (X). Conselheiro Dr. Sebastião Carlos da Cosia Brandão e Albu-
querque, i." visconde do Ervedal-da-Beira, que segue.
X tf) — Conselheiro Dr. Sebastião Carlos da Costa Brandão e Albuquer<
que, i." visconde do Ervedal-da-Beira, n. e b. em Olivei-
(i58) 'Brás Garcia (^Mascarenhas
rinha (Tábua) a 7 out. i833, fidalgo da C. R., presidente
da Câmara dos Deputados, juiz aposentado do Supremo
Tribunal Administrativo, c. em 7 jan. 1867 c. sua sobrinha
D. Maria Emília de Abranches Homem da Costa Brandão
(supra XII b'\^ 3). Tiveram:
1 (XI). Sebastião de Albuquerque Pinto Tavares, 2.° visconde do Erve-
dal-da-Beira, que segue.
2 (XI). D. Maria Emília da Costa Brandão e Albuquerque, c. c. o
Dr. Henrique Borges de Castro Homem, filho de Luís Borges
de Castro Soares de Albergaria Alvares Pereira Brandão (filho
dos Viscondes de Oliveira-do-Conde, Miguel Borges de Castro
Tavares e D. Ana Soares de Albergaria) e de D. Maria Hen-
riqueta de Abranches Brandão, de Travancinha, sem descen-
dência.
3 (XI). Dr. José Alaria de Albuquerque da Costa Brandão, n. 12 jan.
1870, juiz de Direito em Vila-Nova-de-Ourêm, c. 24 fev. 1900
c. sua prima D. Maria Luísa de Albuquerque Pimentel e Vas-
concelos (supra XI b'\^ 3, 4b). Teve nove filhos, dos quais
sete faleceram crianças, restando vivos:
I (XII). José Maria de Albuquerque da Costa Brandão, n. i set. igo3 em
Meaáo-Frio, actualmente estudante de preparatórios ;
3 (XII). D. Maria Luísa de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos da Costa
Brandão, n. 29 nov. i(,o4 em Fonios-de-Algôdres.
4 (XI). D. Maria Francisca da Costa Brandão e Albuquerque, c. 7 out.
1900 c. D. Manuel Maria da Câmara, da família dos Condes da
Ribeira-Grande, diplomado pelo Curso Superior do Instituto
Industrial de Lisboa, amanuense de i." classe da Contadoria
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, falecido a 22 fev.
1915. Teve:
I (XIIl D. Maria Francisca de Albuquerque da Câmara, n. 10 set. igor ;
3 (XII). Luís da Câmara e Albuquerque, n. 26 out. iç 02 ;
3 (XII). D. Maria Emília de Albuquerque da Câmara, gémea com o anterior;
4 (XII). D. Maria Luísa de Albuquerque da Câmara, n. 18 ag. igoS ;
5 (XI). Carlos, t criança.
6 (XI). D. Maria Luísa, f criança.
7 (XI). D. Maria Teresa da Costa Brandão e Albuquerque, c. c. Fran-
cisco Aires de Melo Sá Nogueira, filho dos Viscondes de Sá
da Bandeira, e neto do Marquês deste título; teem dois
filhos :
I (XII). Francisco de Melo Sd Nogueifa 1
a (XU). D. MariaTeresa.
8 (XI). Catlos Augusto da Costa Brandão e Albuquerque, com o Curso
Superior de Agronomia, professor da Escola Agrícola Morais
Soares, de Santarém, •{• solteiro, com 34 anos.
^ota I — Família paterna do poeta ('^q)
9 (XI). -Augusto Carlos da Costa Brandão e Albuquerque, c. c. D. Maria
Máxima de Amorim Pacheco, da casa do Sarzedo, separados
judicialmente, sem descendência.
XI tf )— Sebastião de Albuquerque Pinto Tavares, 2." visconde do Er-
vedal-da-Beira, diplomado pelo Curso Superior de Letras,
c. 10 out. 1900 c. sua con-cunbada e prima D. Maria da
Conceição de Albuquerque Pimentel e Vasconcelos (su-
pra XI b'\^ 3, 4 C)^ e -^ em 190D. Deixou dois filhos:
1 (XII). Sebastião de Albuquerque, estudante de preparatórios.
2 (Xil). D. Maria da Conceição de Albuquerque.
Ramo secundário <^")
V d") — D. Ana Francisca de Abranches, filha de Belchior Francisco
(supra IV d), c. c. Francisco Pinto, de Sinde. Teve
VI rf") — António de Abranches Pinto, c. c. D. Maria Coelho, de Sinde,
e liveram:
1 (VII). D. Inácia Coelho de Figueiredo, c. c. o seu parente Dr. Ni-
colau Garcia Pinto Mascarenhas, de cuja descendência já
nos ocupámos (supra VII b').
2 (VII). D. Antónia de Abranches Pinto de Figueiredo, que sejjue.
VII rf") — D. Antónia de Abranches Pinto de Figueiredo, de Sinde, c. c.
Francisco da Maia da Gama, filho de Manuel da Maia
da Gama e Abreu (padroeiro e administrador das duas
capelas do convento do Carmo cm Aveiro) e de sua
mulher D. Maria de Souto-Maior, da Redinha. Teve
VIII í/") — João da Maia da Gama, c. em Guimarães c. D. Luísa Ja-
cinta Caetana de Figueiredo Morgado, filha de Jerónimo
de Figueiredo Morgado, cavaleiro professo da Ordem
de Cristo, e de sua mulher D. Mariana Josefa Mendes
de Castro, de Azurara (Vila-do-Conde). Teve:
1 (IX). Fr. Francisco da Maia da Gama, carmelita descalço.
2 (IX). D, Mariana Teresa da Maia da Gama Abranches Pinto de
Figueiredo Morgado, que segue.
3 (IX). D. Antónia Genoveva da Maia da Gama, c. no Vimieiro S,
Sebastião Duarte e Oliveira.
(i6o) ^rás Garcia oMascarenhas
4 (IX). D. Joana da Maia da Gama, c. em S. Paio c. o Dr. José
Coelho.
5 (IX). D. Catarina da Maia da Gama, f solteira.
IX d") — D. Mariana Teresa da Maia da Gama Abranches Pinto de Fi-
gueiredo Morgado, padroeira e administradora das capelas
e vínculo de Aveiro, c. c. Manuel Pinto de Figueiredo,
filho de Agostinho Pinto de Figueiredo e sua mulher
D. Ana Duarte e Oliveira, da Vila-Dianteira (S. Joao-de-
-Areias). Tiveram:
1 (X). João da Maia e Gama.
2 (X). Joana, f criança.
3 (X). Luísa, -f criança.
4 (X). D. Ana da Maia e Gama, -f- solteira.
5 (X). Francisco da Maia e Gama Abranches Pinto de Figueiredo,
que segue.
6 (X). Luís da Maia e Gama, clérigo.
7 (X). D. Joana Leonor da Maia.
8 (X). Sebastião da Maia e Gama.
9 (X). D. Maria José da Maia e Gama.
10 (X). José da Maia e Gama.
1 1 (X). António da Maia e Gama, clérigo.
12 (X). D. Luísa da Maia e Gama.
i3 (X). Antónia, -j- criança.
X d") — Francisco da Maia e Gama Abranches Pinto de Figueiredo, c.
c. D. Joaquina Bárbara Cortês Serra, filha de João Antó-
nio Baeta Cortês Serra e de sua mulher D. Maria Joaquina
de Proença Veloso, da Louzã. Tiveram:
1 (XI). António Maria da Maia e Gama, f sem sucessão.
2 (XI). Francisco Maria da Maia e Gama, que segue.
XI í;?") — Francisco Maria da Maia e Gama, teve uma filha legitimada,
XII d") — D. Maria Bárbara da Maia e Gama, c. c Bernardino Henri-
ques de Carvalho. Tiveram
XIII íjf") — Augusto da Maia e Gama Henriques, c. c. D. Amélia Au-
gusta de Sá Osório Cardoso Maia, com descendência.
NOTA II
FAMÍLIA MATERNA DE BRÁS GARCIA MASCARENHAS
Tronco
I) — Henrique Madeira Arrais, segundo o testemunho de documentos
antigos, nasceu em Avô em maio de 1458. Tinha um irmão,
de nome Simão Madeira, a quem faremos referência abaixo
(III c). Era fidalgo-escudeiro da rainha D. Leonor, mulher de
D. João II, e casou em 1/' núpcias com Leonor Fernandes,
que fora criada de uma colaça daquele rei. Diz-se que este
Henrique Madeira Arrais faleceu em i525, sendo sepultado na
igreja matriz de Avô, onde possuía um altar lateral, por êle
erigido. Teve, que se saiba, os seguintes filhos, ignorando-se
a ordem cronológica dos seus nascimentos:
1 (II). D. Catarina Madeira Arrais, que segue (II a).
2 (II). P.^ João Madeira.
3 (II). Henrique Madeira, que segue (II b).
4 (II). Jácome Madeira, que segue (II c).
5 (II). L.do António Madeira, c. em Viseu c. Isabel Mendes, filha de Fernão
Lourenço (que depois de viúvo foi cónego da Sé de Viseu e vigário
geral do bispo D. Miguel da Silva) e de sua mulher Joana Mendes,
parece que a Isabel Mendes era natural de Celorico da Beira e
descendente dos Mendes de Seia ou de S. Romão. Tiveram um
filho,
— (III). Anlónio Madeira, presbítero secular, licenciado em Cânones, habilitado em
iSga para familiar do Santo Oficio.
Ramo primário J)
II a)— D. Catarina Madeira Arrais, c. c. Dom.ingos Fernandes, de
Vila-Cova-sob-Avô, teve:
I (III). D. Maria Madeira Arrais, de Vila-Cova-sob-Avô, c. c. Fernão
Oil da Costtn, de Arganil, e houveram larga descendência,
K
(162) 'Brás Garcia <£Aíascarenhas
entre a qual se conta, na 4.» geração, a mulher do poeta Brás
Garcia Mascarenhas, como a seu tempo veremos {Notei ge-
mai, in, VI b).
2 (Ili). António Madeira, que segue.
3 (III). João Madeira, n. cerca de i55j; em i635 era juiz ordinário da
vila de Avô e seu termo, e em 1647 depunha como testemunha
em um processo de genere, declarando no seu depoimento que
tinha qo anos de idade.
4 (III). P.<^ Simão Madeira, foi beneficiado na igreja colegiada de Avô,
e ainda vivia em i633.
III a) ^António Madeira, c. em \b-]ò c. Brites Afonso, filha de Aleixo
Afonso, de Anceriz, e de Isabel Alvres, de Vila-Cova-sob-
-Avô (cf. infra III b 2). Tiveram
IV a) — D. Maria de Brito, c. c. Sebastião Rodrigues Barreto, de
Gois, de quem houve
y a) — D. Maria de Brito Barreto, que veiu a casar com seu 2.° primo
António Madeira da Costa {Not. geneal. III, v c), sendo
ambos bisnetos de D. Catarina Madeira Arrais. Em a Nota
genealógica III, ramo c, se descreverá a sua descendência,
na qual se conta Bento Madeira de Castro, i." editor do
poema Viriato Trágico.
Ramo primário b)
II b) — Henrique Madeira, filho de Henrique Madeira Arrais, que é o
tronco desta árvore genealógica, c. c. sua prima Leonor
Madeira. Em i58õ foi eleito deputado para com seu irmão
Jácome Madeira, e com Simão Garcia, genro deste (cf. in-
fra II c, e III c), regular os aforamentos dos bens das con-
frarias de Avô. Teve
III b)— Domingos Fernandes, sargento-mór de Avô, c, c. sua prima
co-irmã Maria Jácome (II c i). Teve;
I (IV). Máfia Jácome., que segue.
3 (IV). Leonor Jácome, c. 6 abr. i583 c. Afonso Vaz, de Anceriz, lrm3o
de Brites Afonso, casada com seu primo António Madeira
(supra III a),
3 (IV). Brites Madeira, c, 5 set. 1593 c. Baltasar da Fonseca, irmão de
O^pta II — Família materna do poeta (^^^)
(jaspar Antunes e filho de António Afonso e Mecia Rodrigues,
da Barrosa {Nota geneal. I, iii c lo), com ger.
4 (IV). Felipe Monteiro, c. 3 jun. 1602 c. Águeda Nunes, sua prima em
4.° grau de consanguinidade, a qual era filha de João Fernandes
e Maria Nunes.
5 (IV). Ana Monteiro, c. 27 abr. i(io3 c. João Gomes, filho de Gaspar
Gomes e Catarina João.
IV b) — Maria Jácome, c. c. António Simões, de Vila-Cova-sob-Avô.
Teve :
1 (V). Helena, b. 5 maio iSqy, f criança.
2 (V). Pedro Simões, b. 24 dez. iGoo.
3 (V). Bento Simões, h. 21 abr. i6o3.
4 (V). Helena Nunes, b. 17 dez. iGo5, c. c. o L.^° António Simões, filho
de Simão Alvres e Eufemia Fernandes, e tiveram :
I (VI). Manuel Jácome, habilitado em i6j8 para a recepção de ordens menores ;
3 (VI). Paulo Jácome, b. i fev. ib33.
5 (V). Isabel Nunes de Mendonça, c. c. seu primo Simão Madeira da
Costa, de quem adeante falaremos indicando a sua descendên-
cia {Nota geneal. III, v a).
Ramo primário c)
11 c) — Jácome Madeira, casou em Avô com Maria Gomes. Foi uma.
das pessoas mais consideradas da vila, onde o encontramos
comemorado em numerosos documentos, especialmente em
assentos de baptismos, e de casamentos, na qualidade de
padrinho ou de testemunha ; a ele tinha boa aplicação o afo-
rismo popular beirão: -Não há boda ou baptii^ado — a que
não se/a chamado. Prolongam-se as referências até quase
ao fim do século xvi. Em i58f">, como já fica dito, foi Já-
come Madeira, com seu irmão Henrique Madeira e com seu
genro Simão Garcia, marido de Verónica Nunes, eleito de-
putado para regular os aforamentos dos bens das confrarias
de Avô. Teve de sua mulher os filhos seguintes :
I (III). Maria Jácome, c. c. seu primo Domingos Fernandes, sargento-
-mor de Avô (III b).
3 (III). Fernando Madeira^ c. c. F. . . , de quem teve
— (IV). Ana Jácome, b. 20 cm. iSôí
3 (III). Verónica Nunes, que segue.
4 (III)i Inácio Madeira^ c. iG ag. \SyÍ c. Mniía de Sequeira.
(164) 'Brás Garcia á\Iascarenhas
5 (III). Henrique Madeira, que, por morte de seu irmão Inácio, obtida
a necessária dispensa, casou com a viúva Maria de Sequeira a
16 out. i585, da qual teve uma fiihaj também chamada
— (IV). Maria de Sequeira, b. 23 mai. 087.
6 (III). Isabel Jãcome, c. c. João Manuel, de Avô, e houve os filhos se-
guintes :
i (IV). Jácome Madeira, b. 18 jan. |387;
2 (IV). Águeda Jácome, b. 11 dez. i588
7 (III). P." Simão Madeira, tTemii3.o de Nossa Senhora do Mosteiro, em
Avô, a quem o vigário da vila Roque Dias de Matos injuriou,
chamando-o cristão-novo, alusão à fama de mourisca que tivera
a sua avó paterna (vid. I, e cf. doe. XCVI) ; mas foi condenado,
provando o P.« Simão que tal fama era infundada e falsa.
Além destes filhos legítimos, Jácome Madeira teve mais, que
eu saiba, de Leonor Fernandes, mulher solteira, os se-
guintes naturais :
8 (III). Crisóstoma Fernandes, c. 7 fev. 1574 c. Gaspar de Paiva, filho de
Lopo de Paiva, de Nogueira do Cravo.
9 (III). Estácio Madeira, c. 29 set. i586 c. Maria M;inuel, filha de Manuel
Rodrigues e Maria João.
10 (III). Gaspar Fernandes, c. 5 fev. 1389 c. Isabel Pires.
1 1 (III). António Fernandes, c. 24 set. 1589 c. Catarina Francisca, de quem
teve uma filha
— (IV). Maria, b. 23 out. iSgo.
12 (III). Maria Gomes, c. 28 jan. 093 c. António Marques.
III c) — Verónica Nunes, casada por cerca do ano de i556 com seu
primo Simão Garcia, filho de Simão Madeira, o qual era
irmão de Henrique Madeira Arrais, avô paterno dela Ve-
rónica Nunes. Simão Garcia era talvez por sua mãe, cujo
nome ignoro, parente dos Garcias Mascarenhas, de Fo-
Ihadosa, e foi tabelião do público e judicial em Avô, cargo
que já exercia a 5 set. iSgS, segundo consta de um assento
de casamento neste dia realizado, em que figura como tes-
temunha. Também exercia as funções de escrivão das
cisas e dos panos na mesma vila e na de S. Sebastião da
Feira, cargo que obteve em i557 por virtude de reniincia
feita por Fernão Gonçalves, de Oliveira do Hospital. Por
último acrescentarei que Simão Garcia era também indus-
trial, fabricante de tecidos. Faleceu Verónica Nunes entre
C\pta II — Família materna do poeta (i 65)
0 mês de dezembro de 1574 e o anno de 1677, e o viúvo
passou então a 2.*^ núpcias com Joana Pegado, talvez da
família dos Pegados, que residiam em Balocas, freguesia
de Covas. Verónica Nunes teve os seguintes filhos :
1 (IV). Ana Nunes, que veiu a casar a 28 jul. iSyy c. Pedro Fernandes,
filho de Mateus Fernandes e Isabel Fernandes, de Anceriz.
2 (IV). Isabel Nunes.
3 (IV). João Madeira, c. iS ag. 1591 c. Joana Garcia Antunes, irmã de
Marcos Garcia, que no dia seguinte casou com Helena Madeira,
irmã do João Madeira ; com ger.
4 (IV). Helena Madeira, que segue (IV c').
5 (IV). Felipe Madeira, que segue (IV c").
6 (IV). Antmio Garcia, b. 25 out. 1572.
7 (IV). Maria Nunes, b. 2 dez. iJy^ '.
Ramo secundário c')
IV c') — Helena Madeira, b. 20 set. i5ó8, c. 19 ag. 1691 c. Marcos
Garcia, da Bobadela (Nota geneal. 1, iv, c"). A sua des-
cendência é descrita em a Nota genealógica I, iv, c".
Entre os seus onze filhos figura
V c') — Brás Garcia Mascarenhas, o nosso poeta-guerreiro, cuja des-
cendência até à actualidade é objecto da Nota genealó-
gica IV.
Ramo secundário c")
IV c") — Felipe Madeira, b. ló jan. 1371, casou com Eufemia Pais
de Mesquita, oriunda de uma família nobre de Viseu.
Sucedeu a seu pai no cargo de tabelião do público e judi-
cial de Avô e seu termo. Teve:
I (V). António Madeira de Mesquita, b. i dez. 159S.
' De sua 2." mull)er, Joana Pegado, teve Simão Garcia um S ° filho, Gaspar Garcia, que foi bapti-
zado a 6 nov. 1578, e casou a 3o dez. i5g7 com Maria .Manuel, de Buarcos, sem liaver os prévios pro-
clamas, segundo determinação do visitador, o L.Jo Gonçalo do Quental, por lhe cons'ar per tesí.as gue per-
guntou q maliciosamM se podia impedir este matrimonio. Depois de realizado o casamento, foram ent,ío
proclamados na forma do estilo, e receberam as bênçãos nupciais a 7 jan. i5-)8. Houveram os filhos se-
guintes: — a) Joana Garcia, b. 2 fev. K.oo ; — b) Simãj Oarci.i, b. 23 set. 1602 ; — c) Isabel Garcia, b. 25
jan. i6o3 (f 14 abr. 166.^), c. 24 fev. i6.^3 c. António .Madeira, o Mata, de Avô, filho de João Fernandes e
-Maria Madeira (de quem houve — António Madeira, b. 18 dez. i633, habilitado para a recepção de ordens
menores em ib5i — e Manuel Garcia, b. 17 jan. i636, admitido â recepção de menores em i65j) ■, — d)
Maria Manuel, b. 3 juu. 1607 ; — e) Marta Garcia, b. 5 nov. 1609.
Ci66) 'Brás Garcia óMascarenhas
2 (V). Cristóvão Madeira, b. 17 out. 1600.
3 (V). Manuel Madeira^ b. 2 jun. 1602.
4 (V). Boaventura Madeira, b. 22 jul. i6o3.
5 (V). Luís de Figueiredo, b. 5 dez. 1604, c. 21 fev. 1629 (depois de
larga ausência no Brasil) c. Maria Gaspar (•}- 28 out. 1678),
filha de FVancisco Anes e Águeda Fernandes, obrigando-se
Luís de Figueiredo, antes do casamento, a apresentar dentro
de dois anos documento justificativo do seu estado livre,
sendo este compromis';o caucionado com o depósito de
5oo cruzados de fiança. Faleceu no Porto em 1672, che-
gando a Avó a notícia da sua morte a 24 de julho. Teve
os filhos seguintes:
I (VI) Manuel, b. 27 nov. i63i ;
j |VI|. Ana, b 17 dez. i633 ;
3 'VI). Felipe, b. 23 ag. i637 ;
4 (VI). Eufemia, b. 2 jun. 1640 ;
5 (VI). Águeda, b. 18 fev. 1643 ;
6 (VI). Francisco, b. foal. 1646, f 26 mar. i6'i5 ;
7 (VI). Isabel, b. 10 ag. i65o.
6 (V). Maria de Mesquita, que segue.
V c") — Maria de Mesquita, b. 21 ag. 1607, c. em i.'* núpcias a 3o
out. 1623 c. seu primo Francisco Dias <da Costa, irmão da
sogra do poeta Brás Garcia (Not. geneal. III, iv, 5). Fa-
lecido seu marido, passou a 2.''^ núpcias a 26 fev. 1629 c.
João Gomes Botelho, do Couto da Vacariça, filho de An-
tónio Lopes Botelho e de Luísa Gomes, o qual faleceu a
17 março 1699. Teve do i.° marido duas filhas:
1 (VI). Susana Manuel, b. 1 1 dez 1624, c. 10 jan. 1645 c. Jacinto Go-
mes Botelho, irmão de seu padrasto, e teve :
1 (VII). Francisco Gomes, b. lo set. 1G46 ;
2 (Vil). P.e António Lopes ;
3 (Vil). João Gomes de Mesguita, c. em i.-"' núpcias era Santa Comb.i Dão,
e em 2." na .Mealliada, liavendo filhos somente deste 2.° matri-
mónio, entre os quais se conta — (V'1I1). o Dr. Alexandre Ribeiro
de Mesquita, que casou na quinta da Coitena (Bobadela), onde
deixou geração ;
4 (Vil). Joana de Mesquita, c. c. Bento Toscano de .Albuquerque, da \'aca
rica, com geração.
2 (VI). Águeda de Mesquita, n. em 1626, c. 22 jul. 1645 c Domingos
Nunes, da vila de Covas, filho de Simão Nunes e de Cata-
rina Simão, e teve :
1 (\'II). Dr. Fr. U>bano de Mesquita, Dom Prior de Tcmar ;
2 (VII). P.e Nicolau de .Mesquita Castel-Branco, prior de Ois-da-Fibeira :
3 (VII). Dr. Miguel Nunes de Mesquita, desembargador no estado da índia,
e depois memíro do Conselho Ultramarino, com ger.
í7X^o/íZ // — Família materna do poeta {i6q)
Maria de Mesquita teve do 2.» marido os filhos seguin-
tes :
3 (VI). Maria^ b. 20 mar. if'3o, f criança.
4 (VI). Felipe, b. i nov. i632, f criança.
5 (VI). João Madeira de Mesquita, b. i3 out. i635; ausentou-se para
longe e por lá morreu, fazendo se-lhe em Avô as exéquias a
16 dez. 1667.
6 (VI). Felipe Madeira de Mesquita, b. 20 set. i538, que segue.
7 (VI). Manuel Madeira de Mesquita^ b. 17 jan. 1642, f 6 abr. 1662.
8 (VI). Maria de Mesquita, b. 7 mar. if<45, f 17 set. í688.
f) (VI). Ouitória de Mesquita, b. 10 set. 1646, f 10 abr. i663.
10 (VI). António de Mesquita, b. 4 set. 1649.
VI c") — Felipe Madeira de Mesquita, c. c. Maria da Costa, de Vila-
-Pouca, filha de João Alvres, da mesma vila, e de Maria
Pegada, de Balocas, freguesia de Covas. Teve em Vila-
-Pouca, onde ficou residindo.
Vil c")— José da Costa de Mesquita, b. em Vila-Pouca a 24 mar.
1672, capitão-mór de Avô, c. em Santa Ovaia a 7 fev.
1701 c. D. Isabel Madeira Arrais. Êle faleceu a 10 set.
1732, e ela a 24 mai. 1752. Tiveram:
1 (Vlli). P.e Manuel da Costa de Mesquita, n. 3 set., b. 21 out. 1703.
Principiou a sua ordenação em 1722, e faleceu a 22 mai.
1736.
2 (VIII). Felipe Madeira da Costa de Mesquita, que segue.
3 (VIII). D. Maria da Coita de Mesquita, b. 27 abr. 1713, c. 9 fev.
1736 c. Brás Garcia Mascarenhas, bisneto do poeta do
mesmo nome ; houve geração, descrita noutro lugar
[Nota geneal. IV, iv). Faleceu a 10 mar. 1797.
4 (VIU). Dr. Pantaleão da Costa de Mesquita Arrais, b. 27 jul. 1716,
canonista, ordenado de menores em 1736.
VIII c") — Felipe Madeira da Costa de Mesquita, b. 3o out. 1706, foi
capitão-mór de Avô, onde faleceu solteiro a 10 dez. 1780.
De Teodora Madeira, filha de Manuel Madeira e Maria
Mendes, da mesma vila, teve
IX c") — D. Maria da Costa, b. 17 jul. 1730, c. i3 jun. 1747 c. Gon-
çalo Nunes, filho de Domingos Nunes e de Ana Fernan-
des, de S. Sebastião-da-Feira. Teve alguns filhos, entre
os quais
(i68) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
X c") — Manuel Nunes da Costa, cirurgião, n. lo, b. 17 mar. 1751, c.
c. D. Ana Bernarda Antunes, filha de Manuel Antunes e
de D. Isabel Maria, de Valbona, freguesia de Arganil.
Teve :
j (XI). Manuel Nunes da Cosia, bacharel formado em Cânones, que
teve de Maria Tavares um filho
— (XI). l.enncl da Costa de Mesquita, farmaci-utico em Avò.
2 (XI). Francisco Madeira da Costa de Mesquita, que segue.
3 (XI). P.f António da Costa de Mesquita, preso como constitucional,
morreu nas cadeias por cerca de i833;
4 (XI). B.^i José da Costa de Mesquita, médico muito distinto e afa-
mado.
XI c") — Francisco Madeira da Costa de Mesquita, capitão de uma
companhia de fusileiros na guerra peninsular, c. c. D. Ma-
ria Rita da Conceição, do Pisão-de-Côja, e teve
XII c") — D. Joaquina Máxima da Costa de Mesquita, c. c. seu primo
Leonel da Costa de Mesquita (X c" i), e teve
XIII c") — António da Costa de Mesquita, c. c. D. Maria da Assunção
da Fonseca e Brito Serra, de Pomares. Tiveram:
1 (XIV). D. Maria Eduarda de Mesquita.
1 (XIV). D. Beatri^ Ester de Mesqitita.
3 (XIV). D. Isabel Maria de Mesquita.
NOTA III
FAMÍLIA DE D. MARIA DA COSTA,
MULHER DE BRÁS GARCIA MASCARENHAS
Tronco
I) — André Quaresma, de Arganil, fidalgo-cavaleiro da casa de el-rei
D. João III, descendente, segundo se afirmava, de D. Paio
Soares Correia (da nobre estirpe de Paio Ramires, que passou
a Portugal com o conde D. Henrique) e de D. Maria Pais,
filha de D. Vasco Martins. Casou com Ana Esteves, e tive-
ram
II) — Branca Quaresma, c. c. Pedro Dias da Costa, também de Arganil,
escudeiro-fidaigo da C. R., filho de Diogo Alves da Costa, da
família, segundo se diz, dos Costas de Alpedrinha, à qual
pertenceu o célebre cardial D. Jorge da Costa e o arcebispo
de Braga e de Lisboa D. Martinho da Costa. Teve
III) — Fernão Gil da Costa, de Arganil, c. em Vila-Cova-sob-Avô c.
D. Maria Madeira Arrais {Nota geneal. II, ii a i), neta de
Henrique Madeira Arrais, tronco da família descrita em a
Nota geneal. anterior. Foi industrial de lãs e fabricação de
tecidos, indústria que depois abandonou. Houve :
1 (IV) Gaspar Dias da Costa, b. em Vila-Cova a 21 set. i555, que segue.
2 (IV). D. Maria Madeira da Costa, c. c. Domingos Fernandes de Abreu,
com ger.
3 (IV). Bernardo Madeira da Cosia, c. c. a filha e herdeira de Lourenço
Mimoso, de Linhares, de quem houve
— |V;. Lourenço da Cosia Mimoso, mestre. de-campo do exército da Beira, militar
de grandes méritos, o qual casou em i."' núpcias c. a herdeira de Gaspar
da Fonseca, e em 2."' na casa de Isidro Ferreira da Cunlia e de Catarina^
Paclieco da Costa Còrte-Real, tendo deste 2." casamento — (VI). Ber-
nardo da Costa Mimoso, cavaleiro da Ordem de Cristo, alcaide-mór de
(ijo) Brás Garcia oMascarenhas
Monsanto, casado com a herdeira de Manuel da Fonseca, de quem teve —
(Vil). Manuel da Coita Mimoso, desembargador da Mesa da Consciência,
casado com a lierdeira de Francisco de Araújo, fidalgo da C. R, e teve
— (VIII). José BeniarJo da Cosia Mimoso Pereira de Vasconcelos,
fidalgo da C. R., casado na casa de Francisco Xavier de Alpoim e Abreu.
IV) — Gaspar Dias da Costa, c. em Avô a 16 fev. i386 c. Susana Ma-
nuel, que fora baptizada a i jun. iSõy, filha de Manuel João,
da vila de Buarcos, e de Catarina Rodrigues, de Avô, que
se dizia descendente de António Rodrigues, de Buarcos, escu-
deiro de D. João I. Um irmão de Susana Manuel, de nome
Manuel João como seu pai, casou também em Avô a 2 set.
iSgô c. Ana Fernandes, filha de João Fernandes, o Moço, e
de Catarina Gonçalves. Foi Gaspar Dias da Costa capitáo-
-mór de Avô, e, alem dos avultados rendimentos de sua casa,
auferia lucros da indústria de fabricação de tecidos de linho
e lã, e do comércio. Teve:
1 (V). Manuel Dias da Costa, b. a 3 set. i586, que ainda vivia em 1624.
2 (V). Gaspar Dias da Costa, b. 3o abril i5go, familiar do Santo Ofício, c.
em I."' núpcias em Vila-Pouca (para onde mudou a residência)
c. D. Maria Nunes de .^breu, filha de Roque Fernandes de Abreu
e de sua mulher Isabel Francisca de Figueiredo (cf. infra vi c, e
Nota geneal. I, vii a", **). Depois de viúvo, casou em 2." nú-
pcias com Maria Garcia de Sequeira, da Bobadela, filha de
Manuel Fernandes, de S. Gião, e de Luísa de Sequeira, e neta
materna de João Garcia, de Oliveira-do Hospital, c de Helena
de Sequeira. Teve numerosa geração de ambos os casamentos ;
sua filha — (VI) Maria Madeira casou na última metade de i63o
c. Matias Fernandes, de Avô.
3 (V). Simão Madeira da Costa, b 8 nov. 1592, que segue (V a).
4 (V). D. Maria Madeira da Costa, b. 11 set. iSgS, que segue (V b).
3 (V). Francisco Dias da Costa, b. 25 ag. iSgS, c. 3o out. lõiS c. Maria de
.Mesquita, fiUia de Felipe Madeira (tio materno do poeta Brás), e
de Eufemia Pais de Mesquita, dama nobre de Viseu. Já nos ocu-
pámos {Nota geneal., II, v c") da descendência que teve pelas
suas únicas duas filhas — (VI) Susana Manuel e Águeda de Mes-
quita.
6 (V). D. Cecília Madeira da Costa, b. 11 mai. lõoo, c. 16 ag. 1623 c.
Aleixo x\fonso, de Anceriz, irmão de João Manuel da Fonseca, já
casado com D. Maria Madeira da Costa, irmã de D. Cecília (V b).
Foi viver com seu marido para Anceriz, e teve oito filhos, que já
deixamos enumerados na pág. 124 do precedente estudo histórico.
Entre eles se conta — (VI) o padre jesuíta Gaspar Afonso, b. 29
out. 1626, que veiu a ser bispo de S. Tomé de Meliapor. Na des-
cendência de D. Cecília houve numerosos homens de letras, que
C/^oía III — Família da mulher do poeta (nO
exerceram elevados cargos na igreja, na magistratura judicial, e
no professorado.
7 (V), António Madeira da Costa, b. 14 jun. i6o5, que segue (V c).
8 (V). João Madeira da Cosia, b. 24 mar. 1607, que se habilitou em 1C25
para a recepção de ordens menores.
Ramo primário a)
V a) — Simão Madeira da Costa, escrivão dos órfãos de Avô, Vila-
-Cova e S. Sebastião-da-F^eira, c. c. sua prima Isabel Nunes
de Mendonça (-^ em 1641), filtra de António Simões, de
Vila-Cova, e de Maria Jácome, de Avô (Nula geneal. II, iv
b 5). Houveram:
1 (VJ). Bento Madeira da Costa, b. 23 mar. 1616.
2 (VI) D. Teodora Madeira da Costa, h. 26 mar. 1618 (f 16 mai. 1701),
c. 14 jun. i632 c. António da Costa, de Oliveira-do-Hospital,
que passou a residir com sua mulher em Avô, onde foi escrivão
dos órfãos, logar concedido por el-rei D. Felipe, em diploma de
5 jun. i632, a Isabel Nunes de Mendonça (visto nchar-se vago
pelo fiilecimento de seu marido), para servir de dote a uma de
suas filhas. Teve :
1 (VII). P.' Gaspar Jn Costa, b. em casa a i5 jun. ir)34, veiu a ser btiieKciado na
colegiada de Avò ;
2 (Vil). Manuel da Costa Jácome, c em Galizes c. Maria Brandão, sem ger. ;
3 (Vil). D. Maria da Costa, t. em Arganil c. Manuel de Andradt Monteiro, sem
ger.;
4 (VII). António da Costa, b. 17 set. i"!,)! ;
5 (Vil). D. Mariana da Costa, b. i5 set. 164 ), c c. Cosme Fernandes de Abreu,
de Sandomil, com gí ração numerosa, na qual figuraram Juizes, que se
notabilizaram na magistratura do coniinente e do ultramar, e outros va-
rões importantes. Deste tronco descendem os Madeiras Arrais, re-
present.idos pela família da casa das Obras de Seia, entre os quais
figura D. .'ose António Pinto de Mendonça Arrais, bispo de Pinhel,
e mais tarde da Guarda ;
6 {A'1I). D. Isabel da Cosia, b. 28 mar. 1647 ;
7 (Vil). /). Teodora da Costa, b. 14 oiit. i652, f 27 set. 1677 ;
8 (Vil). D. Ana da Costa, b. 23 ian. i6i5 ;
9 (Vil). S(»i ío Madeira da Costa, b. 19 nov. i65S, habilitado para a ordenação
de menores em 16S2, embarcou em seguida para a índia, onde faleceu,
fazendo-se em .\vô exéquias na primeira semana de março de 1695.
3 (VI). Pedro Madeira da Costa, b. 3o jul. 1620,
4 (VI). D Maria Jácome de Mendonça, que segue.
VI a) — D. Maria Jácome de Mendonça, c. na capela de Nossa Senhora
do Mosteiro em Avô a S fev. 1641 c. Bernardo Duarte de
Figueiredo (-j- 23 mai. 1670), sargento-mór que mais tarde
(172) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
foi de Avô, e tabelião do público e judicial; era filho de
Salvador Duarte de Figueiredo, capitao-mór de Pombeiro-
-da-Beira, e de Catarina Gomes da Silva, da qual proveiu
aos seus descendentes fama, embora infundada, de impu-
reza de sangue. Tiveram:
1 (VII). D. Maria Jácome de Mendonça, b. 3 mar. 1642, freira no mos-
teiro de Celas, aros de Coimbra, onde entrou em 1673, e ali
faleceu a 23 abr. 1724, segundo consta do seu epitáfio no
claustro do referido mosteiro, lado oriental.
I (Vil). Dr. Matias Jácome de Mendonça Figueiredo, teólogo, b. 14
jul. 1644, sendo padrinhos o poeta Brás e sua futura sogra
D. Maria Madeira da Costa, tia do neófito. Principiou o pro-
cesso de genere para a sua ordenação em novembro de 1666;
mas, aparecendo denúncia do impedimento de impureza de
sangue, teve de correr um processo especial de investigação
em várias localidades, apensando-se a este um outro processo,
que correra contra o P.« Matias Garcia, irmão de Brás, por
ter chamado judeu ao pai do Dr. Matias. Por fim foi pro-
nunciada, a 12 abr. iG63, a sentença declarando-o cristão-
-velho, limpo de qualquer contágio de sangue de infecta nação,
das reprovadas em direito. Ordenou-se logo a seguir, e, de-
pois de presbítero, embarcou para a índia, onde foi provisor
do arcebispado de Gõa, e lá faleceu a 8 jan. 1676.
3 (VII). Alexandre de Figueiredo Jácome, que segue.
4 (VII). D. Quitéria de Mendonça, b. i5 jun. 1648, professou no mos-
teiro de Celas, para onde entrou com sua irmã Maria em
1673.
5 (VII). D. Angela Teresa de Mendonça, b. 19 mai. i65o, entrou tam-
bém para o mosteiro de Celas, no mesmo dia em que entra-
ram as suas irmãs Maria e Quitéria, e, como elas, lá professou.
Faleceu ali a 29 jan. 1722, sendo sepultada no claustro, onde
tem epitáfio.
6 (VII). Fr. Bernardo da Conceição., b. 17 jul. i65i, cisttrciense.
7 (Vil). Fr. Manuel de Figueiredo., b. 20 jul. i6S3, trino.
8 (VII). P.^ Simão Madeira da Costa, b. 28 jun. i656, também teve di-
ficuldades para a ordenação, por denúncia de impureza de
sangue. Vencidas elas, ordenou-se em 1682, e foi abade de
Moncorvo, e, depois, de Fornos.
VI] a) -Alexandre de Figueiredo Jácome, b. i3 mar. 1646, habilitado
para receber ordens menores em dezembro de 1661, c.
em S. Romão a 7 mar. 1672 c. D. Feliciana Coelho de
Miranda (-]- 14 nov. 1708), filha de António Coelho de
Miranda, de S. Romão, e de Maria Mascarenhas, de
^ota III— Família da mulher do poeta (h-^)
Coja. Sucedeu a seu pai no ofício de tabelião do público
e judicial. Teve :
1 (VIII). D. Maria Jácome Coelho, b. 17 fev. 1 683, ■}■ solteira, no Porto,
em casa de seu irmão Bernardo, a 20 jun. 1757.
2 (VIII). D. Catarina Coelho de Miranda, b. 25 out. 16S4, j solteira
no Porto, como a antecedente.
3 (VIII). D. Francisca do Amaral de Mascarenhas, b. 24 abr. 168G, f
solteira, em Avô, a 10 dez. 1708.
4 (VIII). Dr. Bernardo Duarte de Figueiredo, que segue.
Vnic7) — Dr. Bernardo Duarte de Figueiredo, b. 12 fev. 1688, cano-
nista, cavaleiro profesio da Ordem de Cristo, familiar
do Santo Ofício (habilitado em 1718), juiz de fora na
cidade de Miranda, e depois na Covilhã, para onde passou
em 1724; corregedor de Pinhel em 1726, e de Coimbra
em 1729; desembargador dos agravos e suplicações, ser-
vindo de chanceler, em 175S. Prestou relevantes serviços
na fundação da Companhia dos Vinhos do Alto Douro, e
veiu a falecer a 6 fev. 1769. Casou em i.*' núpcias na
quinta da Costa (Nogueira-do-Cravo) em 1744 corn sua
prima D. Ana Geralda de Brito Brandão e Abreu, filha
de Manuel Madeira de Abreu, de Anceriz, e de D. Ma-
riana Teresa de Brito e Costa, de Coja ; neta paterna do
Dr. Pedro Madeira de .4.breu, de Oliveira-do-Hospitai,
e de D. Maria de F"igueiredo Brandão, de Vila-Cova-sob-
-Avô; materna de Luís de Brito da Costa, e de D. Maria
Xunes de Brito, ambos de Coja. Falecida sua i." mulher
em 1751 sem descendência, passou a 2.^^ núpcias c.
D. Antónia Luísa de Melo Cardoso, natural da quinta
dos Corvos à Nogueira, freguesia de Santos Evos, co-
marca de Viseu; era filha de Bernardo da Silva Castel-
-Branco e Melo, e de D. Francisca Xavier Juzarte Car-
doso, irmã de António Xavier Juzarte Cardoso, fidalgo
da C. R., correio-mór de Coimbra, onde residia na fre-
guesia de S. Cristóvão '. Houve deste 2.° matrimónio
IX íi) — Alexandre José de Figueiredo e Melo Cardoso, n. 6, b. 10 nov.
1737. Foi tenente-coronel de milícias do batalhão de Ar-
' É uma famliia muito distinta de Coimbra, esta dos Juzartes, cuja pedra de armas ainda hoje it
vè s6bi c o portão da sui casa na antiga rua das Fangas, hoje chamada de Fernandes Tomás, logo abaixa
das escadas que comunicam esta rua com a amiga do Correio, ora de Joaquim António de Aguiar. F«r>
{j'-]4) 'Brás Garcia Mascarenhas
ganil, e sargento-mór de Avô. Casou a 28 mai. lygS c.
sua prima D. Ana Máxima Soares de Albergaria, de Seia,
tence hoje esta casa a um ramo da família dos Garcias Mascarenhas, enlaçada com a dos Juzartes
[Nota geneal. I, xii *'.,).
Eis a árvore g-uealógica dos Juzartes, segundo um nobiliário dos princípios do século xix, perten-
cente ao meu ilustre colega Dr. Eugénio de Castro e Almeida :
Peiro Rodrigues Ju^arte, que parece foi filho de Rodrigo Juzarte, e
neto do conde de Liuzaite, estribeiro do infante D. PeJro duque de
Coimbra, regente na mencridade de D. Afonso \' ; e casou com Cata-
rina de Oliveira, de Monle-Mór-o-Velho
■ l
Vasco de Oliveira Jujarle, morador era Monle-Mor-oVclho no reinado
de D. Afonso V. casou na casa de Krancisco de Andrade, o qual era
marido de uma irmã do bispo D. Drás Nelo
- l
Miguel Juzarte, filho 2.^, ouvidor em Cantanhede, onde casou em casa
de Domingos Gonçalves Godinho
Agostinho Ju^artâj morador em Cantanhede, casou em casa de Pedro
Soares
- i ■ •
Miguel Jujarte de Andrade, c. c. a herdeira de Lançarote Ribeiro
l
yravíisco Cardoso Juzarte, vereador e correio-mór de Coirabra em i653,
c. c a filha e herdeira de Agostintio Maldonado, tabelião em Coimbra,
filho de António Alves Antunes e de Guiomar Vaz Maldonado
- i -
Agoítinho Juiarte Maldonado, familiar do Santo Oficio, c. c. D. Ana
Teresa da Silva, filha e herdeira de Francisco Gonçalves Tojeiro da
Silva, e de sua mulher D. Mai ia Gonçalves Tojeiro, de Matozinhos
Francisco Juzarte Maldonado Cardoso Ribeiro da Silva, j D. Teresa Maria da Silva Ju-
fidalgo-cavaleiro da C. R. em 1717, senhor de Eiras e Vila- j jarle, c. c. Bento Madeira de
rinho, c. c. a herdeira de António Machado de Paços, do
Porto
I
António Xavier Ju^a> te Cardoso,
fid.caval., c. na casa de Pedro
Lopes
" 1
Francisco Xavier Juzarte de
Quadros, fid. cavai., correio-
■mór de Coimbra, c. na casa de
í"rancisco Baptista Montes, de
Ponteias, sobre o Douro
\D. Francisca Xavier Juiarle Car-
' doso, c. c. Bernardo da Silva
Castelo-Branco e Melo, da quin-
! ta dos Corvos á Nogueira, fre-
I guesia de Santos Evos
Castro, i.° editor do Viriato
Trágico. Da sua descendência
nos ocuparemoé adeante (VII c;
I
António Juxarte de Quadros, o.
tm f;S4
D. Antónia Luisa de Melo Car-
doso, c. c. o Dr. Bernardo
Duarte de Figueiredo, de Avô,
cuja descendência estamos des-
crevendo
C\pta III — Fainilia da mulher do poeta (n^)
filha de José Bernardo de Miranda Brandão Castelo-Branco,
sargento-mór de Seia, e de D. Antónia Joaquina de Melo e
Távora. Entre outros filhos, falecidos sem descendência,
houve os seguintes:
1 (X). António de Figueiredo Miranda Brandão Castelo-Branco, que
segue (X íj').
2 (X). Francisco de Figueiredo Cardoso e Melo, que segue (X a").
3 (X). D. Casimira Cândida de Figueiredo Cardoso e Melo, que se-
gue (X .1'").
Ramo secundário íi')
X a') — António de Figueiredo Miranda Brandão Castelo-Branco, c. no
tundáo c. D. Bernarda Carolina Godinho de Sampaio e
Melo, filha do Dr. Francisco Maria Godinho da Fonseca do
Amaral, e de D. Ana Cândida da Cunha Soto-Maior de
Sampaio e Melo. Tiveram:
1 (XI). Alexandre de Figueiredo Miranda Soares de Albergaria de
Sampaio e Melo, c. c. D. Ana Leopoldina de Carvalho e Albu-
querque, de Vila-de Igreja, sem sucessão.
2 (XI). D. Maria Delfina de Figueiredo, que faleceu solteira em Torto-
sendo.
3 (XI). D. Francisca de Figueiredo Godinho Soares de Albergaria, que
segue.
XI a') — D. Francisca de Figueiredo Godiniio Soares de Albergaria, c. c.
João Soares de Albergaria Cabral da Costa e Faro, de
Maceira (Seia), e teve:
1 (XII). Augusto Soares de Albergaria Cabral, n. 4 nov. iSyS, que
segue.
2 (XII). João Soares de Albergaria Cabral, n. 5 dez. 1877.
3 (XII). D. Maria Jerónima Soares de Figueiredo, n. 23 fev. i883.
4 (XII). D. Maria da Exaltação Soares de Albergaria, n. i jun. i885'
5 (XII). Eduardo Soares de Albergaria, n. 14 jun. 1888.
6 (XII). Gastão Soares Coelho, n. i out. 1891.
7 (XII). Ausindo Soares de Albergaria Coelho, n. 4 ag. 1898.
XII d') — Augusto Soares de Albergaria Cabral, c. c. D, Maria da Pie
dade Gouveia Pinto, e tem ;
t (XIII). João Soares Pinto de Albergaria, n. 26 jun. igot.
2 (XIII). D. Natércia Soares de Albergaria, n. 23 jun, 1904.
(r76}
'Brás Garcia ^Mascarenhas
Ramo secundário -í")
X a") — Francisco de Figueiredo Cardoso e Melo, c. na Quinta da
Costa (NogLieira-do-Cravo) c. D. Ana Augusta Madeira,
e teve :
I (XI). D. Maria da Piedade Madeira Tovar de Albuquerque, c. c.
António de Abreu Gama Lobo, de Canas de Senhorim, sem
descendência por f;ilecer o filho único que tiveram.
. 2 (.\I). D. Ana Sancha Madeira de Abreu Tovar e Albuquerque, que
segue.
XI a") — D. Ana Sancha Madeira de Abreu Tovar e Albuquerque, c. c.
0 cunhado de sua irmã, João Lobo de Abreu da Gama
Mascarenhas, de Canas de Senhorim, que veiu residir
para a quinta da Costa. Tiveram :
1 (XII). D. Maria da Conceição Madeira de Abreu, c. em i."' núpcias
c. António Freire Cortês Cabral Metelo Pacheco de Albu-
querque, de quem teve três filhos, que já ficam descritos
(Nota geneal. I, xii a" ^^ 2). Casou em 2." núpcias c. Luís
Ribeiro da Silveira Portugal, da casa dos Ribeiros de Man-
teigas, de quem tem um filho
4 (XIII). António Madeira Ribí-iro Portugal, c. c. U. F.... Patrício, da
Guarda.
2 (XII). D. Maria José de Abreu Madeira Lobo, c. c. António Pinto
Toscano Tinoco, de Nogueira-do-Cravo. Teve:
1 (XIII). António Madeira Tinoco, bacharel formado em Direito, c. c.
M.me Madeleine Lepierre, havendo deste matrimónio:— a (XIV).
Carlos António Lepierre iinoco, — b (XIV). António Carlos
Lepierre Tinoco ;
2 (Xill). D. Maria José Madeira Tinoco, c. c. o Dr. António Borges Ro-
drigues, de Vila-Nova-de-Tázem, já falecido, e teve — (XIV).
D. Ana Maria Madeira Tinoco Borises.
3 (XII). Bernardo Madeira de Abreu da Gama, c. c. D. Maria Calhei-
ros Mascarenhas Pita de Noronha, de Ois-do-Bairro ; êle
faleceu deixando dois filhos :
I (XIII). Joáo Madeira Calheiros ;
i (XIII). D. Maria Mascarenhas Madeira Pita de Noronha, c. c. António
de Azevedo, bacharel formado em Direito, com descend.
4 (Xll). Joáo Carlos Madeira de Abreu Lobo, c. c. sua cunhada
D. Maria Calheiros, viúva do precedente, e dela tem:
1 (XUl). t>. Maria da Piedade/
2 (XIII). D. Casimirai
T^uta III — Família da mulher do poeta (^77)
5 (XII;. Anlónio Madeira de Abreu Lobo, solteiro
C (XII). Francisco de Paula Madeira de Abreu Lobo, solteiro.
7 (XII). José Madeira de Abreu Lobo, solteiro".
8 (XII). Miguel Madeira de Abreu Lobo, f solteiro.
Ramo secundário ^^z ")
X a'") — D. Casimira Cândida de Figueiredo Cardoso e Meio, c. c. o
Dr. João da Costa Garcia, cia Foz-da-Moura, e tiveram :
1 (XI). Alexandre de Figueiredo da Costa Soares de Albergaria e
Melo, que segue. '
2 (XI). D. Alaria da Assunção da Cosia Figueiredo Cardoso de Al-
bergaria e Melo, c. c. Jerónimo de Morais Almeida e Sousa,
da Foz-da-Moura, c teve :
1 (Xll). D. Afaria da As,intcáo de Fii^ueircdo Morais e Sousa, n. 21 abr.
1865, c. cm Coja a 8 out. 1890 c José Duarte das Neves Cardoso,
havendo diste matrimónio: — a (XIII). D. Maria Paulina de Fi-
gueiredo Cardoso ;— b (Xlll). D. Maria da Assunção •de Figuei-
redo Cardoso ; —V (XIII) D. Maria José de Figueiredo Cardoso ;
2 (Xil). Heitor de Figueiredo de Almeida e Sousa, n. 28 mai. 1S66, c. em
1900 no Brasil c. D. Lídia de Freitas e Sousa, sem ger. São os
actuais proprietários da pitoresca residência dos Figueiredos, sdbre
o 1'égo em Avô.
XI a'") — Alexandre de Figueiredo da Cosfa Soares de Albergaria e
Melo, c. c. U. Mai-ia Fortunata Guedes Themes Brito e
Faro de Albuquerque, de Vilar-Sêco, e tiveram:
I (XII). Arnaldo Ju:jaríe Faro de Figueiredo, n. 3 ag. 1870 em Avô,
c. em set. 1899 c. sua parenta D. Ana du Tartre Soares
de Albergaria, de Vila-de-Mato (Midões), e faleceu sobre
0 mar em regresso da ilha de S. Tomé. Deixou dois filhos,
que vivem em Lisboa com sua mãe:
1 fXllí). Arnaldo ;
2 (XIII). D. Ana.
1 (XII). Salvador Duarte de Figueiredo Faro Themes, n. i3 ag.
1872 em Vilar-Sêco, c. em Currelos (Carregal-do-Sal) em
ag. 1899 c. sua parenta D. Josefina Soares de Albergaria,
de Travanca-do-Douro, e tém;
1 (XIII). Alexandre ;
2 (Xlll;. Srt/ra.or,-
3 (XIII). Óscar.
3 (Xll). D Máfia Isabel de Figueiredo Faro Themes, n. 3o set. 1875
em Avô, c. 29 jul. içoi na Colmeosa (Couto do-Mosteiro)
(iqS) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
c. o Dr. António Tavares Festas, já falecido. Tiveram
dois filhos:
I (Xlll). Manuel;
1 (XIII). D. Maria.
Ramo primário b)
V b) — D. Maria Madeira da Costa, c. cêrca do ano de 1617 com João
Manuel da Fonseca (-f 16 jul. 1664), de Anceriz, filho legí-
timo de Manuel Dias e de Maria Afonso, o qual veiu viver
para casa de sua mulher em Avô. onde foi capitão-mór,
enquanto que seu irmão Aleixo Afonso, casado pouco de-
pois com sua cunhada D. Cecília Madeira (IV, 6), ficou vi-
vendo em Anceriz. Teve os filhos seguintes :
1 (VI). D. Maria da Costa Fonseca, que segue.
2 (VI). D. Isabel da Fonseca da Costa, n. 21 mai. 1621, c. 12 out. 1645 c.
Silvestre Rodrigues, de Moimenta-daSerra, filho de João Ro-
drigues e de Maria João, sendo testemunha deste casamento o
poeta Brás. Tiveram os filhos seguintes :
1 (\'II). Daniel Rodrigues da Fonseca, b. i3 out. i6.j5, c. em Lourosa em i658 e.
1). Marian.i de Abreu Fen'eir.i, filha de Mamiel Ferreira de Abreu e de
Teodora de .Abreu, com ger. ;
3 (VII). Dr. João Rodrigues da Fonseca, b. 22 áez. i6-|S, canonista, o qual,
sendo juiz de foi a em Avò, ali foi assassinado a 10 jan. lõSõ, 110 estado
de solteiro, sem ger.
3 (VII). Silreslrc Rodrieucs da Fonseca, f solteiro.
3 (VI). Ana, b. 22 mai. 1623, f criança.
4 (VI). D. Ana da Fonseca da Costa, b. 2 dez. 1625, c. 2 fev. 1646 c. João
Rodrigues, de Moimentada-Serra, irmão de Silvestre Rodrigues,
casado com D. Isabel, de quem acabamos de falar (supra n.°2).
Brás Garcia assistiu também como testemunha ao casamento.
Tiveram vários filhos.
5 (VI). João Manuel da Fonseca, o Moço, b. 1 1 jun. 1628, capitão-mór
de Avô, t solteiro a 19 fev. i685.
6 (VI). D. St4sana Manuel da Costa, h. 23 mai. ió3i, f solteira a ii abr.
1713.
7 (VI). D. Paula Madeira, b. 5 abr. 1634, f solteira a 24 dez. 1679.
8 (VI). L,'^o Matias Quaresma da Fonseca, presbítero, reitor da igreja
de S. Paio-de-Fáo, e depois, em 1692, reitor do Espinhei, co-
marca de Esgueira, hoje concelho de Águeda, pertencente ao
padroado dos duques de Bragança. Provou no processo para
a sua ordenação ter nascido cêrca do ano de i63ó; ordenou-se
em i66o-i663, Conservou-se na reitoria de Espinhei até à
morte, ocorrida em Avò a 14 abr. 1713,
C/^ota III — Família da mulher do poeta (nç)
VI b) — D. Maria da Costa Fonseca, b. 18 nov. iõi8, c. 19 fev. 1646 c.
o capitão-pocta Brás Garcia Mascarenhas, e faleceu a 4 jan.
1660. A sua descendência é descrita em a Nota genealó-
gica IV.
Ramo primário c).
V c) — António Madeira da Costa, c. em Vila-Cova-sob-Avô c. sua
2." prima D. Maria de Brito Barreto (Nota geneal. II, v a).
Militou nas campanhas da restauração, foi soldado da com-
panhia dos Icõex, de que era capitão seu primo Brás Garcia
Mascarenhas, e chegou a atingir o posto de capitão, servindo
sempre bem e à sua custa. Residiu em Pomares, pois era
" senhor do vinculo que ali herdou de seu pai. Teve, filho
único,
VI c) — Manuel de Brito Barreto, b. 27 abr. i63i em Avô, familiar do
Santo Oficio, habilitado em 16G2, senhor do vínculo de
Pomares, capitão-mór de Avô, c. em Galizes c. sua pa-
renta D. Catarina Borges de Castro e Abreu, filha de Pedro
Borges de Castro, senhor do morgado de Galizes (o qual
era filho de Álvaro Borges e de Catarina Gonçalves, de
Lourosa, neto paterno de Pedro Alvares, de Lourosa, e de
Ana [ou Catarina ?] Borges de Castro), e de sua mulher
D. Maria Madeira Arrais, filha e herdeira de João Madeira
Arrais (senhor dos morgados dos Roucos de Cima e de
Baixo, na freguesia de Cambas, hoje concelho de Oleiros,
e do de Vale das-Ovelhas, freguesia de Oleiros, tudo no
actual distrito de Castelo-Brancoj e de D. Ana Francisca de
Abreu, filha de Roque Fernandes de Abreu e de Isabel
Francisca de Figueiredo, de Vila-Pouca, e portanto irmã
de D. Maria Nunes de Abreu, mulher de Gaspar Dias da
Costa, de Avô (supra iv, 2; cf. Nota geneal. I, vii a'\ **).
Tiveram :
1 (Vil). Bento Madeira de Castro, que segue.
2 (Vil). Manuel de Brito, cónego da Sé de Coimbra.
3 (VII) Fr. Luís de Brito, cistercienae.
4 (Vil). Fr. António de Brito, trino.
5 (VI!) P.e José de Brito, jesuíta.
6 (Vil). D. Maria de Brito, c. c. seu paieiita Amónio Barreto Peidigáo,
(i8o) 'Brás Garcia dMascarenhas
cavaleiro-professo da Ordem de Cristo, capitão-mór da vila
de Gois, e teve vários filhos, entre os quais
— (\'1U). Dr. Bernardo Barreio Perdigão Vilas-Boas, capitão-mór de Gois,
com ger.
7 (VII). D. Pjiilino de Brito Barreto, cónfigo-regrante de Santa Cruz
de Coimbra.
VII c) — Bento Madeira de Castro, senhor do morgado de Pomares,
capitão-mór de Avô, cavaleiro da Ordem de Cristo, fami-
liar do Santo Oficio (habilitado em 1686), editor do poema
Viriato Trágico. Casou em 1 .** núpcias em Coimbra com
D. Teresa Maria da Silva Juzarte (vid. supra VIU a, nota);
em 2.'* nijpcias em Celorico-da-Beira com D. Maria da
Piedade de Almeida, viúva de Luís Ribeiro da Fonseca, e
filha de Manuel de Almeida Coelho. Teve filhos somente
do i.° matrimónio, e foram:
1 (VIII). Manuel de Brito Barreto de Castro, que segue.
2 (Villj. D. Ana Antónia de Castro, que casou em Celorico com um
irmão de sua madrasta, o Dr. Bernardo de Almeida Coelho.
Houveram filhos, entre os quais era primogénito
— (IX). Diogo Hcurique Coelho de Almeida^ que foi capitão-mór da vila de
Celorico.
3 (VIII). D. Catarina de Castro, freira em Santa Ana de Coimbra.
VIII c) — Manuel de Brito Barreto de Castro, senhor do morgado de
Pomares, do de Galizes, e dos dos Roucos de Cima e de
Baixo, fidalgo-cavaleiro, capitão-mór de Avô, familiar do
Santo Oficio (habilitado em 1717). Casou a 17 nov. 1727
em Guimarães com D. Paula Jerónima de Alarcão de
Castro de Essa, filha de Gonçalo Lopes de Carvalho (se-
nhor dos coutos de Abadim em Cabeceiras de Bastos, e
de Negreios em Santo Tirso, e do morgado da Caraoeira)
e de sua mulher D. Guiomar Bernarda da Silva Alarcão
(filha de Gonçalo Peixoto da Silva e de D. Paula Maria
Pereira). Depois de viúvo ordenou-se, e foi deão da Sé
de Coimbra. Teve :
1 (IX). Francisco Xavier de Brito Barreto da Costa é Castro, que segUé<
2 (IX). D. Guiomar Joaquina de Castro de Essa, n. 22 fev. 1731.
3 (IX). D. Teresa Maria Peixoto da Silva Alarcão, gémea da prece-
dente, casou em Goíí;, onde dei.iou descendência.
C\oíú III — Familia da mulher do poeta ('^')
4 (IX). Pedro Gonçalo Peixoto, n. 29 jun. 1732.
5 (IX). D. Francisca Rosa, n. 19 maio 1734.
6 (IX). D. Maria do Pilar, n .28 nov. 1735.
IX c) — Francisco Xavier de Brito Barreto da Costa e Castro, n. em
Guimarães a 10 dez. 1728, capitão-mór de Avô, c. 4 ag.
lySt) c. D. Maria Manuela Joaquina de Figueiredo de Melo
Castelo-Branco de Sousa, e teve:
1 (X). /). Maria IKnita de Br, to Castro e Essa, 11. em Galizes a 27 nov.
1739, c. na Sé de Coimbra c. Francisco de Paula Lobo Peça-
nha, de Loulé, onde faleceu, e deixaram dois filhos, ambos
sem sucessão:
1 (XI). D. yiiincisca Rosj ;
2 (XI). Scliaslnío Alexandre.
2 (X). D. Guiomar José de Brito e Castro, n. em Galizes a 10 nov.
*i7Go, •[■ .solteira á 25 jun. 1824 em Coimbra.
3 (X). D. Paula Jerónima de Castro e Essa, n. em Galizes a i fev. 1762,
f solteira em Coianbra a 17 fev. 1844.
4 (X). Sebastião José de Carvallio e Melo de Brito Barreto da Costa e
Castro, n. 19 abr. 1764, levantou à sua custa umu companhia
de cavalos na última guerra com Espanha. Obteve mercê
régia de tratamento de Senhoria. Faleceu a 24 out. i835.
5 (X). D. Ana de Brito e Castro, n. em Coimbra a 19 mar. 1773, e -J-
solteira a 2 abr. "1843.
6 (X). Dr. António de Brito e Castro de Figueiredo e Melo da Costa,
que segue.
X c) — Dr. António de Brito e Castro de Figueiredo e Melo da Costa,
n. em Coimbra a 2 ag. 1775, foi canonista, fidalgo-cava-
leiro da C. K., e deão da Sé de Coimbra, apenas ordenado
de menores. Pelo falecimento de seu irmão herdou os
importantes vínculos da casa de seus pais, e, renunciando
0 deado, casou a 18 nov. iSSg c. D. Maria Inês de Car-
valho Daun e Lorena, n. 17 fev. 1821, filha legítima do
conde da Redinha, D. Nuno Gaspar de Carvalho Daun e
Lorena, neto do i." marquês de Pombal. Faleceu a 7 jan.
1848. Teve:
1 (XI). D. Maria Vitória, -J- criança.
2 (XI) D. Maria Manuela de Brito e Castro, que segue.
3 (XI). D. Maria Francisca de Brito e Cistro, f criança.
4 (XI). Francisco Xavier de Brito e Castro, -f criança.
( iS-/) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
XI c) — D. Maria Manuela de Brito e Castro, n. 9 mar. 1844, casou
a 3o jan. i8t3o com seu tio materno D. Luís Maria de Car-
valho Daun e Lorena, n. g mai. 1828, môço-íidalgo da C.
R., par do reino. Foram agraciados por el-rei D. Luís I,
a 26 mai. 1886, com o titulo de marqueses de Pomares.
NOTA IV
DESCENDÊNCIA DE BRÁS GARCIA MASCARENHAS
Tronco
I) — Brás Garcia Mascarenhas, n. em Avô a 3 fev. i5gb, casou na
mesma vila a 19 fcv. 1645 com D. Maria da Costa Fonseca.
As ascendências de um e outra acham-se descritas nas pre-
cedentes Notas genealógicas. Tiveram os seguintes filhos :
1 (II). Aniónio Garcia Mascarenhas, b. 14 dez. 1645, t criança.
2 (11). Tomás de Aquino Garcia Mascarenhas, b. 7 mar. 1647; sendo estu-
dante do 1.0 ano jurídico na Universidade de Coimbra, ali casou
com D. Comba da Conceição em 1Õ73, e veiu falecer a Avô a g
abr. 1674 sem ger.
3 (II). D. Isabel da Fonseca Mascarenhas, h. 3i dez. 1C48, 7 solteira a 8
jan. 1676.
4 (II). D. Quitéria Garcia Mascarenhas, que segue.
5 (II). Brás Garcia Mascarenhas (2.°), b. 22 mar. i653, ■f solteiro em Avô
a 25 nov. 1673.
6 (II). D. Maria Garcia Mascarenhas, b. 20 mui. i655, f solteira a 20 jul.
1675.
II) — D. Quitéria Garcia Mascarenhas, b. 29 jun. iõ5i, c, com grande
desgosto da família, ocultamente, na igreja paroquial de Ga-
lizes. a II fev. i<)77, c. seu primo Manuel Garcia Mascare-
nhas, filho ilegítimo de seu tio paterno Matias Garcia {Nota
geneal. I, iv c" 9) e de Ana Duarte, solteira, de Travanca-
-de-Farinha-Pòdre, filha de Joiío Jorge e de Maria Duarte,
lavradores bem reputados e estimados. Teve:
1 (III). José da Costa Mascarenhas, primogénito, que segue.
2 (III). P.'" Manuel Garcia Mascarenhas, b. Sset. 1678, ordenou-sc em \ji5-
-1717, depois da morte do P.'^ Brás, seu irmão mais novo, consti-
tuindo o seu património eclesiástico, por escritura de 3 mar. 1717,
nos bens que herdara do mesmo P.« Brás. Faleceu a 2 nov. 1741,
(184) Brás Garcia óMúiscaren/ms
iiistiluinJo seu hcrJciro o sobrinho Brás, filho de seu irmão José
da Costa. '•*
3 (III). P.^ Brás Garcia Mascarenhas (3.°), b. 9 fev. 1680, viveu desde 1701
em Espinhei, na companhia de seu tio reitor, o L ^o Matias Qua-
resma da Fonseca {Nota geneal. III, v b 8), OrJenou-se de me-
nores em I702 e de sacras em lyto, sendo o seu património ecle-
siástico constituído em bens, que para este efeito lhe foram doados,
em escritura de 2 dez. 1705, por sua tia D. Susatia Manuel da Costa
(Nota geneal. III, v 6 6). Foi cura de Oiã desde junho de i7'0
até que faleceu nesta sua freguesia a 12 mar. 1714. Instituiu uni-
versal heideiro seu irmão Manuel.
4 (III). D. Maria Garcia Mascarenhas, h. 7 mar. iG85, y solteira.
III) — José da Costa Mascarenhas, n. cerca do ajio de 1676, c. i3
jan. 1Ò97 em Avô com D. Joana Gomes de Miranda, b. em
Miranda do Corvo a 10 jul. 16G0 (7 era Avô 22 jun. lyBi),
filha do capiiao João Velho de Miranda e de sua mulher
D. Antónia Gomes, da dita vila de Miranda, e irmã do vi-
gário de Avô, Luís V^elho de Miranda, cuja paroquialidade se
estendeu desde a posse a 17 jul. 1672 até 19 out. 1705. Ti-
veram um imico filho,
IV) — Brás Garcia Mascarenhas (4."), baptizado em casa, recebeu os
santos óleos a o maio 1702. Casou em Avô a g fev. 1736
com sua parer.ta D. ralaria da Costa de Mesquita {Nota ge-
neal. II, vii c" 3). Faleceu a 24 nov. 1771. Teve:
1 (V). D. Quitcria Angélica de Mesquita Mascarenhas, b. 29 nov. 173b,
■f solteira a 24 mar. iSco.
2 (V). D. Mariana de Mesquita, b. 28 mai. 1738, 7 solteira a 19 abr. 1798.
3 (V). Brás Garcia Mascarenhas (5.°), b. 14 dez. 1739, f criança.
4 (V). José Garcia Mascarer.has, h. ló jan. 1742, •{• solteiro, de pouca
idade.
5 (V). D. Josefa de Mesquita Mascarenhas, n. 7, b i3 jan. 1744, f'3 fev.
1793.
6 (V). D. Mr.ria Garcia Mascarenhas, n. 21 jan., b. 1 fev. 1745. 7 solteira
a iS jul. 1759.
7 (V). LÀo Brás Garcia Mascarenhas lõ •'), n G, b. i3 abr. 174^, matricu-
lou-se n,i Universidade em 1762, ordenou se in minoribus em 1763,
recebeu o grau de bacharel em Cânones a 4 jun. 1767, formou-se
a 19 jun. 176S, -f soltí.iro em Avô a i5 dez. 1771.
8 (V). D. Joana .\'argarida de Mesquita Mascarenhas, que segue.
9 (V). D. Antónia de Mesquita Mascarenhas, n. i3, b. 19 jún. 1752, f sol-
teira a 9 nov. 1799.
7^0 ta IV — Descendência do poeta (i85)
10 (V). D. Tomásia Garcia Mascarenhas, n. 28 jul., b. 3 ag. 1754, 7 sol-
teira em i838.
11 (V). Tomás Caeiano Garcia Mascarenhas, n. 28 nov., b. 4 dez. lySó-
Foi sargento-mór da capitania-mór de Avô, segundo se vê na
Lista militar dos oficiais do exército de Portugal, referida a
I ag. i83o, a pág. 264. Faleceu solteiro. Teve em Avô, de uma
mulher solteira de nome Micaela da Costa Ramos, os seguintes
filhos :
1 (VI). Tomás Joaquim Garcia Mascarenhas, boticário com cariíi profissional pas-
sada em Lisboa a 10 tbr. 1823.
2 (VI). Henrique Garcia MascareuliaSj que morreu assassinado a 11 fev. 18.41.
^ :H (VI). Matilde Garcia Maicareiíhas, b. i(i out. iSo5, que morreu nova.
V) — D. Joana Margarida de Mesquita Mascarenhas, n. 27 abr., b. 4
mai. 1750, c. 5 jun. 1789 c. -António da Gama e Gouveia de
Abreu Leitão, rico proprietário do lugar da Cortiça, freguesia
de S. Martinlio da Cortiça (b. 17 set. 1733, -|- 26 jan. 1770),
filho de António da Gama e Gouveia, do lugar da Urgueira
na mesma freguesia (o qual era irmão do Dr. Manuel da
Gama e Gouveia, abade sem cura de almas de S. João de
Campos, comarca de Valença, e tinha mais duas irmãs reli-
giosas no convento de Celas de Coimbra), e de sua mulher
D. Maria Nunes Leitão, do Casal-do-Fundo, freguesia de
S. Miguel de-Riode-Moinhos, hoje concelho de Sátão; neto
paterno de Manuel da Gama e de Domingas Martins, da
Urgueira, e materno de Inocêncio Leitão, do dito Casaldo-
-Fundo, e de sua i.'"- mulher Maria Nunes, da Abrunhosa, fre-
guesia de Vila-Bôa, hoje concelho de Sátão. O noivo era já
viúvo de Teodora Brandão, filha de Francisco Brandão, do
Carapinha], e de sua mulher Antónia Jorge, da Carvalheira,
tendo-se realizado o casamento de i.'" núpcias a 23 abr. 1761.
Teve a D. Joana Margarida, filho único,
VI) — Brás Garcia Mascarenhas (7."), n. em Avô a 23 mar., b. 3 abr.
1790 (y 3 set. I ~3'S). Casou no Casal-do-Fundo, freguesia
de Rio-de-Moinhos, a 25 abr. 1816, com D. Maria Albina de
Lucena Cardoso, filha de João Pedro Soares do Amaral e de
D. Maria Bernarda de Lucena Cardoso, de Sarrazela, fre-
guesia de S. Pedro de Mioma (hoje de Vila-de-Igreja), a
qual D. Maria Albina -J- 3 set. i838. Tiveram no Casal-do-
Fundo os filhos seguintes, todos baptizados na igreja paro-
quial de Rio-de-Moinhos:
i (VII). Tomás Garcia Mascarenhas, que segue (VII íi).
(i86) 'Brás Garcia ^Mascarenhas
1 (VII). José Maria de Mesquita Mascarenhas, que segue (Vil b).
3 (VII). D. Maria Amália Garcia Mascarenhas, n. 24 m;ir., b. 27 abr-
Ramo ti)
VII í:) — Tomás Garcia Mascarenhas, n. 3o nov., b. i5 dez. 1818, c.
14 jun. 1839 em Sarrazela com D. Maria dos Prazeres do
Amaral, n. em 1818, filha de Joaquim Lopes do Amaral
e de D. Libânia Peregrina. Residiu, ora na sua casa do
Casal-do-Fundo, ora na de sua mulher em Sarrazela ;
mais tarde porém, depois que os bens do vínculo da casa
de Avô, por morte do irmão de sua avó Tomás Caetano
(supra IV, 11) sem descendência legítima, passaram para
■ a linha feminina, de que êle era agora o representante,
mudou definitivamente a residência para a sua casa de
Avô, onde faleceu a 7 fev. i8q5, e sua mulher a 3 nov.
1896. Tiveram:
1 (VIII). Joaquim Tomás Garcia Mascarenhas, n. 5, b. 25 mar. 1840
em Vila-dc-Igreja, c. 27 fev. i858 c. D. Maria Máxima de
Oliveira, de Côja, n. 21 set. 1839, filha legítima de José
Joaquim Marques de Oliveira, vulgarmente conhecido pela
alcunha de «Boi de Coja». Faleceu em Loures, subúrbio
de Lisboa, a 3 jun. 1890, vivendo ainda a viúva em Avô.
Não tiveram filhos.
2 (VIII). Tomás Garcia Mascarenhas, n. i5 abr., b. 8 mai. 1842 em
Rio-de-Moinhos, f ainda criança.
3 (VIII). João Tomás Garcia Mascarenhas, n. 20 jan., b. 4 fev. 1844
em Vila-de-Igreja, c. em i." núpcias na igreja de S. Fran-
cisco de Paula (Lisboa) c. D. Ana Rodrigues Jorge, de Avô.
Viveu na freguesia dos Olivais (Lisboa), com os seguintes
filhos, todos havidos do 1.° matrimónio:
1 (K). D. Ana Garcia Mascarenhas, n. i3 mai.
2 (IX). D. Aline Garcia Mascarenhas^ n. em i88
3 (IX). Alberto Garcia Mascarenhas, n. em i883
4 (IX). D. Atirelina Garcia Mascarenhas, n. em
5 (IX). D. Elisa Garcia Mascarenhas, n. i jun. i8go.
4 (VIII). Francisco Garcia Mascarenhas, n. 26 nov., b. 23 dez. 1845
em Rio-de-Moinhos, c. em Avô, onde vive na casa que foi
sempre o solar dos Garcias Mascarenhas desta vila, com
D. Maria Lúcia Lobo, a 16 nov. 1908, e tem um filho
único
— (IX). Tomás Brás Garcia Mascarenhas, n. em Avô em 189Õ.
U^ota IV — ^Descendência do poeta ('^l)
i (VIU;. Amónio Garcia Mascarenhas, n. i abr , b. 4 mai. 184S em
Rio-de-Moinhos, c. na freguesia de Decermilo (Sátão) a 14
ag. 1888 c. D. Maria do Carmo de Almeida Pais, viúva de
Francisco de Almeida, de Travasso, freguesia de Santa Ma-
rinha-de -Barreiros, concelho de Viseu, sendo ela filha de
António Maria de Almeida Pais, e de D. Maria Augusta de
S. Bento. Teem os seguintes filhos:
1 (IX) D. Mariii Atigelina Garcia Mascarenhas, n. 19 fev. 1890 ;
3 (IX). D. Augusta dos Prazeres Garcia Mascarenhas, n. 21 dei, 1891 ;
3 (IX). D. Maria do Ceii Garcia Mascarenhas, n. i3 fcv. iS^tJ;
4 (IX). D. Albertina Garcia Mascarenhas, n. 4 jun. iSgS;
5 (IX). Abel Garcia Mascarenhas, n. 25 ag. 1S99;
6 (IX). D. Palmira Garcia Mascarenhas, n. 2 jun. 1901.
6 (VIIIi. D. Elisa Garcia Mascarenhas, n. ló jul , b. 5 ag. i85o em
Vila-de-Igreja, 7 criança.
7 (VIII). Luís Au ff listo Garcia Mascarenhas, n. i3 mai. i85i, f sol-
teiro em Avô. Teve de Prudência Augusta, mulher sol-
teira, de Travanca-de-Lagos, dois filhos nascidos e bapti-
zados nesta freguesia :
1 (IX). Ivo Garcia ^íilscarenhas, 11. 17 julho 1889;
2 (IX). Gilberto Garcia Mascarenhas, 11. 2? mar. i8j2.
Ramo If)
VII í») — José Maria de Mesquita Garcia Mascarenhas, n. 4, b. i5 ag.
1821, casou a 8 abr. 18^5 na freguesia de Rio-de-Moinhos
com D. Ventura de Jesus de Almeida Souto-Maior, n. em
1818 na vila de S. Vicente-da-Beira, filha de Amónio Car-
doso de Almeida Souto-Maior, natural de Crestelo, fre-
guesia de Povolide, e de D. Ana Cândida Osório da Fon-
seca, natural da vila de Miusela-da-Raia. Tiveram:
1 (VIU). D. Constança Garcia de Mesquita Mascarenhas, que segue.
2 (VIII) António Garcia de Mesquita Mascarenhas, n. 2? out., b. lõ
nov. 1846, -f 16 dez. 1909.
VIII b) — D. Constança Garcia de Mesquita Mascareniias, n. 6 dez. 1845,
b. 2 1 jan. 1846, c. em Rio-de-Moinhos a 3 jun. 18G8 com
0 Dr. Luís Xavier do Amaral Carvalho, filho de Bento
José de Carvalho, de Rio-de-Moinhos, e de D. Maria
Delfina, de Mioma. Tiveram :
1 (IX). D. Júlia Xavier de Carvalho Mascarenhas, n. 5 mar. 1869, c.
7 ag. 1892 c. o Dr. Francisco Soares de Albergaria, da fre-
(iS8) Uras Garcia ^Mascarenhas
guesia de Silvã-de-Cima (Sátão), juiz de Direito, f em igiS,
filho de Lino Soares de Albergaria, de Cabanas, e de
D. Emília Eduarda Castro Borges, de Viseu. Sem ger.
3 (IX). D. Leonor Xavier GarcLi Mascarenhas, que segue.
IX ^) — D. Leonor Xavier Garcia Mascarenhas, n. i6 jan. 1870, c. em
Rio-de-Moinhos a 10 abr. 1902 c. António Cardoso de Me-
neses, da freguesia da Insua, concelho de Penalva-do-Cas-
telo, filho do Dr. José Cardoso de Meneses, e de D. Maria
Henriqueta de Meneses, da Insua. E professor e director
da Escola Nacional de Agricultura de Coimbra. Teem:
i (X). D. Maria Leonor Garcia Mascarenhas, n. 19 mar. igoS.
2 (X), D. Maria José Garcia Mascarenhas, n. 2 jul. 1904.
3 (X). José Garcia Mascarenhas, que segue.
X b) — José Garcia Mascarenhas, n. 2 abr. 1906, é estudante de pre-
paratórios em Coimbra.
ESQUEMAS GENEALÓGICOS
ESQUEMAS GENEALÓGICOS
Este 3.° Apêndice ao nosso estudo de investigação histórica é con-
stituído por quatro índices simplificados das genealogias que fa^ent
objecto das quatro precedentes Notas genealógicas. Neles se.encon-
tram as principais linhas, como que o esqueleto, das árvores genealó-
gicas da família Garcia-Mascarenhas, e das suas afins Madeira-
-Arrais, e Madeira-da-Costa. Denominamo-los Esquemas genealó-
gicos.
A primitiva forma, que lhes demos, era muito mais complexa.
Abrangiam iodos os ramos colaterais, e todos os nomes que figuram
nas referidas Notas. Quando porém se tratou da sua composição
tipográfica, reconhecemos as enormes dificuldades, algumas quase in-
superáveis, que se deparavam. J'erificámos também que a sua com-
plexidade prejudicava a clareia; em nada contribuíam para facilitar
a compreensão e estudo das Notas genealógicas. Resolvemos por
isso simplificá-los, redu\indo-os às linhas principais. Assim vão ser
dados á estampa; e ficam explicadas as discrepâncias que se notam
no decorrer da obra, entre as citações que se referem ao primitivo
manuscrito, e os Esquemas genealógicos, tais como saem publicados.
Desta incorrecção pedimos desculpa ao leitor.
Quinta-do-Montalegre fOlivcirado-
•Hospital), 3i de agosto de ig2i.
A. DE ^'asconcelos.
|i9«l
w
-'
o
o
0.
u
o
O
•o
Q
hJ
<
'Jí
w
z
LU
tó
O
w
H
<
<fí
s
d,
w
3
O^
<t;
j
S
<!í
fc
i
1
k
Ca
íj
a
^a
ESQUEMA GENEALÓGICO I (continuação)
Ramo primário a)
fi93J
Marcos Garcia Mascarenhas (3.°)
António Garcia
"i
Ramos secundários
V Domingos Garcia
VI Marcos Garcia Mascarenhas
VII Dr. João de Elvas Mascare-
nhas
VIJl Lius de Elvas Mascarenhas
IX João de Elvas Mascítrenha
X Luís de Elvas Mascarenhas
Xi D. Maria do Patrocínio de
Elvas Mascarenhas
XII D. Leopoldina de Elvas
Mascarenhas Toscano
Manuel Garcia Mascarenha
i.
Ramos terciários
A
D. Antónia Godinho Masca-
renhas
* Ramos quat.os ** \
Inácio de Magalhães Cas-
telo-Branco
Manuel Carlos de Magalhães
Castelo-Branco e Vascon-
Inácio de Magalhães Pinto
de Sousa Ferrão Castelo-
Branco
D. Maria Máxima Pinto Boto
de Csstelo-Branco
D. Maria Carlota Vieira de
Tovar Pinto de Magalhães
António Vieira de Tovar de
Magalhães e Albuquerque
D. Josefa de Magalhães Cas-
telo-Branco
[.uís de Abreu Magalhães
I
Roque de Abreu MagalliÊ
D. Perpétua Margarida de
Abreu Magalhães
Francisco de Paula Maga-
lhães Figueiredo
Francisco de Paula de Fi-
gueiredo Moura Portugal
D. Maria da Mota Godinho
Mascarenhas
D. Antónia Pinto da Mota
D. Maria Angélica Pinto de
Sousa Cabral
D, Flortncia Jacinta de Le-
mos e Nápoles
D. Maria Benedita Metelo
D Maria Miquelina Metelo
Pacheco de Lemos e Ná-
poles
Francisco Cabral Metelo Pa-
checo de Lemos e Nápoles
Manuel
Francisco Garcia Mascare-
l , Ramos terc.os „ [
D. Maria Garcia Coelho
Manuel Garcia Marques
D. Francisca Bernarda Gar-
cia Ribeiro
João Garcia Ribeiro
Serafim Garcia Ribeiro
D. Maria do Carmo Cândida
Garcia Ribeiro de Vascon-
celos
António Maria Ribeiro de
Abreu e Vasconcelos
Manuel C ãbral Mascarenhas
António de Sequeira Boto
Machado
Leonardo Boto Machado
D. Maria Cândida Boto Ma-
chado Pinto, c. c. José
Joaquim de Abranches
(Segue no ramo *",, xiV
""I
Dr. Simão Garcia Mascare-
"nhas
i
D. Maria Josefa Mascare-
Manuel de Loureiro e Vas-
conce'os
i ^
D. Maria \'itória de Vas-
concelos Loureiro e Me-
neses
Francisco de Paula de Al-
buquerque do Amaral Car*
doso
António José de Albuquer
qu:- do Amaral CardoíO
Ramos terciários
D. Rita de Bourbon Silv
Albuquerque
D. Maria Amália Freire
Cortês de Albuquerque
António de Albuquerque do
Anierat Cardoso
j * Ramos quat.os ** j
António de Albuquerque do Luís de Albuquerque do
~ Amaral Cardoso Amaral Cardoso
o
u
õ
o
<
tu
z
tu
o
<
tu
C/2
o
^
o
m
o
^
Jj
o
.5
J
-1
M
S
'O
~* t-
— > M
— ► CO
-*íi
— **5
^
C
^
c3
O
n
c
o
o
M^ ^
s
X)
3
1
S
<?
c
U)
s
2
<;
d
(,95
• o X
•^2 XI
E I < S o '^
<
E
<
E
<
E
<
E
<
0
-►c
■0
T3
T3
c
2
'S
'n
.-
O,
Q.
=-
0.
<
1
3
E
c
«
2
ii
iZ
a. -5
^
0
s
ji
•3
^
£
3
S j.
1
is
«
•2 c
< 2
ro
?
S
s
?
|«
"=£
0
o
1
ô
3 ^
õ
i9
0 c
IJ
s
,-s
i
0 3
êõ
c
<
Q
a
•?
0
a. 3
■õs ;
2 -o e
('97)
ESQUEMA GENEALÓGICO I (continuação)
Ramo primário c)
Ana Marques
IV Brites Marques
Ramos secundários " i
Marcos Garcia
, y Ramos terciários ,, ;
V Maiiuel de Afcitscca da Costa > Simão de Afonscca da Costa
VI António de tirito da Costa, sol-
dado da companliia dos leões
1
VII Manuel de Brito Ribeiío de Fi-
gueiredo
VIII João de Brito Ribeiro de Figuei-
redo
IX Manuel António de Bri'o Mndeira
de Figueiredo
D. Ana da Cunha da Costa
Luís Vasqucs da Cunha e Melo
Bernardo da Cunha e Melo
D. Ana da Cunha e Melo
Brás Garcia Mascarenhas, c.
c. D. Maria da Costa Fonseca
iSí'gue no Esquema IVj
('9?)
ESQUEMA GENEALÓGICO I (continuação)
Ramo primárío d)
Maria Marques
_
Belchior Francisco
i'
V D. Apolónia de Abranches
Ramos secundários *' j
D. Ana Francisca de Abranches
VI D. Isabel de Abranches
VII João da Costa brandão Nunes
VIJl José Caetano da Costa Brandão
IX António José da Costa Brandão Brito de Mes-
quita Vaz Velho Castel-Branco
_
X Dr. Sebastião Carlos da Costa Brandão c Albu-
querque íi.'* Vi<iconde do Ervedal-da-Beira)
_
XI Sebastião de Albuquerque Pinto Tavares ( .*
Visconde do Ervedal-da-15eira>
1
XII Sebastião de Albuquerque
António de Abranches Pinto
1
D. Antónia de Abranches Pinto de figueiredo
I
João da Maia da Gama
D. Mariana Teresa da Maia da Gama Abranches
Tinto de Figueiredo Morgado
Francisco da Maia e Gama Abranches Pinto de
Figueiredo
Francisco Maria da Maia c Ga
D. Maria Bárbora da Maia e Gama
Augusto da Maia e Gama Henriques
(201
ESQUEMA GENEALÓGICO II
FAMÍLIA MATERNA DO POETA
Troncos
Henrique Madeira Arrais ^e
i a Ramos b \ primários c j
irmão Simão Madeira
II D. Catarina Madeira
Arrais
III 1>. Maria Madeira Ar-
rais c. c. Fernão Gil
da Cosia
(Segue no Esquema III,
IV '"''
Henrique Madeira
I
Domingos Fernandes
Isabel Nunes de Men-
donça c. c. Simão Ma-
deira da Costa
1 fSe^ue no Esquema III,
1 aj
Jácome Madeira
Ve: ónica Nunes .
I R. secund.os j "
Brás Garcia Mascare-
nhas, c. c. 1). Maria
da Costa Fonseca
iSegue lio Esquema IVj
Felipe Madeira
Maria de .\U'squita
i
Felipe
Madeira
de
Mesquita
1
José da
Cosia de Mes-
quita
\
Felipe
M.ideira
da
Costa
Mesquita
1
1) iVarí
1 df Costa
i -
Manuel
Nunes
da
Costa
;
Francisco Madeira
da
Costa
de Mesqu
ta
D. Joaquina Máxima
da Costa de Mes-
quita
António da Costa de
Mesquita
(303)
ESQUEMA GENEALÓGICO III
FAMÍLIA DE D. MARIA DA COSTA,
MULHER DO POETA
Tronco
André Quaresma
Branca Quaresma
Fernão Gil da Costa c.
c. l). Maria Madeira Arrais
Gaspnr Dias da Costa
1^
Ramos primários
i*
Simão Madeira da Costa
c. c. Isabel N. de M.ca
D. Maria Jãcome de
Mendonça
Alexandre de Figuei-
redo Jácnme
Dr. Bernardo Duarte de
Figueiredo
Alexandre José de Fi-
gueiredo e Melo Car-
doso
D. Maria Madc
Costa
D.Maria da Costa Fon-
seca, mulher do poeta
/Segue no Esquema IVj
I ' Ramos " ], secundários '" j
António de Fifíuriredo
Miranda Brandão Cas
telo-Branco
D. Francisca de Figuei-
redo Godinho Soares
de Albergaria
Augusto Soares de Al-
bergaria Cabral
Francisco de Figueiredo
Cardoso e Melo
D. Ana Sancha Madeira
de Abreu Tovar e Al-
buquerque
Bernardo Madeira de
Abreu da Gama
D. Casimira Cândida de
I- igueiredo Cardoso e
Melo
Alexandre de Figueiredo
da Costa Soares de
Albergaria e Melo
Arnaldo Juzarte Faro
de 1'igueiredo
António Madeira da
Costa
Manuel de Brito Bar-
reto
Bento Madeira de
Castro
Manuel de Brito Bar-
reto de Castro
Francisco Xavier de
ririto Barreto da
Costa e Castro
Dr. António de Brito
e Castro de Figuei-
redo e Melo da Costa
). Maria Manuela de
Brito e Castro (Mar-
quesa de Pomares)
ESQUEMA GENEALÓGICO IV
DESCENDÊNCIA DO POETA
Tronco
(205)
Brás Garcia Mascarenhas (i.°|
c. c. D. Maria da Costa Fonseca
i
D. Quiléria Garcia Mascarenhas
i
José da Costa Mascarenhas
Brás Garcia Mascarenhas (-1.°)
i
D. Joana Mnrgarida de Mesquita Mascarenhas
Brás Garcia Mascarenhas (7.")
la
Ramos primários
Tomás Garcia
Mascarenhas
i ' Ramos " j secun- '" i dários "" l
bi
Vni João Tomás Gar-
cia Mascarenhas
IX Alberto Garcia
Mascarenhas
Francisco Garcia
Mascarenhas
António Garcia
Mascarenhas
lomis Brás Gar- ] Ab<-I Garcia Mas-
cia Mascareiílias : carenhas
Luís Augusto Gar-
cia Mascarenhas
Ivo Garcia Masca-
renhas
José Maria de Mes-
quita Garcia Mas-
carenhas
D. Constança Gar-
cia de Mesquita
Mascarenhas
D Leonor Xavier
Garcia Mascare-
nlias
José Garcia Masca-
renhas
ÍNDICES
I — índice geral dos capítulos, etc.
Pâg.
Prólogo 5
PRIMEIRA PARTE — Estudo de investigação Iiistórica
Cap. I — Família de Marcos Garcia, de Avô 9
• II — Nascimento, infância e juventude de Brás Garcia Mascarenhas . . 20
» III — Prisão e fuga do poeta 35
» IV — Homizio e regresso à pátria 64
» V — O poeta-fidalgo do Avô 104
» VI — Capitão e governador 189
B VII — O poetn-patriota de Avô 263
» VIU — No declinar da vida 327
» IX — Factos póstumos 349
. SEGUNDA PARTE — Estudo crítico-literário
Advertência 378
O «Viriato Trágico» 379
APÊNDICES
a) — Documentos (l)
b) — Notas genealógicas (97)
Nota I — Família paterna de Brás Garcia Mascarenhas (99)
» II —Família materna de Brás Garcia Mascarenhas ('6')
» III — Família de D. Maria da Costa Fonseca, mulher do poeta. . (169)
» IV — Descendência do poeta (i83)
c) Esquemas genealógicos (189)
II — índice das estampas
pág.
1 — Brasão de armas dos Garcias-Mascarenhas, de Folhadosa ii
2 — Brasão de armas dos Madeiras-Arrais, de Avô 17
3 — Flauta do largo da Portagem (Coimbra) e suas vizinhanças, com indica-
ção da cadeia, e do caminho seguido por Brás Garcia quando se evadiu 47
4 — Lado S.-O. do largo da Portagem, que ficava fronteiío às janelas da ca-
deia 48
5 — l'anorama de Coimbra, desenhado do natural antes de 1837, onde se vê
a antiga ponte sobre o Mondego, a torre com o arco que a rematava,
e a cadeia da Portagem 49
6 — Parte duma planta topográfica, desenhada em 1845, compreendendo a
antiga ponte de Coimbra com o O e respectivas rampas, e as ínsuas
da margem esquerda do iVIondego, por onde o poeta se evadiu .... 54
7 — Primeira página duma caita doutoral, passada em 1794 pela Universi-
dade italiana de Macerata Sg
8 — Vista da vila de Avô e cercanias, tirada da encosta do Norte 74
9 — Arco de' entrada, único resto que hoje subsisiste, do castelo de Avô . . 7S
10 — Vista da vila de Avô e cercanias, tirada do arrabalde a O. -S.-O 77
11 — Ruínas do castelo de Avô em 1871 78
12 — O que resta do castelo de Avô na actualidade (campus tibi Trota fuitlj 79
i3 — Pelourinho e casa da Câmara do extinto município de Avô 102
14 — Porta principal da casa de Marcos Garcia, voltada a S 110
i5 — Casa de Marcos Garcia vista de N.-E iii
16 — Mapa corográfico, abrangendo a maior parte da antiga província da Beira
e um canto da Estremadura i3o
17 — Cabeça romana de mármore, encontrada na Bobadela 144
18 — Arco romano da Bobadela «
19 — Inscrição romana da Bobadela 145
20 — Verga duma janela com decoração manuelina, existente na Bobadela. . 146
21 — Vista do lago do Pego, em Avô (lado S.-E), destacando à esquerda a
ponte sobre o Alva, e à direita a casa dos Garcias-Mascarenhas ... i56
22 — Vista do lago do Pego, em Avô (lado S.-O.), notando-se à esquerda a
casa dos Garcias-Mascarenhas, ao centro a ponte sobre o Moura, à
direita os dois ciprestes do jardim do poeta e as duas capelas contí-
guas, de Santo António e de S. Brás i58
índices (2 1 1)
Pig.
23 — Recanto formado pelas capelas de Siinto Amónio e S. Brás, vendo-se a
entrada desta iSg
24 — Altar e imagem da capela de S. Brás (em ruínas) 160
25 — Presbitério de Travanca-de-Farinha-Põdre : — celeiro e adega, e ruínas
da casa do cura i8i
26 — Presbitério de Travanca-de-Farinha-Pòdre: — ângulo N.-O. da adega e
casa do cura, — achando-se o lado ocidental todo coberto de heras. . 181
27 — Retrato de D. João IV 202
28 — Mapa corográfico da região fronteiriça portuguesa e espanhola, entre
Douro e Tejo 208
29 — Castelo do Sabugal, visto da margem esquerda do Côa 217
3o — Planta da fortaleza de Alfaiates 221
3i — Torre quinaria do castelo do Sabugal 256
32 — Retrato (deturpado) de Brás Garcia Mascarenhas 3io
33 — O castelo de Avô (ampliação de um cliché de 1871) 33i
34 — Frontispício da edição /T/iicí/JS do Viriato Tkac.ico 368
lil — índice dos fac-símiles de documentos
1 — Assento do baptismo cie Mnrcos Garcia, pai de Brás (1564) 12
2 — Assento do baptismo de Helena Madeira, mãe do poetii {i568) i3
3 — Assento do casamento de Marcos Garcia com Helena Madeira (i5yi) . 14-15
4 — Assento do óbito de António Alves de Abranches, avô paterno do poeta '
(iSgS) 66
5 — Assento do baptismo de Brás Garcia Mascarenhas (iSgô) 21
6 — Final dum instrumento de posse, lavrado pelo tabelião Felipe Madeira,
tio materno do poeta fi6o5) 120
7 — Assento do baptismo de D. Maria da Costa Fonseca, mulher de Brás
{1618) 32
8 — Assento do óbito de Ana Marques, avó paterna do poeta (1619) 66
9 — Princípio de um depoimento de Guspai- Dias da Costa, padrinho do poeta
e avô materno da mulher deste, em que o depoente declara a sua pro-
fissão de mercador (1624) 122
10 — Princípio de um requerimento autógrafo de Francisco Garcia, o mais
novo dos irmãos de Brás (i635) 116
11 — Único autógrafo conhecido do poeta Brás Garcia Mascarenhas (ifi^o). . 268
12 — Assento de matrícula, na faculdade de Leis, de André da Silva Masca-
renhas, plagiário do Vikiato Trágico (1640) 36o
i3 — Cana dos Arcebispos, governadores do reino, a comunicar à Universi-
dade de Coimbra a aclamação de D. João IV (1640) 200
14 — Carta de D. João IV à mesma Universidade, agradecendo as festas da
aclamação (1640) 2o3
i5 — Assento do casamento de Brás Garcia Mascarenhas (1645) 3io
IV — índice dos fac-símiles
de assinaturas autografas
I — António Fernandes, pároco da Bobadela (i564) 12
2-3— L.do António Dias, vigário de Avô (1 591, 1596) .... i5, 21
4 — Gaspar Dias da Costa, padrinho de Brás e avô materno da mulher deste 22
5 — P.e Simão Fernandes, cura de Avô (1618) 32
6-7 — Dr. Manuel Garcia, irmão do poeta (1G54) 58, ii5
8 — P.« Manuel da Gosta, pároco da Bobadela (1619) 66
9-10 — Marcos Garcia, pai de Brás (1625, 1648) 114
11 — P.e Pantaleão Garcia, irmão do mesmo 116
12 — P.« Matias Garcia, idem »
i3 — Henrique Madeira, irmão da Avó materna do poeta (1606) 118
14 — João Madeira, primo co-irmão do antecedente (i635) »
i5 — P.e Simão Madeira, beneficiado, irmão do precedente (1620) 119
16 — Felipe Monteiro, 2.° primo de Helena, mãe do poeta (i6o5) 120
17 — Subscrição autografa e sinal público do tabelião Felipe Madeira, irmão
da referida Helena (i6o5) „
18 — João Gomes Botelho, 2.° marido de Maria de Mesquita, prima de Brás
(1690) 121
19 — Simão Madeira da Costa, irmão da sogra de Brás (1619) i23
20 — João Manuel da Fonseca, sogro de Brás {i65o) »
21 — Francisco Dias da Costa, irmão da sogra do poeta (1625) 124
22 — Miguel Nunes de Matos, sobrinho do L.<^° António Dias (1648) 126
23-24 — P-^ Roque Dias de Matos, idem (1648, 1645) 126, 3 10
25 — P.e António Rodrigues, ecónomo da Colegiada de Avô (1619) 12G
26 — P.« Inácio Rodrigues, cura de Avô (1624) 127
27 — P.« João Caramelo, próximo parente do sogro do poeta (1019) »
28 — D. Sebastião de Matos, arcebispo primas de Braga, governador do Reino
após a restauração (1640) 200
29 — D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa, outro governador do Reino
(1640) »
30 — D. João IV (640) 2o3
3i — Brás Garcia Mascarenhas (1640) 268 c
32 — Bernardo Duarte de Figueiredo, juiz ordinário e tabelião (1664) 338
33 — Tomás Garcia Mascarenhas, filho do poeta (1G72) 352
(214) 'Brás Garcia óMascarenhas
pig.
34 — André da Silva Mascarenhas, que veiu a ser desembargador dos agravos
da Relação do Porto, e que publicou, como obra sua, bôa parte do
Viriato Trágico (i636) 36i
35 — José da Costa Mascarenhas, neto do poeta (1701) 371
36 — L.do Matias Quaresma da Fonseca, cunhado de Brás (1672) »
37 — Manuel Garcia Mascarenhas, neto do poeta (1701) 37a
» FINIS #
FINDOU A IMPRESSÃO DESTE LIVRO
NO DIA XXI DE NOVEMBRO
DE M.DCCCC.XXI
t mhi mu (miUmU ímiÚMUfmi
» AA'jt » a
íímíMM
.».i^« I
at'
>>:.-d-:-.-.>-i.--.-.>%!f.-.V^«;*
iliiiijiirwúi^HiXitjHia
i í » 4
:*-."^,^*.»-*,* ...».»>,"L.,._«.»ji. *,._,«:.«.>,•,., .«.«^«j
«■ ' « « . . b ^ .. ^ b « .1 :4 ■ s « X mjà tí.M ■ a^a u * « tt « «_m u ii_ ■ • ft^^i^ ■ ■ k s „• s u^a
.•»-■.
111 hl Éi W.iÉ 1 1 iXUA^ Wii^ W^^^^ i « - - i » K
Va"»M%"»V"BM*aLiflCa«_«r«VawVVa",i.J4%"a%"<aa»%%%"ii£w aS%"»«N%VVsrf
II itta« « » «»?«■••••»•«
Vasconcellos, António
Garcia Ribeiro de
Brás C3arcia Mascarenhas
. IJIiÉlílislIliJÉilJ
.... «'>>
S!5vírKXs»"Xva?"A'
teívXrííXs^^XvlHa'.
>aiV«*«>M5X»5"X»X'»«"X
.•«ttVaí:^M.:«:««í.K.;««:.*
Ç-X-X-:
Iilili
_»_a
-X-S»:-;
PLEASE DO NOT REMOVE
CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET
UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY
-. noa « Ji
^x»r".
'«mV
Hííí
í
ft((C*aUaWjM
CAr^Ã^íSíx-:--?:
íMiMmXwaí
■i*«i«»r»~a"«;
-x»x
^YjVmWiWiViWi
PIIJJIJMPJ.U."'.!
.««i ■l_«_B.
lllUJiJiXlJliJiJ
r
í*~X"X"«*'.»X%*»*«''X*b''"í
» a » * B » » « ai^a ■ >í «^^a
i,l.MXiiJ.M)i.UAiíJ
■-«ll«'
A''2~« U^~a d~tt 1^ « < S ;
;w 1^ ^M^' -^^^
'xr^^tié^
7—
O
h-
g
r--
5
ITE
O
\n
C/5
>
O o
' w
'-
2:
5
^T
O
O'
to
CN
O:
1— •
^—
<■
m
■^
(-:
3:
RANG
o
a>
Q CO
, -,' ^
\t>;/'^'
»^.-
RH
^^■V,?^kí:
,>'■"'' .'y^Í
'f;s*
J-7.
'.<
■ 1
■
-^- ■
í^
A^
»««.•> \
t'>V,
;i
■^.- ^^